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IsgN 0100-8667" Sociedade | VOLUME 26 + NUMERO 2 + ANO 2006 nlite Familia, segredo, doutrina Nagéo, repressdo, suicidio Rotas, transitos, circuitos vendas ¢ assinaturas Joria, 99 Redacao» Ladeira da Gl Cop 2211-120 Rio de Janeiro ~ RJ Bes Telefone: ne 2558-. Fax jignowsociedade @serorgbr ee waniserorg biteligiaoesociedade CATALOGAGAO NA FONTE. UER)/REDE SIRIUS/PROTAT ERED SFr a ~ Vol. 1 (1977). R382 Religido & Sociedade. - Vol. 1 ¢ ~ Rio de Janeiro : ISER, 1977. ¥ Semestral, ISSN 0100-8587 1. Religido - Aspectos sociais. 2. Religido e civilizagao. I. Instituto de Estudos da Religiao. CDU 2:308 Indexada no Catalogo Latindex — “Sistema Repo de Informacién en Linea para Revistas ‘entificas de América Latina, el Carib eae , el Caribe, Espana cea Sociological Abstracts Clase ~ Gas Latinoamericanas en Ciencias ‘ales y Humanidades e Dataindice Apoio: Pronex/MCT/CNPQq (Projeto Movimentos Religiosos no Mundo Contemporaneo) Expediente Organizadora deste nimero Clara Mafra Reviséo Tipografica Emerson Giumbelli Secretaria de Redagio Paola Lins de Oliveira Helena Mendonca Revisdo técnica Clarice Zahar Rita Jobim Traducées Henry Decoster Diagramagao Rosania Rolins Capa Helofsa Fortes UMARIO Artigos O sacrério original. Pessoa, familia e religiosidade Luiz Fernando Dias Duarte... aa Para além da familia e da religiao: segredo e exercicio da sexualidade Marcelo Natividade e Edlaine de Campos Gomes ... 41 Isla, secularismo e nacionalismo entre os Curdos da Siria Paulo Gabriel Hilu da Rocha Pinto .... 59 Shahid, a nova figura da luta nacional Palestina Amanda S. A. Dis... 81 Joana Dark e a Mulher Lobisomem: o rito de passagem de Nossa Senhora John Cowan Dawsey 104 Mapeando as rotas do transito religioso no Brasil Silvia Regina Alves Fernandes e Marcelo Pitta S HAHID, A Nova Ficura DA LuTA Nacional Patestina Amanda S. A. Dias E nés, nés amamos a vida tanto quanto posstvel, Nés dancamos entre dois mértires. Entre eles, nés erguemos, pelas violetas, um minarete e palmeiras, Nés amamos a vida tanto quanto posstvel. Nés queremos um fio do bicho da seda para tecer nosso céu e terminar esse €xodo. Nés abrimos a porta do jardim para que o jasmim inunde as estradas como um belo dia. Nos amamos a vida tanto quanto posstvel. Lé onde nés residimos, nds semeamos plantas luxuriantes e recolhemos mortos. Nés sopramos na flauta a cor do longinquo, longinquo, e desenhamos um relinche sobre a poeira da passagem, Nés escrevemos nossos nomes pedra por pedra. Oh raio, clareie para nés a noite, clareie um pouco. Nés amamos a vida tanto quanto posstvel. Mahmoud Darwish, “E nés, nés amamos a vida”.! Introdugéo A partir dos tiltimos anos, 0 conflito Israel-Palestina conhece um instru- mento de luta perturbador, até entéo praticamente ausente da causa palestina: © atentado suicida. Enquanto no Ocidente esses ataques criam indignagao e Religie Sociedade, Rio ce Janeiro, 2602), “104 2, sutro lado eles criam herdis célebres entre os pateg et aque suicida palestino segundo o mesmo 0, ender 0 at preende 2 visa alvos ocides ‘ Wag 2 tamistns? visando alvos ocidentais € gra, gl!%r ry fandmen complexe, 80 MESO Fem We incompreensio, d tentagio de com conceitual que os atentad ento de ur o entendimento ene yoverno israelense. a atitude colonizadora do governo legitima a go islamista nfo € nove, apenas recentemen, E e S de aco Se esse método : eats : ‘ie patestina. E, portanto, essencial considera ‘aego no imaginario palestino, procura o soni criagio no imag palestine, procurand coq" aia a principal referéncia da Segunda Intifadges ‘inde parte da juventude palestina, ino simplifica ganhou © apoio da socie “martir”® a partit ender como ele se t : . vam uma gr in sio as razdes que lev - ee nude ts ‘40 Th a desejar tornat-se martir? Quais as motivagées que culminary : mulheres, a na as motlvagbes 4 escolha de uma maneira tio tragica de contribuir 4 causa nacional Palestine © presente artigo procura jogar luz nessas quest6es, colocando 9 5 no centro da anslise. Como enuncia 0 scilogo Michel ‘Wieviorka (2004), yn! fraqueza das perspectivas clissicas sobre a viol ents a ee geral, ou els : consagram ao exame das condicaes favordveis & ag4o ou A passagem ao ato, 9, dentro do limite dos seus calculos, estratégias « elas questionam 0 ator, mas eus interesses. Buscaremos evitar uma compreensao CO martir palesti ia .sses. Buscaremos evitar uma compreensa di palestino se; resultado inevitével de uma situaga0, ou seja ainda como um ator racional que calcula seus ganhos de maneira fria e objetiva. Tendo em vista a complexidade do fendmeno, optamos por analisar . mértir palestino a partir da perspectiva do sujeito, considerando, ao mesmo tempo, sua singularidade politica e social. Nao se trata, em nenhuma insténcia, de justificar 0 ataque suicida, mas sim de uma tentativa de compreender apelo do ataque auto-sacrificial na sociedade palestina contemporanea. Para tanto, o presente artigo divide-se em trés partes. Primeiro, analisaremos brevemente o desenrolar do conflito Israel-Palestina e seus efeitos sobre a populagio palestina. Como veremos, 0 crescimento dos atentados suicidas est claramente ligado aos processos do conflito e & desesperanga dos palestinos em relagio aos instrumentos de resisténcia e de negociagao que marcaram a Primeira Intifada. Segundo, buscaremos uma compreenséo que extrapole o registro da resist cia armada, analisando a figura do mértir auto-sacrificial no imagindrio palestim. Veremos como ele constitui uma referéncia identitéria central na sociedade pale tina contempordnea ~ 0 que se percebe claramente nas fotos dos martires, sejam es coladas nos muros dos campos de refugiados ou reproduzidas nos pingentes do colares usados pelos jovens palestinos. Por tiltimo, consideraremos as motivagGes individuais que levam um palestin? a0 ataque suicida. Essas motivagdes sio miltiplas e vao desde o desejo de vingans? a angistia de no se encontrar uma outra forma de agir pela causa nacional Tanto a sacralizagio da imagem do mértir na sociedade palestina, qu"? © conhecimento do fracasso de uma tentativa de negociagéo, pot exempl ety Nova Figura da Luta Nacional Palestina shahids 83 pes grande valor na escolha feita um e| sem Pelo sujeito. As t caramente metodolég 10. Assim, a divisa ropomes & puramente a l6gica: escothemos condusir divisio que pr’ necto Mais aMpPlo da si * one a nossa and ee do aspect plo da situagtio ao sew aspecto mais individual sels 09 , 5 cae aspecto mais individual, saben- a fm, € wm conjnto de conideragen ue len um pal dias fica em tal ato de violencia m um palestino 2 se secrificat OT enos TA aeatee Fecolhemos N80 — © tema do jihad* por considerarm ; elemento-chave ps ' armos que nito carn de um efemento-chave Para a compreensio Jo atentad fapatiariaa grio, a inscrigio do mirtir palestino na logic hy icida palestino, a légica jiha alo contr 7 th adista possui 0 efeito ssejavel de atrapalhar a sua compreensio. 7 Seo apelo de uma luta ideoligi ‘ hae ; , a luta ideolégica internacional opondo o bem contra o mal conquista militantes em meic pal antes eio pales- rino* (cobretudo com o aumento da desesperanga em relagio a criagio di wigo nacional sobetano capaz de acother os milhares de hua ici eenTam espalhados em campos no Libano, Siri, Jordin, West Bae els cc de cinco d&cadas), a adesio a0 jihad ishamistaesté lange de ser unde qime. Grande parte da populagdo palestina teme que tal ideologi cairns ipepecto nacional da sua causa. quesa Para a andlise do fendmeno abordaremos 0 trabalho de especialistas da causa palestina ¢ do fendmeno dos atentados suicidas huscando, ao mesmo ‘empo, enriquecé-lo com minha propria experiéncia, adquirida ao longo de dois trabalhos de campo conduzidos no campo de refugiados palestinos de Beddawi, cae do Libano.’ A desilusio em selacio aos processos de paz gana proporgées ainda maiores junto aos palestinos do Lfbano. Deixados de lado pelas negociaces, o horizonte de um direito de retorno & Palestina é extremamente longinquo. Mesmo we os refugiados de Beddawi nao participam da execucio dos atentados suicidas em Israel, sua desesperanga leva-os a apoié-los. Uma das coisas que mais impressionam no campo € justamente a presenca da figura do mértit, ou shahid, no cotidiano dos seus habitantes. Uma importante fonte de pesquisa para o presente artigo foram, as longas entrevistas realizadas com oito artistas plisticos de Beddawi, em abril de 2004, A onipresenca da figura do mértir nos quadros desses artistas € mais ‘ims evidencia da amplitude do fendmeno, assim como do seu lugar central no imagindrio coletivo da sociedade palestina. 1. Impasse e frustragéo lo mrtit palestino passa obrigatoriamente flito Israel-Palestina. Enquanto a primet- ra ondy de atentados suicidas palestinos a bomba remonta a abril de 1993.8 nota- se, a0 longo dos anos, uma ampliagao do fendmeno: Israel sofreu cingitenta cinco ataques suicidas em 2002, quase a mesma quantidade que durante os oito anos precedentes (sessenta e dois) (Conesa 2004). Um outro fator que aponta Para 0 crescimento do fendmeno € 0 seu alargamento a novas categorias de A compreensio do fendmeno d pela compreensio do desenrolar do con! Retigito ¢ Socedade, Rio de Janeiro, 26(2) 445, , m hy, A ais apenas pot homens + Men mittires que fio se comnetiruem m7 T ens que niin se con m je famnftia. Mh¢, impasse to Jeradas enganosas mutheres © pais d tal, surgido aps longas fases de neg nto de ly © sentimento ¢ cin est na origem desse i CFescimens, sem resultado. ow consi m Israel apds 0 fracasso dae" * aparecem ¢1 Prong, primeinne arentados d pee tonizaglo istnelense €M T€1TA9 GUE sug . a retomada da col asior s ete de Odo" © da retom er rome elemento ocasional 0 massacre 4 roe palestinos, € chron, cometide pelo colon. © tena mesgta de Hebron, cometide pelo colony, amente trinta figis 9 nto, importante con, ximndamente tint FE oe 94. Tomma-se, portanto, in portante consic Golda er tiene pobticas das duas Intfadas. B verdade que 0 das praticas polftica De retornariam = a lean apenag suicidas adguiritam um higar imporeyn >, convém analisarmos também a Primein tventos e mudangas entre uma Intifada. a Our do marti adquirir suas atuais dimensoe, a evolugh a Segunda Intifada os ataque “estratégia” palestina, entretante um esforgo de compreensao dos que possibilitaram ao fendmeno Primeira e Segunda Intifadas } Em desembro de 1987 estoura a Intifada, a «revolta das pedras», Dig 4 dia, jovens affontam as forges da ocupagao israelense com pedras; a popu palestina organiza greves e manifestagdes; 0 boicote aos produtos istaelenses amplia. Essa Intifada, que durou até 1993, marca uma guinada no conflito Israel. Palestina. As midias internacionais transmitem as imagens de adolescentes armadas com pedras contra tanques de guerra. Reina na populagio palestina o sentiment de que eles podem mudar 0 curso da ocupagdo e, mesmo em Israel, cresce a consciéncia de que no podem continuar a dirigit Gaza e Cisjordania impunemen Entretanto, se uma dezena de acordos foram assinados entre 1993 e 2000, apenas uma pequena proporgéo das obrigages inscritas nesses textos foram aplicadas. Assim, € sobretudo como resposta ao fracasso das Negociagdes que nasce a Segunda Intifada (2000), conhecida como Intifada Al-Aqsa. atentado suicida, ato operacional violento, inscreve-se, sobretudo, no contexto dessa Segunda Intifada e ilustra duas grandes diferengas com relagio a Primeira. O primeiro Ponto de distingdo entre os dois levantes seria o cariter social Presente na Primeira, que combinava ao movimento de luta nacional un movimento social de redefinicio das orientagdes gerais da sociedade” (Larillte «Levens 2003:27). A Segunda Intifada coloca em evideéncia a agio individ © interior da cena palestina, a despeito i ial e de um mobilizacdo coletiva, jeer ne toler cenelat ie Em 2 ; ai segundo lugar, enquanto as linhas diretivas da Primeira Intifada care : ae Por um modo de acao princi Intifada constatamos um aumento da violéncia quando comparadas com pu Nowa Figura da Lata Nacional Palestng id, «shal 85 pos — Uma rerceira diferenga repousa sobre os efeitos das Intifadns. sob (Larzillitre e Leveaw 2003). A ; je A socie fe jaraclense (ANT 1 ca Partir do momento em que, em 1988, ty aceita @ criagae “ um an Palestino na Cisjordania « na faixa de Gaz c egme! s da sociedade israeley _ a f ortantes segment : ‘cic x israclense aceitam a idéia de uma paz de nport? hre bases idénticas. Ape: m : eo isso sobre Fi a da sua violencia, a Primeira Intifada crlon co mbiente global de negociagio pacifica, onde ambas as a pies = ene ‘onhecia wr amen ae possivel 4 projegiio de um horizonte aceitivel. Por ute ttl? fda é reinterpre | ? ie , Segunda oa aé ae Pelos palestinos como um fracasso, subse Indo, 8 7 . re ls + luto dos processos de Oslo — apesar de gente a0 1uto dos pracessos de ( pesar de Israel se desengajar de um gireto da populagao palestina, os acordos nao trouxe: . sntrole 4 Ie trouxeram nenhum avango re conceme 2 Jerusalém, 20s refugiados ou As colénias de povoamentn, Assia no ro. Assim, inverso da Primeira, ela rectia nos istaelenses 0 sentimento de que mais uma vez ria existéncia do seu Estado que est em jogo, 20 éa pro ‘A Intifada Al-Aqsa No comeco da Segunda Intifada, tentou-se utilizar os mesmos repertérios de acao da Primeira, tais como manifestagdes, langamento de pedras e boicote aos produtos israelenses. Entretanto, no novo contexto esse repertorio apresen- tava trés limites (Larzilligre e Leveau 2003). Em primeiro lugar, como vimos, 0 espirito que havia sustentado 0 levante de 1987-1993 havia mudado. Em segun- do lugar, a Intifada Al-Aqsa nao consegue mobilizar de forma massiva a popu- lacio palestina, 0 que impede a eficdcia desse tipo de agdo. Finalmente, a repressio israelense é tao mortffera que participar de uma manifestagdo torna- se quase t4o perigoso quanto realizar uma agio armada. A descrenga dos palestinos em relagao a eficdcia dos métodos pacificos permite a imposigo gradual de ages armadas. Essas agdes adquirem, essenci- almente, quatro formas: emboscadas contra soldados ¢ colonos, tiros regulares contra os bairros de colonizagio, tiros de foguetes artesanais e atentados suici- das. O apoio da populagdo palestina aos atentados suicidas aumenta significa- tivamente apés os incidentes do tinel sob a mesquita Al-Aqsa’, mas s6 ultra- passa a barreira dos 50% a partir de 2001. Ao longo da degradagao da situagio local, entre o declinio econd- Mico € 0 crescimento da colonizagio, as esperangas depositadas pelos palestinos nos acordos negociados esbatem-se. As teses dos movimentos islamistas, majoritariamente recusadas no princfpio, ganham entdo popularidade, porque elas propdem uma solugio ao duplo sentimento de fracasso, interno ¢ externo, dos palestinos. Internamente, no que concerne o conflito com Israel, 0 cotidiano Opressivo estd sempre presente. Externamente, as acusagdes de ine- Religifio ¢ Sociedade, Rio de Janeiro, 26(2), g1 4 86 o 7 contra a Autoridade fictcia ¢ de cormupgao, multiplicam-se poles icici na (Larzilli¢re 2003:94). ntos islamistas praticamente N40 sio mais q 6 titi montmenes reservados 38 OTKAIR9GG slimy erry ganizages (Brgacas hos Mértires day. os pelo conjt : a Ron rr con enis Al Ali Mustapha, tigadas 20 Fronte Pina alee a at) Grose modo, 2 sting entre 0s FeperGrios de th iberagio da Palestina. 4 Jento, nio € mals feita; ao contrario, eles passam i, jolento, é a ser eq violento ¢ nao-vt : a : < “omplementares. A agio dos martires sobrenz es ¢ complemental sre derados interdependentes : derad \ 7 a representacio da futa contra a ocupasio Sie) one a ela heii, Tepresentag: 1a auséncia de linhas estratégicas diretiy a, S fre d ‘A Segunda Intifada so! de fin ire por acdes separadas, levadas a cabo por pequenos Brupo, livididos por conflitos internos. A a ha Os métodos dos movime dos © os atentado: caracteriz pouco coordenados, palestina permanece incett eles mesmos d pee dosprovida de reivindicagées precisas ~ seu ni ponto claro € a retirada israelense da fronteira de 1967 (Linha Verde*), ” De acordo com Péneloppe Laie ¢ Remy Leveau, essa situacio dey ser compreendida segundo uma dupla dimensio: a relag4o com © ocupante ¢ , configuraco interna da sociedade palestina. Isso porque a Intifada ALAga comporta parcialmente um aspecto de luta interna, sendo constituida de um lado por jovens lideres origindrios dos campos de refugiados e, do Outro, pelos dirigentes da OLB a “velha guard". Os primeiros, a “jovem guarda”, procuran obter um melhor posicionamento na cena politica palestina, tendo praticamente como tnica escolha 0 uso da violéncia. Do outro lado, a “elite transnacional’ dispde de recursos em termos de possil idade de deslocamentos, de qualifica- des e de conhecimento internacional, mas sofre pela falta de legitimidade. Essas divisdes transversais da sociedade palestina — constituidas em ter- mos de experiéncia e de recursos econdmicos e culturais - crescem como resul- tado da estratégia territorial israelense, que consiste em transformar o territério palestino em ilhas de inseguranga, isoladas umas das outras por estradas ¢ barragens, € cujo objetivo € permitir sua apropriagdo pelos israelenses ¢ garantit © controle da populago palestina. Dois princfpios geopoliticos retinem-se nest estratégia: zonas-tampao de seguranca (Plano Allon de 1967) e separagio de- mogréfica (Plano Seven Stars de Sharon em 1991) (Larzillitre e Leveau 2003:27) A estratégia israelense nao é estatica; pelo contrario, ela esta em constante movimento e se traduz por uma repressio cotidiana, exercida pelo exérci israelense sobre os palestinos. Seu impacto sobre a populagdo palestina prover entre outros, a impossibilidade da integragdo necessdria para desenhar um PI jeto social © uma estratégia comum. Ademais, a opressio e a humilhagie mentam a revolta, a frustragio, 0 desespero e 0 desejo de vinganga do P palestino. a] svn Fira da Lata Na ahi 8 o* i a do méartir a estrate RN Artir pa pear de 0 fendmeno do MAH palestinn ter naeidy 4 ij causa nacional (COMO Método de query carl? 48 Necessidades @ contta cas d poets Tir um Estado palestino), el - po 7 € jon? ; a ocUpAgiO istae- yo PICA em termos de uma estea ado. la : Suicida € mais mortifers que as todos cay le nfo se exp Taxa ficaz. F verdade que 0 atent regi? a ymas de terrorismo (trata-se de s forme outta pers um dos raros mé vrais 008 israelenses, em um conflite que tende 0 Entreta ivis € militares)." Entretanto, seu valor mili, e concn a CicEal ee OM alestinos @ crenga na eficécia dos atentados seid entre O° Pda balanga de poder é limitada, a Como nota Elias eatados catastricos 2 busca de uma possvel soluga oraz az de infligir | ignorar a diferenga ar no € evidente: mesmo as em termos de Balibar, o mértir 10 do conflito: primeiramente, ele corresponde exatamente a estratégia istaclense de destruigo da sociedade palestina, permitindo elevar sem cessar o nivel de violencia exercido sobre ela, mesmo se enn leant custa muito caro em vidas e em recursos ( . m vidas € em Em segundo lugar ele paralisa, em meio & sociedade israclense, 0 conjunto de foreas que poderia agir para reverter a politica de conquista. (..) Enfimy ele implementa em uma parte da populagdo Palestina, notadamente entre os jovens, uma concepgio sacrificial do herofsmo e uma per- cep¢4o do valor da vida humana que se refere exclusivamente a distingéo amigo-inimigo, cujas experiéncias histéricas, todas, pro- vam que ela se paga, no muito longo prazo, com uma decomposigéo da civilidade (Balibar 2004). Além dos trés pontos abordados por Balibar, acrescentamos a assimetria da luta armada: de um lado Israel, uma das grandes poténcias militares mundiais, estreitamente associada A superpoténcia americana e dispondo de todos os ins- trumentos modernos de guerra; do outro lado os ataques suicidas, considerados pela sociedade palestina como “a arma dos pobres”, a Gnica posstvel. Ademais, a estratégia do mértir representa 0 risco de distanciar indefini- damente a possibilidade de um Estado palestino vidvel, uma vez que destrsi a 'magem dos palestinos junto a uma comunidade internacional cuja confianca éles tém interesse em ganhar. © ato do mértir palestino corre o risco de ser 'nterpretado como um ataque equivalente ao terrorismo islamista. De acordo com Pierre Conesa (2004), podemos distinguir dois tipos de Htentado suicida: “aqueles que esto ligados a crises de longa duragao; ¢ aque- mjcltt £880 ligados a um inimigo global (0 Ocidente, 0 judeu..)”. © caso oo inscreve-se no primeito tipo, “difundido em zonas oo o ce tos politicos e culturais similares, fruto de um passado doloroso sobre SS Religitoe Sociedade, Rio de Janeto, 260, g - — oy, Esse também € 0 caso, por exemplo, dos tchetchenos - ahoragio. Nesse caso, “0 kamikaze € um filho da seguir o> drama original, ov scia, aqueles que mao cong ece”. A segunda categoria de atentadoe ey wirias geragies”. Ess por Staline por colabor terceira geracio depois ¢ e: ca nfo apart eae ye uma esperanga arta 0. globalie, ici aon eniado, possi como inimigo “uma construgao globalizante image or outro lado, possui co arta ing perpen ‘on deus, as Crzadas ¢ 05 lipieritas, segundo 05 termos de ce, ‘retificad 7 3 Cece tipo de tel contra sua consagraca, am, "Esse tipo de terrorismo, que & EFaG%0 ng ae nio teivindica uma identidade nacional, maa Vi [rade Center, contra o World Trade Center, mn ' serijentidade planetiia, a Otonma (comunidade de crentes mugulmaneg,” alvos sio universais (embaixadas, Nagdes Unidas, bancos, sinagogas...) ¢ seu iting & desumanizado, destituido de todo valor & interpretado como a concentracig : todos os males (americanos, ocidentais, “falsos mugulmanos”...) le Esses dois tipos de agdo suicida tém origens distintas. O primeiro inscre ve-se em uma légica de luta contra um ocupante brutal nas SUAS aG6eS, enguan, to 0 segundo procura exterminar um inimigo global e imaginério. © que hi, amente nao justifica os atentados suicidas palestinos. Porém, o fendmeno oy mértir no deve tampouco servir para justificar a violéncia da ocupagao iste lense ou negar os direitos fundamentais aos palestinos. Desde o 11 de setembro de 2001 e as guerras no Afeganistao e no Traque, hé uma tendéncia em se perceber 0 conflito Israel-Palestina como parte de um combate entre o bem e o mal, ou ainda entre Ocidente e Oriente — tanto pata os islamistas como para os adeptos da luta da administragéo Bush contra 9 terrorismo. O que agrava a situacdo e distorce a compreensio de um fendmeno muito mais complexo e delicado do que normalmente imaginamos. 2. A figura do “mértir” na sociedade palestina O mértir auto-sacrificial palestino possui um lugar fundamental na carac- terizacao do conflito que o opée a Israel. O surgimento e a multiplicagao dos atentados suicidas na causa palestina remetem A evolugdo de um imaginério onde ele constitui a referéncia central. Assim, convém analisarmos a significa £40 que o mértir adquiriu em meio A sociedade palestina, estudando seu aspecto coletivo e social. Para tanto, em um primeiro momento analisaremos 0 uso 40 termo “shahid” entre os palestinos, para em seguida examinarmos a questéo do Perfil dos autores dos ataques suicidas e, finalmente, mos debrugarmos sobre set Papel na sacralizagéo da causa palestiva : O “shahid” Os palestinos Praticamente nao fazem distinca 4rtir. mort A do fazem distin ir mo involuntariamente du tingao entre o marti Fante © conflito que os opde a Israel e o mértir autor 40 sano 0" da Luta Nacional Palestina ids «st ps 49 eando tanto un ici nomeal il quanto outro shahid. Existe ae ssa raiz espectfica pari ene entantn ett nominal dessa raiz espeeffica parm nomear os autores das ope ee nl ‘atmente a palavrs | las peracéies il Mas normalmente a palavra shahid 6 utilizada tanto par : sniciday a ‘Jo exército istaclense qui ante para refetir-ge a 1 i eginado pelo exército israc lense quanto a um jovem que ten ine a um ae enha se expledide ido 1 asst ee gsim, por exemplo, durante uma entrevista com um d a.com um dev artiata a tel > nn 0eraee cir an’ wy de Beddawi, fui informada que seu pai e um dos seus irmaos ba al e elec: asse shahid ou i ios eram 4 soc pot ae ok especcase shah ou Suid, minha questo foe indo Pea er ‘ ' 14 questio fol motive Quit o essencial era aber que a pessoa foi morta no conflite israel ie te aelo-palestin, est sarpres enha ac A wee ISSO tenh aa C se mnport ha acontecido. oe Nas obras a inocente o nese faa doe tra fle race ca “aebres devie sua hist6ria pela midia. Os palestinos com- . gas hist6rias que, conhecidas de todos, tornam-se pontos d (ou de seu softimento). oe pinturas de um artista de Beddawi constam as imagens de trés nao-combatentes € consideradas herdis pelos palestinos. Uma elas € 0 gar000 Mohamed al-Dura, morto sobre as pernas do pai. Mohamed al- Dura é um dos principais {cones simbolizadores do mértir néo-combatente. Ele seu pai foram filmados quando, aterrorizados, tentavam escapar dos tiros isra- lenses. A imagem da crianca morta e do pai cafdo em estado de choque na frente das cameras faz parte do imagindrio dessa Segunda Intifada. As televisbes ‘Meunditam a cena reperidas vezes de maneira que cada familia pode se com o papel de vitima total. £ nesse sentido que Laetitia Bucaille (2003) afirma que a homenagem prestada a0 palestino morto “por engano”, enquanto ele no cumpria nenhum ato de combate ou de resisténcia, repousa na tomada de consciéncia da con- digg de vitima dos palestinos, condigéo que de uma maneira ou de outra iado do termo “mértir” valoriza uma leitura implicaria todos eles. O sentido amp! de combate gue opse palestinos inofensivos a istaelenses ferozes, enfatizando asin a profunda desigualdade da relagio de forcas. Através de episédios como a morte de Mohamed al-Dura, 0s palestinos Jes sao as verdadeiras vitimas do conflito. buscam convencer 0 mundo de que ¢ A fralidade desses pequenos martires represent@ Pott» sociedade palestina uma prova da opressao a qual so submetidos. A yontade de atrair a arenga0 pata a injustiga do seu destino corresponde una vontade de reconhecimento- Em vista da historia judia do século XX, 0s palestinos buscam, através da sua cncepgf do métiz, demonstrar aos isrelenses & 2 vvomunidade internacional que atualmente sfo eles que ocupam o lugar do povo oprimido. ce © amplo sentido do termo “shahid” exPrim® sobretuclo, Um Hie aldo Ge ane ant cumnilco, wa Olena politica € nacional ando como fi dos artistas de Beddawi encontramos os dois tipos de m4 ae oe : : 06 de mértir, 0 e 0 istishhad que oferece sua vida ao combate. Tod ¢. Todo Entre as criangass shahid locais identificar com 0 drama € a vontade de |. Sua Religifo ¢ Sociedade, Rio de Janeiro, 26(2); g1 109, A 90 Ns acum imaginario politico que estrutura a auto-repr eseny tags ae sua relagio com 0 mundo. " utilizaglio remete ia figura do shahid substituin ag 4 dog da sociedade palestin Instrumento da ¢ fe os ANOS ausa nacional 1970, 0 Te a pronto ‘istente palestino era o “fedai", age * Aduele ‘We se sactificar por essa lita” En Entre My Jo combatente de uma guerr 2 tel i gy batentes, Duran! Iutava pela sun patti © fedai foi cubstitufdo ni {ihad), proveniente pelo shahid. A aparigio ‘y religiosa € morbid brigatoriamente morrer ne estavi pela figura Pavia dos partidos iskimicos ~ 0 “moudjaha d pam introdu2 das novas dimensies 9 § : afi Hr Emquanto 0 fea! assumia 0 risco dey emais, sud ‘ Ge mo ‘Ademais, sua morte se inscreye mere ‘0 ao paraiso. No a conte to * May Ta dp Jo vor fedai: inscrigh © shahid deve registro religions, dado que the confere 0 acess presente artigo, Noss? interesse situa-se particularmente na construgio ¢, dy, “fi A : la o-sacrificial, que substituiu progressivamente a do comb, ima. aten. gem do mértir aut te, fedat O alargamento das categorias de mdrtir concerne ao perfil dos mértires suicidas, n4o somente o fend; . ; : im do mértir nfo se reduz a uma categoria social determinada, como o espectr a . 0 grupos implicados no péra de aumentar A figura do martir ndo € mais 7 eer ane mulheres", ou ainda pais de fama le | vada aos jovens, engloba mais de quarenta anos. Como afirmou um artista de Beddawi: “qualquer um na Palestina pode ser istishhad”. Quando, em 2003, 0 Fatah encomendou a um artista do campo uma pintura mural representando a luta palestina, ele escolheu ilustrar duas mérti élel : la ¥ i cles: Dal “T Moshrabi-e Wafia Idress ~ nas palavras do. pinto ‘as as 2 al de todos”. Dalal representa a primeira martir palestina, executada quan. i levava a cabo uma operagao militar. Segundo o artista, durante a revolugio ee lestina de 1978 Dalal al-Moghrabi era a lider de um ramo militar do Fath eu grupo havia tomado um Gnibus israelense como refém, m : horas de negociagio o exército is eae ociacéo o exército istaelense decidiu atacar o grupo de palest Todos os palestinos foram executados (com A i, ai = m a excegio de um dos seus membres , mas néo sem antes matarem a integralidade No que dos reféns. Quanto a Wafa’ fofa'a Idriss, trata-se da primeira mértir kamikaze palestine Abaixo das imag es ane Ve ray ml Temp eee e Wala'a slo ‘fedayin’ [co fe Wafa’a fidaa li Falestin, 0 que quer dizer “Dall ferent habits ds eatnpo! Re ee ele pintou un conjunto dessas pinturas, sft refugiados, cujo sonho € tornar-se shahida No cfu dees tut amos principal skahida do pertodo passado, a ms Segunda Tncifda e uma aspirante a shahida, ara o ats eb 1a Nacional Palestina, Nowa Figs da Lut wo i we onto: © 0 futuro da tesisténcia palestina, Na a encontramos um 7 ca importante, extremamente presente nas ue wt joiners Bedldawi, que € a continnidade do. shahid. No discus tt ists, BS AON dos mittires encadeinm-se 0 longo dow anos e ine me a. nin forma de lta prsivel conta ocupante “ ses nk palestine ve poss colts = nao podermos falar em um perfil do mértit suicida, Larzillidre rar dene povdrmes para uma especificidade importante, mas nem por isso necesséria ac eu pertencimento a um campo de tefugiados. Essa condigso seriMente ideolégico do campo do que a condigio econdmies que o Ultimo pode pertencer A categoria daqueles que, m E , no alestino: mais a0 are, dado wes jo kami sai Wee ” Fe ear do CAMPO conseguem “se virar” € encontram um emprego. Em outras evra, * ormalmente os mértires: sie origindrios dos campos de refugiados pale Sua condigao de “lugares de meméria” da historia palestina — e par- jarmente dos extlios de 1948 ¢ 1967 -, € nao por causa de uma situag4o von aiffeil. O pertencimento a um campo possui um papel fundamental no imaginario dos seus habitantes: inter ricul econsmica dif na identificagao € Os refugiados dos campos possuem uma relagdo particular com 0 exilio, sem o qual eles so apenas pobres na periferia das cidades palestinas, os tiltimos em termos de status. Sua inscrigéo na historia do exilio faz deles simbolos do destino palestino e elementos extre- mamente fortes da identidade palestina. Através disso, eles podem reconquistar uma identidade. Seu apego a historia da Palestina participa entao na sua construgéo pessoal (Larzilligre 2003:105). A forga do ambiente ideolégico est4 explicitamente manifesta nos campos de refugiados. Entrar em um desses campos € como transpor uma fronteira simbélica, deixar o Libano e penetrar em territ6rio palestino. Um dos artistas de Bedlawi referia-se ao campo como sua “Pequena Palestina”. Bandeiras, pincuras murais, echarpes... nada nos deixa esquecer que se trata do povo palestino, que a causa palestina esta viva. Isso fica claro nas entrevistas conduzidas por Larzillitre com as familias e os autores dos atentados sui- dos mértires. Nessas entrevistas aprendemos qu Cidas néo esto entre os mais pobres da populagio do campo: 20 contririo, arande parte das vezes o mértir havia acabado de atingir seus objetivos pessoais, encontrando um emprego ou casando-se. A autora fornece dois elementos de Slicagio: a decepcao em relagdo ao contexto palestine (6 sucesso pessoal nao altera a causa nacional); a culpa de obter sucesso & portant, “dessolidarizar- se” de um destino coletivo. Relisioe Sociedade, Rio de Jno, 260, 1 92 - Sacralizagéo da causa palestina pemos 0 aentado suid, mods oerand fardamenra Sor sal , oa s Como sabemos © mies no. movimento islamista, No nig olny “Agen, encontra suas 1 sam by ALA eel aon process Je MREOCHIGAD jUsifcarg yu, dlesesperanga em rel " Nprecentada como a sinica maneita de mudar uma po ’ i esfavordvel. Internamente, os islamistas pregar, vi faseado nos ideais de justica, integra" € ics dessa nova arma, poder extremamente ragio de um Estado islamico jade Palestina faze: ig dade. Enguanto a legitimidade da Autoridade Palestina desfaz-se com o ing, hg) ie aeeouenbe Hi: aumenta,'? 0 que comprovam os Hees, ciacdes, a do Hamas aumenta, = result das negociagdes, a do | sume 7006, a iltimas cleigdes legislativas em Jan de 2006. aos atentados suicidas nao resulta de um, Por outro lado, 0 apoio = ‘Qa Nk na eficdcia da estratégia. Devemos, portanto, nos eee sobre as Tazies Ma aes ~ ; si tei, aforA We ait Ai prnar-se a principal referéncia na ca, possibilitaram a figura do martir to Caracterie, ‘9 fendmeno é de origem mugulmana, no caso Palesi 6} mirtir corresponde & sacralizagio da figura de um heréi nacional (Lara, 2003). Herdi nacional porque seu papel constitui, apesar de tudo, uma 7 batalha, inscrevendo-se no contexto da luta contra Israel; sacralizad, da sua integragio a um sistema de crenga religiosa. = A concepgao do mértir como “a arma dos pobres”, mas também “dog corajosos”, revela esse misto entre causa nacional e sistema de crengas, Quan. do, durante a pesquisa etnografica, um dos artistas de Beddawi relatava , massacre do campo de refugiados Jenine (a 3 de maio de 2002), ele 0 fazia com orgulho, apesar do fracasso da resisténcia palestina. O artista justificava sey orgulho ressaltando a bravura dos palestinos, que estavam dispostos a se sacr. ficarem durante o afrontamento - a diferenga dos israelenses, que utilizavam g tecnologia da guerra moderna para se protegerem. Ele cagoava dos israelenses, afirmando que eles necessitam de toda uma gama de instrumentos de guera porque no esto prontos a dispor de seus corpos e de suas vidas, a0 contri dos palestinos. O orgulho pela resisténcia palestina em Jenine se revela em Beddawi também de outras maneiras: uma das suas ruas foi nomeada “Jenine’ em homenagem ao campo atacado. Na mesma Tua, um outro artista pintou um representacao de Jenine, onde, em meio as chamas, um jovem gigantesco ulte- Passa os muros do campo, esmagando um helicéptero israelense com uma & maos (a outra segura uma bandeira da Palestina). Finalmente, varios comércios € recém-nascidos receberam 0 nome de Jenine em homenagem ao “camp? mértir”? , cao da luta palestina. Se forma j, 0 através Para os palestinos, a capacidade de sacrificio evoca a superioridade mot da sua causa face ao adversério. O sacrificio do martir inscreve o conte nacional em um registro sagrado, 0 que reforga ainda mais o impacto da cats conferindo-lhe uma legitimidade que vai além da questao territorial. va Figura da Luta Nacional Palestina (0 aN 81-19) a deixam pouicas escothas, o martfrio sendo muitas ve2es percebide co, F cecee sentido que Larzllitre diz que, provavelmente. etn sclucio posstvel. f srtante crescimento das taxas de suicidie snureas do imp ee Proctirar As comttsn ‘ lessa gh integracho proposto pela sociedade palesting” A Rta ha crise ed - Moe ry cemrespande ¥ neecessidade dos jovens palestinos de vy a i avy nacional, respondendo a0 mesmo tempo a geis Aly atentadc vassal to pessonis, uma v és do atentado eles passam do estatuta de p len de herdi. Através da fusio, 0 shahid responde A desarticulagio entre o< caractertstica da atual situagd4o identitdria Palestin "Rigg 2 ie do modelo de tom coder” peln c que atray pessoal ¢ politico, Conclusio A andlise do mértir palestino demonstra a complexidade de um ena que se compie de diversas dimens6es, indo desde a vontade de lutar Men, haralha até a construgao de um discurso de sacraliday ‘ancia suicida. Os palestinos apresentam a estraréy, martir como “a arma dos pobres”, tendo em vista que eles nao dispsen° mesmo aparelho militar que Israel. A capacidade de utilizar o proprio py dispor da propria vida pela causa nacional legitima 0 mértir perante a sociele, mo prova de um cardter moral elevado, % m6 uma estratégia de iy legitima o ato de viol palestina, que interpreta seu ato COI © atentado suicida é antes de tudo uma violéncia exercida contra si Meso, aqui ele se torna um sacriffcio honrado. O fenémeno do mértir reine a desiluséo quanto & criacao de um Esta palestino e a construgao de uma figura sagrada da exemplaridade. Individual. mente, diversas motivagdes agem de maneira particular em cada futuro shahi, culminando na agao suicida. A causa € nacional, mas a escolha de tornare shahid € individual. Mesmo se falamos do papel das organizagGes, a escolha & colocar um fim a propria vida e & vida de outrem nao deriva apenas de man: pulagdes ou ainda da aceitagao passiva do ato. Seria necessério que, a0 lado de novos rumos para a causa nacional, « desenhasse também um novo horizonte para os palestinos. Os artistas de Beddaw afirmaram repetidas vezes que a paz que as autoridades querem no éape deles, uma vez que ela exclui o direito de retorno dos refugiados. Sem abords essa questo, que se revela tio complexa quanto a do méartir, nd0 é dito! compreender que um jovem palestino nascido em um campo de refugiados ¢ marginalizado pela sociedade libanesa nao veja nas atuais negociagdes do cot flito uma esperanga para desenvolver seus projetos pessoais. ‘ O fim da estratégia do martir palestino nao surgiré como © resultado motivagao de um shahid, mesmo o contrario, pois ela nao desenvolve u™* tégia de negociagéo capaz de oferecer uma visio do futuro que nada Luta Nacional Palestina prea : 29 ccc total. Enquanto os palest a vm ines tiverem a sensaciin di a perdedores", PEMA MH esratin cama rig thls yr mc nacional em uma realidade eagrada, fury nn te thes ada, fied sentides gieesteto ace 3 Oslo: assinados em 13 de setembro de 1993 pela OLP ¢ pel i pena vm conjnto de acords que ergantam coe i anizam a implementacio mia. palestins as retiradas do exército istaclense to commeens | is oe lense ¢ 0 contexte das cin finais. Eles iéncia a uma troca de cartas de teconhecim me awe Arafat € Tohak Rabin em Oso, Nomex ses morue : sandas 408 Martires da Al-Aqsa: ramo militar do Fatah*. rao roo poco palestine criado em 1959 por Yaser Arait, majority ope na Autoridade Palestina. Hamas: lit “elo”. Remete ao movimento da resisténcia islimica, criado em 1988 na Faixa de Gaza. Essa emanagiio dos Irmaos Mugulmanos* investe no construgio de mesquitas, clinicas, escolas, centros esportivos, etc). Hoje social ( ‘a-se de um sério concorrente do Fatah*. em dia, trat Intifada (Primeira, Segunda): significa “levante”. A partir de 1987, 0 termo adguire um sentido politico, representando a resisténcia ativa da populagdo palestina face A ocupagao israelense. Ele € retomado com mais énfase em setem- bro de 2000, quando a volta da violéncia armada entre israelenses ¢ palestinos coloca um fim aos Acordos de Oslo*. Inmiios Mugulmanos: organizagdo criada no Egito em margo de 1928 por Hassan alBanna. Ela se expande rapidamente no conjunto do mundo arabe e se dis- tingue no campo politico pregando a justiga social e a (re)islamizagao da socie- dade (egipcia). Os Irmaos Muculmanos desenvolvem importantes redes carita: ‘vas nas dreas sanitéria e educativa. Iikad: © temo vem do verbo jahada, que conota o esforgo constante no senile de um objetivo de dificil execugo. Em relagéo as regras desse combate sagrado, ° Corio contém afirmagées contraditérias. A teoria classica do jihad repousa em ta dvisio do mundo em duas partes: 0 dominio do isla (tr al-islam) © 0 dominio da guerra (dér al-harb). Segundo essa tworia, 0s mugulmanos possuem ° nee a dito de combater aqueles que ainda no adotaram o isla, com a excegio Religie Sociedade, Rio de Janet, 260), 5 Let 02, 100 mmonotesstas, que poem gozar do statute, gg Tapco do jihad c¢ 2 lange Me roe ey combate que deve ser Fealizady no jyr de jihad moral om espinal NT cpecialmente pelos sufis, que se qa.”" de mesmo, Esse jihad ¢ Print os de hoje, essa idéia € difundida pele, mm a como um jihad “maior AO ao relerem 0 Corfe, encontram nele. Pe nanos modernist a essa corrente, Uma visio extrem” ‘ a dy ) resposta i 2, Ao inverso, € come : amisr. 3 paz. Ao il had foi desenvolvida pelos militantes islamistas que Pregam ns lassica do jihac Jades mugulmanas que, segundo seus crite,” Ting ch e das socied f te mesmo dentro d : enn " tae el) 0 indiano AIMawdOdl © 0 exipio Sayyid uy gs von aonees doutrindrias necessérias a esse movimento . ram as bas inka Verde: linha de demarcagio origindria dos acordos do armistcio gg ibe Linha Verde: Tn jgcusedo nas negociagoes de paz israelo-palesting, 8 Serv dos adeptos das religides Ima outra cone (dhimmi). Uma outra © mugulm Referéncias Bibliograficas BALIBAR, Elias. (2004), “Universalité de la Cause Palestinienne“. Le Monde Diplomatique, wi, BOPARSLAN, Hamit, (2003), “Le Nationalisme Kurde: dela Violence Politique au Suicide Sec Internationale, 21: 93-115. ; sun oe (2003), “LImpossible Stratégie Palestinienne du Martyre: Victimisaton , Artentat Suicide”. Critique Internationale: Violences islamistes, 20: 117-134. CONESA, Pierre. (2004), “Aux Origines des Attentats Suicides”. 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Darwish (1989): aw “mo “slamista” para assinalar a distingao, utilizada correntemente pelo meio da Luta Nacional Palestina ano al cl si ———_ anit” € “lami”, Ena “laniqe, oy "isbimico",€ um adjetivo que se act “en 9 sl er hose", qe ag tain como "ila fine mane islamicos extremistas. eet esi : : ', € utilizado yams islamicos CX © drabe “shahid”, sendo freqiientemente empregado por especialistas da tra “eager sscurso desenvolvi pelos plestinos em torn do ae ao a ai o8 termes “mite” © “hahid” como sindnimos. par faeces to ads tema Meta eM yt (tine: meet a sociedad palestina seré discutido mais wt gunda parte do atigo Mas pot um asterisco sto explicad vompant cai AF ae efuginospresentes no Liban, refrie-se Rover, 2004 oe Tee 5 oe fonts wens ente mites de mad mond ed cus Lats ite efuiados de Ein el-Hilweh, sul do Libano, desde a apaigéo das redes 9 cami no Scarapo, no comego dos anos 1990. sat MS Tho de campo foi realizado em abril de 2004, como parte do projeto de mestrado in peincres de Beddawi- Création artistique et imaginaire politique dans un camp de refugies jo “Pein pan” realizado na Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales (EHESS). Nessa se viv um més No CAMPO de refugiados de Beddawi, onde fui acolhida por uma famflia de sa camo. © sepundo trabalho etnogréfico, de duragao de oito meses (fevereiro-setembro sino wos, faz parte da pesquisa de doutorado. Além de visitas regulares ao campo de Beddawi, 1005). alestiniens ® esse perfodo realizei um estigio junto ao 6rgio das Nagées Unidas responsdvel pelos sa gkexinos 0 Orente Médio, The United Nations Relief and Works Agency for Palestinian Fefuess in the Middle Bast (UNRWA). « Prime ataque-suicida organizado por um grupo islamista Palestino na Cisjordania, no 16 de abril de 1993. + Entre 27 € 29 de setembro de 1996, a municipalidade de Jerusalém abre um tdnel sob a esplanada we esquitas. Durante 0s afrontamentos que se sucederam, 76 pessoas foram mortas. « Sendo Conesa (2004), entre 2000 2002 os ataques suicidas representaram 1% dos atentados palesinos, mas izeram 44% das vitimas, 1 Q PPS sitio contou com a participagao de cinco mulheres em doze atentados suicidas (Conesa 2004). 2 Qs atentados suicidas sao condenados pela Autoridade Palestina, que os considera mais como uma contestagio direta do seu poder do que como oposigao a Israel. Maison de 'Amitié Franco-Palestinienne” (MAFPA) (s.d.) » “Eximologicamente, aquelas cujos olhos de um negro profundo ressaltam sobre o branco. Existe um debate teoldgico sobre a forma como se deve compreender a referéncia as howris prometidas aos mares: anjos ou mulheres” (Larzilligre 2003: 111), ® Segundo o autor, o caso de Wafa’a nao é isolado, como demonstram os ‘exemplos de outras martires, ue tetiam “pecado” e carregavam um bebé ilegitimo, como ‘Araf Tamimi, autora de um atentado no dia 9 de agosto de 2001. Recebido em 19/05/06 Aprovado em 04/08/06 -— “panda S. A. Dias (diasamanda@yahoo.com) des es em Sociologia, em sistema de co-tutela internacional entre a Ecole | G&S Hautes Etudes en Sciences Sociales (BHESS) ¢ a Universidade do Estado {feo de Janeiro (UER)). jo sagralo, 0 martir, ou shahid, torn. se 5 ce simbolo di 0 duh ; si nacional escrito como “a arma dos pobres”, ele participa hy ifnda. Descrit acto estio inexoravelmente ligados, em” Entre her figura ca Ses Ine sinério onde erra, mas também a dignidacle do poss i jo apenas a terra, mas 2 : a politico ¢ sa wo sci pafestino segunda sua propria especifcga nn principal ambigio do presente artigo. Tencl eq, cn anto, justfichlo, & 2 Pr aims a andlise a partir do aspects Mais amp do Fel es ndividuall Do desenrolar do conflite Israel-pyje” situagao. cio ‘lo shahid no imagindrio coletivo palestino, até as mot passando pela constr violéncia auto-sacrificial, buscamos compreender os pessoa que cn Je luta mais trdgicas da contemporaneidade constitui uma d . ‘Atentado-suicida, mértis, Shahid, Israel-Palestina; Intifada, de um imas a reconquista que buse Compreender 0 atent no ent | complexidade ‘ao sew aspecto M™ Dy in, ue Palavras-chav Abstract: Berveen atonal ero and symbol ofthe sacred, the marty, oF shah has become main figure ofthe Second Intifada. Described as “the gun of the poor”, he Participar, at the creation of an imaginary that bonds political and sacred, in a struggle that seeks t© reconquer not only the land, but also the dignity of Palestinian peopl, ny ambition of this article is to understand the suicide-attack according to its on specificity, without nonetheless justifying it. Considering the complexity of i. phenomenon, we conduct the analysis from its widest to its more individual aspecs, From the unfolding of the Israel-Palestine conflict, through the Construction of the shahid in the Palestinian collective imaginary, until the personal motivations thy culminate in the self-sacrifice violence, we make an effort to understand one of the most tragic forms of national struggle in contemporary times. Key-words: Suicide-attack, martyr, Shahid, Israel-Palestine, Intifada.

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