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PARTICIPACAO E ATIVISMOS: ENTRE RETROCESSOS ERESISTENCIAS Orgs.: Luciana Tatagiba, Debora Rezende de Almeida, Adrian Gurza Lavalle e Marcelo Kunrath Silva VIYILallZaUuvV CUITI UdInocaniner 2022 © Luciana Tatagiba, Debora Rezende de Almeida, ‘Adrian Gurza Lavalle ¢ Marcelo Kunrath Silva Projeto grafico ¢ cdigao: Editora Zouk Revisio: Bruno Palavro Capa: Maria Williane Dados Internacionais de Catalogacio na Publicagéo (CIP) de acordo com ISBD Elaborado por Odilio Hilario Moreira Junior - CRB-8/9949 P273, Participacio e ativismos: entre retrocessos e resisténcias / organizado por Luciana Tatagiba...et al.]. - Porto Alegre, RS : Zouk, 2022. 462 p. 3 1Gem x 23cm Inclui bibliografia. ISBN: 978-65-5778-078-7 1. Sociologia. 2. Ciéncia Pol 0. I. Tatagiba, Luciana, Il Almeida, Debora Rezende de. III. Mare Kunrath. IV. Gurza Lavalle, Adrian. V. Titulo. CDD 301 2022-3125 CDU 301 {ndice para catilogo sistemitico: Sociologia 301 2. Sociologia 301 direitos desta ediglo reservados & Pditora Zouk Av.Cristévao Colombo, 1343 s1. 203 90560-004 ~ Floresta ~ Porto Alegre ~ RS - Brasil £.51.3024,7554 wivineditorazouk.combr viyltalZauy Coll Galnocanner Introdugit Participaciio, Ativismos ¢ Democracia - Uma trajetéria contenciosa Luciana Tatagiba Debora Rezende de Almeida Adrian Gurza Lavalle Marcelo Kunrath Silwa Rebecca Abers A democracia tem passado por profundas mudangas na tiltima década. As referéncias a essas mudangas mediante novos termos como “morte da de- mocracia’, “crise da democracia’, “desdemocratizacao”, “autoritarismo furtivo”, “populismo autoritario”, “democracias iliberais”, “regressiio democratica”, entre outros, so esforgos para conceituar essas transformagées e compreender suas causas efeitos futuros. Trata-se de um desafio que se faz presente nfo apenas na academia, mas que também ocupa o centro do debate politico, principal mente em paises que, como o Brasil, viram emergir governos liderados por coalizées de extrema dircita. Embora a crise das democracias esteja na ordem do dia, via de regra 0 tema é tratado a partir de uma perspectiva que privilegia o “andar de cima’, aqueles que a literatura de transiges democraticas denominava de “atores politicamente relevantes”; ou seja, o foco estd nas disputas entre as elites 0s impactos dessas disputas sobre as instituigées democriticas. Aqui aten- tamos para um conjunto de processos politicos que, embora secundarizados nas perspectivas predominantes, sfio indispensaveis para entender as dinimi- cas de democratizagio e desdemocratizagio. Os capitulos reunidos neste livro adotam uma perspectiva centrada nas relagdes entre Estado ¢ sociedade, que toma os processos de democratizacio ¢ desdemocratizagio como resultado do confronto politico estabelecido entre movimentos, contramovimentos, elites € autoridades politicas. A énfase numa compreensio alargada ¢ centrada nas interagdes con= frontacionais e colaborativas entre agentes politicos atuantes em arenas ins- titucionais ¢ socictarias oferece perspectivas inovadoras para anilise dos pro- cessos de crosiio democritica em curso, Ao tomar como pressuposto que a politica institucional c extrainstitucional sio interdependentes ¢ se influenciam i VIYILAallZaUV CUIT UdllloUdl iner mutuamente, os autores aqui reunidos apontam para uma instigante agenda de pesquisa voltada ao esforgo de compreender como as atuais disputas pelo acesso aos recursos piiblicos e a direcao politica da sociedade, em um contexto politico caracterizado pelo avango da extrema direita, produzem e sio resul- tantes, 10 mesmo tempo, de mudangas nos padres da mobilizagio social ¢ do ativismo. : Movimentos sociais e democratizagio A énfase sobre a inter-relagio de movimentos sociais, participagio € processos de democratizagio e desdemocratizagio é tributéria de uma tra- digdo de pesquisa voltada a analisar as disputas pela construgdo democritica na América Latina (ALvarez, DacNnino & Escosar, 2001; Dacnino, 2004; Dacnino, OLverA & Panricut, 2006; Santos & AvriTzer, 2002)'. Esse campo de investigagao desafiou os pressupostos da transitologia tanto no que diz respeito ao seu foco no restabelecimento da competi¢ao entre elites como central para a passagem do autoritarismo a democracia quanto no que tange ao seu diagnéstico sobre os efeitos de desmobilizacao da sociedade civil pela normalizagao da vida politica (STEPAN, 1988; Linz & Srepan, 1996). A énfase das teorias da transico reside na compreensao das disputas en- tre as elites ¢ suas escolhas estratégicas como fatores centrais para a explicacao dos processos politicos que conduziram ao restabelecimento da democracia. A partir de uma légica que contrapée politica institucional ¢ extrainstitucio- nal, seus diagnésticos compreendem a mobilizagio social como resultado das oportunidades politicas abertas pelas disputas no interior das elites. O efeito da mobilizagao social sobre 0 processo politico é, no maximo, acelerar as tran sigdes em curso, pressionando pelo retorno das liberdades democraticas. Uma vez restabelecida a democracia, a estabilidade das instituicdes ¢ sua capacidade para processar os conflitos sociais conduzem a expectativa de reducao da mo- bilizagao social 4 participagio nos limites da democracia representativa. Em paralelo com argumentos caros A escola elitista, a transitologia opera assim a partir da contraposigdo entre estabilidade ¢ mobilizagio social, que retira dos atores coletivos qualquer papel significativo no fortalecimento das democra- cias recém instaladas (O’ponnunL, Scumrr & Wurrenean, 1991). 1 Fan reyistro diferente ao da construgto democeitica, us teses ha transitologia a respeito do papel eecundario dos movimentos sucluls nas transigdes também foram objeto de eeitiea (ver, [por exeimply, Collier & Mahoney, 1997). 12 DIYILallZauvV CUITI ULalnocanmer No livro 4 Moralidade da Democracia, Avritzcr aponta de modo cla- To os custos cognitivos da compreensio restrita ¢ meramente institucional da democracia prépria das teorias da transigao. O autor chama a atengio para 0 fato de que a democracia ~ ¢ seus problemas — nfo se reduz. a uma questio de engenharia institucional, mas também envolve a “incorporagao de um sistema democritico de valores 4 agio no interior do sistema politico” (1996, p. 134). A identificagio da convivencia entre priticas politicas autoritérias e democré- ticas nas instituigdes politicas e nas priticas sociais predominantes conduz a uma interpretagio do processo de construgio da democracia como nio linear, complexo, em jogo permanente dentro ¢ fora das instituigées do governo re- presentativo e sempre sujeito a reversées (ALVAREZ, DAGNINO & Escopar, 2000; Souza « Avritzer, 2002, p. 39-54). Essa forma de enquadrar a questo democritica é indissocivel do es- forco teérico e politico para ampliar os sentidos da democracia ¢ do que é definido como politica, incluindo seus atores ¢ arenas. Tal agenda encontra argumentasio contundente no belo livro de Norbert Lechner, Los patios in- teriores de la democracia: subjetividade e politica (1988): a’politica nao esta cir- cunscrita as dinamicas institucionais, estratégias dos atores e condicionantes econémicos, mas envolve igualmente a experiéncia didria das pessoas, seus projetos’e-emogdes. A concepgio alargada da democracia como conjunto de procedimentos que garantem a estabilidade na disputa pelo poder ¢ como gra- matica da vida social também esté presente na influente coletinea de Escobar & Alvarez (1992), Na obra, a relagdo entre movimentos sociais e democracia assume centralidade com base em um conjunto de trabalhos que trazem a0 primeiro plano.o.problema da formacio do sujeito politico. Na concep¢io dos autores, os movimentos sociais contribuem para a democratizacio ao visibili- zar esconderijos de poder e opressio incrustados na vida cotidiana, contribuin- do para o questionamento de relages sociais autoritérias pressionando por sua transformacio; ainda, ao fazer a mediagiio entre comunidades ¢ sistemas partidérios, fortalecendo a conexiio entre sociedade civil ¢ instituigdes politi- cas (Escopar & Aivarrz, 1992, p, 317-330). Essa compreensiio é reforgada na obra Cultura e Politica nos movimentos sociais latino-americanos, organizada por Alvarez, Dagnino ¢ Escobar, na qual se afirma que, no alvorecer do novo milénio, a disputa na América Latina se d4 em torno de modelos alternatives de democracia, c que os movimentos sociais desempenham papel fundamental nessa luta; “o que est4 fundamentalmente em disputa so os paridmetros da de- mocracia, s1o as prdprias fronteiras do que deve ser definido como arena polt- tica: seus participantes, instituigdes, pro (2000 sos,aigendas ¢ campo de ag 13 vigitaiZauy coil Valnocanner [1998], p. 15). Ji no contexto dos governos de centro-esquerda em varios pai- ses da regio, o esforgo analitico se desdobra no sentido de compreender as dis- putas de projetos politicos em torno dos sentidos da participagio da sociedade civil, a partir da contraposigio entre os projetos politicos democratico-popular ¢ neoliberal. Com 0s colegas Alberto Olvera ¢ Aldo Panfichi, Dagnino forja a influente tese da “confluéncia perversa”, por meio da qual sustentam que em contextos marcados pela dupla transigio?, da ditadura para a democracia e do modelo neodesenvolvimentista para o neoliberal, a participagio da sociedade civil pode tanto contribuir para 0 aperfeigoamento da democracia ¢ combate as desigualdades quanto fortalecer praticas autoritétias ¢ excludentes, colabo- rando para a consolidacao de uma democracia de baixa intensidade. Esse con- junto de trabalhos, articulado em torno da ideia de “construg4o democratica”®, teve forte influéncia na configuracéo do campo de estudos da participagao ¢ dos movimentos sociais no Brasil, principalmente entre as décadas de 1990 e 2000. Certamente contribuiram 4 formagao desse campo outras vertentes oriundas de tradig6es tedricas distintas, notadamente aquelas que ao longo dos anos 1990 e 2000 orientaram o debate sobre a sociedade civil, ora em registro neotoquevilliano ada Putnam (1996), ora orientadas pelo registro da sociedade civil da teoria deliberativa da democracia a Ja’ Habermas (1992)*. No contexto pés-autoritario, os movimentos sociais no Brasil inves- tiram pesadamente na construgio de uma arquitetura participativa (Isunza Vera & Gurza Lavatte, 2012; Terxerra et a/., 2012; Isunza Vera et al., 2012) capaz de levar os conflitos sociais para dentro do Estado, principalmente aqueles relativos ao acesso da populagio de baixa renda aos direitos basicos de cidadania. A literatura do pés-transigiio deu destaque para esses processos por meio do estudo das inovagdes participativas como os orgamentos participati- vos, conselhos de politicas puiblicas, conferéncias fundos participatives, com © propésito de compreender como e com que finalidade ocorria a disputa entre 2 Ahipétese da concomitancia da dupla transiglo, de regime e de modelo de desenvolvimen- to, comno compondo o contexto de ameagas © oportunidades politicas nas quais atuam os mo~ vinentos sociais Jatino-americanos no pds-transigdo, € desenvolvida por Paul Almeida (2016). 3 Parausna sfnteve da aborday importtneta para a configuragto da agenda de pesqui- va whre a participayao ea democracia no Brasil, ver Sewako (2012) ¢ Trindade (2017), 4° Avtewe do capital soclal de Patan desempenturan an papel importante na orientagio dy pensamnento Interessado em elaborar u relagto entre soctedaute eivil e politicas pibblicas, como atestade no pale pelo trabalho de Abrunovay (2000), A obra de “Tocqueville também informou 4 produgao nactonal sobre a sockedade clvil de modo direto (Boscui, 1987), Por sua vez, a ver~ tente habermastuna da socledude civil ganhou mualor projegto na Anigriea Latina ¢ disputou os dlayndsticos di Hiteratura sobre movimentos soclals (Avurrzen, 2002; Cosa, 2002). 14 DIYILallZaUvV CUITI Udalnocainer as forgas sociais nessas novas instiincias de participagio. Prestou-se particular atengiio As disputas entre Estado e sociedade civil, nos processos de definigio das politicas ptiblicas, em areas como assisténcia social, satide, crianga e ado- lescente, meio ambiente ete.> Nos anos 90, os movimentos sociais ajudaram a construir tais arenas participativas. Em nivel local, partidos progressistas comegaram a ganhar governos municipais ¢ a colocar em pritica propostas que se originaram nos movimentos sociais. O Orgamento Participativo, implementado pela primeira vez, na cidade de Porto Alegre, governada pelo PT de 1989 a 2004, foi tal- ‘vez a experiéncia mais conhecida (ApErs, 2000; Baroccri, 2005). Os esforgos bem-sucedidos do movimento de satide para criar um sistema de instituigdes participativas consagrado na legislago nacional — do posto de satide local aos conselhos municipais, estaduais e nacional (Corres, 2002; Dowsor, 2012; Mayra, 2019) — foram emulados por outros movimentos para criar siste- mas descentralizados ¢ participativos similares nas areas de assisténcia social (Gurternes, 2019; RaicHexis, 2002), politicas para criancas ¢ adolescentes (Baptista, VALENGA & Pezori, 2002), gestio de areas protegidas, habitagio (Donacy, 2013), gestio de bacias hidrogréficas (Aners & Keck, 2013), em programas especificos como Bolsa Familia (SPineLit & Costa, 2010) ¢ em outras reas de politicas programas. Virios modelos alternativos de politicas desenvolvidos por movimentos foram inicialmente implementados por gover- nos locais progressistas: a criago de cooperativas de reciclagem para propor- cionar dignidade aos catadores de lixo (BRANDAO, 2021), iniciativas habita-~ cionais participativas (Viana, 2021; BuiksTap, 2012), programas de apoio as cooperativas de agricultores familiares (AMARAL, 2021) ¢ assim por diante. Estes esforcos tinham em comum a ideia de que para combater a desigual- dade era necessirio organizar os diversos grupos socinis excluidos e Ihes dar controle sobre as politicas que deveriam beneficid-los, através do que Teixeira e Tatagiba (2021) chamam de “programas associativos”. Embora algumas or- Kanizagées ¢ ativistas de movimentos fossem mais avessos interagio com governos ¢ instituigdes participativas, para muitos, ir além da pressio sobre o Estado para ajudé-lo a criar este tipo de programa era consistente com o que Dagnino, Olvera ¢ Panfichi (2006) chamavam de “projeto democritico 5 Héconsistentes revisdes da literatura que explicam de que forma o desenvolvimento das ex- peritncias se deu concomitantemente a uma rica e diversificuda agenda de investigagio voltada a compreender scus sentidos ¢ efeitos sobre o proceso de producto ¢ implementagko das politicas Pablicas © acesso aos direitos de cidadania (SouzA & Vasconcetos, 2006; Reis & ARANTES, 2010; Gunza Lavattx, 2011; Buvinicit, 2014; Anmeana, Cavnes & Tavaomna, 2015). 15 vigitaiZauy Coil Calnocanner participativo”. Com a ascensio das forgas de centro-esquerda ao poder federal, cm 2003, a permeabilidade do Estado aos movimentos sociais progressistas Ievou a um novo ciclo de dcupagio do Estado e de disputa pelas politica’ ptiblicas (Aners, Srrarim & Taracrpa, 2014; Gurza Lavatte et a/., 2018), que envolveu sctores diversos, muitos dos quais historicamente excluidos da possibilidade de disputar fundos ptiblicos. O transito intensificado dos movi- mentos sociais para a luta “por dentro do Estado” gerou tanto uma expansao de canais institucionalizados de participao quanto um incremento significativo dos estudos sobre as chamadas “instituiges participativas” (AvriTzER, 2009, 2011; Avritzer & Souza, 2013; Dacnino & Taracisa, 2007; a, 2015) com uma énfase cada vez maior sobre os efeitos da participagao na definicao das politicas ptiblicas e seus resultados”. O campo de estudos da participagio e dos movimentos sociais Nesse periodo, houve um notavel desenvolvimento quantitativo e qua~ litativo dos estudos da participagao, com esforgos dirigidos a generalizagio tedrica € 4 sofisticagio metodolégica. A perspectiva da miitua constituigdo entre Estado e sociedade como chave para compreender os processos de ins- tirucionalizagio das demandas de atores sociais, com destaque para a aborda- gem centrada em “encaixes institucionais”, é um bom exemplo desses avangos (Gurza Lavatte ef a/., 2019). Ao longo do processo de intensificagao das relacées entre Estado e sociedade civil, o associativismo brasileiro tornou-se cada vez mais heterogénco ¢ plural (LicHMANN, 2014; ALMEIDA, LiCHMANN x Runerro, 2012). Novos atores emergiram na cena ptiblica reivindicando vez € voz, com destaque para a centralidade assumida pelo debate de género € racial. FE nesse contexto que a discussio sobre os sentidos ¢ a legitimidade da representagao dos atores sociais ganhou procminéncia politica e académi- ca, ajudando a enquadrar sobre outras chaves 0 debate contemporiineo acerca da crise de representagio nas democracias ¢ 0 proprio debate tedrico sobre a participagao (ALmuspa, 2015; Marrenti, ALMEIDA & LOCHMANN, 2019; Gurza Lavatis, Hourzacen t& Casrrt.o, 2006; Menvonga, 2008). 4 Pars andlive desses processos em areas espectticas, ver Rodrigues (2020) ¢ Rios (2014) para politicas de sgualdade racial; Matos & Alvarez (2018) para politicas para as nvutheres, 7 Aendetdnea Jifetividade das instituljoes participativas no Brasil estratégias de avaliasdo, orga suzata por Koberto ives em 2011, tem o mérito de dar visibilidade ao tema e onganizar 0 debate que entan ve faria de forma pouco sistematica, Nos anos segulntes, essi agenda se complexificou 4 parur do avanye pltico du debate sobre os efeitos dos movimentos sociais sobre + polfticas pablicas (Varauina te ‘Traxtita, 2016; Canvos, Downon & Auauiqueraue, 2017). nie 16 VIYILallZaUuV CUITI Gal llocallll Tr Nesse percurso de construgiio da agenda de investigagio do campo de estudos da participagi, ficou cada vez mais evidente que era necessério olhar de outra forma para o Estado — suas instituigdes ¢ atores -, 0s movimentos socinis ¢ a inter-relagiio deles. Nos trabathos de Dagnino ¢ seus colegas, jé mencionados aqui, enfatizava-se a perspectiva da heterogencidade do Estado e da sociedade, numa critica A tendéncia de tomar o Estado como a encarna- gio do mal ¢ a sociedade civil como Iécus da virtude democratica. Na mesma direcao foram pioneiros os trabalhos da antropéloga Ruth Cardoso (1987), que, jf nos idos dos anos de 1980, chamava a atengio para os riscos de to- mar a retorica antiestatal dos movimentos sociais como um dado da realidade. Cabe mencionar os trabalhos sobre o associativismo de Boschi, guiados pelo esforso de entender de que maneira os movimentos sociais - como aqueles que contestam a eficacia dos canais institucionais existentes para 0 processa- mento de demandas — contribuem para a democratizago das praticas sociais, de um lado, e, de outro, conseguem atingir seus objetivos por meio da criacdo de canais de representacio e da interagdo com instituigdes existentes, como os partidos ¢ os sindicatos (Boscut & VALADAREs, 1983; Boscu, 1987); no mesmo sentido, também as pesquisas de Foweraker, que em meados dos anos. de 1990 destacava a dimensio estratégica dos movimentos sociais, afirmando que suas interagdes com o Estado sio sempre interativas ¢ construfdas sobre um terreno legal e institucional, terreno este que é um actimulo de resultados hist6ricos das lutas populares ¢ das politicas do Estado (FowERAKER, 1995, p. 62). Desse modo, 0 autor colocou em outra chave um tema central no discurso dos movimentos sociais: a questio da autonomia®. Mais recentemente, a critica a uma concepgio marcada pelo pressupos- to da externalidade do Estado e instituigdes politicas em relagio a sociedade civil tem orientado parte importante dos estudos de Kunrath Silva (SILVA & Onrverra, 2011), que desde uma perspectiva da sociologia relacional enfati- za a importancia de que avaliagdes acerca das relagdes entre movimentos so- ciais ¢ instituigdes politicas scjam resultantes de investigagdes empiricamente orientadas ¢ nfo andlises aprior{sticas, com forte conotacio normativa’, Nessa diregao, o didlogo critico com a teorin dos movimentos sociais, especialmen- te na perspectiva do confronto politico (Mcapam, Tarnow & TiLty, 2001), contribuiu para a sistematizacio dos distintos ativismos que borram as fron- teiras entre Estado ¢ sociedade (Anrrs & Von BiLow, 2011), Organiz: 8 Para releituras desse debate a partir da realidade brasileira, ver Gurza Lavalle & Szwwako (2015) ¢ Avritzer (2012). 9 Ver também Gurza Lavalle & pwako (201) 7 viyltallzauy Coll Vainocanner movimentos sociais lancam mio de distintos repertérios de ago e interagao (Aners, Serarim & Tatacrpa, 2014) para influenciar as instituigdes politi- cas ¢ o desenho das politicas, envolvendo-se com partidos politicos, institui- goes participativas, nomeagées politicas, os poderes Executivo e Legislativo (Dowzor, 2012; Cartos, 2015; Oriverra, 2021; Caronz, 2018; ZAREMBERG & ALMEIDA, 2021).A partir da adogiio de uma abordagem pragmatista, Rebecca Abers acrescenta uma camada de complexidade a essa discussio, mediante um olhar sobre os atores que compéem a burocracia ptiblica. Mobilizando os conceitos de ativismo institucional criatividade, Abers (2021) inaugura uma agenda de investigagio que se distingue por analisar a burocracia piblica numa perspectiva agéntica. A partir desse conjunto de trabalhos e sua significativa Tepercussio em estudos posteriores sob a forma de teses, dissertagées e artigos, os pressupostos relacionais e da mtitua constitui¢ao acabaram se tornando ali- cerces tedricos que distinguem 0 campo de pesquisa da participagio e dos mo- vimentos sociais no Brasil do conjunto da produgio latino-americana recente. Com base nesse breve resgate, nota-se que o campo de estudos da parti- cipagao e dos movimentos sociais tém forte conex4o com o percurso histérico dos anos pés-ditadura, mantendo estreito didlogo com a prépria trajetéria dos atores, suas praticas ¢ disputas. © campo emerge no contexto de transigio da ditadura para a democracia, primeiro reivindicando o potencial explicativo dos movimentos sociais para a compreensio da desestabilizagio do regime autoritario e, depois, o papel da sociedade civil na construgio e consolidagio da democracia recém restaurada. E interessante, ainda, notar que os temas da agenda, seus conceitos ¢ énfases respondem a um momento do processo po- Jitico brasileiro marcado pela ampliagio das oportunidades para atuaio de atores progressistas no interior do Estado, em um conjunto muito diverso de arcas, Esse contexto de maior permeabilidade do Estado marcou a produgio tedrica do campo, o que fica evidente na caixa de ferramentas que resulta dele, no geral voltada a descrever ¢ explicar os encontros entre Estado e sociedade civil ¢ seus efeitos sobre as politicas puiblicas, O horizonte histérico no qual os petquisadores cstavam situados gerou uma expectativa de ampliagio continua da democracia como regime polftico e gramatica da vida social, embora com snuitay ida, ¢ vinday © ens um ritmo muito wy sis lento do que se poderia desejar. No momento em que este livro foi concebide ¢ escrito, no entanto, o comtento politico & completamente diferente, Desde « crise politica aberta em. 2014, quando 0 candidate derrotado a presidéncia questionou o resultado da dleiyin, a democracia brasileira foi projetada, em ritmo acelerado, ramo a um procenne de desdemoer lo, que resultou no golpe contra a ex -presidenta VIYILallZaUuvV CUITI Udinocainer Dilma Rousseft, em 2016, no assassinato de Marielle Franco ¢ na prisio do ex-presidente Lula, ambos em 2018, ¢ na eleigio da extrema direita, em 2019. Também as ruas mudaram: as jornadas de junho de 2013 anunciaram cla ramente nfio apenas miiltiplas insatisfagées acumuladas na sociedade, mas a capacidade de atores sociais conservadores de hegemonizar tais insatisfagées (Atonso & Miscue, 2016; Taracipa & Gatvao, 2019). De fato, um longo proceso de organizaciio de uma nova direita na sociedade civil ocorrera a0 longo dos anos 1990 ¢ 2000, ¢ a disputa exaltada da esfera publica por forcas conservadoras tornara evidente que a desdemocratizacio no plano do sistema politico tinha ¢ nutria um substrato societério (RocHA, 2020; Rocra, SoLaNo sx MepetrRos, 2021). A ascensio da extrema direita ao poder colocou a desnudo o autorita- rismo social que, embora submerso na redemocratizagao, permanecia na cul- tura politica do pais , em termos mais gerais, da América Latina (Dacnino, O vera & Panricui, 2006). Essas mudangas tensionam o campo da parti- cipacio, tanto do ponto de vista analitico ¢ tedrico quanto das praticas dos atores. Do ponto de vista das andlises, busca-se sair do diagnéstico da novi- dade, mostrando a inadequacio das nossas lentes para dar conta da disputa na sociedade civil por um conjunto de atores conservadores que operavam ¢ buscavam influenciar politicas concomitantemente com 0s atores progressistas (Szwaxo & Gurza LavatLe, 2021). No plano teérico, a ascensao da extrema direita nos mostra que hé ainda um caminho a percorrer na compreensio dos sentidos atribuidos a sociedade civil. Embora o campo de pesquisa tenha su- perado concepsées despolitizadas da sociedade civil responsiveis por eclipsar suas relagdes com as instituicdes politicas, resquicios neo-tocquevillianos per- sistem na expectativa de que os movimentos sociais produzam necessariamen- te efeitos democraticos e de que uma sociedade civil “vibrante” é sindnimo de desenvolvimento de uma politica ¢ cultura democritica, Conforme ji alertado por Berman (1997) e especialmente por Warren (2001), 0 associativismo nio produz, automaticamente efeitos democraticos, ¢ algumas vezes conforma or- ganizagoes incivis que demandam ¢ sustentam projetos autoritarios. Como temos visto sobejamente no caso brasileiro, o mundo associative, em muitos casos, conforma uma sociedade “incivil” que nfo apenas demanda e sustenta ativamente projetos autoritirios, mas emerge dos mesmos contextos urbanos que deram origem aos movimentos populares privilegiados pela liter recendo ordens morais alternativas « seus moradores (l’etrran, 2011), As mudangas no ativismo trouxeram novas oportunidades para os gru- pos conservadores e abertamente antidemocriticos disputarem as politicas VIYILallZaUV CUIT UdllloUdl iner puiblicas ¢ a sociedade, seja a partir de novos canais de participagio no Estado ou por meio da pressio exercida nas ruas ¢ nas midias digitais. Ja os atores associados aos movimentos de esquerda ou progressistas perderam os canais de interlocugio com o Estado no plano federal (como evidenciado no caso do Decreto 9.759/2019, que extinguiu conselhos nacionais de politicas puiblicas e/ ou altcrou sua composi¢io) e passaram atuar sob frequentes ameacas perpetra- das pelas novas coalizées no poder nos diferentes niveis da federagao, incluin- do as forgas milicianas. Ataques persistentes, inclusive com ameaga de morte ‘ou mesmo assassinatos, atingiram nao apenas as liderangas de movimentos sociais e de partidos de esquerda, mas grupos, organizacées e individuos publi- camente associados & defesa da agenda igualitéria, com especial destaque para aqueles vinculados as agendas de género ¢ sexualidade, raga, meio ambien- te, defesa dos povos originarios e tradicionais e da reforma agréria, incluindo aqueles que atuavam desde a academia, transformada ela propria, nos discursos de ministros ¢ do presidente, em inimiga do desenvolvimento ¢ da soberania nacional. Mas niio é s6 de recuo ¢ ataques que vivem os atores progressistas € de esquerda. A mobilizacio e a mudanga de repertérios ocorrem tanto por parte daqueles que estiveram em intima conexio com o Estado, especialmente nos governos petistas, quanto dos novos atores que também emergem e/ou passam a ser visiveis na conjuntura de junho de 2013. Sobre lacunas, silenciamentos ¢ a necessiria revisio dos pressupostos O acelerado processo de desdemocratizagio colocou em xeque impor- tantes pressupostos do campo de estudos da participagao e dos movimentos sociais, dentre os quais se destacam, como apontado acima, as relagdes entre a participago social e a construgio de valores democriticos, ¢ entre consolidagio da democracia ¢ combate as desigualdades. Contudo, é importante reconhecer que ainda antes da eleigiio de Jair Bolsonaro a coexisténcia entre ampliagio da participagao social, no plano institucional, a perseveranga do racismo e sexis- mo, € 0 avango da destruigio ambiental ¢ da violéncia estatal e paraestatal fez com que diversas vozes erfticas se levantassem, apontando a incapacidade do campo ein Jidar adequadamente com o problema do conflito e das desigual- dades evtruturaiv que limitan os avangos da democracia como regime politico € como gramitica social, Uma das prineipais eriticas voltou-se ao predominio de urna visio de pasticipagio que tendia a tomar a parte (a participagio ins- titucional) pelo todo, obscurecendo um conjunto de praticas, atores e eventos que contestavain a» entratégias de aproximagiio com o Estado, mobilizando um 20 vigitaiZauy Coll Calnocanner repertdrlo mals confrontacto . Newt mena diregio, criticou-ne a énfase nas politicas putblicns ¢ a dliffculdade de avangar em modelos tedricos € metodolo- gicos capazes de recolocar no centro do debate o problema da cultura politica, ou scja, a questio relativa As subjetivicacles polfticas e A incorporagao de valores demoeriticos, Em 2008, 0 pequeno texto de intervengao de Erminia Maricato, inti- tulado “Nunca fomos tio participativos”, repercutiu no debate académico politico, dando voz a essas criticas. No manuscrito, a autora explicitou o diag- néstico, presente em certos sctores da academia e dos movimentos, que indi- cava os limites “do participacionismo”, ou seja do investimento na participagao institucional, quando o que estava em jogo era lidar com questées relativas & propriedade da terra urbana e rural. A avaliagao é que essas lutas envolviam uma dimensio de classe, cujo tratamento nfo encontrava lugar na agenda da participacao. Ademais, faltava, segundo a autora, uma abordagem mais clara sobre a natureza do Estado brasileiro, atentando para sua face patrimonialista ¢ para padres de relago com a sociedade, baseados no clientelismo, Sob essa perspectiva, os encontros entre Estado e sociedade em canais institucionais de participasao poderiam servir ao oposto do pretendido, reforcando priticas de cooptasio, ao invés de contribuir com a organizacao auténoma da sociedade civil. Outra critica presente no texto voltava a uma contraposi¢éo que nunca deixou de estar presente no debate: a tensio entre a¢io institucional € agio direta (Domo, 1995). A esse respeito, houve até quem defendera a urgéncia de resgatar a participacio da perda de radicalidade que sua expressio institucio- nalizada e a literatura do campo tinham lhe imposto (MicueL, 2017). Mais recentemente, Thiago Trindade (2017) elabora essa critica a partir de uma posi¢ao interna ao campo. Segundo o autor, a énfase na participagio institucional ¢ nas politicas ptiblicas produziu uma concepgao limitada de par- ticipago, que acabou por obscurecer o ativismo popular que se dava fora das instituigées ¢ a partir de uma dinfimica mais confrontacional. A partir do caso das ocupagdes urbanas, Trindade traz, para o centro da discussiio a questiio da propriedade privada ¢ os conflitos que enseja, girando o foco de atengio dos espagos institucionais para as ruas, De modo mais amplo, a omissio quanto a investigagdes dedicadas As priticas de ativismo, protesto ¢ confronto ja foi apontada no como um problema circunscrito no campo da participaga da ciéncia polftica brasileira (Tavarus & Oniveira, 2016), Cabe aqui também mencionar os estudos sobre politica, periferia, vio~ Iéncia ¢ crime organizaclo, pois, mesmo que niio tenham estabelecido um did logo direto com o campo de estudos da participagio, foram importantes no i, mas VIYILAallZaUV CUIT Udllovdl iner sentido de contestar alguns de seus fundamentos, em especial a énfase sobre a gramitica dos direitos, como lingua franca da resisténcia. O processo de inclusio pelo consumo e expansio de direitos sociais associado aos anos da pés-transigio ¢, especialmente aos governos do PT, coexistiram ao longo dos anos 2000 com a perda da centralidade do trabalho ¢ a expansiio do crime or- ganizado com uma légica moral, de ordem e justiga proprias que organizaram 08 tertitdrios das periferias se imbricando, por vezes, em registro de concorrén- cia e, por vezes, de complementaridade, com as ordens morais do Estado ¢ das igrejas evangélicas (FeuTRAN, 2005, 2011; Tees, 2015). Enquanto 0 campo de estudos da participagio focava na ago de organizacées civis e movimentos sociais reivindicando a efetivacao de direitos, a literatura debrugada sobre os processos is margens escancarou um outro mundo em pleno funcionamento € nos mesmos sitios em que a literatura do campo diagnosticava lutas pela democratizagio. As interconexdes entre mundos assim dispares restaram como uma questio largamente inexplorada. ‘No campo da sociedade civil, a critica mais contundente aos pressupostos da 4rea ¢, em termos mais gerais, das abordagens institucionais da democracia tem sido feita pelas organizagdes de mulheres negras. Seu discurso interpela no um ou outro pressuposto, mas a propria narrativa hegeménica no campo acerca dos processos de construgio da democracia brasileira, como exposta no item anterior. As vozes dessas mulheres, que constituem a base da sociedade ¢ sofrem todo o tipo de violagao de direitos, nio apenas sobre seus corpos mas sobre a prépria possibilidade de manter em seguranga seus filhos e entes que- ridos no contexto da “guerra as drogas”, denunciam que, para certos grupos da sociedade, o Estado sempre foi um Estado de excegio (Pintterro, 1996) e que a democracia para elas nunca passou de uma miragem. A questio do genoci- dio da populasao negra, principalmente da juventude periférica, tornada unt no questio ao longo dos governos petistas, por exemplo, evidencia como o diagnéstico acerca da maior permeabilidade do Estado wos movimentos sociais nao enfrentou o problema de que, para amplas parcelas da populagio brasileira, a questo politica fundamental estava nto em participar do E. garantir condigées de existir, a partir da reivindicagao dos diveit (Das & Poors, 2004; Hicursweno, 2018; Krona, 2019) ado, mi em batsie Uigitaizauu coil Varocanner O futuro da agenda de pesquisa no campo de estudos da participasao ¢ dos movimentos socinis A partir das criticas sintetizadas na segio anterior, é possivel perceber que niio foi apenas a cleicio de um governo de extrema dircita, apés trés dé- cadas de avangos democriticos, que interpelou os pressupostos da rea: sua revisio também sc tornou pertinente porque escolhas na forma de enquadrar as questes de pesquisa acabaram por obnubilar problemas e atores que se mostram centrais para a compreensio da crise da democracia brasileira ¢ suas relagdes com as transformagées do ativismo. Com base nesse diagnéstico, os capitulos deste livro a um sé tempo exprimem e estimulam a renovagio das agendas de pesquisa no campo, convidando os jovens pesquisadores a avan- ar sobre diversas lacunas. A renovagio das agendas é imprescindivel em uma conjuntura que é bastante diferente daquela que ‘orientou a formulagio dos Principais pressupostos de nosso campo. ‘A questo é como avangar a partir do reconhecimento das lacunas ¢ silenciamentos, preservando o conhecimento ¢ desenvolvimento teético acu- mulados. O campo de estudos da participacao no Brasil cresceu e consolidou- se como um campo interdisciplinar dindmico e analiticamente inovador em relagio literatura internacional. Ao mesmo tempo, trata-se de um campo de investigacfo que tende a seguir os atores e 0s movimentos da conjuntura. Isso traz um estimulo permanente & renovagio e revisiio da adequacao dos quadros analiticos, mas pode trazer prejuizos se essa orientacio para o presente € 0 futuro vier acompanhada de um movimento radical de péndulo, que resulte no abandono do conhecimento acumulado do campo em termos teéricos metodolégicos. Uma das principais caracteristicas da nossa “rea é a abertura tedrica a recombinagées e fertilizagio cruzada. Essa heterogeneidade e diversidade se acentuaram ao longo do tempo, pelas razdes apontadas nas piginas anterio- res, mas isso nio significa que nio haja convergéncias; pelo contririo, como € notivel nos capitulos reunidos neste livro, o intenso dislogo estabelecido pelos pesquisadores do campo em relagdes académicas mantidas hi pelos menos duas décadas resultou na conformagio de alguns registros comuns de anilise ou perspectivas convergentes que passaram a funcionar como parimetros ¢ favorecem a divisio do trabalho cient/fico no interior da area, Sobre a base des- sas escolhas compartilhadas tem sido posstvel inv para que a saudada diversidade constitutiva do campo nio resulte em rotas de p quisas correndo em paralelo, ov numa babel conceitual que torne a iniciagio tir, de forma coleti 23 VIYILallZaUV CUITI Udlllovcdl ner dos jovens pesquisadores uma tarefa ingrata. Assim, nao se trata de interpor constrangimentos A inovagiio, a partir da invocacado de um modo de fazer, mas de adotar uma perspectiva reflexiva que é capaz de apontar lacunas, e ao mes- mo tempo reconhecer actimulos e avangos que ndo deveriam ser desprezados no afi da atualizacio necessiria da agenda de pesquisa. Reconhecer e nomear essas perspectivas em que ha confluéncias parece importante como base para avangar na construgio de agendas futuras; nesse sentido, destacamos a seguir trés registros comuns de anilise evidentes nos capitulos do livro e que hoje perpassam, em grande medida, as pesquisas produzidas pelo campo. 1) Perspectiva baseada nas praticas Uma caracteristica do nosso campo € a atengio especial nio somente aos atores, mas as formas de agir. Como notam Gurza Lavalle e Isunza Vera (neste volume), ao longo do tempo a literatura sobre participagao deslocou seu olhar cada vez mais para a aco concreta dos participantes. Inicialmente, a sociedade civil era vista principalmente como observadora e fiscalizadora do Estado. Depois, 0 foco foi no proceso deliberativo: a sociedade era fonte de Propostas € posigdes politicas. Com tempo, no entanto, os estudiosos repara- ram que os participantes no apenas expressavam suas posiges, mas também contribuiam para a criago concreta de politicas ptiblicas. A atengdo foi cada vex mais para como se dava esta ago e para identificar ¢ compreender as pra- ticas realizadas tanto por movimentos sociais quanto por atores estata contexto da participagio institucionalizada. is no Certamente, o debate sobre a agéncia humana nos processos sociais € politicos nao € especialmente novo ou limitado A nossa area. Referencias tedri- cas importantes como Giddens (1984) e Bourdieu (1977) exploraram a fundo a relagdo entre estrutura e agéncia, afirmando que os individuos participam. ativamente na reprodugio das estruturas sociais, Mesmo sem citar estes auto- ses diretamente, ou contribuigées relevantes mais recentes como as de Archer (1996), bow parte da ciéncia politica é orientada de alguma maneira por estes debates. & verdade que o institucionalismo da escolha racional tende a focar 1a ayao individual, deixando a origem e reprodugio « Ss por fort da andlive. O institucionalismo histérico ¢ boa parte da politica comparada, ne entante, Socata no “uivel médio”, explorando i evolugto das instituigdes: a0 Junge do tempo. f neste contexto que alguns tedrleos exploram o papel dos stores te tramforinayao de instituigoes, Mahoney e ‘Thelen (2010) propoem wing tpologia de ators avocados com diferentes processos de mudanga, O- 24 VIYILAllZaUV CUIT UdllloUdl iner “jnstitucionalismo ideacional” (BLYTH, 2001; Hay, 2008; ScumipT, 2008) en- fatiza que a reprodugio institucional envolve processos ideacionais. E ideias siio 0 mesmo tempo estruturas que nos orientam ¢ construtos humanos. Embora questées referentes ao papel do ator sejam constitutivas da li- teratura mainstream da Ciéncia Politica, pouco se discute o que exatamente os atores fazem quando agem. A atengio tende a ser posta nas causas ¢ efeitos da aco, nas condi¢ées oferecidas pelo entorno institucional e a capacidade ou nao dos atores de superar os obstéculos e mobilizar os recursos para concretizacio dos seus interesses. Ou seja, busca-se estabelecer associag6es entre as condigdes estruturais ¢ os resultados da aco, sem analisar a fiundo o que acontece nesse interim. A literatura de movimentos sociais, diferentemente, privilegia o olhar para as praticas dos atores. Pergunta-se como movimentos sociais organizam, mobilizam, recrutam membros ¢ apoios, e como constroem e disseminam in- terpretagdes ¢ identidade. A literatura também se debruga sobre as “formas” da aco coletiva. O conceito chave aqui é 0 “repertério de aco coletiva’, cunhado por Tilly (1978) para referir as praticas culturalmente disponiveis em determi- nado momento ou lugar para grupos que buscam se engajar na aco coletiva. Ao pesquisar a histéria da agao contenciosa na Europa, Tilly identificou uma transformasao nas formas de atuasao a partir do final do século 18. Surgiram naquela época uma série de “rotinas” que hoje associamos com movimentos sociais: a realizagio de marchas, a criagdo de associagées, a circulagio de abaixo assinados etc. Ao dar nome as formas de ago, Tilly propée explicar a ago coletiva nao apenas a partir dos fatores que inspiram um grupo a se mobilizar, tais como a formulacio coletiva de reivindicagées, a existéncia de capacidades or- ganizativas, a avaliagio politica sobre as perspectivas de sucesso. O repertério de agao coletiva descreve o tipo de pratica que os movimentos sociais sabem ¢ consideram apropriado empregar quando decidem agir coletivamente. Esse conhecimento existe com relativa independéncia das causas ¢ objetivos que mobilizam um movimento. Uma consequéncia dessa independéncia é que formas de atuar aparen- temente convencionais podem ser mobilizadas para fins confrontacionais; ou s¢ja, embora as priticas cléssicas de confronto — protestos, ocupagdes, abaixo assinados etc, — continuaram como objetos de estudo na nossa itrea, também se investigou a fundo o potencial transformador de pritic associa com outros atores do sistema polftico. O primeiro movimento nesse sentido foram os estudos sobre instituic¢des partici em que cada vez, que a literatura 25 VIYILallZaUuvV CUITI Ualnocainer mais se percebeu que o papel da sociedade civil nao era apenas comunicar de mandas ao estado, mas também ajudar na formulagio de modelos alternativos de politica publica (Taracrsa & TrrxerRa, 2016) ¢ até em ajudar o Estado a implementar estes modelos (AbERs & Keck, 2009). Com tempo, no entanto, a literatura examinou uma diversidade de outras priticas comumente considera~ das “convencionais”: criar partidos e érgiios governamentais (Ouiverra, 2021), reunir-se com tomadores de decisio, produzir informagio técnica (COELHO & Gurza Lave, 2018), participar de seminarios técnicos, ocupar cargos go- vernamentais ¢ assessorias parlamentares, se envolver em campanhas eleitorais etc. A literatura do campo sugere que esse tipo de pritica nfo € somente asso- ciado com a “institucionalizacio” de movimentos ja em fase de desmobilizacao como uma parte da literatura internacional pressupde, mas que so atividades cotidianas de muitos movimentos sociais, que fazem parte de agendas de con- fronto e resisténcia. 2) Perspectiva relacional O conjunto de capitulos que compée o presente livro expressa outro aprendizado central do campo de estudos da participagao ¢ dos movimentos sociais ao longo de mais de quatro décadas de pesquisas empiricas e formula goes tedricas: a importdncia de uma perspectiva relacional no estudo dos pro- cessos sociais ¢ politicos. Tal perspectiva € tributaria de uma longa linhagem de cientistas sociais que conferiram as relagdes (de cooperagio ¢ conflito, de dominagio ¢ contestagao, de poder e de resisténcia) uma posicio de precedén- cia na andlise da vida social: Karl Marx, Georg Simmel, Norbert Elias, Pierre Bourdieu, Michel Foucault, Harrison White, entre outros. De acordo com essa perspectiva, como sintetiza Emirbayer (1997, p. 287), 98 préprios termos ou unidades envolvidos em uma transagio derivam seu significado, importincia identidade dos (mutaveis) papéis funcio- nais que desempenham nessa transagiio, Essa ultima, vista como um processo dindmico ¢ em desclobramento, torna-se a unidade priméria de andlise € nfo os seus elementos constituintes, A. perspectiva relicional, entio, parte do pressuposto analitico de que fenomenos & processos saciais. sitio conformados pelas ages simulté- neat € reciprocas de uma diversidade de atores inseridos em relagdes de in- terdependéne! ores constitem © ao mesmo tempo siio constituidos por estruturas re # que (Gin sido apreendidas na literatura a partir de 26 VIYILAalIZaUV CUITI UdllovUdl mer diferentes conceituagdes: redes, configuracdes, campos, coalizées, comunida- des, subsistemas. A primeira geragio de pesquisas sobre movimentos sociais, na década de 1980, tendeu a privilegiar a constituicio e a atuag’ em cena 1o dos “novos personagens Em grande medida, essa literatura tomou determinadas caracteristi- cas ou expectativas, tais como a externalidade a politica institucional e a atua~ ¢%0 confrontacional frente ao Estado autoritario, como elementos definidores da propria natureza dos movimentos. Em um contexto ainda marcado pelo relativo fechamento institucional, tendiam a predominar modelos de anilise baseados em dicotomias que contrapunham de forma maniqueista a sociedade ¢ o Estado, a politica institucional a politica nao institucional, a autonomia e a interacao, a participacdo ¢ a representacio, o conflito ¢ a cooperacio. Tais dicotomias, no entanto, se tornaram pouco adequadas para apreen- der teoricamente e analisar empiricamente o crescimento da participagao das organizagées ¢ ativistas de movimentos sociais em espagos ¢ processos poli- ticos institucionais ao longo do processo de redemocratizacao. Em especial, se mostraram insuficientes para abordar a expressiva ampliagio das institui- ges participativas na década de 1990 ¢ o intenso envolvimento de atores movimentalistas na implementagio de politicas ptiblicas na década de 2000. Desenvolveram-se entio abordagens ¢ conceitos que buscavam expressar teoricamente as interdependéncias ¢ os processos de miitua constituigio que conformavam atores, instituigdes e politicas piblicas. Tal movimento teérico ampliou os focos de andlise para os diversos encaixes através dos quais atores societrios ¢ estatais se relacionam nos distintos regimes, dominios de agén- cia, redes e subsistemas de politicas publicas. O resultado desse processo foi uma significativa ampliagio ¢ qualificagio dos modelos de anilise ¢ das in- terpretagées das complexas ¢ dinimicas relagdes estabelecidas entre atores ¢ arenas estatais e societérias, Atores e arenas deixaram, assim, de ser abordados como possuidores de uma natureza fixa ¢ imutivel; ao contririo, passaram a ser analisados como elementos que se transformam continuamente a partir de mudangas nas suas insergées em estruturas relacionais, No entanto, o privilégio analftico conferido as relagdes entre atores so- ciais ¢ estatais (em parte decorrente de influéncias tedricas como o institucio- nalismo de Theda Skocpol ¢ a teoria do confronto politico de Charles Tilly, Doug McAdam e Sidney Tarrow) limitou a capacidade de apreensio e anilise de outras dinAmicas relacionais também imprescindtveis para a compreensio da conflitualidade contemporinea ¢ seus atores, Transcendendo tais limites, na dltima década desenvolveram-se novos focos temiticos que trazem para o 27 viyltalzZauy Coll Vainocanner centro das pesquisas empfticas ¢ das teorizagées do campo da participacao ¢ dos movimentos sociais atores ¢ arenas até entio relativamente secundarizados na literatura. Esse movimento de ampliagiio ¢ complexificagao da trama rela- cional que configura os processos politicos se expressa na atensio aos atores politico-religiosos, 10s coletivos ¢ as diversas conformagées dos ativismos con- ancos (de diteita, cientifico, digital) abordados ao longo dos capitulos 3) Perspectiva ecolégica A importincia de adotar uma perspectiva ecolégica é uma contribuigao comum de diversos capitulos do livro, com implicagées analiticas relevantes. Abordagens ecoldgicas ganharam, na literatura internacional, notavel desen- yolvimento e sofisticagio metodolégica no campo da sociologia organizacio- nal, mas também foram incorporadas 4 andlise da relagao entre sociedade civil e democracia ¢ 4 composigao da sociedade civil em diversos contextos. No pais, pela sua relagdo de origem com a compreensio dos protestos e da mobiliza- 40 social, bem como da atuagio da sociedade civil e de diversos ativismos, o campo de estudos da participagio tem sido marcado por privilegiar tedrica e metodologicamente formas de ago e atores coletivos. Foi seguindo as prati- cas ¢ estratégias dos atores, por exemplo, que o campo passou a pesquisar as instituigdes participativas. Certamente, a op¢ao por seguir os atores traz con- sigo vantagens analiticas que tem contribuido para o dinamismo desse campo, mas pode acarretar perdas cognitivas quando 0 foco no ator desconsidera sua posig¢ao em ecologias de atores e ecossistemas de aco que definem diversos campos de ago social ¢ institucional além do campo em que se inserem prin- cipalmente os atores ¢ as praticas sob andlise. Nao é apenas que esse foco analitico privilegia certos atores, amitide As custas de excluir outros, que “de repente”, quando irrompem na esfera publica ou nos ambitos de agao dos atores tradicionalmente estudados, emergem como “novidades”, fS claro que a nova direita e os novos ativismos de direita e ato- rez conservadores nio sio espontineos: antes, respondem a processos que, em boa medida, ficaram fora de nossas lentes, Uma perspectiva ecolégica obriga @ de ago maiores ¢ mais alargados temporalmente, Os atores presentes nesses dimbitos no quando siio concorrentes ou ad- vertériow cin tai fambitos, No que tinge ao Ambito de anilise alargado e A di- sncnvio temporal, implica reconhecer que os atores estiio sempre em interagio situar os atores em Ambitos implica também simetr mas nao 66: como animados por 16g) comuns, mi 28 VIYILAallZaUV CUIT UdllloUdl iner com atores oposicionistas, inscridos cm conflitos diversos — incluindo aqueles produzidos no interior de sua comunidade politica — ¢ que a participagio é constantemente disputada. Isso permite uma Icitura ampliada da crise politica nfo circunscrita a um evento histérico ¢ atenta as dindmicas concomitantes de institucionalizagiio e desinstitucionalizagao, mesmo em governos considerados aliados dos movimentos progressistas. Por sua vez, simetrizar o tratamento dos atores evita binarismos confortaveis. O ativismo digital de direita ¢ o ativismo digital de esquerda, por exemplo, sio ambos expresso de um ecossistema de acio politica (online) regido por Iégicas comuns; as agbes da igreja catdlica ¢ das igrejas evangélicas na esfera ptiblica e no processo legislativo sio, em ambos 05 casos, atuagio politica de atores religiosos. Certamente ha especificidades, e diagnostica-las é tarefa da pesquisa; para tanto, porém, pouco ajuda assumir que 0 ativismo de direita é intrinsecamente distinto por ser de direita, ou que a presenga de igrejas evangélicas e seus agentes na politica e nas politicas, por definicdo, vulnera a laicidade, mas que nio seja assim no caso da igreja catélica € seus agentes, cuja incidéncia nesses ambitos é anterior e foi historicamente, em termos do campo dos atores religiosos, predominante. Sobretudo, a adogao de uma perspectiva ecoldgica obriga a dar centra- lidade analitica 4 premissa de que atores ¢ suas formas de aco orientam suas acdes sempre em relaco a outros atores, que nem sempre so compreendidos ou sequer captados por nossas lentes. Assim, a compreensio das estratégias € escolhas dos atores observados resta comprometida pela desconsideragio dos efeitos das escolhas ¢ estratégias de atores nfo contemplados. Pela sua notabilidade publica, isso ¢ intuitivamente mais claro no caso dos movimen- tos € contramovimentos, embora nfo por isso os segundos recebam a ateng’io devida; entretanto, opera igualmente em relagdes menos Sbvias entre atores inscritos nos mesmos campos ou até em campos diferentes. A categoria “cole- tivos” se fortaleceu na gramitica ativista como uma alternativa para produzir diferenciagio em relagiio a outros atores coletivos. Assim, em vez de assumir ingenuamente a énfase autonomista dos coletivos como um traco distintivo de sua atuagio avessa A polftica institucional, 6 preciso entendé-la como parte de uma gramética que visa significar distanciamento em relagio a outros atores do mesmo campo, im sentido semelhante, a invocagio da participagio como uma categoria nativa para nomear uma pritica responde menos As proprieda- des objetivas dessa pritica ¢ 1 os efeitos visados pelos ator em face de outros atores. Ie fato, sem levar em considerag: uma perspectiva ecoldgica, ¢ diffcil responder de modo que ainvocam » as implicagdes de tisfatério a questdes 29 vigitaiZauy Coil Valnocanner hoje fundamentais para o campo de estudos da participagio como aquelas elu- cidadas ao longo dos capitulos deste livro. As partes ¢ aportes do livro O livto esté organizado em trés partes. A primeira, “A desdemocrati- zagio ¢ seus impactos sobre a participagio institucional” tem como objetivo demonstrar que embora a extrema direita tenha travado uma verdadeira cru~ zada contra o ativismo ¢ as instituigées participativas no Brasil, os resultados que alcangou foram distintos e que importa, tanto em termos analiticos quan- to politicos, compreender as razdes dessa variagio. Os dois primeiros capi- tulos, “Conselhos de Politicas Puiblicas no governo Bolsonaro: impactos do Decreto 9.759/2019 sobre a participagio da sociedade civil”, de Carla Bezerra, Maira Rodrigues e Wagner Romio, e “Mudangas recentes nos papéis das Instituigdes Participativas nas Politicas Piblicas”, escrito por Carla Martelli, Carla Almeida e Rony Coelho, evidenciam que os impactos da desdemocrati- zacdo sobre as instituigdes participativas variaram a depender de um conjunto de fatores, notadamente a trajetéria do setor de politica publica, o grau de institucionalizagdo das IPs, a capacidade de resisténcia das comunidades de politicas e o lugar dessas IPs nas estratégias de tais comunidades. Apoiados sob sdlido trabalho empirico, as autoras e autores mostram que as agdes de desinstitucionalizagio, em alguns casos, foram parcialmente bloqueadas pelos movimentos de resisténcia institucional, e que, no raro, os sentidos das IPs foram se transformando no curso do desmonte. O capitulo seguinte, intitulado “Desmantelamento, encaixes institucio- nais ¢ repertérios de interago nos subsistemas de politicas de reforma urbana ¢ reforma agriria no contexto brasileiro pés-2016”, escrito por Camila Penna Castro, Lizandra Serafim e Thiago Aparecido Trindade, foca nos subsistemas de politicas puiblicas ligados 4 reforma agraria ¢ a reforma urbana, e coloca em discussio os cortes temporais adotados quando falamos em desdemocratiza- gio. Argumentam com base em evidéncias persuasivas que as assimetrias de poder existentes nesses subsistemas — contemplando todos 0s atores relevantes, especialmente os oposicionistas ~ ¢ 0 tipo de conflito em que os atores se inse- rem ~ a disputa pela apropriagio e redistribuigio da terra — sio elementos cen trais para a compreensio da constituigi abilidade e desmantelamento de politicas e encaixes institucionais, A segiio finaliza com o capitulo de Leonardo Avritver, I z-¢ Priscila Carvalho, “Participagao em tempos de desdemocratizagao: notas para um modelo de aniilise”, que Nes duardo § 30 VIYILallZaUuvV CUITI Ualnocainer convida a olhar a interagio entre participagio ¢ o sistema politico a partir de uma perspectiva temporal alongada que considere os ciclos de democratiza~ gio ¢ desdemocratizagio. Para os autores, o Decreto 8.243/2014, da Politica Nacional de Participagio Social, instaura um novo ciclo de desdemocratizagio que tem efeitos deletérios para a interacio entre Estado c sociedade. O ciclo é marcado por uma mudanga de rota no legislativo, que torna a participagio uma questo diretamente contenciosa no Congreso Nacional, bem como por uma mudanga no papel do poder Judiciario, que passou a oferecer resguardo institucional & participagio. A segunda parte, “Novos personagens, novas cenas”, busca captar a re- novagio do ativismo na tiltima década, seus impactos politico-institucionais e a relaco com os processos de democratizagio ¢ desdemocratizacao em curso, angando luz sobre os novos sujeitos da participacéo e do ativismo, situados a dircita e 4 esquerda do espectro politico, online e offline, e que passaram a adquirir centralidade na cena piiblica brasileira, principalmente no pés-2013. No capitulo 5, “Movimentos sociais e representacio eleitoral: 0 fenémeno das candidaturas e dos mandatos coletivos”, Debora Rezende de Almeida e Ligia Liichmann apresentam a novidade das candidaturas ¢ mandatos coletivos como um repertério e uma tatica eleitoral dos movimentos sociais que pode ter reverberagdes na crise da representagio no que diz respeito no apenas 4 distincia entre representantes ¢ representados, mas tanto 20 problema da exclusio de minorias ¢ grupos marginalizados do sistema politico quanto a insuficiéncia das instituiges de intermediagao do circuito eleitoral, especial- mente partidos, para dar conta da relagdo entre sociedade ¢ Estado. O capitulo oferece orientagdes para uma agenda de pesquisa futurn interessada em co- nectar as literaturas de movimentos sociais, partidos politicos e representagio. No capitulo 6, “Em nome de Deus: os ativismos evangélicos progressistas”, Rebecca Abers, Luciana Tatagiba e Marcelo K. Silva recuperam o tema das selagdes entre religifio ¢ politica como um elemento estruturante para a agen- da contemporinea de pesquisa sobre ativismos ¢ movimento sociais, a partir de uma anflise que busca compreender o repertdrio de agio dos evangélicos progressistas em um contexto de crescentes ameagas postas para eles pela as- sociacio entre a ascensiio da extrema direita ¢ os evangélicos — ameagas que reconfiguram, simultaneamente, 0 campo religioso ¢ o campo politico. O ca- pitulo seguinte, “Balbirdia? Sobre anti-intelectualismo ¢ ativismo cientifico no Brasil contemporinco”, escrito por José Szwako ¢ Rafael Souza, discute © cenfrio do anti-intelectualismo corrente no Brasil ¢ o “ativismo cientifico” que emerge como resposta a cle, Com base em uma reconstrugio narrativa 31 viyitaiZauy coil Calnocanner dos confrontos travados contra a universidade, as ciéncias e a educa¢ao pu- blica por Jair Messias Bolsonaro desde sua campanha eleitoral em 2018 até fins de 2020, o texto mostra que o anti-intelectualismo pode ser entendido duplamente como recurso politico manuseado pelo atual presidente e como parte de um projeto neoliberalizante mais amplo; propée, ainda, uma agenda de pesquisa centrada em ambos, nos confrontos ao redor da ciéncia ¢ contra universidades c intelectuais, ¢ nas formas puiblicas de mobilizagao de cientistas. Os dois capitulos que encerram essa parte tém como objeto o ativis- mo das novas direitas, um fenémeno do qual o campo de estudos da parti- cipagio precisa se apropriar mais. Abrindo 0 debate, em “Repertorios ¢ es- tratégias do ativismo digital de direita’, Viktor Chagas e Michele Goulart Massuchin discutem como os novos ativismos de dircita incorporam em suas agdes 0 ativismo digital ¢ quais sio as estratégias comuns tendo-se em con- ta uma perspectiva transnacional sobre o fendmeno. Na sequéncia, 0 capitulo “Despublicizagio nas politicas educacionais: 0 projeto politico do movimento Escola sem Partido em Belo Horizonte”, de Claudia Feres Faria e Marcos Paulo Resende, traz importante contribuigao para avangar os estudos sobre 2 relagio dos movimentos sociais e legislativo, atentando para a atuagao de agentes conservadores ~ especificamente 0 Movimento Escola sem Partido ~ no legislativo municipal de Belo Horizonte. O capitulo introduz o conceito de “despublicizago”, entendido a partir de duas faces: as propostas de retraso do Estado na politica de educagao e, também, de negagio do espaco publico | como ambito de politizacao de temas e direitos. O autor e a autora mostram, ainda, que o ESP encontra resisténcia de atores progressistas e organizados, desafiando novamente uma leitura desse proceso, e da desdemocratizagao em termos mais gerais, simplesmente como uma sequéncia de perdas ou como desmonte da participaga A terceira ¢ dltima parte tem como objetivo refletir sobre as formas pe- Jas quais as profundas transformagées da conjuntura tém desafiado os concei- tos de participagao ¢ ativismo, convocando nio apenas 4 formulagio de novas questoes, mas também a olhar de forma diferente questdes constitutivas do campo a partir de um exercicio reflexivo sobre as nossas categorias ¢ seus usos ¢ sobre a forma como o conhecimento tem sido produzido e ditundido. Como resta claro ao Jongo dos cap{tulos, esse exame reflexivo ¢ particularmente opor tuno em um momento no qual a ascensio da extrema diteita na vida publica do pafs interpela cin mais de um sentido a trajetéria do campo, suas inflexdes teéricas ¢ conceitos lAsicos, vigitallZauv CUT Uarnocanner

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