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INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS
AULA 1

 
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Prof.ª Paula Leticia Fernandes Pereira Siqueira

CONVERSA INICIAL

Em nossos estudos, iremos tratar de temas que ajudam na construção da análise dos sonhos.

Falaremos, primeiramente, sobre o contexto da criação do livro A Interpretação dos Sonhos, a visão

atual das neurociências sobre o sonhar e a visão psicanalítica sobre o tema, acrescentando o conceito

de umbigo do sonho e a importância da interpretação dos sonhos na psicanálise.

Em momentos posteriores, desenvolveremos os conceitos de primeira tópica, inconsciente, pré-


consciente, consciência, recalque e figuração. Depois, trataremos do famoso sonho do Freud sobre a

injeção de Irma. Em seguida, o objetivo será investigar a função do sonho, os sonhos de angústia e

os afetos nos sonhos. Serão, então, pesquisados os símbolos e o desejo no sonho. Por fim,

abordaremos os sonhos a partir de 1915.

Os objetivos desta etapa são contextualizar a obra da interpretação dos sonhos, compreender o

que é o sonho para a psicanálise e qual a sua importância, correlacionando com a compreensão das

ciências atuais sobre o tema.

TEMA 1 – CONTEXTO DA CRIAÇÃO DO LIVRO A INTERPRETAÇÃO


DOS SONHOS

Este livro é muito importante para a psicanálise, pois foi nele que a primeira obra psicanalítica foi

publicada. Finalizado no ano de 1899 e publicado no mesmo ano, a pedido do autor, foi datado

como 1900, para marcar essa importante obra com conteúdo inovador na virada do século.

Plon e Roudinesco (1998) apontam que o interesse de Freud pelos sonhos nasce antes mesmo

das histerias, quando ainda era um jovem estudante de medicina. Em 19 de julho de 1883, escreveu

uma carta a sua amada noiva Martha Bernays, contando que possuía um caderno de anotações

pessoais sobre os seus sonhos. Esse interesse facilitou Freud na escuta de seus pacientes. Depois de

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11 anos da carta para Martha, em 1894, ele anunciou para Breuer que sabia interpretar sonhos. Com

a certeza de ter descoberto um novo caminho para o inconsciente, Freud compartilhou com Wilhelm

Fliess, seu amigo e confidente, sua tese sobre o sonho como realização de um desejo. Em 1895, de

férias em Viena, Freud teve um sonho, conhecido como sonho da injeção de Irma.

Em 1896, Freud devastado pela morte do pai, usou o processo de criação do livro e uma

autoinvestigação como tentativa de elaborar o seu luto. “Ele se revelou como parte da minha

autoanálise, como minha reação à morte de meu pai, ou seja, ao evento mais significativo, à perda

mais pungente da vida de um homem” (Freud, 2019, p. 17).

Com as investigações dos sonhos, Freud encontra outros caminhos para o inconsciente, como os

atos falhos, esquecimentos e as lembranças encobridoras, material do livro Psicopatologia da vida

cotidiana (1901). Em 1898, no mês de outubro, ele foi tomado pelo sentimento de morte (depressão),

que o levou a abandonar o seu objetivo de terminar o livro. As lacunas, na teoria, foram obstáculos

que inicialmente não conseguia superar.

No verão do ano seguinte, Fliess insistiu que o amigo escrevesse o que hoje é o primeiro

capítulo do livro, mas Freud acreditava que a compilação daqueles dados seria enfadonha e até o

irritava. Entretanto, um mês antes de finalizar esse trabalho, aceitou a orientação do amigo, a fim de

evitar mal-entendidos em sua obra, escrevendo o que, hoje, é conhecido como embasamento teórico.

No mesmo ano, envolvido com o trabalho das neuroses, ele retomou a escrita do livro, que foi

finalizado em setembro de 1899, sendo sua primeira publicação em 4 de novembro de 1899.

Muitos outros filósofos antes de Freud já falavam do inconsciente, mas não como Freud.

“Durante séculos o psiquismo foi identificado com a consciência, sendo o termo inconsciente

empregado adjetivamente para o que não era capaz da consciência” (Garcia-Roza, 2004, p. 219). Daí

o termo subconsciente, usado erroneamente. Com a descoberta do inconsciente, por Freud, o

psiquismo passou a ter outra visibilidade e ser estruturado como linguagem.

A verdade é o que o aparelho de linguagem concebido em 1891 ultrapassou seu próprio limite. De

aparelho de linguagem ele acaba se transformando no primeiro modelo freudiano de aparelho


psíquico. (Garcia-Roza, 2004, p. 33)

O aparelho psíquico não é psíquico, ele se torna um aparelho pela linguagem: “o aparelho

psíquico é um aparelho simbólico e não um aparelho psicológico” (Garcia- Roza, 2004, p. 43).

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Agora, voltando a falar sobre a construção da psicanálise por meio do livro A Interpretação dos

Sonhos, em cada novo prefácio das edições podemos vislumbrar o anúncio de um novo tempo na

psicanálise. No terceiro prefácio, Freud encontra ajuda em Otto Rank, que acrescentou mais

informações e retificou o texto. Aqui fica um alerta para o fato de que, mesmo sendo o pai da

psicanálise, ele não estava trabalhando sozinho.

Uma curiosidade sobre o livro é que Freud usou 223 sonhos para escrever a obra, sendo 47

próprios e 176 de pacientes ou de pessoas próximas. Com isso, de uma maneira sutil, Freud mostra

sua personalidade, contando seus sonhos e histórias familiares.

O percurso da teoria dos sonhos abre um leque de possíveis diálogos com outros saberes, o que

Lacan chamou de psicanálise de extensão. Será que é possível dialogar com as neurociências sobre os

achados atuais em relação aos sonhos?

TEMA 2 – VISÃO DA NEUROCIÊNCIA SOBRE O SONHAR

Para a neurociência, os sonhos não têm significado, sendo um reflexo da ativação do cérebro

durante o sono. Segundo Cheniaux (2006),

Para grande parte dos neurocientistas, os sonhos não têm qualquer função: é apenas um efeito

colateral de processos de consolidação da memória dependentes do sono, a manifestação

consciente destes. Diversos dados indicam que o sono é fundamental para a memória e a
aprendizagem.

A psicanálise e a neurociência não são necessariamente antagônicas; embora muito distintas

entre si, podem ser complementares.

A visão psicanalítica até hoje afirma que os sonhos são realização de desejos (Freud, 2019).

Cheniaux (2006) aponta que, para a neurociência, a atividade mental teria a função de solução de

problema, autoconhecimento, aprendizagem, diminuição de stress, atividades que estão além da

descarga da energia psíquica. Esse pensamento aponta para divergências entre as duas teorias e uma

negação da teoria das pulsões. O que pode acrescentar a neurologia sobre o sono e o sonho?

O ciclo de sono é dividido em quatro fases: N1, N2, N3 e o REM. Os ciclos podem se repetir de

quatro a seis vezes durante a noite, cada fase podendo durar de 90 a 120 minutos.

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N1 é o começo do ciclo e caracteriza o sono de transição, quando começamos a adormecer e

acontecem os espasmos.

N2 é a segunda fase do sono, na qual o corpo diminui a frequência cardíaca e a temperatura

corporal, e as atividades cerebrais ficam mais lentas.

N3 é a fase do sono profundo, de liberação de hormônios de crescimento e inibição dos

hormônios do stress.

Sono REM é a sigla de Rapid Eye Movement – “movimento rápido dos olhos”, em português.

Nessa fase, há um movimento intenso das ondas cerebrais. Também é conhecida como sendo a fase

dos sonhos, porém, eles também podem ocorrer nas demais fases. É considerada a mais importante

para a ciência do sono, pois é a etapa que armazena as informações adquiridas durante o dia e,

segundo os psicólogos, é nesse momento que há uma fixação das informações na consciência. “Para

a psicóloga do sono Dra. Silvia Conway, os sonhos refletem o que está se processando na dimensão

emocional e cognitiva da vida real” (Pedrosa, 2021, p. 5).

Por meio de alguns estudos na neurobiologia com o uso da encefalografia, foi mapeado o nível

de ativação dos neurônios na experiência do sonho, em que o padrão de excitação cortical é o


mesmo quando se está em estado de vigília.

Conway (2018) afirma que, no ciclo REM, o sono é mais profundo e os sonhos são mais

“esquisitos”, com elementos simbólicos e com poucos dados do dia a dia. Já as fases N1, N2 e N3 os

sonhos contêm elementos mais próximos e comuns da vida cotidiana. Conforme estudos de

Cheniaux (2006),

Durante o sono REM, o fluxo sangüíneo cortical é maior do que no sono de ondas lentas e, às

vezes, maior até do que na vigília. Estudos de tomografia por emissão de pósitrons (PET scan)
mostram que, durante o sono REM, estão ativados o córtex visual extra-estriatal (associativo) e as

regiões límbica e paralímbica; estando, ao mesmo tempo, desativados o córtex visual estriado
(primário) e o córtex pré-frontal. Vários aspectos característicos do sonho podem ser relacionados a

estes achados: a riqueza de imagens visuais, à ativação do córtex visual associativo e desativação

do primário; a intensa expressão emocional, à ativação das regiões límbica e paralímbica; e a


bizarrice, incoerência, perda da crítica e esquecimento, à desativação do córtex pré-frontal.

Mark Solms (citado por Cheniaux, 2006) declara que os sonhos são dissociáveis ao sono REM e

informa que podem ocorrer em ciclos NREM. Pessoas com lesões na ponte podem perder o sono

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REM e, ainda assim, continuar sonhando.

Solms (citado por Cheniaux, 2006) respalda a teoria do Freud sobre os desejos serem

instigadores dos sonhos, por meio do sistema dopaminérgico mesolimbico-mesocortical. Esse

sistema está ligado a estados motivacionais e provoca comportamentos que buscam a satisfação

nutricional e sexual, que, por sua vez, levam a uma sensação de prazer, causada pela liberação de

dopamina no núcleo acumbente, que igualmente sofre alteração por substâncias psicoativas como a

cocaína e anfetamina.

A ação do sistema dopaminérgico sobre o sonho se assemelha ao sistema pulsional descrito por
Freud, mas não é possível afirmar que a pulsão está relacionada à dopamina.

Sidarta Ribeiro (2019) critica a visão que foi criada sobre a ideia que os sonhos, juntamente com
o sono, têm a função apenas de organizar as memórias, sedimentando as mais importantes,
eliminando as demais e liberando espaço para a aquisição de novas informações. Os sonhos não

podem ser reciclagem somente.

Freud, em 1900, criticou a ciência que reduz os sonhos a somente atividade cerebral. Ele afirma:

Se aplicarmos o método de interpretação dos sonhos aqui apresentado, descobriremos que o

sonho tem realmente um sentido e que de maneira nenhuma é expressão de uma atividade
cerebral fragmentada, como querem os estudiosos. Após completar o trabalho de interpretação,

percebemos que o sonho é a realização de um desejo. (Freud, 2019, p. 154)

TEMA 3 – VISÃO PSICANALÍTICA SOBRE OS SONHOS

Com Freud, os sonhos ganharam importância maior, pois ele os investigou como experiências

oníricas e não devaneios. “O sonho revelaria, assim, a natureza verdadeira do ser humano, embora
não toda a sua natureza, e seria um dos meios de tornar acessível ao nosso conhecimento o interior

oculto da psique” (Freud, 2019, p. 101).

A tese principal de Freud era de que os sonhos são a realização disfarçada de um desejo

inconsciente. A pulsão aparece como desejo, entra em conflito com a consciência e será recalcada e
instalada no inconsciente.

Quando se adormece, a barreira de censura enfraquece e o recalque também perde sua força.

Desse modo, a representação até então presa no inconsciente pode se disfarçar, passar pela barreira
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de recalque e apresentar o desejo na consciência como um sonho. Mas como ele se forma?

O sonho é formado por restos diurnos, fatos, acontecimentos, afetos, pensamentos do dia e
elementos recentes. A articulação desses elementos está ligada ao desejo inconsciente que aparece

disfarçado.

Na maioria das vezes ­– só sonhamos com as coisas que mais nos cativaram durante o dia depois de

elas terem perdido o fascínio da atualidade para a vida de vigília. Assim, quando analisamos a vida
dos sonhos, sentimos a cada passo que não convém estabelecer regras generalizadas sem restringi-

las por meio de um “frequentemente”, “em regra” ou “na maioria das vezes” e admitir a validade
das exceções. (Freud, 2019, p. 66)

Com o que escreve Freud, fica claro que quem sabe do sonho é o sonhador. Os psicanalistas

trabalham com a linguagem e não é possível padronizar os símbolos dos sonhos. Por esse motivo, os
livros de sonhos das bancas de jornal não são informações do inconsciente. Eles podem ajudar a

contar histórias. Um exemplo prático é o sujeito que sonhou com uma cobra e acredita que será
traído. O analista investigará minuciosamente o que é esse significante traição na vida dele.

Como a psicanálise irá trabalhar com o sonho?

Por meio da técnica da associação livre, há uma decomposição e uma análise propriamente dita
das partes, e quem dá o sentido é o sonhador. Um sonho pode ter vários sentidos, pois depende da

época em que é contado.

Ao analisar sonhos de pacientes, costumo fazer o seguinte teste, sempre bem-sucedido. Quando o

relato de um sonho me parece difícil inicialmente, peço ao narrador que o repita. Raras vezes ele o
faz com a mesma palavra. Mas os trechos em que mudou a expressão me dão a conhecer os

pontos fracos do disfarce do sonho. (Freud, 2019, p. 564)

É preciso, no entanto, lembrar que, quando estamos estudando os sonhos, as barreiras de

recalque estão em alerta e nunca o desejo é tão explícito. Se está muito fácil, desconfie! “A
Psicanálise tem razão em ser desconfiada. Uma de suas regras é: qualquer coisa que perturbe o

prosseguimento do trabalho é uma resistência” (Freud, 2019, p. 566).

Strumpell, autor citado por Freud (2019) para falar sobre o esquecimento dos sonhos, declara

que

em primeiro lugar, agem sobre o esquecimento dos sonhos todas aquelas causas que provocam o

esquecimento também na vida de vigília. Costumamos esquecer imediatamente inúmeras

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sensações e percepções, as quais eram fracas demais, porque a excitação mental vinculada a elas

não apresentava um nível alto o suficiente. O mesmo se aplica também a muitas imagens oníricas;
são esquecidas porque eram fracas demais, enquanto imagens fortes, próximas àquelas, são

lembradas.

No entanto, Freud discorda do autor dizendo que o fator intensidade não é determinante para a

preservação das imagens oníricas, sendo esse um ponto importante para investigar o que colabora
para a produção dos sonhos. Chega-se a uma parte em que as associações se enfraquecem e nada

mais se pode dizer, caracterizando o umbigo do sonho.

Os detalhes mais insignificantes do sonho são relevantes para o processo de interpretação, as


nuances da linguagem e suas falhas de expressão também são importantes no sonho interpretado.

Em alguns momentos, parece que o discurso apresentado é absurdo ou insuficiente, mesmo assim
tudo precisa ser explicado. Ao reproduzir o sonho, há uma deformação, que é chamada de

elaboração secundária. Essa deformação ocorre em decorrência da censura onírica a que os


pensamentos são submetidos.

Também existe a preocupação excessiva em reproduzir corretamente o sonho ou o seu detalhe,


muito comum em sujeitos que estão iniciando a análise. Isso também é uma censura do sonho e
resistência da entrada dos pensamentos oníricos na consciência. O deslocamento e substituições

nem sempre são suficientes para burlar a censura, que pode aparecer como dúvida de uma forma
muito sutil. Por exemplo: “será que minha roupa era calça ou saia?”. A dúvida não ataca os elementos

mais intensos do sonho e sim os fracos. É preciso ficar atento ao que perturba o andamento da
interpretação dos sonhos, pois há uma resistência.

Freud (2019) afirma que o esquecimento do sonho depende muito mais do processo de
resistência do que dos estados de vigília. “Os sonhos não são esquecidos e podem ser perfeitamente

comparados a outras funções psíquicas no que concerne a sua retenção na memória” (p. 571).

Existem pacientes que se lembram de sonhos de muitos anos atrás e que podem ser contados
como se fossem da noite anterior, obtendo sucesso da mesma maneira.

Quem se propõe a analisar o inconsciente precisa ter uma escuta despretensiosa, despreocupada

quanto ao resultado e assim também é no sonho. Quem seguir essa recomendação não achará tão
difícil a tarefa. A interpretação de um sonho poderá ser fragmentada para compreender suas partes

de forma minuciosa. Pode acontecer de seguirmos uma cadeia de associações e notarmos que

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chegamos ao limite da escuta. Desta forma, nada mais dirá o sonho e é recomendável que se encerre

a sessão e que se retorne em um próximo encontro. Isso pode ser chamado de interpretação
fracionada dos sonhos.

O mais difícil é levar o iniciante na interpretação dos sonhos a reconhecer o fato de que sua tarefa

não está plenamente realizada quando ele tem em mãos uma interpretação do sonho completa,
que faz sentido, é coerente e explica todos os elementos do conteúdo do sonho. É possível que

haja ainda outra, uma sobreinterpretação do mesmo sonho, que lhe escapou. Realmente não é fácil
ter uma noção da riqueza de pensamentos inconscientes que lutam por expressão em nossa mente

e crer na habilidade que tem o trabalho do sonho de utilizar expressões de múltiplos sentidos.

(Freud, 2019, p. 573)

Não é uma regra ter múltiplas interpretações, “o trabalho do sonho se encontra ante a tarefa de

transformar em sonho uma série de pensamentos muitos abstratos da vida de vigília, que não
podiam ser representados diretamente” (Freud, 2019, p. 574).

“O primeiro passo na aplicação desse procedimento ensina que não podemos fazer do sonho
como um todo o objeto da atenção, mas apenas os elementos de seu conteúdo” (Freud, 2019, p.

135).

TEMA 4 – UMBIGO DO SONHO

O umbigo do sonho é onde as associações se esvaziam, não se tem mais o que dizer ou não se

consegue falar mais nada do sonho. É o lugar onde se tem a trama onírica e o desejo está localizado,
que se tem o indivisível do inconsciente para o consciente.

No livro de 1900, Freud aborda duas vezes o umbigo do sonho. A primeira é no caso injeção de
Irma. Em uma nota de rodapé, ele diz o seguinte: “Cada sonho tem pelo menos um ponto em que ele

é insondável, um umbigo, por assim dizer, com o qual ele se vincula ao desconhecido” (Freud, 2019,
p. 143).

Não se deve pensar em uma exaustão de signos e significante, mas o umbigo é onde nasce o

sonho no inconsciente.

E por que a metáfora do umbigo? Para Belo (2011, p. 62), “O umbigo é uma cicatriz. É a marca de
nossa origem. E esta marca revela que nossa origem é sempre ligada ao outro. O umbigo é a marca

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do outro em nós. É o sinal que mostra que durante bastante tempo dependemos vitalmente do
outro”.

Em um segundo trecho sobre o umbigo do sonho, já no último capítulo do livro, Freud usa a

metáfora do cogumelo para exemplificar.

Mesmo no sonho mais minuciosamente interpretado, é frequente haver um trecho que tem de ser

deixado na obscuridade; é que, durante o trabalho de interpretação, apercebemo-nos de que há


nesse ponto um emaranhado de pensamentos oníricos que não se deixa desenredar e que, além

disso, nada acrescenta a nosso conhecimento do conteúdo do sonho. Esse é o umbigo do sonho, o
ponto onde ele mergulha no desconhecido. Os pensamentos oníricos a que somos levados pela

interpretação não podem, pela natureza das coisas, ter um fim definido; estão fadados a ramificar-

se em todas as direções dentro da intrincada rede de nosso mundo do pensamento. É de algum


ponto em que essa trama é particularmente fechada que brota o desejo do sonho, tal como um

cogumelo de seu micélio. (Freud, 2019, p. 557)

Nesse momento, você pode estar se perguntando o que é um micélio de cogumelo? O micélio

vegetativo (raiz ou rizoma) é um emaranhado de fios que sai da terra e forma o cogumelo. É possível
entender o porquê de Freud usar a metáfora do micélio para falar do sonho, pois é a partir dele que

se tem o conteúdo latente, que as coisas se misturam e o conteúdo manifesto aparece organizado.

O sonho, com seu conteúdo manifesto, se apresenta ao sonhador e, conforme é analisado, o

conteúdo latente aparece e se descobre o desejo que deu origem ao sonho.

TEMA 5 – A IMPORTÂNCIA DA INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS


PARA A PSICANÁLISE

Os estudantes de psicanálise podem se assustar com a densidade de informações do livro de


Freud que estamos abordando nesta etapa e até mesmo questionar os motivos para se estudar um

texto de 1900, pois a obra de Freud muda muitos conceitos no decorrer do tempo. Muito se
acrescentou às discussões sobre o tema. Os sonhos estão intimamente relacionados ao início da

psicanálise, como bem mencionado. Os analistas em formação que assim desejarem podem usar esse
tema para fazer uma trilha do conhecimento nos conceitos importantes da obra freudiana. Nos

capítulos VI e VII do livro, encontrará o início da teoria geral do aparelho psíquico e conceitos como
angústia, Édipo, sintoma, fantasia, dentre outros.

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Freud orienta que a análise do sonho é a via régia do inconsciente, não a única, mas a estrada

principal. De uma forma clara e objetiva ,Freud dá as seguintes orientações: “ninguém deve esperar
que a interpretação de seu sonho caia do céu sem esforço próprio” (Freud, 2019, p. 572), dizendo
ainda que muitos o acusarão de genialidade, mas somente quem adquirir experiência própria saberá

analisar melhor. Aqui se estabelece a premissa de que o analista precisa, primeiramente, ser
analisado.

Kantowitz (citado por Cheniaux, 2006) critica a formação e o interesse dos psicanalistas iniciantes
das últimas décadas, que não valorizam esse saber freudiano. Foi realizada uma pesquisa com o

currículo de 28 institutos de psicanálise nos EUA e constatou-se que as horas dedicadas na estudos
dos sonhos no período de 1998-1999 foi muito menor que no biênio de 1980-1981. Os dados ficam

como uma prova para a necessidade de novas pesquisas e estímulos de aprofundamento do tema.

NA PRÁTICA

Um dos casos contado por Freud (2019) é de um homem jovem, apresentado a seguir:

Ele sonhou que voltava a vestir seu casaco de inverno, o que é terrível. A ocasião para esse sonho é,

supostamente, o retorno do tempo frio. Uma avaliação mais sutil, porém, perceberá que as duas

partes breves do sonho não combinam muito bem, pois por que seria “terrível” vestir o casaco
grosso ou pesado no frio? Contrariando a inocência do sonho, a primeira associação durante a

análise traz a lembrança de que ontem uma senhora lhe confessou um segredo que seu último
filho deve sua existência a um preservativo rompido. Agora, ele reconstrói os pensamentos que

teve oportunidade: “um preservativo é, justamente, um sobretudo”, pois nós o sobrepomos; é assim

que chamamos também um casaco leve. Um evento do tipo relatado pela mulher seria, porém,
terrível para um homem solteiro. (Freud, 2019, p. 222-223)

Para muitos analistas, a explicação do início do inverno seria o suficiente para justificar o sonho,

mas, como Freud sabia que os sonhos são realização de desejos inconscientes, insistiu na
investigação, possibilitando que, pelo conteúdo manifesto, a deformação onírica fosse desfeita e

trouxesse o conteúdo latente.

O sonho não se ocupa de miudezas, não perde tempo, usa como fonte as vivências do dia. Por

isso, você pode ir direto a essa fonte e o sonho se revelará com mais clareza.

FINALIZANDO
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Os sonhos representam vivências importantes do cotidiano. Ele não se ocupará de miudezas e


não permitirá que algo trivial perturbe nosso sono. No trabalho de análise do sonho, frequentemente

se encontram as vivências infantis, que nos conteúdos latentes têm o papel de fontes oníricas. Os

desejos representados no sonho nem sempre são atuais, podendo ser reprimidos, passados ou

encobertos, ganhando novos disfarces e reaparecendo no sonho.

Os sonhos são instigados pela pulsão, que é o limite entre o somático e o psíquico, que as

neurociências tentam explicar pelas reações dopaminérgicas. Freud criou o aparelho psíquico para
descrever seu funcionamento.

REFERÊNCIAS

BELO, F. Sobre o amor e outros ensaios de psicanálise e pragmatismo. Belo Horizonte:

Ophicina de Arte & Prosa, 2011.

CHENIAUX. E. Os sonhos: integrando as visões psicanalítica e neurocientífica. 2006. Revista de

Psiquiatria do Rio Grande do Sul, ano 28, n. 2, ago. 2006.   Disponível em:
<https://doi.org/10.1590/S0101-81082006000200009>. Acesso em: 22 nov. 2022.

FREUD, S. A interpretação dos Sonhos. São Paulo. Ed. Companhias das Letras, 2019.

GARCIA-ROZA, L. A. Instrodução à Metapsicologia Freudiana (Vol. 2). Rio de Janeiro: Jorge


Zahar Ed., 2004.

PEDROSA, M. M. Sonhos e Vida Real. Sono: uma publicação da Associação Brasileira do Sono.
[S.l.], jul ago. set. 2021.Disponível em: <https://absono.com.br/wp-

content/uploads/2021/10/revista_sono_edicao_27_online-1.pdf>. Acesso em: 22 nov. 2022.

PLON, M; ROUDINESCO, E. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

RIBEIRO, S. O oráculo da noite: A história e a ciência do sono. São Paulo: Editora Schwarcz S.A.,

2019.

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INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS
AULA 2

 
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Prof.ª Paula Leticia Fernandes Pereira Siqueira

CONVERSA INICIAL

Em conteúdos anteriores, falamos sobre o contexto da criação do livro A interpretação dos

sonhos, a visão das neurociências sobre o sonhar nos dias atuais e a visão psicanalítica sobre os

sonhos, acrescentando o umbigo do sonho e a importância da interpretação dos sonhos na

psicanálise.

Nesta etapa, desenvolveremos os conceitos da primeira tópica, inconsciente, pré-consciente,


consciência, recalque e figuração. Em capítulos posteriores, trataremos do famoso sonho de Freud

sobre a injeção de Irma, além de investigarmos a função do sonho, os sonhos de angústia e os afetos

nos sonhos. Pesquisaremos, também, sobre os símbolos e o desejo no sonho. Por fim, não menos

importante, os sonhos a partir de 1915.

O objetivo desta etapa é introduzir a primeira tópica e a criação do inconsciente freudiano, bem

como percorrer os conceitos que fundam o aparelho psíquico que são a base para a interpretação

dos sonhos. 

TEMA 1 – PRIMEIRA TÓPICA E A CRIAÇÃO DO INCONSCIENTE


FREUDIANO

No ano de 1885, Sigmund Freud foi para Paris para trabalhar com Jean-Martin Charcot, e

naquela cidade passou 19 semanas estudando as histéricas com a técnica da hipnose. Porém, no livro

Estudos sobre a histeria, declarou ser um péssimo hipnotizador.

“As experiências hipnóticas, aliás, especialmente a sugestão pós-hipnótica, demonstram de

modo tangível a existência e a maneira de operar do inconsciente psíquico, antes mesmo da época

da psicanálise” (Freud, 1915, p. 104).

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A partir dessas vivências ao lado de Charcot, Freud começou a interrogar o sofrimento das

histéricas e a formular hipóteses. Abriu-se um campo de investigação cientifica com um problema

empírico, no qual uma série de fenômenos são sintomas dos resultados do sofrimento psíquico. Ele

organizou esses sintomas por meio de um aparelho psíquico.

Conhecida como primeira tópica ou teoria topográfica, ela sugestiona a ideia de lugar na mente

para o inconsciente. Tópica vem do grego topos, que significa lugar.

A medicina da época estava buscando a causa orgânica para a histeria, mas Freud vê um corpo

pulsional e somente em 1915 vai escrever sobre as pulsões. Porém, esse conhecimento estava com
ele desde o início. O psicanalista precisou criar um aparelho para falar sobre o sofrimento das

neuroses, do qual nasceu a primeira tópica (inconsciente, pré-consciente e consciente) e organizaria a

teoria das pulsões sexuais e de autoconservação.

O inconsciente contém todo tipo de paixões. O homem instintivo se revela por meio dos sonhos,

no qual aparece o homem no todo, desde sua nudez até suas misérias inatas. “Ao suspender o

exercício de sua vontade, ele se transforma em brinquedo de todas as suas paixões das quais no seu

estado de vigília, a consciência, o senso de honra e o medo nos defendem” (Freud, p. 103).

O termo inconsciente começou a ser estudado e pensado muito antes de Freud. Plon e

Roudinescou (1998) informam que:

Conceitualmente empregado em língua inglesa pela primeira vez em 1751 (com a significação de

inconsciência), pelo jurista escocês Henry Home Kames (1696-1782), o termo inconsciente foi
depois vulgarizado na Alemanha*, no período romântico, e definido como um reservatório de

imagens mentais e uma fonte de paixões cujo conteúdo escapa à consciência. (Plon; Roudinescou,
1998, p. 375)

Somente em 1878 o termo inconsciente passou a fazer parte dos dicionários franceses. Freud
não foi o inventor da palavra inconsciente como muitos acreditam, mas foi ele quem, de fato, tirou o

inconsciente do status de “supraconsciência” e “subconsciente”, a qual se tornou uma instância em

que a consciência não tem acesso, mas que se revela a ela por intermédio do sonho, dos lapsos, dos

jogos de palavras, dos atos falhos etc. Freud recebeu influência de René Descartes com o dualismo

entre o corpo e a mente, em que a mente se torna lugar da razão em contraste com o universo da

desrazão. A psiquiatria dinâmica e a filosofia alemã também influenciaram na concepção inédita do

inconsciente com os autores

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[...] Wilhelm von Schelling (1775-1854) até Friedrich Nietzsche (1844-1900), passando por Arthur

Schopenhauer (1788- 1860). A filosofia alemã levou em conta uma visão do inconsciente oposta à
do racionalismo e sem uma relação direta com o ponto de vista terapêutico da psiquiatria

dinâmica. (Plon; Roudinescou, 1998, p. 375)

Em 1896, na carta enviada a Wilhelm Fliess, Freud contou ao amigo que pela primeira vez surgia

a formação do aparelho psíquico, formulado como consciente, pré-consciente e inconsciente. Em

1915, Freud admitiu que:

[...] esses dois (ou três) sistemas psíquicos, a psicanálise distanciou-se mais um passo da psicologia

descritiva da consciência, atribuindo-se uma nova colocação de problemas e um novo conteúdo.

Até então ela se diferenciava da psicologia sobretudo pela concepção dinâmica dos processos
anímicos; agora pretende considerar igualmente a topologia da psique. (p. 110)

De uma forma bastante sutil, Freud criticou a filosofia e a teoria de Theodor Lipps, afirmando

que o inconsciente é meramente o oposto da consciência e, para Lipps, a tese é que “tudo que existe

no psíquico existe de forma inconsciente; em parte, também na forma consciente” (Lipps, [S.d.], p.

668).

Freud afirmava que o sonho é onde o inconsciente se apresenta por meio de duas formas: o

inconsciente e o pré-consciente. O primeiro é incapaz de chegar à consciência e o último consegue

levar suas excitações a alcançar a consciência.

O inconsciente é uma parte que compõe a subjetividade do sujeito, mas não está acessível

facilmente, tem algo que resiste para que os desejos apareçam. Os representantes das pulsões

precisam passar pelas barreiras da censura no pré-consciente e também na consciência.

No inconsciente são encontradas as representações mais arcaicas, experiências que marcaram e

constituíram a subjetividade e o psiquismo, com traços mnêmicos e ligados às moções pulsionais

(desejos). Essas representações vão se ligando uma à outra, não por sentidos semelhantes, mas por
vivências do sujeito.

Um instinto não pode jamais se tornar objeto da consciência, apenas a ideia que o representa. Mas
também no inconsciente ele não pode ser representado senão pela a ideia. Se o instinto não se

prendesse a uma ideia não aparecesse como um estado afetivo, nada poderíamos saber sobre ele.

(p. 115)

A regulação desse sistema inconsciente é o princípio do prazer, que é marcado pela busca de

satisfação pulsional e realização de desejo. Freud (1917) aponta que “são sujeitos ao princípio de
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prazer; seu destino depende apenas de uma intensidade e de cumprirem ou não as exigências da

regulação de prazer e desprazer” (Freud, 1917, p. 128).

Os processos do sistema inconsciente são atemporais, não são ordenados temporalmente. Não

leva em conta também a realidade externa que é substituída pela psíquica. Esses processos são

regidos pelo princípio do prazer. Freud (1917) resume as características do processo inconsciente:

Ausência de contradição, processo primário (mobilidade dos investimentos), atemporalidade e

substituições da realidade psíquica externa pela psíquica são as características que podemos
esperar encontrar nos processos do sistema inconscientes. (Freud, 1917, p. 128)

Como pode se tornar conhecido o inconsciente? Apenas nas condições de sonhos, atos falhos,

chistes e das neuroses.

O inconsciente é algo vivo e capaz de desenvolvimento, e se engana quem acredita que ele é

algo rudimentar e acabado e está em constante movimento. Pode ter uma relação de cooperação

com o sistema pré-consciente.

O pré-consciente pode contestar a representação que vem do inconsciente e fazer o processo de

recalque.

TEMA 2 – PRÉ–CONSCIENTE E CONSCIENTE

De uma forma direta, Freud declarou que a consciência “nada mais é do que um órgão sensorial

para a percepção de qualidades psíquicas” (Freud, 2019, p. 669). O caminho do desejo inconsciente

até o sonho é pela ligação com os restos diurnos em que vai se infiltrando por meio do pré-

consciente para tentar chegar na consciência. “Este caminho, normalmente seguido pelos processos

de pensamentos, esbarra com a censura que opera entre o Pcs e o Cs e com os estados de sono”

(Freud, 2019, p. 203).

A partir de então, o processo onírico empreende um caminho regressivo que se encontra aberto

pelo estado de sono e também pela atração exercida por grupos mnêmicos que existem apenas
como investimento visuais e não sob a forma mais elaborada propiciada pelos sistemas Pcs/Cs.

Nesse percurso regressivo, o processo onírico adquire figurabilidade. (Freud, 2019, p. 203)

A primeira parte é construída pelas cenas de fantasia do inconsciente ao pré-consciente. Já na

segunda parte, ele vai do pré-consciente de volta às percepções. Nesse processo, ele se livra da

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censura e conquista a consciência.

Uma das características da consciência é ser suscetível à excitação e é incapaz de preservar

traços de modificações, isto é, sem memória.

No período de vigília, a consciência recebe muitas excitações que vêm das extremidades do

aparelho psíquico, do sistema perceptivo, gerando prazer e desprazer em razão das mudanças

internas.

Os desejos pré-conscientes não se misturam com o desejo inconsciente (recalcado) nem com os

restos diurnos, mesmo que se associem na formação dos sonhos.

A consciência é regida pelo princípio de realidade, mas não é soberano, pois depende do
princípio de prazer, que é o princípio fundamental de regulação do aparelho psíquico.

TEMA 3 – DESLOCAMENTO E CONDENSAÇÃO

É com base no conteúdo latente do sonho ou no pensamento onírico que se desenvolve a

solução dos sonhos e, por intermédio do conteúdo manifesto, a narrativa do sonho. O paciente, ao
contar o sonho, já passou pelas barreiras da censura. Freud aponta que o conteúdo do sonho é

fornecido em forma pictografia (rébus). “Nós nos enganaríamos se lêssemos esses signos segundo
seu valor como imagem à minha frente um enigma e não conforme sua relação semiótica” (Freud,
2019, p. 318). Em resumo, a composição e os elementos do rébus não fazem sentido por si só, mas,

se cada imagem for transformada em palavra, pode se formar uma frase. “As palavras que assim se
formam deixam de ser sem sentido e podem resultar numa bela e significativa frase poética” (Freud,

2019, p. 319).

Garcia-Roza (2004) aponta que a condensação opera de três maneiras:

Primeiro, omitindo determinado elemento dos pensamentos latentes; segundo permitindo que

apenas um fragmento do conteúdo latente apareça no sonho manifesto; terceiro, combinando

vários elementos do conteúdo latente que possuem algo em comum num único elemento do
conteúdo manifesto. (Garcia-Roza, 2004, p. 93)

Na condensação, encontram-se pontos nodais que são pontos de cruzamento de vários


pensamentos latentes. Um exemplo claro da condensação é quando há uma superposição de

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imagem, em que uma pessoa no sonho manifesto está representando várias pessoas ao mesmo

tempo.

É possível observar a condensação no chiste, esquecimentos de palavras. Freud exemplifica a

condensação com as palavras:

A condensação atua sobre as duas palavras, uma desaparece em função da segunda, menos

resistente e unifica as duas na construção do chiste na palavra familiar.

O trabalho do sonho também conta com o mecanismo de deslocamento. Esse é feito da censura
onírica, que dificulta ou impossibilita rastrear o caminho que leva ao pensamento latente no sonho

manifesto. O deslocamento se reveste de um estranhamento, criado pela trama de representações.


Freud orienta que a fala onírica é composta por várias lembranças.

As palavras são conservadas sem alteração ou levemente deslocada na expressão; muitas vezes fala

onírica é composta de diversas lembranças de falas; as palavras permanecem iguais, sentido pode
ser outro ou vários outros. Não raramente, a fala onírica serve como mera alusão a um evento em

que a fala lembrada ocorreu. (Freud, 2019, p. 346)

“O deslocamento do sonho é um dos principais recursos para obter a deformação do sonho”, diz
Freud, o que influencia a deformação é a censura, da defesa endopsíquica.

De um lado, o trabalho do sonho manifesta conteúdos com alto valor psíquico e, do outro, por
meio da sobredeterminação, criando novos elementos inferiores, que conseguem passar pela barreira

da censura e o conteúdo chega ao sonho. Mediante isso, ocorreu uma transferência e deslocamento
das intensidades psíquicas dos elementos. Isso é o deslocamento do sonho. “Deslocamento e

condensação do sonho são os dois mestres artesãos cuja atividade podemos atribuir essencialmente
à forma do sonho” (Freud, 2019, p. 350).

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Existe uma única maneira de o conteúdo latente chegar ao sonho: é escapando da censura da
resistência.

Para motivar o leitor a aplicar os conteúdos aprendidos até aqui, será apresentado o relato de
um pequeno sonhador, uma criança de 3 anos.

Um menino que ainda não completou quatro anos de idade conta: E ele viu uma grande tigela

guarnecida, na qual havia um grande pedaço de carne assada. De repente, o pedaço havia sido
comido inteiramente – sem ter sido cortado. Ele não viu a pessoa que comeu. (Freud, 2019, p 309)

Analise:

Há alguns dias, o menino tinha passado por uma dieta restritiva, alimentando-se só de leite e, na
noite do sonho, ficou de castigo e não pôde jantar. O castigo de ficar sem comer já era recorrente: no

episódio anterior, suportou com bravura a fome, pois sabia que nada receberia se pedisse. A
educação mostra seus efeitos no sonho e na deformação onírica.

Quem deseja uma refeição farta é o bravo garotinho, que nega sua fome e evita anunciá-la aos

cuidadores. A imagem de quem comeu permanece encoberta.

Uma criança de 3 a 4 anos que recebe o castigo de ficar sem o jantar, estando com fome, no

mínimo apresenta um sentimento de desamparo e ódio aos pais.

Na nota de rodapé, Freud aponta que o grande, exagerado no sonho pode indicar a
característica da infância. O maior desejo da criança é crescer e receber tudo que os adultos têm.

3.1 CONTEÚDO LATENTE

A Interpretação dos sonhos é a maneira como a psicanálise busca significação ao conteúdo


latente do sonho, revelando o desejo inconsciente.

O sonhador tem um saber que não lhe é acessível de forma imediata, pois está no inconsciente.

Na consciência, existe um primeiro registro, que é substituído pelo segundo registro do inconsciente.
Esses registros podem ser nomeados como conteúdo manifesto do sonho (consciente) e pensamento

latente do sonho (inconsciente). “Aquilo que o sonhador tem acesso é conteúdo manifesto, isto é, ao
sonho sonhado e recordado por ele ao despertar” (Garcia-Roza, 2004, p. 81). Esse é o substituto

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distorcido do inconsciente, que são os pensamentos latentes. Os pensamentos latentes são a matéria

prima dos sonhos manifestos.

Basta observar que nossa teoria não se baseia na apreciação do conteúdo onírico manifesto; diz

respeito, isto sim, ao conteúdo de pensamentos que descobrimos por trás do sonho, mediante o
trabalho interpretativo. Devemos contrapor o conteúdo onírico manifesto ao conteúdo onírico

latente. (Freud, 2019, p. 168)

O conteúdo latente é um conjunto de significações com produção do inconsciente por meio dos

sonhos. Ele é transformado de imagem para discurso. Freud aponta que os conteúdos latentes são
deformados, a ponto de se tornar o contrário, como um meio de dissimulação.

Quantos mais nos aprofundamos na análise dos sonhos, mais frequentemente deparamos com as

vivencias infantis, que no conteúdo latente do sonho têm o papel de fonte onírica. (Freud, 2019, p.

234)

O conteúdo latente é a reprodução do recalcado por intermédio das imagens infantis.

3.2 CONTEÚDO MANIFESTO

O conteúdo manifesto é o que se apresenta ao sonhador e pode ser contado pelo sonhador.

Quando se tem acesso somente ao conteúdo manifesto, parece que está relacionada somente às
situações do dia a dia, mas quando ele passa pela análise, encontra-se outra fonte dos sonhos, outra

vivência. Todos os sonhos têm uma ligação com as vivências do dia transcorrido. Freud dá uma dica
valiosa para os analistas: “Tendo conhecimento disso, posso começar a interpretação do sonho;

investigando primeiro a vivência que instigou o sonho; em muitos casos esse é o caminho mais
rápido” (Freud, 2019, p. 199).

O que sonhamos deve ser reconhecido como algo significativo. “O sonho jamais se ocupa de

miudezas; não permitindo que algo trivial perturbe o sono” (Freud, 2019, p. 219). O conteúdo do
sonho sofre influência direta das vivências infantis.

TEMA 4 – RECALQUE E REPRESSÃO

Segundo Freud (1917,) o recalque é a pedra angular da teoria psicanalítica.  

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Como nasceu o conceito do recalque? Quando Freud começou a tratar os neuróticos, ele
apostou que existia uma lembrança traumática esquecida pelo sujeito. Essa lembrança se tornou

causa do adoecimento neurótico.

A representação está ligada à lembrança, implica um desejo inconsciente e se torna incompatível


pela intensidade que ele carrega e a direção que ele toma, criando-se o trauma. Ele se defende da

experiência com o recalque.

A repressão não impede a representação de o instinto prosseguir existindo no inconsciente, de

continuar se organizando, formando derivados e estabelecendo conexão. Na realidade, a repressão


perturba apenas a relação com um sistema psíquico, o do inconsciente. (Freud, 1917, p. 87)

O analista estimula continuamente o paciente a reproduzir o material reprimido (recalcado) por

meio da associação livre, atos falhos, chistes, sonhos, os quais, por causa da deformação, podem
passar pela censura do inconsciente. Mas aqui precisamos de muito cuidado, pois existe algum

motivo de a censura ter trabalhado sobre aquele desejo.

De modo geral não podemos dizer até onde tem que ir o distanciamento e deformação do
reprimido para que a resistência do consciente seja removida. Aí recorre um sutil só pensamento,

cuja ação nos escapa, mas cujo efeito nos permite inferir que a questão é parar antes que o

investimento do inconsciente atinja uma determinada intensidade, além da qual ele procederia
rumo à satisfação. (Freud, 1917, p. 89)

A lembrança recalcada faz o seu retorno por meio das formações do inconsciente e das
formações substitutivas. Sabemos igualmente que o recalque deixa sintomas.

TEMA 5 – A FIGURAÇÃO DO SONHO

Garcia-Roza (2004) alerta que é difícil escapar de ver o sonho como um simples resíduo do
pensamento. Mas o sonho não tem a mesma potência lógica que se encontra no pensamento

consciente. O sonho é capaz de transformar os pensamentos oníricos em atos.

O que está em jogo na consideração à figurabilidade é a seleção dos pensamentos capazes de

serem expressos em imagem, o que tem como consequência um sacrifício das relações lógicas que
são pura e simplesmente eliminadas ou que são substituídas por relação entre imagens que

procuram traduzir, à sua maneira, essas relações lógicas. (Garcia-Roza, 2004, p. 104)

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O trabalho do sonho modifica pensamentos e palavras em imagem e imagens sensoriais. Os

pensamentos têm como fonte as impressões. Nesse caminho se faz um triplo registro.

Primeiramente, num registro temporal, implicando um retorno a estágios anteriores; segundo, num

registro tópico, implicando uma mudança de sistema psíquicos (do pré-consciente / consciente
para o inconsciente); finalmente, num registro formal, passando para o modo de expressão de um

nível inferior do ponto de vista da complexidade. (Garcia-Roza, 2004, p. 103)

A transformação de pensamento em imagem é realizada pelo trabalho do sonho e o trabalho da

interpretação é devolver a imagem ao discurso simbólico.

Os conteúdos latentes têm como fonte dos sonhos as experiências da infância, e isso vale para
todos os humanos. Freud afirma:

Naturalmente minha coleção possui um rico estoque desse tipo de sonho de pacientes, cuja análise

nos leva a impressão da infância obscura ou não mais lembrada, muitas vezes dos três primeiros

anos de vida. Mas não devemos tirar deles conclusões sobre o sonho em geral, pois, em regra,
trata-se de pessoas neuróticas, especialmente histéricas, e o papel que cabe a essas cenas infantis

nos sonhos podem ser determinado pela natureza de neurose, não pela do sonho. No entanto, na
interpretação de meus próprios sonhos - que realizo não por causa de sintomas patológicos graves

– ,ocorre-me com a mesma frequência que, inesperadamente, deparo com uma cena infantil no

conteúdo latente do sonho e que toda uma série de sonhos desemboca em vias que partem de
uma vivência da infância. (Freud, 2019, p. 240-241)

Para encerrar, será apresentado um caso clínico do Freud, em que a influência das experiências

infantis fica muito evidente no sonho.

NA PRÁTICA
Uma paciente teve o seguinte sonho: ela está num quarto grande, onde há vários tipos de

máquinas, mais ou menos como ela imagina uma oficina ortopédica. Ela fica sabendo que eu não
tenho tempo e que precisará fazer o tratamento com outros cinco ao mesmo tempo. Ela se recusa,

porém, e não quer deitar naquilo que parece ser a cama que lhe foi atribuída. Ela fica num canto e
espera e espera até que eu diga que não é verdade. Entrementes, os outros riem dela, dizem que

está de brincadeira. – Ao mesmo tempo, é como se ela estivesse desenhando muitos quadrados

pequenos. (Freud, 2019, p. 236)

Análise do sonho:

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A primeira parte do conteúdo do sonho se liga ao tratamento e à transferência amorosa para


Freud. A imagem da cama com grades ao lado e o berço fazem referência a uma cena infantil. O

conteúdo da oficina ortopédica remete a uma palestra de Freud e compara o tratamento analítico a

um procedimento ortopédico.

No início do tratamento, Freud informa à paciente que terá pouco tempo para ela, mas que,

depois, dedicaria uma hora inteira a ela. Nesse ponto, Freud consegue perceber que a fala dele

despertou nela uma característica da criança histérica. "Elas são insaciáveis em seu desejo de amor”.

O número cinco do sonho remete aos seus cinco irmãos, pois ela era a caçula e a preferida do
pai e, mesmo assim a atenção que o pai lhe oferecia não era o suficiente.

A parte do sonho que ela espera que Freud lhe diga a verdade é fundamentada na vivência em

uma situação com o marido. Nesse caso, ele debocha dela por questionar se o alfaiate pagar

novamente, caso perdesse o dinheiro que ela o entregou. Ele, ironicamente, responde que sim. Ela

não entende o deboche dele e lhe pergunta várias vezes, até que ele confirma que não é verdade.

O conteúdo latente do sonho: ela teria que pagar o dobro se eu lhe dedicasse o dobro de

tempo? Freud nomeia o pensamento onírico como avarento e sujo. Assim como a criança que molha
a cama, a falta de higiene é trocada pela avareza.

O ficar no canto e não querer se deitar é uma deformação onírica que pode ser remetida à

criança que permanece de castigo por sujar a cama, sob a ameaça de que o pai não a amaria mais.

Os quadrados aludem à tarefa de matemática de sua sobrinha, que a soma resulta em 15. Aqui,

fica a possibilidade de Freud ter lhe oferecido 15 minutos de sessão.

FINALIZANDO

Como mencionamos anteriormente, o objetivo foi introduzir a primeira tópica, desenvolvendo o

conceito de inconsciente freudiano e todo o aparato do aparelho psíquico, pois essa foi a grande
descoberta de Freud. O desenvolvimento do aparelho e seu funcionamento possibilita entender a

formação do sonho.

Esperamos que tenham aproveitado até aqui para conhecer um pouco mais sobre os sonhos e

sua formação e convidamos a todos a continuar acompanhando os conteúdos para saber como os

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nodais da psicanálise podem ser trilhadas pelos caminhos dos sonhos.

REFERÊNCIAS

FREUD, S. A interpretação dos sonhos. São Paulo: Companhias das Letras, 2019.

GARCIA-ROZA, L. A. Introdução à metapsicologia freudiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

v. 1, v. 2 e v. 3.

LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,

2001.

Lima, A. P. O modelo estrutural de Freud e o cérebro: uma proposta de integração entre a


psicanálise e a neurofisiologia. São Paulo: Archives of Clinical Psychiatry, Scielo, 2010

PLON, M.; ROUDINESCO, E. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

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INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS
AULA 3

 
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Prof.ª Paula Leticia Fernandes Pereira Siqueira

CONVERSA INICIAL

REVISÃO DO SONHO A INJEÇÃO DE IRMA

Nosso estudo está dividido em 6 partes, e nelas trataremos de temas que ajudam na construção

da análise dos sonhos. Anteriormente, falamos sobre o contexto da criação do livro A interpretação

dos sonhos; a visão, nos dias atuais, das neurociências sobre o sonhar, e a visão psicanalítica sobre os

sonhos, acrescentando o umbigo do sonho e a importância da interpretação dos sonhos na


psicanálise.

Depois, desenvolvemos os conceitos de primeira tópica, inconsciente, pré-consciente,

consciência, recalque e figuração. Nesta abordagem, trataremos do famoso sonho do Freud sobre a

injeção de Irma. Posteriormente, o objetivo será investigar a função do sonho, os sonhos de angústia

e os afetos nos sonhos. Na sequência, pesquisaremos sobre os símbolos e o desejo no sonho. Por

último, e não menos importante, os sonhos a partir de 1915.

O objetivo desta abordagem é apresentar o sonho de Freud A Injeção de Irma, desenvolvendo a

capacidade de análise e interpretação do sonhos.

TEMA 1 – O SONHO INJEÇÃO DE IRMA – DE 23/24 DE JULHO DE


1895

O sonho da injeção de Irma foi sonhado pelo próprio Freud nas férias de 1895. Usou esse sonho

como guia para elaboração da teoria dos sonhos e sua interpretação. Esse sonho tem uma riqueza de

detalhes muito grande e necessita ser transcrito na íntegra para familiarizar os leitores. Freud (1900)

relata seu sonho:

Um grande salão ­– muitos convidados que recebemos. – Entre eles Irma, que imediatamente

chamo de lado, como que para responder à sua carta e para recriminá-la por ainda não aceitar a

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minha “solução”. Digo a ela: ‘se ainda sente dores, é exclusivamente culpa sua’. – Ela responde: “Se

você soubesse quantas dores eu sinto agora na garganta, no estômago e no ventre – elas me
sufocam”. – Eu me assusto quando olho para ela. Parece pálida e inchada; penso que talvez eu não

esteja reconhecendo algo orgânico. Levo-a até a janela e examino sua garganta. Ela resiste um
pouco, semelhante às mulheres que usam dentadura artificial. Penso comigo mesmo que ela não

precisaria fazer aquilo. – Então ela abre a boca adequadamente, e à direita descubro uma grande

mancha branca; em outro lugar vejo, em estranhas formações crespas, que evidentemente tinham
com modelo os ossos turbinados do nariz, extensas crostas cinzentas esbranquiçadas. – Chamo

rapidamente o Dr. M., que repete e confirma o exame ... A aparência do Dr. M. é muito diferente da
de costume; está muito pálido, manca, e o queixo está sem barba... Agora meu amigo Otto também

está ao lado dela, e meu amigo Leopold a ausculta através do corpete e diz: “Ela tem uma área

amortecida embaixo, à esquerda”; ele indica também que uma parte da pele do ombro esquerdo
esta infiltrada (algo que, com ele, também consigo sentir, apesar do vestido)... M. diz: “Não há

dúvidas, é uma infecção, mas não importa; virá ainda uma disenteria, e o veneno será eliminado...”.
De imediato, também sei a origem da infecção. Recentemente, quando ela se sentiu indisposta, o

amigo Otto lhe aplicou uma injeção com um preparado de propil, propileno... ácido propiônico...

TRIMETILAMINA (vejo essa fórmula em negrito diante dos meus olhos)... Esse tipo de injeção não se
aplica levianamente ... Também é provável que a seringa não estivesse limpa. (p.139)

TEMA 2 – RELATO PRELIMINAR

Por volta de julho de 1895, Freud e a família saíram de férias, passaram o verão em uma casa

isolada nas colinas de Kahlenberg. A casa foi projetada com salões para eventos. A esposa do Freud

estava com a expectativa de receber vários amigos, entre eles Irma, que também foi convidada para

comemorar seu aniversário.

Mesmo sendo amiga próxima de Freud e sua esposa Martha, Irma iniciou o tratamento com

Freud por sintomas histéricos, que diminuíram, mas os sintomas somáticos não.

Ainda sem ter uma direção clara sobre a direção de cura para a histeria, Freud propõe a Irma um
tratamento do qual ela não se agradou, e sua família também não o aceitou, e isso enfraqueceu a

relação de amizade deles.

Nesse período, Freud recebe em sua casa o seu amigo Dr. Otto, que também avaliou Irma. Freud

pergunta como Irma está, e Otto, em tom de repreensão diz que ela está melhor, porém não

completamente bem. Freud fica irritado com a postura do amigo e acredita que este tomara partido

da família de Irma, que havia reprovado o tratamento de Freud.

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No mesmo dia da conversa com Otto, Freud foi redigir o estudo de caso da Irma, com a

finalidade de entregar ao seu amigo Dr. M, personalidade de maior autoridade do círculo de

médicos. Na noite desse mesmo dia, teve o sonho da injeção de Irma e o anotou imediatamente ao

acordar.

Freud fica incomodado com a situação da paciente e do Dr. Otto, e o sonho expressa o

sentimento que ele não conseguiu identificar durante o dia na conversa com o amigo.

TEMA 3 – ANÁLISE DO SONHO

A análise desse sonho será feita de acordo com as partes mais importantes interpretadas por

Freud.

O primeiro ponto foi o local do sonho, identificado por Freud como o salão da casa de férias

onde eles estavam.

Recrimina Irma por não aceitar a solução proposta por Freud, e a acusa por ainda sentir

dores, se vingando da paciente.

As queixas de dores na garganta, no ventre e no estômago são escolhidas sem base no real,
e Freud não consegue interpretar sua escolha.

A palidez e o inchaço da paciente remetem a outra pessoa.

Freud se assusta com a ideia de ter ignorado uma alteração patológica, mas também

interpreta o desejo de não ser responsável pela patologia de Irma, pois se propôs a tratar a

histeria, e não sintomas orgânicos.

Na cena que Freud chama Irma à janela, ela vai, mas resistente, e ele a compara a mulheres

que usam dentadura (dentes falsos).

Nesse ponto do sonho, Freud consegue nomear as mulheres condensadas na imagem de Irma.

A governanta de Freud é uma mulher com aparência jovial, mas que esconde a dentadura.

Também fala de uma amiga de Irma, mais inteligente que ela, que também sofre de histeria,

mas não aceita o tratamento do Freud. E a última é uma moça com dentes estragados, que se

envergonha com a presença de Freud.

Na garganta vê uma mancha branca e os ossos turbinados cobertos de crosta.

A mancha branca remete a Freud, à doença de sua filha mais velha, e também o uso de cocaína,

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do próprio Freud, e o sentimento de culpa pela morte de um amigo querido por abusar da

droga.

Dr. M repete o exame rapidamente.

Freud associa a lembrança de um erro médico que cometeu e precisou chamar rapidamente um

colega experiente. A paciente envolvida se chamava Mathilde, assim como sua filha mais velha.

O sentimento de culpa latente aparece, por falta de escrúpulo profissional.

Dr. M está pálido, sem barba no queixo e manca.

A imagem do Dr. M esta condensada com a do irmão mais velho de Freud, que está mancando

e barbeia seu queixo. Ele estava aborrecido com os dois por não aceitarem suas sugestões, aí o

motivo da condensação.

Otto está do lado da paciente, e Leopold a examina.

A cena remete à situação vivenciada no hospital, quando Freud era o chefe deles. Uma posição

de autoridade sobre Otto.

Amortecimento embaixo, à esquerda.

Novamente o sonho aponta o desejo de Freud em atender a amiga de Irma, pois essa senhora

imita uma tuberculose.

Uma parte da pele infiltrada.


Indicação das dores que o próprio Freud sentia pelo reumatismo.

Apesar do vestido.

Nessa parte, Freud parece bastante contido em interpretar o seu próprio desejo.

O diagnóstico do Dr. M. de afecção.

Um problema orgânico generalizado.

Não importa!

Se for um problema orgânico, o tratamento psíquico nada pode ser responsabilizado e “afasto

a culpa de mim”.

Disenteria.

Deslocou-se da histeria para disenteria, a qual os médicos nada sabem.

Quando ela se sentiu mal, Otto lhe aplicou uma injeção.

Forma de desqualificar o amigo Otto, que diminui o seu tratamento com Irma.

Propil... propileno... ácido propiônico.

FEra um presente de Otto, um licor que, segundo Freud, exalava um cheiro forte de aguardente

barata. Ele orientou a esposa a jogar fora, pois tinha medo de envenenar alguém.

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Trimetilamina

Faz referência a uma conversa com Fliess, que aponta a trimetilamina com um produto do

metabolismo sexual. É um amigo que Freud divide suas pesquisas e que entende que as

doenças de Irma são neuróticas.

Esse tipo de injeção não se aplica levianamente.

Freud acusa o amigo de leviano e precipitado por não ouvi-lo, antes de sentenciá-lo.

É provável que a seringa não estivesse limpa.


A partir da lembrança de uma senhora com flebite, pode-se associar à esposa, à Irma e à

falecida Mathilde, todas com doenças circulatórias. Com essa interpretação detalhada do
sonho, Freud conclui que “O sonho é a realização de desejo”.

TEMA 4 – DISCUSSÃO SOBRE O SONHO

Irma era uma jovem e bela viúva, e, como já relatado, amiga íntima da família de Freud.

O sonho ocorreu em meados de 1895, antes de Freud concluir o projeto e 5 anos antes de

publicar A interpretação dos sonhos. Ele, nesse período, estava atravessado pela questão do
diagnóstico, inicialmente não estava seguro se Irma sofria de histeria ou um sofrimento físico. Ficou

preocupado em ser desacreditado pelos colegas médicos.

No início da elaboração teórica da psicanálise, “Freud acreditava que uma vez que o sentido do
conflito inconsciente fosse comunicado ao paciente e aceito por este, a cura se efetivaria” (Garcia-

Roza, 2004, p. 71). Então, a culpa passa a ser de Irma, pelo insucesso do tratamento. Ela não aceitou a
solução dada por Freud.

O foco da interpretação dos sonhos inicialmente era nos acontecimentos do dia anterior, e não
no desejo disfarçado. A partir do sonho de Irma, Freud encontrou o desejo inconsciente. Não por

acaso, Freud encontra o desejo disfarçado, e logo entenderão o motivo.

A imagem de Irma está condensada em três mulheres: ela própria, sua bela e inteligente amiga e
Martha, esposa de Freud (na época, grávida). Freud estava enlouquecido por essa amiga de Irma,

mas, muito polido, escreve que não tem fragmentos o suficiente para continuar a comparação dessas
três mulheres. Continuar a comparação entre as três mulheres iria expor o desejo de Freud pela

amiga de Irma.

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Em seu livro Interpretação dos sonhos, assinala que em nenhum momento comunicou a

interpretação completa de um sonho seu, pois não confia na discrição de seus leitores. A predileção
pela amiga é evidente, porque não demonstra interesse igualmente nem por Irma nem por Martha.

Freud tenta se esquivar das conotações sexuais, mas, independentemente dessa prudência, ele
aponta para o umbigo do sonho, assunto já tratado anteriormente.

O umbigo é um índice evidente de alteridade da completude, da não totalização de algo... quando

Freud aponta o umbigo do sonho, e o faz em dois momentos da traumdeutung, ele está
preocupado em apontar o inacabamento essencial com que está marcada toda interpretação. Não

se trata apenas do limite oferecido pela resistência, pela defesa, mas de algo mais fundamental e
que diz respeito não apenas ao umbigo do sonho, mas aponta para o umbigo da própria

linguagem. (Garcia-Roza, 2004, p.73)

A tentativa de se aproximar do umbigo do sonho, mais se aproxima da ruptura da interpretação.

O umbigo do sonho não é o esgotamento de palavras, é a aproximação com o indizível.

O desejo de Freud aparece quando questiona o exame que é realizado por cima do vestido. Ao
relatar o sonho, a censura desloca o pensamento onírico para a lembrança dos exames que fazia em

crianças. No sonho de Freud, o desejo é desnudar a amiga de Irma.

A tríade feminina é Irma, amiga e Martha, figuras condensadas. No sonho também temos a
tríade masculina, os amigos Otto, Leopold e Dr. M.

Contextualizando, Otto e Leopold são parentes e médicos, e competem com a mesma


especialidade. Freud faz uma analogia entre os dois com figuras literárias. Otto é rápido e astuto, mas

se engana com frequência; Leopold é lento, mas cuidadoso em suas observações e preciso em suas
conclusões. A figura de Leopold aparece para desqualificar Otto e mostrar o quanto ele estava errado

na opinião sobre Freud.

Dr. M. foi associado ao meio-irmão Philippe, filho do primeiro casamento do pai de Freud, e que
tinha idade para ser seu pai. O Dr. M. também representava o pai do Freud. “A tríade serve ainda

como endereçamento dos ataques agressivos que Freud dirige ao seu pai, que são deslocados para
as figuras masculinas do sonho”. (Garcia-Roza, 2004, p. 75).

A palavra em destaque, no sonho, a fórmula da Trimetilamina, para Lacan, não remeteria ao

sentido sexual oculto no sonho, até porque, de oculto, não tem nada. A palavra em destaque é um

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apelo ao simbólico, à própria palavra. “Não é mais do que eu que se trata aqui, mas de algo que o
ultrapassa, que é descentrado em relação ao eu e que é o sujeito do inconsciente.

Com receio de ser rechaçado da medicina pela incerteza do caso de Irma, pela indicação da
cocaína e pelos desejos pela amiga de Irma, Freud acabou com incertezas e dúvidas. Fez uma
pergunta ao amigo Fliess sobre se algum dia colocariam na casa Belleve uma placa na qual estaria

escrito que nela e naquela noite “Foi revelado ao Dr. Sigmund Freud o segredo dos sonhos”. Sim, nos
dias atuais a placa está lá, e agora o local é um restaurante.

TEMA 5 – O TRABALHO DO SONHO

Freud finaliza seu texto sobre o sonho da Injeção de Irma afirmando que o sonho se revela como

a realização de um desejo. Não é qualquer desejo, é um desejo inconsciente. Nesse sonho, é fácil
perceber que os desejos realizados não são somente os inconscientes.

O sonho tem duas formas de registros: o registro consciente, o conteúdo manifesto e as

informações acessíveis ao sonhador. Já o outro registro é inconsciente, inacessível à consciência e


que corresponde ao desejo inconsciente.

Retomando conteúdos anteriores, os pensamentos latentes são distorcidos em conteúdos


manifestos – qual o sentido do termo “trabalho”, aqui, empregado junto ao sonho?

“Trabalho”, aqui, é definido como processo de transformação de matéria-prima em produção,

um trabalho onírico. Resumidamente, o trabalho do sonho é a deformação onírica.

Por que o sonho precisa do trabalho de deformação?

Alguns desejos do sonho são restos diurnos de tarefas interrompidas ou inacabadas do dia

anterior, que encontram no sonho sua solução e seu acabamento. Exemplo: “Uma mulher passa o
feriado trabalhando em um dia ensolarado enquanto sua família vai ao parque. À noite, ela sonha

que passará a tarde do feriado assistindo ao programa favorito com o marido e os filhos.” Essa
mulher utilizou dos restos diurnos para satisfazer seu desejo consciente de estar com a família.  

No caso de Freud, foi o mal-estar com seu amigo Otto que produziu grande parte do conteúdo

manifesto no sonho. Em alguns pontos desse sonho é possível correlacionar, facilmente, os restos

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diurnos. Em outros pontos, não se encontra qualquer ligação com os acontecimentos da vida

cotidiana, elementos desconectados de qualquer sentido.

Esse caráter descontextualizado, que aponta o índice de distorção a que foram substituídos os
pensamentos latentes, são pontos preciosos na tarefa de interpretação. Garcia- Roza (2004) declara

que:

Quanto mais trivial, disparatado e desinteressante é um elemento do sonho manifesto, e quanto

mais o sonhador se recusa a fornecer associações a este emento alegando sua desimportância,
mais ele se mostra significante para o trabalho de decifração, posto que são precisamente eles que

poderão conduzir ao desejo inconsciente e à solução do sonho. (p. 83)

No sonho, cada sonhador cria sua língua. O bom trabalho do sonho não tem como meta uma
boa explicação, mas, sim, de artimanhas enganadoras, de fazer passar algo que é proibido pela

censura. Um único conteúdo pode ter vários sentidos em diferentes momentos.

A Verdade do inconsciente não se deixa interpretar facilmente, como já sabem, ela conta com a
ajuda dos seus guarda-costas, chamadas censura e resistência.

Garcia-Roza aponta que censura e resistência são coisas diferentes. A censura (Zenzur) é

responsável pela deformação a que são submetidos os pensamentos latentes.  

Freud, concebe a censura como uma função que se exerce na fronteira entre os sistemas

inconsciente e pré-consciente ou mesmo entre o pré-consciente e o consciente; portanto, algo eu

opera na passagem de um sistema para outro mais elevado. No decorrer da obra freudiana, a
função da censura é atribuída ao eu, terminando por se confundir com a noção de supereu.

(Garcia-Roza, 2004, p. 88)

Já a resistência é diferente, ela se opõe ao trabalho analítico e à interpretação, ou, retomando


Freud, tudo aquilo que perturba a continuação do trabalho analítico é uma resistência.

Quando a censura tem por efeito o surgimento de lacunas, distorções ou apagamento no sonho,

atrapalhando ao andamento do trabalho, também é considerado uma resistência. “Em todos os


sonhos ‘inocentes’, o fator sexual é o motivo óbvio da censura” (Freud, 1900, p. 224).

Segue o exemplo de um sonho inocente,

Sonhei algo, conta ela, que realmente fiz durante o dia: enchi uma pequena mala com tantos livros

que tive dificuldade de fechá-la, e sonhei isso como realmente havia acontecido. (Freud, 1900,

p224)

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Embora a concordância do sonho com o conteúdo diurno, ele permaneceu ocupando lugar nos
pensamentos despertos, indicando que pertenceram ao conteúdo latente. Mas, de um processo claro

de resistência, nada se pode interpretar, atrapalhando o trabalho analítico. Freud a definiu como
pequena Box, em outras palavras, “cabeça cheia”.

5.1 ELABORAÇÃO SECUNDÁRIA

A elaboração secundária é fazer que o sonho mude a aparência de absurdo e se aproxime do

pensamento desperto. Freud afirma que a elaboração secundária não faz parte do trabalho do sonho,
posto que ela toma como matéria-prima não os pensamentos latentes, mas o material elaborado

pelos mecanismos do sonho.

Para Laplanche e Pontalis (2001), a elaboração secundária é a remodelação do sonho destinada a

apresentá-lo sob a forma de uma história relativamente coerente e compreensível.

Para conseguir interpretar um sonho, é obrigatório ignorar a aparente coerência do sonho, o


importante não é a clareza ou a confusão do sonho. Freud (1900), declara:

Nisso notamos do que depende essencialmente a escala de qualidade dos sonhos, da confusão à

clareza... Clara nos parecem aquelas partes do sonho em que a elaboração secundária foi capaz de
fazer algo; confusas, são aquelas que seus esforços falharam. (p.549)

A relação da elaboração secundária e o trabalho do sonho acontecem de modo que os


formadores do sonho formam o material do sonho.

Devemos supor, isto sim, que as exigências dessa instância constituem, desde o início, uma das

condições a que o sonho deve satisfazer, e que essa condição, assim como as da condensação, da
censura imposta pela resistência e da representabilidade, exerce ao mesmo tempo uma influência

indutiva e seletiva sobre o vasto material dos pensamentos oníricos. (Freud, 1900, p. 548)

Resumidamente, o trabalho psíquico se divide em duas operações. A primeira parte fala da


produção dos pensamentos oníricos.

A produção dos pensamentos oníricos e a transformação destes em conteúdo do sonho. Os

pensamentos oníricos são formados de maneira absolutamente correta e com todo o dispêndio

psíquico de que somos capazes; eles fazem parte do nosso pensar que ainda não se tornou
consciente (Freud, 1900, p. 556)

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Já na segunda parte, Freud (1900) informa “que, transforma os pensamentos inconscientes em

conteúdo do sonho, é própria da vida onírica e característica dela”. (p. 556)

O resultado final deve trabalho, deve ser retirar a censura, e, para isso, o “recorrer ao
deslocamento das intensidades psíquicas, até chegar à transmutação de todos os valores psíquicos.”

(Freud, 1900 p. 557)

NA PRÁTICA

Uma paciente chega espirituosa para falar com Freud, duvidando que os sonhos sejam a
realização de desejo.

Pretendo oferecer um jantar, no entanto, nada tenho em casa além de um pouco de salmão

defumado. Penso em fazer compras, mas lembro de que é domingo quando todas as lojas estão

fechadas. Pretendo então ligar para alguns fornecedores, mas o telefone está com defeito. Assim,
sou obrigada a desistir do meu desejo de oferecer um jantar.

Freud pontua que somente a análise poderá indicar o sentido do sonho. De uma forma muito

clara começa a investigar. Qual foi o material do qual surgiu este sonho? Qual foi o estímulo do dia

anterior para esse sonho?

Na análise do sonho, a paciente relata que seu marido, um açougueiro atacadista, se queixou

que estava engordando demais e que iniciaria uma dieta rigorosa, iniciaria exercícios físicos e
recusaria convite para jantares. A esposa ri com o marido da situação e pede para que ele a

presenteie de pão com caviar e depois pede para ele não trazer caviar a ela.

A explicação foi rasa, esse tipo de informação insatisfatória costuma esconder as verdadeiras

motivações.

Freud pontua que o que lhe veio à mente, então, não foi o suficiente para a interpretação do

sonho. Ele pede a ela mais dados, e esta faz uma pausa, tempo para vencer a resistência.

Consegue dizer que na noite anterior foi visitar uma amiga da qual ela sente muito ciúme, pois

seu marido sempre a elogia muito. O perfil da amiga é magra e seca, e o marido da paciente gosta
de mulheres gordinhas. Na visita à casa da amiga, essa falou do desejo de ganhar uns quilos e a

amiga fala da vontade de ir na sua casa comer sua comida gostosa.

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A sonhadora denuncia que se incomoda com a ideia da amiga ir na sua casa, engordar e agradar
ainda mais seu marido. Prefiro não oferecer nenhum jantar!

O desejo se realiza, pois não poderá oferecer nenhum jantar, sem ingredientes e não contribuirá
para a mudança da forma física da amiga. O salmão defumado aparece no sonho porque é a comida

favorita da amiga.

A esse sonho também cabe uma segunda interpretação: a paciente se coloca no lugar da amiga,

e fica sem comer, apontando para a identificação histérica.

FINALIZANDO

Como mencionamos no início desta abordagem, nosso objetivo era o de apresentar o sonho de

Freud A Injeção de Irma, que foi o principal sonho de Freud e o mais detalhado na sua obra.

Os sonhos aqui apresentados foram considerados de suma importância para o aprofundamento


da teoria dos sonhos, e o detalhamento destes tem o intuito de orientar e possibilitar a compreensão

de como se conduz a análise dos sonhos.

Esperamos que você tenha aproveitado até aqui para conhecer um pouco mais sobre os sonhos

e sua formação, e lhe convidamos a continuar acompanhando os conteúdos para saber como os

nodais da psicanálise podem ser trilhados pelos sonhos.

REFERÊNCIAS

FREUD, S. A interpretação dos Sonhos. São Paulo. Ed. Companhias das Letras. (1900- 2019).

GARCIA-ROZA, L. A. Introdução à metapsicologia freudiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.


v. 1, v.2 e v. 3.

LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2001, p.10.

PLON, M.; ROUDINESCO, E. Dicionário de psicanálise. Rio de Janeiro: Zahar, 1998.

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INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS
AULA 4

 
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Prof.ª Paula Leticia Fernandes Pereira Siqueira

CONVERSA INICIAL

Nesta etapa, falamos sobre o contexto da criação do livro A interpretação dos sonhos, a visão nos

dias atuais das neurociências sobre o sonhar e a visão psicanalítica sobre os sonhos, acrescentando o

umbigo do sonho e a importância da interpretação dos sonhos na psicanálise.

Anteriormente, desenvolvemos os conceitos do primeiro tópico, inconsciente, pré-consciente,

consciência, recalque e figuração. Também desenvolvemos o famoso sonho do Freud sobre a injeção
de Irma.

Nesta etapa, o objetivo será investigar a função do sonho, os sonhos de angústia e os afetos nos

sonhos. Na próxima etapa, pesquisaremos sobre os símbolos e o desejo no sonho. Por fim, na

próxima etapa, não menos importante, os sonhos a partir de 1915.

TEMA 1 – AS TEORIAS E A FUNÇÃO DO SONHO

As etapas anteriores possibilitaram construir uma base sólida que norteiam o aluno nos
conteúdos que aqui serão examinados. E nesse tema sobre as teorias do sonho e a sua função, o

leitor poderá usar sua capacidade de argumentar com o conteúdo apresentado no primeiro capítulo

do livro A Interpretação dos Sonhos, conteúdo desenvolvido por Freud por sugestão de Fliess.

A teoria dos sonhos antes de Freud era de que os sonhos eram enviados por deuses para

orientar os homens e informar tudo o que se precisava saber sobre o sonho, ou seja, o sonho

reduzido ao signo. Na Bíblia, encontramos uma série de sonhos como revelação para tempos difíceis.

O maior sonhador da Bíblia foi José do Egito.

Aos 17 anos de idade, José teve dois sonhos que fomentam a inveja e ciúmes dos irmãos mais

velhos. Ele era o filho preferido do seu pai e foi o único que ganhou uma túnica colorida e feita

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exclusivamente para ele. Seus irmãos ao constatarem o favoritismo de seu pai Jacó por José, ficaram

mais enciumados e o ódio era tanto que não conseguiam conter a agressividade nas palavras

dirigidas a ele. Neste contexto, José teve um sonho. Segue o texto na integra:

Certa vez, José teve um sonho e, quando o contou a seus irmãos, eles passaram a odiá-lo ainda

mais. Ouçam o sonho que tive, disse-lhes. Estávamos amarrando os feixes de trigo no campo,
quando o meu feixe se levantou e ficou de pé, e os seus feixes se ajuntaram ao redor do meu e se

curvaram diante dele. (Gênesis 37: 5-7)

Os irmãos interpretaram o sonho como uma provocação e uma ameaça. Depois disso teve outro

sonho e dessa vez o sol, a lua e 11 estrelas se curvaram diante de dele (Gênesis 37:9). O pai, ao saber

do sonho, repreende José, talvez para conter a ira dos demais herdeiros, porém, continua refletindo
no conteúdo onírico de seu filho.

Fazendo uma breve análise, José se vingou dos irmãos no sonho, se mostrando bastante fálico

com o símbolo dos feixes de trigo. Não cabe aqui duvidar se José recebeu ajuda divina ou não na sua

vida. Mas encontramos fortes indícios do desejo de José, que depois se tornou o governador do

Egito. Parece que José entendeu que os sonhos são realização de desejos, projeta como desejo de

Deus e se utiliza desse conhecimento para interpretar os sonhos do faraó.

Fazendo um salto agora, para 1800 (d.C.), Freud realiza pesquisas bibliográficas sobre as teorias

dos sonhos e as classifica em grupos: o primeiro grupo é representado pela teoria de Delboeuf que

veem o sonho como uma continuação da atividade psíquica da vida de vigília. Aqui, a psique não
dorme e seu aparelho permanece intacto.

Freud faz a seguinte crítica a essa teoria: “No caso dessas teorias, perguntamos se são capazes

de deduzir das condições do estado de sono todas as diferenças entre o sonho e o pensamento

desperto” (1900, p. 105).

O segundo grupo de teorias se opõem à visão da primeira, “supõe no sonho uma diminuição da

atividade psíquica, um afrouxamento das correlações e um empobrecimento do material acessível”

(1900, 105). O sono influencia grandemente na psique, entra no seu mecanismo e o paralisa.

Em comparação com as duas teorias, Freud declara que a primeira teoria constrói o sonho como

uma paranoia e a segunda teoria como um modelo de debilidade mental.

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Essa segunda teoria é a preferida entre os médicos e o mundo científico e é sustentada pela

ideia da psique paralisada pelo sono. O estado de vigília é incompleto e parcial.

O estudante interessado na teoria dos sonhos encontrará os fisiológicos e filósofos do período

de Freud influenciados por essa teoria. Freud (1900) cita o médico e farmacologista Karl Binz (1878):

Esse estado (de torpor) se aproxima de seu fim apenas gradativamente nas primeiras horas da

manhã. Os produtos da fadiga acumulados na albumina cerebral diminuem sempre mais, uma
quantidade cada vez maior deles é decomposta ou levada pela incessante corrente sanguínea. Aqui

e ali alguns grupos de células, já despertos, se destacam, enquanto tudo em sua volta ainda
permanece em estado de torpor. Agora se apresenta à nossa consciência turvada o trabalho isolado

dos grupos individuais, faltando-lhe ainda o controle de outras partes do cérebro que governam a

associação. É por isso que as imagens criadas, que, na maioria das vezes, correspondem às
impressões materiais do passado recente, se encadeiam de forma irregular e caótica, Aumentam

constantemente o número de células cerebrais liberadas, e diminui cada vez mais a insensatez do
sonho. (Freud, 1900, p. 106 citado por Binz 1878, p. 43)

Karl Binz foi um importante médico e pesquisador de quinino. Ele estudava experimentalmente

os sonhos, pela administração de venenos. Sob essa ótica o estímulo para os sonhos fica para o

plano do somático. Seguindo a mesma linha de raciocínio, um corpo com zero estímulo ao dormir (se

fosse possível) não teria motivos para sonhar.

Mas os estímulos surgem de todos os lugares, seja de fora ou de dentro do próprio corpo,

estímulos que em vigília não fazem sentido algum. Nessa teoria, “o sonho é a reação a uma

perturbação do sono ocasionada pelo estímulo, uma reação, aliás, completamente supérflua” (Freud,
1900, p. 108). Aqui o sonho não tem lugar como processo psíquico, apenas somático. Um outro

autor, Robert, faz uma importante definição do sonho, visão essa difundida até os dias atuais, e

sustentada pela psicologia:

O sonho se apresenta como processo somático de excreção, que chega ao conhecimento em nossa

reação mental a ele. Sonhos são excreções de pensamentos sufocadas em germe. Se privássemos
uma pessoa de sua capacidade de sonhar, ela ficaria, no devido tempo, mentalmente perturbada,

pois em seu cérebro se acumularia uma grande massa de pensamentos incompletos, irrefletidos e
de impressões superficiais, cujo grande peso sufocaria aquilo que a memória deveria incorporar

como um todo completo. O sonho presta ao cérebro sobrecarregado os serviços de uma válvula de

escape. Os sonhos possuem o poder de curar e aliviar. (Freud, 1900, p. 109 citado por Robert, 1886,
p. 32)

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A teoria de Robert também nega o sonho como um processo psíquico, mas acrescenta que os

impulsos do dia são elaborados e inseridos na memória como uma pintura imaginária inofensiva. Em

resumo, o sonho é como se retirar o esterco da psique. Delage (1891), citado por Freud, constata que

os sonhos podem ser restos diurnos, assim como de tempos remotos.

Tudo o que se apresenta em nossos sonhos, aquilo que tendemos a identificar inicialmente como a

criação da vida onírica, revela-se, a um exame mais minucioso, como reprodução não reconhecida,
como “souvenir insconscient” [lembrança inconsciente]. Esse material de representações, porém,

mostra uma característica comum; ele provém de impressões que, muito provavelmente, tiveram
um impacto maior sobre os nossos sentidos do que sobre os nossos sentidos do que sobre o nosso

espírito, ou das quais a nossa atenção foi desviada logo após sua ocorrência. Quanto menos

consciente e, ao mesmo tempo, mais poderosa for sua impressão, maior é a sua chance de
desempenhar um papel no próximo sonho. (Freud, 1900, p. 111 citado por Delage, 1891)

Delage, segundo Freud, se une à teoria predominante da época, resumindo o sonho a um

pensamento errante, sem objetivo e sem direção. Freud descreve um terceiro grupo e o chamou de

psique sonhadora com capacidades de desempenho psíquicos especiais, que, no estado de vigília, é

incapaz de exercer. Burdach descreve o sonho como atividade natural da psique, que não sofre

influência da autoconsciência. Burdach, de uma forma poética, usa o poeta Novalis para falar da

atividade dos sonhos:

O sonho é um baluarte contra a regularidade e a monotonia da vida, um repouso livre da


imaginação presa, onde ela confunde todas as imagens da vida e interrompe a seriedade constante

da pessoa adulta com uma alegre brincadeira infantil; sem os sonhos, certamente envelheceríamos

mais cedo, e assim podemos ver os sonhos, se não como dádiva direta do céu, com a certeza como
tarefa deliciosa, como companhia amigável na peregrinação para o tumulo. (Freud, 1900, p. 113

citado por Burdach, 1838, p. 512)

Essa é uma teoria sustentada pelos psicólogos como Wundt e Scherner. A preocupação com o

somático ocupa Scherner e esse aponta que a imaginação onírica brinca com os estímulos somáticos

e utiliza de alguns simbolismos plásticos para representar a fonte orgânica dos estímulos como a

figura da casa para o corpo e figuras compridas, como um cachimbo, para o órgão masculino que

são quase a mesma ideia dos livros populares de sonhos.

Mas “é muito importante que, no fim desse tipo de sonho provocado por um estímulo somático,

a imaginação onírica se desmascara, por assim dizer, mostrando claramente o órgão excitador ou sua

função” (1900, p. 117).

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Um sonho com fonte somática pode ser provocado, como já citado, quando alguém que come

algo muito salgado no jantar provavelmente sonhará com água. Já alguém que dorme com fome

poderá sonhar com comida. Freud, um tanto preocupado com essas questões, afirma que essas

informações de Scherner não podem ser entendidas como uma generalização, pois a teoria do sonho

é oposta a isso.

TEMA 2 – AFETO NO SONHO

As manifestações afetivas dos sonhos não sofrem a ação depreciativa, como o conteúdo do
sonho. Após o despertar, o afeto continua na mesma intensidade do sonho. “O conteúdo afetivo do

sonho requer ser incluído entre as vivências reais da nossa psique” (Freud, 1900, p. 506).

Um exemplo apresentado na clínica é a esposa que sonha que seu marido está a traindo e no
sonho sente ódio e deseja matá-lo. Ao acordar, ainda sob influência do afeto do sonho, fica

angustiada e odiosa com a presença do seu companheiro.

Uma questão importante: Será que esse afeto é só uma produção onírica ou foi sentido em

vigília? Freud (1900) responde à questão da seguinte maneira: “Comparando os afetos nos
pensamentos oníricos com os afetos no sonho, algo se torna imediatamente claro: quando um afeto

se acha no sonho ele também se acha nos pensamentos oníricos, mas não o contrário” (p. 514).

Os impulsos afetivos que surgem dos pensamentos oníricos são considerados fracos assim como
os impulsos que chegam até o sonho. A supressão dos afetos nos sonhos acontece pelo próprio

estado do sono. E os sonhos mais complexos acontecem pelo conflito entre os poderes psíquicos. Os
pensamentos inconscientes estão vinculados a uma série de pensamentos opostos contraditórios.

Como todas essas séries de pensamentos são capazes de afetos, dificilmente nos equivocaremos,

em termos gerais, se entendermos a supressão de afetos como conseqüências da inibição exercida

pelos opostos entre si e pela censura sobre os impulsos que reprime. A inibição dos afetos seria
então o segundo resultados da censura onírica, assim como a deformação onírica foi o primeiro.

(Freud, 1900, p. 515)

Segundo a teoria de realização de desejo, “o sonho não quer representar o que é penoso, as
coisas penosas de nossos diurnos podem entrar no sonho apenas quando ao mesmo tempo

emprestam seu disfarce à realização de um desejo” (Freud, 1900, p. 518).

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O trabalho do sonho, além de admitir e anular os afetos, também é poder transformá-los em seu

oposto. O estudante atento já sabe que cada elemento do sonho pode representar não só a si
mesmo, mas também o oposto e o que orienta sobre o verdadeiro afeto é o contexto do sonho. A

supressão e inversão de afeto também servem para dissimular na vida social.

Os sonhos também podem realizar o desejo de punição, ou seja, sadomasoquismo, e quem

quiser saber mais sobre esse tema pode se debruçar sobre o texto “bate-se numa criança”.

“No trabalho do sonho, fontes afetivas capazes de promover o mesmo afeto se unem para
formá-lo” (1900, p. 528). É como um brinquedo lego que busca peças semelhantes para formar uma

imagem. Os afetos, no sonho, se apresentam como a mesma origem que vem da influência dos
pensamentos oníricos.

Para falar sobre os seus sonhos e os afetos contidos neles, é preciso coragem para ver dentro de

si seus fantasmas. Freud nomeia da seguinte maneira: “o indivíduo acaba se revelando o único
malvado, entre os muitos nobres com os quais compartilhamos a vida” (1900, p. 533).

Para finalizar esse tema, Freud acrescentou que a psique da pessoa dormindo, também sofre
influência do estado de ânimo, com interferência dos pensamentos do dia ou de fonte somática.

É indiferente para a formação do sonho que esse conteúdo representacional dos pensamentos

oníricos determine primariamente a tendência de afetos, ou seja, secundariamente pela disposição


afetiva de base somática. Em todo o caso, a formação do sonho está sujeita à limitação de só poder

representar o que é a realização do desejo a sua força motriz psíquica. (1900, p. 535)

TEMA 3 – O SONHO COM FEZES, DE FREUD

O sonho de Freud (1900),

Uma colina, sobre a qual há uma espécie de privada ao ar livre, um banco muito comprido com um
grande buraco no final. Toda a borda de trás está densamente coberta de pequenos montes de

fezes de todos os tamanhos e estágios de frescor. Atrás do banco há um arbusto. Eu urino sobre o

banco; um longo jato de urina limpa tudo, os bolos de fezes se desprendem facilmente e caem na
abertura. No fim, é como se algo ainda restasse. (Freud, 1900, p. 516)

O resto diurno que serviu de material para o sonho é muito interessante, pois revela o início da

psicanálise e o percurso de Freud. Segue o relato do sonhador:

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E agora a causa efetiva do sonho: Tinha sido uma tarde quente de verão, e naquela noite eu havia

dado uma conferência sobre a relação entre a histeria e as perversões. Nada do que dissera me
havia agradado; me parecera desprovido de qualquer valor. Eu estava cansado, não sentia prazer

com meu trabalho duro, queria estar longe dessa atividade de revirar a sujeira humana, sentia
saudades dos meus filhos e das belezas da Itália. Nesse ânimo, saí do auditório e fui a uma cafeteria

para tomar um lanche modesto ao ar livre, pois o apetite havia me abandonado. Mas um de meus

ouvintes veio atrás de mim. Pediu permissão apara sentar à minha mesa, enquanto eu tomava o
café e tentava comer o croissant, e começou a me lisonjear: o quanto havia aprendido comigo e

como agora via tudo com olhos diferentes, que eu havia limpado o estábulo de Áugias dos
equívocos e preconceitos na teoria das neuroses, resumindo, que eu era um grande homem. Meu

ânimo não combinava bem com aquele hino de louvores; lutei com a repugnância, fui para casa

logo, a fim de livrar-me dele, e, antes de dormir, ainda folheei o Rabelais e li uma novela de C. F.
Meyer: Die Leiden einens Knaben [Os sofrimentos de um garoto]. (Freud, 1900, p. 517)

3.1 ANÁLISE DO SONHO

Freud associa o estábulo a Áugias de Hercules onde Hercules é o próprio Freud. A colina e o

arbusto são de Aussee, onde os filhos do Freud estavam passando as férias. O banco é uma imitação
fiel a um móvel que Freud ganhou de uma paciente. Esse móvel lembra o pai da psicanálise e a
consideração que os pacientes têm por ele.

O jato de urina que tudo limpa é uma inequívoca alusão à grandeza onde Gulliver apaga o
grande incêndio na ilha de Lilliput e isso provoca o desafeto da rainha. Antes de dormir, Freud leu um

folhetim.

Também relembra do seu lugar favorito em Paris, onde escalava as torres das igrejas e faz uma
associação entre as fezes desaparecerem tão rápido sob o jato de urina com a vontade de escrever o

capítulo sobre a histeria.

TEMA 4 – ANGÚSTIA

O conceito de angústia no decorrer da obra se modifica, por conta das descobertas freudianas.
Como esta etapa é baseada no início da psicanálise e o livro é a interpretação dos sonhos, o norte

para o conceito de angústia será esse texto.

Um sonho é o despertar que começa. O sonho é o guardião do sono e não se pode acusá-lo
como perturbador deste. O sonho acontece nesse intervalo de dormir e de despertar. A primeira

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parte do trabalho do sonho se inicia durante o dia, ainda sob o domínio do pré-consciente. Freud

aponta que esse trabalho necessita de mais de um dia e uma noite para ser produzido, para perder o
caráter assombroso. Assemelha-se à festa de réveillon, que demora dias para serem organizados os

fogos com segurança e é lançado num instante.

Freud questiona se todo sonho é a realização de um desejo e por que alguns causam angústia e
o despertar do sujeito no meio do sono. Os pesadelos não são uma contradição da realização de

desejo nos sonhos. Segundo Garcia-Roza (2004),

Temos que considerar também que o trabalho do sonho nem sempre obtém sucesso no seu

empreendimento de realizar desejos inconscientes. Pode ocorrer que parte do afeto ligado aos
pensamentos oníricos latentes fique excedente no sonho manifesto, provocando o sentimento de

desagrado. (Garcia-Roza, 2004, p.179)

Freud faz a seguinte explicação:

Explicamos deste modo o que sucede: o desejo pertence a um sistema, n o Ics, enquanto outro

sistema, o Pcs, rejeitou e suprimiu esse desejo. A subjugação do Ics pelo Pcs não é completa nem

mesmo quando há plena saúde psíquica; a medida dessa supressão indica o grau da nossa
normalidade psíquica. Sintomas neuróticos nos mostram que os dois sistemas se acham em

conflito um com o outro, são os resultados de compromissos desse conflito, que o encerram
temporariamente. Por um lado, proporcionam ao Ics uma saída para a descarga de sua excitação,

servem-lhe como válvula de escape, e por outro, dão ao Pcs a possibilidade de dominar o Ics em

alguma medida. (Freud, 1900, p. 635)

Os sonhos de angústia e pesadelos são penosos para o Pcs/Cs., mas, ao mesmo tempo, realizam
o desejo da primeira instância, o Ics. Os sonhos começam sua produção no inconsciente. Já o Pcs

funciona como defesa do aparelho.

Freud no texto do Projeto (1886) afirmou que a angústia tem sua fonte sexual e reafirmou que “a

angústia neurótica vem de fontes sexuais, posso submeter à análise os sonhos de angústia, para
demonstrar o material sexual dos pensamentos oníricos” (1900, p. 636). “A angústia remete, por meio

da repressão, a um desejo inconsciente, claramente sexual, que encontrou uma boa expressão no
conteúdo visual do sonho” (1900, p. 637).

A angústia no sonho foi um tema que interessou Freud em todas as fases de sua obra e, no fim

de sua vida, retoma a temática e declara que não é fácil desvendar as forças instintuais inconscientes,
pois encontra muita incredulidade. Os sonhos que mais são lembrados são os penosos e, até mesmo,

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os que fazem despertar angustiado, seno assim, fora os pesadelos, os sonhos frequentes não
possuem um tom afetivo definido no dia a dia.

Não se deve esquecer, de que o sonho, em todos os casos, é o resultado de um conflito, uma

espécie de formação de compromisso. O que é uma satisfação para o Id inconsciente pode ser,
justamente por isso, motivo de angústia para o Eu. (Freud, 1938, p. 223)

“Os sonhos angustiados são, geralmente, aqueles cujo conteúdo sofreu menor deformação”
(1938, p. 224) Por isso, causam o horror quando se acorda. Quando o inconsciente se torna muito

exigente e não deixa o Eu dormir, é chamado de estado de insônia ou vigia do sono, o qual toca o
sino e faz despertar, pois corre perigo da excitação do consciente.

O investimento que do Pcs vai ao encontro do sonho tornado percepção, porque foi dirigido para
lá pela excitação da consciência, ata a excitação da inconsciente do sonho e neutralização a

perturbação. (1900, p. 631)

É como o prisioneiro que sai em liberdade condicional e não respeita as regras do judiciário, e o
guarda vai buscá-lo por descumprimento das leis.

4.1 A ANGÚSTIA NO FINAL DA OBRA DE FREUD

O tema da angústia para Freud foi caro e difícil de elaborar e, em vários textos, ele aponta que se

faz necessário escrever sobre o tema, mas, se fosse possível, pularia essa etapa. Em 1926, publicou o
texto da “Inibição, sintoma e angústia”. Aqui declara que o Eu é a sede da angústia!

Construiu-se a ideia de um Eu impotente e fragilizado diante do Id, mas quando ele se opõe a
um processo, precisa dar apenas um sinal de desprazer para conseguir o que quer e ganha reforço
com o princípio do prazer. E de onde vem a energia para a produção do desprazer?

O Eu toma a mesma linha de defesa tanto contra o perigo interno como contra o externo. No caso
do perigo externo o organismo empreende uma rota de fuga, retira o investimento da percepção

do que é perigoso, depois enxerga um meio mais eficaz: realizar ações musculares tais que a

percepção do perigo se torne impossível mesmo que não haja a recusa de percebê-lo, ou seja,
subtrair-se ao campo de ação do perigo. A repressão equivale a essa tentativa de fuga. (Freud 1926,

p. 22)

Se pensou que o Eu “sai de cena”, acertou, pois ele foge de encrenca. E para isso ele libera o

desprazer e a angústia. Em resumo, “o Eu retira o investimento (pré-consciente) do representante do


instinto a ser reprimido e o aplica na liberação de desprazer (angústia)” (1926, p. 22).
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Freud em um tom de arrependimento declara que é preciso “rejeitar a concepção anterior de

que a energia de investimento do impulso reprimido é transformada automaticamente em angústia”


(1926, p. 22). De forma clara e didática, questiona sobre como é possível uma simples retirada de
investimento do Eu produzir a angústia?

A angústia não é gerada como uma repressão, e sim produzida como um estado afetivo, segundo

uma imagem mnêmica já existente... Os estados afetivos incorporam-se à psique como precipitados
de antiquíssima vivências traumáticas, e são despertados como símbolos mnêmicos quando

situações análogas acontecem. (Freud, 1926, p. 23)

No ser humano, o ato do nascimento é a primeira vivência individual de angústia e aí se

encontra um traço característico à expressão de angústia. Também podemos pensar no traço


mnêmico de satisfação na qual o bebê a busca na primeira mamada, sonha que está se alimentando

e experimentalmente é possível ver o bebê mexendo a boquinha e alucinando o seio materno e


buscando a satisfação que o alimento lhe traz. Ao acordar se angustia e chora na busca do leite

materno.

TEMA 5 – CASO DE UM SONHO DE ANGÚSTIA

Um analisante desafia Freud sobre o sonho ser o desejo disfarçado. “O senhor vai dizer, segundo

suponho, que este é um sonho de realização de desejo”. Um jovem solteiro relata o seguinte sonho

para Freud:

Sonhei que, assim que chegava em casa com uma mulher, eu era preso por um policial, que me
mandou entrar numa carruagem. Pedi-lhe tempo, a fim de colocar meus assuntos em ordem, e

assim por diante. Isso foi de manhã, depois de eu ter passado a noite com essa mulher.

Freud o questiona se ele teve medo no sonho. Ele nega. Na investigação, é perguntado se sabia

sobre o que era acusado, afirmando que o motivo era ter matado uma criança. Isso tem alguma
conexão com a realidade?

Declarou que foi responsável pelo aborto de uma criança, em decorrência de um caso amoroso.
É um assunto que não o agrada falar. Freud como um detetive minucioso verifica o que ocorreu na

manhã antes do sonho. Confirma que ao acordar teve relação sexual com a moça com as devidas

precauções de ejacular para fora.

A breve análise de Freud é que o jovem rapaz solteiro


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estava com medo de ter gerado um filho e o sonho lhe mostra a realização de seu desejo de que

não acontecesse nada e de ter arrancado o filho pela raiz. Ele utilizou como material para o seu
sonho o sentimento de angústia que surge após uma relação desse tipo. (Freud, 1896)

NA PRÁTICA

Um sonho de inversão de afeto, comunicado por Ferenzi (1916):

Um senhor já de certa idade é acordado por sua esposa durante a noite, a qual se assustou porque

ele ria alto e bastante sono. Mais tarde, o homem relatou ter tido o seguinte sonho: Eu estava
deitado na cama, entrou um senhor conhecido, eu queria ligar a luz, mas não consegui, tentei

repetidas vezes – em vão. Então, minha esposa saiu da cama para me ajudar, mas ela também não

teve sucesso; porém, como se incomodava de estar apenas de négligé na frente do homem,
finalmente desistiu e voltou para a cama. Tudo isso era tão cômico que eu tinha de rir

terrivelmente. Minha mulher dizia: Por que está rindo? Mas eu continuei rindo até acordar. No dia
seguinte, o homem estava abatido e com dor de cabeça, por causa de toda aquela risada, que me

abalou, disse ele. (Freud, 1900, p. 520)

Em uma breve análise, o sonho divertido pode ser assustador! O senhor conhecido que entra no

quarto é a morte, que também é o grande desconhecido da humanidade, produto do pensamento

onírico latente. O senhor idoso que sofre de problemas cardíacos tinha motivos para pensar de forma

recorrente na morte. O riso “frouxo” sustenta o ditado popular “rindo para não chorar”.

A luz que não consegue mais ascender é o da própria vida. Esse pensamento triste também

pode estar relacionado às recentes tentativas malsucedidas de fazer sexo, e mesmo a esposa usando
uma camisola sensual não foi suficiente para manter a ereção. O trabalho do sonho conseguiu

transformar a triste ideia de impotência e morte em uma cena cômica.

FINALIZANDO

Nesta etapa, foi discutido sobre as teorias da função dos sonhos e possibilitado o raciocínio

crítico sobre elas. Bem como aparece os afetos nos sonhos e as suas contradições.

De uma forma simples e fascinante, como era a escrita de Freud, foi possível encontrar uma linha

imaginária entre o conceito de angústia no início de sua obra e no final de sua vida. Um tema caro e
importante para Freud e todos os seus discípulos.

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REFERÊNCIAS

BÍBLIA. Bíblia sagrada. Tradução de Neyd Siqueira. São Paulo: NVI 2009. Edição Stormie

Omartian.

FREUD, S. A interpretação dos Sonhos. São Paulo. Ed. Companhias das Letras. (1900 – 2019)

_____. Compêndio de psicanálise. São Paulo. Ed. Companhias das Letras, 1938 – 2019.

_____. Inibição, sintoma e angústia. São Paulo: Ed. Companhias das Letras, 1926 – 2019.

GARCIA-ROZA, L. A. Introdução à metapsicologia freudiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

v. 1, v. 2 e v. 3.

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INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS
AULA 5

 
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Prof.ª Paula Leticia Fernandes Pereira Siqueira

CONVERSA INICIAL

Nosso estudo está dividido em seis abordagens, nas quais iremos tratar sobre tópicos que

ajudam na construção da análise dos sonhos. Na primeira abordagem, falamos sobre o contexto da

criação do livro A interpretação dos sonhos, a visão nos dias atuais das neurociências sobre o sonhar e

a visão psicanalítica sobre os sonhos, acrescentando o umbigo do sonho e a importância da

interpretação dos sonhos na psicanálise.

Na segunda abordagem, desenvolvemos os conceitos da primeira tópica, inconsciente, pré-

consciente, consciência, recalque e figuração. Na terceira abordagem, tratamos do famoso sonho de

Sigmund Freud sobre a injeção de Irma. Na quarta abordagem, o objetivo foi investigar a função do

sonho, os sonhos de angústia e os afetos nos sonhos. Nesta abordagem, pesquisaremos sobre o

desejo no sonho e a censura. Mais adiante, vamos examinar os sonhos a partir de 1915.

O objetivo desta abordagem é compreender o conceito de desejo em Freud e saber como a

censura opera no esquecimento.

TEMA 1 – OS DOIS GRANDES CRIMES

Na infância em idade mais remota, foram tramados dois crimes de que alguém pode ser

acusado: o parricídio e o incesto, os quais não foram executados por medo, mas se alojaram como

desejo na consciência. O amor e toda a sexualidade eram voltados para a mãe. Já o pai é uma figura

de obstáculo que impossibilita tomar a mãe para si. O amor pela mãe e o ódio pelo pai precisam ser

afastados da consciência, mantendo-se como desejo inconsciente, alimentando nossos sonhos. Os

sonhos revelam esse duplo crime, mas agora aparecem como criminoso e policial na produção

onírica.

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O mito do Édipo é muito importante para a psicanálise. Garcia –Roza resumiu da seguinte

maneira:

O jovem Édipo, após ter sua origem posta em dúvida, vai consultar o oráculo de Delfos. Este lhe

adverte que ele mataria seu próprio pai e se casaria em seguida com a mãe. Horrorizado, Édipo
abandona Corinto onde vivia com seus pais Pólibo e Peribeia e dirige-se para Tebas a fim de evitar

que um desígnio tão funesto viesse a se cumprir. Na estrada, envolve-se numa briga e termina por
matar um desconhecido. Perseguindo seu caminho, defronta-se, às portas de Tebas, com a Esfinge,

que lhe propõe um enigma. Se ele o decifrasse, a cidade se livraria da peste que a assolava, caso

contrário, seria devorado. Tendo decifrado o enigma, Édipo é acolhido como herói, recebe como
prêmio o trono de Tebas que estava vago devido a morte do rei Laio, e consequentemente a mão

da rainha Jocasta. Com o correr do tempo, nova peste abate-se sobre a cidade, e os sacerdotes
declaram que o motivo era que a cidade abrigava um culpado e que se não fosse descoberto a

peste dizimaria toda a população. Édipo ordena que se proceda à investigação. No curso desta e a

partir das declarações do adivinho Tirésias, os indícios confluem para a figura do próprio Édipo. Ao
final, depois da revelação de que teria sido abandonado ao nascer e adotado por Pólibo e Peribeia,

fica evidente que seus verdadeiros pais são Laio e Jocasta, e com isto a trágica verdade: rei Édipo,
parricida e incestuoso. (Garcia–Roza, 1995, p. 13)

Freud (1924) declarou a importância do complexo de Édipo como fenômeno central do período

sexual da primeira infância. O Édipo dá lugar ao período de latência, depois de dolorosa decepção

experimentada.

A menina pequena, que pretende ser amada pelo pai acima de tudo, algum dia sofre uma dura

punição por parte dele e se vê expulsa do paraíso. O garoto vê sua mãe como sua propriedade,
nota que ela passa a dirigir seu amor ao recém-chegado. (Freud, 1924, p. 204)

Mesmo quando não tem um evento especial, a ausência de satisfação leva os pequenos

apaixonados a abandonarem tamanha afeição pelo genitor.

O menino renuncia o investimento libidinal na mãe, por medo de perder seu órgão e, assim,

instala-se o complexo de castração.

Isso resulta a diferença essencial de que a menina aceita a castração como um fato consumado,

pois já nasceu sem o pênis, enquanto o menino teme a possibilidade de perder.

A renúncia do pênis não é tolerada sem uma tentativa de compensação. A garota passa – ao longo
de uma equação simbólica, poderíamos dizer – do pênis para o bebê, seu complexo de Édipo

culmina no desejo, longamente mantido, de receber do pai um filho como presente, de lhe geral
um filho. (Freud, 1924, p. 212)

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Para Garcia–Roza (2004, p. 10), “não há traço em nossa memória consciente desses desejos

infantis, no entanto, eles produziram efeitos que perduram a vida toda”.

Freud aponta que o complexo de Édipo vai sendo aos poucos abandonado, porque o desejo não

se realiza. Mas a experiência clínica mostra que o Édipo não é deixado por completo ao longo da

vida.

O psicanalista é um investigador que sabe que o relato apresentado é um enigma a ser

decifrado. Por intermédio desse enigma, a verdade se insinua. Aquele que fala, diz sobre o seu

desejo, aparece no seu enunciado.

TEMA 2 – OS SONHOS INFANTIS

Pode-se esperar as formas mais simples de sonho nas crianças, pois as produções oníricas são

menos complicadas que nos adultos, pois há menos recalque. As análises dos sonhos infantis ajudam

na investigação da constituição psíquica dos adultos.

Os sonhos das crianças pequenas são, frequentemente, simples realizações de desejos, e assim, ao

contrário dos sonhos dos adultos, pouco interessante. Não oferecem enigmas que precisam ser

solucionados, mas são, naturalmente, inestimáveis para provar que o sonho significa, em seu ser
mais íntimo, uma realização de desejo. (Freud, 2019, p. 160)

Em uma nota de rodapé, Freud afirma que, com frequência, os sonhos do tipo infantil retornam

nos adultos quando são postos à situação de vida incomum.

Porém, os sonhos de crianças apresentam-se, em Freud, quase que exclusivamente como exemplos
vinculados à validação e à fundamentação dos sonhos e do psiquismo dos adultos, principalmente

sustentando o argumento central sobre a função de realização de desejo dos sonhos, mesmo após

a elaboração de sua segunda teoria das pulsões. (Provedel; Priszkulnik, 2008)

Na biografia sobre o pai, Martin, filho de Freud, conta que os assuntos da elaboração de A

interpretação dos sonhos, publicado em 1900, eram discutidos com toda a família, inclusive

estimulando os filhos a contarem seus sonhos, os quais aceitaram com entusiasmo. Freud parecia ser

um pai muito amoroso e preocupado com os filhos e tentou explicar para eles, em uma linguagem

simples, que entendessem sobre os sonhos, sua origem e significado.

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A pequena Anna Freud, com 19 meses, passou mal ao comer morangos e, por esse motivo, ficou

em jejum durante o dia todo. “Na noite seguinte a esse dia de fome, nós a ouvimos exclamar

excitadamente durante o sono: Anna Feud, moangos, moangos silveste, melete, mingau” (Freud,

2019, p. 163).

A fala das crianças durante o sono também pertence aos sonhos, assim como no relato da filha

mais nova do Freud, que o sonho foi um ataque à figura da babá, que não a deixou comer. 

Freud trouxe muitos exemplos de sonhos dos seus filhos e aponta que os sonhos infantis são

faróis sobre o sonho dos adultos. “Quanto mais nos aprofundamos da análise dos sonhos, mais

frequentemente deparamos com vivências infantis, que no conteúdo latente do sonho tem o papel

de fontes oníricas” (Freud, 2019, p. 234).

Em 1911, Freud fez uma consideração importante na teoria dos sonhos infantis, apontando que

os sonhos das crianças de quatro ou cinco anos passam por distorções oníricas, período do

complexo de Édipo.

Provedel e Priszkulnik (2008) apontam que, na primeira edição de A interpretação dos sonhos,

ainda estava se desvencilhando de sua teoria da sedução e, neste capítulo, chegou a propor, partindo
da visão da criança como inocente de desejos sexuais, que os sonhos das crianças não possuíam

qualquer deformação, uma negação da sexualidade infantil, que se apresentou no sonho da filha

Mathilde, de oito anos, que será aqui apresentado:

Também na garota de oito anos e meio essa excursão despertou desejos que o sonho precisava

satisfazer. Havíamos levado conosco para Hallstatt o filho de doze anos dos nossos vizinhos, um
perfeito cavalheiro, que, como me parecia, já gostava de todas as simpatias da pequena senhorita.

No dia seguinte, ela nos contou esse sonho: “Imaginem só, sonhei que o Emil é um de nós, que ele
chama vocês de papai e mamãe e que ele dorme conosco no quarto grande, como os meus irmãos.

Então, a mamãe entra no quarto e joga barras de chocolate, embrulhados em papel azul e verde,

sob as nossas camas. Seus irmãos, que evidentemente, não haviam herdado o dom da
interpretação dos sonhos, declararam, como os nossos autores: Esse sonho é um absurdo. A garota

defendeu pelo menos a parte do sonho, e é valioso para a teoria das neuroses saber qual parte:
Sim, é absurdo Emil viver conosco, mas isso das barras de chocolate não é. Era precisamente essa

parte me parecia escura. A mãe me forneceu a explicação. No caminho da estação da estação de

trem para a casa, as crianças haviam parado na frente a uma máquina de vendas e pediram
exatamente esse tipo de barra de chocolate embrulhada em papel metálico que, como sabiam,

aquela máquina vendia. A mamãe, porém, lhe disse corretamente que aquele dia já lhes satisfizera
um número suficiente de desejos, deixando esse para o sonho. Eu não havia observado essa

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pequena cena. Consegui, porém, entender sem dificuldade aquela parte do sonho que minha filha

havia banido. Eu mesmo tinha ouvido como o nosso convidado bem-educado pedirá as crianças
que esperassem até que o papai e a mamãe os alcançassem. O sonho da pequena transformou

essa afiliação temporária em uma adoção permanente. Seu afeto não conhecia ainda outra forma
de companheirismo senão as mencionadas no sonho, que ela conhecia de convívio com os seus

irmãos. (Freud, 2019, p. 161–162)

E, para concluir, nas palavras de Freud:

Os sonhos infantis não deixam dúvida de que um desejo não resolvido durante o dia pode ser
instigador do sonho a noite. Mas não devemos nos esquecer que é o desejo de uma criança, um

impulso com o desejo dotado da força própria do infantil. (Freud, 2019, p. 603)

Em resumo:

o desejo no adulto vem do inconsciente, na criança em que ainda não há separação e censura entre

o pré-consciente e inconsciente, ou isso apenas começa gradualmente a se estabelecer, é um

desejo não realizado, não reprimido da vida de vigília. (Freud, 2019, p. 605)

TEMA 3 – O SONHO É UMA REALIZAÇÃO DE DESEJO

No início do livro A interpretação dos sonhos, Freud também questiona a veracidade dos sonhos

serem a realização de desejo, mesmo depois do sonho da injeção de Irma. “Existem, então, outros
sonhos de desejo, ou talvez não existam senão sonhos de desejos?” (Freud, 2019, p. 156). Freud diz

que é fácil reconhecer a realização de desejo em alguns sonhos, principalmente os de comodidade.

Esses sonhos seriam fáceis de reproduzir, por meio de experimentos simples, como comer

azeitonas ou anchovas no jantar, para estimular o corpo a ficar com sede durante a noite. “O
despertar, porém, é precedido de um sonho em que bebo água” (Freud, 2019, p.156). “Sonhar

substitui o ato, como costuma fazer também na vida” (Freud, 2019, p. 156 –157).

Em alguns sonhos, é fácil encontrar o desejo, como no sonho da esposa do amigo de Freud. Ela
pede ao marido que conte o sonho dela para Freud. Ele relata o seguinte conteúdo: “Ela sonhou que

estava menstruada. Você sabe o que isso significa?” (Freud, 2019, p. 159).

É possível imaginar Freud em um tom irônico respondendo:

Claro que sei; se a mulher sonhou que está menstruada, a menstruação atrasou. Entendo muito
bem que ela gostaria de ter aproveitado um pouco mais a sua liberdade antes de assumir o fardo

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da maternidade. Foi uma maneira esperta de anunciar a primeira gravidez. (Freud, 2019, p. 159)

Só faltou dizer: parabéns, papai!

Existem sonhos sucintos e simples que apresentam seus conteúdos sem disfarce, pois seu desejo
está muito claro. Mas cuidado: isso não serve para todos os sonhos.

TEMA 4 – REALIZAÇÃO DO DESEJO

No livro do projeto, Freud aponta o desejo para um retorno à experiência que deixou um traço
mnêmico de satisfação.

A criança faminta grita ou se agita desamparada. Mas a situação permanece inalterada, pois a

excitação que parte de uma necessidade interna não corresponde a uma força que impele
momentaneamente, mas que age de forma contínua. Uma mudança só pode ocorrer quando, de

algum modo, por meio de uma ajuda vinda de fora, a criança tem a vivência da satisfação, que
anula o estímulo interior. Um elemento essencial dessa vivência é o aparecimento de certa

percepção (do alimento, nesse exemplo), cuja imagem mnêmica, a partir de então, fica associada ao

traço mnêmico da excitação criada pela necessidade. Tão logo essa necessidade volta a se
manifestar, ocorre, graças ao vínculo estabelecido, um impulso psíquico que procura investir

novamente a imagem mnêmica da percepção e suscitar de novo a própria percepção, ou seja,


reproduzir a situação da primeira satisfação. Um impulso desse tipo é o que chamamos desejos, e o

pleno investimento da percepção, a partir da excitação devida à necessidade, é o caminho mais

curto, para a realização do desejo. (Freud, 2019, p. 618)

O aparelho psíquico alucina a primeira experiência de satisfação na repetição daquela percepção

ligada à satisfação da necessidade.

A realização de desejo se dividiu em dois grupos:

Primeiro grupo: sonhos que apareceriam abertamente como realização de desejo.

Segundo grupo: a realização do desejo era irreconhecível, dissimulada com todos os meios, por
obra da censura do sonho.

De onde vem o desejo, questionou Freud (2019, p. 602–603), em que levantou quatro fontes:

1. ele pode ter sido despertado durante o dia e, por conta de circunstâncias externas, não ter sido
satisfeito; resta, assim, para a noite, um desejo reconhecido e não resolvido;

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2. ele pode ter surgido durante o dia, mas ter sido rejeitado: resta, então, um desejo não
resolvido, mas suprimido;

3. ele pode não ter relação com a vida diurna e ser um daqueles desejos que apenas à noite se
agitam em nós, a partir do que é reprimido;

4. os impulsos com desejos atuais que surgem à noite (em resposta ao estímulo da sede, à
necessidade sexual, por exemplo). Em seguida, parece-nos provável que a origem do desejo do

sonho em nada altera a capacidade de instigar um sonho.

De uma forma mais organizada, Freud descreve o desejo nos sonhos da seguinte maneira:

Admito de bom grado que o impulso desejoso proveniente do consciente contribuirá para a

instigação do sonho, mas provavelmente não mais do que isso. O sonho não surgiria se o desejo
pré-consciente não soubesse obter reforço de um outro lugar. Ou seja, do inconsciente. (Freud,

2019, p. 604)

Os desejos conscientes se tornam apenas uma mola para que o desejo inconsciente apareça.

Os desejos inconscientes se encontram reprimidos (recalcados), pois eles são de origem infantil.

Freud categoricamente estabelece que todo desejo representado no sonho é infantil.

É importante também se ater a outros estímulos psíquicos que restam do estado de vigília e não

são desejos.

Para dormir bem, é importante que encerre temporariamente os estímulos dos pensamentos
despertos. Se Freud vivesse em dias atuais, diria para desligar o celular algumas horas antes de

dormir. Em 1900, já fez uma pequena seleção de investimentos de energia que roubam o sono:
problemas não resolvidos, preocupações que atormentam, excesso de impressões etc. Isso alimenta

os processos psíquicos no sistema designado como pré-consciente.

Freud apresenta o pequeno relato de um sonho, com o desejo já consciente da sonhadora e

clara deformação do sonho. 

Uma senhora brincalhona foi questionada sobre o noivo da sua amiga mais jovem. As
conhecidas perguntam o que ela acha do noivo da jovem e, com elogios incondicionais, silencia o

que realmente pensa sobre o rapaz. Pensa que é um homem que se encontra às dúzias.

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À noite, sonhou que a mesma pergunta era feita a ela e respondeu com a frase: “Para pedidos

iguais, basta informar o número”.

Freud concluiu que o desejo foi deformado e que o desejo vem do inconsciente, não podendo
ser revelado durante o dia.

TEMA 5 – O ESQUECIMENTO DOS SONHOS

Os detalhes que parecem não importar no sonho, ou insignificantes, são indispensáveis para sua

interpretação e é valido destacar as nuances da linguagem em que o sonho foi apresentado.

Para a psicanálise, a improvisação no sonho e os tropeços da história têm estatuto de escritura


sagrada. As contradições precisam ser benditas e explicadas com zelo.

A sensação de que muito foi sonhado, mas que pouco foi conservado do sonho, pode significar
que o trabalho do sonho se realizou de modo perceptível à noite, mas deixou um sonho curto. Os

esforços para se lembrar do sonho de nada adiantam.

Toda a perda de conteúdo do sonho causada pelo esquecimento pode, muitas vezes, ser
recuperada por meio de análise, por intermédio do que sobrou.

Não é nada raro que no meio do trabalho de interpretação surja de repente uma porção excluída

do sonho, considerada esquecida até então. Essa parte arrancada do esquecimento é sempre a

mais importante; ela se acha no caminho mais curto para a solução do sonho e, por isso, estava
mais exposta a resistência. (Freud, 2019, p. 568)

Freud foi criticado por Morton Prince, médico neurologista, que o esquecimento do sonho seria
apenas um caso de amnésia especial. Freud se defendeu dizendo que se ele tivesse estudado a

dinâmica desses fenômenos, encontraria a repressão e a resistência sendo a causa tanto das
dissociações como da amnésia de seus conteúdos psíquicos.

A orientação de Freud, seguindo Claude Bernard, é trabalhar como uma besta, ser persistente e
despreocupado com o resultado.

Será que todo sonho pode ser interpretado? Freud responde com toda firmeza que não. Mas a

pergunta pode facilmente ser modificada para: todo mundo pode interpretar sonhos? A resposta
também é não. Mas por quê?

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Assim, é uma questão de relação de forças se nós, com nosso interesse intelectual, nossa

capacidade de autossuperação, nossos conhecimentos psicológicos e nossa prática de


interpretação dos sonhos, conseguimos predominar sobre as resistências internas. Em certa

medida, isso sempre é possível, pelo menos até o ponto de nos convencermos de que o sonho é
uma noção de sentido e, muitas vezes, de adquirirmos também a noção desse sentido. Com

frequência, um sonho subsequente permite confirmar e levar adiante a interpretação dada a

primeiro. (Freud, 2019, p. 574)

Quando um elemento psíquico é ligado a outro por meio da associação livre, há também uma
ligação correta e mais profunda entre os dois, e está sujeito à censura e à resistência.

A censura pode agir de duas formas:

A censura se volta apenas contra a ligação entre os dois pensamentos, que desvinculado não

suscitam objeção. Então os dois chegam à consciência sucessivamente; seu vínculo permanece
oculto; em vez disso nos ocorre uma ligação superficial entre os dois, na qual não teríamos

pensado em outra forma, e que geralmente começa numa região do complexo de representações

diferente daquela da qual parte a ligação reprimida, mas essencial. (Freud, 2019, p. 581)

A censura desvincula os dois pensamentos, porém permanece uma ligação superficial que

permite os dois chegarem à consciência.

Uma segunda forma de a censura agir é:

Os dois pensamentos são submetidos à censura por causa do conteúdo; nesse caso, os dois

aparecem não em sua forma correta, mas modificado e substituído, e os dois pensamentos
substitutos são selecionados de maneira tal que mediante uma associação superficial reproduzem a

ligação essencial que há entre os pensamentos por ele substituídos (Freud, 2019, p. 581).

Os pensamentos se modificam e são substituídos para passar pela censura. “Sob a pressão da
censura, aconteceu, em ambos os casos, um deslocamento de uma associação normal, séria, para

uma superfície ao interpretar sonhos” (Freud, 2019, p. 581).

Para enfrentar a censura e as resistências, Freud estabeleceu a única regra da psicanálise:


“Quando instruo um paciente a deixar toda reflexão e me dizer tudo o que lhe passar pela mente”

(Freud, 2019, 582).

De uma forma sábia, Freud sabia que seria difícil o paciente lhe falar tudo e se autoriza a
investigar as coisas aparentemente pequenas e sem valor, pois ali esconderia sua doença.

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O psicanalista precisa ser aquele que faz as perguntas, às vezes, até ingênuas e simples, mesmo

que a resposta pareça óbvia.

NA PRÁTICA

O caso aqui apresentado por Freud, o qual chamou de sonho-modelo, por suas condições aqui

apresentadas:

Um pai passou dias e noites à cabeceira do filho doente. Depois que a criança morre, ele vai para

um quarto vizinho, a fim de descansar, mas deixa a porta aberta, para poder ver o aposento onde

jaz o corpo do filho, cercado de velas altas. Um homem idoso foi encarregado da vigília e está
sentado junto ao corpo, murmurando orações. Após algumas horas de sono, o pai sonha que o

filho está de pé ao lado de sua cama, que se agarra pelo braço e sussurra em tom de repreensão:
Pai, você vê que eu estou queimando? Ele acorda e vê o brilho forte vindo do quarto do filho, corre

até lá e encontra o vigia idoso adormecido, a mortalha e um braço do corpo amado do filho

queimados por uma vela que caíra. (Freud, 2019, p. 558)

Esse sonho foi apresentado em congresso, por um palestrante que não foi citado o nome no

texto. A pessoa fez a seguinte interpretação:

A luz clara das velas incidiu sobre os olhos do adormecido através da porta aberta e o levou à

mesma conclusão a que ele teria chegado em estado de vigília, de que a queda de uma vela tinha
provocado um incêndio junto ao corpo. Talvez o pai já tivesse adormecido com a preocupação de

que o vigia idoso não estava apto a cumprir a tarefa” (Freud, 2019, p. 558).

Freud aceita a interpretação do sonho, mas acrescenta que o conteúdo do sonho precisa ser
sobredeterminado, o qual tem outros fatores para serem analisados. Algo que chama a atenção de

Freud é a fala da criança no sonho, palavras ditas por ela enquanto vivia. “Estou queimando” se liga à

febre que a criança apresentou, e a frase: “Pai, você não vê?” está carregada de afeto, possivelmente

o sentimento de culpa do pai, que não prestou atenção nas queixas do filho doente.

Nesse sonho, o pai pode realizar o seu desejo de ver o filho com vida novamente, reproduzindo

a cena de quando o filho estava vivo. O pai prolonga o sonho na tentativa de continuar a realizar o
desejo de vida para o filho.

Esse breve sonho mostra o sentido oculto do sonho, preocupação central do livro A

interpretação dos sonhos. Freud percebeu que, por meio do trabalho dos sonhos, muitas hipóteses

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que dizem respeito de modo tentativo à estrutura do aparelho psíquico e às forças inconscientes que
neles agem, sendo só o início das investigações.

FINALIZANDO

1. Qual é o conceito do desejo em Freud?

O desejo em Freud passa longe do conceito de necessidade biológica. Para Freud, o desejo é

sempre inconsciente e busca a satisfação por meio dos sonhos, por isso a sustentação da ideia de

que o sonho é a realização do desejo recalcado. O desejo está ligado ao traço mnêmico, o qual são

as marcas deixadas pelas primeiras experiências de satisfação do bebê. Os desejos infantis não
deixam traços em nossa memória consciente; no entanto, eles produziram efeitos que perduram a

vida toda. O complexo de Édipo é a renúncia pelos desejos incestuosos e a relação com a castração

são os alicerces para as estruturas psíquicas. Os sonhos infantis são a realização de desejos que

pouco apresentam disfarces em razão da imaturidade do aparelho psíquico, mas, no período do


complexo de Édipo, os sonhos começam a sofrer maiores deformações, assim como nos adultos.

2. Como a censura opera no esquecimento?

Os elementos psíquicos são ligados por associação livre e também por intermédio de ligações
profundas no aparelho psíquico, local que encontra resistência e censura ao conteúdo latente.

A censura pode agir de duas formas:

a. A censura se volta apenas contra a ligação entre os dois pensamentos, despertando um


afastamento entre eles, porém, deixa uma ligação superficial entre as imagens mnêmicas.

b. Os dois pensamentos são submetidos à censura por conta do conteúdo que chamou a atenção.

Por consequência, os pensamentos são deformados para chegar à consciência, porque, se

forem notados, serão barrados por ela.

A força motriz dos sonhos são os desejos inconscientes e recalcados. A censura psíquica atua no
sonho despertando o pré-consciente e o consciente para alteração das imagens com o uso do

deslocamento e da condensação, provocando, assim, a criação de figuras absurdas nos sonhos. Todo

esse trabalho é resultado da tentativa de fuga da censura.

De onde vem o desejo? Freud descreve quatro fontes:

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1. O desejo despertado durante o dia não foi realizado, restando, assim, para a noite, um desejo

reconhecido e não resolvido.


2. O desejo rejeitado e suprimido retorna no sonho.

3. Ele pode não ter relação com a vida diurna e ser um daqueles desejos que apenas durante a

noite se agitam em nós, a partir do que é reprimido.

4. Os impulsos com desejos atuais que surgem à noite em respostas ao estímulo da sede e da
necessidade sexual, por exemplo. Em seguida, parece-nos provável que a origem do desejo do

sonho em nada altera a capacidade de instigar um sonho.

Os desejos conscientes se tornam apenas uma mola para que o desejo inconsciente apareça. Os

desejos inconscientes se encontram reprimidos e recalcados, pois são de origem infantil.

REFERÊNCIAS

FREUD, S. A interpretação dos sonhos. São Paulo: Companhias das Letras, 2019.

GARCIA-ROZA, L. A. Introdução à metapsicologia freudiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.

v. 1, v. 2 e v. 3.

PROVEDEL, D.; PRISZKULNIK, L. Freud e os sonhos de crianças. Estilos da Clínica, São Paulo, v.

13, n. 25, p. 232–249, dez. 2008. Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?


script=sci_arttext&pid="S1415-71282008000200014"&lng=pt&nrm=iso>. Acesso em: 10 jan. 2023.

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INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS
AULA 6

 
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Prof.ª Paula Leticia Fernandes Pereira Siqueira

CONVERSA INICIAL

Ao longo de nossos estudos, procuramos alcançar o objetivo de compreender os sonhos como

uma das manifestações do inconsciente, compreender que a psicanálise tem um método para

interpretar os sonhos, que não é possível interpretar todos os afetos comunicados por meio dos

sonhos e que o termo umbigo do sonho se refere ao limite que não pode ser completamente

alcançado.

Primeiramente, falamos sobre o contexto da criação do livro A interpretação dos sonhos,

publicado por Freud em 1900, assim como apresentamos o ponto de vista atual das neurociências

sobre o sonho. Depois, desenvolvemos os conceitos de primeira tópica, inconsciente, pré-consciente,

consciência, recalque e figuração, para explicar como se dá o processo psicodinâmico no aparelho

psíquico durante o sonho. Também tratamos do famoso sonho do Freud sobre a injeção de Irma. Na

sequência, o objetivo foi estudar a função e os afetos do sonho, destacando os sonhos de angústia.

Depois, abordamos a questão de o sonho ser a manifestação de um desejo e também falamos sobre

a censura.

Neste momento, nosso objetivo é apresentar algumas questões que ainda hoje intrigam um

grande número de pessoas, que são os sonhos premonitórios. Vamos identificar o que Freud falava
sobre esse tipo de sonho e, além disso, vamos saber quais foram algumas das conclusões a que

Freud chegou a partir de 1915, em uma fase mais amadurecida do método interpretativo que ele

utilizava desde 1900.

TEMA 1 – SONHO PREMONITÓRIO

O livro A Interpretação de Sonhos tem duas partes: Volume 4 e Volume 5 das obras completas de

Sigmund Freud. No Volume 5, Freud apresenta o caso da Srª B. em um texto curto (três páginas),

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chamado Uma premonição onírica realizada.

Sra B. pessoa excelente e dotada de senso crítico, conta-me falando de outras coisas, e sem

intenção oculta que certa vez, anos atrás, sonhou que encontrava o dr. K. ex-médico da família e
amigo, na Karnter Strasse, na frente da loja Hiess. Na manhã seguinte, ao caminhar pela mesma rua,

encontrara de fato a pessoa em questão, exatamente no lugar com que havia sonhado. (Freud,
2019, p. 676)

Inicialmente, Freud investiga o contexto fazendo perguntas para saber se ela teria relatado o

sonho a alguém antes do encontro, ou se já teria encontrado o amigo médico nesse lugar outras

vezes.

Depois, passa a perguntar sobre a relação pregressa da Srª B. com o Dr. K., buscando elementos

relevantes para a compreensão do afeto contido no sonho. Desta investigação, resultou a história de

que a Srª B. era uma viúva que no primeiro casamento precisou administrar a casa após a doença do

marido e contou com a ajuda amigável do Dr. K., médico, e de outro amigo, também chamado Dr. K.,

advogado, pelo qual teve uma paixão, mas que pela moralidade em que vivia não foi assumida.

A análise que Freud faz é que o sonho utiliza a imagem do médico para encobrir a figura do

advogado (ambos chamados Dr. K). Quando a Srª B. se apaixonou pelo advogado amigo da família,

ela estava em uma fase da vida bastante impeditiva para os valores morais da época de assumir o

romance, no entanto, foi apenas por ele que ela sentiu paixão. Seu primeiro casamento havia se dado

por conveniência e não por paixão, bem como o segundo casamento, após ter ficado viúva. Foram 25

anos de convivência com o advogado Dr. K, que continuou sendo o administrador dos negócios da

família e a Srª B., no dia anterior ao sonho, havia ficado à sua espera para uma reunião de negócios

em que ele não compareceu. Para Freud, a espera deve ter desencadeado pensamentos na época da

paixão, sendo a realização do desejo, comprovando mais uma vez a sua teoria de que o sonho é a

realização de um desejo. Pela censura e pelas distorções típicas dos sonhos (condensação e
deslocamento), ela inseriu o K. (médico) que a fazia recordar do K. amado (advogado). Em outra

época da sua vida, a Srª B. também relatou que o Dr. K (advogado) entrou em sua casa no momento

em que ela estava pensando nele, o que fez Freud considerar que, apaixonada, ela passava boa parte

do tempo pensando nele e que as visitas que ele fazia eram frequentes.

Podemos dizer que, para a psicanálise, sonho é sonho, mas é verdade que alguns tipos de

sonho causam muito interesse e questionamento entre as pessoas. Constantemente chamado a falar

sobre a relação da psicanálise com a telepatia ou com temas de ocultismo, Freud escreveu, em 1921,

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o texto Psicanálise e Telepatia, que possibilita desenvolver uma opinião sobre o assunto. Freud

admitiu que esse tema não era um assunto confortável para ele: “minha atitude pessoal diante desse

material continua a ser relutante e ambivalente” (2011, p. 156). Atualmente, a diferença entre

psicanalista e ocultista pode parecer clara, mas, no início da psicanálise, não era. Vamos ver o que

Freud nos disse sobre isso:

A colaboração entre psicanalista e ocultista não oferece perspectiva de êxito. As disposições

mentais são diferentes.

O campo de trabalho do psicanalista é o inconsciente da vida psíquica e não os fenômenos

ocultos.

Há pouca dúvida de que o trato com os fenômenos ocultos logo resultará na confirmação de
que certo número deles é real, mas levará muito tempo para que se chegue a uma teoria

aceitável sobre eles.

Freud apresenta dois casos de telepatia. Resumidamente, o primeiro é de um jovem apaixonado

pela irmã e que desejava a morte do cunhado. Ele foi a uma vidente, que o informou que o cunhado

morreria de intoxicação alimentar por frutos do mar em agosto. Realmente, em agosto, o cunhado

teve uma intoxicação, mas não morreu. O paciente contou essa experiência em novembro.

O segundo caso é o de uma jovem que se casou com um homem bem-sucedido. Ela estava

muito apaixonada e quis dar um filho a ele, porém, depois de várias tentativas, não engravidou.

Marcou uma cirurgia ginecológica e, ao noticiar ao marido, ele pediu que ela não a fizesse, pois a

culpa de ela não engravidar era dele. Ela desenvolveu uma neurose obsessiva grave, necessitando até

ficar no sanatório. Em uma viagem com o marido, soube que, no mesmo hotel, estava hospedado um

grande adivinho. Ela, aos 40 anos, pediu uma consulta e, mesmo o marido dizendo que aquilo se

tratava de bobagem, ela não desistiu. Quando chegou até ele, sem lhe dizer nada e também sem

aliança, pôs a mão sobre uma caixa com areia e, por meio das marcas deixadas na areia, recebeu uma

previsão de seu futuro: ela teria dois filhos aos 32 anos de idade. Inicialmente, recebeu a fala do

adivinho como a possibilidade de um novo casamento. No entanto, ela já tinha 40 anos. O que

parece ter acontecido ali é que o adivinho apontou a identificação dela com a mãe, a qual tivera dois

filhos aos 32 anos de idade.

Nos dois casos, as profecias não se realizaram, mas marcaram a transmissão de pensamento,

como aponta Freud, apresentada no texto do chiste. Freud nunca teve a intenção de ensinar algo

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sobre a premonição e sempre que se manifestou em relação ao tema foi para reforçar que o método

psicanalítico tem o inconsciente como foco da atenção. O que ele chamou de transmissão de

pensamento é uma possibilidade de comunicação que ocorre por caminhos desconhecidos, algo

relacionado com percepção sensorial.

Freud acrescenta que as fantasias noturnas e diurnas são produto da nossa vida psíquica,

enquanto o “sonho telepático” é uma percepção externa, diante da qual a psique mantém uma
atitude passiva e receptiva.

Explica ainda que os sonhos não iniciam sua formação somente quando a pessoa adormece e

que os conteúdos latentes podem ter sido preparados durante o dia. O que acontece quando a

pessoa dorme é que os conteúdos latentes que já começaram a se articular durante o período de

vigília entram em contato com os desejos inconscientes que os transformam em sonho.

Por fim, Freud conclui que, “se o fenômeno telepático é apenas uma realização do inconsciente,

não há um novo problema; as leis da vida psíquica inconsciente se aplicam também à telepatia”

(Freud, 1922, p. 208).

TEMA 2 – O SIMBOLISMO NO SONHO

Alguns dos textos do livro A Interpretação de Sonhos tratam do simbolismo dos sonhos. Freud

reconheceu que alguns símbolos são usualmente empregados para representar conteúdos que

seriam censurados se não fossem representados por meio deles. É importante esclarecer que a

psicanálise não tem um manual ou um dicionário para interpretar sonhos pelos seus símbolos, a

técnica da associação livre não emprega substitutos para o elemento do sonho e não existem regras
gerais para os sonhos. Apesar de reconhecer que alguns símbolos são bastante relacionados a

determinados conteúdos latentes, será somente pelo discurso do sonhador que a interpretação

poderá ser feita.

“Chamamos de simbólica tal relação constante entre um elemento do sonho e sua tradução, e

ao elemento do sonho em si, um símbolo do pensamento onírico inconsciente” (Freud 1916, p. 202).

Para interpretar um sonho, é importante conhecer os símbolos oníricos usuais e, além disso,

conhecer o sonhador, as condições em que vive e as impressões anteriores ao sonho. A técnica

baseada no símbolo não substitui a técnica da associação livre.

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Freud (1916, p. 206) utilizou uma lista de elementos do sonho de uma forma didática,

reconhecendo a relação entre:

Pessoa humana representada como uma casa;

Casa com paredes lisas: os homens;

Casa com fachada com saliência e sacadas: mulheres;

Pais: imperadores e imperatrizes, reis e rainhas, ou figuras de respeito;

Filhos e irmãos: pequenos animais e insetos;


Nascimento: relacionado à água;

Resgatar ou ser resgatado da água: relação maternal com a pessoa envolvida no sonho;
Morte: é substituída por partida, viagem de trem, estar morto, escuridão;

Nudez: roupas e uniformes.

A vida sexual e os órgãos genitais têm muitos símbolos para representá-los:

Órgão genital masculino, o pênis:


O número três;

Pé e mão;
Máquinas complicadas;

Bengalas;
Guarda-chuva;

Estacas;
Árvores;

Coisas que penetram no corpo: facas, sabres, lanças, arma de fogo;


Objetos que jorram água: torneiras, regadores, chafariz;

Objetos capazes de alongar, luminária, lápis, caneta, lixas de unha, martelo, chave de
fenda;

Répteis e peixes;
Casacos, chapéus.

Símbolos que representam a ereção masculina e também o clitóris:


Balões, aviões;

Pessoa voando.
O genital feminino, a vagina:

Espaços ocos que podem abrigar alguma coisa dentro de si;

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Poços;

Grutas, cavernas;
Vasos, garrafas;

Caixas, caixinhas de joias, caixotes;


Latas;

Malas, bolsas;
Bolsos;

Barcos;
Podem aparecer como jardins, florestas e água.

O símbolo dos seios é representado por:


Maçã, pêssego;

Frutas em geral.
Os símbolos para os pelos pubianos:

Bosque e matagal.
Símbolos que guardam mais relação com o ventre materno:

Fornos;
Armários;

Quartos.
Alguns símbolos que representam a mulher:
Madeira, papel e objetos que compõem materiais;

Mesas e livros;
Animais como o caracol e o marisco;

Boca;
Igreja e capela;

Sapatos e chinelos.
O símbolo da pessoa amada pode aparecer como:

Joias e tesouros.
O símbolo da masturbação pode aparecer como:

Todo tipo de atividade lúdica;


Doces;

Tocar piano;
Deslizar, escorregar;

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Arrancar um galho;
Animais selvagens.

O símbolo da castração aparece como:


Arrancar um dente;

Cortes.
O sexual também aparece nos símbolos como:

Escadas;
Dançar;

Cavalgar;
Escalar;

Ameaças com arma;


Atropelamento;

Trabalhos manuais.

Freud procurou explicar que essas relações simbólicas “não são coisa peculiar ao sonhador ou ao
trabalho do sonho, mediante o qual elas ganham expressão. Já descobrimos que desse mesmo

simbolismo se servem os mitos e os contos de fadas, os provérbios e as cantigas populares, o uso


corriqueiro da língua e a fantasia poética” (Freud, 2011, p. 225). O tema do simbolismo se encontra

difundido não apenas na psicanálise, mas também no mito, na religião, na arte e na linguagem.

TEMA 3 – ALGUNS COMPLEMENTOS À INTERPRETAÇÃO DOS


SONHOS (1925)

Existem várias técnicas para interpretar um sonho, todas com o suporte da associação livre e

seguindo quatro modelos descritos por Freud (1923, p. 301):

1. Cronologicamente: proceder cronologicamente e fazer com que o sonhador apresente suas


associações aos elementos do sonho na sequência em que eles ocorrem no relato. Essa é a

conduta original clássica, bastante utilizada inclusive quando analisamos os próprios sonhos.
2. Elemento principal: iniciar o trabalho de interpretação por determinado elemento do sonho,

escolhido de qualquer ponto dele. Por exemplo, pelo trecho mais notável ou pelo que possui a
maior nitidez ou intensidade sensorial ou partindo de uma fala contida nele, a qual esperamos

que conduza à lembrança de uma fala da vida desperta.

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3. Contexto: não considerar inicialmente o conteúdo manifesto do sonho e perguntar ao

sonhador que evento do dia anterior ele associa ao relato.


4. Sem critérios: abandonar todo o preceito e deixar que ele decida com quais associações

relativas ao sonho começará.

Não existe uma técnica que seja melhor do que as outras ou que possua melhor resultado, cabe
ao analista identificar com qual delas se sente melhor habilitado ou sabe manejar melhor.

Para Freud, “um sonho é apenas um pensamento como qualquer outro, possibilitado pelo
relaxamento da censura e pelo reforço inconsciente, deformado pela interferência da censura e a

elaboração inconsciente” (Freud, 1923, p. 305). No processo da análise também ocorre um


relaxamento da censura e, ao longo do processo, o conteúdo que antes era censurado passa a ser
falado com mais tranquilidade. Alguns sonhos acontecem como consequência desse processo de

elaboração, ou seja, depois de já ter avançado um pouco no afrouxamento da censura, pode haver
um sonho considerado confirmador, que sintetiza ou representa a essência daquilo que já apareceu

no processo da análise pessoal. No texto escrito em 1912, intitulado A dinâmica da transferência,


quando Freud trata do manejo técnico da interpretação de sonhos, ele diz o seguinte:

Mencionarei um tipo especial de sonho que, por suas condições, somente numa terapia analítica

pode ocorrer, e que talvez desconcerte ou desencaminhe o iniciante. São os chamados sonhos
confirmadores ou “que seguem atrás”, facilmente acessíveis à interpretação, e cuja tradução resulta

apenas no que o tratamento já inferira do material das associações diurnas nos últimos dias. É
como se o paciente tivesse a amabilidade de nos trazer em forma de sonho justamente o que lhe

“sugerimos” logo antes. (Freud, 1912, p. 126)

Isso nos leva a uma pergunta: será que a transferência pode influenciar nos sonhos?

Quando o sonho traz situações que podem ser interpretadas como se referindo a cena do passado
do sonhador, parece particularmente relevante a questão de se teria havido influência médica nesse

conteúdo onírico. Essa questão é mais premente nos sonhos chamados confirmadores, que
“seguem atrás” da análise. (Freud, 1923, p. 308-309)

A análise faz uma atualização do sintoma pela transferência e, com isso, o paciente reproduz as

vivências esquecidas da infância por meio dos pensamentos espontâneos.

Os pacientes que trazem apenas os sonhos confirmadores são os mesmos nos quais a dúvida tem o

papel de resistência principal. Não tentamos calar a dúvida com a nossa autoridade ou fulminá-la
com argumentos. Ela deve permanecer, até que se resolva no prosseguimento da análise. (Freud,

1923, p. 310)
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O analista trabalha como na montagem de um quebra-cabeça, com os conteúdos dos sonhos.

TEMA 4 – OS LIMITES DA INTERPRETABILIDADE

É possível interpretar toda a produção do sonho?

Sabemos que, de acordo com o princípio do prazer, as atividades mentais procuram por um
objetivo útil ou um ganho imediato de prazer. A busca pelo prazer é um jogo e uma fantasia. Há um

relaxamento da censura. Sonhar é uma atividade de fantasia e não está a serviço da organização
mental, pois esse é o papel do pensamento consciente ou pré-consciente, típico do período de

vigília.

Quando o sonho lida com um problema da vida, o modo de solução corresponde ao desejo
irracional. O sonho tem um papel muito importante que é o de ser guardião, para evitar a

perturbação do sono. Quando a fantasia e a realização de desejos ficam no sonho, o sono é


protegido. De outra maneira, quando há uma mistura de conteúdo inconsciente no pré-consciente e

no consciente, são observadas as psicopatologias.

Segue-se que para o Eu que dorme é indiferente, no conjunto, o que durante a noite é sonhado,

desde que o sonho realize sua incumbência, e que os sonhos de que nada sabemos dizer após

despertar são aqueles que melhor cumpriram sua função. Se frequentemente te sucede o contrário,
se lembramos os sonhos – até durante anos e decênios –, isto sempre significa uma irrupção do

inconsciente reprimido no Eu normal. Sem esta compensação, o reprimido não prestaria sua ajuda
para eliminar a ameaça de perturbação do sono. Sabemos que é o fato dessa irrupção que confere

ao sonho sua importância para a psicopatologia. Se conseguimos desvendar o motivo que impele,

obtemos insuspeita da informação sobre os impulsos reprimidos no inconsciente; por outro lado,
se desfazemos suas deformações, espreitamos o pensamento pré-consciente em estados de

concentração interior, que não teriam atraído para si a consciência durante o dia. (Freud, 1923, p.
320)

Os sonhos só podem ser interpretados no processo analítico. E respondendo à pergunta que


fizemos no início, não é possível interpretar toda a produção do sonho. Isso acontece porque não se

trata de uma organização lógica e não tem sentido racional, sendo, na realidade, um emaranhado,
um nó que não pode ser totalmente desfeito. Além disso, especialmente quando alguém tenta

analisar sonhos fora do contexto de análise, deverá estar ciente de que a pessoa que interpreta irá
misturar os seus conteúdos com os símbolos do sonho e, mais uma vez, percebemos o quanto é

indispensável que o psicanalista faça análise pessoal para ter maior consciência do funcionamento do
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seu próprio aparelho psíquico e dos seus conteúdos latentes que estão relacionados aos símbolos

oníricos.

TEMA 5 – OBSERVAÇÕES SOBRE A TEORIA E A PRÁTICA DA


INTERPRETAÇÃO DOS SONHOS (1923 E 1938)

Freud, enamorado pela teoria dos sonhos, declara que “ela tem um lugar especial na história da
psicanálise e designa um ponto de virada; com ela a psicanálise fez a passagem de procedimento

psicoterapêutico para a psicologia da profundidade” (Freud, 1923 p. 126).

Ele declara que, em tempos difíceis, começava a ter dúvidas sobre a validade de suas

descobertas e via a si mesmo diante de sonhos confusos e sem nexo. No entanto, quando conseguia
transformar em um claro e inteligível processo psíquico, renovava sua confiança para prosseguir. Em

um dos seus últimos textos, Freud reafirma a importância do estudo dos sonhos na obra psicanalítica:

Verificou-se que os mecanismos inconscientes que discerniram mediante o estudo do trabalho nos

sonhos e que explicaram a formação do sonho, que esses mesmos mecanismos também nos
ajudaram a compreender os enigmáticos sintomas que suscitam todos os interesses nas neuroses e

psicoses. (Freud, 1940[1938], p. 224)

O sonho, em todos os casos, é o resultado de um conflito, uma espécie de formação de


compromisso. O que pode ser uma satisfação para o Id, e um motivo de angústia para o Eu (ego).

Freud explicita uma diferença entre o conteúdo latente e manifesto: “Ao acordar sabemos que

não é o verdadeiro processo do sonho, mas apenas uma fachada que o esconde. Isso é a nossa

distinção entre um conteúdo manifesto e os pensamentos oníricos latentes” (Freud, 1938, p. 216).

Esse processo é chamado de trabalho do sonho. Já a deformação do sonho consiste no trabalho com
o material inconsciente do Id, original e reprimido, que se impõe e se torna pré-consciente pela

oposição do Eu.

Conteúdo latente = verdadeiro sonho (pensamentos oníricos latentes, escondidos).

Conteúdo manifesto = o que o sonhador conta.

Qual será o motivo para a formação do sonho? Freud indica dois motivos:

Um impulso instintual (um desejo inconsciente) normalmente suprimido encontra força, durante o

sono, para se fazer notar pelo Eu, ou um ímpeto remanescente do estado de vigília, um curso de

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pensamentos pré-consciente, com todos os impulsos conflituosos a ele unidos, é reforçado, no

sonho por um elemento inconsciente. (Freud, 1940 [1938] p. 217)

Os sonhos com origem do Id ou do Eu possuem o mesmo mecanismo da formação do sonho e a

mesma condição psicodinâmica.

O Eu evidencia sua gênese a partir do Id pelo fato de momentaneamente parar suas funções e

permitir o retorno a um estado anterior. Isso acontece, de maneira correta, interrompendo suas
relações com o mundo exterior e recolhendo seus investimentos dos órgãos sensoriais. (Freud,

1940 [1938] p. 217)

O Eu acordado governa os investimentos libidinais e essa função é paralisada com o estado de

sono. Assim, as inibições impostas pelo Id não são relevantes. A pulsão do sono é marcada pelo
nascimento. O sono é esse retorno ao útero materno.

Quais são as evidências do Id na formação dos sonhos?

a. A memória onírica é bem mais abrangente que no estado de vigília. O sonho traz lembranças
que o sonhador esqueceu e eram inacessíveis na vigília.

b. O sonho faz uso ilimitado de símbolos de linguagem cujo significado o sonhador geralmente

não conhece. Mas podemos confirmar seu significado por nossas experiências. Eles

provavelmente se originam das primeiras fases da evolução da linguagem.


c. Com muita frequência, a memória onírica reproduz impressões da primeira infância do

sonhador, sobre as quais podemos afirmar com segurança que não apenas foram esquecidas,

mas se tornaram inconscientes graças à repressão. É nisso que se baseia a ajuda, geralmente
indispensável, que o sonho presta na reconstrução da época inicial da vida do sonhador e que

procuramos fazer no tratamento analítico.

d. O sonho faz surgir conteúdo que não pode se originar nem na vida adulta nem na infância

esquecida do sonhador. Somos obrigados a vê-los como parte da herança arcaica que a criança
traz ao mundo antes de qualquer experiência própria, influenciada pelas vivências dos

ancestrais. Achamos as contrapartidas desse material filogenético nos mais velhos mitos e nos

costumes remanescentes da humanidade (Freud, 1940[1938] p. 217).

Os sonhos são portadores da pré-história da humanidade e não podem ser desprezados.

NA PRÁTICA
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Em 1929, Freud recebeu uma carta pedindo que interpretasse o sonho do filósofo René

Descartes. Um pouco apreensivo, aceitou o desafio. Segue a descrição integral do sonho:

Então, à noite, quando tudo é febre, tempestade, pânico, fantasmas se erguem na frente do

sonhador. Ele tenta se levantar para afastá-los. Mas cai de novo, envergonhado de si mesmo,
sentindo uma grande fraqueza no lado direito. Bruscamente se abre uma janela do quarto.

Espantado, ele se sente transportado nas rajadas de um vento impetuoso, que o faz rodopiar várias
vezes sobre o pé esquerdo.

Arrastando-se, hesitando, ele chega até os edifícios do colégio onde foi educado. Faz um esforço
desesperado de entrar na capela, para fazer suas devoções. Nesse momento chegam passantes. Ele

quer parar de falar com eles; observa que um deles carrega um melão. Mas um vento violento o

empurra de novo para a capela.

Então ele abre os olhos, importunado por uma viva dor no lado esquerdo. Não sabe se dorme, ou

se está acordado. Semiacordado, acha que um gênio do mau quis seduzi-lo e murmura uma oração
para exorcizá-lo. (Freud, 2011, p. 373)

Depois disso, volta a adormecer, mas, com o som de uma trovoada e o clarão do raio de luz,

acorda novamente, em dúvida se teve um sonho ou devaneio. Ao adormecer outra vez, nessa noite
tão agitada, produz um segundo sonho:

Com o cérebro em fogo, excitado por esses rumores e vagos sofrimentos, Descartes abre um
dicionário, e depois uma coletânea de poemas. Esse intrépido viajante sonhou com este verso: [Que

caminho seguirei na vida?]. Mais uma viagem ao país dos sonhos? De repente surge um homem

que ele não conhece, querendo fazer com que ele leia um trecho de Ausônio que começa assim: [É
e não é]. Mas o homem desaparece, surge outro. O livro some por sua vez, depois retorna, ornado

de retratos. Em talho-doce. A noite sossega, enfim.(Freud, 2011, p. 373-374)

Freud mantém sua orientação de que é difícil fazer uma interpretação correta e ética do sonho

sem o relato do sonhador. Declara que o sonho de Descartes é um “sonho de cima”, isto é,

formulações que poderiam ser feitas em vigília, assim como durante o sono. “Por isso, tais sonhos

apresentam na maioria das vezes, um conteúdo de forma abstrata, poética ou simbólica” (p. 374).

Concordando com a explicação do sonhador, Freud afirma que o obstáculo que o impede de se
mover com liberdade é conhecido por ele, Descartes, como sendo a representação de um conflito

interior.

A dor do lado esquerdo, junto com o gênio mau e o pecado, traduz o ânimo abatido.

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Não é possível identificar as pessoas diferentes que aparecem no sonho sem a fala do sonhador,

que certamente esclareceria esse enigma. Assim como os melões e porta-retratos também não

possuem significado presente.

Será que os melões podem ser relacionados aos seios femininos?

No que toca ao melão, o sonhador teve a ideia de figurar dessa mesma maneira os encantos da

solidão, mas apresentados por solicitações puramente humana. Certamente não é correto, mas
poderia ser uma associação de ideias que levasse a uma explicação exata. Relacionada a seu estado

de pecado, tal associação poderia figurar uma representação sexual que ocupa a imaginação do
jovem solitário. (Freud, 2011, p. 377)

Pelo estudo dos símbolos, é possível construir uma breve análise do sonho de Descartes, mas,

neste exemplo, fica claro que a confirmação para as interpretações só pode ser feita com base em

seu próprio relato (do sonhador).

Por esse motivo, não é ético fazer interpretações de casos vistos em notícias de televisão, nem
interpretar falas de pessoas fora do setting analítico. O sonho é um dos elementos que compõem a

manifestação do psiquismo.

FINALIZANDO

Em nosso estudo, chegamos a várias conclusões sobre o sonho, com base naquilo que nos

ensinou Sigmund Freud. Vamos retomar algumas delas a seguir.

O sonho, em todos os casos, é resultado de conflito, uma espécie de formação de

compromisso, o que pode ser uma satisfação para o id e um motivo de angústia para o Eu
(ego).

Um sonho é apenas um pensamento como qualquer outro, possibilitado pelo relaxamento da

censura e pelo reforço inconsciente.

Freud não gostava de relacionar telepatia e premonição aos sonhos.


Freud concluiu que não é possível fazer um manual de sonhos, no entanto, listou vários

símbolos ou elementos dos sonhos que podem estar relacionados à sexualidade (órgãos

sexuais, ereção, masturbação), à mulher, ao ventre materno e à castração, por exemplo.

Para interpretar um sonho, é importante conhecer os símbolos oníricos usuais e, além disso, o
próprio sonhador precisa falar sobre o sonho por associação livre. A técnica baseada no

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símbolo não substitui a técnica da associação livre.

A tentativa de coletar pontos práticos e norteadores na prática do sonho foi concluída, com a

certeza de que não existe manual de interpretação dos sonhos.

Sonhar é uma atividade de fantasia, por isso não é possível interpretá-la totalmente.

O psicanalista deve se manter em atenção flutuante e observar, no discurso do paciente, o que


ele fala sobre condições em que vive e fatos ou situações relacionadas aos elementos do sonho,

como a relação que tem ou já teve com uma pessoa com a qual sonhou.

Freud descreveu quatro técnicas para interpretar um sonho, todas com o suporte da associação

livre:

1. Pelo relato cronológico;

2. Pelo elemento principal;

3. Pelo contexto em que aconteceu o sonho;


4. Sem critérios.

REFERÊNCIAS

FREUD, S. A interpretação dos Sonhos. São Paulo: Ed. Companhias das Letras, 2019.

FREUD, S. Psicanálise e telepatia. São Paulo: Ed. Companhias das Letras, 2011.

FREUD, S. Carta sobre alguns sonhos de Descartes. São Paulo: Ed. Companhias das Letras,

2011.

FREUD, S. Artigos sobre técnica. Obras Completas de Sigmund Freud – Volume XII (1911 a

1915). Rio de Janeiro: Ed. Imago, 1969.

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