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ANOS60/70
ESCRII OS DE ARTISTAS
NOS 60/70
GLÓRIA FERREIRA E CECILIA COTRIM [ORGS.]
A
Tra d u ção (com pági n a s o n d e se i niciam os textos): Pedro Süsse kind (37, 58, 72,
96, 113, 1 2 0, 122, 139, 169, 176, 182, 203, 205, 208, 21 O, 235, 266, 2 75, 325,
330, 389 [com Fl ávia A n derson], 401 e 429), Fer n a n d a Abreu (53, 150, 198, 249,
289, 292, 357, 364 e 42 1), Eliana Aguiar (35, 50, 14 2 e 300), Flávia A n derson
(67) e André Tclles (78).
CDD 70 1.18
06-2464 CDU 7.072.3
Sumário
8 Agradecimentos
9 Apresentação, por Glória Ferreira
292 Louis Cane "O pintor sem modelo", nota prática sobre uma pintura (1971]
300 Joseph Beuys A revolução somos nós [1972]
8
Apresen tação
debate crítico naquele período e da nova dimensão que esse gênero de for
9
Em m u itos casos as contribui ções, co m o u m argu mento con tín uo, abar
caram vari ados ca m p os e m o m e n tos das traj etórias dos artistas. Optamos
tanto p o r textos às vezes co n s i de rados clássicos mas até então i ndispo n íveis
n o Brasil q u anto por e n saios que, n o con texto da reAexão p a rticular do ar
sivo conjunto de textos d e arti stas b ras i l e i ros se soma a esse d e b ate crítico
nar de " p ré-textos" dos arti stas mo d e rnos, i n d icam uma m u d a n ça rad ical
do conceito de arte.
1O escritos de arrisras
minada em um contexto cultural preciso estão diretamente vinculadas a
uma rede de reciprocidades, bem como à sua inscrição na constituição do
pensamento artístico. Cada período histónco tem, assim, produzido dife
rentes tipos de escrita de artista, reveladores tanto das condições sociocul
rurais do artista quanto das transformações de linguagem, apresentando
modos diversos da sua mscrição na história da arte. Esses escritos podem
ser remetidos à origem do sentido de criação pessoal, no século XI/, com
a passagem do "pintor" ao "artista", do "artesanato" às "belas-artes". A
apreciação em um âmbito público e o processo de intelecrualização do
artista estabelecem novas relações com as obras e com a noção de sua
filiação à personalidade do arrisra.J
Encontramos, assim, as mais variadas modalidades de escrita de ar
tistas, desde os primeiros tratados teóricos até sua presença nas mídias
atuais. Dos comentários de Ghiberri aos tratados de Alberr�·, ou às noras
e formulações científicas de Leonardo da Vinci, ou ainda o primeiro ques
t ionário na história da arte dirigido a artistas, elaborado por Benedetto
Varchi, no século XI/I, é crescente a presença dos artistas na reflexão sobre
a práxis e o destino da arte. As correspondências como as de Poussin a
Chanrelou, seu mecenas- que Louis Marin caracte riza como "dispositivo
abstrato que vem regular a percepção visual"'1 -; os livros (o de Charles Le
Brun sobre a fisionomia, por exemplo), a construção de sistemas (como os
desenvolvidos por Hogarrh em Analysis ofBeauty; ou por si r Joshua Reynold
em Discourses); os diários íntimos e demandas públicas (o pintor Eugene
Delacroix destacou-se em ambos os casos, seja por seu journal seja pela
Lettre sur les concours); as memórias como as de Gauguin, ou os relatos da
experiência com a natu reza (Erdlebenerlebnis) que constituem a base da teo
ria romântica da pintura de paisagem de Carl Gusrav Carus e Caspar Da
vid Friedrich- esses escritos oscilam entre a experiência pessoal e a inter
rogação teórica. Embora sejam diversos os seus estatutos, guardam em
apresentação 11
Com o desenvo l vi m e nto das a n ál i s e s ava l iativa s , ora i s e escritas da
da pal avra pelo a rtista na form ulação dos destinos da arte: o m a n i festo e
os textos teóricos.
cujo ritmo e tom afirm ativo l e m bram em tudo os m a n i festos q u e v i rão nas
p ri m e i ras décadas do sécu l o XX, a co m e çar pela p rovoca ção de M a rin ett i ,
do". Segu n do Ha ns Richter, " o m a n ifesto e n q u a nto exp ressão l i terária cor·
tes, de a l cance i n ter n ac ional, capaz de ex p l icar e teorizar sobre os obj et i vos
·Sendo marc ante, nesse sentido, a discussão em torno d a estátua do Laocoonte- iniciada
por Lessing e Winc kelman n - na segunda metade do século XVIII
·· Por exemplo, em 20 de abril de 1 9 1 O, os futuristas lançaram, do alto da Torre do Re·
lógio em VeneLa, o manifesto Contra Veneza passafsta, com uma tiragem de 800 mil exem·
piares; o Manifesto realista, d e Gabo e Pevs ner, foi fixado nos painéis de rua d e Moscou,
reservados às ordens e decretos d o gover no.
12 escritos de artistas
e m e ios da arte. Como forma d e exp ressão, em u m a com u n i cação direta
p ú b l ico o d evir d a arte, recu sando aos críticos o d i reito d e s e " i m i scuir" nas
d eclara q u e os críticos d e arte, l i gados aos valores do passado, são " i m po
a rtistas com a teoria da arte mod erna: "Está claro q u e o p róprio artista é o
a rte p e l a arte ou do arti sta em sua torre d e m a rfim : m u dar a arte é também
mudar a vida, o homem e o mundo.
estabel ece u m a rel ação en tre teoria e p ráx i s n a q u al o p e n sa m ento plást ico
apresentação 13
l e bre Almanaque do Cavaleiro Azul, referi d o a c i m a , d e d i c a d o ao pensa m e n to
d os artistas, não se restringe, p o rém, u n i ca m e n te aos artistas plásticos,
c o m o a n u n c i a m o p refá c i o dos a rtistas-e d i t o res - a referê n c i a ao "pare n
tesco i n t e ri o r" e n tre a s o b ras - e o su mário, c o n t a n d o t a m b é m c o m a
n o se n tid o tra d i c i o n a l d o t e rm o.
A resistê n c i a ao uso das declarações e p a l avras dos artistas c o m o uma
evi d ê n c i a e m re l ação à sua p rodução está relaci o n a d a à im p ortânc i a dada
à linha evo l u c i o n i sta pela teoria m o de rn ista, n a qual as i n te n ções e opini ões
i n d i v i d uais co n tam pouco se com p a radas às rupturas fo rmais e ao p o n to
de vista histórico. Tal questão está no centro d as pretensões cien tif1cistas d a
histó ri a d a arte n a rep rese n tação de se u o bjeto: a clivagem e n tre a expressão
de uma i n tuição i n d ivi d u a l e a afirmação de u m su bstrato d os fe n ô m e n os
artísticos, ou sej a , a h i stória d as p e rso n a l i d a d es ge n i ais da história da arte
( i n i c i a d a com As vidas dos melhore s pintores, escultores e arquitetos, e m 1550, de
Vasa ri ) e a história da arte sem n o m e7
Segun d o Hans Belting, fez-se pre m e nte p a ra a arte do pós-guerra ro m
p e r c o m a l ógica i n terna d a h istó ria d a arte, pelo m enos c o m a l ógica vál i d a
até então. A arte, segundo o autor, defrontrou-se n ova mente com a velha
redefi n i ção de objetivo s, q u a i s q u e r q u e fossem esses res u ltad os."8 A i nda se
terpen etração e n tre a rte e texto, entre objeto visua l e declarações l i terárias,
esteti zados e m p rej uízo das i d éias políticas e e s p i rituais ou das c o n s i dera
aprese mação 1 5
Nos anos 40, em particular nos Estados Unidos, em u m con texto de
j á que este deve fal a r por si mesmo. No entanto, m e s m o n o caso de Pol lock,
a com preensão do caráter radical de sua p ro p osta p i ctó ri ca.· Nesse pe ríodo
N ewman para a Betty Parsons Ga l l ery, e n tre 1944 e 1947). Sem a i n tenção pe
serão referê n c i as decisivas para os a rti stas a p arti r dos anos 60- D o n a l djudd,
1962 (com i n ú m eras versões e n tre 1958 e 1967 ) , rei tet·a seus p r i n cíp i o s
a rt e e m u m m u n d o do m i n ad o p e l o m e rc a d o .
· Pollock, por exemplo, dizia sobre sua pintura She-Wolf, d e 1943, q u e "ela surgiu porque
eu tin ha que pintá-la. Qualquer tentativa de minha parte de dizer alguma coisa sobre isso,
tentar u ma explanação do inex plicável, poderia a penas destr uí-la." (apud K. Varnedoe e
P Karmel ( orgs. ),)ackson Pollock fnterv•ews, Articles, and Review, Nova York, T h e Museum o f
Modern Art, 1998.) As tentativa s de "explicar" também eram desa u torizadas pela crítica
formalista, como por exemplo a po l ê mi ca sobre a interpretação da pintura americana·
Greenberg dizia que as inside informations de Pollock, f u ndamen tais para a con cepção da
Acrion Pain r1ng por Rosenberg - "Tudo repousa sobre o agir, nada sobre o fazer"-, "não
passavam de co nversa meio bêbada" ("How Art Writing Earns its Bad Name", 1962). Até
mesmo para artistas como Yves K l ein, CUJOS es critos ocuparam grande parte de suas pre
oc upa çüc s , "um artista sempre sente um certo embaraço qua ndo é c h amado para falar
de seus próprios n·abalh os" ("Manifesto do Hotel Chelsea").
··Exemplares são os debates "Subjects of the Artist", realizados regularmente nas noites de
sexta-feira, entre 1948 e 1949, na Arr i sr -run Arr School. Publicados em R. Mother.-vell e Ad
Reinhardt, Modem Artists in Americo, Nova York, Wirrenborn Sc h ul rz , 1951.
16 escrit os de artistas
Na Europa, a intensa comuntcação entre diversos grupos de artistas
dará lugar a manifestos, textos coletivos e formulações diversas, nos quais a
superação, como modelo de criação, da abstração em suas variadas moda
lidades, é o centro da polêmica.
Questões próximas estariam presentes igualmente em vários países da
América Latina, entre os quais o Brasil, dando origem a manifestos, notas,
cartas e textos teóricos, como os de Torres-García, Lucio Fontana e os
diversos artistas envolvidos com os debates em torno da tradição constru
tiva ( como os movimentos argentinos Madí e Arte Concreto-lnvención, ou
os Concretistas e Neoconcretistas brasileiros, por exemplo).
Paralelamente à ampliação do número de revistas especializadas em
arte, com expressiva expansão do espaço dedicado à fala dos artistas, me
recem destaque também as revistas de artistas. Nelas, as decisões sobre o
processo de criação, bem como sua reflexão, adquirem um estatuto obje
tivo, ao mesmo tempo em que são suportes de inscrição para os trabalhos
de arte, marcando o caráter contextual do signo visual e a instauração de
um novo tipo de ftcção, não subordinada à literatura.
A fala na primeira pessoa, como informação direta e dirigida ao pú
blico em geral, e cuja autoridade deriva do que o artista faz e não da va
loração crítica, marca uma certa inflexão no escrito de artista, seja pelas
declarações [statements], como "hilariante mistura de aforismo e slogans" 10,
que proliferam então, em particular nos Estados Unidos; seja pela expan
são de livros, revistas e catálogos ilustrados, no bojo da rica e problemá
tica relação entre arte e fotografta, que traz um novo grau de intimidade
com o processo de trabalho;· seja, ainda, pela propagação de entrevistas,
nas quais as novas possibilidades de gravação asseguram a autenticidade,
· "So-and -so Pa i n ts a Picture", a célebre série publicada pela revista Art News, associava u m
escriwr e u m fotógrafo para mapear o desenvolvimento de u m trabalho de um artista- série
que evoca os estudos preparatórios e carnês de notas de artistas, mas que dá origem à e mer
gência do artista como performer Rosalind Krauss assina l a a dimen são crítica, pelos próprios
meios da fotografia, d o trabal ho d o fotográfo Hans N a muth sobre Pollock, n o qua l apre
senta o artista em plena ação, desve l a n d o as relações e n t re as formas inscritas e o campo de
inscrição presentes em seu p rocesso de trabalho, contribuindo para as a nálises de Harold
Rosenberg sobre o acontecimento na "arena" d o tempo e espaço reais, fu n d a m e n tos de sua
concepção d a Action Painting, e, sobretudo, i n troduzin d o o processo como elemento decisivo
tanto na constituição quanw na recepção da obra. (Cf. R. Krauss, "la photographie comme
texte: le cas Namu th/Pollock", in Le Photographique, Paris, Macula, 1990.)
apresentaçào 17
o caráter direto e imediato das informações em que se mesclam consi
derações estéticas e práticas do ateliê, bem como elementos de ordem
biográfica, sem subordinação ao ato de avaliação. Nesse sentido, Escri
tos de artistas publica "Discursos", depoimento de Luciano Fabro a Car
la Lonzi; "Questões para Stella e judd", entrevista realizada por Bruce
Glaser em 1 9 66; e "Discussões com Heizer, Oppenheim, Smithson", de
1 9 70, organizadas por Liza Bear e Willoughby Sharp, ambos editores da
renomada revista Avalanche, que, também em formato de jornal, reuniu
importantes manifestações de artistas, em textos ou 1magens, no mício
da década de 1 9 70.
18 escritos de artistas
As diversas tendências pós-informais lidam com o background de estrutu
formas e a própria arte ganham um estatuto cada vez mais incerto, e não
como o discurso sobre essa prática, torna-se elemento central das estraté
site specific, ou in situ, na sua acepção mais ampla-, assim como da exposi
apresentaçào 19
te agudos no início dos anos 60, dando indícios das profundas transforma
ções da atuação crftica e das acirradas polêmicas que permearam os anos
70. ·Análises como as de Henry Geldzahler e Gregory Barrcock, por exemplo,
marcaram época e, ainda que questionáveis em vários aspectos, continuam
sendo reconhecidas enquanto referências. De fato, têm o mérito de apontar
com justeza a crescente valorização dos papéis do crítico (e, em particular,
do curador) com a atualização dos critérios de avaliação e entrecruzamento
entre crítica, teoria da arte, história e estética. O questionamento da aná
lise formal, estilística ou puramente estética, segundo os autores, levaria o
crítico a uma compreensão mais intuitiva (sobretudo nas minuciosas mo
nografias sobre os artistas). Tanto para Geldzahler quanto para Barrcock,
grosso modo, a predominância da idéia e as extensões dos meios utilizados
pelos artistas acarretaram a perda da maior parte do seu públ1co potencial
(especializado e detentor de códigos de leitura). O crítico é forçado, então,
segundo Battcock, a se tornar quase tão essencial à identificação da Arte
quanto o próprio artista: "Dizer que, sem os esforços do crítico, a arte de
nossos tempos simplesmente poderia deixar de existir não é exagerar mui
to."13 Para Geldzahler, o crítico se torna necessário a partir do século XIX,
como uma "espécie de amortecedor", "elo necessário" entre o pintor e o
público, cuja aparelhagem não é mais de ordem literária, mas sim formal e
historiográfica: "Estabeleceu-se assim uma nova profissão, a de Intérprete
de arte para o grande público."14
Ambos os autores deixam, no entanto, de atentar para o progressivo
ingresso dos textos de artistas no domínio de discurso da crítica e da histó
ria da arte, e para a profunda relação que essa crescente reivindicação de
serem os intérpretes de sua própria obra mantém com as transformações
de linguagem da produção contemporânea. Se os conAitos entre os artis
tas e o crítico remontam ao surgimento da crítica fundada no julgamento
de gosto a partir do sentimento individual e subjetivo, a permanência des
sa desconf1ança redproca não tem deixado de se intensificar com o ques
tionamento radical por artistas das concepções normativas e da excessiva
· Frederico Morais analisa o debate em torno da "crítica enquanto criação", que foi fun
damental no Congresso da Crítica de Arte, em 1961 (cf. F. Morais, "Crítica e críticos",
Gam 23, 1970). No final dos anos 60, são inúmeros os debates sobre a crítica, e em parti
cular sobre a teoria modernista, como os textos de Leo Steinberg e também a série de dez
artigos de diferentes críticos e historiadores, publicada pela Artforum ( 1967-1971 ).
20 escritos de artistas
ingerência dos críticos e curadores, como também por assumirem, em sua
práxis, diferenciadas funções no meio de arte.
I números são os posicionamentos dos artistas contemporâneos a
esse respeito. Os comentários de Hélio Oiticica e Lygia Clark15 em suas
cartas são exemplares nesse sentido:
apresentação 21
a presença da linguagem nos trabalhos de contemporâneos seus como
não mantém uma relação explicativa com o trabalho de arte por ser parte
do mesmo sistema da própria arte: "É este reino, da linguagem como uso,
das palavras como sólidos, que mostra artistas escrevendo de uma outra
maneira."11'
Philip Leider, fundador e editor de Artforum, diz que esses ensaios não
22 escriros de artistas
perimentais de conhecimento, coletivas e não-con fo rmes com as orienta
ções normativas, derivam novos modelos, identidades e redefmições da
idéia de obra de arre, do que constitui a arte e de seu lugar. Tais questões
suscitaram Intenso debate crítico enrre os próprios arrisras, como, por
exemplo, no interior das correntes conceituais - entre as quais é exemplar
o texto "Advertê ncia", de Daniel Bure n , publicado nesta coletânea.
As tran sformações do esraruro do objeto de arte e a presença de
novos marena1s, al1adas à importân cia da conceituação, à expansão do
circuito de arte , redef mem igualmente as relações dos ar risras com es
ses agentes, bem como instauram e redimensionam as novas funções e
modalidades de interven ção. Novas parcerias com setores diversos de
produção e especializações técnicas são estabelecidas, e também com
diferentes espaços de inserção e formas ju rídicas de "direitos" auto rais,
como os contratos e os certificados que p roliferaram n esse contexto his
tórico (utilizados, por exemplo, por Klein, Sol LeWirr, Walrer De Ma
ria, entre outros). As linhas que regiam a história da arte, determi nantes
para a crítica, começam a ser questionadas ramo pelos artistas quanto
pelas exposições temporárias que a largam e transformam a sua leitura ,
i nstituindo o cu rador como um agente proem 1 n e n re do sistema de arte.
Em um contexto no qual o objeto de arte rendeu a eclipsar-se - o u ,
na célebre definição d e Lucy Lippard, a desmarerializar-se - , a arte m
t roduz múltiplos suportes e maneiras d e s e materializar, n ão mais rendo
a forma como elemento gerador interno e a história da arte como refe
rência de emulação, mas agenciando múltiplas significações. De certa
maneira, a " fala na primeira pessoa" adq uire o estatuto de marca de
uma autoria, cujo sig no, a assinatura, n ão necessariamente, ou quase
n u n ca, está f1sicamenre ligado à marenal1dade da obra de arre. E, como
qualquer texto ou transição jurídica, a assinatura é garantia e, assim,
constitutiva dos projetos, proposições ou mesmo do texto como obra.
Em 1 9 6 0 , n a c o n ferê n c ia " L'Artiste d o i t- i l a l ler à l ' u n ivers i té ' " , Duchamp e n fatiza a
i m po r t â n c i a de o artista se i n formar e se m a n t e r ao co rrente do soi-disant " p r o g resso
material coti d i a n o " , p o i s o artista hoje " é l ivre e pode i m p o r sua própria estética " : " G ra
ças a esta educação ele p o s s u i rá os i n stru m e n to s a d e q u a d o s p a ra se opor a este estado
apresentação 23
Tais mudanças levam o artista a responsabilizar-se pela interpretação de
sua própria obra ( como insiste Kosuth em "A arte depois da filosof1a") e
à incorporação da crít ica e da história da arte como matérias do próprio
processo operatório da obra de arte. Por outro lado, o crítico passaria a
conceber sua atividade como artística, em particular a curadoria. Esses
deslocamentos e inflexões incidiria m na definição dos critérios estéticos
e conceituais desenvolvidos, por exemplo, sobre Arte Conceitual e enun
ciados por Sol LeWitt, j oseph Kosuth, Mel Bochner, Art&Language; os
"textos como ação" , de j oseph Beuys; ou ainda os textos como "intérpre
te " , de Gerhard Richter. Escritos de artistas apresenta um amplo espectro
desses deslocamentos, assim como reflexões sobre a conta minação entre
as linguagen s e questionamentos de supostas fronteiras e limites esta
belecidos pela crítica formalista. Nesse sentido são exemplares os textos
aqui reproduzidos de john Cage, George Maciunas, Dick Higgins, Paul
Sharits, Paulo Bruscky e Julio Plaza, ou ainda a crítica distanciada em
relação ao minimalismo de Dan Graham.
I nstâncias públicas
l i terária Te/ Que/, e a i nda da revi sta Art Press ( ed i tada por Catheri n e M i l e t ,
J ac q u e s H e n ric e G u y Scarp etta ) .
r i s são exe m p l a res ) , críticas para catál ogos de outros artistas ( O iticica,
S m i t h s o n , e n tre o u tro s ) o u a i nda diferentes e n s a i o s , co m o " D e s l ocamen
t o " , de R i c hard S e r ra , também presente n e sta coletânea, o u textos f1cci o
· Pe int u r e , Cahier s Théoriq u e s foi publicada d e 1 971 a 1 983. Segu ndo Sylvie Mokhtari, "con·
cebida como um caderno o u um JOrnal de es t u d os, não ilustrado e reco n h e c ível por sua
capa vermelha, Pe int!Are Cahier s Théoriqu e s edita a cada um de seus 1 5 fascíc u l os ( de pe
rio dicidade irregular) entre 1 4 0 e mais de 400 pági n as" ( " Revista de A rt(istas) dos anos
1 96 8 - 79", Arte&Ensaios 9, 2 00 2 , p . 9 5 - 1 07).
28 escritos d e artistas
Em " G u e rril h a c u l t u ral? " , j u l i o Le Pare af1 rm a: "O i n teresse agora não está
c h e rche d ' Art Visuel ( Grav) , · do qual Le Pare é um d o s fu n d ado res e f1 gura
periê n c i a s i tuacion i sta, part i c i p avam d e ssa rede internaci onal de atividades
· O Grav reu n i a diversos an:istas latino-americanos, como o s venez uelanos Raphael Sow e
Cruz- Diez e os argeminos Le Pare e Horacio-Garcia Rossi; Lygia Cl ark pan:icipou de várias
manifestações do grupo. No ano de s u a formação o Grav lançou o texto coletivo " Pm posi
cions sur Ie mouvement", por ocasião da Bienal de Paris, em 1 961, e em 1 965 distribuiu os
panAetos "As ez de mystificarions" e " top An:".
aq u i apresentado, " O l hando fotografias", de 1 9 97. j o h n Cage, cuja i n
são mais q u estões sérias." S uas reflexões sobre a m ú s ica e a arte em gera l ,
i m age ns de reprodu ção téc n i ca. D i ck H iggi n s , e m " D ecl arações sobre a
texto. Cab e assi nal ar, grosso modo, o e n fr e n ta m e n to ab e rto, como é o caso
ou P i erre Restany j u n to aos Novos Real i stas, ou ainda H ara l d Szee mann,
apresentação 29
q u e i n a u g u ra d e m a n e i ra m a rc ante a n ova f1 gura do c u ra d o r, i m p ri m i n d o
de Fred e r i c o M o ra i s , ou q u e p ro p i c i a c o n d i çõ e s p a ra a p ro d u ção, c o m o
mações i m portantes no c i rcu ito de arte bras i l e i ro, decorre n tes, em grande par
Fi l h o e Rod rigo Naves, e n tre outros, que i nvestiram contra a res istência à arte
contemp orânea. A Malasartes, por exe m plo, se defi n i a c o m o " u m a revista so
bre a p o l ítica das artes . . . . Mais do que em o bjeto5 de arte, procu rare m o s nos
n a m e ntos dos art i stas e m re lação ao circuito d e arte, como p o r exe m p l o "Sala
experi m e n ta l " , d e Pau l o H e rke n h o ff, Anna Bel la Geiger e lvens Machado.
30 escriros de arristas
verb a l , b e m c o m o na d i m e n s ã o f il osóft c a , no s e n t i d o d e reve l a r as p ressu
s e r ex p l i ca d o s o b re o fa to q u e e u escreva m a i s d o q u e fa l e s o b re i s s o . "28
U m longo processo
Escritos de artistas, com seu corpus não-homo gê neo de docum entos ori u nd o s d e
co ntextos artísticos d i fere n c i ad o s , c o m s u a m u ltip licidad e de q u estões q u e
Fo i l o ngo o s e u t e m p o de o rga n i za ç ã o , a c o m e ç a r p e l a s d i fi c u l d a d e s
C o m o e ra d e s e e s p e rar, o ú n i c o a r t i sta q u e n ã o c o n c o rd o u e m p u b l i c a r
d e s d e o ft n a l d o s a n o s 6 0, p r i m a d o p e l o " n ã o - d i s c u rs o " c o m o d i sc u rs o ,
re c u s a n d o - s e a q u a l q u e r c o m e n tá r i o , i n fo r m a ç ã o o u fo rm u l a ç ã o e s p e c u
term o s d e voca b u l á r i o q u a n to d e c o n c e i to s .
As d i vers i d a d e s d e l i nguagens p o éticas exigi ram atenção red o b ra d a
apresenta ç ão 31
c h etes, entre fo rm e shape, u t i l iza n d o p a ra esta ú l t i m a p o r vezes " c o n figu
ração " , p o r vezes " a rca b o u ç o " e "est rutu ra " . Q u a n t o ao c o n ce i t o de site,
d e arte. N ossos agrad eci m e n tos vão tam b é m p a ra o s trad utores q u e nos
aco m p a n h a ra m n essa j o rn a d a .
p o u c o s e m o e n t u s i a s m o , a c o m p re e n são a fetuosa e p a c i e n t e d e C r i st i n a
G LóRIA FERREIRA
Notas
3 2 escritos de artistas
1 1 . Cf. R o bert M o rris, Roberr. " M ots et l a n gage d a n s le m o dernisme et le post
m o d e rn i s m e " , Les Cahiers du MNAM 3 3 , o u tono 1 9 9 0 , e Craig Owe ns, "Th e A l l ego
rical l m p u l se: Toward a Theory o f Post m o d e rn i s m " , in Beyond Recognition Berke l ey/
2 0 . Robert G o l dwater e M a rco Treves ( o rgs . ) , Artists o n Art from the XIV to the XX
Century, Nova Yo rk, P a n t h e o n B o o k s , 1 9 4 5 .
Arte&Ensaios 8 , 2 0 0 1
24. Yves Au peti tal l o t ( o rg. ), Grav: stratégies de participation. Groupe de Recherche
d'Art Visuel ( 1 960- 1 968), G re n o b l e , M aga s i n , 1 9 9 8 . Ver H i lary La n e , "To Create l s
Divi n e , to M u l t i ply i s H u m a n ( M a n Ray ) " , i n Art Unlimited. Multiples ofthe 1 960s and
apresentação 3 3
Piero Manzo n i
Piero Manzoni
(Saneino, 7 93 3 - Milão, 7 966/ A a r t e n ã o é verdad e i ra c r i ação e fu n d ação
s e n ão quando c n a e fu n d a lá o n d e as m i ro
Manzo n i abandona o cu rso de
d i reito e estu da dese n h o e p i n t u ra logtas t ê m s e u p ró p ri o fu nda m e n t o último e
na Accade m i a d i Brera. Próximo s u a p ró p n a o n ge m.
das expenências d e Bu rri , Fontana
Para pod e r as s u m i r o s i g n i ficado da
e Fa utrier, começa a trabalhar
com novos materiais nos anos 50. p r ó p ria é p o ca a q u e s tão é , portanro, c h egar
Em 1 95 6 aproxi m a-se do grupo à p ró p r i a m i tologia i nd iv i d u a l , n o p o n to e m
Arte N u cleare, criado em 1 95 1
q u e e l a consegue ide n t i fi car-se com a m i t o
por Enrico BaJ e Sergio Dangelo,
logia u n iversal.
associado ao M . I . B . I . ( M ov i m ento
I nternacional por u m a Bauhaus A d i ficu ldade está em libe rar-se dos faros
I magi nista ) , alternativa à Bau haus, estranhos, dos gestos i n ú teis: fatos e gestos que
d e M ax B i l l . Fu nda, com Enrico
poluem a arte usual de nossos dias, e que por ve
Caste l l a n i , a galeria Azi m u th e
a revista h o mônima - pólo d e zes são tão evidenciados que chegam ao ponto
d i fusão d o s movi me ntos N u I , n a de se transformar em emblemas de modos ar
H o landa; Zero, n a Alema n h a; Novo
tísticos. O crivo que permite tal separação entre
Realismo, na França; e Spatia l i s m o ,
na Itál ia -, q ue pu bl ica escritos de o autêntico e a escória, que nos leva a descobrir,
35
simbólicas e descritivas, falsas angústias, fatos Depois de Corpi d'aria e Fiato
d'artista, real iza as Sc1.1/ture viventi,
inconscientes que não afloram à superfície, a
e em maio de 1 961 , Merda d'artista,
imensa i l u m inação de sábado à noite, a repeti consid erada por ele a afirmação
ção contínua em sentido hedonista de desco final da u nião emre arte e vid a .
bertas exauridas - tudo isso deve ser eliminado. Emra em conrato, em 1 96 1 , com
Anman, Ti nguely e Klein na exposição
A través desse processo de e l i mi nação, o
dos Novos Real i stas "40° au-dessus
originá rio h u manamente ati ngível ve m mani de dada". Cria a Base dei mondo,
festar-se, ass u m i ndo a fo rma de i m agens que dedicada a Galileu . Segundo Luciano
Fabro, Manzoni é im porrame por
são nossas i magens p ri m e i ras, nossos " totens",
operar um deslocamenro em
nossos e dos autores e espectadores, pois são relação ao que é pinrura,
as variações histoncamente determi nadas dos escultura ou qualquer categoria.
36 escricos d e arriscas
A l l an Ka p row
O legado de jackson Pollock
A
Allan Kaprow
{Atlantic City, 1 927 - Encinitas, 2006} notícia trágica da morre de Po llock, há
37
terrivelmente moderno em Pollock, e nele a ro futu ro da produção artística
dos anos 60, em sua tendência
mada de posição e o ritual eram rão grandio
a d i l u i r-se n a vida coti d i a n a .
sos, rão cheios de auroridade e capazes de rudo Sua i nterp retação de P o l l o c k teri a
abarcar em sua extensão, rão desafiadores, que l a n çado os p ri ncíp i o s estéticos de
mais de u m a geração de artistas
não podíamos deixar de ser afetados por seu
a mericanos, aco m pan hando as
espíriro, quaisquer que fossem as nossas con reflexões do p róprio p i n tor:
vicções parricu lares.
" M i nha pi ntura não vem do cavalete.
Era provavelmenre esse lado sacri ficial Eu raramente estico a tela no chassi
de Po l lock que se encon rrava na raiz de nossa antes de p i n tar. Prefiro fixar a
tela diretamente na parede ou no
depressão. A rragédi a de Pol lock fo i mais sutil
chão. Preciso da resistência de uma
do que a sua mo rre - pois ele não mo rreu no superflc ie d u ra. Com a tela no chão,
auge. Não podíamos deLxar de ve r que, duran sinto-me mais à vontade. Sinto-me
mais próximo da pintura, tenho a
te os últi mos ci nco anos de sua vida, sua fo rça
impressão de fazer parte d ela, pois
havia diminu ído e, duranre os últimos três, ele posso movimentar-me à sua volta,
mal chegou a trabalhar. Embo ra rodos s oubes trabalhar nos quatro lados da tela,
estar literalmente dentro da pintu ra.
sem, à luz da razão, que ele estava muiro do
É u m método parecido com o dos
ente (sua morre talvez te n h a sido a suspensão pintores índios que trabalhavam
de um sofrimenro fu ruro quase cerro) e que sobre areia. ("My pai nti ng",
não mo rreu como as vi rgens da ferri lidade de Possibilities 1 , i nverno 1 947-48)"
3 8 escritos d e arri,tas
grande fracasso: a Nova Arte. A sua posição h e róica tinha sido algo em
vão. Em vez de levar à l i berdade que prometia a princípio, ela não só
causou u ma perda de poder e possivelmente a desilusão em relação a
Pollock, mas também nos fez ver que não h avia solução. E aqueles enrre
nós ainda resistentes a essa verdade term i nariam do mesmo modo, d i fi
cil mente no topo. Ass im pe nsávamos em agosto de 1 95 6 .
a l l a n kaprow 39
era bastante explícita. Mesmo o Dadá, que se pretendia livre de tais consi
derações a respeito da "composição", o bedeceu à estética cubista. Uma fo r
ma colorida equilibrava (ou modificava, ou estimulava) ou tras, e essas, por
sua vez, agiam co ntra (ou com) a tela roda, levando em consideração seu
tamanho e fo rma - em sua grande maio ria, de modo bastante consciente.
Em resumo, relações da parte-ao-rodo ou de parte-a-parte, por mais rensio
nadas que fossem, co nstituíam ao menos 50% da feitura de u m quadro (na
maior parte do tempo constitu íam bem mais, talvez 90%). Com Po llock,
entretanto, a assim chamada dança do dripping, o golpear, espremer os tu
bos de tinta, fazer borrões e o que mais en trasse em uma obra, deu um valor
quase absoluto ao gesto habitu al . Ele fo i encorajado a isso pelos pintores
e poetas su rrealistas. No entanto, perto do seu trabalho, o desses artistas é
constantemen te "arti ficial", "arranjado" e cheto de refinamento - as pectos
de co ntrole exterior e treinamento . Com a tela enorme estendida no chão,
o q ue to rnava difícil para o artista ver o rodo ou qualquer seção prolongada
de "partes", Pollock podia verdadeiramente dizer que estava "dentro" de sua
obra. Aqut, o automatismo do aro to rna claro não só que nesse caso não se
trata do velho ofíoo da pintura, mas também que esse aro talvez chegue à
fronteira do ritual, que por acaso usa a tinta co mo um de seus materiais.
(Os su rrealistas e u ropeus podem ter usado o au tomatismo co mo u m ingre
dien te, mas dificilmente podemos dizer q ue eles de faro o praticaram com
o co ração . Na verdade, entre eles apenas os escritores - e só em poucas oca
siões - desfru taram de algum êxito nesse cam tnho. Retrospectivamente,
a maio r parte dos pintores surrealistas parece ter se originado de um l ivro
de psicologia ou de seus próprios pares: os pano ramas vazios, o naturalis
mo básico, as fan tasias sexuais, as supe rfícies desérticas tão caracte rísticos
desse período impressionaram a maior parte dos arris cas americanos como
uma coleção de cl ichês duvidosos. D i ficilmente automáticos, nesse sentido.
E, mais do que os outros associados aos su rrealistas, os verdadeiros talen
tos como Picasso, Klee e M iró fazem parte de uma disciplina mais estrita
do Cubismo; talvez por isso suas obras pareçam, para nós, paradoxalmente,
mais l ivres. O Surrealismo atraiu Pollock mais como atitude do que como
um conj u n to de exemplos artísticos.)
M as usei a exp ressão "quase absoluto" quando falei do gesto habi
tual como algo disti n to do processo de j ulgar cada movimento sobre a
tela. Pollock, i n terro mpendo seu trabalho, i ri a j ulgar seus "aros" de modo
40 escritos d e artistas
muito astuto e cuidadoso por lo ngos períodos, an tes de se e ncami n har
para ou tro "ato". Ele sabia a diferença en tre o bom e o mau gesto. Essa era
a sua consciência artística em ação, o que faz dele parte da comun idade
tradicional de pintores. Todavia, a d istância entre as ob ras relativamente
autoco n tidas dos euro peus e as obras apare nte mente caóticas, esparrama
das do americano, i ndica na melhor das h ipóteses uma co nexão tênue em
relação a "pinturas". (De fato, Jackson Pollock real mente nu nca teve u ma
sensibilidade malerisch. Os aspectos pictóricos de seus contemporâneos,
tais como Motherwell, Hofmann, de Kooning, Rothko e até mesmo Still,
apontam o ra u ma deficiência dele, ora um traço de libertação. Pre fi ro con
siderar o segundo elemento como o i m po rtante.)
Estou convencido de que, para apreender devidamente o i mpacto de
Pollock, temos de ser acrobatas, co nstantemente dando sal tos entre u ma
identificação com as mãos e o co rpo que lançavam a tinta e ficavam "den
tro " da tela e a submissão âs marcas objetivas, permitindo a elas que nos
co nfu ndam e nos tomem de assalto. Essa i nstabilidade se e ncon tra real
mente distan te da idéia de u ma pintura "completa" . O artista, o especta
dor e o mu ndo exterior estão e nvolvidos aqui de modo mu ito permu tável.
(E, se lançarmos uma objeção quanto à dificuldade de u ma comp reensão
completa, estamos pedindo muito pouco da arte.)
E n tão, a Forma. Para segu i-la, é n ecessário se l ivrar da idéia usual
de " F o rma", i . e . , com começo, meio e fim, ou qualquer variante desse
princípio -- tal como a fragmen tação. Não penetramos n u m a pintura
de Pollock por qu alqu e r lugar (ou por cem l ugares) . Parte algu ma é to da
parte, e nós imergimos e emergimos quando e onde podemos. Essa des
cobe rta l evou às observações de q u e a sua arte dá a impres são de des
dobrar-se e ternamente - uma intu ição verdadei ra, que sugere o quan to
Po llock ignorou o confinamento do campo retangu lar e m favo r de u m
continuum, segu indo em todas a s d i reções simu ltaneamente, para além
das dimensões literais de qualquer trabalho. (Embora a evidência apo nte
para um relaxame n to do ataq ue à medida q u e Pol lock chegava à borda
de m u i tas de suas telas, nas melhores delas ele compensava isso virando
sobre as costas do chassi u ma parte considerável da su perfície p i ntada.)
Os qu atro lados da pintura são, p ortanto, uma i n te rru pção abrupta da
atividade, que n ossa imaginação faz segu i r i n de fi n idamente, como se se
recusasse a ace i tar a artificialidade de u m " final". E m trabalhos mais an-
allan kaprow 41
tigos, a borda era u m corte muito mais p reciso: aqu i acabava o mundo
do artista; para além com eçava o mundo do espectador e a " realidade".
Aceitamos essa in ovação como válida porque o artista entendeu com
perfe i ta natu ralidade "como fazê-la". Empregando um princípio i n terati
vo de poucos elemen tos al tame nte carregados, constantemente submeti
dos à variação (improvisando, como em grande parte da m úsica asiática),
Pollock nos dá u ma unidade e m all-over e, ao mesmo tempo, u m meio de
co rres ponder continuamente a u m ce rto frescor da escolha pessoal. Mas
essa fo rma nos proporciona p razer igual ao da partici pação em um delírio,
u m aniquilamento das faculdades da razão, uma perda do self no se ntido
ociden tal do termo . Essa estranha combi nação de extrema i ndivid ual ida
de e ausê ncia de si [selflessness] torna a obra extrao rdin ariam ente pote n te,
mas também i ndica uma estrutu ra provavelmente mais ampla de re ferên
cias psico lógicas. E por essa razão todas as al usões ao fato de Pol lock ser o
criador de texturas gigantes estão completamente i ncorretas. Elas erram o
alvo, e u m a compreensão errada cerramenre s u rgirá desse equívoco.
Contudo, segu ndo uma abo rdagem adequada, um esp aço de exposição
de taman ho médio, com as paredes total me me cobertas por "Pollocks", pro
porciona a sensação mais completa e significativa possível de seu trabalho.
Então , a Escala. A o pção de Pollock por telas e n o rmes serviu para
muitos p ropósitos, sendo que o mais i m po rtan te para a nossa discussão é
o fato de que as suas pi nturas em escala mural deixaram de se tornar pin
tu ras e se tran sformaram em am bientes. D ian te de uma pintura, o nosso
tamanho como espectadores, em relação ao tamanho da pintura, i n fluen
cia p rofu n damente nossa dis posição a abrir mão da consciência de nossa
existência tempo ral e nquanto a experime n tamos. A o pção de Pollock por
grandes fo rmatos faz co m que sejamos confron tados, tomados de assalto,
abso rvidos. No entanto não devemos co n fundir o efeito dessas pi nturas
com o das cente nas de pinturas em grande fo rmato fe i tas no Re nascimen
to, que glorificavam u m mundo cotidiano idealizado, familiar para o ob
servador, freqü e n temente fazendo com que a sala se prolongasse na pin
tura po r meio de trompe l'oeil. Pollock n ão nos oferece tal fami liaridade, e o
nosso mundo cotidiano de convenção e hábito é substituído pelo m u ndo
criado pelo artista. I nvertendo o procedimento descrito antes, é a pintura
que se p rolo nga na sala. E isso me leva ao meu argu mento fi nal: Espaço. O
es paço dessas criações não é claramente palpável como tal. Podemos nos
42 escritos de a rtistas
emaranhar na teia até certo ponto e, fazendo movimentos para fo ra e para
den tro do en trelaçamento de l i n has e manchas derramadas, podemos ex
perimentar um ripo de extensão espacial. M as , mesmo assim, esse espaço é
uma il usão m u ito mais vaga do q u e os poucos cen tímetros de leitura-espa
cial que u m a obra cu b isra perm ite. Pode ser que a nossa necessidade de nos
identificarmos com o processo, a feitura do rodo, evire uma concentração
n as especifi cidades do que esrá na fren te e arrás, rão impo rtantes em u m a
arte m a i s tradicional. Mas o que ao·ediro ser claram ente d iscern ível é o
fato de que a p i n tu ra como u m todo se projeta para fo ra, p ara dentro da
sala, em n ossa d i reção (somos p articipan tes, mais do que observado res) .
É poss ível ver, n essa conexão, como Pollock é o resul tado fi nal de uma
te ndência gradual que real izou um movimento desde a profu ndidade
do espaço dos séculos XV e XVI até a cons trução das col agens cubisras,
que saem da rela. No caso arual, a " p i n tu ra" se m oveu tan to para o lado
de fo ra que a tela n ão é mais u m po n to de referência. Co nseqüe n temen
te, embora n o alto, na parede, essas marcas nos envolvem como fizeram
com o p i ntor enquanto ele estava trabalhando, rão estreita é a co rres
po ndência alcançada e nrre o seu i m p u lso e a arte resu l tan te.
O que remos, enrão, é u ma arte que tende a se perder fo ra de seus
limites, rende a preencher consigo mesma o nosso mundo; arte que, em
signi ficado, olhan·s, imp u lso, parece romper categoricamen te com a tradi
ção de p i nto res q u e retrocede aré p e l o menos o s gregos. O faro de Po llock
se aproximar de desrru i r essa tradição pode mu iro bem ser u m rero rno ao
ponro em que a arte esrava mais ativamente envolvida no ritual, na magia
e na vida do que remos conheci mento em nosso passado recen re. Se for as
sim. rrata-se de um passo extraordi nari amente impo rtame que, em ú l tima
insrância, fornece uma solução para as queixas daqueles que exigem que
coloquemos u m pouco de vida n a arte. Mas o que fazemos agora)
Há duas alrernarivas. Uma é continuar segu i ndo esse cam i n h o . E é
bem provável que boas " q u ase-p i n ru ras" possam ser fei tas variando essa
esrética de Pollock sem abandoná-la nem superá-la. A ou tra alre rnariva é
desistir inteiramente de fazer p i n turas - e com isso me re fi ro ao plano re
rangu lar ou oval, como nós o con h ecemos. Foi visro de que modo Pollock
chegou bem pe rto de fazer isso. Nesse p rocesso, ele alcançou novos valores
que são extraordinariamente d i fíceis de se discutir, mas que pesam sob re
a nossa alternativa atual . D izer que ele descobriu co isas como marcas, ges-
allan kaprow 43
ros, tin ta, cores, du reza, suavidade, fl ui dez, pausa, espaço, o m undo, a vida
e a morre, pode soar ingên uo. Todo artista digno de ral nome "descobriu"
essas coisas. Mas a descoberta de Pollock parece ser direta e ter uma sim
plicidade parti cularmente fasci nan te. Ele era, para m i m, incrivelmente se
m el hante a u m a criança, capaz de se envo lver no cerne de sua arte como
u m grupo de faros concretos vistos pela primeira vez. Há, conforme eu
disse antes, uma certa ceguei ra, uma crença calada em tudo o que ele faz,
m esmo perto do fim. Faço um apelo para que isso não seja visto como um
assunto simples. Poucos indivíduos têm a so rte de possuir a i n tensidade
desse tipo de con hecimento, e espero que, em um fu turo p róximo, seja rea
l izado um estudo cu idadoso dessa qualidade (talvez) zen da personalidade
de Pollock. Em rodo caso, por ora podemos considerar q u e, com exceção
de raros exem plos, a arte ocidental rende a depender de m uito mais vias
i n di retas para se realizar, pondo u m a ênfase m ais ou menos equivalente
sobre as "coisas" e as relações entre elas . A crueza de Jackson Pollock não
é, portanto, rude; ela é manifestamen re franca e não-cul tivada, intocada
por qualquer trei namento, por segredos do ofício, pelo refinamento - um
caráter direto que os artistas europeus de que ele gostava buscavam e, par
cialmente, tiveram êxito em alcançar, mas que ele próprio nu nca teve de
se esforçar para consegu ir, porque o possuía por natu reza. Isso, por si só,
seria suficiente para nos e nsi nar alguma coisa.
E ensi na. Pollock, segu n do o vejo, dei..xa-nos n o momento em que te
m os de passar a nos p reocu par com o espaço e os objetos da nossa vida co
tidiana, e até mesmo a ficar fasci nados por eles, sejam nossos corpos, rou
pas e quartos, ou, se necessário, a vastidão da Rua 42. Não satisfe itos com a
sugestão, por meio da pintura, de nossos ou tros sen tidos, devemos util izar
a subsrãncia específica da visão, do som, dos movimentos, das pessoas, dos
odo res, do raro . Objetos de rodos os tipos são materiais para a nova arte:
tinta, cadeiras, comida, l uzes elétricas e néon, fu m aça, água, meias velhas,
um cachorro, filmes, mil ou tras coisas que serão descobertas pela geração
arual de artistas. Esses corajosos criadores não só vão nos mostrar, como
que pela primeira vez, o m u n do que sempre tivemos em torno de nós mas
ignoramos, como também vão descorti nar aco n teci mentos e eventos in
tei ramente inauditos, encon trados em latas de lixo, arquivos policiais e
saguões de hotel; vistos em vi tri nes de lojas ou n as ruas; e percebidos em
sonhos e aciden tes h o rríveis. U m odor de morangos amassados, u ma carta
44 escritos de artistas
de um amigo ou um cartaz anunciando a ve nda de D rano; três batidas na
porta da frente, u m arranhão, u m suspiro, ou uma voz lendo i n finitamen
te, um flash o fuscante em staccato, um chapéu de jogador de boliche - tudo
vai se tornar material para essa nova arte concreta.
Jovens artistas de hoje não precisam mais d i ze r "Eu sou um pi n tor"
ou "um poeta" ou "um dançarino". E les são s i mplesmente " artistas".
Tudo n a vida estará aberto para eles. Descob rirão, a partir das coisas
ordinárias, o sentido de ser ordinário. Não ten tarão torná-las extrao r
dinárias, mas vão somente expri m i r o seu significado real. No en tanto,
a partir do nada, vão inven tar o extraordinário e en tão talvez também
inventem o nada. As pessoas ficarão deliciadas o u horrorizadas, os crí
ticos ficarão co n fusos o u e ntretidos, mas esses serão, ten h o certeza, os
alqu i m is tas dos anos 60.
::� l l a n kaprow 4 5
Lyg i a C l a rk
Carta a Mondrian
H oje me sinto mais solitária que ontem. Lygia Clark e n frema em seu
tra b a l h o q u estões rel ativas à
Senti u ma enorme necessidade de olhar o teu
elaboração de n ovas l i ngu age n s .
trabalho, velho também sol itário. Dei com
Seus escritos v ã o d o s d i ário s e
você numa fo to fabulosa e senti como se você cartas - a M á rio Pedrosa, G u y
estivesse comigo e com isto já não me senti tão Brett e , e m parti c u l ar, a H é l i o
O i ticica ( c f.
Lygia Clark, Hélio
só. Talvez :unanhã possa dar também de meus
Oiticica. cartas.· 7 964- 1 974,
olhos, de minha solidão e de m i n h a teimosia
Rio de J a n e i ro , U FRJ , 1 9 9 6 ,
a alguém que será um artista como eu ou tal orga n izado p o r L u c i a n o
vez mais ainda, como você. Não sei para que Figu eired o ) - , c o m registros d e
46
q u e, no c u b ismo, as fo rmas fo ram várias mas, no sentido mais profundo
Agora, velho, sim pático mestre, diga-me com roda franqu eza: meu de
sem resguardar o sen tido maior, ético, de morrer aman h ã, sozinha mas
a uma idéia.
lygia clark 49
P i e ro M a n z o n i
Livre dimensão
ve l , mais ou m e n os d i fu n d i d o . Faze m u m
50
su perfície? Por q u e não tentar descobrir o sign i ficado i l i m i tado de u m
espaço total, de u m a l u z p u ra e absolu ta?
Aludir, exp r i m i r, rep resen tar são, h oj e , problemas inexistentes (e
já escrevi sobre isso alguns anos atrás), sej a q u ando se trata da re p re
sen tação de u m obj eto, de u m fato, de u m a idéia, de u m fenômeno di
nâmico, o u não; u m q u adro só vale n a medida em q u e é, ser total; não
p recisa dizer nada; apenas ser; d uas cores c o m b i n adas ou d uas to nali
dades de u m a mesma c o r j á têm u ma re lação estranha ao sign i ficado
da superfície, ú n ica i l i m i tada, abso l u tamen te d i n âmi ca; a i n fi n i tude é
rigo rosamen te m o n ocro mática, ou melhor ain da, de cor algu m a (e n o
fun d o u ma mon ocromia, na falta d e qualq uer re lação de c o r, não s e
tornaria e l a tam bém incolor?) .
A problemática artística que se vale da com posição , da fo rma, per
de aqui qualquer valor; no espaço total, fo rma, cor, di me nsões não têm
sen tido; o artista con q u i s to u s u a li berdade i n tegral; a matéria pura tor
n o u -se p u ra energia; os o b stácu los do es paço, as escravi dões do vício
subjetivo fo ram ro mpidos; toda p ro b lemática artística é superada.
É q u ase incompreensível para m i m, h oj e , um artista que estabelece
rigorosame n te os l i m i tes da super fíci e sobre a q u al deve col ocar fo rmas
e cores em relação exata, e m rigo roso equil íbrio; por que preocu par-se
e m como co locar uma l i n h a no es paço? Por que estabelecer um espaço?
Por que tais l i m i tações? Composição de formas, fo rmas n o espaço, pro
fu ndid ade espacial, todos estes proble mas são estranhos; u ma l i n ha,
longu íssim a ao i n fi n i to, só se pode traçá-la fo ra de q u alq u e r problema
de composição o u de di mensão; no espaço to tal não h á di me nsões.
São tam bém i n ú teis rodos o s proble mas de cor, toda que stão de
rel ação cro mática (mesmo q uando se trata de m o d u lação de tom); po
demos apenas estender u m a ú n ica cor ou, antes ain da, urna ú n i ca s u
perfície i n i n terrupta e contínua (da qual se excl u í q u alquer i n te rve nção
do supérfl u o , qualquer poss i b i l i dade i n terpretativa) ; n ão se trata de
" p i n tar" azul sobre azul o u branco sobre branco (seja n o sentido de
com po r, seja n o sentido de expri m i r-se); exatam e n te o con trári o: a qu es
tão para m i m é o ferecer u m a superfície i n tegral m e n te branca (al i ás,
i n tegral mente i n color, neu tra) , fo ra de qualquer fe nômeno p ictórico,
de qualquer i n terven ção estran h a ao val o r da sup erfície; u m branco
que não é uma paisagem p o lar, u ma matéria evocadora ou bela, uma
p i ero manzoni 5 1
sensação, u m símbolo o u q u alquer o u tra coisa; u m a s u p e rfície b ranca
que é uma supe rfície b ranca e b asta ( u m a s u perfície i ncolor que é u m a
superfície incolor) o u , mel h o r ain da, que é e bas ra: s e r ( e s e r p u ro e
total devi r).
Esta supe rfície i n d e fi n ida (un icamente viva) , se não pode ser i n fi
nita na conti ngência material da obra, é, todavia, i n d e fi n ível, reperível
ao i n fi ni to sem solução de conti n u i dade; i sso aparece ainda mais c lara
mente nas " l i n h as"; aq u i não existe sequer o poss ível equ ívoco do q ua
dro, a l i n h a dese nvolve-se ape n as em comprimento , co rre para o infin i to;
a única dimensão é o tempo. É evidente q ue uma " l i n h a" n ão é um h o ri
zon te nem um símbolo, e não vale como m ais o u menos bela, m as como
mais o u menos l i n h a; na medida e m que é (como de resto uma mancha
vale como mais ou me nos mancha e n ão como mais ou menos bela ou
evocativa; mas nesse caso a su perfície só tem um val o r de meio). O mes
mo se pode repetir em relação aos corpos de ar (escultu ras p n e u m áticas)
redutíveis ou extensíveis, de um mínimo a um máximo (do nada ao i n fi
n i to), esfe rói des absol u tamente i ndetermi nados, pois q ualquer te ntativa
de dar-lhes u ma fo rma (mesmo i n for me) é ilegítima e il ógica. Não se
trata de fo rmar, n ão se trata de articular mensagens (nem se pode reco r
rer a intervenções estran has, co mo maq u i nações paracienríficas, i ntimi
dades psicanalíticas, composições de gráfica, fantas i as ernográficas etc.
Qualquer disciplina rem e m si os próprios eleme n tos de so l ução); não
seriam expressão, fan tasia e abstração ficções vazias, talvez' Não há nada
a di zer; só a ser, só a viver.
52 escritos de artistas
para q u e ele não explicite melhor do q ue n i n reu n i n d o rodos o s m e m b ros
foi e m 1 9 6 3 .
guém as obras . . .
SACHA: Chegamos emão ao ponto e m que Desenvolvendo u m a re l e i t u ra
de D u c h a m p , Schwitters e o u tros
os próprios aróstas comentam e compreendem
dadaístas, rec u s a m a a b stração
suas obras. Seria a morte da crítica? da Esco l a d e Paris e a fi r m a m a
AR.MAN: Não é a mone da críúca p ictó ri c o n sc i ê n c i a de u m a " n atu reza
moderna": a da fábrica e da
ca, mas eu penso que os críúcos vão rewmar
c i d a d e , da p u b l i c i d ade e d o s
u m l u gar que se mpre deveriam ter tido, ou mass media, da c i ê n c i a e da
seja, o l ugar de poetas, de escritores de arte; tec n o l ogia e m um m o m e n to
mas não queremos mais l hes conceder o res espec íf1 co da sociedade d e
c o n s u m o . A produçã o ia das
peito das críticas.
c o l agens às i n stalações o u décors
KLEIN: Não eswu i meiramente de acordo para h a p p e n i ngs, passa n d o
com isso. Há muito tempo os criadores que pelas acu m u lações d e Arman
e as co m p ressões d e Cesar, e
formaram grupos se defendem por si próprios.
a assemblage era u m dos m e i os
Exemplo: os Nabis, a Escola de Barbizo n .. A fu n d a m e n t a i s desses artistas.
crítica é en tão considerada u m a crítica objetiva H a i n s , Vi l l eg l é e Dufre n e
pleno campo, tanto quanto nas usinas da Ga.z M i l l et, L'Art contemporain en France
( Paris, Fla m m ari o n , 1 98 7 ) ; Pi erre
de F rance com uma chama regulada mecanica
Restany, Avec /e Nouveaux Réalisme,
mente para três, quatro ou cinco metros. sur l'autre face de l'art ( Paris,
SACHA: Vocês três fazem pane do q u e se J acque l i n e C h a m b o n , 2 0 0 0 ) .
54 escntos de artistas
Yves K l e i n , M arti al Ray s s e , Arm a n
Os novos realistas
53
KLE I N : Penso que a Escola de Nice está na origem de tudo aq uilo q ue
acon tece na Europa h á dez anos: p arece inacredi tável, mas vimos se espa
lhar pelo mundo a chamada Escola de Paris com todo um grupo de artis
tas, que é claro que eu respeito e de quem gosto, mas que não é mais atual.
E é isso q ue a Escola de Nova York recri mina n a Escola de Paris, e com ra
zão. No fu ndo, eles refize ram o trabal ho deles; nós, a Escola de Nice, es ta
mos fartos de al imentar Paris, e até mesmo Nova York, há dez anos; existe
um limite para os deveres de família. Que eles façam o que qu iserem, nós
nos consideramos atuats, nossos olhos se vo ltam para o oeste, onde vemos
Los Angeles em vez de Nova Yo rk, porque eu nada entendi da Los Ange les
misteriosa, enquanto já u l trapassei Nova York, e depois há Tóqu io; eu ve
ria, po rtanto, um novo eixo da art e , formado essencialm ente por Nice-Los
Angeles-Tóq uio, que ch egaria até nós pela Chi na.
SACHA: No fu ndo, é u ma descida ge nerali zada rumo ao Equador. O
artista, hoje, é um artista i nternacio nal, é o artista do mundo.
RAvssE: Nisso eu te n h o uma visão p rovincian a. Cheguei a Paris e mi
nha higiene da visão de Nice me fez gan h ar te mpo. Todo um l ado tach ista
daqu ilo que se apresentaria como u ma vanguarda - nós ainda gostávamos
de fe rrugem, ficávamos en tern ecidos diante de pedaços de pano rasgados,
e tudo isso, no fu ndo, era Tachismo; partir de trapézios com procedi men
tos an tigos, é sempre a mesma maneira de abordar a superfície. Percebi
que em Nice havia u ma e nvergadura e uma pu reza de esp írito que eram
com pletam ente difere n tes. No i n ício, fo rmal mente, há diferen ças; não h á
mais n e n h u ma construção no trabalho d o s p i n tores d a Escola de Nice.
Nós procuramos u m a realidade de fato , u ma coisa em si.
A RMAN : Freqüe ntemente a necessi dade cria o órgão, aq ui nós es táva
mos isolados de tudo. Não conhecíamos nada, nós aq ui somos moicanos.
Fizemos o que nos agradava, é a escola sem comp lexo.
KLEIN: Eu sempre volto a essa fó rmula, a "arte da saúde". Clau de Pas
cal busca a saúde, tan to física quan to moral. Isso já existe há 15 anos. No
e ntanto, debaixo da avalanche p ermanente dos críticos, nós chegáramos
ao ponto de nos considerarmos uns babacas . . . . Então eu disse aos gri tos
que o kitsch, o estado de mau gosto, é uma nova noção na arte: "O grande
belo só é realmente belo se tiver dentro de si o mau gosto, o artifi cial bem
consciente, com uma p i tada de deso nestidade." Nós temos m u i to orgul h o
d e sermos o s "ba bacas" da época de 1 956, e me pergu n to em q u e ponto
56 escritos de artistas
RAvssE: S i m , nós te mos um punch extrao rdinário, que não é cerceado
po r n e n h u ma restrição.
KLEIN: Embora nós, a Escola de Nice, estejamos sempre de fé rias, não
somos tu ristas. Esse é o ponto essencial. Os turistas vêm para nossa cidade
de fé rias, nós moramos no l ugar das fé rias, o que nos dá essa predisposição
para fazer bestei ras. Nós nos divertimos bastante, sem pensar em religião,
em arte ou em ciência.
AR.MAN: E o grande negócio da Escola de Nice é a pesca de peixes grandes!
KLEIN: Nós gostamos de bons negócros, gostamos imensamente de di
nheiro; não procu ramos vender n ossas obras para " fazer" dinheiro, nós fa
zemos trapalh adas. Ou seja, somos um grupo de gângsreres da sensibilidade
no m u ndo! Aliás, na gíria, o " n iceense" é o trapaceiro, que gan ha dinheiro
de um jeito esquisito.
SACHA: É uma espécie de alq u i m ista.
ARMAN: É .
KLEIN: Nós somos mesmo os vam piros da sensibilidade do m u ndo
de h oJ e .
SACHA: A respeito da Escola de Nice, já acon teceu q u e m falasse de
Dadá, de Mareei Ouchamp, o que acham disso?
RAvssE: E u não sei quem é Dadá, te n h o 25 anos. Não co n h eço u m
velho gagá como O u ch amp, q u e rem 6 0 . N ão temos nada a ver com eles.
Somos pessoas q ue não fo mos ati ngidas pelo poste à galime. Não remos
q u e dourar o b rasão dos discípulos de M arinerri.
KLEI N : Sim, p o rq ue n o fu ndo Dadá fo i u m movr menro mais político
do q ue artístico. Estamos de fé rias, n ão estamos em revolta. Não esta
mos fugindo.
A RMAN : D u rante u ma conversa com Yves Klein, R.auschenberg reco
lheu esta frase: "Para D adá, tratava-se mais de excluir", tratava-se, po rtan
ro, de um combate. Para nós, trata-se so bretudo de i ncluir. . .
KLErN: S i m, eu faço o gênero Franz Kline, d e Koo n i ng, para Nova York,
e os artistas abstratos l íricos ou de o u tro tipo de Paris que eu não detesto
inteiramente, parabéns para eles ! Quan to a nós, continuamos de fé rias !
kl e i n , raysse , arman 57
Yve s K l e i n
Manifesto do Hotel Chelsea
58
Real i s m o com Restany, Klei n u rbanismo" -, sendo a m i nha meta original
fo i i n fl u e n c i a d o p e l o j u d ô e p o r uma ten tativa de reconstruir a lenda do Paraí
viage n s , a l é m d e t e r se i n iciado
so perdido. Esse projero foi di recionado para a
na c o s m o go n i a ro sa-cruz
ele m e n t o s q u e , em b o ra m a n ti d o s superfície habitável da Terra pela climatização
critica m e n te à d i st â n c i a , de grandes extensões geográficas, por meio de
s ã o i n d i ssociáveis de s u a um controle absoluto das situações térmicas e
reflexão s o b re a m o nocro m i a ,
atmosféricas em relação às nossas condições
o i m ateri a l e o vaz i o .
morfológicas e psíqu icas,
S u a p rod u ção é aco m p a n h ad a
Devido ao fato de eu ter proposto uma
d esde o i n ício p o r a b u n d a ntes
escritos em fo rma d e notas, nova concepção de m úsica com minha Monó
d i ári os, m a n i festos e e n s a i o s , tona - silêncio - sinfonia,
m o n ó l ogos registra d o s Devido ao fato de eu também te r precipi
em gravad or e n o tas a u to
tado um teatro do vazio, entre outras incon
b i o gráficas, p u b l icados em
d i fe rentes revi stas (Zero, por táveis ave n turas,
exem p l o ) e catál ogo s , o u Eu n u nca teria acreditado, 1 5 anos atrás,
de i xad o s em s e u s arq u 1vo s . Em na época de meus primeiros esforços, que sen
1 9 5 9 , reú n e textos teóricos e
tiria tão subitamente a res po nsabilidade de
m a n i festos em Le dépassement de
la problématique de l'art ( Bél gica, me explicar de satisfazer os desejos de vo-
M o n t b l i a rd ) e mantém o desejO cês de saber os porquês e os motivos de tudo
d e p u b l i car seus n u m erosos o que ocorreu, e os porquês e motivos ainda
m a n u scrito s , a q u e se referia
mais perigosos para mim, em outras palavras,
como " M o n l ivre " , " L'Ave n tu re
m o n ochrome" etc. Em 2 0 0 3 , a influência da minha arte sobre a jovem gera
o rgan i zada p o r M a rie-A n n e ção de artis tas pelo mundo hoje em dia.
S i c h e re e D i d i e r Sem i n , e c o m o Pertu rba-me ouvir que u m certo nú
mesmo títu l o , fo i e d i tada u m a
mero deles ach a que rep rese n to um perigo
a n to l ogia de to dos os s e u s textos
p u b l icados na co le ção t cri ts para a arte do fu turo ·- que sou u m daque
d 'Arti stes ( Paris, É c o l e N atio n a l e les p rod u ros desastrosos e nefasros da nossa
S u p é ri e u re d e s B ea ux-Art s ) . e ra, um desses que p recisam ser esmagados
Refe rê n c i a s : Yves Klein ( Paris, e destru ídos com pletamente, an tes da pro
Cen tre Po m p i d o u , 1 9 83 );
pagação e do p rogresso do mal. Sinro m u i ro
ves Klein: La vie, la vie el!e-méme
qui est l'art absolu ( Pari s/ N i ce,
ter de revelar a eles q ue essa n ão e ra a m i n h a
M u sée d 'Art M od erne et d 'Art i n tenção; e t e r de declarar, com prazer, para
Co n t e m p o ra i n , 2 0 0 1 ) ; P i e rre todos aq ueles q ue demonstram fé na m u lti
Restany, " Chelsea 1 96 0 " ,
p licidade das novas possib i l i dades na via que
i n Paris - New York 1 908- 1 968
( Pa r i s , Cen tre Po m p i d o u /
p rescrevo: C u idado ! Nada se cristalizou até
G a l l i m a rd , 1 9 9 1 ) . ago ra; e o q ue quer que vá acon tecer depois
yves k l e t n 5 9
disso, n ão posso di zer. Só posso dizer que "Chelsea Hotel M a n i festo"
não ten h o mais medo h oje do que t i n h a on Escriro em N ova York em 1 96 1
em colaboração c o m N e i l Levi ne
tem, ao encarar o suvenir do fu turo.
e j o h n Arc h a m b a u l r . Trad uzi d o
Um artista sempre sente u m certo embara aq u i a partir d a e d i ção do
ço quando é chamado para falar de seus próprios catálogo da exposição d e K l e i n
trabalhos. Eles deveriam falar por si mesmos, n a Galeri a Alexa n d re lo l a s ( N ova
Yo rk, 1 96 2 ) . O m a n i fesro, c o m
particularmente se fo rem trabalhos válidos.
algu mas a l te rações e tra d u ção de
Portanto, o que posso fazer? Parar agora' Denis Rac he, fo i p u b l icado em
Não, o que chamo de sensibil idade pic 1 9 6 5 no catálogo d a exposição
tórica i ndefinível p roíbe absol u tamente essa d o artista n a Galeria Alexa n d re
l o las de Pari s.
solução m u ito pessoal.
Então ...
Penso naquelas palavras que tive a inspira
ção de escrever certa noite. "O artista do futuro
não seria o que expressa por meio do silêncio,
mas eternamente, uma imensa pi ntura à qual
fal ta qualquer senso de dimensão?"
Os freqüentadores de gale rias - sempre
os mesmos, assim como os outros - carrega
riam essa i mensa pintura em sua lembrança
(uma lembrança que não deriva de modo al
gum do passado, mas é ela mesma cognoscen
te da possibil idade de ampliar infinitamente
o i ncomensu rável, dentro do alcance da sen
sibil idade indefinível do homem). É sempre
necessário criar e recriar em u m a constante
flui dez física, a fim de receber a graça que per
mite a criatividade positiva do vazio.
Assim como eu criei uma Monótona - silên
cio - sinfonia em 1 947, composta em duas partes
- um som amplo e contínuo seguido por um si
lêncio igualmente amplo e extenso, dotados de
u ma dimensão sem limites -, do mesmo modo,
tentarei apresentar diante de vocês uma pinntra
escrita da curta história de minha arte, a ser se
guida, naturalmente, ao fim de minha explana
ção, por um silêncio puro e afetivo.
60 escriws de anisras
Minha explanação vai term i n ar com a criação de um imperioso silêncio
a posteriori, cuja existência em nosso espaço comum, que é afinal o espaço de
um ser singular, é imune às qualidades destrutivas do barulho físico.
M u ita coisa depende do sucesso de minha pintura escrita em sua fase
i n icial, técn i ca e audível. Só então o silêncio extraordinariamente a poste
rim-i, n o meio de barulho, assi m como na célula do si lêncio físico, vai gerar
uma nova e ú n ica zona de sensibili dade pictórica i material.
Tendo alcançado hoje esse ponto , no tempo e no conhecimento , ten
ciono me p reparar para a ação, e em segu ida recuar, retrospectivamente,
ao longo do trampol i m de minha evo lu ção. À mane i ra de um mergulha
dor olímpico, na técnica mais clássica do esporte, devo me pre parar para o
meu salto dentro do fu turo de hoje, movendo-me para trás com prudên
cia, mantendo à vista constantemente a extremidade alcançada h oje de
maneira con sciente - a imaterial ização da arte .
Qual é o o bje tivo dessa viagem retrospectiva no te mpo' S i mples:
não quero n e m mesmo por um i n stante que algum de n ós, você e eu,
caia no domínio daquele fenômeno de sonhos sentimentais cheios de
paisagens, que seria p rovocado por um pouso abrupto no passado . Esse
é precisamente o passado psicológico, o anties paço, que tenho deixado
para t rás em m i n h as aven turas dos ú l ti mos 1 5 anos.
No momento estou entusiasticamente interessado e m mau gosto [the
cornry] . Te nho a sensação de que existe, na própria essência do mau gosto,
u ma força capaz de criar algo que vai muito além do que é tradicionalmente
denomi nado arte. Quero jogar com a sentimentalidade e o "morbidismo"
humanos de uma maneira fria e feroz. Só muito recentemente me tornei
uma espécie de coveiro (de um modo bastante extravagante, estou usando
os próprios termos dos meus inimigos). Algu ns de meus últi mos trabalhos
foram túmulos e caixões. No mes mo período, fu i bem-sucedido ao pintar
com fogo, usando flamas de gás chamuscantes, algumas de mais de três me
tros de altura, para lamber a superfície de uma pintura a fim de gravar o
traço espontâneo do fogo.
Em s u ma, a m i n h a meta é dupla: em primeiro l ugar, registrar o traço
da sentimentalidade h u m an a na civilização contemporânea; em segu n
do l u gar, registrar o traço de fogo que engendrou essa mesma civil ização.
E isso porque o vazio sempre fo i m i n h a preocu pação constante; e eu con
sidero que, no coração do vazio, ass i m como no co ração do h o mem, as
chamas arde m.
yves k l e i n 6 1
Todos os fatos que são con tradi tó rios são p rincípios genuín os de ex
plicação u n iversal. Na verdade o fogo é um desses princípios genu ínos que
são essencialmente autocon traditórios, sendo ao mesmo tempo suavidade
e to rtu ra no coração e na o rigem de nossa civilização.
O que provoca a minha p rocu ra pelo traço de sentimen talidade por
meio da fabricação de supertúmulos e supe rcaixões? O que p rovoca mi
n h a p rocura pelo traço de fogo ' Por que eu deveria proc urar pelo próprio
Traço? Porq ue toda obra de criação, i ndependentemen te de sua ordem
cósm ica, é a rep resen tação de uma p u ra fe nome nol ogia - Tudo o q ue é
fenômeno man i festa a si mesmo. Essa manifestação é semp re disti nta da
forma e é a essência do i mediato, o traço do I mediato.
Alguns meses atrás, por exem plo, senti a necessidade de registrar os si
n ais do compor tamento atmosférico gravando em uma tela os traços i ns
tantâneos de pancadas de ch uva, de ventos do sul e de raios (desnecessário
dizer que o último registro mencio nado acabou em catástrofe). Por exem
plo, uma viagem de Paris a Nice poderia ter sido uma perda de tempo se eu
não tivesse passado esse tempo proveitosamente, gravando o ve nto. Posicio
nei uma tela, recoberta por ti n ta fresca, sobre o teto do meu Citroen branco.
Enquanto eu descia zunindo a Route Nationale 7 a uma velocidade de 1 00
qui lômetros por hora, o calor, o frio, a luz, o vento e a chuva, todos se com
bin aram para envelhecer a minha tela p rematuramente. Pelo menos 30 ou
40 anos foram conde nsados em um dia. O único transtorno nesse projeto é
que ten ho de viajar com a minha p i n tu ra o tempo todo.
As imp ressões atmosféri cas que registrei alguns meses atrás fo ram pre
lud iadas há um ano por impressões vegetais. Afinal, o meu propósito é ex
trair e concluir o traço do imediato a partir de q u alquer i ncidência de obje
tos naturais - circunstâncias h umanas, animais, vegetais ou atmosféricas.
Agora eu gostaria, com a perm issão e a atenção de vocês, de divulgar
possivelmente a fase mais i mportante e certamen te a mais secreta de mi
nha arte. Não sei se vocês vão acred i tar ou n ão - é ca nibalismo. A fi nal, não
seria melhor ser comido do que ser bom bardeado? É d i fícil transformar
em documen tos essa idéia que tem me ator men tado por algu ns anos, en
tão vou deixar que vocês tirem as suas próprias conclusões a res peito do
que pe nsam que será a arte do fut u ro.
Dando mais um passo atrás ao lo ngo das lin has da m i n ha evolução,
chegamos ao momento, há dois anos, em qu e imaginei a p i n tu ra com pin-
62 escritos de artistas
céis vivos. O p ropósito disso era obter u m a d istância defi n ida e constan te
entre m i m e a pintura du rante o momento de criação.
M u i tos críticos de arte argumentaram que, via esse método de p i ntu
ra, eu na verdade estava m e ramente restabelecendo a téc nica do que tinha
sido chamado Action Painting. Gostaria, agora, de esclarecer que esse es for
ço é oposto à Action Painting, na medida em que na ve rdade estou comp le
tamen te distanciado do trabalho físico du rante a sua criação.
Apenas para ci tar um exemplo fo men tado pela rep resentação equi
vocada da an tropometria na cobertura da i m p rensa i n ternacio nal - um
grupo de p in tores Japoneses aplicou esse método avidamente, à sua ma
nei ra, que e ra dife rente da minha. Esses p i n tores de fato transformaram-se
em p incéis vivos. A fundando na cor e depois rolando sobre s uas telas, eles
se tornaram ultra-action-painters ! Pessoal mente, eu n u nca ten ta ria espalhar
tinta sobre o meu próprio corpo e me tornar u m pincel vivo; ao con trá
rio, preferi na ves tir o meu smoking e usar luvas brancas. Não pensaria
nem mesmo em sujar m i n has mãos com tin ta. Desapegado e distante, o
trabalho de arte p recisa se completar dian te dos meus olhos e sob o meu
comando. Po rtanto, logo que a obra está realizada, permaneço al i - pre
sente na cerimônia, imacu l ado, calmo, relaxado, digno dela, e pronto para
recebê-la como ela nasceu no mu ndo tangível.
O que me dirigiu para a antropometria? A resposta p ode ser encontra
da em meu trabalho duran te os anos 1 956 e 1 957, quando eu participava na
aventura de criar a sensibilidade pictórica imaterial.
Havia acabado de tirar do meu ateliê todos os meus trabalhos anteriores.
O resultado - um ateliê vazio. Minha ú nica ação física foi permanecer em
meu ateliê vazio, e a criação de meus estados pictóricos imateriais teve prosse
guimento maravilhosamente. E ntretanto, pouco a pouco, fiquei desconfiado
de mim mesmo - mas nu nca do imaterial. Em conseqüência disso, contratei
modelos, como outros pintores fazem. Mas ao contrário dos ou tros, apenas
queria trabalhar na companh i a dos modelos em vez de tê-los posando para
mim. Eu estava passando tempo demais sozin ho no ateliê vazio [emp�] ; não
queria mais permanecer sozinho com o maravil hoso vazio [void] azul que es
tava florescendo. Embora pareça estranho, lembrem-se de que eu estava cons
ciente de não ter aquela vertigem experimentada por todos os meus p redeces
sores ao encarar o vazio absoluto, que forçosamente é o espaço pictórico real.
Mas quanto tempo a minha segurança podia resistir nessa consciência?
yves klein 63
Anos atrás, o arrista se di rigia di retamente para o seu tema, trabalha
va ao ar livre no campo, tinha os pés plan tados com fi rmeza no solo -- era
uma atividade saudável.
Hoje, os pin tores de cavalete acadêmicos ch egaram ao ponto de se
trancar em seus ateliês, co n frontando os terríveis espelhos de suas telas.
Agora a razão para o meu uso de modelos nus se torna bastante eviden
te: era u ma maneira de evitar o perigo de me isolar nas esferas espirituais
su periores da criação, rompendo ass i m com o mai s básico senso comum,
afi rmado repetidamente por nossa condição carnal.
A fo rma do corpo, suas linhas, suas cores estranhas pai rando e n tre
v1da e m orre, nada disso tem i n teresse para mim. Apenas o clima afetivo
puro e essen cial da carne é vál ido.
Fui i n troduzido ao vazio pela repulsiva n u lidade [rebuffed nothingness] .
O mananci al das zonas pictóricas imateriais, extraídas da profu ndeza do
vazio que e u possuía naquele te mpo, era de uma natu reza extremamente
material. Achando inaceitável vender essas zonas imateriais por dinhei ro,
pedi em troca da mais alta q ual idade do imaterial a mais alta qualidade de
pagamento material - uma barra de ouro puro.
Por mai:; qu.: parc'í'a i n acrcdi rivel , cheguei a vender u m cerro n ú mero
desses estados p i ctóricos imateriais.
Ta nto poderia ser dito a respeito da minha aventura no imaterial e no
vazio, que o resultado seria u ma pausa extensa demais, embora ainda imersa
na construção atual de minha pin tura escrita.
A pintu ra não me parecia m ai s estar relacionada funcional me n te ao
olho quan do, em meu período azul monocromático de 1 9 57, eu tomei
consciência do que denomi nei sensibil idade pictórica. Essa sensibili dade
pictó rica existe para além de nosso ser; con tudo perrence à nossa esfe ra.
Não temos nenhum direito de possessão sobre a própria vida. É só pelos
meios de nossa possessão da sensibilidade que somos capazes de adquirir
vida. A sensibilidade é o que nos permite comprar vida em seus n íveis ma
teriais básicos, no preço de i ntercâmbio do u niverso do espaço, da grande
totalidade da natureza.
A i maginação é o veículo da sensibilidade!
Transporrados pela imagi nação (efetiva) nós obtemos vida, aq uela
mesma vida que é a p rópria arre absol u ta.
A arte absolu ta, o que os homens mo rtais chamam com uma se nsação
de vertigem o summm da arre, materializa-se instantaneame nte . Faz sua apa-
64 escritos de artistas
rição no mundo tangível, enquanto eu permaneço em um ponto geométri
co fixo, no rastro de tais deslocamentos volumétricos com uma velocidade
estática e vertiginosa.
A resposta para a q uestão de como eu fui in troduzido à sensibilida
de pictórica pode ser encontrada na fo rça intrínseca dos monocromos de
meu período azul de 1 9 57. Esse período de m onocromos azuis foi o fruto
de minha questão a respeito do indefinível na pintura, algo que o mes tre
Delacroix foi capaz de sugerir.
De 1 946 a 1 956, as min h as experiências mo nocromáticas em várias
ou tras cores, sem ser azul, n u nca me deixaram esquecer a verdade funda
mental da nossa era - q u er dizer, a fo rma não é mais um valor li near, mas
sim um valor de impregnação.
Ainda um adolescente em 1 946, fui assi nar o meu nome no lado de
baixo do céu d u rante u ma fan tástica j ornada "real ístico-i maginária". Na
quele dia, q uando deitei na praia em Nice, comecei a odiar os p ássaros que
ocasionalmente voavam em meu puro céu azul sem n uvens, porq u e e les
tentavam cavar buracos em m i n h a maior e mais bela obra.
Pássaros precisam ser elim inados.
Assim, nós h umanos devem os possuir o d ireito de levitar em u m a
liberdade e fe tiva e total, física e espiritual.
Ne m mísseis, nem fogue tes, nem sputniks vão faze r do homem o
"conq uistador" do espaço . Esses meios são apenas o m u ndo de sonhos
dos cientisr<ls ci e hoje q u e a i n d a viv�.:m no e:spínro romântico e sentimen tal
do século XIX.
O homem só chegará a habitar o espaço por meio da terrível, mas
pacífica, força da sensibilidade. A verdadeira conq uista do espaço, tão de
sepda por ele, só resul tará da impregnação da sensibil idade h u m ana no
espaço. A sensibilidade do homem é onipotente na realidade i marerial.
Sua sensib ilidade pode até enxergar den tro da memória da natureza do
passado, do p resente e do fu turo !
É a nossa e fetiva capacidade extrad i mensional para a ação !
Se são necessárias provas, preceden tes ou p redecessores, permi tam
me citar en tão -
Dan te, na Divina comédia, descreve u com absoluta precisão o que ne
n h u m viaj an te d e sua é poca poderia ter c h egado a descobrir: a con stela
ção i nvis ível no hemi sfério Norte c hamada Cruzeiro do S u l;
yves klein 6 5
Jonathan Swi ft, em sua Viagem a Lilipute, forneceu as distâncias e os
períodos de rotação de dois satélites de M arte, embora estes fossem desco
n hecidos em sua época.
Quando o astrônomo americano Asaph Hall os descobriu e m 1 877,
ele percebeu que suas medições eram iguais às de Swi ft.
To mado de pânico, ele os chamou de Phobos e Deimos - Medo e Ter
ror! Com essas duas p alavras - Medo e Terro r - encontro-me diante de
vocês no ano de 1 946, pronto para m ergulhar no vazio [void] .
Vida longa ao I material !
E agora,
agradeço m u i to pela gen tileza da aten ção de vocês.
66 escritos d e artistas
C l aes O l d e n b u rg
Sou a favor de uma arte . . .
67
Sou a favor da arte que sai da boca do cão para o catál ogo da exposição
zinho, despencando cinco andares do telhado. " Envi ro n me nts, situ ati o n s a n d
spaces", rea l izad a n a G aleria
Sou a favo r da arte que o garoto lam be,
M artha jackson d e maio a j u n h o
depois de rasgar a embalagem. de 1 96 1 . O texto fo i revi sado
Sou a favo r de uma arte q ue sacuda como q u a n d o O l d e n b u rg i n augurou
The Store, em seu estú d i o na East
o joelho de todo mundo q uando o ônibus cai
2"d Street, em deze m b ro d o m esmo
n u m buraco.
a n o , e rep u b licado no catálogo
Sou a favor da arte tragável como os ci da exposição " Oiden burg"
garros e fedorenta como sapatos. ( Londres, Th e Arts Council o f
Great Brita i n , 1 97 0 ) . A trad u ção
Sou a favo r da arte que drapeja, como as
aqui a p resentada levo u essa
bandeiras, ou assoa narizes, como os lenços.
ed ição em consideração.
Sou a favor da arte que se veste e tira, como
as calças, que se enche de fu ros, como as meias,
que é comida, como um pedaço de torta, ou
descartada, com total desdém, como merda.
68 escritos de artistas
esconde nas n uvens e retumba. Sou a favor da arte que se l iga e desl iga com
um botão.
Sou a favor da arte que se desdobra como um mapa; q ue se pode abra
çar como um namorado ou beijar como um cachorrinho. Que expande e
estridula, como um acordeão, que você pode sujar de com ida, como uma
toalha de m esa velha.
Sou a favo r da arte q ue se usa para martelar, alinhavar, costu rar, colar,
arq u tvar.
Sou a favor da arte que diz as horas, ou onde fica essa ou aquela rua.
Sou a favor da arte que aj uda velhinhas a atravessar as ruas.
Sou a favo r da arte da máqui n a de lavar. Sou a favo r da arte de u m
cheque do gove rno. S o u a favo r d a arte das capas de c h uva de guerras
passadas.
Sou a favor da arte que sai co mo vapor dos bueiros no inverno. Sou
a favor da arte que estilhaça qu ando se pisa numa poça congelada. Sou a
favo r da arte dos ve rmes den tro da maçã. Sou a favo r da arte do suor que
surge en tre pernas cruzadas.
Sou a favor da arte dos cabelinhos da n uca e dos chás tradicionais,
da arte entre os dentes de garfos dos bares, da arte do cheiro de água
fervendo.
Sou a favo r da arte de velejar aos domingos e da arte das bombas de
gasolina vermelhas e brancas.
Sou a favor da arte de colunas azuis bril han tes e anú ncios luminosos
de biscoito.
Sou a favor da arte de rebocos e esmaltes baratos. Sou a favor da arte
do mármore gasto e da ardósia bri tada. Sou a favor da arte das pedrinhas
espalhadas e da areia deslizante. Sou a favor da arte dos resíduos de h u l h a
e do carvão negro . S o u a favor da arte das aves mortas.
Sou a favo r da arte das marcas no as falto e das manchas na parede.
Sou a favor da arte dos vidros quebrados e dos metais batidos e curvados,
da arte dos objetos derrubados propositalmente.
Sou a favor da arte de pancadas e j oelhos arranh ados e traq u inagens. Sou
a favor da arte dos cheiros das crianças. Sou a favor da arte dos murmúrios
das mães.
claes oldenburg 69
Sou a favor da arte do burb u ri n h o de bares, de palitar os dentes, to
mar cerveja, salpicar ovos, de i n su ltar. Sou a favo r da arte de cair dos ban
cos de botecos.
Sou a favo r da arte de ro upas íntimas e táxis. Sou a favor da arte das
casqu i nhas de sorvete de rrubadas no asfal to . Sou a favo r da arte maj estosa
dos dejetos cani n os, elevando-se como catedrais.
Sou a favo r da arte que pisca, ilum inando a noite . Sou a favo r da arte
cai ndo, borrifando, p ulando, sacudindo, ace ndendo e apagando.
Sou a favor da arte de pneus de camin hão ime nsos e olhos roxos.
Sou a favor da arte Kool, arte 7-UP, arte Pepsi, arte Sunshine, arte
39 cen tavos, arte 15 cen tavos, arte Vatronol, arte descongestionante, arte
p l ás tico, arte menrol, arte L&M, arte laxante, arte gram po, arte Heaven
Hill, arte far mácia, arte sana-med, arte Rx, arte 9 , 9 9 , arte agora, arte nova,
arte como, arte queima de estoque, arte última ch ance, apenas arte, arte
di amante, arcc do amanhã, arte Franks, arte D u c ks, arte h a m b u rgão.
Sou a favo r da arte do pão mol hado de ch uva. Sou a favor da arte da
dança dos ratos nos forros.
Sou a favor da arte de moscas andando em pê ras brilhantes sob a luz
elétrica. Sou a favor da arte de cebo las ten ras e talos verdes fi rmes. Sou a
favor da arte do estalido das nozes com o vai-e-vem das baratas. Sou a fa
vo r da arte triste e marrom das maçãs apodrecendo.
Sou a favor da arte dos miados e alaridos dos gatos e da arte de seus
olhos luzen tes e melancólicos.
Sou a favo r da arte branca das geladeiras e do abrir e fechar vigoroso
de s u as porras.
7 0 escritos de arnst;�s
Sou a favor da arte dos ursi n h os de pelúcia e pistolas e coel hos deca
pitados, guarda-chuvas explodidos, camas vio ladas, cadeiras com as per
nas quebradas, árvores em chamas, tocos de bombin has, ossos de galin ha,
ossos de pombo e caixas com gen te dormindo den tro.
Sou a favor da arte de flo res fú neb res levemente m u rchas, coelhos ensan
güen tados pend u rados e gal inhas amarelas en rugadas, baixos e pandei ros,
e vitrolas de vinil.
Sou a favor da arte das caixas abandonadas , enfaixadas como fa raós.
Sou a favor de u m a ane de caixas-d' água e n uvens velozes e somb ras tre
mu lantes.
Sou a favor da ane inspecionada pelo Gove rno do Estados Unidos,
arte tipo A, ane preço regular, arte ponto d e colheita, arte exrraluxo, arte
pro n ta para consu m i r, arte o melhor por menos, arte pro n ta para cozi
n har, arte h igienizada, ane gaste menos, ane coma melhor, ane presunto,
arte porco, arte frango, arte tomare, arte banana, arte maçã, arte peru, arte
bolo, arte b iscoito .
acrescente:
Sou a favor de u m a arte que seja penteada, que penda de cada orelh a,
sep posta nos lábios e sob os o l hos, depilada das pernas, escovada dos
dentes, que seja presa nas coxas, e nfiada nos pés.
claes oldenburg 71
Ad Re i n h ard t
A rte-como-arte
Ad Rei nhardt
A ú nica coisa a dizer sobre a arre é q u e ela {Buffalo, 1 9 1 3 - No va York, 1 967]
é uma coisa. A arre é arre-com o-arre e rodo o Ad Rei n hardr esru dou h i srória
resro é rodo o resro. A rre-como-arre nada é da arte com Meyer Schapiro,
além de arre. A arre não é o que não é arre. na U n ivers idade de Colúmbia,
e depois pinrura na Academia
O objerivo único de 50 anos de arre abs
Nacional de Dese n h o norte
rrara é ap resenrar a arre-como-arre e nada americana. Sua obra � m arcada
mais, ro rná-]a a ún ica coisa que de faro ela é, pela reflexão e acom pan hada
separando-a e defi n i ndo-a cada vez m ais, ror desde o i n ício por n u m erosos rextos
nando-a mais p u ra, mais vazia, mais abso l u ra confi rm ando a relação de sua
pinrura com uma anál ise da hisrória
e mais exclusiva - não-objeriva, não-re p resen
e da arte que lhe é conremporânea,
rariva, nào-6gu rariva, nào-imagísrica, não-ex
em parti cular sua crícica ao que
pressi on isra, nào-subjeriva. O único e exclusi chamava de " rerórica" da Acri on
vo modo de dizer o que é a arre absrrara, ou Painring e a convicção da separação
arre-como-arre, é dize r o que ela não é. enrre a rte e vida: "A arte é arre,
derna é essa consci ê ncia que a arre rem de Fez parre d a rendência Hard
s i mesma, da arre preocu pada com o s seus Edge, q u e c o m p reend i a
r a m b é m Barn etr New m a n ,
próprios p roc essos e m e i os, com a sua p ró
Ro berr M o r h erwe l l e Mark
p r ia iden ri dade e disri nçào , a arre vol rada
Ror h ko , p i n r u ras c o n s i d eradas
para a sua p rópria e ú n ica afi rmação , a arre por C l e m e n r G re e n b e rg u m a
conscie nre da sua p ró p ri a evo l ução e h is ró ar r e d a concepção E m 1 9 5 1 -
ria e desrino, na di reção de sua p ró p ria li 5 2 , i n i cia a série d e q u ad ro s
m o n ocro m áricos, chegando às
berdade, sua p rópria dignidade, sua p rópria
s u a s Black paintings, q u e aspiram
essê nc ia, sua p rópria razão , sua própria mo
a uma espécie d e não-cor,
rali dade e sua p rópria consciência. A arre em q u e a pi nrura exisra em s i
não p recisa de nenhuma JUSrificariva com m es ma , separada d o s efeiros
72
de l uz, c o m o em s u a s i n ú m eras " realismo" ou "naturalismo", " regionalis
p i n t u ras d e n o m i na das Ultimate mo" o u "nacionalis mo", "individua lis mo"
painting, q u e reco meça ao
o u "socialismo" o u " m isticismo", o u com
l o ngo de dez a n o s , d e forma
s e m pre sistemática. A partir dos quaisquer o u tras idé ias.
a n o s 40, p u b l ica c a rto o n s no O conteúdo único de três séculos de arte
j o rn a l soci a l i sta PM, nos q u a i s e u ropéia ou asi ática, e a m atéria ú n ica de
separa escru p u l o s a m ente suas
consi derações s o b re a arte p u ra
três m i lê n ios de arte o riental ou ocidental, é
e as preocu pações m u n d a n as a mesma " si gnifi cação úni ca" que atravessa
da vida d i ári a . N o s a n o s 60 será roda a arte atempo ral do m u ndo. Sem uma
uma referência para JOVe n s
continu idade da arte-co mo-arte e uma con
artistas, e m p a rti c u l a r p ara
J ose p h Kos u t h . Em "A m u s e u m v icção da arte-pela-arte e um espíri to artísti
o f l anguage i n t h e vici n ity o f art" co i m u tável e um ponto de vista abstrato, a
(Art lnternational, mar 1 9 6 8 ) , arte seria in acessível e a "única coisa" que ela
Ro b ert S m i th s o n co m p ara sua
é seria co m pletamente secreta.
" C hro n o l ogy" , de 1 9 66 ( escrita
p a ra a retrospectiva no Jewish A idéia ú n ica da arte co m o "bela", "eleva
M us e u m e u m dos seus ú l t i m o s da", "nobre", "libe ral", "ideal", do século XVII,
textos), a u m a s ucessão de risos é para separar as belas-artes e a arte in telecrual
sem m otivo n a q u a l " pe rco rre
da arte man u al e do artesanato. A i n te n ção
u m h u m o r seco q u e ec l o d e e m
l e m b ra n ças pessoa i s h i l a r i a n te s " . única da palavra "estética", d o sécu lo XVIII ,
ad rei n hardt 73
de rodos os seus signi ficados religiosos. Ni nguém e m sã consciência vai
a um museu para venerar ou tra coisa que n ão a arte, ou para aprender a
respeito de q u alquer ou tra coisa.
O ú n ico l ugar para a arte-co mo-arte é o museu de belas-artes. A ra
zão de ser para o museu de belas-artes é a prese rvação da arte antiga e
da arte m oderna, que n ão podem ser fei tas de novo e que n ão têm de ser
fe i tas de novo. Um museu de belas-artes deveria excl u i r tudo que não
fosse belas-artes, e ser separado dos museus de etno logia, geol ogia, ar
qu eologia, histó ria, artes decorativas, artes industriais, artes mili tares, e
m useus de outras coisas. Um museu é um tesouro e um túm u lo, não u m
l ocal de contabil idade ou u m cen tro de diversões. U m m u s e u que se tor
na o monumento pessoal de um curador de arte ou um estabelecimen
to de co nsagração-de-um-colecio nador-de-arte, ou u m a m an u fatura de
hi stóri a-da-arte, ou o me rcado de um artista, é uma desgraça. Qualquer
pertu rbação da ausência de som, de tempo, de ar e de vida de u m verda
deiro museu é um des respeito.
O pro pósito ú n ico da academia u n ive rsidade de arte é a edu cação e
a "correção do artista"-como-artista, não o "esclarecime nto do pú blico"
ou a popu larização da arte. A facu l dade de arte deve ria ser u ma comu
ni dade-claustro-torre-de- marfim de artistas, uma u n ião de artistas e u m
congresso o u clube, não uma escola d e su cesso o u posto de serviço o u
ab rigo o u casa de artistas rnalsucedidos. A noção de que a arte, o u u m
museu de arte, o u a u n ivers idade de arte "enriquece a vida" ou "fomenta
u m amo r pela vida" ou "promove o entendimento e o amor e n tre os ho
mens" é tão in sana quan to possa ser qualquer coisa em arte. Qualquer
u m que fale e m usar a arte para favorecer quaisquer relações locais, mu
nicipais, nacio nais o u i n te rnacionais está fo ra de si.
A ú nica coisa a dizer sobre a arte e a vida é que a arte é a arte e a vida
é a vida, que a arte n ão é a vida e que a vida n ão é a arte. Uma arte "par
te-da-vida" não é melhor nem p i o r do q u e uma vida " parte-da-arte". As
belas-artes não são u m " meio de gan har a vida" ou u m " modo de viver
a vida", e u m artista que dedica a vida à sua arte ou a sua arte à sua vida
sobrecarrega a sua arte com a sua vida e a sua vida com a sua arte. A arte
que é uma qu estão de vida ou mo rte não é nem bela nem livre.
O ú n i co ataque às belas-artes é a tentativa i n cessante de to rná-la
su bse rvi ente, como um meio para u m outro fim ou valor. A ú n ica luta
74 escritos de artistas
na arte não é e n t re arte e não-arte, m as e n tr e arte verdad e i ra e arte fa lsa,
con tra ar tista, do artis ta-co mo-artista com e contra o artista-co mo-ho
como "espel hos d a alma" ou " re flexos de cond ições" ou " i n s t r u m e n tos
do u n iverso", q u e i n ven tam " novas i mage n s do h o m e m " - figu ras e re
tratos (pictures] da "n atu reza-em-abs tração" - , são, s u bj e t iva e obj e t iva
m e n te , tratantes ou grosse i ros. A arte de " figu rar" ou " re t ratar" [pictu
ring] não é be las-artes. Um artista q u e estep fazendo l o b b y como u m a
tiSta a ser p u ro .
" ú nico e excl u sivo grande p ro b lema o rigi nal" é a p i n t u ra abstrata p u ra.
' Expressão que significa " l u ta , discussão, co n c u rso sem regras e com a participação de
rodos" (NT).
ad reinhardr 75
e n e n h u m rema e n e n h u ma variedade. Não há n ada menos signi ficativo
n a arre, e nada mais exaustivo e imediatame n te exaurido, do que a "va
riedade sem fi m " .
A ú n ica evolução das formas de arte se desdobra e m u m a li n h a reta
lógica, de ações e reações n egativas, em um ciclo estil ístico predesti n ado,
eternamente recorre n te, segui ndo os m esmos padrões gerais, e m rodos
os tempos e l ugares, tomando tempos d i fe re n tes e m l ugares diferen tes,
sempre começando com uma esquemarização arcai ca "primitiva", alcan
çando um clímax com uma fo rmulação "clássica" e decaindo com uma
variedade " tardia" sem fim de ilusion ismos e expressionismos. Quan do
os estágios fi n ais removem rodas as l i n h as de demarcação, esrrurura e
fabricação, com "qualquer co isa pode ser arre", "q ualquer u m pode ser
um arrisra", " é a vida", " nós l u tamos co n tra isso", "qualquer coisa vale",
e "não faz n e n h uma dife rença se a arre é absrrara o u represen tativa" , o
m u n do do arrisra é u m comércio de arte maneiri s ta e p ri m i tivista e u m
vaudeville-s uicida, venal, agradável , desprezível, frívolo.
O ú n ico cami n ho n a arte vem de trabalhar artis ticamente, e quanro
m ais um arrisra trabalha, mais há o q u e fazer. Os artistas vêm dos anis
tas, as fo rmas de arte vêm das fo rmas de arte, a p i n tu ra vem da p i n tura.
A ú n i ca di reção nas belas-artes ou n a arte abstrata, hoje em d i a, está na
p i n t u ra da m esma forma ú nica, repetidamen te. A ú n ica i n ten sidade e
a ú nica perfeição vêm apenas da longa e solitária rotina de p reparação
e atenção e repetição. A ú n ica originalidade só existe o nde rodos os ar
tistas trabalham na mesma tradição e dominam a mesma convenção. A
ú n ica l i berdade é real izada apenas por meio da mais rígida disciplina
artís tica, e por meio do ritual de ateliê que se mantém m ais s i m i lar. Só
76 escritos de artistas
i m agens, nem fo rmas ou composições ou rep resentações, nem visões ou
sensações ou i m p ulsos, nem símbolos ou signos o u empas tamentos, nem
decorações ou coloridos ou retratos, nem p razeres nem dores, nem aciden
tes ou readymades, nem coisas, nem i déias, nem relações, nem atri b u tos,
nem qualidades - nada que não seja da essência. Tudo vol tado p ara a i rre
d u t i b i l idade, i rr e p rodutibili dade, i m p e rce ptibili dade. Nada " u t i lizável",
" m an i p ulável", "vendável", "inegociável", " colecionável", "con trolável".
Nen h u m a arte como u m a mercadoria o u como u m a negociata. A arte
não é o l ado e s p i ri tual dos negócios.
O ú nico p adrão na arte é unidade [oneness] e beleza [fineness] , retidão
e p u reza, abstração e evanescência. A única coisa a dizer sobre a arte é
a sua fal ta de res p i ração , de vida, de morte, de conteúdo, de forma, de
espaço e de tempo. Isso é sempre o fim da arte.
ad rei nhardt 77
G e o rge M ac i u n as
Neodadá em m úsica, teatro, poesia e belas-artes
arre, chamado às vezes de anriarre ou n i i l is 2 0 0 0/Galeri e d u Gén ie/ Gal erie
d e Poc h e) ; j o n H e n d ricks, Fluxus
mo arrísrico. As novas arividades dos arriscas
Codex ( Detro i cj N ova Yo rk, The
poderiam enrão ser agenciadas segu ndo dois
G i l berc and Li la S i lve rman Fluxus
eixos de coordenadas: a abscissa definindo a Colleccionj H . N . A b rams, 1 9 88);
rransição das arres do "rempo" em di reção às O que é Fluxus? O que não é! O porquê
78
( B rasília/ Rio de J a n e i ro/ Detro i t , do "espaço" e voltando ao " tempo" e ao "es
C C B B/ The G i l b e rt a n d Li la
paço" etc.; a ordenada d e fi ni ndo a transição
S i lverm a n Fluxus C o l l ectio n ,
da arte exrre m ame n re artificial, i l usioni sta,
2 0 0 1 - 2 ) ; B e n Va u t i e r e G i n o
d i M aggi o , Fluxus lnternational e, ai nda, da arte abstrata ( não envolvida por
& Co . ( c a c . , Liege/ M i l ã o / N i c e , esse texto), até o concretismo suave, que se
D i recti o n des M u sées d e N i c e
to rna cada vez mais concreto, ou a n tes, não
Act i o n C u l t u re l l e M u n i c i p a l e ,
1 97 9 ) ; Fluxus Virus, 1 962- 1 9 92
artificial, para c hegar à não-arte, à antiarte: a
( c at . , C o l ô n i a / M u n i q u e , G a l erie na tu reza, a realidade.
Sch ü pen n h a u e r/ A ktio n sfo ru m Contrari amen te aos ilusion istas, os con
Prateri n se l , 1 9 9 2 ) . Em 1 9 9 7 ,
cretistas preferem a u n idade de forma e de
o rganizado p o r E m m en Wi l l i a m s
e A n n N o e l , fo i p u b l i cad o o l ivro con teúdo à sua separação. Preferem o mu ndo
Mr. Fluxus: A Collective Portrait da realidade concreta à abstração artificial
ofGeorge Maciunas 1 93 1 - 1 9 78
do i l usionismo. Assim, em artes plásticas,
( Lo n d res, Th ames and H ud so n ) .
por exemplo, um concretista percebe e expri
me um tomate pod re, mas não transforma
" N eo-dada i n music, theater,
nem sua realidade nem sua forma. Enfim, a
poetry, art" E s b o ç o de e n s a i o /
m a n i festo, d o q u a l p e l o m e n o s forma e a expressão permanecem idênticas
três versões s ã o c o n h e c i d a s . ao co n teúdo e à percepção - a realidade de
Esta re p ro d u z u m m i c ro fi l m e
um tomate podre, mais do que sua imagem
d o A rc h ivo S h o m , Staatsgal eri e ,
Stu ngart e fo i p u b l i c a d a p ela
ilusória, o u seu símbolo. E m m úsica, um con
p ri m e i ra vez e m Fluxus. Selections cretista percebe e exprime o som material em
from the Gilbert and Li/a Silverman toda sua policromia, sua ato nalidade e sua
Collection , d e C l ive Ph i l l i p ot e
" inciden talidade" mais do que o som abstra
J o n H e n d ri c ks . U m a versão e m
a l e m ã o fo i l i d a p o r Arth u s C to, imaterial e arti ficial , dotado de uma altura
Caspari p o r ocasião do c o n certo pura o u , para ser mais p reciso, de tonalidades
d o Kleines Sommerfest.· Aprés
controladas, despojadas dos harmô nicos que
john Cage , em Wu p p erta l ,
o obliteram. U m som material ou co ncreto é
A l e m a n h a , a 9 d e j u n h o d e 1 96 2 ;
a c o l e ç ã o Fluxus d e G i l b e r t e L i l a repu tado como tendo estreita afinidade com
S i lverm a n , e m Detro i t , p o ss u i os objetos materiais que o produzem - é, por
gravação s o n ora d o texto. U m a
tan to, um som CUJO esquema dos h armônicos
seg u n d a versão fo i p u b l i c a d a
n a A l e m a n h a p o r J ü rgen B e c k e r
e a policromia resul tante i ndicam claramente
e Wo l f Voste l l e m Happenings a natureza do material ou da realidade concre
- Fluxus, Pop A rt, Nouveau Réalisme.· ta que lhe deu origem. Assi m , uma nota emi
eine Dokumentation . A trad u ç ã o
tida por um teclado de piano ou por uma voz
p a r a o fra n c ês e s t á p u b l i c a d a e m
L'Esprit Fluxus ( M a rsel h a , M AC/ do belcanto é e m in e n temente i material, abs
M u sées de M a rsei l l e , 1 9 9 5 ) . trata, arti ficial, uma vez g ue o som não i n -
george maci u n as 79
dica claramente sua ve rdadeira fon te ou sua re al idade material - a ação
banal de u ma co rda, da m adei ra, do me tal, do fe ltro, da voz, dos lábios,
da l í ngu a, da boca etc. Um som p roduzido, (por exemplo), batendo no
mesmo piano com um martelo o u dando pon tapés e m sua caixa é mais
mate rial e concreto, uma vez que i ndica de maneira bem mais n í tida a
d u reza do piano, a natu reza cave rnosa da caixa e a ressonância da co rda.
Os sons da fala h u m ana ou da mastigação são igualmente m ai s concre
tos, pela mesma razão que sua fon te é reconhecível. Esses sons concretos
são em geral, m as abusivame n te, q ualificados de ruídos. Sem dúvida são
em l arga medida átonos, mas é ass i m que se tornam policrômicos, pois a
i n tensi dade da cor acústica depende d i retame nte do tom que oblite ra os
h armônicos d iscordantes.
Afastar-se mais do m undo artificial d a abstração sign i fica levar em
conta o conceito de i ndeterminação e de i m p rovisação. Como a artificia
lidade i m pl ica uma predeterminação h u m ana (um dispositivo), u m con
cretista mais autêntico rejei tará a predeterminação da fo rma fi n al, para
perceber a realidade da natu reza cujo curso, como aquele que é próprio do
homem, é altame nte i ndeterminado e imprevisível . Assim, u ma compo
s ição i n determi nada se aproxi ma mais de u m concretismo, permitindo à
natureza consu m i r sua forma segundo seu próprio curso. Isso i mpõe que
a composição traga uma espécie de contexto de trabalho, u ma " máquina
automática" no i nterior da qual, ou por meio da qual, a natureza (seja sob
a forma de um performer i ndependente, seja por métodos de composições
indeterminadas-aleatórias) possa consumar o gêne ro artístico, efetiva e
i ndependentemen te do artista-composi tor. Assim, a contribuição fu nda
men tal de um artista verdadeiramente concre to consiste em criar mais -·
80 escritos de artistas
ção arti ficial do artista e do pú blico, ou do criador e do esp ectador, ou da
vida e da arte; são con tra as formas artificiais, os modelos e os métodos da
própri a arte; contra a pesquisa do objetivo, da forma e do sen tido e m arte.
A antiarte é a vida, a natureza, a realidade verdadeira - ela é um e tudo .
A c huva g u e cai é antiarte, o ru mor da m u ltidão é antiarte, u m espirro é
anriarte, um vôo de borboleta, os movi mentos dos micróbios são antiarte.
Essas coisas também são belas e merecem tan ta consideração q uanto a
arte. Se o homem pudesse, da mesma maneira que sente a arte, fazer a ex
periência do mu ndo, do mundo concreto que o cerca (desde os conceitos
matemáticos até a matéria física), ele não teria necessidade algu ma de arte,
de artistas e de o u tros elementos " n ão-produtivos" .
george maciunas 81
H é l i o O i ti c i ca
Hélio Oiticica
Toda a minha transição do quadro para {Rio dejaneiro, 1 93 7- 1 980)
o espaço começou em 1 959. Havia eu enrào H é l i o O i t i c i ca i n screve p a l avra
chegado ao uso de poucas cores, ao b ranco e texto no corpo d o t ra b a l h o
principalmenre, com duas cores d i ferencia " p l ástico" e exerc i ta a escrita
e n q u an to desdo b ra m e n to d a
das, ou até os trabalhos em que usava uma só
experi ê n c i a artística, pratica n d o ,
cor, p i n tada em uma ou duas direções. Isro, a n o texto, a reflexão crítica s o b re
meu ver, não significava somenre u m a depu o p rocesso q u e a enge n d ra .
O conj u nto d e s e u s escri to s
ração extrema, mas a romada de consciência
com p re e n d e a n o tações e m
do es paço como elemenro rotalmenre ativo, s e u d i ár i o , textos críti c o s s o b re
insin uando-se, aí, o conceiro de tempo. Tudo o u tros art i sta s , artigos de j o rn a l ,
o que era anres fundo, ou também suporte para o m a n i festo s, cartas, p o e m a s ,
e s p eci fica ç ões d e p roj e t o s .
aro e a estrutura da pi ntu ra, transforma-se
N o s Heliotapes , regi stra a fa l a ,
em elemenro vivo; a cor quer manifestar-se p ro po sta e n q u a nto
ín tegra e absolu ta nessa estrutura quase diá p e n sa m e n to e m ato.
fana, reduzida ao encontro dos p lanos o u à Em 1 9 5 4 estu da com Iva n Serpa
l i m i tação da própria extremidade do quadro. no M u seu d e Arte M oderna
Paralelam ente segue-se a p ró pria ruptu ra da do R i o de J a n e i ro. Pa rt i c i p a d o
Gru po Fre n t e e m 1 9 5 5 - 6 .
fo rma retangu lar do q uadro. Nas Invenções,
A parti r d e 1 95 9 , i n tegra o
que são placas quadradas e aderem ao muro Gru po N e oco ncreto. A m p l i a
(30cm de lado), a cor aparece n u m só to m. O o s tra b a l h o s b i d i m e n s i o n a i s
problema estrutu ral da cor apresenta-se por p a ra o espaço, c r i a n d o relevos
espac i a i s , b ó l i d e s , capas,
super posições; seria a verticalidade da cor no
esta n darte s , tendas, p e n etráve is
espaço, e sua estrutu ração de superposição. A e a m b ientes. Na a be rtura da
cor exp ressa aq u i o ato ú n ico, a du ração que m o stra " O p i n i ã o 65" ( MA M - RJ ) ,
82
rea l i za m a n i festação pulsa nas extremidades do q uadro, que por sua
co l etiva d e protesto, com vez fecha-se em si mesmo e se recusa a perten
os passistas da M a n g u e i ra
:lançando com Parangolés .
cer ao muro ou a se transformar em relevo. Há
Jarti c i p o u de " O p i n i ã o 6 6 " e é então na última camada, a que está exposta à
1 m d o s o rga n izado res de " N ova visão, u ma in fluência das camadas posteriores,
) bjetivi d a d e Bras i l e i ra " ( 1 9 6 7 ) ,
que se sucedem por baixo. Aqui creio que des
1 a q ua l a p rese nta Tropicália , e d e
�pocalipopótese ( 1 9 6 8 ) . Em 1 9 69 cobri, para mim, a técnica que se transforma
:ria, n a Galeri a Wh i techapel , em expressão, a i ntegração das duas, o que será
· m Lo n d res, o proj eto Éden . impo rtante fu tu ramente. Vem então o princí
� o a n o segu i nte partici pa d a
n ostra " l n fo rmati o n " , n o M a M A .
pio: "Toda arte verdadeira não separa a técnica
live e m N ova York ao l o ngo d a da expressão; a técnica corresponde ao que ex
l écada d e 1 9 7 0 ; e m 1 9 7 2 , faz o pressa a arte, e por isso não é aJgo artificial que
i I me Agripma é Roma Manhattan e
se 'aprende' e é adaptado a uma expressão, mas
lS proJ e tos Cosmococa, co m N evi l l e
l e A l m e i d a . Vo l ta a o Bras i l e m está indissoluvelmente ligada à mesma." É pois
9 7 8 , real iza proj etos co m o a técnica de ordem física, sensível e transcen
'squenta p 'ro carnaval e particip a dental. A cor, que começa a agir pelas suas pro
le Mitos vadios, em São Pau lo.
priedades físicas, passa ao campo do sensível
:m 1 9 8 1 é criado o Proj eto H é l i o
pela primeira interferência do artista, mas só
) i t i c ica. Entre 1 9 9 2 e 1 9 9 7 são
eal izadas retro spectivas s u as atinge o campo de arte, ou seja, da expressão,
m Roterd ã , Pari s , Barc e l o n a , quando o seu sentido está l igado a um pensa
. i s b o a , M i n eáp o l i s e Rio d e mento ou a uma idéia, ou a uma atitude, que
a n e i ro . O C e n tro d e Artes H é l i o
não aparece aqui conceitualmente, mas que se
) i t i c i c a , fu n d a d o e m 1 9 9 6 ,
, b ri ga exp o s i ções s o b re o artista, expressa; sua ordem, pode-se dizer então, é pu
ntre as q u a i s " H é l i o O i t i c i ca ramente transcendentaJ. O que digo, ou chamo
a cena a m erica n a " , co m
ele "um::t gr::tndc ordem da c o r " , não é a sua for
u ra d o ri a de G l ó ri a Ferre i r a .
mu lação anaJitica em bases puramente físicas
n d ica mos a l e i t u ra d e Aspiro
ou psíqu icas, mas a inter-relação dessas duas
·o grande labirinto ( Ri o d e
helio oicicica 83
A ch egada à cor ú n ica, ao p u ro espaço, "A transição da cor do quadro
84 escritos de artistas
ção das mesmas. A visão da cor, "visão" aqui no seu se ntido completo:
físico, psíqu ico e esp i ri tual, se desenrola como u m complexo fio (desen
volvimento nuclear da cor) , cheio de virtualidades. À primeira vi sta o que
chamo d e desenvo lvimento nuclear da cor pode parecer, e o é e m certo
sentido, uma tentativa de trabal har somente no sentido da cor tonal, m as
na verdade situa-se em o u tro plano m u i to d iferente do p roble m a da cor.
Pelo fato de partir esse desenvo lvimento de u m determi nado tom de cor e
evo l u i r até o u tro, sem p ulos, a passagem de u m tom para o outro se dá de
maneira m u i to sutil, em nuanças. A pintura tonal, em todas as é pocas,
tratava de red uzi r a plasticidade da cor para u m tom com pequenas va
riações; seria assim uma ameni zação dos con trastes para i n tegrar toda a
estrutura n u m clima de serenidade; não se tratava p ropriamente d i to d e
"harmon ização da cor", se bem que não a excluísse, é claro. O desenvo l
vimento nuclear que p rocuro não é a tentativa de "amenizar" os contras
tes, se bem q u e o faça em certo sentido, mas de movimentar virtualmente
a cor, em sua estrutu ra mesma, já q ue para m i m a dinamização da cor
pelos con tras tes se acha esgotada no mo mento, como a j ustaposição de
dissonantes o u a J US taposição de complementares. O desenvolvimento
nuclear, antes de ser "dinamização da cor", é a sua duração no espaço e no
te mpo. É a volta ao núcleo de cor, que co meça na p rocura da sua l u m inosi
dade i n trínseca, vi rtual, interior, até o seu movi mento mais estático para
a d u ração; como se ele pu lsasse de dentro do seu n úcleo e se desenvolves
se. Não se rrata, pois, de p roblema de cor tonal prop riamente di to, mas,
por seu caráte r de in determi nação (que também p reside muitas vezes o
p roblem a de cor tonal), de u m a busca dessa "d imensão i n fini ta" da cor,
em in ter-relação co m a estrutura, o espaço e o te mpo. O p roblema, além
de novo no sentido plástico, procura também e princi palmente se firmar
no sentido p uramente transcenden tal de si mesmo.
No Penetrável, decididamente, a relação en tre o espectador e a estru
tu ra-cor se dá n u m a i n tegração completa, pois q ue virtualmente é ele
colocado no cen tro da mesma. Aqui a visão cíclica do núcleo pode ser
considerada como uma visão global o u esférica, pois que a cor se desenvol
v e em pl anos verti cais e horizontais, no ch ão e no teto. O teto, q u e no
núcleo ainda fu nciona como tal, apesar da cor também o atingir, aq u i
é absorvido p e l a es rrutura. O fi o de desenvolvimento estrutu ral-cor se
desenrola aq ui ac rescido de novas virtualidades, m u i to mais completo,
hélio oiricica 85
onde o sentido de envolvimento atinge o seu auge e a sua j usti ficação. O
sen tido de apreender o "vazio" que se i n s i n uo u nas "I nvenções" chega à
sua pleni tude da valo rização de todos os recantos do pene trável, i n clusi
ve o que é pisado pelo espectado r, que por sua vez já se transformou n o
"descobridor da obra", desvendando-a parte p o r parte. A mobilidade das
pl acas de cor é maior e mais complexa do que no n ú cleo móvel.
A criação do penetrável permi tiu-me a i nvenção dos p roje tos, que
são conj u n tos de penetráveis, e n tremeados de o u tras obras, i n clui ndo as
de sen tido verbal (poe mas) u nido ao p lástico propriamente dito. Esses
p roj etos são re alizados em maqueta para serem cons truídos ao ar l iv re e
são acess íve is ao p ú bl i co, em fo rma de j ardi ns. No p rimei ro (Pro;eto cães
de caça) h á bastante es paço para que, como quis eu ao fazê-lo, sejam ai
reali zados conce rtos musicais ao ar l ivre, além das ob ras q u e existiriam
compondo o projeto. Para mim a i nvenção do Penetrável, além de gerar
a dos proj etos, ab re campo para u m a região completamente t nexplo
rad a da arte da cor, i n trod uzindo aí u m caráter coletivista e cósmico e
tornando mais c lara a in tenção de toda essa experiência no sentido de
transfo r mar o que h á de i m ediato n a vivência cotidi ana em não- i media
to; e m e l i m i n a r toda relação de represen tação e conceituação q u e por
ventura haja carregado em si a arte. O sentido de arte pura ati n ge aqui
sua justificação lógi ca. Pe lo fato de n ão ad mitir a arte, n o ponto a que
chegou seu desenvolvimento neste século, q uaisq uer l igações extra-esté
ticas ao seu conteúdo, chega-se ao sentido de pureza. " Pu reza" significa
que já n ão é possível o conce i to de "arte pela arte", ou tam pouco querer
s u b m e tê-la a fins de ordem p o l í tica o u religiosa. Como diria Kandi nsky
n o Espiritual na arte, tais ligações e conceitos só predo mi nam e m fase de
decadência c u l tu ra l e espiritual. A arte é u m dos p i náculos da reali zação
espiri tual do h o m e m e é como tal q u e deve ser abordada, p o is de ou tro
modo os equ ívocos são i nevi táve is. Trata-se pois da to mada de consci
ência da problemática essencial da arte e n ão de u m enclausuramento
em qualquer trama de conce i tos o u dogmas, i n compatíveis que são com
a p ró pria criação .
Enquanto para m i m os pri m e i ros n úcleos são a cul m i nância da fase
anteri or das pri m e i ras estru turas n o espaço, o penetrável abre n ovas pos
sibil i dades ai nda n ão exploradas dentro desse desenvolvi m e n to, a que se
pode chamar construtivo, da arte contemporânea. Um esclarecimento se
86 escritos d e arrisras
faz necessário aqui, sobre o que cons idero como "constru tivo". Mário
Pedrosa fo i o primeiro a sugeri r de q u e se trata essa experiência de u m
novo constnttivismo, e creio s e r e s t a uma denomi nação m a i s ideal e im
po rtante para a conside ração dos p roblemas u n i versais que dese mbocam
aq u i através dos m ú l tiplos e su cess ivos desenvolv imentos da arte con
temporânea. A tendência, porém, é a de abominar os " n eos" "novos" etc.,
pois p od e ri am retom ar como indicação a relação com ce rtos " ismos" do
passad o im edi ato da arte m oderna. Cabe nesse caso reconsiderar aqu i
o q u e seja construtivismo, j á q u e fo i esse termo usado para a experiência
dos russos de vanguarda em geral (Tal i n , Lissirsky e mesmo M alevitch) e
para Pevsner e Gabo em p articular, q u e publicaram inclusive o M an i fes
to do Construtivismo. O ra, apesar das l igações que existiram e n tre o q u e
se faz hoje e o Construtivismo russo, não creio que s e j ustificaria s ó por
isso o termo "n ovo construtivis mo". O fa to real, porém, é q u e se torna
inadiável e necessária uma reco nsideração do termo "construtivismo" ou
"arte constru tiva" den tro das novas pesqu isas em todo o m u ndo. Seria
prete nsioso q u erer considerar, co m o o fazem teóricos e críticos pu ra
mente fo rmalistas, como construtivo somente as obras q u e descendem
dos Movimentos Constru rivista, S u prematista e Neoplasticis ta, ou seja,
a chamada "a rte geométrica", termo ho rrível e deplo rável tal a su perfi cial
fo rmu lação que o gerou, que indica claramente o seu sentido fo rmal ista.
Já os mais claros p rocuram substi tuir "arte geomé trica" por "arte cons
trutiva", q ue, creio eu, poderá abranger uma tendência mais ampla na
arte co ntempo rânea, indicando não u m a relação formal de idéi as e solu
ções, mas uma técnica estru tural de ntro desse panorama. Construtivo se
ria uma asp iração vis ível e m toda a arte m o derna, que aparece onde não
esperam o s to r m ali.sra.s, incapazes que são de fugi r às simples cons ide ra
ções fo rmais. O sentido de construção está estritamente li gado à nossa
época. É lógico q ue o espírito de construção frutificou em todas as épo
cas, mas na nossa esse espírito tem u m caráter especial; não a especiali
dade fo rmal ista que conside ra como "constru tivo" a forma geométrica
nas artes, mas o espí rito geral que desde o aparec imento do Cubismo e
da arte abstrata (via Kandi nsky) anima os criadores do nosso século. D o
Cubismo saíram M alevitch, M o n drian, Pevsner, Gabo etc.; J á Kandi nsky
l ançou bases defini tivas para a arte abs trata, bases estas puramente cons
tru tivas. Ho uve o ponto de encontro entre os que de rivaram do Cubismo
h é l i o oiticica 87
e as teo rias kandinsk ianas da arte abstrata, tornando-se qu ase i m possí
vel saber onde um i n fl uen ciou o ou tro, tal a reci procidade das i n fluên
cias. É esta sem d úvida a época da construção d o mundo d o homem, ta
refa a que se en tregam, por máxima con ti ngência, os artistas. Considero,
pois, construtivos os artistas que fu ndam novas relações estruturais, na
pin tura (co r) e n a escultura, e abrem novos sentidos de es paço e tempo.
São os construtores, construtores da estrutura, da cor, d o es paço e do tem
po, os que acrescentam novas visões e modificam a maneira de ver e sen
tir, portanto os que abrem novos r u m os na sensibil idade contemp o râ
nea, os que aspi ram a u m a h i erarquia espi ritual da constru tividade da
arte. A arte a q u i não é sintoma de crise, ou da época, mas fu nda o p ró
prio sentido da é poca, constrói os seus alicerces espi ri tuais baseando-se
nos elementos primordiais l i gados ao m u ndo físico, psíquico e espi ritual,
a tríade da qual se com põe a própria arte. Den tro dessa visão podem-se
considerar como construtivos artistas tão diversos no seu modo fo rmal,
e na maneira como concebem a gênese de sua o b ra, mas l igados por u m
liame de asp i rações tão geral e un ive rsal e por i s s o m e s m o m a i s perene e
válido, como: Kandinsky e Mondrian (os arq u i constru tores da arte mo
derna), Klee, Arp, Tauber-Arp, Schwitters, Malevitch, Calder, Ku pka,
Magnelli, Jacobse n, David Smith, Brancusi, P icasso e B raq u e (no Cubis
mo, q ue aparece como um dos m ovimentos mais i m portantes como fo r
ça constru tiva, q u e gerou m ovimentos como S u prematismo, Neo p lasti
cismo etc.), também Juan Gris, Gabo e Pevs ner, Boccioni (pri ncipalmente
na escu l tura revela-se hoje co m o o a n tecessor do;:; con:;�;ru óvis cas c M =
Bill), M ax B i \ 1 , Baume ister, D o razio, o escultor Etien ne-Marti n ; p ode-se
dizer que Wols foi o "construtor do i ndete r m inado"; Pollock, o constru
tor da " h i pe ração", há os artistas que usam os elementos do m u ndo m i
ne ral para construir (não os do " novo realismo", pois estes, como me fez
ver Mário Ped rosa, não se revelam pela " construção", mas pelo "desloca
mento transposto" dos objetos do m undo físico para o campo da expres
são, enquanto os cons tru tores transfo rmam esses elementos ( ped ra, me
tal) e m eleme ntos p lásticos segundo a sua von tade de o rdem construti
va), e entre nós, mesmo, h á o caso de Jackson Ribei ro; há os que constroem
a cor-movimento como Ti nguely, ou transfo rmam escultura n u m a es
trutura di nâmico-espacial, como Schoffer; Lygia Clark, c uj a experiência
p ictórica contribui decisivamente para a transfo rmação do quadro, p rin-
88 escritos d e arriscas
c i palmence q uando descob re o que chamou "vazio pleno", cria a estrutUI·a
transfonnável (Bichos) pelo movi menro gerado pelo próp rio especrador,
sendo a pioneira de u m a nova es tru tura ligada ao senrido de te mpo, que
n ão só abre um novo campo na escu lrura co mo q u e fu nda u m a nova
fo rma de expressão, o u seF, aquela que se dá n a cransfo rmação estrutu
ral e na d i alogação te mporal do especrador e da obra, n u ma rara u n i ão,
que a coloca no n ível dos grandes c riadores; Louise Nevelson é a consrru
rora dos espaços mudos dos nichos; Yves Klei n, o conscruro r da cor-luz,
q u e ao se des pojar da policromia milenar da p i n tu ra c hegou às Mono
c romias , obras fu ndamen tais na experiência da cor e com as quais Res
rany observou relações com a m i n ha experiência (al iás é p reciso conside
rar q u e o despojamenro do q uadro até c h egar a u m a co r, ou q uase a isso,
verifi ca-se e m vários artis tas, de várias manei ras: em Lygia C lark ( Unida
de) e nas m i n has Invenções com um caráter estru tural, q ue tende ao es pa
ço cri di mension al; em Klein há u m meio-termo en tre a von tade mono
c rô m ica do es paço tridi mensional, e é preciso notar que chegou às fa mo
sas esponjas de cor; já em artis tas como Martin Barré e Hércu les Barsotti
p redomina a tendência que preside a transformação do "espaço b ranco"
que começou com Malevi tch, e se t ransformou no campo de ação fo rmal
com os co n creros, e p u ra ação plena, n a ch egada ao b ranco-luz purifica
dor, p ropondo cam in hos ten tadores para a sua evolução; a posi ção de
Al uízio Carvão se assemelh a à de Klein no que se refn·c à alternância
entre o q uadro e a exp ressão n o es paço, mas diferi ndo p ro fundamen te
como ati tude é tica e teórica - a meu ver tende a uma tactilida.de da cor
quando se lança na fasci nante id é ia de p i n tar tijolos e cubos, chegando
i n tu i tivamente ao sentido de "corpo d a co r", livrando-se da i m pl i cân cia
da es trutura do q u ad ro e c h egando à co r p u ra a q u e aspi rava; em Dora
zio há a p rocura da mzcroestrut�tra-cor através da luminosidade c romática
ligada à fragmen tação micromé trica do plano do q uadro em tex rura; é
p reciso no tar que a l u m i n os idade, o u melhor, o sen tido de cor-luz é geral
nessas experiên cias, i nclusive em Lygia C lark, quando usa o p rero, que aí
n ão é " n egação da luz" mas u m a " l u z escu ra" em conrraponto às l i n h as
luz em b ranco que rege m o plano estru ruralmen te) ; há certo s a rtistas
q u e constroem esculturas q u e se relacionam de cal modo à arq u i tetura
como para se i n tegrarem nela, como André Bloc e Ali n a Slensi nska;
Wi l lys de Castro, que p ropõe um novo sentido de pol icromia nos seus
hélio oiucica 89
"objetos ativos", dentro de problemas de refração da luz que ataca de
ou tro modo em relação ao que já fo i fe i to, p. ex., por Victor Pasmore;
e n fi m, não quero catalogar hi storicamente nem dizer que aqui citei to
dos os construtores, pois falarei somente sobre os que i n teressam de
uma manei ra ou ou tra à transição do quadro para o espaço ou a u ma
nova concepção de estru tu ras no esp aço e no tempo, ou que conseguem
si ntetizar certos problemas que s u rgi ram na evolução da arte mode rna;
h á ainda, p. ex., Ami lcar de Castro, que in tegra polaridades: estru turas
rigorosas a uma matéria i ndeterm i nada, ou mais rece ntemente usa a cor
no sentido esc u l tórico - forma com Lygia Clark e Jacks o n Ri beiro o trio
dos grandes escultores b rasilei ros de vanguarda, tal o sentido altamente
plástico das suas ob ras (cons idero-o o metaescultor b rasileiro, pois si tua
se na fronte i ra onde se encontram escu ltura e cor, rigor e i ndetermi na
ção); que dizer de Auguste Herbin, o grande primi tivo da constru ção,
c ujas teorias de cor revelam-se hoje i m portantes para os que quere m de
se nvolver a poli c romia; e De lau nay, um dos mais puros artistas do sécu
lo, campeão da cor, a quem reverencio comovi damente - co mo não o
considerar u m constru tor, no sen tido mais rigo roso do termo:> (fo i , na
verdade, u m grande construtor da cor, ou melhor, o grande arqu iteto da
cor no nosso século); Fon tana, c riador do Espacialismo, cujas teorias são
importantes n a dialética da transformação do quad ro, acrescidas de uma
rica e mul tiforme experiência: Albers, que desenvolveu o espaço ambiva
lente do q u adro na fase de home nage ns ao quadrado, pela superposição
de planos de cor que poss uem relação fu ndamen tal co m o próprio qua
d rado do quadro, e nas gravuras em preto e b ranco ( Constelações), utiliza
e transpõe para o campo da exp ressão elementos ó r i c o s p i cró ricos desen
volvidos das suas experiências na Bau haus (Klee fo i o primeiro a usar
esses elementos em certa fase de 1 9 30, da qual o q uadro mais i mpo rtan
te é o que possui o título Em suspenso); ainda no problema espaci al-es tru
tu ral, n u m meio-termo en tre quadro e espaço, situam-se as mais novas
experiênc ias do relevo, termo q u e é u sado para u m a diversificação de
obras, tais como as de Agam (relevo cinético), To masello, Kobas hi (Colônia
de relevos), Lardera, Jacobse n, Isobé, Lygia Clark (Contra-relevos e Casr�los),
Oi Teana; Vasarely (cinetismo pictórico), Van to ngerloo são nomes impo r
tantes que me ocorre m ; nos EUA certos p i ntores conseguem realizar s í n
teses i mpor tantes: Willem de Koon i n g si ntetiza p ro ble mas de cor nas
90 escritos de arcÍs[as
suas m agistrais telas, onde a pin cel ada d i reta constrói e estrutura cor e
es paço . No dizer de D o re Ashton, o espaço koo ni ngiano prolo nga-se vi r
tualmente para trás da tela, tal a tendência q u e possui a extravasá-la. As
grandes pinceladas constroem planos amorfos de cor, que se su perpõem
e se i n terpenetram, logrando ass i m s i n tetizar es trutura e cor, espaço e
ação do p i n tar � Mark Rothko, ao con trário de D e Koo n i ng, não tende à
mobilid ade virtu al do espaço pictórico, mas a u m a imobilidade contem
pl ativa, onde a sensi bil i dade afinadíss i m a equ i l i b ra-se com a perturba
dora sensualidade da co r. Enquanto Yves Klei n , p. ex., redu z o q uad ro à
monocromia anu nciando-lhe o fim, Ro thko q uase chega à mon ocromia,
mas não propõe o fi m e s i m j usti fica o sentido do quadro. A pos ição de
Carvão assemel ha-se à de Ro thko, apesar da experiência dos tijolos; mas
a reverência ao q uadro e o sentido de tactil idade da cor os aproximam
bastante. Rothko tende, no e n tanto, à monumentali dade da cor, e o que
o coloca num plano realmente atual é o sentido que dá à cor de " corpo",
de "cor-cor", agi ndo esta na sua máx i m a l u m i nosidade, mesmo nos bai
xos tons. O quad ro é en tão também "corpo da cor". Es paço e estrutura
são subsi diários da von tade de cor, da sua necessi dade de i ncorporação.
M ark Tobey transforma em escritura plástica toda a ação do p i n tor. Cor,
estru tura e espaço se concaten am e se expressam através de uma verda
deira esc ritura, que o ra se apresenta sob fo rma mili métri ca, su bdividin
do a tela e m m i l fragmentos, ora cresce e se transforma em signo de espa
ço. S u pera sempre o que seria o " fu ndo", pois à medida que trabalha, o
qu adro c resce como se fora uma plan ta, e faz a perfe i ta un ião de todas as
suas partes. A meu ver, c hega ao l i m i te da con cepção do q u adro, que
atinge aq u i u ma di men são i n fini ta, incomensurável, e lhe serve para ex
pressar o aro de p i n tar (de colorir e estruturar) n u ma escri tura que não
poss u i nem co meço nem fi m . D i fe re então profu ndamente dos calígra
fos orientais, pois para ele a escritu ra pl ástica é pretexto para estruturar
cor e es paço, enquanto para aq uell's a caligrafia é a maneira de externar
vivências através de impulsos qu ase res p i ratórios, descon h ecendo no seu
processo p ro blemas de ordem i n telectual -conceitual que cos tumam atuar
no Ocidente, e dos quais não foge também Tobey. Apesar da i n fl uê ncia
o riental, sua problemática é pro fu ndamente ociden tal n a sua gênese.
Sua pintura não se caracteriza pela contemplatividade, n ão se co n tenta
na contemp lação ideal, m as é pe rmanen emente solici tação de energias,
h é l i o OltÍ( I L , I 91
móvel dentro da sua rel ativa serenidade, den tro da sua microestrutura,
q uase sempre fo rm igan te. Si ntetiza magistral mente signo e cor, estrutu
ra e espaço, que se confu nde m aq u i co m o p róprio ato de p i n tar. Jackson
Pollock real iza u ma das maiores sínteses da p intura moderna. Se De
Koo n i ng s intetiza problemas de cor, já a co ntribuição de Pollock parte
da estru t u ra. Provoca u m verdadei ro abalo sísmico na p rópria estrutura
do qu adro. É famoso seu p rocesso de trabalho quando entra no q uadro,
estendido no chão, e p in ta den tro do q u adro. Sua pintura, o "aro de p i n
tar", já se dá virtualmente no espaço, q uebrando assim rodo e qualquer
p rivilégio do q uadro de cavalete. A ação é rodo o co meço da gênese
da estru t u ra, da cor e do espaço; é o " p ri ncípio gerador" da pintu ra
pollocki ana. S u a atitude diante dos p roble mas da p i n tu ra o coloca ao
lado de artistas como Kandinsky e Mondrian, pela sua radical i dade com
pleta e pela precisão das s u as i ntenções. Já p ressentia a necessidade de a
cor se expressar no espaço, chegando a considerar caducas as soluções do
q u adro de cavalete. Nele a von tade de síntese j u nta-se à de liberdade de
exp ressão, ou, como o d i z Herberr Read, à vontade de dar expressão dire
ta às sensações j u nta-se a de criar uma p u ra harmon ia. A i nda segundo
Read, e é verdade, essa d i cotomia não só re presenta o caso Pollock como
toda a atmosfera da arte moderna. O p róp rio artista abominava a idéia
de u m a " arte american a", pois os p roblemas bási cos da s u a e ram os da
arte do m u ndo i n teiro. Reduz o q u ad ro ao "campo da h i peração", pri
m e i ra condição para que já seja u ma arte do espaço, da estru tura, da cor,
sendo que o tempo n asce aí da d issonância en tre a ação e o seu campo de
expressão (extensão do q u adro).
É p reciso acentuar que o e lemenro d e sín tese, importantíssimo no
momento p resente, aparece em algu n s desses artistas, mas e m ou tros,
mesmo que construtivos, apenas se insin ua. Há os artistas que realizam
uma síntese geral d e certos movi mentos contemporâneos da exp ressão
plástica; ou tros abrem novos caminhos, mas por isso mesmo ainda não
real izam uma síntese, nem das s uas experiências i n d ividuais, nem dos
cami nhos da arte. O que criam, poré m , é fermento da arte fu tu ra, que
n ada deve ao passado imediato na sua fú ria anti c u l t u ral . Há o u tros, ain
da, que não só p rocu ram criar u ma nova maneira de se expri m i r, mas que
também aspiram a u ma grande síntese que englobe os pensamentos, os
co nceitos e as asp i rações m ai s gerais da arte de h oje. Essa grande síntese
92 escriros de arriscas
pode ser apenas en trevista em cerras arris tas e em cerras movi menros, e
serão sempre os constru rores que melhor a realizarão, pois q u e a é poca
da destruição de sentidos de espaço, estrutura e tempo, relacion ados à
percepção natu ralista nas artes, já passou. De posse de um manancial
riq uíssimo de elemenros plástico-c riativos, q u e se renovam e s u r p reen
dem dia a dia, os artistas que entrevêem um fu turo de sín tese na arte de
agora rej u bilam-se n a sua fai n a cons tru rora, dando a esses elementos es
parsos e m u l ti fo rmes o seu sentido de .forma. O conceito de for ma, aq u i ,
j á poss ui ou tro caráter, p o i s q u e os elementos que a constituem n ã o são
os tradicionais, ligados a u m a concepção analí tica do espaço, do tempo
e da estr u t u ra. A contradição suj e ito-objeto assume ou tra posição nas
relações entre o ho mem e a obra. Essa relação tende a s u p e rar o diálogo
contemplativo entre espectador e o b ra, diálogo em q u e ela se constituía
numa d u alidade: o espectador buscava na " forma ideal", fora de si, o que
lhe em prestasse coerência interior, pela s u a própria "idealidade". A forma
e ra en tão buscada e b u rilada n u m a ânsia de encon trar o e te rno, i n fi n i to
e i m óvel, n o m u n d o dos fenômenos, fin i to e cambiante. O espectador
situava-se então num ponto estático de receptividade, p ara poder iniciar
o estabelecimento de um diálogo, pela contemplação das fo rmas exp res
sivas ideais, com a obra de arte, c uj o u niverso sinté tico e coere n te l he
p rovia a tão buscada ânsia de i n fi n i to . O "quad ro" seria, pois, o s u porte
de exp ressão contemplativa onde o espectador, o homem, real iza a s u a
vontade de síntese e nt re o que é i ndeterminado e m u tável (o m u n do dos
objeros) e a sua aspiração de i n fi n i to, através da transposição i m agética
desses mesmos objetos para o plano das formas ideais. Seria en tão o q u a
dro, a sua concepção e a sua englobação do m u ndo dos objetos, m u ndo
este que, cons tru indo-se no elemen to de polaridade em relação ao sujei
to, ao se transpor para o campo da expressão através de i m agens, liga-se
às for mas ideais intu ídas pelo próp rio sujeira, logrando assi m , pela ace n
tu ação da dualidade sujeito-objeto, a s u a resolução (alternância) . Nesse
século a revolução q u e se verificou no campo da arte está in timamente
ligada às transformações q ue acontecem nessa relação fu ndamental da
existência h u mana. Já não quer o s ujeira (espectador) resolver a sua con
tradição e m relação ao objeto pela p u ra contemplação . Os campos da
sensibil idade e da i n t u ição se alargaram, sua visão do mundo se aguçou ,
tanto na direção d e u ma concepção microcósmica como a d e o u tra ma-
hélio oiricica 93
crocósm ica. CiênCia e psicologia evo l u íram vercigi nosamente , su peran
do a posi ção de alternância que caracterizava o homem cláss ico fre n te ao
m u ndo. Que é e n tão o m u ndo para o artista criador? Como estabelecer
relações com ele? D uas posições bem defi ni das aparecem na resolução
desse p roblema: aqu e la na q u al o artista para criar mergulha no m u n do,
na sua microestrutura, e a sua realidade é determi n ada pelo movi mento
divi n atório microcósm ico d a sua i n t u ição den tro desse m u ndo; a ou tra
na q ual o arrisca não deseja diluir-se e e n trar em có p u la com o m u n do,
mas quer criar esse m u n do, e a sua realidade seria uma super- realidade
baseada no conceito de abso l u to , q u e não exc l u i também u m movi mento
divi n atório, que aqui já possui um caráter macrocó s mico. Tan to numa
quanto n o u tra h á a tendência em superar a "alternância" e n tre aparência
e idéia, q u e se colocam aqui como n íveis de u m mesmo p rocesso d e ntro
da real idade. S e r i a isso a razão p ro fu n d a q ue está p o r trás da fo r m u lação
de Herberc Read, de q u e enquanto a arte a n terior se co nstituía numa
representação, a moderna tende a ser u m a apresentação. Forma é e n tão uma
síntese de e l em e n tos tais como espaço e tempo, estrutu ra e cor, que se
mobilizam reciprocam e n te. Quando u m a esc u l to ra como L}'gia Clark,
p.ex., arcicula triângulos, círculos, secções deste e do quadrado, sua preo
cu pação, e o que faz, é buscar u ma estrutura que se dese nvolva no es paço
e no tempo, sendo q u e a forma é apree n dida na medida em q u e esses e le
mentos e n tram em ação, ligados nesse caso à partici pação do espectador.
Triângulos, círculos e quadrados não são o " fi m fo rmal" dessa escu ltura,
mas elementos q u e criam a esrru tu ra, q u e ao se desenvolve r no espaço e
no tempo se realiza como fo rma. Já um p i n to r como Wols, p.ex., cujos
eleme n tos são totalme n te d i ferentes dos de Clark, asp i ra também à cria
ção de u ma estrutu ra; eis uma declaração sua: "Quantidade e medida já
não são a preocu pação cen tral da matemática e da ciência ... a estrutura
emerge como a chave da n ossa sabedoria e o controle do nosso m u ndo
--- es trutu ra mais do q u e medida q u a n t i tativa e mais do q u e a relação
e n tre causa e e fe i to . " A sua seria u ma m icroesrru tu ra em cuja apreensão
fo rmal e n tram os elemen tos espaço- tempo e cor n u m diálogo e terna
m e n te móvel den tro do q uadro. O conceito de fo rma, pois, toma um sen
tido total m e n te n ovo nas criações contemporâneas, sendo a real ização
fo rmal co nseqüência da criação de u m a estrutura q u e se desenvolve n o
espaço e n o tempo. Esse problema reque r estudo mais lon go e detalhado,
94 escritos d e artistas
que n ão pode ser fei to aq u i, principal m e n te sobre a evolução do q uadro,
e a sua transformação agora p ara u ma arte do espaço e do tempo.
As recons iderações sobre o "sentido de co nstrutividade" e a visão de
uma nova s í n tese nos levam a achar perfe i tamen te ace itável a p roposta
de Mário Pedrosa quanto à de n o m i n ação de "novo construtivismo" para
essas expe riências e de "co nstrutores" para os artistas nelas e m p e n h ados.
Pedrosa é o grande crítico, e e n tre nós o mais auto rizado em relação às
c riações de vanguarda, sendo sua posição a m ais ideal para j u lgá-las, pelo
fato de ser esta n ão-sectária e não-dogmática, fugindo ao mesmo tempo
do ecletismo pelo seu caráter o bj e tivo e coere n te, procurando sempre
um n ível u nive rsal de conside ração para a abo rdagem dos problemas re
lativos à criação artística. Sua visão n o que se refere às novas tendênc ias
é apu radíssi m a e suas idéias propiciam um porv i r mais otimista para a
arte da vanguarda e m geral. Por q u e ser pessi mista, como o fazem m u i
tos, diante dos teste m u n h os desses artistas? Não s ão eles s o m e n te re p re
sentantes da grande arte deste século, ou grandes mdividualistas, m as
abrem os cam i nhos m ais posi tivos e variados a q u e aspira toda a s e nsibi
l i dade do h o m e m moderno, ou seja, os de transformar a p rópria vivên
cia existencial, o próprio cotid iano, e m expressão, u ma aspiração q u e se
poderia chamar de mágica tal a transmu tação q u e visa operar no modo
de ser h u m ano, e da qual estão por certo afastadas quaisq u e r teo rias de
ordem naturalis ta.
h élio oiticica 95
Donald J udd
Objetos específicos
96
S m i t h so n , M e l Boch n er, D a n cente aos novos trabalhos é livrar-se de tais
Flavi n e outros. O corpus de s e u s
formas. O uso das três d i mensões é uma al
escritos, Complete Writings 7 975-
7 9 86, Fo i editado em 1 98 7 pelo
ternativa óbvia. Abre espaço para q ualquer
Sted e l ij k Va n A b b e m u seu m , de co isa. M u t tas das razões para esse uso são
Ei n d h ove n , e reu n i d o em 1 9 9 1 negativas, de reação à pintura e à esculw ra,
em Ecrits 7 963 - 7 990 ( Paris, D a n i e l
e já que am bas são fo mes comuns, as razões
Le l o n g ) . N o s a n o s 80 J u dd
transForma u m a n tigo forte m i l i ta r negativas são aque las mais próximas do sen
n a Fo ndation C h 1 n ati , em Marfa , so com u m. "O motivo para mudar é sempre
no Texas, e m centro perma n e n te algum desconfor to: nada que nos instigue à
de exposição d e tra b a l hos seus
mudança de estado, o u a qu alquer ação nova,
e d e ou tros artistas, q u e até hoje
podem ser visitados. mas algum desconforto." As razões positivas
são mais particulares. Uma outra razão para
" O bj etos específ1cos",
c o n s i d erado o " m a n i festo" l istar as i nsufíciências da pintu ra e da esculw
teórico d o m i n i m a l i s m o , fo i ra an tes de qualquer outra coisa é que ambas
escrito, segu ndo o artista, em são familiares e seus elementos e qualidades
1 9 6 3 . Nesse texto J udd afi rm a
mais facilmente localizados.
q u e a ca racterística esse n c i a l
da pro d u ção dos jovens arti stas As objeções à pintura e à escu ltura soarão
de sua geração é o tra b a l ho mais intoleran tes do que são . Há c1ualifíoç0es.
tri d i mensional, i nscrito no espaço
O desinteresse pela pintura r: f.'ela escultura é
rea l , a n t i i l u s i o n ista e a n tigestual
Estruturas nas quais cor, forma e
um desinteresse por fazê-las de nuvo, não por
s u perfície estão integradas, c ri a n d o elas do modo como tê m sido feitas por aqueles
o que ele chamará de u n i dades, que dese nvolveram as recen tes e avançadas ver
singles o u wholeness: coi sas em s i ,
sões. Um novo trabal ho sempre envolve obje
que s ó remetem a si mesmas,
como seus tra b a l h o s expostos em ções ao velho, mas essas objeções só são ver
s u a primeira i n d ivid u a l na Green dadeiramente relevantes para o novo. São par
G a l l ery, em deze m b ro d e 1 9 63. te dele. Se o trabalho anterior é de pri m ei ra
Qu estões q u e estarão no cen tro
linha ele é completo. Novas in consistências
das p o l ê m icas suscitadas por
Clement Greenberg em " Recentness e limi tações não são retroativas; elas concer
o f the scu l pture" ( 1 967) e no nem u n icam e n te ao trabalho que está sendo
célebre texto de M i chael Fried "Art desenvolvido. Obviamente, o trabalho tridi
and objecth ood" ( 1 967, trad uzido
mensio nal n ão sucederá de maneira clara à
em Arte&Ensaios 9, 2002)
pin wra e à escultura. Não é como um mo
vi mento; de q ualquer modo, movi mentos já
"Specific objects" Texto p u b l i cado
n ão fu ncio nam mais; além disso, a h istória
origi n a l mente em Arts Yearbook 8
( 1 9 6 5 ) , com n u m erosas li near de algu m modo se desfez. O novo tra
reed ições. bal h o s u pera a pi n wra com plena potência,
donald judd 97
mas a potência não é a ú n ica consideração, embora a d i ferença en tre ela e
a expressão também não possa ser tão grande. Há ou tros cam i n h os além
da potência e da fo rma pelos quais u m tipo de arte pode ser mais, o u me
n os, do que o u tro. Fi nal mente, u ma superfície plana e retangu lar é m u i to
cômoda e conveniente para ser abandonada. Algumas coi sas só podem ser
feitas em uma supe rfície p lana. A representação de u ma represen tação por
Lich tenstein é um bom exemplo. Mas esse trabal ho, que não é nem pin
tura nem escu ltura, desafia am bas. Ele terá de ser levado em consideração
por novos artistas. Provavelmente mudará a pintura e a escu ltura.
O principal defeito da pintura é que ela é um plano retangular chapa
do contra a parede. Um retângulo é uma forma [shape] em si mesma; ele é,
obviamente, a forma [shape] total; determina e li mita o arranjo de quaisquer
coisas que estejam sobre o u dentro dele. Nos trabalhos anteriores a 1946, as
bordas do retângu lo são u ma fro nteira, são o fim do quad ro. A composição
deve reagir às bordas e o retângu lo deve ser unificado, mas a forma [shape]
do retângulo não é acentuada; as partes são mais imponantes, e as relações
de cor e fo rma se dão entre elas. Nas pinturas de Pollock, Rothko, Still e
Newman, e mais recentemente nas de Rei nhardt e Noland, o retângulo é
enfatizado. Os elementos dentro do retângulo são amplos e simples e cor
respondem i ntimamente ao retângulo. As formas [shapes] e a superfície são
apenas aquelas que podem ocorrer plausivelme nte dentro de ou sobre u m
plano retangu lar. A s partes são poucas e tão subordinadas à unidade que
não são partes em u m sentido o rdi nário. Uma pintura é quase uma enti
dade, uma coisa, e não a i ndefinível soma de u m grupo de entidades e refe
rências. A coisa una ultrapassa em potência a pintura anterior. Ela também
estabelece o retângulo como uma forma definida; ele já não é mais u m limite
com pletamente neutro. Uma forma só pode ser usada de tantas manei ras.
Ao plano retangular é dado um tempo de vida. A simplicidade exigida para
que se enfatize o retângulo limita os possíveis arranjos dentro dele. O senso
de u nicidade também tem uma d uração l i mi tada, mas está apenas come
çando e tem mais futuro fora da pi ntura. A sua ocorrência na pi ntura agora
parece um começo, no qual formas novas são freqüentemente retiradas de
esquemas e materiais anteriores.
O plano tam bém é enfatizado e quase simples [single] . Ele é claramente
um plano à frente de outro plano - a parede - a uma distância de uma ou
d uas polegadas, e paralelo a esta. A relação en tre os dois planos é específica;
98 escritos de artistas
é u ma fo rma. Tudo o que esteja sobre ou ligeiramente dentro do plano da
pintura deve ser arranjado lateralmente.
Quase todas as pinturas são, de u m modo o u de o utro, espaciais. As
pinturas azuis de Yves Klein são as únicas que são não-espaciais, e há al
gumas poucas q uase não-espaciais, sob retudo as de Stella. É possível que
pouca coisa possa ser feita com u m plano retangular vertical e com u ma
ausência de espaço. Qualquer coisa sobre u ma su perfície tem espaço por
trás dela. Duas cores sobre a mesma superfície quase sem p re encon tram-se
em diferentes profundidades. Uma co r uniforme, especi almente em tinta a
óleo, cobrindo toda ou grande parte de u ma pintu ra, é quase sempre tanto
p lana qu anto i n fi n i tamente espacial. O espaço é raso em todo trabalho no
qual o plano re tangular é enfatizado. O espaço de Ro thko é raso e os sua
ves retângulos são paralelos ao plano, mas o espaço é quase tradicional
mente i l usionista. Nas pinturas de Reinhard t, logo atrás do plano da tela,
há um plano chapado [flat plane], e isto por sua vez parece indefin idamente
profundo. A pintu ra de Pollock está obviamente sobre a tela e o espaço
é sobretudo aquele criado por quaisquer marcas sobre uma supe rfície,
de modo que não é muito descri tivo e il usionista. As faixas concên tri cas
de Noland não são tão especificamen te ti nta-sobre-uma-superfície quanto
a pintura de Pollock, mas as faixas tornam mais p lano o espaço l i teral. Por
mais planares e não-ilusionistas que sejam as pinturas de No land, as fai xas
de fato avançam e rec uam. Até mesmo um ú n ico círculo torcerá a superfí
cie em sua di reção, terá um pequeno espaço por trás dele.
Exceto por u m completo e invariável campo de cor ou de marcas,
qualquer coisa localizada em um retângulo e sobre um plano sugere algo
sobre e dentro de o u tra coisa, algo à sua vol ta, o que por sua vez sugere u m
objeto o u figura em s e u espaço, sendo esses o s exemplos mais n ítidos d e
u m mu ndo similar - esse é o princi pal p ropósito da pintu ra. A s pinturas
recentes não são completamente si mples [singles] . Há algumas áreas do
minan tes, os retângulos de Rothko ou os círcu los de Noland, e há a área
em volta deles. Há um afas tamento entre as fo rmas princi pais, as partes
mais expressivas e o resto da tela, o plano e o retângu lo. As formas cen trais
ainda ocorrem em um contexto mais amplo e indefinido, embora a unici
dade das pinturas reduza a natureza geral e soli psista do trabalho anterior.
Campos também são geralmente ilimitados, e têm a aparência de seções
co rtadas de algo indefinidamente m aior.
donald J U d d 99
A tinta a óleo e a tela não têm a mesma força que as ti ntas comerciais
e as cores e s uperfícies dos materiais, especialmente se os materiais são usa
dos em três dimensões. Ó leo e tela são fami liares e, ass1m como o plano
retangular, poss uem uma certa qualidade e possuem limites. Tal qualidade
é especialmente identificada com a arte.
Os n ovos trabalhos o bviamente assemel ham-se mais à es cultura do
que à p i n t u ra, poré m estão mais próximos da p i n t u ra. A maior parte das
esculturas é como a p i n tu ra que an tecedeu Pollock, Rot h ko, Still e New
m an. A sua maior novidade é a larga escala. Seus materiais são de certa
fo rma mais enfatizados do que antes. O conj unto de i m agens fimagery]
e nvolve algumas notáveis semelhanças c o m o u tras coisas visíveis e mui
tas o u tras referências mais oblíquas, tudo generalizado para se tornar
compatível. As partes e o espaço são alusivos, descritivos e de certa fo rma
n aturalistas . A escultura de H iggi ns é um exemplo e, dife rentemente, a
de Di S uvero também. A esc u l t u ra de Higgins sugere sobretudo máqui
nas e corpos truncados. Sua combi nação de gesso e metal é mais específi
ca. D i Suvero utiliza v igas de ferro como se fossem p i nceladas, i m i tando
o m ovime nto, como fez Klin e. O m aterial n u nca possui seu p ró prio mo
vimento . Uma v iga se lança com ímpeto, u m pedaço de fe rro segue um
gesto; j u n tos, eles fo rmam uma i magem natu ral ista e antropomó rfica. O
espaço corres ponde.
A maioria das esculturas é fei ta parte por parte, por adição, composta. As
principais partes permanecem consideravelmente discretas. Estas e as partes
menores formam uma coleção de variações, indo do frágil ao grande. Há en
tre elas hierarquias de claridade e de fo rça, e de proximidade a uma ou duas
idéias principais. Madeira e metal são os materiais mais usuais, tanto sozi
nhos quanto JUntos, e se utilizados JUntos é sem muito contraste. Raramente
há alguma cor. O pouco contraste e a natural monocromia são gerais e aju
dam a unificar as partes.
Há m u i to pouco dessas coisas nos novos trabal hos trid imensionais.
Até agora a mais óbvia dife rença dentre os diversos trabal hos desse con
j u n to é entre aquilo que é de cerra forma um obj eto, u m a coisa simples
[single], e aq uilo que é aberto e em extensão, m ai s ou menos ambient al.
No e n tanto, não há uma d i fere nça tão grande e n tre suas natu rezas q uan
to há entre suas aparências . Oldenburg e o u tros fizeram ambos. Há p re
cedentes para algumas das caracte rísticas dos n ovos trabalhos. Na escul-
1 00 escntos d e artistas
tu ra de Arp as partes são usualmente subordi nadas, e não separadas, e
freqüentemente na de B rancusi também. Os readymades de Duchamp
e o u tros o bjetos dadá também são vistos de u m a só vez e não parte por
parte. As caixas de Cornell têm partes em demasia para parecerem es
truturadas à pri meira vista. U m a es trutura parte-por-parte não pode
ser muito s i mp les nem muito complicada. Ela deve parecer o rd enada. O
grau de abstração de Arp, a extensão moderada de sua referência ao cor
po h u mano, n e m i mi tativa nem muito oblíqua, é diferente do conj u nto
de i magens [imagery] da maio ria dos n ovos trabalhos tridimensio nais.
O po rra-garrafas de D uchamp é próx i m o de algu ns deles. O trabalho de
Johns e Rauschenberg, as assemblages e o baixo-rel evo de for ma geral - os
relevos de Ortman, por exe mplo - são p relimi nares. Os poucos objetos
fei tos a partir de moldes [cast objects] de Joh ns e algu ns dos trabalhos de
Ra uschenberg, tais como a cabra com o pneu, s ão começos.
Algumas p in tu ras européias guardam relações com o bjetos, como as
de Klein, por exemplo, e as de Castellani, que têm campos i nvariáveis de
elementos em baixo-relevo . Arman e alguns o utros trabalham em três di
me nsões. Oick Smith fez alguns grandes trabalhos em Lond res com telas
esticadas sobre mold u ras em forma de paralelepípedos to rtos e com as su
perfícies pintadas como se fossem pin turas. P h i l i p King, também em Lon
dres, parece estar fazendo objetos. Alguns dos trabalhos da costa Oeste
[dos EUA] parece seguir essa l i nha - os de Larry Bell, Kenneth Price, Tony
Delap, Sven Lukin, Bruce Conner, Kienholz, é claro, e o utros. Alguns dos
trabalhos de Nova York que possuem algo ou m ui to dessas características
são os de George Brecht, Ronald Bladen, John Willenbecher, Ral p h Or
tiz, Anne Tru i tt, Paul Harris, Barry M cOowell, John C hambe rlai n, Roberr
Tanner, Aaron Kuriloff, Robert M orris, Nathan Raisen, To ny Smith, Ri
chard Navi n, Claes Oldenburg, Robert Watts, Yoshimura, John Ande rson,
Harry Soviak, Yayoi Kusama, Frank Stella, Salvatore Scarpitta, Neil Wil
liams, Geo rge Sega!, Michae l Snow, Richard Arrschwager, Arakawa, Lucas
Samaras, Lee Bontecou, Dan Flavin e Ro bert Whitman. H.C. Wes termann
trabalha em Connecticur. Alguns d esses artistas fazem tanto trabalhos
tridimensionais quanto pinturas. Uma pequena parte da produção de ou
tros, Wa rhol e Rosenquist, por exemplo, é tridi mensional.
A com posição e o conjunto de imagens [imagery] do trabalho de Cham
berlain são essencialmente as mesmas que as da pintura anterior, mas estas
donald judd 1 01
são secundárias em relação a uma aparência de desordem e estão a princípio
escondidas pelo material. O metal amassado tende a ficar desse jeito. É neu
tro a p rin cípio, não artístico, e depois parece ser objetivo. Quando a estru
tura e a i magem tornam-se aparentes, parece have r metal e espaço demais,
mais acaso e co ntingência do que ordem. Os aspectos de neutralidade, de
redundância e de forma e imagem não poderiam ser coextensivos sem as três
dime nsões e sem o material específico. A cor também é tanto neu tra quan to
sensível e, ao contrário das cores da tinta a óleo, possui u ma grande am
plitude. A maioria das cores que são i n tegrais, diferentemente da pintura,
tem sido usada no trabal ho tridimensional. A cor n unca é sem im portância,
como ocorre geralmente na escu ltura.
As shaped paintings de Stella compo rtam d ive rsas caracte rísticas im
portantes do trabalho tridimensional. A peri feria do trabalho e a s linhas
inter nas correspondem-se. As li stras nu nca estão perto de serem partes
discrews. A s u perfície está mais longe da parede do que o no rmal, em
bora permaneça paralela à mesma. Já q u e a supe rfície está exce pcional
mente u n i fi cada e envolve pouco ou nenhum espaço, o plano paralelo
é incomumente disti nto . A ordem não é racionalista e prioritária, mas
é s i m plesmente ordem, como a de co ntinu idade, u ma coisa depois da
ou tra. Uma p i ntura n ão é uma i magem. As fo rmas [shapes] , a u n i dade, a
p rojeção, a ordem e a co r são es pecíficas, enfáticas e poten tes.
Pintura e esc ultura tornaram-se fo rmas estabeleci das. Boa parte do
seu signi ficado não é convi ncen te. O uso de três dimensões não é o uso de
uma fo rma dada. Ainda não houve tempo e trabalh o suficientes para ver
seus limites. Até agora, consideradas mais amplamente, as três dimensões
são principalmen te um espaço para mover-se. As característi cas das três
dimensões são aquelas de apenas um peq ueno n úmero de trabal hos, mui
to pouco se co mparado à pintura e à escultu ra. Alguns dos aspectos mais
gerais podem persisti r, por exemplo o trabalho ser como um objeto ou ser
específico, mas ou tras caracte rísticas estão p restes a se desenvolver. Por seu
alcance ser tão vasto, o trabalho tridimensional provavelmente se dividirá
em um sem-número de fo rmas. De qualquer maneira, será mais amplo que
a pi ntura e ainda mais amplo que a escultu ra, a qual, com parada à pintura,
é extremamente particular, mu i to mais próxima daq uilo que é geralmente
chamado de uma forma, ou tendo um certo tipo de forma. Porque a natu
reza das três dimensões não está estabelecida, dada de antemão, algo con-
1 02 escriros de artistas
vincente pode ser feito, quase qualquer coisa. É claro que algo pode ser feito
dentro de u ma forma dada, tal como a pintura, porém com certa estreiteza e
menos força e variação.Já que a escultura não é uma forma cão geral, ela p ro
vavelmente só pode ser aquilo que é hoje - o que significa que, se ela m udar
bastante, tornar-se-á ou tra coisa; de modo que está acabada.
Três dimensões são o es p aço real. Esse faro elimina o p roblema do
il usionismo e do espaço l i teral, o espaço den tro e em torno das m arcas
e das cores - o que sign i fica libe rtar-se de u m a das mais sign ificativas e
contes táveis rel í q u ias da arte e u ro péia. Os diversos l i m 1 tes da pintura j á
n ã o estão mais presentes. U m trabalho pode ser tão potente q u anto e m
pensame n to . O espaço real é i n trinsecamente m ais potente e específico
do que p i n tura sobre uma s u perfície plana. O bviamente, q u alquer coisa
e m três di mensões pode ter q u alquer fo rma, regu lar ou I rregular, e pode
ter qualquer relação com a parede, o chão, o teto, a sala, as salas e o ex
terior, ou absolutamente n e n h uma. Qualquer material pode ser usado,
como é ou pint ado.
U m trabal h o só precisa ser i n re ressante. A maioria dos trabalhos
defini tivamente poss u i uma q ualidade única. Na arte ma1s annga a
comp lexidade era exibida e construía a q u al idade. Na p i n t u ra recen te
a co mplexidade e n con trava-se no fo rmato e nas po ucas fo rmas princi
pais, q u e h aviam sido fei ras de acordo com vários in reresses e problemas.
U m a pintura de Newman, fin almenre, não é mais simples do q u e u ma de
Cézan ne. No trabal h o tridimensional, a coisa roda é feita segundo p ro
pósitos complexos, e esses não estão dis persos, mas são afirmados por
u m a fo rma ú n ica. Não é necessário para u m trabalho ter u m monte de
coisas para ol h ar, para comparar, para anal isar u m a por u ma, p ara con
templar. A coisa como um todo, sua q u al id ade como u m rodo, é o que é
in teressante. As coi sas princi pais estão sozi n has e são mais in tensas, cla
ras e poten tes. Elas n ão são d i l u ídas por u m formato h e rdado, variações
de uma forma, contrastes b randos e partes e áreas para conectar. A arte
e u ropéia tinha de represen tar um espaço e seus conteúdos, assim como
ter u n id ade s u fi ci e n te e i n teresse estético. A p i n t u ra abstrata anterior a
1 946 e m u i to da pin rura subse q üe n te man teve a subordinação represen
taci o nal do todo às s u as partes. A escultura ai nda o faz. Nos n ovos tra
balhos a forma [shape] , a imagem, a cor e a superfície são u n as, e não p ar
ciais e dispersas. Não h á áreas ou partes neutras nem moderadas, não h á
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co nexões o u áreas de transição. A diferença en tre os novos trabalhos e a
pintu ra anterior e a atu al escu l r u ra é como a dife rença enrre u m a d as ja
ne las de Brunel leschi na Badia di Fiesole e a fachada do Palazzo Rucellai
[Aiberri] , que como um rodo é apenas u m retângulo não- desenvo lvido e
por diante. Eles são específicos. Se u sados d i retamen te, são ainda mais
especificos. Além disso. são geralmente e n fáticos. Há uma obje tividade
na in exo rável identidade de um material. Também, é claro, a qual idade
dos materiais - rigidez [har·d mass] , maleabilidade [sofr mass] , espessura
de 1/32, 1 / 1 6, 1 /8 de polegada, flexibilidade, maciez, translu cidez, o paci
dade - tem usos n ão objetivos. O vinil dos ob;e tos m acios [soft objects] de
Oldenburg parece o mesmo de sempre, l iso, flácido e um pouco desagra
dável, e é obje tivo , mas é flexível e pode ser costu rado e enchido de ar e lã
de seda e pendurado o u p o usado sobre algo, dobrando ou desmoronan
do. A maior parte dos novos m ateriais não é tão acessível quanto o óleo
sobre tela e é d i fícil associá-los uns aos ou tros. Eles não se iden tificam
de maneira óbvia com a arte. A fo rma de u m trabalh o e seus materiais
estão intimamente relacionados. Nos trabalhos anteriores a estrurura e
a i m agem e ram execu tadas em algum material neu tro e ho mogêneo. J á
q u e poucas coisas são massas indefin idas, h á proble m as em co mbinar
d i fe ren tes s u perfícies e cores e e m relacionar as panes de modo a não
enfraquecer a unidade.
O trabalho tridimensi onal ge ral mente não envolve um conju nro de
image n s [imagery] antro pomó rficas co muns. Se há u ma referência, ela é
simples [single1 e explícita. E m rodo caso, os principais interesses são ób-
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vios. Cada u m dos relevos de Bontecou é u ma i magem . A imagem, todas
as partes e toda a fo rma [shape] são coextensivos. As partes são ou parte da
cavidade ou parte do relevo que forma a cavidade. A cavidade e o relevo são
apenas duas co isas que, afinal, são a mesma coisa. As partes e divisões são o u
radiais ou concên tricas e m relação à cavidade, levando para den tro e para
fo ra e delimitando. As partes rad iais e concêntricas encon tram-se mais o u
menos em ângu lo reto e , e m deralhe, são estruturas no sen tido an tigo,
m as coletivamente são subordinadas à fo rma simples. A maior parte dos
novos trabal hos não tem estru tura no sentido usual, especi almente os de
Oldenb u rg e Srella. O trabalh o de Chamberlain envolve composição A
natureza da imagem simples de Bontecou não é tão d i fere nte da natu reza
das i magens que existiam em pequena escala na pintura semi-ab s trata. A
1mage m é basicamente simples e emotiva, o que por si só não lembraria
tanto a velha I m agética, po rém fo ram acrescen tadas a ela referênc ias ex
ternas e i n ternas, rais como vi olência e guerra. O s acrésci mos são de certo
modo pictóricos, mas a imagem é essencialmente nova e surpreendente;
uma imagem nu nca an tes fo ra a totalidade da o bra, n u nca fora rão gran
de, explícita e e n fática. O o rificio pro tegido é como um o bjeto estranho e
perigoso . A q u a l i d ade é i mensa, esrri ta e o bsess1va. O b arco e a mobília que
Kusama cobriu de protuberâncias b rancas assoc iam m tensidade e obses
são e são também objetos estranhos. Kusama se m reressa pela re p eti ção
obsessiva, o que é um interesse ú nico. As p i n t u ras azu is de Yves Klein são
também estri tas e i n tensas.
Á rvores, figuras, comida ou mobília e m uma pin tura rérn urna forma
[shape] o u conrê m formas [shapesl que são emocionais . OI icn b u rg levo u
ao extremo seu antropomorfismo e trans formo u a forma emocio nal, que
com ele é pri mária e biopsico lógica, no mesmo que a forma de um o bjeto,
c com estardalhaço su bverteu a idéia da fhcc.cnça n;u u ral de q u alidades
h u manas em rodas as coisas. E além disso Olden b u rg evi ta árvores e pes
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de casa e especialmen te na mobília do quarto,· o nde a escolha é flagran te .
Oldenburg exagera a fo rma escolhida o u aceita e transfo rma-a em algo
que l h e é pró p rio. Nada que é fei to é i n te i ramente objetivo, p u ramente
p rático ou meramen te prese n te. Olde n b u rg é bem-sucedido sem nada do
que o rdi nariamente seria chamado de estru tura. A bola e o cone da grande
casquinha de sorvete· · são suficientes. A coisa toda é uma forma profu nda,
tal como oco rre às vezes na arte primi tiva. Três camadas expressas com a
menor por cima são suficientes. Ass im é uma tomada elétrica mole da co r
de um flami ngo pendurada em dois pon tos. Uma fo rma s t mples e uma ou
duas cores são consideradas menores pelos padrões an tigos. Se as mudan
ças da arte forem comparadas com o passado, parece haver sempre uma
redução, Já que apenas velhos atributOs são considerados, e estes existem
sempre em menor quantidade. Mas obviamente coisas novas são mais, tal
como as técnicas e materiais de Oldenburg. Olde n b u rg precisa de três dt
mensões para simular e au mentar u m obJetO real e para equipará-lo a uma
forma emocional. Se u m hambúrguer fosse pintado, reteria algo do an tro
pomorfismo tradi cional. George B recht e Ro bert Morris util i zam objetos
reais e dependem do co n hecimento que o es pectador tem de tais objetos.
1 06 escriros de artistas
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