A legislação processual civil portuguesa tem sofrido, nos últimos anos, várias alterações, nem
todas elas respeitadoras dos princípios gerais fundamentais que a devem pautar.
Sabemos como esses princípios fundamentais foram menosprezados no CPC de 1939 e na sua
continuação que foi o CPC de 1961. Não tanto porque a obra legislativa de José Alberto dos Reis
não tenha representado um importante avanço na sua época, mas porque a época, pese embora o
papel do autor, indelevelmente a marcou. Marcou-a, em primeiro lugar, porque o código não
podia ser imune ao autoritarismo reinante e por isso logo congenitamente registou soluções que
dele são fatal resultado. Marcou-a, em segundo lugar – e talvez sobretudo –, pelo imobilismo que
se seguiu: enquanto as leis e a doutrina europeias posteriores a 1945 iam aperfeiçoando o
processo civil, sob o prisma das garantias democráticas, Portugal permaneceu alheio a esses
desenvolvimentos, que só a revisão de 1995-1996, mais de 20 anos após o 25 de Abril, levou a
cabo. Mantendo embora formalmente o CPC de 1961, o aggiornamento então realizado
representou a introdução de novos paradigmas, impostos, sem dúvida, pela necessidade de tornar
o processo civil eficaz na realização da garantia do direito substantivo, mas impostos também
pela necessidade de o processo ser, ele próprio, garantístico. A revisão foi apressada, mas
procurou ser profunda e respeitadora dos imperativos constitucionais. Estou certo de que Salgado
Zenha, que tanto se bateu pelos direitos e garantias no processo, ficaria, se vivo fosse, satisfeito.
Seguiram-se a reforma da acção executiva (2003) e a reforma dos recursos (em 2007);
mas também muitos diplomas a alterar, a ensaiar, a emendar. E aqui nem sempre os princípios
processuais fundamentais se pode dizer que tenham sido respeitados. Dou alguns exemplos:
Os exemplos podiam continuar. Mas, em vez de uma longa e, por isso, fastidiosa enumeração, vou
antes escolher um ponto que, por estar no centro das reformas desejáveis, tem hoje especial
importância. Refiro-me ao uso da informática no processo e a um dos vários problemas que, no
campo das garantias das partes, ele pode trazer consigo.
Julgo que é de defender uma interpretação extensiva do art. 812-E-3 CPC, segundo a qual, tida
em conta a aplicação subsidiária das normas que regulam o processo de declaração (art. 466-1
CPC), o juiz continua, quando haja despacho liminar (art. 818-D CPC), a poder – e, como
defendido acima, em certos casos a dever – exigir ao exequente a apresentação do título
executivo em original, por considerar insuficiente a sua apresentação electrónica.
E quando não há despacho liminar (nem lugar à conclusão do processo ao juiz antes do primeiro
acto de transmissão de bens: arts. 812-E CPC e 820 CPC)? O executado pode invocar a falsidade
do título ou requerer a exibição do original, nos termos gerais da lei civil. Mas, nos casos em que
não deva ser previamente citado, pode o seu património ser agredido por actos de penhora que
não têm, como suporte legal mínimo, a garantia da existência real dum título executivo. A
dispensa da apresentação inicial do documento, particular ou autêntico, exigido por lei1 é no
processo declarativo normalmente reparável, antes de qualquer decisão, mas pode assumir, no
processo de execução, dimensões de especial gravidade. Será isto defensável? Não devia ter-se
pensado melhor nas garantias do executado?
Ouve-se, por vezes, que o processo civil é demasiado garantístico. É falso. O tribunal dispõe de
poderes suficientes para refrear e suprimir os abusos – tão frequentes – das partes e, se não o faz,
não é a concessão desmedida de poderes discricionários que vai garantir mais sensatez no
exercício da função judicial. Sem prejuízo de um ou outro acerto, as garantias consagradas
quando da revisão do código e, mais tarde, na reforma da acção executiva são necessárias ao bom
funcionamento dos tribunais. À Ordem dos Advogados cabe estar especialmente atenta em
momento, como o actual, de tanta febril alteração da lei, e isto não só durante o processo da
elaboração da lei processual, mas também quando confrontada com o mau uso de poderes que,
concedidos até ou para além dos limites dos princípios constitucionais, podem fazer perigar os
fundamentos em que assenta todo o processo civil civilizado.
1
Note-se que nem sequer se pode dizer que a fidelidade da cópia do título executivo é
sempre atestada pelo advogado do exequente, quando este exista: ao advogado não é
exigida qualquer atestação.
Conclusões
4. A Ordem dos Advogados deve continuar atenta a estas e outras violações dos princípios
processuais fundamentais e pugnar por uma lei de processo que inteiramente os respeite.
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