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Marchesan IQ. O Trabalho Fonoaudiológico nas Alterações do Sistema Estomatognático.

In:
Marchesan IQ, Bolaffi C, Gomes ICD, Zorzi JL. (Org.) Tópicos em Fonoaudiologia. São Paulo:
Lovise;1994. p.83 -111

O Trabalho Fonoaudiológico nas Alterações do Sistema Estomatognático

Dra. Irene Queiroz Marchesan


Diretora do CEFAC – Centro de Especialização em Fonoaudiologia Clínica
Titulação: Doutor em Educação pela UNICAMP Universidade de Campinas
Endereço: Rua Cayowaá, 664 CEP 05018-000 São Paulo – SP Brasil.
Telefone: 55- 11 – 36751677
E-mail: irene@cefac.br
www.cefac.br

A fonoaudiologia, no Brasil, vem realizando um trabalho na área mioterápica há mais


ou menos 30 anos. Este trabalho tem se modificado muito, principalmente na última década.
A ortodontia também mudou muito, crescendo vertiginosamente inovando suas
técnicas e abordagens. Os fonoaudiólogos acompanham de perto o caminho dos odontólogos
(clínicos gerais), odontopediatras, ortodontistas e ortopedistas funcionais dos maxilares. As
descobertas ocorridas na área dos profissionais que trabalham com o sistema
estomatognático interessam-nos porque interferem fortemente em nosso trabalho. Vivemos no
passado, uma situação em que a ortodontia raramente encaminhava seus pacientes para
realizarem trabalho fonoaudiológico. Num segundo momento, o fonoaudiólogo praticamente
passou a ser imprescindível junto a estes profissionais e, no momento atual, que eu considero
de maior equilíbrio, temos analisado onde e quando devemos trabalhar de fato em conjunto.
Como este assunto tem sido discutido com muita freqüência e com muitas
controvérsias, estarei discorrendo sobre uma prática conjunta de 16 anos, tentando mostra,
não certezas, mas a problemática que este tema envolve.

A História do Trabalho Mioterápico na Fonoaudiologia


“Cada caso é um caso”
Talvez não exista frase mais falada e ouvida pelos fonoaudiólogos. No entanto, a
prática terapêutica esquece este enunciado e determina indiscriminadamente os mesmos
passos para o atendimento do paciente: tirar a história clínica, avaliar e trabalhar. Com
relação ao trabalho, procedíamos da seguinte forma:
1 – Aumentar o tono muscular
2 – Aumentar a propriocepção
3 – Trabalhar com a mobilidade da língua, lábios, bochechas, palato mole e mandíbula
através de exercícios adequados. (Possuímos uma lista com aproximadamente 100
exercícios)
4 – Adequação das funções orais:
a – sucção,
b – mastigação,
c – deglutição,
d – respiração,
e – fala
5 – Automatizar tudo o que foi ensinado até o momento
6 – Trabalhar com a “frustração”.

Bem esse último passo, evidentemente não estava incluído no caderninho, nem nos
livros e sequer nas apostilas. Mas era o que mais ocorria, pois os exercícios, muitas vezes,
apesar de serem apreendidos pelo paciente, quase nunca eram automatizados.
Freqüentemente, apesar de seguirmos religiosamente a tal lista, os pacientes não
conseguiam, fora do momento do exercício, respirar pelo nariz, colocar a língua na papila,
engolir sem projetar a língua sobre os dentes, mastigar de boca fechada, etc.
Intrigantemente ainda hoje, ortodontistas e cirurgiões dentistas nos procuram para
obter esta lista “meio mágica” que, aparentemente, reeducará as funções e evitará as
recidivas.
Interessante! Se “cada caso é um caso”, como a terapia pode ser igual para todos?

Reflexões Sobre:

O Trabalho e a Busca de Novos Caminhos

Após observarmos a inadequação deste tipo de terapia veio a parte complicada: O que
fazer?
Em primeiro lugar, o trabalho é de fato conjunto ou o paciente é apenas o mesmo para
ambos os profissionais?
Em segundo lugar, um profissional conhece o que o outro faz?
Conhece de fato ou apenas supõe conhecer?
Nós, fonoaudiólogos, iniciamos uma árdua luta para saber o que cada linha da
ortodontia propõe, além de iniciarmos estudos sobre crescimento crânio-facial e suas
variações.
Com isto, temos observado que é necessário um diagnóstico mais preciso de nossa
parte para saber se aquele é ou não um caso para ser trabalhado pela fonoaudiologia. Por
exemplo, sabe-se que não se deve encaminhar um respirador oral com hipertrofia das tonsilas
e/ou cornetos para o fonoaudiólogo transformar em respirador nasal.
Mas, por outro lado, chegam pacientes Classe II, divisão 1ª, Classe III, ou mordidas
abertas esqueletais para se posicionar lábios e língua além de instalar as funções de maneira
correta, principalmente a deglutição, que sempre vem diagnosticada como atípica. Como se o
fonoaudiólogo sozinho pudesse tornar isso possível.
Outras perguntas freqüentes: seria de fato importante todo paciente, em
acompanhamento dentário, sofrer a intervenção do fonoaudiólogo? Em que momento: antes,
durante ou depois deste acompanhamento? Os pacientes adultos conseguem estabilizar um
novo padrão muscular? E as crianças, devem ou não ter consciência do trabalho que está
sendo desenvolvido com elas? Os pais devem participar ou não das terapias?
Bem, levantar questões é fácil, pois elas são inúmeras e em geral com muitas
respostas. Respostas, muitas vezes, divergentes. Quem deve dar as respostas:
fonoaudiólogos ou profissionais ligados à saúde oral sejam eles cirurgiões dentistas,
ortodontistas ou ortopedistas funcionais dos maxilares?

Caminhos Atuais e Algumas Respostas

Ao invés de apresentar uma nova e miraculosa terapia (igual para todos), vamos
discutir possibilidades de trabalho tendo em vista as características das alterações que cada
paciente apresenta:

Mordida Aberta Anterior


• Completa ou incompleta?
• Óssea ou dentária?
• Com dentição decídua, mista ou definitiva?
• Com caninos em topo ou cruzados?
• Com ou sem existência de hábitos de sucção?
• Indivíduo normal, deficiente mental ou com problemas neurológicos?
• Indivíduo fazendo ortodontia fixa, móvel, ortopedia, ou apenas desgastes seletivos?
• Acompanha palato atrésico, respiração oral, mordida cruzada unilateral?
• Com ou sem documentação ortodôntica?
• Em indivíduos dólicos, mesos ou braquifaciais?

Quantas perguntas mais se poderiam fazer? Evidentemente que a conduta do


fonoaudiólogo deverá ser diversa em casos de mordidas abertas após as respostas para
essas e outras possíveis questões. No entanto, sabemos algumas coisas que, no geral,
não variam. Em primeiro lugar, crianças com dentição decídua, com hábitos de sucção,
melhoram enormemente chegando até a fechar a mordida se não há topo ou cruzamento,
quando o hábito é removido.
Com relação à colocação da língua na papila isto é bastante difícil uma vez que existe
o espaço aberto e a língua tende a se projetar nele.
Quando a mordida aberta permite o selamento labial, é mais importante o trabalho com
a musculatura externa de que tentar posicionar a língua, pois com a pressão correta dos
lábios sobre os dentes, podemos favorecer o fechamento da mordida.
Estimular uma mastigação adequada também ajuda o trabalho ortodôntico ou
odontopediátrico. Crianças que mastigam bilateralmente, de forma alternada, estimulam
uma melhor oclusão.
Como se pode observar não é possível e, nem se devem ter soluções prontas, pois de
fato, desculpem-me o chavão, “cada caso é um caso”.

Mordida Cruzada Unilateral

Bem poderíamos começar novamente com uma série de perguntas: idade do paciente,
tipo de mordida cruzada, época em que ocorreu e assim por diante.
Em qualquer caso, inúmeras perguntas deverão ser feitas para os profissionais
corretos, pois não é o fonoaudiólogo que saberá se esta mordida cruzada é óssea ou
dentária, por exemplo, e se já está ou não no momento correto de descruzar. No entanto,
se o fonoaudiólogo não for informado da situação real, fica praticamente impossível o
trabalho. Afinal, todos sabem que a mastigação, de uma maneira geral, estará ocorrendo
do lado cruzado já que este tem a dimensão vertical diminuída e não faz o balanceio, uma
vez que está travada pela maxila.
Os músculos também estarão alterados. O masseter, do lado do balanceio, estará
estirado e mais fraco e, o do lado do trabalho, menor e mais forte o que, em geral provoca
uma assimetria facial.
Assimetrias ósseas também podem estar ocorrendo ou já terem ocorrido. Quando
ocorre uma mordida cruzada a maxila, do lado do trabalho, tem seu crescimento para
dentro e para baixo. O palato estará atresiado dificultando o correto posicionamento da
língua.
Se não houver o descruze, a mastigação não vai se estabelecer de forma adequada.
Havendo o descruze, tanto esta mastigação pode mudar e se estabelecer de forma
favorável, como pode permanecer a memória da mastigação unilateral, levando
novamente a um cruzamento.
Como saber o que vai ocorrer? Além do paciente e sua família serem orientados, a
observação do profissional é fundamental.
O fonoaudiólogo pode entrar no final ou no meio da correção da oclusão, ajudando a
estabelecer esta e outras funções alteradas.
O vínculo do fonoaudiólogo com o paciente, de uma maneira geral, é maior pelo fato de
as terapias serem semanais e o tratamento incluir várias sessões de conscientização
sobre quais são e como funciona cada uma das funções orais.
Sabendo que alterações de uma dessas funções tende a atingir as outras pela própria
proximidade e pelo fato dos músculos se alternarem no cumprimento de tais funções, há
necessidade de se trabalhar prioritariamente com o aspecto mais alterado sem descuidar
da orientação e trabalho com as demais funções.

Classe II

Dependendo do quanto existe de alteração óssea, o posicionamento correto dos lábios


pode se tornar impossível. A mastigação, em geral, ocorre com o dorso da língua
enquanto a ponta está baixa, uma vez que o posicionamento de língua, nesta alteração,
costuma ser de dorso alto e ponta baixa.
O estreitamento do palato, mais a discrepância entre as bases ósseas, costumam
tornar impossível o posicionamento de ponta de língua em papila. A fala pode estar com
seus pontos de articulação alterados levando os fonemas bilabiais /p/, /b/ e /m/ a serem
emitidos com o lábio inferior em contato com os dentes superiores. A deglutição, muitas
vezes, é feita com interposição do lábio inferior atrás ou com o apoio dos incisivos
superiores.
A tonicidade dos lábios fica alterada, em geral, com o superior hipertônico e o inferior
hipo ou hipertônico, dependendo se ele tem ou não ação durante a deglutição. Quando há
uma hipotonia do lábio inferior, o mentual fica hipertenso para haver uma compensação.
Muitas mais considerações poderiam ser feitas a respeito da Classe II e das diversas
mudanças que podem ocorrer. Tudo vai depender do quanto e de como é a alteração em
questão.
Da mesma forma, o trabalho fonoaudiológico poderá estar mais ou menos limitado à
forma encontrada no momento da avaliação.
Classe III

Os indivíduos Classe III têm, de uma maneira geral, a língua apoiada no arco inferior,
uma vez que este é maior.
O arco inferior não só é maior em largura, como, quase sempre, é bastante profundo. A
língua permanecendo neste local, em geral, apresenta-se larga e, muitas vezes, mais alta
do que o normal, o que dificulta ainda mais o posicionamento no arco superior, mais
estreito. Observo grandes diferenças, no trabalho mioterápico entre Classe III – face longa
e Classe III – face curta, ficando evidente que as faces curtas são muito mais fáceis de
serem tratadas já que a musculatura é, geneticamente, mais firme.
Não acredito no trabalho fonoaudiológico isolado do trabalho ortodôntico, em Classe III.
Os melhores resultados para esta classe, em adultos, são os de cirurgias ortognáticas.
Bons resultados também ocorrem quando o indivíduo é acompanhado desde pequeno
com ortodontia interceptadora ou ortopedia funcional dos maxilares.
Com os indivíduos Classe III, acho fundamental o trabalho preventivo, seja ele
fonoaudiológico e/ou ortodôntico/ortopédico. Esse trabalho deverá ser acompanhado de
orientações sistemáticas para os pais que também devem participar ativamente da
orientação das funções de mastigar e respirar corretamente além de orientar seus filhos
com relação à postura adequada de lábios e língua.

Dolicofaciais

Os pacientes com esta característica facial são os que mais chegam aos nossos
consultórios, independentemente da oclusão que apresentem.
Os músculos de uma maneira geral, são hipotônicos e, quase sempre, tais pacientes,
são respiradores orais. O terço inferior, sendo mais longo, dificulta enormemente a oclusão
labial e mesmo o posicionamento da língua a qual acaba ficando muito distante do palato
duro.
Também nestes casos, assim como na Classe III, acredito muito mais no trabalho
preventivo do que no corretivo. Sabemos que a correção dentária não vai levar a correção
da forma óssea e o final do trabalho nem sempre é satisfatório para o paciente. O
fonoaudiólogo tem cooperado enormemente com o trabalho preventivo, estabelecendo a
respiração nasal e o fortalecimento da musculatura elevadora da mandíbula através da
mastigação correta. O posicionamento da cabeça também tem sido alvo dos nossos
objetivos já que a língua pode se posicionar mais ou menos anteriorizada, dependendo da
inclinação do pescoço.
Os dolicofaciais merecem acompanhamento e orientações sistemáticas durante todo o
seu crescimento e desenvolvimento crânio-facial. Este acompanhamento não significa
obrigatoriamente, terapia formal.

Braquifaciais

As maiores dificuldades para os fonoaudiólogos em relação a este tipo de face são as


distorções fonêmicas nos sibilantes. O espaço interno vertical é bastante reduzido e isto
faz com que a língua não tenha espaço suficiente para elevar seus bordos e produzir um
/s/ ou /z/ com precisão. Os diastemas anteriores também cooperam para fazer surgir um
assobio típico na produção da fala e isto incomoda fortemente o indivíduo.
Sem o aumento do espaço interno vertical ou o fechamento dos diastemas, fica difícil
corrigir totalmente o padrão de fala.

Disfunções da Articulação Temporomandibular

Indivíduo com alterações de fala em geral, buscam em primeiro lugar o atendimento


fonoaudiológico. Devemos estar atentos, em nosso exame, para verificar a oclusão
dentária, o tipo facial e também para observar as disfunções temporomandibulares (ATM).
Estas disfunções não serão tratadas num primeiro momento pelo fonoaudiólogo que
deverá apenas, ao detectar em seu exame qualquer alteração, fazer o encaminhamento
para o dentista especializado nesta área.
Alguns movimentos atípicos de mandíbula durante a fala, posições posturais indevidas,
dor ao falar ou mastigar, desvio ou estalidos ao abrir a boca, podem ser indícios de
disfunções da ATM.
Caso estas disfunções não sejam tratadas, podem impossibilitar o trabalho
fonoaudiológico.
Após a disfunção ter sido tratada pelo dentista pode-se complementar o trabalho,
reeducando funções que tenham sido alteradas em razão destas disfunções. Em alguns
casos, trabalhamos ao mesmo tempo em que o dentista. Na medida em que ele trabalha a
oclusão entramos com exercícios musculares que podem ajudar na melhoria e
estabilização das funções.

Posição da Cabeça

Este é outro aspecto que muito tem nos preocupado pois observamos que, se não há
equilíbrio adequado da cabeça sobre o tronco, pode haver incentivo de crescimento
anômalo das bases ósseas. Dependendo da posição do pescoço, a língua também
tenderá a se posicionar mais para frente ou para trás, colaborando com o crescimento
inadequado.
Quando a língua sai do arco superior, ela leva a laringe junto, o que tende a provocar,
também um problema vocal. Associada às posições inadequadas de cabeça, é possível
observar ainda lordoses, escolioses ou cifoses.
Os indivíduos Classe III, em nossa observação clínica, tendem a manter a cabeça mais
baixa, ao contrário dos indivíduos Classe II que elevam a cabeça estirando o pescoço.
Acreditamos que isso ocorra pelo tamanho da mandíbula.
No primeiro caso, há uma tentativa, em geral inconsciente, de esconder o “queixo
grande” e, no segundo, de aumentar o “queixo pequeno”.
Observações sobre a audição e a visão também deve ser realizadas.
Sujeitos com perdas auditivas unilaterais, voltam o ouvido bom para o falante o que
acaba levando a uma postura inadequada do pescoço.
No estrabismo também há a mudança da posição da cabeça para enxergar melhor.
Todo trabalho, qualquer que seja a alteração, deve sempre começar com o correto
posicionamento do tronco e da cabeça, assim como com a instalação da respiração nasal.
Respiração Oral

Ao crescer, somos fortemente influenciados pela genética, e pelo meio ambiente ao


qual estamos expostos.
Isto significa que, mesmo tendo uma genética favorável, se o meio não o for, podemos
ter modificações nem sempre agradáveis no desenvolvimento e crescimento.
Sabemos que chupeta, mamadeira e dedos sugados por longo prazo, podem trazer
alterações para a conformação da arcada dentária e mesmo para o crescimento facial.
O que pouco se comenta são os problemas causados pela respiração oral.
A criança ao nascer, respira pelo nariz e, caso não haja interferências negativas tipo:
rinites, alergias, bronquites, hipertrofia de amídalas ou adenóides, a respiração nasal
deverá continuar até o final da vida. O nariz serve para respirar e, ao fazer este ato,
consegue limpar, aquecer e umidificar o ar fazendo com que ele chegue ao pulmão com
uma qualidade melhor, protegendo, assim, as vias aéreas inferiores.
Quando invertemos esta situação passando a usar a boca, podemos causar desde uma
simples irritação da mucosa oral até graves alterações de crescimento. A língua pode se
posicionar diferentemente dentro da cavidade oral na tentativa de proteger a orofaringe e
amídalas. Este novo posicionamento, também para facilitar a entrada do ar ou fazer com
que a boca faça às vezes do nariz, limpando, aquecendo e umidificando o ar, pode levar à
sérias alterações.
Ao tomar uma posição diversa dentro da boca, a língua, além de deixar de cumprir seu
papel de modelador dos arcos dentários, causa prejuízos do tipo:

a) Língua com o dorso elevado e a ponta baixa, inibe o crescimento mandibular e estimula
o crescimento da parte anterior da maxila, podendo levar a uma Classe II. Este
posicionamento da língua pode causar ceceio lateral pelo estreitamento criado entre o
palato e o dorso da língua, dificultando a saída do ar.
b) Língua totalmente rebaixada no soalho da boca levando a mandíbula para frente,
estimulando o prognatismo.
c) Língua interposta entre as arcadas, levando a uma mordida aberta anterior.

Outras características freqüentes do respirador oral para as quais devemos estar atentos:

• Crianças que roncam e babam à noite, muitas vezes acordando com a boca seca.
• Crianças irritadas por noites mal dormidas que ficam extremamente hiperativas,
dificultando a aprendizagem escolar ou às vezes, muito sonolenta, dormindo assim que
sentam.
• Crianças que não gostam de brincadeiras tipo andar de bicicleta, jogar bola ou correr,
pois isto causa um grande esforço físico e as cansam com muita facilidade.
• Gengivas hipertrofiadas e/ou com cor alterada.
• Olheiras.
• Lábios hipotônicos.
• Língua muito flácida e anteriorizada.
• Deglutição atípica
• Nariz sempre entupido.
• Assimetrias faciais.
• Ombros jogados para frente.
• Cabeça mal posicionada.
• Falta de apetite.
• Asas do nariz hipodesenvolvidas.
• Comer pouco, muito rápido ou devagar demais.
• Crianças magras demais ou obesas e sem cor.
• Respiração ruidosa.
• Mastigação ruidosa, de boca aberta, ou de um lado só.
• Mordidas cruzadas unilaterais.

Nem sempre teremos todas as alterações acima expostas, mas como estas podem
ocorrer, devemos estar atentos para o encaminhamento precoce.
Após a criança ter sido examinada por um médico, iniciamos a terapia que consta de treino
para a aprendizagem do uso do nariz, além do trabalho de fortalecimento da musculatura oral.
É necessário ainda orientar a família em relação à alimentação que, muitas vezes, é
constituída apenas de alimentos pastosos, aumentando a hipotonia dos órgãos
fonoarticulatórios.
Fica claro que não esgotei todas as alterações possíveis de serem trabalhadas em
conjunto. Quis, nesta parte, apenas mostrar como existem, e tem que existir, considerações
próprias para cada problemática. O fonoaudiólogo não é mais aquele profissional que faz
exercícios musculares iguais em qualquer tipo de alteração. Não existem, e nem podem
existir, avaliações iguais, terapias iguais e finais iguais. O respeito e a compreensão de cada
alteração vão nos levar a, por exemplo, concluir que a língua nem sempre tem como melhor
posicionamento a papila palatina.
Existindo a compreensão da forma, a função será adaptada da melhor maneira,
diminuindo assim, as possibilidades de recidivas.

Exames Complementares

Durante muitos anos fomos os profissionais do “achômetro”. Dizíamos “acho” que o


músculo é hipotônico, “acho” que a língua fica aqui ou acolá.
Atualmente, lançamos mão de exames complementares que não vem substituir o
exame clínico que continua sendo indispensável. Mas, como o próprio nome diz, tais exames
complementam nosso raciocínio clínico.
Podemos usar a videofluoroscopia para ver, de fato, como o paciente mastiga, engole e
fala. Este não é, infelizmente, um exame que possa ser usado de rotina uma vez que se usam
Raios X.
Outro exame que considero importante para o diagnóstico tem sido a eletromiografia
onde, com eletrodos de superfície, é possível avaliar como os músculos estão nas funções de
mastigar e deglutir antes, durante e após o tratamento mioterápico.
A telerradiografia também tem ajudado a verificar se há possibilidades ou não de ajuste
dos músculos dentro da forma existente. As análises cefalométricas, discutidas com o
ortodontista, aumentam a compreensão do caso.
Quanto maior o número de informações obtidas no exame clínico e nos exames
complementares, maiores as possibilidades de êxito no trabalho mioterápico.
Considerações Finais

1. O diagnóstico é o aspecto fundamental em qualquer trabalho fonoaudiológico.


Saber exatamente que tipo de crescimento crânio-facial o indivíduo está tendo
ou teve e que classe e mordida ele apresenta, pode nos ajudar a compreender
melhor como estão funcionando as estruturas moles. Afinal, há uma perfeita
correlação entre partes duras e moles.
2. O fonoaudiólogo deve compreender com precisão qual é a conduta que o outro
profissional, (seja ele ortodontista, ortopedista funcional, cirurgião dentista,
odontopediatra, otorrinolaringologista, ou homeopata), está tomando para
quando houver trabalho conjunto, poder conduzir melhor o caso. Como cada
profissional da odontologia tem princípios e escolas diversas, a avaliação e o
trabalho poderão ter grandes variações. Se não estivermos afinados uns com os
outros, as possibilidades de erros aumentarão.
3. Para isto ser possível, o diálogo franco entre profissionais se torna urgente.
Neste diálogo não devem prevalecer orgulhos pessoais de forma que a
informação fique prejudicada, pois o único que perde com este tipo de atitude, é
o paciente.
4. A terapia fonoaudiológica deve ser feita por partes para haver um
acompanhamento do início ao fim do trabalho dentário. Em geral, a média de
tempo do paciente em terapia é de três a quatro meses, quando adulto, e seis a
oito meses, quando criança. Depois devemos acompanhá-los mensal ou
bimensalmente, até o final, controlando recidivas.
5. O trabalho, quando bem planejado após o diagnóstico, deve contar com a
colaboração dos pais e dos próprios pacientes. Não é possível o fonoaudiólogo
mudar uma função no paciente sem haver a compreensão deste em relação à
mudança. Funções orais são ações automáticas. Em geral, estas ações são
bem compreendidas em terapia, mas raramente internalizadas, permanecendo a
velha ação em uso até porque a memória muscular tende a prevalecer. Portanto,
não acredito em terapias onde listas de exercícios são aplicadas sem que o
paciente compreenda com exatidão o que ele deve mudar e o porquê desta
modificação. Muitas vezes, pacientes bem conscientizados, até sem fazer
exercícios, conseguem boas modificações, realizando de forma controlada, a
nova função desejada. Afinal, repetindo diversas vezes a ação de uma nova
maneira, você quebra velhos esquemas instalando e fixando novos. Observo
que os pacientes, muitas vezes, não usam de forma correta os aparelhos porque
não foram esclarecidos do benefício e importância deste uso.
6. A informação, para o paciente e sua família, de que nem sempre, devido a seu
problema inicial, obteremos uma forma final ideal, é fundamental. Ouvir o que
ele quer mostrar suas possibilidades e até as chances de recidivas, podem
resultar num trabalho de melhor qualidade e, praticamente, sem queixas no final.
As limitações do trabalho devem ser comentadas abertamente para dar chances
de escolha até de querer ou não fazer a terapia. Por exemplo: o fonoaudiólogo
sabe que oclusão labial em sujeitos Classe II, dólicos e respiradores orais,
raramente se estabelecem sem tratamento otorrinolaringológico e ortodôntico
conjunto. Alterações nas sibilantes /s/ e /z/ em braquifaciais são comuns e
dificilmente serão corrigidas sem modificações estruturais. Classes III, não
tratadas ortodonticamente ou cirurgicamente, manterão sua língua no arco
inferior, uma vez que este é maior que o superior. Tentativas de mudanças, com
raras exceções, são pura perda de tempo e dinheiro. Desgastes para o
profissional e para o paciente. Estas, e outras tantas limitações, nos mostram
que os caminhos do trabalho muscular têm imbricações reais com o trabalho
ósseo e/ou dentário.
7. A priorização de trabalhos profissionais, quando possível, é o ideal. Se existem
problemas respiratórios não se pode iniciar a mioterapia com o intuito de
restabelecer a respiração nasal sem, antes uma consulta e até tratamento do
otorrinolaringologista e ou homeopata, conforme preferências familiares. Da
mesma forma, corrigir ceceios laterais em Classe II, mordidas abertas laterais ou
sobremordidas fica muito difícil, pois em geral, esta distorção de fala esta
associada a estes tipos de oclusão. Uma consulta, e possível tratamento da má-
oclusão, se fazem necessárias antes do tratamento fonoaudiológico.
8. Finalizando, não quero dizer com tudo isto que tratamentos isolados em
qualquer área não sejam possíveis. O que importa é o diagnóstico correto para
que o prognóstico também seja melhor. Pacientes sem condições de trabalhos
conjuntos, seja por que razão for, poderão ter modificações, embora nem
sempre as ideais ou desejadas. Considerar as nossas limitações enquanto
profissão em crescimento e as do paciente, com sua estrutura peculiar e
particular, nos faz manter os pés sobre o chão. Assim podemos propor terapias
individualizadas com reavaliações periódicas e resultados mais reais para
aquele determinado caso, eliminando, desta forma, frustrações e decepções
para ambas as partes, profissionais e pacientes. Quando necessário, o trabalho
tem que ser conjunto de fato, deixando de existir apenas um paciente que é
comum para ambos os profissionais.

Referências Bibliográficas

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