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INTRODUÇÃO À

LINGUÍSTICA

Aline Azeredo Bizello


Subáreas da linguística
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer a linguística como disciplina científica.


 Descrever as subáreas da linguística.
 Relacionar a linguística aplicada à linguística teórica.

Introdução
O percurso histórico da linguística inicia com os estudos sobre linguagem
na Antiguidade. Esses estudos, no entanto, eram muito abstratos. Com o
passar do tempo, foram sendo estabelecidas pesquisas que objetivavam
analisar os fatos observáveis. Isso deu início aos estudos comparativos
entre as línguas e consolidou, muitos séculos depois, a linguística como
ciência. Dessa forma, foi possível analisar, descrever e explicar os fenôme-
nos linguísticos, o que pressupõe uma reflexão crítica bem fundamentada
teoricamente.
Compondo a área da linguística, existem subáreas para tratar desses
fenômenos, a saber: fonética, fonologia, morfologia, semântica, sintaxe,
pragmática e estudos do discurso. No século XX, surgiu a linguística
aplicada, visando empregar os estudos linguísticos às situações reais de
uso da linguagem.
Neste capítulo, você vai estudar como a linguística se firmou como
ciência, acompanhando o percurso histórico da disciplina e suas subá-
reas. Além disso, você vai conhecer a relação entre linguística aplicada e
linguística teórica, vendo como a teoria é adotada à realidade concreta
da linguagem.

A linguística como disciplina científica


Para compreender o percurso histórico da linguística, vamos partir da defi-
nição de André Martinet, que diz que “A linguística é o estudo científico da
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linguagem humana”. Um estudo é considerado científico na medida em que se


propõe a observar fatos e “[…] se abstém de propor qualquer escolha entre tais
fatos, em nome de certos princípios estéticos ou morais”. O autor contrapõe
científico a prescritivo. Não é objetivo da linguística, portanto, prescrever
normas, e sim descrever os fenômenos que ocorrem na linguagem. Ele explica
que […] como o objeto desta ciência constitui uma atividade humana, é grande
a tentação de abandonar o domínio da observação imparcial para recomendar
determinado comportamento, de deixar de notar o que realmente se diz para
passar a recomendar o que deve dizer-se (MARTINET, 1978, p. 23).
No entanto, com essa definição, constata-se o caráter científico da lin-
guística e sua finalidade: registrar as observações dos fatos linguísticos. Que
caminhos, então, foram trilhados antes para que a linguística se tornasse o
que é?
O interesse pela linguagem é muito antigo: no século IV a.C., os hindus
estudaram a língua para que os textos sagrados não sofressem modificações.
Seus gramáticos descreveram a língua como forma de registro de modelo.
Os gregos, representados pela figura de Platão, tentavam relacionar palavra
e sentido e centravam-se nas questões filosóficas da linguagem, ignorando
as variações linguísticas. Os filólogos alexandrinos elaboraram gramáticas
que visavam perpetuar a linguagem dos textos clássicos e consideravam as
variações linguísticas como desvios.
Durante o Império Romano, o gramático Varrão destacou-se na produção
de uma gramática, que foi tratada como obra de arte. Na Idade Média, houve
um reforço no uso e na importância das regras gramaticais e a perspectiva
doutrinária se mantinha. Com a Reforma no século XVI, os livros sagrados
foram traduzidos para várias línguas. Nos séculos seguintes, a preocupação
com as regras e com um modelo ideal de língua continua.
No século XIX, surgiu o interesse maior pelas línguas vivas. Dessa forma,
aos poucos, os estudos abstratos sobre a linguagem foram cedendo espaço aos
estudos comparativos entre línguas. Margarida Petter (2003, p. 7) explica que:

O pensamento linguístico contemporâneo, mesmo que em novas bases,


formou-se a partir dos princípios metodológicos elaborados nessa época,
que preconizavam a análise dos fatos observados. O estudo comparado das
línguas vai evidenciar o fato de que as línguas se transformam com o tempo,
independentemente da vontade dos homens, seguindo uma necessidade própria
da língua e manifestando-se de forma regular.

Nesse contexto de interesse pela comparação entre o modo de falar é


que surge a linguística. O marco inicial é a publicação de Franz Bopp (1816)
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que compara sânscrito e grego. Nessa época, portanto, a linguística fazia


investigações históricas e encontrava relações de parentesco entre as línguas
indo-europeias. Para essas investigações, utilizava-se o método histórico-
-comparativo. Borges Neto (2004) afirma que o método histórico se dedica
ao caráter histórico dos fenômenos da língua. O objeto de estudo é a variação
linguística no tempo e no espaço. Deixa-se de lado então o pensamento de
que a linguística deveria buscar uma essência da língua para se ocupar da
língua como um fenômeno humano e social e que, portanto, sofre alterações
ao longo da história. O propósito passou a ser a descrição dessas mudanças
e das leis que as regem.
Essa observação marca duas questões: a perspectiva de tomar a linguística
como ciência e a necessidade de investigar a existência de uma língua-mãe
a qual outras línguas estariam associadas. Para as duas questões, a resposta
é linguística histórico-comparativa. Afinal, o método histórico rendeu um
caráter científico, e a comparação gerou o desejo de conhecer mais as línguas.
Aliás, com esse método, os estudiosos notaram não só que a língua muda com o
tempo, mas também que a fala tem peso significativo nessas mudanças. Assim,
a linguística moderna passou a dar prioridade ao estudo da língua falada.
No início do século XX, foram divulgados os trabalhos de Ferdinand Saus-
sure, e sua obra Curso de linguística geral (1916) legitima a denominação de
ciência para os estudos linguísticos. Antes disso, as exigências de áreas como
lógica, filosofia, retórica, história e crítica literária não davam autonomia à
linguística. Com as observações dos fatos da linguagem, o método científico
se concretizou. Como afirma Margarida Petter (2003, p. 8):

O trabalho científico consiste em observar e descrever os fatos a partir de


determinados pressupostos teóricos formulados pela linguística, ou seja, o
linguista aproxima-se dos fatos orientado por um quadro teórico específico.
Daí ser possível que para o mesmo fenômeno haja diferentes descrições e
explicações, dependendo do referencial teórico escolhido pelo pesquisador.

Além disso, a linguística tem como objeto de estudo as línguas naturais.


Desse modo, de acordo com alguns estudiosos (PETTER, 2003), é definida
como uma área da semiótica, pois investiga os sistemas de signos utilizados
para a comunicação humana, ou seja, detém-se na investigação científica da
linguagem verbal humana.
A linguística é uma ciência, porque descreve e explica fatos de uma ou
mais línguas. Os linguistas são capazes de comparar línguas e identificar seus
princípios de funcionamento, suas semelhanças e diferenças. São, portanto,
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cientistas, pois não julgam pronúncias e vocabulários, por exemplo. Apenas


estudam os fenômenos, descrevem e tentam explicá-los. Dessa forma, a língua
é examinada empiricamente, isto é, principalmente na fala das comunidades.
Os linguistas precisam ter uma organização sistemática para que a pesquisa se
concretize. Ele então coleta, organiza, seleciona e analisa os dados linguísticos.
Com os resultados que obtêm, eles comparam as línguas. Assim, é desenvolvida
uma teoria geral da linguagem.
Nessa perspectiva, há dois campos distintos: linguística geral, que concei-
tua e cria modelos para respaldar a análise da língua; e linguística descritiva,
que propicia dados, confirmando ou negando as teorias da linguística geral.
De acordo com Petter (2003, p. 16), “[…] são duas tarefas interdependentes:
não pode haver linguística geral ou teórica sem a base empírica da linguística
descritiva”.
Evidencia-se, assim, a mudança de ponto de vista nos estudos linguísticos:
no século XIX, havia um estudo diacrônico, centrado na história das línguas
para efetivar a comparação. Depois das postulações de Saussure, surgiu uma
perspectiva sincrônica: analisar os fatos em dado momento. Entretanto, a
complementaridade entre diacronia e sincronia é clara: os fatos podem ser
observados quanto ao seu funcionamento em um dado momento (sincronia),
mas suas transformações só podem ser estudadas considerando as transfor-
mações da língua ao longo do tempo (diacronia).
Para que esses estudos permitissem a descrição de uma língua, foi neces-
sário desenvolver uma metodologia. Para tanto, estabeleceu-se um corpus
formado por frases utilizadas pelos nativos, independentemente de estarem
de acordo com a gramática normativa.

Corpus é um conjunto de dados linguísticos coletados para análise. Nesse caso, as frases
dos nativos de uma região foram coletadas, formando um corpus, para examinar fatos
da língua falada. No entanto, um corpus pode ser composto por textos se o objetivo
for estudar a língua escrita, por exemplo.

Essa finalidade de depreender a estrutura de frases, morfemas, fonemas e


regras de combinação revelam uma postura teórico-metodológica. Esse caráter
científico se fundamenta em dois princípios: o empirismo e a objetividade.
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Segundo Petter (2003, p. 21), “[…] a linguística é empírica porque trabalha


com dados verificáveis por meio de observação; é objetiva porque examina
a língua de forma independente, livre de preconceitos sociais ou culturais
associados a uma visão leiga da linguagem”.
Em suma, a linguística pode ser considerada uma ciência, pois tem um
objeto de estudo determinado (a língua humana, que permite a comunicação),
uma metodologia científica (histórico-comparativa). Desses estudos, surgiram
subdivisões da linguística.

Subáreas da linguística
A linguística é uma disciplina científica que estuda o funcionamento da lin-
guagem e das línguas naturais em diferentes níveis e perspectivas. As linhas
de investigação se tornaram subáreas dentro da linguística que atuam sob
uma metodologia interdisciplinar. As principais linhas de investigação na
linguística contemporânea são: fonética, fonologia, morfologia, semântica,
sintaxe, pragmática e estudos do discurso.
A fonética estuda os segmentos sonoros, privilegiando as características
físicas e fisiológicas, ou seja, os sons divisíveis que podem ser medidos fisi-
camente. Eles são chamados de fones, unidades mínimas que se organizam
linearmente em variadas línguas. Esses fones ocorrem um após o outro,
não podem ser pronunciados ao mesmo tempo. A descrição desses sons é
feita por meio de três dimensões: articulatória-motora, auditiva, perceptual
e acústica. A primeira analisa as reações do aparelho fonador, a segunda
lida com a percepção do ouvinte, e a terceira observa as propriedades físicas
da onda sonora produzida pela passagem pelo aparelho articulador. Cada
uma dessas dimensões apresenta um componente: frequência, amplitude e
tempo. Esses três componentes permitem a análise dos aspectos segmentais
e suprassegmentais da fala.
A fonologia lida com os aspectos segmentais e suprassegmentais dos sons
da fala. Os aspectos segmentais são aqueles que podem ser detectados nos
próprios sons. Esse é o caso do modo de articulação e dos articuladores que
o produzem (ativo e passivo). Já os aspectos suprassegmentais não podem ser
detectados nos sons. É necessário que eles estejam em um sintagma para que
as propriedades sejam percebidas. É o caso do acento e do tom.
Se na fonética o som é visto sob o ponto de vista físico, na fonologia, é visto
sob o ponto de vista da semiótica. Nas palavras de Paulo Chagas de Souza e
Raquel Santana (2003, p. 35) “[…] os sons não são vistos apenas como sons
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em si mesmos, mas em termos das relações que estabelecem entre si e das


relações que os unem ao plano do conteúdo”.
Nas análises fonológicas se evidencia o caráter linguístico da pesquisa.
Por exemplo, constata-se que:

[…] dois sons diferentes, mas materialmente semelhantes podem funcionar


como se fossem o mesmo elemento ou como se fossem elementos diferentes.
É o que Saussure tinha em mente quando elaborou o conceito de valor, que
é algo relativo a cada sistema linguístico. O mesmo som encontrado em sis-
temas linguísticos distintos pode apresentar valores diferentes, dependendo
de suas relações com os demais elementos existentes. Assim, o valor de um
elemento não é apenas aquilo que é, mas também aquilo que ele não é, ou seja,
a quais outros elementos ele é igual e de que outros elementos ele é diferente
(SOUZA; SANTANA, 2003, p. 37).

A linguística estuda as formas das palavras por meio da morfologia. No


século XIX, investigou-se as raízes do indo-europeu para tentar encontrar
a origem da linguagem. Porém, o que esse estudo permitiu foi, por meio do
estudo comparativo entre línguas, a formulação de uma tipologia morfológica.
As línguas poderiam ser de três tipos: isolantes (as palavras não podem
ser segmentadas em partes menores), aglutinantes (as palavras combinam
raízes e afixos) e flexionais (as raízes se combinam a elementos gramaticais,
que indicam a função das palavras). Com o tempo, viu-se que as línguas não
podem ser totalmente de um tipo, principalmente, com os estudos de línguas
que não faziam parte do domínio indo-europeu.
Constatou-se, também, que o critério sintático é a melhor opção para de-
terminar a definição de palavra: “[…] o elemento mínimo que pode ocorrer
livremente no enunciado ou pode sozinho constituir um enunciado” (PETTER,
2003, p. 62). Os critérios semântico e fonológico são considerados pela maioria
dos linguistas como insuficientes, pois não determinam o que é uma palavra,
por exemplo, nas línguas polissintéticas.
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Línguas polissintéticas são aquelas que apresentam uma quantidade grande de


morfemas. É o caso de várias línguas da família tupi-guarani. Morfema é a menor
unidade linguística com significado, incluindo raízes, afixos, formas livres, formas presas
e vocábulos gramaticais (preposições, conjunções).

Nesse caso, entende-se por palavra uma sequência sonora que corresponde
a uma resposta mínima a uma pergunta. Além disso, percebeu-se que há
unidades mínimas com significado, chamadas de morfemas. Se o morfema
é considerado a unidade mínima, é sinal de uma pesquisa relacionada ao
estruturalismo, que buscava identificar os morfemas nas diferentes línguas.
Nos estudos de morfologia, há dois campos: morfologia lexical e morfologia
flexional. A primeira investiga os mecanismos de formação de palavras novas,
e a segunda estuda os mecanismos de informações gramaticais.
Já a sintaxe estuda o conhecimento inato do usuário da língua sobre a
organização dos itens lexicais para formar itens lexicais complexos, sequências
complexas e formações cada vez mais complexas até chegar ao nível da sen-
tença. Essa competência linguística diz respeito também às combinações
intermediárias: na formação de uma sentença, não há linearidade e sim hie-
rarquia. Esmeralda Vailati Negrão e Ana Paula Scher Evani de Carvalho Viotti
(2003, p. 82) afirmam:

Essa nossa competência também nos indica que uma sentença se constitui
de dois tipos de itens lexicais: de um lado, estão aqueles que fazem um tipo
particular de exigência e determinam os elementos que podem satisfazê-la; e,
de outro, estão os itens lexicais que satisfazem as exigências impostas pelos
primeiros. Portanto, a finalidade dos estudos de sintaxe é verificar como
esse conhecimento linguístico pode ser usado na análise das estruturas das
sentenças de uma língua.

Os estudos de sintaxe observam todos os itens lexicais de uma língua para


organizá-los em grupos, de acordo com os comportamentos comuns. São as
chamadas categorias gramaticais. Estudar a estrutura das sentenças é uma
tarefa que envolve a ativação de um conhecimento que o usuário da língua
já tem. Para tanto, é preciso enfatizar que a sentença surge da estruturação
hierárquica entre categorias gramaticais.
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A língua é viva. Por isso, é preciso observá-la e analisá-la constantemente.

A semântica, por sua vez, estuda sistematicamente o sentido das línguas


naturais. Que sentido é esse? Para começar, é importante lembrar da definição
de signo: é a relação entre um significante e um significado, ou seja, de uma
imagem acústica (de ordem fonológica) desse signo e de seu conceito (de ordem
semântica). Pietroforte e Lopes (2003, p. 115) afirmam que:

Se as expressões das línguas humanas apontam para conceitos situados fora


delas e concebidos como independentes desta ou daquela língua natural,
isso quer dizer que tais conceitos são universais, logo imutáveis para todo e
qualquer ser humano, pouco importando em que cultura este tenha nascido
e sido criado.

Saussure e os estudiosos que compartilham de suas ideias postulam que a


linguagem está presente em todas as atividades humanas. Logo, ela pode ser
a fonte de inspiração, de sentido, e não as coisas. Eles tratam, dessa forma, do
mundo de sentido construído pelo homem, por isso defendem que as línguas
sejam estudadas a partir da forma como elas interpretam e categorizam o mundo
material, atribuindo-lhe sentido. Isso significa que a semântica linguística,
na atualidade, está mais voltada à retórica do que às questões filosóficas e
mentais (o que é real, como o cérebro funciona, por exemplo).
Atualmente, valorizam-se também traços semânticos provenientes do
contexto. Nesse sentido, as acepções de dicionários não são rechaçadas e sim
transformadas parcialmente, de acordo com a intersubjetividade do discurso.
O desenvolvimento de várias semânticas (textual, semântica cognitiva,
lexical, argumentativa, discursiva) revela que existem diferentes percepções do
que é significado e que o estudo do sentido pode ser realizado sob diferentes
fundamentos e perspectivas.
A pragmática estuda o uso da língua, isto é, refere-se à utilização prática
da linguagem. Suas pesquisas estão diretamente ligadas à dimensão chamada
de enunciação (capacidade do falante de produzir enunciados). Isso signi-
fica que há fatos linguísticos que dependem da enunciação para que sejam
entendidos. Esse é o caso de palavras utilizadas para marcar tempo e lugar,
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como “agora”, “amanhã”, “eu”, “isto”: o sentido delas dependerá da situação


de enunciação. José Luiz Fiorin (2003, p. 163) afirma que há dois conjuntos
em um texto: “[…] a enunciação enunciada, que é o conjunto de marcas, nele
identificáveis, que remetem à instância de enunciação; o enunciado, que é a
sequência enunciada desprovida de marcas de enunciação”. Além disso, há
dois elementos essenciais para a enunciação: o tempo e o espaço, pois uma
pessoa realiza um enunciado em um lugar e um momento. Esse sujeito é,
portanto, o ponto de referência.
Entretanto, nem sempre a pessoa do discurso evidencia quem é esse sujeito.
É comum que os brasileiros misturem as flexões dos verbos conjugados na
segunda e na terceira pessoa do singular, por exemplo, como em: “Tu encontrou
aquele livro”, em vez de “Tu encontraste aquele livro”. Daí a importância da
situação de enunciação. Ela especifica e determina quem são os participantes
do ato de comunicação.
Os estudos do discurso examinam a linguagem enquanto discurso, ou seja,
observam a organização global do texto: as relações entre a enunciação e o
discurso enunciado e entre o discurso enunciado e os fatores sócio históricos
que o compõem. Portanto, a análise do discurso aproxima-se da semiótica,
pois ambos analisam o texto (e não palavras ou frases) e buscam os sentidos
do texto, isto é, o que constrói os sentidos desse texto. Nessa perspectiva:

[…] o texto se organiza e produz sentidos, como um objeto de significação, e


também se constrói na relação com os demais objetos culturais, pois está inse-
rido em uma sociedade, em um dado momento histórico e é determinado por
formações ideológicas específicas, como um objeto de comunicação. Definido,
dessa forma, por uma organização linguístico-discursiva e pelas determinações
sócio históricas, e construído, portanto, por dois tipos de mecanismos e de
procedimentos que muitas vezes se confundem e misturam, o texto, objeto
da semiótica, pode ser tanto um texto linguístico, indiferentemente oral ou
escrito, quanto um texto visual, olfativo ou gestual, ou, ainda, um texto em
que se sincretizam diferentes expressões, como nos quadrinhos, nos filmes
ou nas canções populares (BARROS, 2003, p. 188).

Em síntese, a linguística atua em diversos campos relacionados à linguagem.


Suas principais subáreas são, na realidade, oriundas das partes constituintes da
língua. Entretanto, de acordo com o enfoque dos estudos linguísticos, surgem
diferentes áreas, como a linguística aplicada.
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Linguística aplicada e linguística teórica


Em meados do século XX, a linguística passou a ser vista como ciência e, junto
com esse destaque para a análise das questões relacionadas à língua, surgiram
diferentes estudos que partiam da abstração do conhecimento linguístico. A
linguística aplicada apareceu como uma dessas possibilidades, visando aplicar
esse conhecimento linguístico em situações reais de uso da linguagem.
O marco inicial da linguística aplicada foi o curso ministrado por Charles
Fries e Robert Lado na Universidade de Michigan. O foco do curso era o ensino
de línguas por meio da linguística contrastiva. O cenário histórico era propício
a isso, pois, com a Segunda Guerra Mundial, foi necessário que falantes de
diferentes línguas conseguissem se comunicar. Entretanto, nessa época, os
métodos de ensino e aprendizagem de língua estrangeira foram questionados.
As propostas da linguística aplicada passaram a ser ouvidas. Inicialmente era
chamada de linguística aplicada ao ensino de línguas.
Nessa época, os estudos de linguística e de linguística aplicada foram subsi-
diados pelo interesse no treinamento linguístico para fins militares. De qualquer
maneira, as pesquisas linguísticas foram conduzidas porque havia expectativas
quanto a suas aplicações. Todavia, não se pode negar que esses investimentos
contribuíram também com a linguística teórica. O linguista Noam Chomsky,
inclusive, recebeu subsídios por organizações ligadas às questões de guerra.
Nos anos 1950, Chomsky apresentou a teoria linguística gerativo-transfor-
macional, contra a qual a linguística aplicada se posicionou. A intenção era
mostrar que o interesse primordial da linguística aplicada era a resolução de
problemas linguísticos, por isso se focou na linguagem em uso. Contudo, esse
posicionamento se apresentou na mesma época em que Chomsky se tornava
mundialmente conhecido. Ele analisava a língua em sua abstração e não no
uso que dela fazem os falantes de uma determinada comunidade linguística
em situações reais de fala. Dessa forma, passaram a predominar os estudos
formalistas com base gerativista.
Esse predomínio se deve à aproximação da linguística aos estudos das
ciências naturais, o que a tornou mais científica. Além disso, havia uma ênfase
na imanência da língua: o gerativismo propõe representações para as estruturas
das línguas chamadas de universais linguísticos. Elas seriam características
compartilhadas por todas as línguas do mundo e que constituiriam uma Gra-
mática Universal, condição inata a todos os seres humanos.
O programa de Chomsky apresentava formalizações precisas e de abstração
pura, o que proporcionou à linguística um caráter formal. O reconhecimento
mundial desse programa levou os teóricos da língua que a tratavam como
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representação cultural a uma dificuldade de visibilidades. Aliás, muitos pes-


quisadores passaram a conceber esse tipo de estudo da língua como uma
atividade menor de pesquisa.
Mesmo assim, a linguística Aplicada permaneceu enfatizando os aspectos
sociais de forma densa. Segundo Rajagopalan (2006, p. 157), “[…] a questão
social não é uma preocupação da linguística teórica: mesmo quando a questão
social é invocada, é como se o social entrasse como acréscimo a considerações
já feitas sobre o indivíduo concebido ‘associalmente’”.
Coube à linguística aplicada tomar emprestadas, da linguística formal,
teorias abstratas prestigiadas para, com base nelas, propor alternativas de
solução a questões práticas de uso da linguagem. Portanto, como a linguística
aplicada não criava teorias, teria, apenas, de aplicar as teorias produzidas nos
estudos formalistas. Nesse sentido, Widdowson (1996, p. 125) afirma que a
linguística aplicada é “[…] uma área de investigação que procura estabelecer
a relevância de estudos teóricos da linguagem para problemas cotidianos nos
quais a linguagem está implícita”. Enquanto Brumfit (1995, p. 27) diz que
é uma “[…] investigação teórica e empírica de problemas reais nos quais a
linguagem é uma questão central […]”.
Por sua natureza prática, a linguística aplicada foi muita utilizada nas
escolas, como uma forma de atender às demandas de revisão dos postulados
de ensino da língua focados nas normas gramaticais. Além disso, o linguista
aplicado se envolveu com questões relacionadas às políticas educacionais, à
avaliação e à aquisição de uma segunda língua.
Maingueneau (1996) afirma que a linguística aplicada tem três caracte-
rísticas principais:

1. responde a uma demanda social;


2. faz empréstimos a diferentes domínios científicos e técnicos;
3. é avaliada por seus resultados.

Evidencia-se, assim, que o foco da linguística aplicada estava relacionado


a acessar os problemas de linguagem conforme eles ocorriam na realidade.
Nas escolas, começou-se a enfatizar a investigação da produção textual, isto
é, na análise da produção da linguagem em detrimento da análise do produto
(a redação). Esse contexto favoreceu a ligação da linguística aplicada com
outras áreas das ciências humanas, como a psicologia e a psicolinguística,
principalmente. Entretanto, convocou também outros campos, e essa relação
identificou a linguística aplicada como articuladora de diversos domínios do
saber que estejam ligados à linguagem.
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Esses avanços da linguística aplicada contribuíram para que ela fosse tratada
como uma forma de refletir sobre o processo de ensino e aprendizagem de
língua, avaliando, por exemplo, qual a melhor metodologia e estratégias de
ensino. A partir de seus estudos, surgiram pesquisas sobre produção textual,
material didático, bilinguismo, aprendizagem de segunda língua, interação
verbal, avaliação e metodologia de ensino, análise do discurso pedagógico,
socioconstrução da aprendizagem, compreensão e leitura. Como se vê, o foco
das pesquisas do linguista aplicado passou a ser temas de relevância social. A
finalidade passou a ser encontrar respostas teóricas que gerassem benefícios
sociais. Disso, surgiram investigações sobre as relações de poder na formação
do sujeito na linguagem e por meio dela.
Os estudos linguísticos aplicados, portanto, focaram no olhar crítico sobre
a linguagem. Isso provocou uma responsabilidade a esses estudiosos: a neces-
sidade de criar um projeto político pedagógico que tentasse transformar uma
sociedade estruturada de forma desigual. Houve, dessa forma, uma expansão
da atuação da linguística aplicada, que passou a tratar de conscientização
linguística, formas de aprendizagem de línguas a partir de interações dialógicas,
aprendizagem baseada no contexto, entre outros.
Desse modo, áreas dos estudos linguísticos (sociolinguística interacional,
linguística textual, análise do discurso, entre outras) auxiliaram no estudo do
caráter social, cultural e histórico do uso da língua. Evidencia-se, assim, que
a redefinição do objeto de estudo da linguística aplicada extrapola o universo
escolar e ocupa um espaço mais amplo na sociedade por focar nos usos da
língua, considerando contextos diferentes e interações variadas. Moita Lopes
(2006, p. 18) questiona:

Como é possível pensar que teorias linguísticas, independentemente das con-


vicções dos teóricos, poderiam apresentar respostas para a problemática do
ensinar e do aprender em sala de aula? Uma teoria linguística pode fornecer
uma descrição mais acurada de um aspecto linguístico do que outra, mas ser
completamente ineficiente do ponto de vista do ensinar e do aprender línguas.

Para esse estudioso, a linguística aplicada contemporânea seria capaz de


interagir com outras áreas do conhecimento para relacionar teoria e prática,
porque “[…] é inadequado construir teorias sem considerar as vozes daqueles
que vivem as práticas sociais que queremos estudar; mesmo porque, no mundo
de contingências e de mudanças velozes em que vivemos, a prática está adiante
da teoria […]” (LOPES, 2006, p. 31).
Subáreas da linguística 13

Resumidamente, a linguística é concebida como ciência, porque tem um


objeto de estudo estabelecido, que é a língua, e um método de estudo, que é
histórico-comparativo. É uma área que está presente em muitos outros campos
relacionados à linguagem. Conforme o enfoque dos estudos linguísticos, então,
surgem diferentes áreas, como a linguística aplicada. Com a expansão dos
princípios e das fronteiras, a linguística aplicada passou a se preocupar com
as alternativas para problemas de linguagem a fim de que os seres humanos
tivessem acesso a diferentes aspectos que envolvem suas vidas: políticos,
econômicos, sociais e culturais.

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