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Titulo original: The History of Languages: An Introduction © Tore Janson, 2012 ‘This translation is published by arrangement with Oxford University Press. Esta traduco € publicada por acordo com a Oxford University Press. Direcso: Awoner, Custoo1o Capa e diagramagao: Tema Cust0010 Revisso: Karina Mota Imagem da capa: 6k.1238F.com CIP-BRASIL. CATALOGAGAO NA FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ 27H Janson. Tore ‘A historia das linguas: uma introduce / Tore Janson : tradug3o Marcos ‘Bagno.- 1. ed. Sio Paulo : Parabola Editorial, 2015. 352 p.:23.cm (Linguagem :63) ‘Tradugdo de: The History of Languages: An Introduction Inelut bibliograha e indice ISBN 978-85-7934-101-4 1. Linguistica - Historla. 2. Linguagem e linguas. 3. Linguistica historica. Ltt. Série, 15-1988 cop: 410 cou: 817 Diveitos reservados & PARABOLA EDITORIAL Rua Dr, Mario Vicente, 394- Ipiranga 04270-000 S30 Paulo, SP ‘pabx: [11] 5061-9262 | 5061-8075 | fax: (11] 2589-9263 home page: www parabolaeditorialcom.br e-mail: parabola@parabolaeditorial.com br Jos, Nenhuma parte desta obra pode ser reprodu zada ou Wransmiida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eleteOnico ou imecinica, incluindo fotocopia € gravagae) Ou arquivada em qualquer sistema ISBN: 978-85-7934-101-4 © da edicdo brasileira: Parabola Editorial, S80 Paulo, maio de 2015. Mm Sumério Parte | Antes da historia 1. Linguas agrafas 1.1. Quando as linguas pa 1.2. Quarenta mil ou dois milhdes de anos? 1.3. Qual {i a razio? .4, Linguas de coletores-cagadores . As linguas do passaclo eram como as de hoje? . Vocabulario ¢ sociedade . Quantas linguas khoisan existe! . “Que lingua vocé fala? i ). As muitas linguas da Australia. 0. Que é uma lingua? .. 11. Quantas linguas existiam doze mil anos ari 5. 6. 7. 8, 9, v 1 1 1 1 1 1 1 1 Os grandes grupos linguisticos 2.1, Mudangas sociais e linguisticas 2.2. Germanico, eslavo, romanico.. 2.4, Linguas bantas. 2.5. Gomo é uma Ii 2.6. Outros grupos linguisticos : 2.7. Gomo se formaram os grupos linguisticos. Sugestdes de leitura, revisdo de contetido ete. ie scabs ahs 1 ASU Sil SS anc a hi a fi Ee SANGRIA ARN SS MAG coneuiiaalaiadige emer me eer eS so hte 14 | | Linguas agratas 1. Quando as linguas passaram a existir? omo leitores, podemos inferir do Génesis, 0 primei ro livro da Biblia, que Addo foi capaz de falar tao logo foi criado, pois imediatamente Ihe foi atribuida uma O Senhor Deus modelou do solo todo animal taref dos campos ¢ todo passaro do céu, que levou ao homem para ver como ele os designaria; ¢ todo nome que Adio dew a todo ser vivo, tal foi seu nome a partir de entio”. Nomear os animais ¢, assim, inventar uma parte da lingua foi a primeira atividade de Adio. No entanto, cle nio criou a lingua como tal; cla ja existia ha varios dias antes que ele aparecesse. Deus diss -se a luz” no «ando-se capaz de falar va 0 dia, demonst inicio do prime desde o pri A\inda que no aceitemos essa versio da histéria da criagdo, 0 texto nos diz algo sobre como as pessoas ten- dem a pensar a lingua. Em primeiro lugar, é notavel que dio tenha sido criado com uma lingua “embutida”. Se- ria facil imaginar que o homem foi projetado primeiro c a lingua acrescentada mais tarde. As criangas nao falam ao nascer, € os seres humanos no estado primordial tam- bém podem ter carecido de linguagem. Mas na narra- ncipio. tiva biblica, a pecific pacidade de re de nomear é representada como es- mente humana. Essa capacidade distinguc 0 homem das out criaturas, que dele reeebem scu nome. Addo é superior aos animai lingua é seu instrumento de dor nagio. O préprio Deus é um falante desde 0 inicio. Isso também pode p: recer um tanto peculiar, jA que ele nao tinha ninguém com quem dialo- gar. Por outro lado, seria ainda mais extraordinario imaginar um Deus indade que nio pudesse falar. Deus nao é necessaria- mente inteligivel, ¢ claro, ¢ pode usar algum outro modo de expressio mais sublime do que 0 empregado pelos scres humanos. Mas um deus m ling. sup rior ao homem tem de dominar a mais importante faculdade humana sem voz, uma div gem seria um tolo ou um animal. Quem quer que se Hoje em dia, sabemos que nossa espécie nao foi criada em um ins- tante, mas se desenvolveu a partir de formas iniciais mais semelhantes aos macacos do que a nds. Mas em que momento os seres humanos real- mente se tornaram humanos? Em outras palavras, quando as formas iniciais se tornaram tio semclhantes a nés a ponto de admitirmos facil- mente que clas pertencem ao mesmo género que © nosso? Tem-se sugerido frequentemente que os seres humanos se tornaram humanos exatamente quando a linguagem emergiu, ¢ isso de fato vai bem na linha da narrativa biblica. Para nés, é natural pensar que o que define os seres humanos ¢ 0 fato de possuirem linguagem. Infelizmente, isso nao nos diz quando eles apareceram, pois nao sabemos quando se pronunciou a primeira frase. Embora muitas pessoas competentes, da Antiguidade até hoje, tenham tentado determinar quan- do € como isso aconteceu, os resultados tém sido pouco esclarecedores Podemos ter certeza absoluta de que as linguas humanas tém exis- tido ha pelo menos cinco mil anos, j4 que essa é a idade aproximada dos primeiros textos escritos sobreviventes. As primeiras lingua escrita, 0 sumério e 0 egipcio, tém as mesmas caracteristicas gerais das que sao faladas hoje. Parece seguro supor que as linguas tenham existido por um periodo de tempo muito mais longo. Longo quanto? Nao esta nada claro. Nao existem indicios diretos ¢, assim, todas as sugestdes sfo especulativas. As pessoas vém tentando encontrar respostas razoaveis usando principalmente dois tipos de evi s usadas na déncias. O primciro sao as informagées sobre o desenvolvimento cultu- ral geral do homem em tempos pré-histéricos, fornecidas por achados ¢ atos arqucolégicos de diversos tipos. O outro sio fi tos sobri seyesBe sendu7 1 © de- Bb a Parte | — Antes da nis B o humano. Aqui, também, a arqucologia senvolvimento anatémico do s¢ sos de diferentes periodos. fornece material na forma de o: 12. Quarenta mil ou dois milhdes de anos? A arqueologia pode nos falar sobre instrumentos de pedra usados em diferentes periodos. Esculturas, desenhos ¢ pinturas também podem ser datados. A partir desse material, € possivel chegar A conclusio de que, durante os tiltimos quarenta mil anos aproximadamente, os seres humanos parecem ter sido to inventivos ¢ criativos quanto as pessoas de hoje. Por exemplo, conseguiam idealizar varias ferramentas ¢ produzir requintadas obras de arte. Dai se infere, em geral, que ao menos desde entio as pessoas também vém usando linguas com os mesmos aspectos basicos das que usamos hoje. Antes disso, por um perodo de cerca de dois milhdes de anos, instrumentos de pedra eram feitos ¢ gradualmente foram se sofisticando. No entanto, ha poucos sinais de que as pessoas que 0s faziam tentassem, de algum modo, se expressar artisticamente. Portanto, a evidéncia arqueolégica sugere que nossos ancestrais usa- vam linguas com gramaticas complexas e amplos vocabularios, semelhan- tes a0s atuais, hd no minimo quarenta mil anos. Se quem produz ferramen- tas tem de ser capaz de falar, as linguas tém de ter existido por muito mais tempo, presumivelmente por volta de dois milhdes de anos. Mas ninguém sabe ao certo se realmente existe tal conexiio entre as duas habilidades. Especialistas da anatomia dos seres hamanos pré-modernos susten- oas existente hoje, Homo sapiens sapiens, nao mudou tam que o tipo de pe substancialmente nos itltimos cem mil ou 150 mil anos. Isso significa, estiveram equi- entre outras coisas, que durante esse periodo as pessoas padas com 0 mesmo tipo de cérebro e de érgiios da fala que temos hoje, s nem problemas anatémicos as quanto as, ¢ scus de modo que nem problemas intelectua ra linguagem. Suas linguas eram t las vocais idénticas impediam de u: as nossas, suas laringes tinham cor rebros estavam cquipados com todas essas fantastica dispensaveis para falar ¢ compreender a fala. Em periodos mais remotos, naio era necessariamente assim. Antes do surgimento do Homo sapiens sapiens, e por muito tempo depois disso, existi ram os homens de Neandertal. Seus cérebros cram pelo menos tio gran- des quanto os nossos, em média, mas a forma de seus cranios ¢ de suas As noss s convolugées in- mandibulas diferia da nossa em alguns aspectos. Isso pode té-los impedi- do de pronunciar alguns sons de fala agora de uso comum. No entanto, al consistem apenas de fragmentos de ossos, ¢ a fala é produzida por meio da no temos nenhuma certeza disso, pois 0s restos de homens de Neander atividades no tecido mole da boca ¢ da garganta. Os estudliosos dese pro- blema, portanto, tém de estimar a forma do tecido mole com base na for ma dos ossos, tarefa bastante dificil. Tampouco esta muito clare em que medida as diferengas observadas teriam impedido a comunicacio oral. Os tipos de seres humanos que existiram ha varias centenas de milha- res de anos atras tinham cranios ¢ mandibulas ainda mais diferentes dos nossos, tornando menos provavel a hipétese que pudessem falar como nés. Em suma, podemos ter razoavel certeza de que as linguas como as que usamos tém existido ha pelo menos quarenta mil anos, mas podem ter estado em uso por muito mais tempo. O limite mais recuado sio dois milhdes de anos, por volta do tempo em que © homem produziu instru- mentos de pedra pela primeira vez. 13. Qual foi a razdo? Essa é uma resposta sofrivel, portanto, para quando as linguas sur- giram. Ela sc relaciona, é claro, com a questao de como clas se origina- ram, um problema ainda mais dificil. As linguas humanas sao os sistemas de comunicagio mais altamente desenvolvidos ¢ flexiveis que conhecemos. O trago distintivo desses siste- mas € cles poderem ser usados para veicular mensagens de qualquer grau de complexidade de maneira incrivelmente ripida c eficiente. Seu grau de também saio diferentes. ssdrias nas sociedades, incluincdo muita coi- mas essa mn todas 1s ¢ expresses nec aspalav ca que miio se encontra nas inguas curopeias, mas falta a clas muito do que para nds & bisico. Obviamente, isso nada tem a ver com a estrutura ou 0 potenc delas, Neste momento, os fa- palavras I das linguas, mas somente com o uso que se lantes de ju) hoan estio criando ou tomando emprestadas muit que se referem a objetos ¢ conceitos do mundo moderno, adaptando sua », Isso & perfeitamente possivel, © nao existe ra- ) scja possivel usar 0 jul"hoan para stema computacional. Da mes- lingua a sua nova situa zio te6rica para que, no futuro, na discutir a quimica dos polimeros ou um § ma forma, falantes de inglés poderiam adaptar sua lingua de modo a permitir discusses sobre plantas ¢ técnicas de caga no deserto do Ka- lahari, Entretanto, 0 processo de criagaio de um vocabulario é lento, la- borioso, Os ususirios de ju[}hoan, portanto, estario em desvantagem em diversos contextos urbanos por muito tempo. O inglés provavelmente a situagao do deserto. jamais vird a ser adaptado par: 17. Quantas linguas khoisan existern? Sio numerosas as linguas khoisan faladas pelos povos sa, ¢ nem de Jonge é tarefa simples determinar quantas s4o0 ou como sao chamadas. A situagio é confusa porque os estudiosos que as descrevem oferecem tim grande nGmero de not maneira biz: de lingua, a maioria deles grafaces de afias estranhas si Essas » explicadas em parte (nas nin totalmen- te) pela dificuldade de transpor para a escrita os sons catiheciders cliques. Os cliques sia sons fe mados quando uma buaix crit pre na boc © entio se deixa o ar entrar uptamente. Tais sons frequen temente sio usados para fins especiais em outras partes do mundo, Een portugués brasileiro, por exemple, nao é rare sinalizarmnos desapresa- aborreeimento por me lingua ¢ os labios, Ora, este som € chamado de clique as linguas khoisan. Mas, nelas, ele gho o > de um som (char do muxoxa,, um extale produzido com dental 1 usado como uma conse: nte normal, ¢ existem também outros cliques que soam diferentes. Para re sentar esses sons na escrita, diversos sistemas podem ser usados. Em ral, os linguistas empregam cstes cinco simbolos — | Il to! — para screver cinco tipos diferentes de cliques. Uma das mais importantes especialistas em linguas khoisan, a ale- ma Dorothea Ble¢ , relatou nos anos 1950 que havia cerca de vinte lin- guas diferentes, com nomes como LXam, thhomani, WK aullen © thi. Quase nenhum outro autor usa exat amente esses nomes. O iiltimo, por exem- plo, pode ser encontrado como !Xu, !Ahung, Kung © thing. Esse seria um problema menor se fosse me a questo de diferen- gas de grafia, mas durante varias décadas quase todos os estudiosos das linguas khoisan também acrescentaram um ou varios nomes de linguas ou dialetos. Em 1981, um pesquisador cnérgico publicou uma list. a maioria dos nomes de linguas khoisan usada na literatura até aque- la data: um total de 141 itens, desconsiderando-se infimas variagdes na grafia. Desde entio, alguns outros foram propostes. Provavelmente, ninguém acredita que com istam tantas linguas dis- tintas entre setenta mil falantes mais ou menos. E tipico haver varios nomes para o que a maioria das pessoas concordam que seja de fato uma. lingua. Para dar sé um cxemplo, uma lingua frequentemente é chamada Shuakhwve também tem sido chamada pelos seguintes nomes, entre outros WAye, Danisa, WKoreekhoe, \Xaise, Teaiti, Hura, Teti e \Hukzee. Existem varias r 250s para que tantos nomes fossem acrescentados A lista, Uma delas é que diversos nomes se referem a linguas © a grupos extintos. Muitas pessoas que falav m linguas khoisan viviam no sul c cm regides orientais da Africa do Sul. Os invasores europeus persegui- ram esses povos de forma atroz e, em alguns casos, cometeram de fato seyeu3e sendury | Nn XN op etter 28 s lingnas ¢ skhoi. iram de su slings povos desi genocidio. Os remanescentes desse comegaram a nsaruma forma de afticdiner, de modo que san na Africa do Sul estao hoje quase completamente extintas. Cerca de quarenta nomes se referem a essas linguas. Mesmo assim, ha nomes demais, Para entender por que é a as linguas em si mesmas ¢ como clas se inter-relacionam, im, pre- cut isamos 18. “Que lingua vocé fala?” “N&o sei” Os estudos das linguas khoisan tém mostrado que o grupo consiste de inés subgrupos muito dessemelhantes. Na verdade, eles diferem tanto que nem sequer ¢ seguro que sejam aparentados. O grupo !Ui-taa ou khoisan meridional hoje em dia compreende uma tinica lingua, por isso seria apa- rentemente bastante ficil especificar o nome dessa lingua, mas nao é assim. Aqui, topamos com o verdadeiro problema acerca dos nomes das linguas, Ocorre que os préprios falantes, quando indagados sobre o nome de sua lingua, no oferecem respostas inequivocas. Nao é que eles sejam lentos de raciocinio ou que haja problemas de comunicagao, mas simplesmente porque nao existe resposta. Sua lingua simplesmente nao tem nome em sua lingua. O fato foi estabelecido sem margem a dtvida por Anthony Traill, um dos poucos estudiosos a aprender uma lingua la. khoisan integralmente ¢ a ser capaz de fala. Podemos demorar um pouco a absorver esse fato. Sem diivida, os pesquisadores, missionarios ¢ outros em contato com tais linguas leva- ram muito tempo a se dar conta dele. Essa pode ser a mais importante explicagao para o ntimero excessive de nomes na literatura. Explorado- res vidos perguntavam as pessoas que lingua clas falavam, ¢ clas ten- tavam formular uma resposta adequada, devidamente registrada por escrito. O pesquisador seguinte perguntava a outro falante, que oferccia uma polida resposta pessoal, ¢ esta também cra escrita ¢ disseminada. Assim, 0 numero de linguas khoisan relatadas foi crescendo cada vez ais de meados do século XIX até poucas décadas atras. primeira é: que tipo de nomes Varias perguntas podem ser feitas. / oy pesquisadores de fato registraram? Descobriu-se que a maioria desses nomes pertencia a um dentre trés tipos. Primeiro, palavras que designam um grupo maior ao qual pertence o falante. S40 os nomes mais estaveis, que tendem a recorrer em diversas variantes ¢ significam, ao menos par- cialmente, 0 mesmo que nossos nomes de linguas. Mas, ainda que uma pessoa se consiclere como pertencente a um grupo que tem um nome pré- prio, isso nao significa necessariamente que todos os falantes dessa lingua pertengam a esse grupo. Além disso, & hast nite possivel que pessoas que falam de manciras ligciramente diferentes (ou mesmo de manciras muito diferentes) se considerem pertencentes ao grupo com tal nome, O segundo tipo de nome designa familia & qual cle pertence 1 arca onde o falante vive ou a . como se 0 portugues fosse chamado de lin- gua Silva ou lingua Souza. Essas designagées tendem a aumentar a lista existente dos nomes de linguas de mancira bastante confusa. O tercciro tipo é representado por nomes como hice, Khoe, Shuakhawr, WAnikheve ¢ também pelo termo Khoisan, fabricado por um antropélogo partir de palavras tomadas dessas linguas. Todas essas palavras contém © mesmo radical Ave ou Aizei, que consiste de dois sons. um som & as- pirado, pronunciado com labios arredondados, ¢ uma vogal anterior. ¢ ou i. A palavra significa “ser humano” ou “pessoas . Esses nomes foram retirados das respostas de pessoas que diziam falar a lingua dos seres humanos ou falar como falam as pessoas. A pergunta seguinte é: como é possivel as pessoas conseguirem vi- ver sem um nome para a lingua que falam? Para nés, parece dbvio que as pessoas tenham de saber o nome da lingua que esto falando. Mas, se pensarmos no ambiente em que aquelas linguas tém sido usadas, a explicagio é bastante natural. O povo sa vivia em grupos pequenos de dez ou vinte pessoas, ¢ cada grupo ficava fora de contato com os outros durante a maior parte do ano. Durante alguns periodos. encontravam outras pessoas, seja para as trocas materiais ou para outras atividades comuns, mas nao existia nenhum Estado, liga ou qualquer outra insti- tuigdo comum que levasse as pessoas que falavam de modo semelhante ase considerar como distintas das outras. Os agrupamentos aos quais as pessoas se sentiam pertencentes tinham sido quase sempre muito meno- res do que qualquer agregacao imaginada de todas as pessoas falantes da mesma lingua. Em tal situag’o, o nome da lingua nao tem qualquer importancia particular para a identidade ou 0 status do individuo ¢, por tanto, nao existe consenso acerca dele. Quando os préprios falantes nao determinam um nome para sua lingua, os observadores externos podem querer introduzir um, exatamen- te 0 que tém feito os linguistas. Quando se trata da supramencionada lingua khoisan meridional, a maioria dos linguistas hoje concorda que ela deveria ser chamada de seyeue senun | 65, como foi sugerido inicialmente por Trail. y oO 2 ' a 30 19. As muitas linguas da Austrélia ypeus chegaram, perto do final do sé. usando Na Austrilia, quando os eu culo NVI, viviam talvez um milhdo de coletores-cagadores um grande mimero de linguas, Os descendentes desses povos, frequen. entam problemas semelhantes temente designados como aborigines, enfi aos que assediam os sina Africa Austral. Diferentemente dos falantes si, os australianos vivem (ou, na maior parte, viviam) em grupos definidos por nomes precisos. Cada grupo compreendia poucas centenas de pessoas, talvez. mais ou menos mill, ligadas por lagos familiares, tradigdes comuns c, nado menos im- portante, pela lingua, Os membros invariavelmente se consideravam usuirios de uma lingua separada de todas as outras, ¢ essa lingua também tinha um nome. Com muita frequéncia, o nome do grupo era derivado do nome da lingua. Por exemplo, os falantes de yidinj sao chamados de Jidinji, “falantes de yidinj”. Para os coletores-cagadores australianos, as linguas eram entidades importantes claramente defi- nidas, com nomes particulares. Na obra classica sobre linguas austr: haver pelo menos setecentos grupos com nomes distintos para suas lin- guas, No entanto, ele nao é da opiniao de que fossem realmente faladas sctecentas linguas no continente. Opta por cerea de 250, acreditando alctos ¢ nao linguas. Por exem- de grupos no norte de Queens- lianas, Dixon (2002) afirma a di que a maioria dos nomes design: plo, ainda que pelo menos uma dizi: land concordem que falam 0 mesmo namero de linguas, a julgar pelos nomes Girramay, Jirrbal, Mamu, Nagajan etc., Dixon considera que existe de fato uma s6 lingua com variagées dialetais. Para essa lingua, cle usa o nome Dyirbal. Isso, € claro, porque esses modos de usar a lingua si0 muito se- melhantes, e 0s membros dos grupos compreendem as formas faladas de todos os outros sem dificuldade. As diferengas se restringem a um pequcno numero de palavras c a alguns aspectos menores do sistema tamente como entre os dialetos das linguas sonoro e da gramitica, e3 curopeias. Diante disso, o procedimento de Dixon de renomear é bas- tante compreensivel. Entretanto, ele prefere nao aceitar como ébvias as declaragées dos usuarios sobre suas formas de falar. Isso levanta duas questdes importantes: como é que se decide o que é uma lingua e quem toma essa decisdo? 110. Que € uma lingua? A questio do que livro. A pal ngu ‘uma lingua reaparece a todo momento neste ora 6 usada em varios contextos diferentes com diversos significados, neste livro ¢ em outros lugares, mas o que estou discutindo aqui é © sentido ei npregaco em locugées como “a lingua por- tuguesa” ¢ “a lingua japonesa” Uma lingua assim é um modo de falar, um sistema de comunicacao usado por algumas pessoas entre si, Se dois sistemas sito muito diferen- tes, em sons, Vocabulario ¢ gramiatica — como é 0 caso com o portugues ¢ 0 japonés ~, € facil concordar que sao linguas diferentes. C frequéncia, porém, os sistemas sio bastante semelhantes. Por es 0 espanhol ¢ © portugués tém sistemas sonoros parecidos, compartilham boa parte do vocabulario © na 10 so muito diferentes quando se trata de gramitica, So duas linguas ou uma? Os linguistas estudiosos dos sistemas linguisticos precisam resolver essa questo. Geralmente recorrem ao critério da inteligibilidade miatua: se duas pessoas se entendem, clas falam a mesma lingua: do contrario, nao. A vantagem desse critério é que, em principio, cle poderia ser tes- tado em todos 0s casos duvidosos, permitindo aos linguistas estabelecer uma lista completa das linguas do mundo. Com isso, cles saberiam com seguranga que linguas precisam estudar ¢ descrever. A maior parte dos itens se comporia de linguas que j4 tém um nome (ou mais de um). mas algumas, como as linguas si, ficariam, até 0 momento, sem nome. Problemas semelhantes de classificagao (ou taxonomia) emergem em diversos campos de estudo. Os zodlogos, por exemplo, precisam com- por uma lista das espécies de animais existentes. Seu principal critério, que funciona na maioria dos casos, é: se dois individuos de sexos diferen- tes conseguem se acasalar © produzir uma prole fértil, eles pertencem mesma espécie; do contririo, nao. O nitmero de espécies ¢ muito grande, sobretudo quando se trata de insctos, e a maioria das espécies, de fato, nao tem nome em nenhuma lingua falada comum. Portanto, os z06logos modernos tém de retomar, por assim dizer, a tarefa de Adio, dotando 0 distinto. cada espécie de um nome prép! Os linguistas se encontram numa posigo muito menos favordvel que os zodlogos. Para comegar, seu critério esta longe de ser bom. ¢ vezes, um falante de portugués entende 6 que um falante de espanhol diz, as vezes, nio. Algumas pessoas se apercebem de facilidade do qu falas divergentes com mais outras, Igumas sio mais interessadas em sejev3e senBury | ® a Parte | - Antes da historia w 8 fazer isso do que outras, ¢ algumas tiveram mais exposigdes prévias a uma fala do que outras. Os resultados individuais variardio amplamente ©, por diversas razdes, é quase impossivel definir qualquer tipo de pro- cedimento padrio de testagem: tanto quanto cu saiba, ninguém sequer sugerin algum, Por isso, os linguistas t¢m de recorrer principalmente ao depoimento subjetivo dos falantes, ou As suas préprias impressdes. Em geral isso funciona bem o bastante, mas muitos casos permanecem scm solugao. Nao existe ¢ jamais existira uma taxonomia completa das lin- guas do mundo bascada na inteligibilidade matua. Esse nao € 0 pior problema, contudo. Quando os zodlogos concor- daram que chimpanzés ¢ bonobos sio de fato duas espécies, embora antes fossem consideradas uma s6, 0 ptblico geral accitou a decisiio, ¢ 0s macacos, é claro, nao objetaram. Mas os especialistas em Iinguas em geral no detém esse tipo de poder. Mesmo no caso puramente hipoté- tico de um numero de linguistas importantes decretar que portugués e espanhol sio de fato a mesma lingua, as pessoas em geral dificilmente concordariam, muito menos todas as pessoas nos paises de lingua por- tuguesa e espanhola, nem as autoridades politicas. Ao contrario, esses ia. linguistas seriam com certeza alvo de chacota e zombari E que as linguas nao s4o apenas sistemas de comunicagio entre individuos. Uma lingua é usada por um grupo ¢ é uma parte importan- tissima da identidade ¢ da cultura desse grupo. OQ nome de uma lingua também é 0 nome de um aspecto chave da socicdade em que a lingua € usada, o que implica afinidade social e/ou politica ¢ uma cultura co- mum. Isso sera discutido adiante com mais detalhes. Basta agora dizer que os nomes das linguas so usados para muito mais do que falar sobre quem entende quem, o que decerto poderia ser determinado por um linguista. Os usudrios mesmos empregam o nome para aquilo que falam € normalmente nenhum forasteiro pode fazé-los mudar de opiniao. As linguas ¢ seus nomes sao fatos sociais, ¢ nao apenas linguisticos. Sendo assim, sio muito importantes para serem abordadas apenas por linguis- tas. Os nomes so de grande importancia para as pessoas em geral e, em Particular, para lideres politicos. Nao € ficil distinguir uma lingua de scu nome. Como observado anteriormente, a auséncia de nomes de lingua entre os povos si parece estar associada ao fato de os préprios falantes n’io darem importincia As linguas como marcadores especificos de seus grupos. A introdugao de um nome de lingua é, portanto, um evento significativo numa sociedade. ndo ¢ como isso As vezes se sabe ¢ conteceu, © em geral se revela que estavam envolvidos nisso lideres politicos ¢ culturais da comunidade de fala. Alguns desses casos sio discuticos nos capitulos 9 © 10 deste livro. Diante disso, os modos de identificar ¢ nomear as linguas sa ¢ as lin- rios. Em ambas as are guas australianas parcecm bastante extraordin os principais agentes foram linguistas externos cujas decisées basearam- -se quase exclusivamente em fatos linguisticos, desconsiderando os as- pectos socioculturais. Muitos pesquisacores tém feito isso para varias lin- guas si, ¢ Dixon ¢ outros agiram da mesma forma para todas as linguas australianas. Os préprios falantes clas linguas nao estiveram implicados. Isso n&io quer dizer que esses linguistas tenham agido de mancira censuravel: com certeza tinham a melhor das intengdes. Di aponta explicitamente ‘on, alias, s diferengas entre a situagao linguistica € a poli- tica. O notavel é que tais linguas sejam definidas ¢ nomeadas por foras- teiros ¢ no por seus usuarios. Gomo é 0 caso em geral nas sociedades, trata-se de uma questo de poder ¢ influéncia. O portugués ¢ 0 espanhol sio promovidos por Estados independentes, estaveis, ¢ pelo suporte sélido de milhdes de fa- lantes. Essas linguas facilmente conservarao seu status © seus nomes. a despeito do que pensarem os especialistas em linguas. Em contrapartida, os falantes de linguas sf ¢ australianas so minorias reduzidas, margi nalizadas nos Estados a que pertencem ¢ tém muito menos influéncia do que os especialistas que estudam suas formas de falar. Por conseguinte, os especialistas s40 mais ou menos livres para aplicar nomes, a fim de se- parar ou juntar os modos de falar de acordo com principios linguisticos. Podcria isso afetar a situaciio na sociedade, de modo que, por exem- plo, os australianos que se consideram falantes de mamu comegassem a ver sua lingua como dyirbal? Sob algumas circunstancias, sim: um exemplo semelhante € discutido na segio 13.8 acerca das linguas soto. No cntanto, as linguas s& ¢ as australianas enfrentam um faturo mai sinistro. Dentro de bem poucas geracées, os linguistas histricos poderao distribuir os nomes das linguas a seu bel-prazer, porque provavelmente A nfo tera sobrado nenhum falante. Mas, voltando as questdes que introduziram esta segio, uma lingua nomeada é um fato social ¢ politico tanto quanto um sistema linguistico, ¢ as pessoas que decicem sobre linguas ¢ nomes de linguas sio aquelas que detém o poder na sociedade. Pode haver opinides diferentes sobre quantas linguas cx politica do que com linguistica. stem: a opinidio que prevalece tem mais a ver com seyeuBe senBuyy | 33 Ul. Quantas Iinguas existiam doze mil anos atras? Embora seja possivel discutir se as linguas khoisan sio0 dez ou vinte, janas sio 250 ou sctecentos, nao existe divida on seas Tingnas austra alguma de que existem muitas linguas diferentes. E um fato notavel, ao Ao da Europa, para nao men- . menos para as pessoas acostumadas a situag cionar 0 continente americano. Varias centenas de milhdes de habitantes da Europa ocidental usam cerca de cinquenta grandes linguas apenas sem contar as trazidas recentemente pelos imigrantes). Diga-sc de passa- gem que a expressfio “grandes linguas” na frase anterior é sé um modo abreviado de dizer “linguas usadas por muitas pessoas”. De igual modo, “pequenas linguas” so linguas usadas por pouca gente. A bem da con- veniéncia, essas expressdes so usadas livremente neste livro. E claro que nao implicam nenhum juizo de valor. O fato de haver tais diferengas entre as areas acerca dos namcros de falames nao é, obviamente, uma coincidéncia. Ele esta diretamente relacionado as grandes diferengas de cultura e estilo de vida, bem como 0s modos como as linguas sfio usadas. Coletores-cagadores vivem (ou viviam) da coleta de frutos ¢ raizes e da caca, ¢ por isso precisam de grandes territérios que Ihes fornegam ali- mento. Mesmo em areas férteis, um quilémetro quadrado de terra sé con- Segue sustentar algumas pessoas. No deserto do Kalahari, onde vivem os Powos si. assim como no Grande Deserto Australiano, é necessdrio mais ‘pago ainda, Cada grupo precisa de um vasto territ6rio € precisa se loco- mover por cle sistematicamente. Nao é possivel viver perto de outras pes- $08, € 0s contatos externos sio principalmente encontros com membros ¢¢ agrupamentos semelhantes. Os grupos vivem em relative isolamento. Cada agrupamento, é claro, usa uma lingua. E fato bem sabido que 2s linguas nunca so transmitidas exatamente na mesma forma de uma Stracdo para a préxima: clas mudam com o tempo. Se um grupo de Pessoas tem poucos contatos com outros que falam a mesma lingua, um diferente com itens € regras particulares logo surgira. Se esse pro- “eso seguir seu curso por alguns séculos, esse grupo pode desenvolver “ma lingua incompreensivel para todas as outras pessoas, Isso deve significar que, em tempos ¢ lugares nos quais as pessoas vi- ‘em em pequenas unidades sem contato, isoladas umas das outras, apare- Cerio diversas linguas com poucos falantes. Essa parece ter sido a situagiio entre 0s povos s&.¢ os australianos. A pergunta seguinte é: foi esse também ® caso na época em que cada individuo do planeta era um coletor-cagador? a Parte | ~ Antes da ristoria g £ se Os fatos conhecidos indicam qe muito provavelmente tera sido assim. Em outras partes do mundo em que a maioria das p ssoas em tempos nao tio distantes eram coletores-cagadores, como na Amazonia por exemplo, a situagao é bastante semelhante, Nao ha indirios em jugar nenhum de que as linguas de coletores-cagadores sejam faladas normal- mente por mais do que alguns milhares de individuos Sc isso estiver correto, poderemos dizer algo sobre quantas | exis- tiam no mundo quando todos os humanos cram coletores-¢ res, doze mil anos atras aproximadamente. E, preciso concluir que, naquele tempe, havia pouco menos do que uma lingua para cada mil on duas qu sabemos, mas é certo que havia seres humanos em todos 0s conti na maioria das areas hoje densamente povoadas. N tissem apenas alguns milhares de pessoas ao todo. O mimero tem ¢ A proxima pergunta, claro, istiz me ‘dio € possivel que exis- ser contado aos milhées: assim, por exemplo, se houvesse quinze milhdes d pessoas, com duas mil pessoas para cada lingua, haveria 7.500 linguas. Decerto nao existe mancira de descobrir qual era © ntimero correto da populagao, embora arquedlogos ¢ demégratos tenham feito alguns cal- culos. Mas é interessante comparar 0 exemplo com o ntimero de linguas encontrado hoje em dia nte estimativa. a quantida- de se aproxima das sete mil. Portanto, podem ter existide realmente tan- tas linguas no mundo na época dos coletores-cagadores quantas existem hoje em dia, muito embora a populagio daquele periodo fosse talvez de quinze milhées, o que representa 0,2°% dos atuais sete bilhdes de pessoas. Esses ntimeros n3o devem ser levados a sério incondicionalmente. S premissas muito incertas. Mas ha muito poucas diividas sobre a tendéncia geral. Nos tempos remotos, havia mui- . Segundo a mais re j& que se baseiam em varia to mais linguas do que hoje em termos relativos, ¢ talvez até em termos absolutes. A histéria das linguas de maneira alguma nos conta que © namero de linguas esta aumentando. Pelo contrrio, a tendéncia geral € sem divida a de declinio do nimero de linguas, ao menos em termos relativos. Isso é muito importante para nossa compreensio do papel das linguas e das diferengas linguisticas. Varios capitulos deste livro tomam essa observagio como ponto de partida. 5 O préximo capitulo, porém, é sobre os grupos linguisticos. Porque @ algumas linguas sio parecidas entre si e outras ni = 35 ria Parte | ~ Antes da hi Os grandes grupos linguisticos 21. Mudangas sociais e lingufsticas N capitulo anterior, afirmou-se que uma lingua é um sistema de comunicag’io usado por um grupo de pessoas, ¢ este livro é sobre a histéria das linguas. Ob- viamente, tanto o sistema quanto os grupos tém histéria A mudangas das linguas é 0 objeto da linguistica histé ca, uma subarea da linguistica antiga ¢ bem estabelecida. Os historiadores lidam com 0 que acontece aos grupos de pessoas. Neste livro, 0 foco se langa sobre a interagao entre sistemas linguisticos e povos, de modo que mudan- as dos dois tipos tém de ser levadas em conta. Quando necessdrio, usarei o termo “mudangas linguisticas” para © que ocorre dentro de um sistema linguistico, ou seja, mudangas em sons, na gramatica ou no vocabulario, ¢ o termo “mudangas sociais” para as mudangas nas manei- ras como 0 sistema é usado: se mais ou menos pessoas 0 falam, se cle ganha ou perde prestigio, se a Area de uso se expande ou se contrai, ¢ assim por diante. De modo geral, 0s fatos histéricos so mais proemi- nentes aqui do que os linguisticos, ¢ este naio é de modo algum um manual de linguistica histérica. A maioria dos capitulos lida principalmente com mudangas sociais. discussio sobre as mudangas linguisti- da No entanto, ¢ cas, Este capitulo serve como uma primeira introdugao a uma are: linguistica histrica especialmente importante para a compreensio das necessdria algur mudangas sociais na pré-historia humana. 2.2. Germanico, eslavo, romdnico A palavra bread do inglés corresponde ao alemao Brot, a0 sueco briid cao portugués pao. A palavra son significa 0 mesmo que © alemao Sohn, © succo son ¢ 0 portugués filho. Em ambos 0s casos, as palavras inglesas, alemis c succas so bastante parecicias, mas as portuguesas sio comple- tamente diferentes. Nao € por acaso. Inglés, alema manciras, enquanto o portugués se distingue de todos os tr evidente quando comparamos frases curtas em cada lingua (tabela 2.1). iO € succo se assemelham de diversas . Isso fica mais inglés We could not come alemao Wir konnten nicht kommen sueco Vi kunde inte komma portugués Nao podiamos vi Tabela 2.1: Uma frase em quatro Iinguas. Em inglés, alemao ¢ sueco, cada palavra na frase corresponde a uma palavra nas outras linguas, ¢ as palavras estio na mesma ordem. We significa 0 mesmo que wir € vi (‘és’), could tem o mesmo significado de konnten ¢ kunde (‘podiamos’) ¢ assim por diante. Mas em portugués, a palavra ndo é a primeira da frase ¢ no ha nenhuma palavra que corres- ponda diretamente a we. Ao contrario, a palavra podiamos significa ve could’, enquanto ‘they could’, por exemplo, seria traduzido por podiam. Algumas linguas tém muito em comum, mas outras diferem de muitas manciras distintas. As razdes para isso foram discutidas rapida- mente no capitulo anterior. As linguas nio param de mudar. Um grupo com uma lingua comum pode se dividir em unidades separadas, isoladas ¢, apés algum tempo, acabar por falar linguas bastante diferentes devi- do a mudangas independentes dentro de cada unidade. Mas as linguas também s: que falam linguas diferentes ficam em contato durante muito tempo, suas linguas vii r uma com a outra em alguns aspectos. 0 influenciadas umas pelas outras. Se dois grupos de pessoas Jio a se parece sodnsa sapuesd 50 2 so2nsin& 37 Parte | - Antes da historia 8 De inicio, s6 palavras isoladas sfio incorporadas, mas no devido tempo havera também outros ajustes. A extensiio dessas mudangas ¢ que lingua seria mais afetada tém a ver com os tipos de contatos entre os grupos e com suas respectivas margens de poder ¢ de influéncia. Desse modo, as mndangas linguisticas se conectam com a histéria. O ritmo da mudanga linguistica é normalmente lento se comparado ao tempo de vida de um individuo. Pessoas mais velhas se apercebem (¢ frequentemente se queixam) daquilo que é diferente de quando clas cram mais jovens, mas quase sempre se queixam de pequenos detalhes. Um niimcro substancial de palavras estrangeiras pode ser introduzido numa lingua num breve periodo, mas os sons da lingua normalmente nao se alteram depressa, ¢ as mudangas gramaticais tendem a levar ainda mais tempo. Nao existe nenhum ritmo constante de mudanga, mas frequen- temente as linguas permanecem bastante semelhantes, mesmo quando foram separadas por mais de um milénio, ou permanecem bastante dife- Tentes, mesmo depois de um periodo igualmente longo de contato. O caso do inglés, do alemao e do sueco é um tipico exemplo de diver- géncia lenta. Os historiadores ¢ os linguistas histéricos concordam que as wés linguas (¢ algumas outras, como holandés e dinamarqués) tém uma origem comum em uma lingua. Este grupo de linguas é chamado de ger- manico ¢ a lingua original € comumente chamada de protogermanico. Ninguém sabe ao certo como era 0 protogermanico. Ele nunca foi escrito, € ndo sabemos muito sobre o povo que deve ter falado essa lingua ou precisamente quando e onde foi usada. Mas sabemos bastante coisa so- bre o que aconteceu a diversas linguas germanicas. Os textos substanciais mais remotos do inglés antigo foram escritos ha cerca de 1.300 anos, e 0 primeiros textos em alemio antigo so quase tio antigos quanto. Por- tanto, é possivel seguir o desenvolvimento dessas duas linguas por varios séculos. Quanto ao sueco, ele é intimamente aparentado as outras linguas nérdicas (islandés, dinamarqués ¢ noruegués) ¢ os registros escritos mais antigos, breves inscrigdes dos séculos IV ¢ V d.C., sio considerados como 6s melhores testemunhos de uma lingua protonérdica. Os textos mais longos escritos em uma lingua nérdica foram produzidos na Islandia no século XII. A lingua desses textos é chamada de nérdico antigo. Quando comparamos o inglés antigo, o alem&o antigo e 0 nérdico antigo, é f4cil ver que essas linguas eram consideravelmente mais se- melhantes entre si do que suas descendentes contemporancas. Algumas Palavras servem de exemplo. Veja a tabela 2.2. inglés hirds way go alemao Vaiget Weg succo faglar vig gh inglés antigo fugelas weg alto-alemo antigo fugala une; nérdico an fuglar Tabela 2.2: Formas modernas e antigas de palavras em linguas germanicas. Fica evidente que as palavras eram mais parecidas nas linguas anti- gas. Na verdade, as linguas faladas eram tio semelhantes que as pe da Inglaterra ¢ da Escandinavia seriam capazes de se compreender em soas boa medida. Ha 1.200 anos, portanto, linguas da Europa ocidental ¢ setentrional cram muito mais parecidas do que sao hoje. t6ricos ¢ historiadores acreditam que, se fosse possivel obter sélidas evidén- cias sobre a que a mesma lingua, 0 protogermanico, era falada por toda aquela area. Eles tém toda a chance de estar certos. Mas imediatamente surge uma pergunta: por que uma lingua cra usada numa regio ste capitulo tenta dar alguma resposta a esta pergunta ¢ a outras pare- cidas. Para dizer a verdade, parece que nao ha nenhuma boa respost que se aplique especificamente aos falantes de germinico. Por isso. ¥% mos nos dirigir a outros grupos, em busca de um padrao geral. A maioria das linguas curopeias pertencem a um dentre trés grupo principais. A oeste ¢ sudoeste das linguas germanicas, estio as linguas eslavas. A mais importante é 0 russo, mas 0 ucraniano, o polonés, © bielo-russo, 0 tcheco, © servo-croata, o bilgaro ¢ alguma nores também pertencem ao grupo. Essas linguas recidas entre si do que as germanicas. Os textos escritos podem sugerit uma ideia diferente, j4 que algumas linguas, como 0 russo, Sto es 0, enquanto outras, como o polonés ¢ o tcheco, usam ito, fica A maioria dos linguistas his- ituacdo linguistica cerca de mil anos antes, clas mostrariam > ampla? linguas me- Jo muito mais pa- no alfabeto ciril nosso familiar alfabeto latino. No entanto, se o russo for tans! evidente que muitas palavras so quase idénticas, por exemplo as qu significam pao e sol. Veja a tabela 2.3. O primeiro som na palavra russa para “pio” é uma tric como oj do espanhol Juan. B bastante semethante aos sons correspon dentes nas palavras polonesas e tcheea: velar, ativa soansinduy sodnua sapuerd so 2 w © = Antes da hist6ria Parte 40 russo xleb—_solnche polonés —cileb—_storice tcheco _chléh__slunce Tabela 2.3: Palavras semelhantes em trés linguas eslavas. Existem textos antigos em linguas eslavas também, principalmente textos religiosos, naquilo que se convencionou chamar de antigo eslavo eclesidstico ¢ que datam do século IX em diante. Acredita-se que todas as linguas eslavas derivam de uma lingua protocslava, assim como as germanicas supostamente descendem de um protogermanico. O proto- eslavo pode ter sido falado ha cerca de dois milénios. Otercciro grande grupo de linguas da Europa consiste das linguas rominicas, principalmente no sul ¢ no oeste do continente. As mais im- portantes sio o francés, 0 espanhol, italiano ¢ © portugués. As palavras correspondentes a pao ¢ filho nessas linguas aparecem na tabela 2.4. francés pain fils espanhol pan hijo italiano pane figlio portugués pao filho Tebela 2.4: Palavras semelhantes em quatro Iinguas romanicas. As palavras nas quatro linguas sio to semelhantes que obviamente nao podem ter se originado de modo independente umas das outras. Na verdade, ninguém precisa adivinhar nada. Existem muitos textos de estagios mais antigos ¢ sabemos de sua origem. Todas clas se desenvol- veram a partir do latim, falado ¢ escrito cerca de dois mil anos atras nas regides da Europa em que hoje encontramos as linguas romanicas Neste caso, sabemos por que uma lingua foi usada num territério tio vasto. De inicio, cerca de 700 ou 600 a.C., 0 latim cra falado somente em Roma c arredores imediatos. Mas os romanos gradualmente expan- diram seu dominio ¢, por volta de 100 d.C., controlavam toda a Europa ocidental c toda a regidio mediterranea. Alguns séculos depois, scu impé- rio desmoronou, mas sua lingua tinha se tornado 0 idioma materno dos habitantes de sua parte ocidental. Os povos germanicos ¢ eslavos também dominaram grandes im- périos? A resposta é no. Nao ha comprovacio alguma de que tenham ee ex! stido esses Estados, seja por fontes hi logicos. O impéri téricas ou por reseuicios arquco- > romano foi singular tamb¢ linguistica. As linguas eslavas ¢ germani neia mem sua import s devem ter se difundido de is | Iro alguma outra maneira. E preciso incluir muito m para alcangar uma tentat iguas no qU de conclusa 2.3. Linguas indo-europeias Os trés grupos linguisticos cxaminados na sc ‘0 anterior sio apa- rentados. Eles se assemelham entre si de div ‘as, embora as sas man semelhangas nao scjam tao dbvias quanto o sao dentro de cada grupo. ‘Tal como ja vimos no caso das linguas germanicas, formas antigas podem ser mais semelhantes entre si do que as formas atuais. A tabela 2.5 € uma lista das palavras para “pai” ¢ “mae” em algumas linguas an- tigas da Europa e em uma antiga lingua da India, o sanscrito. “pai “mie latim pater mater grego antigo pater meter inglés antigo Seder modor nérdico antigo Sadir modi irlandés antigo athir —_ mathir sAnscrito pitar_matar Tabela 2: Palavras semelhantes em seis linguas antigas. Um erudito inglés do século XVIII, que se dedicou aos estudos do sAnscrito, Sir William Jones, observou muitas semelhangas desse tipo € até paralelos extraordinarios na gramatica. Numa famosa conferéncia cm Calcuta em 1786, ele propés que o latim, o grego, o sdnscrito, as linguas germanicas e as linguas célticas (nas quais se inclui o irlandés) tinham uma origem comum. Esse fato marcou de certa forma o inicio da linguistica histérica- No século seguinte, um grande mimero de estudiosos provou, para além de qualquer divida razoavel, que Jones estava certo ¢ desdobraram sua ideia original numa detalhada teoria das relagdes entre varias dezenas de linguas em doze ou treze subgrupos. O grupo geral é hoje designado pelo termo de linguas indo-europeias. ereew 290 evens b sgefuag un : ge wonied ean, gave squesse oped ya rag eugisiu ep savy layed = Mapa 2.1: Algumas das linguas indo-europeias. te das linguias i gumas outras linguas europeias como Ao todo, 0 grupo das linguas inde cas (incluinde o ‘opeias consi im. germanicas ¢ eslavas, das linguas itd jgumas extintas), a s linguas ba aguas as, 0 albanés, 0 arménio, © grego, icas, as linguas célt diversas linguas iranianas ( importantes da india, como o si do-curopcias esto prescrvadas somente em textos antigos ¢ algumas ja ncluindo © persa ou farsi) ¢ varias linguas nscrito © o hindi. Algumas guas in- tar, entre outras, 0 hitita, usado. foram mencionadas: podemos acre: na atual Turquia. A prova de que todas essas linguas pela comparagao entre si das linguas preservadas nos textos mais anti- gos, como 0 snscrito, 0 grego ¢ o latim, ¢ com protolinguas reconstrui- das como 0 protogermanico c 0 protoeslavo. Os resultados sao claros. Primciro, existem semelhangas importantes. Segundo, as diferengas em sons ¢ gramiticas sao em geral bastante sistematicas e podem ser expli- cadas como os efeitos de um niimero bem pequeno de mudangas gerais. Para ilustrar isso, podemos usar os exemplos da tabela 2.5 apresenta- dos acima. As palavra para “pai” so tio semelhantes que elas tém de ter uma origem comum, Mas uma diferenga é que as linguas germanicas (0 inglés antigo ¢ 0 nérdico antigo) tém um f no inicio da palavra, enquanto a maior parte das outras linguas tm um p-. Isso aparentemente enfraque- ce a ideia de uma origem comum. Mas se a questio for investigada mais a fiundo, descobre-se que essa correspondéncia se encontra no s6 nessa palavra mas também, em principio, em todas as palavras que as linguas tém em comum. Outro exemplo é 0 inglés fish, que corresponde ao latim piscis (“peixe”). A conclusio é que o p- original indo-curopeu se wansfor- mou em f- nas linguas germénicas. Esse é um tipo comum de mudanga observado em diversas outras linguas. Assim, o que a primeira vista pa- recia um desvio irregular se revelou um exemplo de mudanga regular. Por causa das diversas mudangas durante um longo periodo de tem- po, pode haver diferencas muito grandes entre as linguas. Um falante de inglés fala uma lingua indo-europeia, mas dificilmente conseguir reco- nhecer uma s6 palavra em persa ou hindi, embora elas também sejam linguas indo-europeias. As linguas se separaram hi muitissimo tempo e se desenvolveram ao longo de trilhas bastante distintas. No entanto, 0 certo é que as linguas indo-curopeias de fato sio aparentadas entre si Acredita-se que elas tenham se originado de uma protolingua comum, chamada protoindo-curopeu. 0 aparentadas foi descoberta soansinBuy sodnid sapuev so 2 43 eee = Antes da historia é 44 Vamos agora voltar a problema levantado antes: como foi que ¢s- sas linguas se propagaram? A questio se torna ainda mais intrigante quando consideramos todas as linguas indo-curopeias. O que esta por tras dos fatos de que as linguas germ Areas tao vastas ¢ de que a lingua indo-europeia tenha rebentos falados por toda a Europa e grande parte da Asia? Diversas respostas tém sido oferecidas. Seja como for, 0 modo de vida deve ter sido um fator importante. Ha somente alguns milhares de anos, 0 modo de vida dos coletores-cagadores tinha mudado considera- velmente em diversas partes do mundo. Ha cerea de dez mil anos, algumas pessoas comegaram a explorar a vegetagiio, semeando ¢ colhendo plantas requisitadas. Também come- caram a domesticar animais ¢ a cnvid-los para pastar. Parece que esses descnvolvimentos ocorreram independentemente em diversos lugares do mundo: no Oriente Médio, na China e no México atual. Em cada centro, diferentes plantas ¢ animais sofreram o processo. Se de fato isso aconteceu sem qualquer contato reciproco, trata-se de um fato realmente notavel. Por outro lado, também € dificil imaginar como poderia ter ha- vido qualquer contato, em particular entre a América Central e a Asia. Esse é um dos muitos mistérios do passado remoto. Houve também ou- tras areas de disseminagio, como a Africa ocidental, a Etiépia, a Nova Guiné ¢ os Andes: a ideia geral pode ter sido importada para clas, mas foram usados animais ¢ plantas locais. Numa complexa série de eventos, a agricultura ¢ a pecuaria se di. fundiram muito além desses centros para outras partes do mundo, num ritmo muito desigual. Os arquedlogos datam os primeiros vestigios inc- quivocos de agricultura por volta de dez mil anos atras no Oriente Médio ¢ sé um pouco mais tarde na China. Conforme as novas técnicas cram introduzidas, 0 modo de vida das pessoas se alterava drasticamente, por diversas razées. Em primeiro lugar, a agricultura e a pecudria podem fornecer ali- mento para muita gente. Num calculo aproximativo, os coletores-caga- dores precisam de dez vezes mais terra que os agricultores, mesmo que os métodos agricolas sejam primitivos. Quando a agricultura é introdu- zida, a populagio pode crescer significativamente. Nio foi um processo repentino. Os novos modos de produgio de ali- mento se difundiram lentamente pelo mundo durante milhares de anos, e até hoje mal alcancaram determinadas Areas. Portanto, a populagao se Anicas e eslavas se encontrem em — Cer nnn nn nanan expandiu em épocas muito diferentes em diversas partes do mundo. No Mcditer varios milhares de anos atras. Essas regides tém sido bastante populo Anco ¢ na Europa, na indi ina, a expansio ocorrcu na ha milhares de anos. Mas na Australia © na América do Norte ocidental, aagricultura sé foi introduzida quando 0s curopeus chegaram ha séculos atras. Em poucos lugares, sobretudo na Africa e na América do Sul, alguns povos ainda recorriam a coleta € caga para sua subsisténcia na segunda metade do século XX, ¢ alguns ainda podem recorrer a essas praticas atualmente. Em segundo lugar, com o advento da agricultura, as pessoas se tor- naram muito mais sedentarias. Em vez de viver em pequenos grupos némades, clas se assentaram permanentemente onde 0 solo ¢ 0 clima cram adequados. Com frequéncia, muita gente se concentrava numa rea pequena. Em terceiro lugar, a agricultura e a pecudria tornaram as pessoas proprictarias da terra e dos animais. Isso levou a disputas ¢ se tornou necessdrio manter a ordem. Surgiu algum tipo de lei ¢, logo, a imposicao do cumprimento da lei. As sociedades se tornaram mais complexas. Em quarto lugar, as relagées entre os grupos se tornaram mais pro- blematicas. Em sociedades onde algo pode ser possuido, as vezes também se produz excedente. Os que detém o poder exercem controle sobre esse excedente. Um modo de exercer 0 poder é usar a forga ou ameacar com a forca. Nao é facil saber se a guerra € a violéncia sempre estiveram em uso, mas ha poucas diividas de que quando as pessoas se tornam propriet rias essas atividades se tornam mais lucrativas e, portanto, mais comuns. Pouco a pouco, também se desenvolveu uma tecnologia. Inventou-se a espada, uma arma usada contra outros seres humanos e nao contra feras. Quando 0 cavalo foi domesticado, talvez cinco mil anos atras, logo ele foi usado para puxar carrogas com guerreiros armados, um dispositive mui- to eficaz contra pessoas a pé. Desse modo, surgiram as guerras. Assim, a lavoura ¢ a criagaio de gado mudaram radicalmente a con- digao humana, pois a vida se tornou mais sedentaria, com mimeros cres- centes de pessoas agrupadas em comunidades, ¢ sociedades tornando-se maiores, mais organizadas ¢ mais violentas. Nisso tudo, o que foi funda- mental para a difustio de algumas linguas c grupos linguisticos em dew mentos de outros? Essa pergunta tem sido feita principalmente a respeito N 2 a Q 8 : : : : t g das linguas indo-curopeias, mas de fato ela é relevante para outras dr = ¢ outros grupos linguisticos também. 3 45 ——eE— —— Parte | — Antes da historia b 5 Por ora, vamos nos concentr am afetadas pe no Oriente Médio. A agri- cultura almente numa regio As vezes chamada de Grescente Fértil, que inelui partes dos atuais Iraque, Turquia, Siria ¢ Israc tem duas tentativas bem conhecidas de explicagao de como as mudangas no estilo de vida causaram a difusdo das linguas indo-curopcias. A primeira se concentra em guer r naquelas pi agricultura e pela pecu surgin inici rtes do mundo que fo- Exis- as ¢ conquistas. Diversos arqueé: logos tém considerado os indo-curopeus como guerreiros que expandi ram seu dominio de uma pequena area nuclear em algum lugar ao norte do Mar Negro para toda a Europa e metade da Asia. Isso teria ocorrido num periodo de tempo relativamente curto, comegando ha cerca de cin- co mil anos. Os povos que cairam sob o controle indo-curopeu abando- naram suas linguas ¢ adotaram a lingua dos conquistadores. Essa é certamente uma sequéncia possivel de eventos, ¢ coisas seme- Ihantes esto registradas na histéria. O dominio de Roma se expandiu dessa mancira no curso de alguns séculos. Também os muculmanos sub- jugaram o norte da Africa ¢ 0 sudoeste da Asia nos séculos VII e VIII ‘d.C. ¢, poucos séculos depois, o arabe se tornou a lingua materna das pessoas em boa parte dessa area. Na verdade, porém, o paralelo com o que poderia ter ocorrido cin- co mil anos atras é menos evidente do que pode parecer. Os romanos ¢ os 4rabes tinham escolas, linguas escritas ¢ poderosos Estados que usavam uma lingua oficial. Sabe-se que tudo isso favorece a troca de lingua, Conquistadores desprovidos desses trunfos, como os hunos sob Atila no século V d.C ou os mongéis sob Géngis Ca no século XIII, nao conse- guiram propagar suas linguas. Temos certeza de que os indo-curopeus nio tinham escolas, nem burocracia estatal, nem lingua escrita. Entao como sua lingua péde se estabelecer em uma area to vasta com tantos povos diferentes num lapso de tempo relativamente curto? Nao ha res- posta simples para essa pergunta, de modo que outras explicagdes tam- bém devem ser consideradas. Isso nos traz para a segunda abordagem importante. Neste cenario, 0 fator decisivo no foi a conquista, mas a difusdo da agricultura. Desco- bertas arqueolégicas mostram que a nova tecnologia se expandiu lenta- mente do Oriente Médio para o sudeste europeu e alcangou o sudoeste ¢ o norte da Europa apenas depois de varios milhares de anos. Como ja se enfatizou, esse avango tecnolégico também suscitou um grande aumento de populagio. O povo que introduziu a agricultura pode ter falado a pri- meira linge indo-curopei 1. Ela logo se desdobrou em diferentes linguas por causa clo incessante processo de mudanga ja mencionado. Se assim foi, n 0 € necessario supor nenhuma grande guerra ou conquista. Os recém-chegados simplesmente sobrepuj Fam 0s poucos seu grande nimero ¢ a seu nove modo de produgao. A terra nao foi, em geral, obtida pela guerra. Em vez disso, coletores-cagadores devido a os muitos filhos dos lavradores se apoderavam da terra nao cultivada préxima da de seus pais ¢ assim, lentamente, ernpurravam a fronteira agricola para mais longe. Esse modelo explica muito bem por que um grupo de linguas, que parece ter sua origem numa tinica lingua, pode ter se difundido sobre uma area gigantesea. A hipétese é atracnte. Ao mesmo tempo, é dificil concilia-la com alguns fatos conhecidos acerca da cronologia e da difusao linguistica. Existe um permanente e€ vigoroso debate entre arquedlogos € linguistas histéricos sobre essas quest6es. Outros mecanismos de difusao foram propostos, bem como diversas combinagées dos discutidos aqui. De qualquer modo, as linguas indo-europeias parecem ter se difun- dido sobre amplas partes do mundo em alguma €poca nos tiltimos dez mil anos. A pergunta seguinte é: como outros grupos linguisticos vieram a existir? Antes de tentar uma resposta, vamos dar uma olhada num ou- tro caso interessante, o das linguas bantas da Africa subsaariana. 2.4, Linguas bantas Em comparagao com a Europa, a criacio de gado ¢ 0 cultivo de plantas comegaram muito mais tarde na Africa subsaariana. Até cerca de trés mil anos atras, 0 centro ¢ o sul da Africa eram habitados por coletores-cagadores dispersos. Desde essa época, falantes de linguas ban- tas tém povoado quase todo o continente abaixo da linha do Equador. Os falantes originais de linguas bantas devem ter sido relativamente poucos. Os primeiros se moveram, ou se difundiram, de um habitat ori- ginal no oeste, talvez em algum lugar nos Camarées, até muitos milhares de quilémetros a leste, As margens do lago Vitéria. Adquiriram conheci- mento sobre agricultura e pecuaria, provavelmente do norte, ha cerca de 2.500 anos. Mais tarde, houve uma expansio em massa continente abai- Xo, rumo ao sul € ao sudoeste. Os colonizadores bantos eram agricultores e, provavelmente cm poucas geragées, se tornaram mais numerosos do que os habitantes originais nas areas em que se estabeleceram. e . —_—_— Mas também ha difere: cas. O povo banto ¢ as linguas bantas pa- recem ter sc difundido muito mais depressa do que os indo-curopeus ¢ sua ling porgdo maior, Hoje existe ecrea de cem ling: Ao mesmo tempo, sua lingua original se fragmentou em pro- s indo-curopeias, muitas das quais tém grandes contingentes de falantes. O nimero de linguas bani © zulu ou o Africa! nio sfo usadas na escola. oscila entre trezentos seiscentos, Sé algumas, como o suaili, , Sto conhecidas por seus nomes por gente de fora da A maioria das linguas tém poucos falantes, nio sao escritas ¢ 2.5. Como € uma lingua banta? As linguas vém em diferentes formas, mas também € verdade que clas tém muito em comum. Todas tém palavras, que consistem de sons, 0s sons so vogais ou consoantes, ¢ as palavras se combinam em frases Quanto ao resto, ele varia muito. A maioria dos falantes de portugués no conhece nenhuma outra lingua ou conhece uma ou algumas linguas indo-europcias, como francés, espanhol, alemao ou inglés. Por isso € facil acreditar que os aspectos tipicos co nosso grande grupo linguistico se en- contram cm todas as linguas do mundo. Uma pequena amostra de uma lingua banta pode ser de algum interesse. O setsuana (tsuana) é falado em Botsuana e no norte da Africa do Sul. Como a escrita foi importada da Europa no século XIX, a lingua se escreve com nosso alfabeto latino, assim como outras linguas africa- nas subsaarianas. Em setsuana, a palavra para “pessoa” é motho o plural, “pess € batho. “Menina” € mosetsana ¢ “meninas”, basetsana. “Professor” € moruti, e “professores”, baruti. E posstvel ver que as palavras iniciadas por mo- quando se referem @ uma sé6 coisa comegam por ba- quando esto no plural. Comparando com © portugués ¢ outras linguas indo-europeias, é possivel ver tanto uma se- melhanga quanto uma diferenga. O que é semelhante é que nés também temos formas diferentes, como menina versus meninas. A diferenga € que nossas linguas exibem a disting&io no final das palavras, mas ¢ em outras linguas bantas as palavras comegam de modo diferente. oas”, em setsuana ' Entre as linguas bantas, convém lembrar 0 quicongo, o quimbundo ¢ o umbundo, falados em Angola por mi africanos. Essas hdes de pessoas ¢ que foram trazidos para © Brasil pelos escravos nguas exerceram forte impacto sobre o portugues brasileiro. (N.T.) sodnuB sapuesd so 2 soansina ag Oe eS Mas recem ter se difundido muito mais depressa do que os indo-curopeus ¢ mbém ha diferengas. O povo banto ¢ as linguas bantas pa- dal se fragmentou em pro- sua lingua. Ao mesmo tempo, sua lingua orig, indo-curopeias, muitas fio maior. Hoje existem cerca de cem ling andes contingentes de falantes. O nimero de linguas po das quais tém g bantas oscila entre trezentos € seiscentos. Sé al imas, como 0 suaili 0 zulu ou 0 xhosa, sio conhecidas por seus nomes por gente de fora da Africa nao sao usadas na escola. . A maioria das linguas tém poucos falantes, nao sao escritas € 2.5. Como € uma lingua banta? As linguas vém em diferentes formas, mas também é verdade que clas tem muito em comum. Todas tém palavras, que consistem de sons, <8 sons so vogais ou consoantes, ¢ as palavras se combinam em frases. Quanto ao resto, ele varia muito. A maioria dos falantes de portugués no conhece nenhuma outra lingua ou conhece uma ou algumas linguas indo-curopcias, como francés, espanhol, alemao ou inglés. Por isso é ficil acreditar que os aspectos tipicos do nosso grande grupo linguistico se en contram em todas as linguas do mundo. Uma pequena amostra de uma lingua banta pode ser de algum interesse. O setsuana (tsuana) é falado em Botsuana e no norte da Africa do Sul. Como a escrita foi importada da Europa no século XIX, a lingua se escreve com nosso alfabeto latino, assim como outras linguas aftica- nas subsaarianas. Em setsuana, a palavra para “pessoa” é motho e o plural, “pessoas”, € batho. “Menina” & mosetsana ¢ “meninas”, basetsana. “Professor” & moruti, e “professores”, baruti. i possivel ver que as palavras iniciadas por mo- quando se referem a uma s6 coisa comecam por ba- quando estiio no plural. Comparando com © portugués ¢ outras linguas indo-curopeias, é possivel ver tanto uma se- melhanga quanto uma diferenga. O que é semelhante é que nés também temos formas diferentes, como menina versus meninas. A diferenga € que Jo no final das palavra m de modo diferente. mas em setsuana nossas linguas exibem a distin em outras linguas bantas as palavras comeg Entre as linguas bantas, convém lembrat go, @ quimbundo ¢ o umbundo, falados em Angola por milhdes dle pessoas ¢ que foram trazidos para o Brasil pelos escravos guas exereeram forte to sobre o portugués brasileiro. (N.T) soajsin3ut sodnua sapues soz africanos. Essas 5 © a

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