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SABER FIGURAS DO ee TL LACAN ALAIH UANIER couecso FIGURAS DO SABER dirigida por Richard Zrehen Titulos publicados 1. Kierkegaard, de Charles Le Blane 2. Nietzsche, de Richard Beardsworth 3. Deleuze 4. Maiménides, de Gérard Haddad 5. Espinosa, de André Scala 6. Foucault, de Pierre Billouet 7. Darwin, de Charles Lenay 8. 9. 0, Wittgenstein, de Francois Schmitz Kant, de Denis Thouard Locke, de Alexis Tadié aieas D'Alembert, de Michel Paty Nicia Adan Bon 12. Hegel, de Benoit Timmermans 13. Lacan, de A francés: Lacan © Société d’iition Les Belles Lettres, 1998 © Editora Estacio Liberdade, 2005, para esta traducio Preparagao de texto Graziela R. S. Costa Pinto Revisio Tulio Kawata Projeto grifico. Edilberto Fernando Verza Composigio wea Rachi 1g0 de Oliveira Capa Editor responsivel Angel Bojadsen (aP-BRASIL-CATALOGAGKO NA FONTE Sind Nun do Eitrsd Lira ‘vast, Varies, Asin can Ani Vanier; radugto Ncia Aden Bona —Sio Paulo : Eso Liberate, 2005. 1p =i. — (gs do aber: 13) ‘Tadgio de: Lacan ibiograia ISBN 85-7448-107-6 1981.2. Pc 05.2228. cop 150.195 COU 139'964.26 Tadeo iis roereades 2 tora Exago Liberdade Lec 16, 01155-030 Sto PaloSP “els (11) 3661-2881 | Pax (11) 3825-4239, ceditors@escolberdade com.be bupellwwestacsliberdade com br Sumario Cronologia Introducao 1. Primeiros passos 1953: Ruptura com a Instituigao e introduciio de novos conceitos O Simbélico, o Imagindrio eo Real O discurso de Roma Elementos biograficos e primeiros trabalhos 2. O Imaginario O modelo éptico dos ideais da pessoa Ideal do Eu e Eu-Ideal 3. O Simbélico O sujeito A linguagem e a fala O significante O pai 4. O Real O objeto a Movimentos do objeto 17 7 18 23 29 35 39 48 53 SS 58 61 64 7 A sexuagio O n6 borromeano O pai em questo 5. De resto... Bibliografia 96 101 109 117 1900 1901 1903 1907 1915 1927 1932 Cronologia Data da publicagéo de A interpretagao dos so- nhos (Die Traumdeutung), de Sigmund Freud, jada em novembro de 1899. Nascimento em Paris, em 13 de abril, de Jacques- Marie Emile Lacan, filho de Alfred Lacan e de Emilie Baudry. Nascimento de Madel Lacan. ine-Marie Emmanuelle Nascimento de Mare-Marie Lacan. Primeira edigao do Curso de lingitistica geral, de Ferdinand de Saussure, por Charles Bailly ¢ Albert Sechehaye. Publicagio de Sere tempo, de Martin Heidegger. a: Da psicose pa- randica em suas relagbes com a personalidade. No decorrer desses anos, Lacan freqiienta os surrealistas, inicia-se na psiquiatria com Henri Claude e sobretudo com Gaétan Gatian de rambault, segue - na companhia de Raymond Aron, Raymond Queneau e Georges Batail 98 cursos de Alexandre Koyré ¢ de Alexandre Kojéve. Nesse mesmo ano inicia uma andlise com Rudolph Loewenstein. ‘Tese de doutorado em medi 1936 1938 1949 1953 1955 1963-4 Lacan Casa-se com Marie-Louise Blondin em Paris. Desse casamento nascerio trés filhos: Caroline (1937-1973), Thibault (1939) e Sibylle (1940). Comunicagio sobre 0 estédio do espelho no Congresso Psicanalitico Internacional de Ma- rienbad. Publicacdo de um artigo sobre a familia na En- cyelopédie Francaise dirigida por Anatole de Momzie. Publicagio de As estruturas elementares do pa- rentesco, de Claude Lévi-Strauss. No dia 16 de junho, apés um conflito versando sobre a criagdo de um instituto para a formagao dos praticantes, Daniel Lagache, Juliette Favez- Boutonier, Francoise Dolto, Blanche Reverchon- Jouve ¢ Jacques Lacan demitem-se da Sociedade Psicanalitica de Paris, fundam a Sociedade Fran- cesa de Psicanélise ¢ véem-se fora da Interna- tional Psychoanalytical Association (IPA). Casamento de Lacan com Sylvia Maklés, divor- ciada de Georges Bataille. Judith, filha de Jacques Lacan e Sylvia Maklés, nasce em 1941 Em julho, conferéncia “O Simbélico, o Imagi- io € o Real Em setembro, “Fungo ¢ campo da fala e da lin- guagem na psicandlise” seminario propriamente dito comeca no ou- tono de 1953 (antes disso aconteciam reunides de trabalho regulares na casa de Lacan). Encontro com Martin Heidegger. Lacan tradu- ziré “Logos” no ano seguinte. Cisio da Sociedade Francesa de Psicandlise de- pois de tentativas de negocia¢ao para se reinte- grar & International Psychoanalytical Association. eonsogia I u 1966 1967 1969 Surgem ento duas associagdes: a Associagio Psi- canalitica da Franga, que se une & International Psychoanalytical Association, ea Escola Freudiana de Paris— inicialmente chamada de Escola France- sa de Psicanélise ~, fundada por Jacques Lacan. seminario Os Nomes-do-Pai tem uma tinica sesso, em 20 de novembro de 1963. Lacan deixa © hospital de Sainte-Anne, onde até ento minis- trava seus ensinamentos ¢ vai para a Ecole Nor- male Supérieure da rua Ulm, onde comeca, em janeiro de 1964, seu 112seminério, intitulado Os quatro conceitos fundamentais da psicandlise. Publicagéo dos Escritos (reagrupando 34 ar- igos € conferéncias), pela editora Seuil, na co- eco dirigida por Lacan, “Le Champ Freudien”, inaugurada em 1964 com a edigao do livro de ‘Maud Mannoni, A crianga retardada e a mae. “Proposta de 9 de outubro de 1967 sobre o psi- canalista da Escola”, que instaura 0 procedi- mento do passe (implementado por Lacan para iinterrogar a passagem do analisando ao analis- ta”) na EFP, Contestando 0 procedimento do passe, Piera Aulagnier, Frangois Perrier, Jean-Paul Valabrega € outros abandonam a Escola Freudiana de Pa- ris ¢ fundam a Organizagao Psicanalitica de Lingua Francesa ou Quarto Grupo. Sempre no quadro da Ecole Pratique des Hautes Frudes, o seminario de Lacan prossegue no gran- de anfiteatro da faculdade de direito, na Place du Panthéon, © semindrio de 1969-1970, O avesso da psicandlise, também sera dado nesse local, assim como todos os outros, até o fim do ensino de Lacan. 12 Lacie Fundagao do Departamento de Psicandlise na Universidade de Paris VIII-Vincennes, por Serge Leclaire. Posteriormente, Jacques-Alain Miller serd o diretor, Introdugao 1973 Publicacao do primeiro seminério pela Seuil, Os quatro conceitos fundamentais da psicanélise, cujo texto é estabelecido por J.-A. Miller. 1980 Uma carta, datada de 5 de janciro, assinada por Lacan, anuncia a dissolugao da Escola Freudia- na de Paris, ‘Quem era Lacan? Um dos grandes-pensadores-de-nossa- época, ele que considerava o pensamento uma doenca? Um “psi” que nos teria permitido compreender melhor nosso préximo ¢ a nés mesmos, ele que recomendava ao psicanalista que nao tentasse compreender e via na tenta- Gio de faz#-lo uma manifestagio de resisténcia do prati- cante? Um idedlogo, ou entdo um guru, arrastando atras de si uma juventude fascinada, a qual ele teria evitado que mergulhasse no terrorismo que assolou, depois de Maio de 68, os paises vizinhos? Um charlatao que Iudibriava as multiddes usando, de modo ilicito, os enunciados da cién- cia, manipulando de modo pouco académico a tradicio filos6fica? Um surrealista extraviado do pensamento sé- rio? Uma figura desconcertante, seguramente, que jamais ocupava o Ingar que se Ihe queria attibuir, de tal maneira gue nos reconhecfamos dentre aqueles que o queriam pendiar ou entre seus adoradores. Aquele que nos descon- certa e nos encaminha por sendas ignoradas — que apesar disso sao s6 nossas ~, mas recortando outras, novas, nao seria este 0 psicanalista em aco? E Lacan encarnou-o sem, concessio. Oleitor nao encontrard aqui uma explicagao, nem mes- mo uma chave do personagem Lacan, Nao ha Rosebud’ a 1981 Morte de Jacques Lacan, no dia 9 de setembro, em Paris. Ele € enterrado no cemitério de Gui- trancourt, nas Yvelines.! 1. Departamento a osste de Paris criado ma rerganicao da regio pai + Palavia promunciads por Ghares Foster Kane, so mores no inicio do sense em 1964, [N. filme de Orson Welles, (1941). 0 espeeador desco 14 tacan ser espetada — nem sequer tentamos isso. fato incontes- tavel que seu trabalho ~ agora que o fascinio exercido por sua pessoa se distancia — interessa a intimeros campos da cultura, da filosofia & critica literdria, & sociologia, etc., mas quisemos aqui, nesta breve obra de apresentagao, se- guindo o fio sem diivida discutivel de questdes que nos tocam particularmente neste momento, mostrar que é & psicanélise em primeiro lugar que cabe assumir e respon- der questdes abertas e reabertas por ele depois de Freud, € as que ele deixou ainda por citcunscrever. “Eu sou aquele que leu Freud”, declarava Lacan a Pierre Daix em 1966, por ocasiao da publicacao dos Es- critos. Ele tinha todos os motivos para afirmé-lo. Foi ele que levou os analistas a retornar ao texto freudiano, esquecido sob os trabalhos que pretendiam prorrogi-lo, anulando-o. Assim fazendo, esvaziavam aquilo com 0 que o analista tem de se haver em sua pratica, mas igno- radamente, € que Lacan buscou deslindar lendo Freud como este lia os sonhos ou as formagées do inconsciente — esses tropesos da vida cotidiana que sio o lapso, 0 es- guecimento, os atos falhos ~, questionando esse desejo do descobridor do inconsciente, desejo enigmatico, que permanece obscuro e do qual algo nao cessou de se trans- mitir desde a origem. Mas, a partir dai, ele fez mais: rein- ventou a psicanélise para as geracdes do pés-guerra, pois, quem pratica a anélise hoje em dia dificilmente pode abrir mao de Lacan, mesmo que nao queira langar mao da leitura de sua obra. © que é a psicandlise € quais so os principios de seu poder? Esta poderia ser a questo perseguida por Lacan que Ea marca do tens deixada ates de si pelo peueno Charles, quan: do arrancado de sua infincia paca que fagam dele um aprendiz de po tenado: 08 protagonists 7, que buscam a chave dessa palavra, nada saberio sobre ela. [N.ed. org laeroducto as no decorrer de seu ensino. Seria ela uma variedade recen- te de psicoterapia como sempre existiram tantas, um ava- tar da sugestio, do pensamento magico ou do xamanismo? A figura do analista reeditaria uma posicao conhecida, ado curandeiro, do médico de antes da ciéncia moderna, do filésofo antigo? Ou bem seria a psican: vengio sem precedentes, ligada aos transtornos culturais da modernidade e, em particular, & emergéncia da ciéncia, (© que constitui a tese de Lacan? A especificagao de seu estatuto no campo dos conhecimentos contemporaneos — isso que Lacan experimentou ~ nao deixa de ter conse- qiiéncias sobre sua pritica e orientaco. © problema pas- saria a ser, ento, como dar conta A psicandlise encontra regularmente resistencias que sdo também dificuldades internas que ela nao deixa de suscitar. Freud, 0 primeiro, foi confrontado com elas na década de 1920, 0 que o levou a refazer os enunciados teéricos do primeiro periodo. A década de 1950 e o sux cesso de uma certa psicandlise made in USA, sua difusio, tiveram os mesmos efeitos € foi preciso o “inaudito” do ensino de Lacan para reabrir a experiéncia. Assim, a psi- canilise deve se inventar com as palavras ¢ através dos acontecimentos histéricos do momento em que ela é pra- ticada. Pois “quem nao conseguir alcancar em seu hori- zonte a subjetividade de sua época”! deverd renunciar a exercé-la: tal € 0 conselho dado por Lacan ao futuro psicanalista, Nossa modernidade mostra bem a urgéncia sempre renovada dessa tarefa de civilizagéo que é a da psicanal se, nao se resumindo seus acontecimentos a um “como se uma in- 321. (Ed, bras: "Funeio e campo da scritos, trad. Vera Ribeiro, Rio 6e Jancco, Jorge Zahar, 1998, p. 322.) curar?” ~ 0 que, na mesma medida, nao torna essa di- mensao subalterna, como testemunham algumas das i! timas interrogagées de Lacan.? A obra de Lacan interessa também ao nao analista, por meio dos comentarios, ou até mesmo da subversi que leva aos outros discursos e disciplinas ~ aos quais ela empresta muito. A ambicdo deste pequeno livro é a de abrir algumas vias de acesso, seguindo alguns conceitos regularmente retomados e remanejados no decorrer de um longo caminho que foi aquele de Lacan e que é, me parece, 0 préprio movimento de uma anilise. Guy Lérés e Richard Zrehen ti 0s originais deste livro, e agradeco-thes por suas indica- ges € observagies, que me foram particularmente riteis. Meus agradecimentos também a Clara Kunde, pelo esta- belecimento do texto. ram a gentileza de ler 2. Ver Capitulo s 1 Primeiros passos 1953: Ruptura com a Instituicdo e introducao de novos conceitos O ano de 1953 fo decisivo para a histéria do movimento sicanalitico francés e para o ensino de Jacques Lacan, A Sociedade Psicanalitica de Paris (SPP) - fundada em 1926 por René Laforgue, Marie Bonaparte, Edouard Pi chon, Rudolph Loewenstein (que sera o analista de Lacan), Eugénie Sokolnicka ¢ alguns outros -, tnica associagio psicanalitica na Franga, afiliada a International Psychoana- lytical Association (IPA) - que por sua vez fora fundada, em 1910, por Freud ¢ Ferenczi, durante um Congreso em Nu- rembergne ~, vé alguns de seus membros confrontarem-se em torno da criagdo de um instituto de psicandlise desti- nado a formacao dos praticantes. conflito terminou com a demisséo, em 16 de junho de 1953, de Daniel Lagache, Juliette Favez-Boutonnier, Frangoise Dolto ¢ Blanche Reverchon-Jouve. Jacques Lacan, presidente em exercicio da Sociedade (da qual era membro desde 1934), junta-se a eles, Sem sabé-lo, 0s demissiondrios puseram-se fora da IPA, Fundam entio a Sociedade Fran- cesa de Psicanilise (SFP). Outros permanecem na SPP, a TPA, em va desses emai 18 Lacan principalmente Marie Bonaparte, Maurice Bouvet, Sacha ‘Nacht. Esta primeira cisdo nfo seré a tiltima Lacan jé é autor de varios artigos, nos quais introdu- ziu novas nogées, como o “estadio do espelho”.’ Mas 0 que ele propde, no verao de 1953, ird subverter a psica~ nilise de sua época e abrir 0 caminho de suas propostas e trabalhos posteriores. Dois textos podem ser considerados decisivos em rela- go a isso: de um lado, a conferéncia pronunciada na nova sociedade, em 8 de julho de 1953, intitulada “O Simbélico, 0 Imaginério e 0 Real”; ¢, de outro, o relaté- rio do Congresso de Roma, “Fungo e campo da fala ¢ da linguagem em psicandlise™, em setembro de 1953. O Simbélico, 0 Imagindrio e 0 Real Nessa conferéncia, Lacan introduz “trés registros que so os essenciais da realidade humana”: o Simbélico, © Imagindrio e 0 Real.’ A exploragio dos campos que re- cobrem tais registros sera o empreendimento de Lacan. por Lacan de “excomunhio”, (NE 2. CEE. Rondinesco, Histoire de la psychanalyse en France, t. 1 (1982) 1.2 (1986), Pars, Fayard, 1994. (Ed. beas: Histéria da pcandlie na Franca. A batalha dos com anos, tad. Veta Ribeiro, Rio de Jane Jorge Zahas, 1988/1989, 2 vol 3. Ver Capiealo 2, 4. J-Lacan, "Fungo e eampo da fala e da linguagem em peicandlise”, op. ico vemete mente 3 linguagem e & fungi com ida por Claude ss como aguela ior dos grupos socais; © Imaginério de imagem do semelhante com 0 “corpo préprio"; © Real, que deve ser Pome pasos 19 Podemos observar, a posteriori, que 0 Imagindrio tie nha sido até ento o objeto de sua pesquisa. O trabalho sobre o narcisismo, com a abordagem das psicoses e do estddio do espelho, tinha por finalidade in- troduzir um pouco de clareza nesse campo e de tornar a dar uma base @ instncia do Eu [Moi], que havia tomado ‘um sentido e um lugar inteiramente particulares no pen- samento analitico da época.? Com esses trés registros tratava-se, situando de modo mais preciso as diferentes instincias introduzidas por Freud’, de combater aquilo que Lacan considerava des- vios (vindos do outro lado do Atlantico) que conduziam dlistinguido da eeaidade, & um efete do Simbatico: © que o Sim cexpulsa,instaurando-se. Esasdelinigdes antecipam o que Lacan prope fem 1953, Blas serio desenvolvidas e precsadas na seqincia da obra, 6. Hi controvérsias quanto & notagio de jee mo, ambos traduziveis por problemas 3 clareza em portugués. Na tradugdo ‘taducto em portuguts 0 uso do moi e doje feanceses adotou-sesolugzo loga 8 utilizada na versio brasileira do Seminstio 2 de Lacan (ver as ‘Notas do Tradutor, p. 408): sujito do inconsciente ver grafado entre colehets, eu}; moi € convencionalmente grafado, e Na teadugio de Jacques Lacaneexbogo de una vida, bistria de wm sistema de pensamento (tad, Paulo Neves, io Paulo Companhia das Letras, 1994), escrito por Elisabeth Roudinesco, Marco AntSnia Cou no (consultor editorial da referidaedigao) escreve em nota da p. 156 *Lacan introduz a categoria doje (eu), pronome pessoal da primeira pessoa do singulas, para designr o suit, em opoigio ao moi (eu), utlizado para wadezir 0 ‘comments traduside por Fe eno por ego, fer- lesa em detriment 2b) aos quais Freud rancs je todas as vezes em que cle Seguimosesta linha na pees drido por eu quando se efere ao je, este vem grafado entre colchets, (N.T] 7. Ver Capitulo 2 8, Verp. 36, nota 3. 20 teas a psicandlise do pés-guerra a uma prética que visava & adaptagio do sujeito a seu meio ambiente ¢ a0 reforgo doen. © método, sublinhado nessa conferéncia, era 0 de um retorno aos textos freudianos, além de ser o objeto de um seminatio que Lacan oferecia havia dois anos. Essa vontade de retorno aos textos freudianos era também a vontade de colocar em questo a representagio corren- te de uma psicanslise compardvel as disci cas? Haveria um fundador do qual se reteriam alguns enunciados essenciais, e depois sucessivas vagas de pesqui- sadores prolongando e desenvolvendo 0 trabalho do pio- neiro, sem que houvesse necessidade de voltar a ele para nterrogar sua disciplina, da mesma forma que um fisico de hoje nao precisa, para sua pesquisa, reler 0 texto de Newton. Essa critica, feita por Lacan, de um deter nado cientificismo que ocorria nos meios analit uma primeira questo colocada ao estatuto da psicand- lise no campo dos saberes constituidos. Os primeiros anos do seminario de Lacan diziam res- peito aos grandes textos da clinica freudiana (por exemplo, O Homem dos Lobos)."® Essa escolha vai ao encontro da- quilo que ele afirma desde o inicio de sua conferéncia, a saber, que a teoria e a técnica em psicandlise nada mais a desempenha para a fica, 10. CE. S. Freud, “Extrait de histoire sex Loups)” (19185), rad. Marie Bonaparte © Rudolph Loewenstein, em Cing psychanalyses, Paris, PUR, 1954 [ed, bras: "Fragment da histéeia de uma nevrose infantil (O Horsem dos Lobos standard brasileva das obras psicoligicas completa de Si 3B), diregio da tradugzo Jayme Sal ago, 1977, p. S128] Primiros pasos a so que uma s6 € mesma coisa. De fato, segundo ele, nao ha diferenca entre teoria e prética na psicandlise: esta é xis, ou melhor, um método. Daf a dificuldade de situd-la no meio dos conhecimentos existentes, pois nao se encontra nela nem a aplicagao pratica de uma teoria nem um protocolo experimental reprodutivel ao idéntico. Com efeito, no quadro da cura, cada vez que ela ocorre é uma aventura singular. Nem ciéncia experimental nem pratica iniciatica: ha algo de inclassificavel no estatuto da psica- nélise que, segundo Lacan, convém manter como tal. Uma de suas interrogacdes constantes concernira a esse pro- blema, Se a psicanlise tem alguma coisa a ver com a ex- perigncia, nao é segundo o sentido que a ciéncia dé a esse termo, mas no mais radical e singular. Assim, Lacan pode- 14 dar esta quase-definigao: “a psicandlise [é] 0 tratamen- to que se espera de um psicanalista”. O Real é definido, nessa época, como a parte que nos escapa. Parte que, se nfo escapava a Freud, permanecia fora de sua apreensio ¢ alcance. E a introducao do Sim- bélico que remaneja e funda os outros dois conceitos. A énfase € colocada sobre esse registro, em 1953, para dar conta da “eficacia desta experiéncia que se passa in- teiramente na fala (ou em palavras)”. Lacan sublinha que é 0 Imagindrio que aparece em primeiro lugar na pritica analitica, sobretudo quando se esquece que toda a cura é antes de tudo uma experiéncia de fala. Tudo o que é da ordem da captacio, da ilusio, 11, J. Lacan, “Situation de la paychanalyse et formation du psychanalyste fen 1956”, in Ecrits, op. cit, 1966, p. 460. [Ed. brass “Situagdo da Puicandlisee formagio do psicanalises em 1986", in Eertos, op. cit, p.461) 12, Deveses ‘mo tempo 25 acepebes portugués, a outra ipre levar em conta que parole, em franc, recobre 20 mes fala de palauea, A cada sorgimenta de uma ve ser também considerada, (N.T] 2 Lacan ito sto de imediato apreen- didos pelo registro do Imagindrio. Lacan faz referéncia & etologia, ao comportamento animal que vai da exibigdo ao combate, para ilustrar 0 que propriamente € o Imagi- nario, com a funcao do signo dado a ver ao outro. A se- xualidade é eminentemente tributiria desse registro. Ora, esses elementos imaginérios podem ter uma dimensio sim- bélica, ¢ & nesse registro que € preciso noté-los para poder analisé-los. Com efeito, 0 que é imagindrio nao se confun- de com o que é analisével. Nesse plano, Freud forneceu 0 manifesto exemplo do sonho (no qual as imagens devem ser lidas como um rébus para poderem ser decifradas, como ele 0 demonstra no capitulo VI de A interpretagao dos sonbos): se nos detivermos em seu valor de imagens ¢ nos deixarmos captar por clas, nao poderemos analisé-los. A dimensio simbélica deve ser levada em conta, pois o que esta em jogo é “a propria estrutura da linguagem”. Em conseqiiéncia, 0 sintoma se vé definido como uma fala amordacada que se trata de resgatar. Essa referéncia & fala parece impor-se como uma ne- cessidade proveniente do avango dos trabalhos de Lacan € dos impasses que ele encontra. Como veremos adiante, a relacao imagindria — isto 6, a relacao que o sujeito man- tém com sua imagem no espelho e com seu semelhante ~ conduz a uma dificuldade prépria da dimensao narcisica. Essa captura leva a uma situacdo mortifera do tipo: ou um ox outro, Para que o liame social seja simplesmente posstvel, é preciso conceber outro termo que nfo deixe 0 sujeito numa relagdo estritamente especular com um se~ melhante. O que acontece com Narciso no mito, que se afoga para reencontrar sua prOpria imagem, indica bem o limite do modelo. Esse elemento mediador, essa dimen- so terceira que tira 0 sujeito do impasse imagindrio, é a fala ea linguagem. A fala, afirma Lacan a partir de julho de 1953, tem uma funco de mediacao, e esta “muda os Princo pastor 23 dois parceiros presentes”. Nao é simplesmente uma emis- so sonora; é algo que vai além, é uma “agio”, como, por exemplo, a palavra dada. Essa palavra € 0 que “per- mite, entre dois homens, transcender a relacio agressiva fundamental com a miragem do semelhante” e, mais ain- da, ela vem a ser constitutiva da “prépria realidade”. O discurso de Roma Esse texto"? um verdadeiro manifesto varias vezes remanejado até sua publicagao nos Escritos, obra em que podemos Ié-lo atualmente. Nele, Lacan avanga certo ni- mero de nogdes fundamentais para a seqtiéncia de seu ensino. A énfase é colocada sobre os primeiros textos freudianos, em particular sobre A interpretagao dos so- nhos, A psicopatologia da vida cotidiana e O chiste e sua relagdo com o inconsciente, que delimitam a primeira t6- pica freudiana. Fala e linguagem esto no fundamento das primeiras elaboragdes de Freud: é a igo que Lacan tira desses textos que se pode chamar de “lingiifsticos”. O relatério de Roma comeca com uma critica daquil que Lacan considera desvios da psicanélise. Nessa época, seus textos so freqtientemente polémicos ¢ colocam em questo uma prética que se inclina “na direc3o da adap- taco do individuo 20 meio social”. Nessa perspectiva, © imaginario aparece como aquilo que, na anilise, deve set ‘enxugado” através da fala e sua funcio de simbolizagio. A arte do analista deve consistir em suspender as cer- tezas do sujeito, até que se consumem suas iiltimas ‘onction et champ de la parole et 237-322, Ed. bras: “Fang 24 Lacan miragens. E € no discurso que se deve escandir a reso- lucao delas."* Como dissemos, nesses anos o projeto de Lacan é dar 4 psicandlise o estatuto de uma ciéncia. Para tanto, ele se apoia essencialmente em duas referéncias que se juntam: a lingistica estrutural, tal como proposta por Ferdinand de Saussure’ no inicio do século XX, e os trabalhos an- tropolégicos de Claude Lévi-Strauss sobre as estruturas elementares do parentesco, que Lacan leu em 1949. A tese de Lévi-Strauss sustenta-se na teoria freudiana da universalidade da proibigao do incesto, que constieui © limite entre Natureza e Cultura, Essa proibicao tem por fungio prescrever a exogamia, 0 casamento fora do gru- po de referéncia, isto é, instaurar uma lei de troca na qual Lévi-Strauss vé 0 préprio fundamento do social. Assim, a lei simbélica é 0 que organiza as trocas sociais, determi- nando, em fungao dos interditos, os modos de circulacao. A ordem da linguagem inclui e representa essa Lei. Para um homem dado, o conjunto das mulheres ser dividido entre as que sio interditas e as que so permitidas. Essa divisao faz parte da lingua, que distingue nesse conjunto a mie, a irma, a esposa, etc., permitindo a Lacan afirmar ‘a lei do homem é a lei da linguagem”. Mas de onde ela vem? Quem a transmite? Um “pai”, responde Lacan, buscando mostrar que a obra de Freud podia ser lida como uma tentativa de res- posta a uma questio que a percorre de ponta a ponta: o que é um pai? E verdade que Freud comega com uma primeira figura do pai que é a de um sedutor. E na seqiiéncia de um jo € campo da fala. A respeito de Saussure, 29253, Capitulo 3, Prineios pasos as deslocamento da figura paterna para o fantasma ¢ 0 Edi- po que nasce a psicanélise. Totem e tabu, Psicologia das massas e andlise do eu, e até Moisés e 0 monoteismo, sao varias retomadas dessa questo." Dado que a lei funda- mental ~ a da proibicao do incesto ~ é transmitida por tum pai, que a recebe ele préprio do seu, © qual, por sua vez, também a recebe do seu, assim por diante, “é em nome do pai que precisamos reconhecer 0 suporte da fungio simbélica que, desde a aurora dos tempos histéri- cos, identifica sua pessoa & figura da lei”. Essa dimensio simbélica da “fungao paterna” esta sempre presente além das relagdes reais ¢ imagindrias que 0 sujeito pode ter com seu pai. A partir disso, a fala © a linguagem tém uma funcio que vai muito além da informacao. Notaremos que, a partir do relatério de Roma, Lacan ie nesta dimenso da experiéncia que concerne & psica~ e'7 € 0 estatuto que nela desempenha o saber. Freud sublinhava que cada andlise deve engajar-se sem precon- ceitos, isto é, sem levar em conta os conhecimentos cons- tituidos até entao. E Lacan, falando da descoberta “pro- metéica” de Freud, lembra, em sua introdugdo, que ela “nio est menos presente em cada experiéncia humilde- mente conduzida por um dos trabalhadores formados em sua escola A fala e a linguagem, com a ordem simbélica, si0 co- Jocadas em destaque para criticar o que ele chama de um desvio da psicanilise. Esse desvio consiste em colocar a 16, Ver Proud et Moe: éeritures du pave, 1 B, Leméer, Les ewe Moise de Freud (1914-1939), 2.8, Rabinovitch, Ecrtres du mowrtre, 3, Bales, Le nom, fa oi a voix, Toulouse, sts, 1997, 17. 0 qe vai ao encontro de Freud para quem nenhum ens co pode formar alguém em pecans, Somente a experi 4 analise ~ pode dar essa convieio, essa crenca de que hi inconse 26 Lacan énfase sobre 0 imaginério, sobre a relacdo com um objeto que 0 movimento do desenvolvimento deveria conduzir —a partir do momento em que a cura retifica aquilo que, tendo se fixado em uma etapa, deveria ser ultrapassado na hist6ria do sujeito a uma adequacdo da relacao do su- jeito com o objeto. Ela inchui uma visdo simétrica da posi- ao do analista e do analisado, com uma insisténcia pos- ta na contratransferéncia", o que induz a uma concepcio simétrica, dual, da relacZo analitica. A pessoa do analista torna-se entio o modelo da cura, figura idealizada, en- carnagao de um Eu forte ao qual o paciente é levado a identificar-se no fim do tratamento. Para Lacan, esse equivoco deve-se & “tentacdo que se apresenta ao analista de abandonar o fundamento da pa- lava”. No que diz respeito as modalidades técnicas da cura que tal “teoria” promove, ele critica um “formalis- mo levado as raias do cerimonial”..” A aproximago com de atualizagdo dos desjos inconscientes: um afeto se desloca de uma Lacan poderd dizer que 2 transferéncia € a “encenacio do inconscien te", E simoltaneamente 0 motor da cura e, em sua vertenteimaginéria, uma resisténcia. Coloca em jogo as representagées - os significanes -, mas também a di Real que torna insficente 0 termo ‘os diversoseftitos do paciente sta) para distinguiro que se passa na cura. O par tans

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