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As Comunidades Aldeãs e a Formação das Estruturas Sociais na

África Austral

Os primeiros habitantes da África Austral ou a população mais antiga da África austral


foram provavelmente os falantes da língua koisan, cujos sobreviventes são os koi-koi ou
(hotentotes) de pequena estatura e pele amarelada, e os bosquimanos (San). A distinção
entre ambos situa-se basicamente no nível cultural. Segundo Fage p:121, os koi-koi ou

hotentotes eram pastores e dominavam as técnicas da olaria, cestaria, tecelagem e


metalurgia, enquanto isso os San (bosquímanos) eram caçadores recolectores nómadas
na idade de pedra.

É possível que fosse genericamente este o estado cultural dos koisan quando os bantus
entraram em cena.”O termo koisan deve sem dúvida ser preferido, pois resulta das
designações que os hotentotes e bosquímanos se atribuíam a si próprios – koi e San
respectivamente.” (Fage,1995, p:20).

Assim sendo, a sua densidade populacional teria sido inferior à densidade até então
alcançada pela comunidade de agricultores bantus, tendo como consequência a sua
incapacidade de resistir ao avanço destes últimos. Terão sido exterminados,
influenciados ou assimilados pela sociedade e pela cultura dos grupos bantu, ou
empurrados para zonas que não interessavam aos bantu.

“Os bantu não estavam nada interessados em colonizar terras onde a agricultura não
assegurasse a subsistência, o que era corrente, em virtude de um índice de pluviosidade
anual inadequada ou insuficiente”. (Fage 1995, p:121). Para efeitos de constituição de
núcleos próprios, certos grupos koisans foram se fixar na região cada vez mais árida no
extremo sudoeste do continente, que culmina no deserto da Namíbia e no deserto

vizinho do calaari.

Hoje em dia, quase todos os sobreviventes se encontram distribuídos em redor das


franjas desta região e é no próprio calaari que os poucos San que sobreviveram caçam e
colhem. “A sul dos 20º de latitude sul, mais de metade das terras do interior recebe em
média menos de 400mm de precipitação por ano, sendo por conseguinte, pouco
propícias para a agricultura”.(Fage, 1995, p:122).
Deste modo e muito embora existam bons vestígios arqueológicos de os agricultores da
idade do ferro haviam atravessado o Limpopo e se começaram a se instalar no
Transvaal, Suazilândia e Natal a partir do século IV, o seu subsequente avanço na
África meridional foi relativamente lento.

O gado passou a ter uma importância cada vez maior na sua economia e sociedade, e a
colonização centrou-se nas planícies costeiras melhor irrigadas, antes de avançar para o
interior. A sedentarização nas terras altas de pastagens da savana só se terá iniciado
cerca de 1300, e no litoral os bantos podem só ter alcançado o rio kei próximo do século
XVI (altura em que dispomos de fortes indícios da sua presença através das narrativas

dos marinheiros portugueses naufragados).

É por esta razão que as línguas bantu localizadas a mais sueste terão sofrido uma
influência tão significativa do discurso koisan; pois, a sua expansão final teria se
registado num processo lento e experimental por parte de pequenos grupos de pessoas, e
grande parte desse avanço se ter processado através da absorção de muitos habitantes
que falavam koisan nas suas próprias estruturas sociais.

Civilizações que floresceram pelo domínio da técnica da metalurgia de ferro e prática da


agricultura e pastorícia África herdou a técnica da metalurgia de ferro a partir do
próximo oriente, donde foi difundido há mais ou menos antes de cristo (1200 a.c.); mais
tarde chegou ao Egipto e, no século seguinte espalhou-se pelo norte do nosso
continente.

Do Sudão (termo etnográfica aplicado a todo o conjunto do s territórios de uma estreita


faixa ao sul do Saara, que os primeiros geógrafos árabes considerava terra habitada por
povos negros), o ferro subdividiu-se em dois ramais: o primeiro ramal dirigiu-se a
região dos grandes lagos e o segundo para a região das grandes florestas equatorial.

Em seguida as rotas unificaram-se e tomaram rumo sul a partir dos núcleos proto-bantu-
um, proto-bantu-dois e proto-bantu-três. Já na região Austral de África, o ferro teria
dado lugar ao surgimento de novas formações políticas e etnolinguísticas.”O
povoamento banto da África austral teria sido iniciado num processo de expansão
encetado na orla noroeste das grandes florestas congolesas há cerca de três mil anos
para a bacia do Congo e África oriental, e de uma migração relativamente rápida
para o sul. A difusão quase simultânea da nova tecnologia de ferro na zona dos grandes
lagos e África austral (...) teria acelerado o processo (...)”.(J.H. Greenherg, In Serra
2000,p:12).

O conhecimento e difusão da técnica da metalurgia de ferro; o aumento da produção e


da população levando a expandir as terras de agricultura e pastagens; as disputas
territoriais pela posse de terras férteis; são mencionadas como principais causas da
expansão dos bantos para o sul de África

As principais características das primeiras sociedades da região Austral de África

No âmbito da produção

É claro que a prática da agricultura requeria relações de produção e práticas organizadas


com certa sistematização e permanência. Se por um lado o parentesco constituía um
sistema das relações de produção, por outro ele era o conjunto de laços que uniam
geneticamente (por filiação ou descendência ou ainda, voluntariamente por aliança ou
pacto de sangue) um certo número de indivíduos.

O parentesco é essencialmente uma relação e nunca coincide completamente com


consanguinidade, isto porque, com o parentesco biológico, cada indivíduo teria
efectivamente um número muito elevado de parentes.

No fundo desde que se rebuscasse, de forma profunda, as raízes de cada um dos


membros de uma sociedade, em particular nas sociedadespequenas, chegar-se-ia a
conclusão de que todas as pessoas são parentes.

Pois, na prática, o número de parentes de um indivíduo duplicaria em cada geração e


todos aqueles que descendem de um ramo ou de outro destes múltiplos pares de avós
seriam parentes, o que não é verdade.

Assim deluido, indiferenciado e generalizado, o parentesco não poderia ser uma base de
classificação dos indivíduos no sentido de grupos de parentesco diferentes e até opostos
e, consequentemente, o parentesco não poderia ser um princípio de organização social.
Para que o parentesco possa ser um princípio lógico de classificação quer de uns
indivíduos em relação aos outros, quer dentro de cada grupo de parentes e de um grupo
de parentes em relação a outro grupo no seio da sociedade, é necessário que nem todos
os consanguíneos sejam conhecidos como tal.

Certas categorias destes devem ser excluídos do parentesco. Assim podese considerar
uma linha de ascendência com a exclusão das outras, isto é, uma filiação unilinear em
linha paterna ou materna. Também podem ser consideradas as duas linhas atribuindo-
lhes funções distintas, resultando a dupla filiação unilinear ou filiação bilinear. Também
pode reconhecer-se ao mesmo tempo o parentesco do lado paterno e do lado materno

constituindo filiação indiferenciada ou bilateral ou ainda cognática. (Considerava-se


linhagem um grupo de parentes que descendiam de um antepassado comum através de
uma filiação paterna ou filiação materna).

Faziam parte da linhagem também os parentes que entravam por casamento e que
constituam elementos indispensáveis para a população e reprodução biológica.

A linhagem era conhecida como entidade autónoma na sociedade. Cada linhagem era
dirigida por um chefe com poderes político, jurídico e religioso. O chefe da linhagem
era coadjuvado por um conselho de anciãos. O conjunto dos chefes das linhagens e dos
clãs formava aaristocracia dominante, enquanto que as comunidades aldeãs
(camponeses, e artífices) constituíam a classe dos subjugados e súbditos.

Não obstante, a diferença de linhagem matrilinear ou patrilinear, em ambas as


comunidades aldeãs, as funções políticas eram (e ainda são até hoje) exercidas pelos
homens; razão pela qual são consideradas ambas de machistas.

Em Moçambique, na definição de parentesco, o princípio mais generalizado é o da


filiação unilinear, isto é, privilegia-se uma única linha, podendo ser paterna (no sul) ou
materna (no norte de Moçambique). É importante referir que não existe uma filiação
unilinear pura; todas as sociedades admitem de certo modo, o parentesco nas duas

linhas.

Contudo, em regime de filiação unilinear, a tónica é posta numas duas linhas de modo
que, neste aspecto, a exclusão do parentesco é muito importante. Os parentes do lado
materno num sistema patrilinear, ou os parentes do lado paterno num sistema
matrilinear embora não constituam um grupo em si, não deixam de exercer um papel
importante nas relações entre grupos de filiação unilinear.

O parentesco do lado não predominante influi no estatuto dos indivíduos no que diz
respeito a herança de bens, transmissão de funções, valorização do estatuto dos filhos
etc. Face a natureza polémica desta classificação, alguns autores preferem de sociedade
com predominância patrilinear ou sociedade com predominância matrilinear.

Partindo deste sistema de parentesco, surge nestas sociedades um sistema de


organização da produção, a terra é tida como património da sociedade e não uma
propriedade e produziam essencialmente cereais (milho e mexoeira) para a alimentação
das comunidades. A agricultura era fundamentalmente uma actividade feminina; a
recolecção caça e pesca era praticada pelos homens e que serviam como complemento
da dieta alimentar. Também se praticava a pastorícia (criação de gado bovino),
excepcionalmente a sul do Save. Outras actividades eram a olaria, ametalurgia e
produção têxtil com o fim de suprir as necessidades domésticas e os excedentes entrava
no circuito de trocas.

Organização política, social e económica.

Verifica-se que dentro das linhagens e das famílias alargadas nas primeiras sociedades,
cristalizavam-se as políticas das relações de produção. Á frente de cada linhagem ou
família alargada estava um chefe com poderes políticos, jurídicos e religiosos e com um
conselho de anciãos. As funções políticas eram exercidas pelos homens. Sendo a terra

património da linhagem ou da família, cabia ao chefe a sua distribuição e estabelecer


relações e alianças de matrimónio (pelo lobolo no sul de Moçambique).

Particularmente em Moçambique, uma linhagem comportava um grupo de parentes que


descendiam de um antepassado comum através de uma filiação materna (no norte) e
paterna (no sul). Esta realidade conferiu o surgimento consuetudinário dos órgãos de
poder e da hierarquia política nas antigas sociedades da África Austral e de
Moçambique em particular.
Ideologia

As crenças mágico-religiosas e outros aspectos ideológicos desempenharam nessas


sociedades um papel muito importante, constituindo uma arma fundamental do poder,
da coesão e de aparente imobilidade. Os chefes das linhagens e os chefes territoriais
imploravam aos antepassados para si e para o seu povo, as chuvas, saúde, protecção,

etc. Para tal existiam cultos como: mhondoro, que era o culto territorial desenvolvido
nas regiões de Tete, Manica e Sofala; e mwari, entre os karanga-shona. Tais cultos eram
assistidos por especialistas como os swikiro que deviam conhecer profundamente a
história genealógica dos Mwenemutapas (caso do centro de Moçambique); estes
contavam a história do império e memorizavam os acontecimentos relativos a história

dos familiares dos chefes e a sua sucessão.

O ancião mais velho das mushas era conhecido por mukuru ou (mwenemusha). As
residências desses chefes constituíam-se em centros com funções centrais; (Zimbabwe)
entre os shonas; (mandlakazi ou manjacaze) entre os ngunes. Estes centros resumiam-se
em residências dos chefes ou fortificados ou ainda capitais.

As Principais Diferenças Sócio-Políticas entre o Norte e o Sul de

Moçambique

As diferenças sócio-políticas entre o norte e o sul de Moçambique surgiram através das


condições naturais das comunidades. Ao norte do Zambeze, as florestas com mosca tsé-
tsé, dificultaram o desenvolvimento da actividade pecuária (actividade essencialmente
masculina), privilegiando a agricultura dedicada a actividade feminina. Partindo do

princípio segundo o qual o poder económico é basilar para o poder sóciopolítico, o


grupo parentesco no norte do Zambeze passou a ser matrilinear. Enquanto isso, no sul
do Zambeze a criação de gado teve mais peso e, sendo actividade essencialmente
masculina, surgiu pelas razões acima referidas uma comunidade patrilinear.

Os primeiros centros urbanos em Moçambique

- Noção: Centros urbanos são povoações com uma população mais numerosa do que é
comum para aldeias da população rural e com funções centrais.
Características de centros urbanos:

Existência de uma administração pública com funções tributárias;

Possibilidades mais amplas dos habitantes na participação na vida política e social;

Beneficiação directa ou indirecta da redistribuição dos impostos e tributos;

Participação mais directa dos habitantes na vida social e económica de elite;

Como centro comercial, administrativo e religioso, exerce funções para a área


circundante.

Desde os tempos remotos os grandes centro de Moçambique foram:

a) A capital do Zimbabwe, que foi permanente por mais de um a dois séculos.

b) A capital dos Mutapas, que permaneceram por mais ou menos um reino.

c) A capital de Gaza e Mataca, que duravam por mais ou menos cinco anos.

d) Os vários centros costeiros e junto dos rios, que eram mais permanentes.

Antes da chegada dos portugueses existiam centros como: Chibuene (sul

de Vilanculos); Sofala; Ilha de Moçambique; Quirimbas; Ilha de Vamizi (sul de Cabo


Delgado); e Somana (na baia de Nacala). Os portugueses continuaram a utilizar alguns
destes centros. Depois da separação administrativa de Moçambique da Índia, em 1752,
foi introduzido o municipalismo em sete povoações entre 1762 e 1764: Inhambane,
Sofala, Tete Sena, Quelimane, Moçambique e Ibo. Em 1818 a Ilha de Moçambique foi
elevado a cidade com cinco mil habitantes

As primeiras sistematizações culturais entre agricultores em Moçambique

Segundo Serra, desde cercade 1700 anos, novos grupos etnolinguísticos (Bantos),
começaram a povoar a região austral de África. Desses novos grupos fazem parte os
actuais habitantes de Moçambique.

Contrariamente aos anteriores habitantes da região (hotentotes e bosquímanos) que eram


recolectores e caçadores, os bantos praticavam a agricultura de itinerância e a pastorícia.
O trabalho e especialização nos objectos de metais principalmente o ferro, constituiu o
maior factor que os levou a dominar facilmente as antigas populações que encontraram.

O grande Zimbabwe e particularmente as estações arqueológicas de Manhiquene,


Matola, Xaixai, Vilanculos, Bajone, Monapo e outras que ainda requerem trabalho de
campo, demonstram de forma viva o alto nível de civilização a que essas comunidades
tinham atingido.

A maior parte dessas estações, tiveram na altura funções centrais de um conjunto de


populações que escolheram os planaltos e principalmente as planícies costeiras para a
sua gradual progressão em direcção ao sul, atingindo a baía do Maputo por volta do ano
200 n.e. Nestas sociedades de classes em Moçambique, a prática da agricultura requria
relações de produção e práticas organizadas em certa sistematização e permanência.

Se por um lado o parentesco constituia um sistema de relações e produção, por outro ele
era o conjunto de laços que uniam geneticamente (por filiação ou descendência ou ainda
voluntariamente por aliança ou pacto de sangue) um certo número de indivíduos,
formando linhagens isto é grupo de parentes descendentes de um antepassado comum
através de uma filiação paterna no sul do zambeze e materna no norte deste rio.

A linhagem era uma entidade autónoma na sociedade e era dirigida por um chefe com
poderes políticos, jurídico e religioso. As manifestações mágico-religiosas nos
váriosgrupos etnolinguísticos de Moçambique quer no sul, centro e quer no norte,
revelaram e revelam até hoje questões similares ao politeísmo, venerando a vários
deuses, simbolizados por diferentes animais que identificam a cada linhagem: os njovos,
veneram a elefante; os ngonhamos assim como os inhamundas veneram a leões; os

simangos assim como dhalacamas veneram a macacos ou mapossas, veneram a porco


espinho; os muchangas ou dubes, veneram a zebra, os moianes, a ovelha ou cordeiro.
Sendo seus deuses são proibidos de os consumir. Pela mestiçagem de linhagens, triboes
e diversas culturas rássicas essas tradições são hoje pouco respeitadas...

Apesar dessas várias divindades, cada unidade política sempre venerou de forma
colectiva os deuses venerados pela a aristocracia dominante da sua unidade política pois
foi sempre ao chefe a quem coube suplicar aosdeuses pedindo para si e para o seu povo
as chuvas, a abumdância das colheitas etc. Por exemplo, o chefe tradicional da Beira
Zingombe, ou (a grande vaca), é junto a este que o povo da beira venera ao zingombe

pedindo as chuvas, o fim de tempestade etc.

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