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In:
Marchesan IQ, Bolaffi C, Gomes ICD, Zorzi JL. (Org.) Tópicos em Fonoaudiologia. São Paulo:
Lovise;1994. p.83 -111
Bem esse último passo, evidentemente não estava incluído no caderninho, nem nos
livros e sequer nas apostilas. Mas era o que mais ocorria, pois os exercícios, muitas vezes,
apesar de serem apreendidos pelo paciente, quase nunca eram automatizados.
Freqüentemente, apesar de seguirmos religiosamente a tal lista, os pacientes não
conseguiam, fora do momento do exercício, respirar pelo nariz, colocar a língua na papila,
engolir sem projetar a língua sobre os dentes, mastigar de boca fechada, etc.
Intrigantemente ainda hoje, ortodontistas e cirurgiões dentistas nos procuram para
obter esta lista “meio mágica” que, aparentemente, reeducará as funções e evitará as
recidivas.
Interessante! Se “cada caso é um caso”, como a terapia pode ser igual para todos?
Reflexões Sobre:
Após observarmos a inadequação deste tipo de terapia veio a parte complicada: O que
fazer?
Em primeiro lugar, o trabalho é de fato conjunto ou o paciente é apenas o mesmo para
ambos os profissionais?
Em segundo lugar, um profissional conhece o que o outro faz?
Conhece de fato ou apenas supõe conhecer?
Nós, fonoaudiólogos, iniciamos uma árdua luta para saber o que cada linha da
ortodontia propõe, além de iniciarmos estudos sobre crescimento crânio-facial e suas
variações.
Com isto, temos observado que é necessário um diagnóstico mais preciso de nossa
parte para saber se aquele é ou não um caso para ser trabalhado pela fonoaudiologia. Por
exemplo, sabe-se que não se deve encaminhar um respirador oral com hipertrofia das tonsilas
e/ou cornetos para o fonoaudiólogo transformar em respirador nasal.
Mas, por outro lado, chegam pacientes Classe II, divisão 1ª, Classe III, ou mordidas
abertas esqueletais para se posicionar lábios e língua além de instalar as funções de maneira
correta, principalmente a deglutição, que sempre vem diagnosticada como atípica. Como se o
fonoaudiólogo sozinho pudesse tornar isso possível.
Outras perguntas freqüentes: seria de fato importante todo paciente, em
acompanhamento dentário, sofrer a intervenção do fonoaudiólogo? Em que momento: antes,
durante ou depois deste acompanhamento? Os pacientes adultos conseguem estabilizar um
novo padrão muscular? E as crianças, devem ou não ter consciência do trabalho que está
sendo desenvolvido com elas? Os pais devem participar ou não das terapias?
Bem, levantar questões é fácil, pois elas são inúmeras e em geral com muitas
respostas. Respostas, muitas vezes, divergentes. Quem deve dar as respostas:
fonoaudiólogos ou profissionais ligados à saúde oral sejam eles cirurgiões dentistas,
ortodontistas ou ortopedistas funcionais dos maxilares?
Ao invés de apresentar uma nova e miraculosa terapia (igual para todos), vamos
discutir possibilidades de trabalho tendo em vista as características das alterações que cada
paciente apresenta:
Bem poderíamos começar novamente com uma série de perguntas: idade do paciente,
tipo de mordida cruzada, época em que ocorreu e assim por diante.
Em qualquer caso, inúmeras perguntas deverão ser feitas para os profissionais
corretos, pois não é o fonoaudiólogo que saberá se esta mordida cruzada é óssea ou
dentária, por exemplo, e se já está ou não no momento correto de descruzar. No entanto,
se o fonoaudiólogo não for informado da situação real, fica praticamente impossível o
trabalho. Afinal, todos sabem que a mastigação, de uma maneira geral, estará ocorrendo
do lado cruzado já que este tem a dimensão vertical diminuída e não faz o balanceio, uma
vez que está travada pela maxila.
Os músculos também estarão alterados. O masseter, do lado do balanceio, estará
estirado e mais fraco e, o do lado do trabalho, menor e mais forte o que, em geral provoca
uma assimetria facial.
Assimetrias ósseas também podem estar ocorrendo ou já terem ocorrido. Quando
ocorre uma mordida cruzada a maxila, do lado do trabalho, tem seu crescimento para
dentro e para baixo. O palato estará atresiado dificultando o correto posicionamento da
língua.
Se não houver o descruze, a mastigação não vai se estabelecer de forma adequada.
Havendo o descruze, tanto esta mastigação pode mudar e se estabelecer de forma
favorável, como pode permanecer a memória da mastigação unilateral, levando
novamente a um cruzamento.
Como saber o que vai ocorrer? Além do paciente e sua família serem orientados, a
observação do profissional é fundamental.
O fonoaudiólogo pode entrar no final ou no meio da correção da oclusão, ajudando a
estabelecer esta e outras funções alteradas.
O vínculo do fonoaudiólogo com o paciente, de uma maneira geral, é maior pelo fato de
as terapias serem semanais e o tratamento incluir várias sessões de conscientização
sobre quais são e como funciona cada uma das funções orais.
Sabendo que alterações de uma dessas funções tende a atingir as outras pela própria
proximidade e pelo fato dos músculos se alternarem no cumprimento de tais funções, há
necessidade de se trabalhar prioritariamente com o aspecto mais alterado sem descuidar
da orientação e trabalho com as demais funções.
Classe II
Os indivíduos Classe III têm, de uma maneira geral, a língua apoiada no arco inferior,
uma vez que este é maior.
O arco inferior não só é maior em largura, como, quase sempre, é bastante profundo. A
língua permanecendo neste local, em geral, apresenta-se larga e, muitas vezes, mais alta
do que o normal, o que dificulta ainda mais o posicionamento no arco superior, mais
estreito. Observo grandes diferenças, no trabalho mioterápico entre Classe III – face longa
e Classe III – face curta, ficando evidente que as faces curtas são muito mais fáceis de
serem tratadas já que a musculatura é, geneticamente, mais firme.
Não acredito no trabalho fonoaudiológico isolado do trabalho ortodôntico, em Classe III.
Os melhores resultados para esta classe, em adultos, são os de cirurgias ortognáticas.
Bons resultados também ocorrem quando o indivíduo é acompanhado desde pequeno
com ortodontia interceptadora ou ortopedia funcional dos maxilares.
Com os indivíduos Classe III, acho fundamental o trabalho preventivo, seja ele
fonoaudiológico e/ou ortodôntico/ortopédico. Esse trabalho deverá ser acompanhado de
orientações sistemáticas para os pais que também devem participar ativamente da
orientação das funções de mastigar e respirar corretamente além de orientar seus filhos
com relação à postura adequada de lábios e língua.
Dolicofaciais
Os pacientes com esta característica facial são os que mais chegam aos nossos
consultórios, independentemente da oclusão que apresentem.
Os músculos de uma maneira geral, são hipotônicos e, quase sempre, tais pacientes,
são respiradores orais. O terço inferior, sendo mais longo, dificulta enormemente a oclusão
labial e mesmo o posicionamento da língua a qual acaba ficando muito distante do palato
duro.
Também nestes casos, assim como na Classe III, acredito muito mais no trabalho
preventivo do que no corretivo. Sabemos que a correção dentária não vai levar a correção
da forma óssea e o final do trabalho nem sempre é satisfatório para o paciente. O
fonoaudiólogo tem cooperado enormemente com o trabalho preventivo, estabelecendo a
respiração nasal e o fortalecimento da musculatura elevadora da mandíbula através da
mastigação correta. O posicionamento da cabeça também tem sido alvo dos nossos
objetivos já que a língua pode se posicionar mais ou menos anteriorizada, dependendo da
inclinação do pescoço.
Os dolicofaciais merecem acompanhamento e orientações sistemáticas durante todo o
seu crescimento e desenvolvimento crânio-facial. Este acompanhamento não significa
obrigatoriamente, terapia formal.
Braquifaciais
Posição da Cabeça
Este é outro aspecto que muito tem nos preocupado pois observamos que, se não há
equilíbrio adequado da cabeça sobre o tronco, pode haver incentivo de crescimento
anômalo das bases ósseas. Dependendo da posição do pescoço, a língua também
tenderá a se posicionar mais para frente ou para trás, colaborando com o crescimento
inadequado.
Quando a língua sai do arco superior, ela leva a laringe junto, o que tende a provocar,
também um problema vocal. Associada às posições inadequadas de cabeça, é possível
observar ainda lordoses, escolioses ou cifoses.
Os indivíduos Classe III, em nossa observação clínica, tendem a manter a cabeça mais
baixa, ao contrário dos indivíduos Classe II que elevam a cabeça estirando o pescoço.
Acreditamos que isso ocorra pelo tamanho da mandíbula.
No primeiro caso, há uma tentativa, em geral inconsciente, de esconder o “queixo
grande” e, no segundo, de aumentar o “queixo pequeno”.
Observações sobre a audição e a visão também deve ser realizadas.
Sujeitos com perdas auditivas unilaterais, voltam o ouvido bom para o falante o que
acaba levando a uma postura inadequada do pescoço.
No estrabismo também há a mudança da posição da cabeça para enxergar melhor.
Todo trabalho, qualquer que seja a alteração, deve sempre começar com o correto
posicionamento do tronco e da cabeça, assim como com a instalação da respiração nasal.
Respiração Oral
a) Língua com o dorso elevado e a ponta baixa, inibe o crescimento mandibular e estimula
o crescimento da parte anterior da maxila, podendo levar a uma Classe II. Este
posicionamento da língua pode causar ceceio lateral pelo estreitamento criado entre o
palato e o dorso da língua, dificultando a saída do ar.
b) Língua totalmente rebaixada no soalho da boca levando a mandíbula para frente,
estimulando o prognatismo.
c) Língua interposta entre as arcadas, levando a uma mordida aberta anterior.
Outras características freqüentes do respirador oral para as quais devemos estar atentos:
• Crianças que roncam e babam à noite, muitas vezes acordando com a boca seca.
• Crianças irritadas por noites mal dormidas que ficam extremamente hiperativas,
dificultando a aprendizagem escolar ou às vezes, muito sonolenta, dormindo assim que
sentam.
• Crianças que não gostam de brincadeiras tipo andar de bicicleta, jogar bola ou correr,
pois isto causa um grande esforço físico e as cansam com muita facilidade.
• Gengivas hipertrofiadas e/ou com cor alterada.
• Olheiras.
• Lábios hipotônicos.
• Língua muito flácida e anteriorizada.
• Deglutição atípica
• Nariz sempre entupido.
• Assimetrias faciais.
• Ombros jogados para frente.
• Cabeça mal posicionada.
• Falta de apetite.
• Asas do nariz hipodesenvolvidas.
• Comer pouco, muito rápido ou devagar demais.
• Crianças magras demais ou obesas e sem cor.
• Respiração ruidosa.
• Mastigação ruidosa, de boca aberta, ou de um lado só.
• Mordidas cruzadas unilaterais.
Nem sempre teremos todas as alterações acima expostas, mas como estas podem
ocorrer, devemos estar atentos para o encaminhamento precoce.
Após a criança ter sido examinada por um médico, iniciamos a terapia que consta de treino
para a aprendizagem do uso do nariz, além do trabalho de fortalecimento da musculatura oral.
É necessário ainda orientar a família em relação à alimentação que, muitas vezes, é
constituída apenas de alimentos pastosos, aumentando a hipotonia dos órgãos
fonoarticulatórios.
Fica claro que não esgotei todas as alterações possíveis de serem trabalhadas em
conjunto. Quis, nesta parte, apenas mostrar como existem, e tem que existir, considerações
próprias para cada problemática. O fonoaudiólogo não é mais aquele profissional que faz
exercícios musculares iguais em qualquer tipo de alteração. Não existem, e nem podem
existir, avaliações iguais, terapias iguais e finais iguais. O respeito e a compreensão de cada
alteração vão nos levar a, por exemplo, concluir que a língua nem sempre tem como melhor
posicionamento a papila palatina.
Existindo a compreensão da forma, a função será adaptada da melhor maneira,
diminuindo assim, as possibilidades de recidivas.
Exames Complementares
Referências Bibliográficas
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