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Politica habitacional e inclusdo soci I no Brasil: revisao historica e novas Nabil Bonduki 6 erquitoto © urbanist, professor na Faculdade do Arquitetura © Urtansmo de Universidade de Sto Paulo © consultor em politicss urbanas & habitecionsis. Foi superintendente de Habito Popular da Profitura do S80 Paulo (1980-82), Um dos coordenadores 0 Projeto Moracia (1999-2000) ¢ vereador em S20 Paulo (2001-2004! quando coordenou s elaboragio do Projeto-Substitutivo do Plano Diretor Estrategico de Sao Paulo. Foi consultor do Ministerio des Citedes para a eleborario 4a Politica Necionel_ de Hebitecso & atualmente é coordensdor téenico do Plano Nacional da Habitars0. autor de varios livres, dentre os ques, Oraens de Hebitagto Seca no Bras perspectivas no governo Lula Nabil Bonduki* Habitation Politics and the social inclusion in Brazil: and orverview and new perspectives in the Lula Government RESUMO: O trabalho aborda a questo da habitago no Brasil, na virada do século XXI,e os principais desafios enfrentados pelo atual governo no processo de implementagao da nova politica para a area, Inicialmente, apresenta um breve histérico do tratamento que a questéo recebeu durante os governos anteriores, assim como expée os programas e estratéyias criados desenvolvidos ao longo da década de 90 e que serviram de referéncia para a formulagao do programa nacional. Focaliza, em seguida, 0 Projeto Moradia, base do programa eleitoral do entdo futuro presidente Lula para 2 area da politica habitacional e urbana, expondo as condigdes efetivamente enfrentadas pelo governo, assim ‘como as propostas para implementé-lo. Palavras-chave: habitacdo, desafios, programas piiblioos ABSTRACT: This work is about the dwelling issue in Brazil, in the beginning of the XXI century, and the main challenges that the government have been facing concerning the implementation process of the new politics for the area. In the beginning, it presents a brief overview of the treatment that the issue has received during the prior administrations. It also discusses the programs and strategies created and developed during the 90s and also those that were used a3 a reference for the creation of the national program. It focus the Dwelling Project (Projeto Moradia), which is the basis for the President Lula voting program for the habitation politics and urban area, showing the conditions faced by the government, 2s well as the proposals for the project implementation. Keywords: dwellin, challenges, public programs 70 | Apresentagao © presente artigo aborda a questéo da hebitagdo no Brasil neste inicio do século XXI, assim como identifica os principais desafios que 0 atual governo esté enfrentando para implementar o Projeto Moradia ~ proposta formulada pelo Instituto Cidadania e base do programa de governo na area da politica habitacional e urbana do presidente Lula - e para cumprir 0 compromisso de, a médio razo, equacionar o deficit de moradia no pais Para tragar um quadro que permita compreender o desafio que o atual governo-enfrenta, iremos, inicialmente, tragar um breve hist6rico da maneira como os governos brasileiros anteriores, com destaque para o governo Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), desenharam a intervengao do Estado que, até agora, néo conseguiu gerar resultados significativos para equacionar o problema tendo se agravado a0 longo dos anos 90; apresentamos um diagnéstico da situagio habitacional no pais, quantificando a dimenséo das necessidades de moradia e de urbanizagdo de assentamentos informais. Também esta demonstrado, de forma suscita, como os municipios mais comprometidos com o enfrentamento do problema habitacional desenvolveram, durante os anos 90, estratégias participativas e programas inovadores, que se tornaram referencias naciongis e embasaram a formulaggo do programa nacional Na segunda parte deste artigo, apresentamos o Projeto Moradia, formulado pelo Instituto Cidadania, organizacéo nao- governamental dirigida por Lula e que, com o apoio de especialistas de diferentes areas, desenvolveu uma série de propostas para o pais no longo periodo em que o Presidente se preparou para governar (1990-2002). Este Projeto, realizado entre 1999 e 2000, ouviu diferentes segmentos da sociedade relacionados com a questdo da moradia (movimentos populares, entidades empresariais e profissionais, Universidades, centrais sindicais etc), sintetizou um grande conjunto de propostas dispersas e elaborou uma estratégia para, num prazo de quinze anos, equacionar o problema em torno de uma diretriz estabelecido no projeto: um pais com os recursos de que dispde © Brasil néo pode admitir que milhdes de familias morem em condigées precérias de habitagéo e infra-estruture, como em favelas cortigos. O Projeto Moradia se tornou a base do programa eleitoral do futuro Presidente para a area da habitagao ¢ desenvolvimento urbano. 71 Na iltima parte, estéo tratadas as condigdes concretas enfrentadas pelo novo governo, sobretudo no que se refere a politica macro- econdmica, muito mais dura € ortodoxa do que © previsto, ¢ as iniciativas para colocar em prética seu programa urbano e habitacional, onde se destace a criago do Ministério das Cidades e do Conselho Nacional das Cidades e, mais recentemente, a ampliagdo dos recursos @ das fontes de financiamento e subsidios. Buscamos mostrar os obstéculos € desafios de ordem financeira, institucional e urbana ‘que precisam ser superados para que os objetivos tragados no Projeto Moradia possam ser aloangados. presente artigo, elaborado no momento em que @ nova politica ainda esta em processo de implementagao, néo disp&e do necessério distanciamento para fazer uma avaliaggo dos resultados da ago do ovo governo Trata-se, portanto, de recuperar a trajetéria do proceso de formulago do programa de governo, identificar os avangos jé obtidos e apontar os desefios para implementé-lo. 2 Politica habitacional no Bra do Banco Nacional da Habitacao ao governo FHC © Banco Nacional de Habitagdo, criado apés 0 golpe em 1964, foi uma resposta do governo militar 4 forte crise de moradia presente num pais que se urbanizava aceleradamente, buscando, por um lado, angariar apoio entre as massas populares urbanas, segmento que era uma das principais bases de sustentago do populismo afastado do poder e, por outro, criar uma politica permanente de financiamento capaz de estruturar em moldes capitalistas 0 setor da construg3o civil habitacional, objetivo que acabou por prevalecer. ‘A famosa frase ~'a casa propria faz do trabalhador um conservador que defende o direito de propriedade’ — atribuida a Sandra Cavalcanti primeira presidente do BNH, expressa a preocupagéo de fazer da Politica habitacional baseada na casa prépria um instrumento de combate as idéias comunistas e progressistas no pais, em tempos de guerra fria e de intensa polarizagao politica e ideol6gica em todo 0 continente. No entanto, foi o papel econdmico desta politica habitacional - que dinamizou a economia, através da geragdo de fempregos e fortelecimento do setor da construgéo civil -, que a transformou num dos elementos centrais da estratégia dos governos militares. 72 Malgrado as criticas 20 BNH e ao sistema por ele preconizado, sua importancia ¢ indiscutivel, pois este periodo (1964-86) foi 0 tnico em que o pais teve, de fato, uma Politica Nacional de Habitacao. O Sistema Brasileiro de Habitagio (SFH) se estrutura com vultosos recursos gerados pela criagio, em 1967, do Fundo de Garantia por Tempo de Servigo (FGTS), alimentado pela poupanga compulséria de todos os assalariados brasileiros, que veio se somar aos recursos da poupanca voluntaria, que formou o Sistema Brasileiro de Poupanga e Empréstimo (SBPE). Define-se, assim, uma estratégia clara para intervir na questdo habitacional: estrutura institucional de abrangéncia nacional, paralela & administracéo direta, formado pelo 8NH e uma rede de agentes promotores ¢ financeiros (privados ou estatais) capazes de viabllizar a implementagéo em grande escala das agdes nevessérias na area da habitacional e fontes de recursos estaveis, Permanentes e independentes de oscilagdes politica. ‘Assim, nao foi por acaso que os resultados, do ponto de vista quantitativo da aco desenvolvida por este sistema, foram muito expressivos: nos vinte e dois anos de funcionamento do BNH, 0 Sistema Financeiro da Habitagéo financiou a construgao de 4,3 milhées de unidades novas, das quais 2,4 com recursos do FGTS, para 0 setor popular, e 1,9 milhdes com recursos do SBPE, para o mercado de habitagdo para a classe média. Se for considerado 0 periodo até 2,000, pois 0 SFH continuou funcionando apés a extinogo do BNH em 1986, foram financiadas cerca de 6,5 unidades habitacionais, Além disto, foi notavel o papel no SFH no saneamento, com destaque para © Plano Nacional de Saneamento (Planasa), que foi decisivo na extraordinaria expanséo das redes de agua € esgoto que ocorreu ras principals cidades brasileiras. Em 2000, mais de 90 % da populago Urbana estava abastecida por rede de qua. Embora a produgdo habitacional tenha sido significativa, ela esteve muito aquém das necessidades geradas pelo acelerado proceso de Uurbanizaggo que ocorreu no Brasil, na segunda metade do século XX. Entre 1950 e 2000, a populaggo urbana brasileira vivendo em cidades com mais de 20 mil habitantes cresceu de 11 milhdes para 125 milhdes. No periodo de funcionamento do BNH (1964-86), foram financiades cerca de 25% das novas moradias construidas no pais, porcentagem relevante, mas totalmente insuficiente para enfrentar © desafio da urbanizagéo brasileira Nao seria razodvel exigir que o Sistema Financeiro da Habitaggo pudesse financiar a construgSo de unidades prontas na dimenséo necessaria. Mas uma analise critica mostra que um dos grandes 73 ‘equivocos foi voltar todos os recursos para a producdo da casa propria, construida pelo sistema formal da construgao civil, sem ter estruturado qualquer aco significative para apoiar, do ponto de vista técnico, financeiro, urbano e administrative, a produgdo de moradia ou urbaniza¢ao por processos alternativos, que incorporasse © esforgo proprio e capacidade organizativa das comunidades. Em consequéncia, ocorreu um intenso processo de urbanizagao informal e selvagem, onde a grande maioria da populaedo, sem qualquer apoio governamental, nao teve alternativa sendo auto-empreender, em etapas, a casa propria em assentamentos urbanos precérios, como loteamentos clandestinos e irregulares, vila, favelas, alagados etc., em eral distantes das areas urbanizadas e mal servidos de infra-estrutura © equipamentos sociais. ‘A estratégia implementada pelo BNH beneficiou a construgéo civil ‘que pode contar com uma fonte de financiamento estével para a produgéo de unidades prontas, mas contribuiu pouco para enfrentar © problema que o drgéo se propunha a resolver. Os pressupostos de gestio adotados pelo BNH — tipicos do regime militar ~ eram rigidos « centralizados, impermesvels a incorporagdo das préticas desenvolvidas pela populacdo para enfrentar, a custos mais baixos, o problema da habitagSo, podendo ser assim caracterizados: administragao autoritaria; inexisténcia de participagSo na concepedo dos programas e projetos; {alta de controle social na gesto dos recursos; adogao da casa propria como nica forma de acesso & moradia; auséncia de estratégias para incorporar a processos alternativos de produgao da moradia, como a autoconstrugo, nos programas pulblicos. Ademais, utilizando apenas Tecursos retornaveis, sem contar com qualquer fonte de subsidios e adotando critérios de financiamento bancérios, o sistema excluiu parcelas signiicativas da populaco de mais baixe renda do atendimento {da politica habitacional E necessario enfatizar ainda o desastre, do ponto de vista arquitetOnico e urbanistico, da intervengéo realizada. Dentre os erros praticados se destaca a opg40 por grandes conjuntos na periferia das cidades, 0 que gerou verdadeiros bairros dormitéri desarticulagéo entre 05 projetos habitacionais e a politica urbana (© absoluto desprezo pela qualidade do projeto, gerando solupdes Uuniformizadas, padronizadas e sem nenhuma preocupagéo com a qualidade da moradia, com a insergo urbana € com 0 respeito 20 melo fisico. Indiferente a diversidade existente num pais de dimensées Continentals, o BNH desconsiderou as pecullaridades de cada regio, nao levando em conta aspectos culturais, ambientais e de contexto Urbano, reproduzindo & exaustéo modelos padronizados. 74 A crise do modelo econémico implementado pelo regime militar, a partir do inicio dos anos 80, gerou recessio, inflagdo, desemprego e queda dos niveis salariais. Este proceso teve enorme repercussio no Sistema Financeiro da Habitago (SFH), com a redugdo da sua capacidade de investimento, devido a retrago dos saldos do FGTS da poupanga e forte aumento na inadimpléncia, gerado por um cada vez maior descompasso entre o aumento das prestagdes e 2 cepacidade de pagamento dos mutudrios. A partir de 1983 € visivel 2 queda dos financiamentos tanto com recursos do FGTS como do SBPE (Grafico 1). Vivia-se 0 clima da luta pelas eleipdes diretas para Presidente e pela Constituinte, com grande mobilizago popular, e @ oposigo 0 BNH se inseria no combate & ditadura, Neste contexto, organizou-se, por tum lado, 0 movimento de moradia e dos sem-terra (urbano), que reunia 0s que néo conseguiam ter acesso @ um financiamento da casa prépria e, por outro, © Movimento Nacional dos Mutuérios que agregava mutuérios de baixa renda e classe média, incapacitados de pagar a prestacéo da sonhada casa prépria.Ambos criticavam o carater financeiro do SFH @ pediam mudancas. A conjuntura criou um clima favordvel para 0 acirramento das eriticas 20 BNH, que se articulou com @ luta pela democracia contra o regime autoritério, a0 qual a instituig2o estava profundamente associada. Uma redugo dréstica do valor das prestagdes, adotado pelo regime para fazer frente as criticas, gerou um enorme rombo no Sistema Financeiro, com graves consequéncias futuras, sem amainar © tom das criticas. Com o fim do regime militar, em 1985, esperava-se que todo 0 SFH incluindo © BNH e seus agentes promotores pilblicos, as Cohab’s, passassem por uma profunda reestruturagdo, na perspectiva da formulago de uma nova politica habitacional para o pals. No entanto, por conveniéncia politica do novo governo, 0 BNH foi extinto em 1986 sem encontrar resisténcias: ele havia se tornando uma das instituig6es mais odiadas do pais. Com o fim do BNH, perdeu-se uma estrutura de caréter nacional que, mal ou bem, tinha acumulado enorme experiéncia na area formado técnicos e financiado @ meior produgdo habitacional da histéria do pais. A politica habitacional do regime militar podia ser equivocada, como ja ressaltamos, mas era articulada e coerente, Na redemocratizago, a0 invés de uma transformagdo, ocorreu um esvaziamento @ pode-se dizer que deixou propriamente de existir uma politica nacional de habitaggo. Entre a extingo do BNH (1986) 75 © a criagdo do Ministério das Cidades (2003), 0 setor do governo federal responsavel pela gest4o da politica habitacional esteve subordinado a sete ministérios ou estruturas administrativas diferentes, caracterizando descontinuidade @ auséncia de estratégia para enfrentar © problema. Habitacao - Unidades financiadas por fonte de recursos Grafico 1 - Unidades financiadas S8PE-FGTS (1980-2002) ‘A Caixa Econémica Federal - um banco de primeira linha - tornou-se 0 agente financeiro do SFH, absorvendo precariamente algumas das atribuigées, pessoal e acervo do agora antigo BNH ‘A regulamentacgo do crédito habitacional passou para o Conselho Monetario Nacional, tornando-se, de modo definitivo, um instrumento de politica monetéria, 0 que levou a um controle mais rigido do crédito, dificultendo e limitando a produgéo habitacional. Decisdes politicas equivocadas e marcadas por suspeitas de corrupgao, como uma liberagao de contratos acima da capacidade do FGTS no governo Collor em 1990, levou a uma paralisacao total dos financiamentos com recursos do FGTS entre 1991 e 1995. Por outro lado, o rombo gerado pela redug4o das prestagdes adotada pelo regime militar, no auge da crise de inadimpléncia do inicio dos ‘anos 80, levou a uma redugSo das aplicagGes em habitago para recompor os fundos do SFH. O financigmento minguou, a0 mesmo tempo em que os problemas de moradia da populagSo urbana se tornaram draméticos, agravados pelo empobrecimento que marcou as décadas de 80 e 90. Neste quadro, intensificou-se a necessidade de uma intervengéo ,governamental com recursos oriundos de outras origens e a parceria com a sociedade organizada, Para fazer frente a situagdo, varios 76 Municipios e Estados, além da prépria Unido langaram programas habitacionais financiados com fontes alternativas, em particular recursos orgamentarios, adotando principios e pressupostos diversos dos adotados anteriormente. Abriu-se assim uma nova fase na politica habitacional no Brasil, que denominou de pés-8NH. Esta fase pode ser caracterizada como um periodo de transiggo, momento em que deixou de existir uma estratégia nacional para enfrentar a questéo da habitagdo, vazio que foi ocupado de forma fragmentaria, mas criativa, por Municipios e Estados. Em particular, (0s municipios administrados pelo PT, que ganham maior relevancia no ambito deste artigo, passaram a desenvolver programas habitacionais alternativos 20 modelo adotado pelo BNH, utilizando Teoursos orgamentérios, adotando uma perspectiva mais social € utilizando praticas tradicionais da populagéo mals pobre, como o mutirao. Em alguns casos, como em Sao Paulo, ocorre também uma melhor insergao urbana e a elaboragéo de projetos de maior interesse urbanistico. Ocorre, assim, uma progressiva transferéncia de atribuigdes para os Estados e Municipios, tendo-se como marco a Constituigao de 1988, que tornou a habitago uma atribuigo concorrente dos trés niveis de governo. O crescimento da mobilizagéo dos movimentos de ‘moradias ampliou a presséo por uma maior participago dos municipios nna questo da habitagdo, pois a consolidaggo da democracia tornou © poder local 0 principal interlocutor das organizagdes populares e © responsdvel pelo equacionamento das demandas sociais, estando em contato direto com os problemas da populagéo carente. Assim, acentuou-se a tendéncia de descentralizacao dos programas habitacionais. Neste quadro, emerge um amplo conjunto de experiéncias municipais de habitagdo de interesse social, realizadas a partir da redemocratizago do pals. Depois do periodo de centralizagdo homogenizagao da forma de interveneao na habitagdo social, ocorre, nas esferas municipal e estadual, uma fase de atomizagdo de experiéncias, com grande heterogeneldade, marcada pela diversidade de iniciativas, mas pouso articulada em decorréncia da ausénoia de uma politica nacional Nesta fase, surgem, ao lado de intervengdes tradicionais, programas que adotam pressupostos inovadores como desenvolvimento sustentavel, diversidade de tipologias, estimulo a processos 77 participativos e autogestionarios, parceria com a sociedade organizada, reconhecimento da cidade real, projetos integrados e a articulaggo com a politica urbana. Esta postura diferenciava-se claramente do modelo que orientou a a¢go do BNH e com estes pressupostos emergem programas lternativos, como urbanizagzo de favelas e assentamentos precérios, construgéo de moradias novas, por mutiréo ¢ autogestéo, apoio a autoconstrugdo e intervengdes em cortigos @ em habitagdes nes areas centrais Emerge, assim, 0 embrido de uma nova postura de enfrentamento do problema habitacional adotada por gestées municipais de vanguarda, que se tornaram referencias nacionais para outros municipios e também para o préprio governo federal que, a partir de 1995, passa a ser administrado pelo Presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 1995, ocorre uma retomada nos financiamentos de habitago fe saneamento com base nos recursos do FGTS, depois de varios anos de paralisaggo dos financiamentos, num contexto de alteragées significatives na concepeao vigente sobre politica habitacional. Se, por um lado, é exagerado dizer que se estruturou de fato uma politica habitacional, os documentos elaborados pelo governo mostram que os pressupostos gerais que presidiram a formula¢do dos programas s4o fundamentalmente diversos daqueles que vigoraram desde 0 periodo do BNH. Principios como flexibilidade, descentralizagao, diversidade, Teconhecimento da cidade real, entre outros, foram adotados com novos referenciais, pelo menos na retorica, de maneira compativel com o ambiente e o debate nacional e internacional que, de uma forma bastante generalizada, passou a rejeiter os programas convencionais, baseados no financiamento direto 4 produgéo de grandes conjuntos habitacionais e em processos centralizados de gestéo. Em 1996, a Secretaria de Politica Urbana, que passou a ser a gestora do setor habitacional, divulgou 0 documento da Politica Nacional de HabitagSo, realizado no contexto da preparagao para a 2* Conferéncia das Nagdes Unidas para os Assentamentos Humanos - Habitat Il. Neles estavam incluidos novos programas que, ao menos na sua concep¢ao, estavam coerentes com uma nova Visio, deixando de privilegiar unicamente o financiamento 8 produggo. Dentre os programas criados no governo FHC e que 78 continuaram a existir no primeiro ano do governo Lula, incluiu-se, como principal alteragao, a cria¢ao de programas de financiamento voltados a0 beneficiério final, (Carta de Crédito, individual e associativa), que passou a absorver a maior parte dos recursos do FGTS.Além deste, criou um Programa voltado para o poder publico, focado na urbanizagio de areas de areas precarias (Pré-Moradia), paralisado em 1998, quando se proibiu o financiamento para o setor piblico e um programa voltado para o setor privado (Apolo 4 Produgdo), que teve um desempenho pifio. £m 1999, foi criado © Programa de Arrendamento Residencial - PAR -, programa inovador voltado & produgo de unidades novas para arrendamento que utiliza um mix de recursos formado pelo FGTS e recursos de origem fiscal. Dentre 2 modalidades de utilizagao da Carta de Crédito que consumiu, entre 1995 @ 2003, cerca de 85% dos recursos administrados pela Unigo destinados & habitagao, se destacaram 0 financiamento de material de construgao e a aquisi¢ao de imoveis usados, além da Carta de Crédito Associativa, que se tornou uma espécie de valvula de escape para 0 setor privado captar recursos do FGTS para a produgéo de moradis prontas. As alteragdes promovidas, embora 4 primeira vista pudessem expressar uma renovacdo na maneira como a questao da habitacao passou a ser tratada pelo governo federal, rompendo a rigida concepeao herdada dos tempos do BNH, de fato nao conseguiram alavanear uma nova politica e acabaram por gerar um conjunto de efeitos perversos, do ponto de vista social, econémico e urbano. © financiamento para aquisigéio de imével usado, que absorveu 42% do total de recursos destinados @ habitago (cerca de 9,3 bilhes), € um programa com escasso impacto, néo gerando empregos @ atividade econémica. O financiamento para material de construgéo, embora tenha o mérito de apoiar o enorme conjunto de familias de baixa renda que auto-empreeende a construgdo da casa propria e de gerar um atendimento massivo (567 mil beneficiados no periodo, a de maior alcance quantitativo). tende a estimular @ produedo informal da moradia, agravando os problemas urbanos. Ademais, 0 baixo valor do financiamento e 2 auséncia de assessoria técnica no permitem que as familias beneficiadas alcancem condigées adequadas de habitabilidade. 79 Wimere-de 2 Teo a Pr IPaR [Carte ce Creaita [aceacias lesrte de [oqumnte tera de ~ Paaubieza [Tot r [Fora Tee TETE in| Quadro 1- Contratacdes do FGTS por Programas (Vslor absoluto e %) ~ 19861 2003. (em milhOas reais) - Fonte: Via Publica 2004 De fato, a preponderancia destas modalidades de acesso 20 crédito «est4 vinculada & consolidagao de uma viséo bancéria no financiamento habitacional, personificado no papel central que passou a ter a Caixa Econdmica Federal como o Unico agente financeiro a operar os recursos destinados & habitagdo. Premida pela preocupagao de evitar rombos nos fundos destinados a habitagdo, sobretudo 0 FGTS, 2 Caixa passou a privilegiar a concessdo de créditos em condigdes de maior garantia e de mais facil acompanhamento, o que explica a preferéncia pelo financiamento do imovel usado. Pela mesma razdo de natureza financeira, a implementagao desses programas no signficou interferir positivamente no combate 20 deficit habitacional, em particular nos segmentos de baixa renda. De uma maneira geral, pode-se dizer que se manteve ou mesmo se acentuou uma caracteristica tradicional das politicas habitacionais no Brasil, ou seja, um atendimento privilegiado para as camadas de renda média. Entre 1995 e 2003, 78.84% do total dos recursos foram destinados a familias com renda superior a 5 SM, sendo que apenas 847% foram destinados para a baixissima renda (até 3 $M) onde se concentram 83,2% do deficit quantitativo. Programa carta de crédito lAssociativa carta de crédito inaivigual Total 35 Quadro 2 - Contratagées do FGTS. Programas por Faixas de Rend (em %) 1996) 2008 Fonte: Via Publica 2004, 80 © quadro de inobservéncia das efetivas necessidades habitacionais completa-se com as restrigdes de ordem macro-econdmica que limitaram © financiamento ao setor piblco, em particular a0 Programa Pré-Moradia, ‘As acdes de politica macro-econémica, implementadas pelo governo FHC, redundaram numa escalada que acabou por reduzir o espago de intervengéo dos agentes do setor publica na execugio das politicas de habitagdo, sobretudo no que se refere & urbanizagao de areas precéries, ag80 que somente péde ser realizeda pelo setor piblico. As restrigées impostas & conoessio de crésitos a este setor,em contrapartida & rolagem de dividas de Estados, Municipios e Distrito Federal, eliminaram a possibilidade de acesso a operagdes de financiamento nas areas de saneamento e habitagdo com recursos oriundos do FGTS. Desta forma © juste fiscal consolidou-se como principal obstaculo 4 realizacéo de investimentos voltados para a urbanizagdo e a produgéo de moradias destinadas a0 atendimento dos segmentos de mes baixa renda, onde se encontra concentrado 0 grosso das necessidades habitacionais do pais. O impasse e as limitagdes presentes na agéo habitacional do governo FHC s4o extremamente importantes para os objetivos deste artigo, visto que elas continuaram presentes no inicio do governo Lula, transformando-se em desafios dificeis de serem superados para colocar em pritica a politica habitacional preconizada pelo novo governo, de acordo com o proposto no Projeto Moradia. Entretanto, antes de aprofundar a andlise das propostas do governo, faremos um interregno para apresentar um diagnéstico da situago habitacional do pais as vésperas da posse do no Presidente Nao poderiamos encerrar este breve relato sobre 0 governo FHC sem fazer referencia & aprovagdo pelo Congreso Nacional € promulgago presidencial do Estatuto da Cidade, em 2001, depois de 13 anos de tramitagdo. Ao regulamentar a Constituiggo e criar a possibilidade de fazer valer a fungo social da propriedade, o Estatuto constitu um marco importante que fazia parte da proposta original do Projeto Moradia, ‘como um componente indispensével para 0 equacionamento da questo habitacional no Brasil, como veremos adiante. 3 A situacao habitacional e urbana no Brasil na virada do século XXI Em breve pincelas, vamos sintetizar 0 quadro do dramatico problema habitacional brasileiro no periodo em que se formulou 0 Projeto 81 Moradia. Com base no Censo de 2000, a necessidade de novas moradias em todo o pals é de 6.6 milhdes, sendo 5,4 milhdes nas areas urbanas e 1,2 milhao na area rural. Em nimeros absolutos, a maior parte dessa necessidade concentra-se nos Estados do Sudeste (41%) € do Nordeste (32%), regiGes que agregam a maioria da populagéo urbana do pais, € dispdem da maior parte dos domicilios urbanos duraveis (Quadro 1), sendo que 83,2% do deficit habitacional urbano esta concentrado nas familias com renda mensal de até trés salérios minimos (US$260). Faixas de renda] Deficit em milhes de % unidades até 3 SM 4.490 de3a5SM 450 de5a10SM 290 ‘acima de 10 SM 710 Total 5.400 QUADRO 3: Distribuigéo do défcit quantitativo por faixa d Brasil 2000 Fonte-F/P 2001- tabela 4.18. Obs: Néo inclui o défiit por depraciacéo A permanéncia de um elevado deficit habitacional concentrado na baixa renda depois de décadas de politica habitacional, impulsionada pelo governo federal, evidencia o fracasso dos programas ptiblicos e a incapacidade dos mecanismos de mercado para o enfrentamento do problema. A situacao, por outro lado, tem ressaltado a absoluta necessidade de se formular estratégias mais eficazes para atender as falxas de menor poder aquisitivo Uma observagéo cuidadosa da evolugdo das necessidades habitacionais entre 1991 e 2000 mostra que a concentragdo do deficit nas faixas de menor renda se agravou no periodo que, a grosso modo, corresponde ao governo FHC. Os quadros 45 revelam que, neste periodo, enquanto na faixa de renda inferior a 2 SM o deficit cresceu 40,9%, na faixa superior a 5 SM ocorreu uma redugao 26.5%. 82 até 2SM Brasil Regi6es Metrop.| 712) 51% | 1.104) 59% de2a5SM 1991 2000 1.564) 29% | 1.648) 25% 404) 29% | 547} 29% Regiao Brasil Regides Metrop. 844) 16% 286] 20% 1% Brasil Regides Metrop. 234) 12% 5.374] 100%} 1.402} 100%} 6.448} 100%) 1.885} 100% Brasil Regides Metrop. Quadro 4 - Déficit quantitativo por faixas de renda. Comparative 1981/2000, Bras (urbano e rural) e Regides Metropolitanas. N° absoluto em mil e em % - Fonte: FIR 2001 Regides Metropolitanas xeon [am |__| [aezassm [sa [sm 3a Quadro § Crescimento do deficit habitecional por fsixe de renda. Brasil e Regios Metropoltanas (1991/2000) - Fonte: Fi, 2001 83 Este fendmeno ocorre no conjunto do pais e em todas 2s regides. No Nordeste, a regio mais pobre do pals, entre 1991 e 2000, 0 deficit na faixa de renda acima de 5 SM caiu de 7.2% para 32% e ‘em termos absolutos, foi reduzido 4 metade, enquanto apenas 0.7% do deficit se concentra na faixa superior a 10 SM. Seria exagero afirmar que @ significativa redugéo do deficit na faixa superior a 5 SM, no periodo de 1991/2000, fosse apenas um impacto {da ago governamental, uma vez que 0 desemprago @ a queda da renda da populagio brasileira na década de 90 contribuiram para deslocar 0 defit para as fixas de renda mais baixa. Entretanto, a ago habitacional do governo FHC, com certeza, contribuiu para este fendmeno, uma vez que 0s financiamentos para a obtengdo da casa propria se concentraram nas faixas de renda acima de § SM, como, por exemplo, no Programa Carta de Crédito Individual, que, entre 1995 ¢ 2002, destinou 78% dos recursos para familias situadas nesta fava Outro componente das necessidades habitacionais ¢ 0 chamado deficit quelitativo formado por moradias que apresentam deficignoias no acesso @ infra-estrutura ou adensamento excessivo. Trata-se de familias que nao necessitam, com prioridade, de uma nova moradia, mas intervengSes para condig&es dignas para sua habitago. Conforme pode ser observado no quadio 4, & expressiva quantidade de unidades habitacionais com algum tipo de caréncia, predominando 2 auséncia de infra-estrutura, que compromete 28% do estoque de moradias do pais (10,2 milhées de unidades), sendo que a coleta de esgoto domiciliar nao est implantada em 5,4 milhdes de unidades. Estoque existente (area urbana) Domicitos com dericizncis | Domicitios com deticiéncias urbanas, ne unidede ou ne ediicagso | _senitéries ou na infra-estruture Domictios Joo uniaade Total de com senitaria domictlios } edensemento dointra-| om | Inadequarao duraveis | excessivo | depreciagdo| estruturs | domicitios | fundisria Teas | 200 Tozer | ter 7500 Ces eee ee] QUADRO 6 - Deficit qualitatvo em arees urbanas, segundo tipo de inadequacéo. Brasil @ regides, 2000 (am mil unidedes) - Fonte: FIP 2001 - tabelas 4.11, 6.18 & 5.20. Obs: Os niimeros referentes 2 cada categoria néo podem ser somados, pois isso provoceria cistorgoes de dupla contagem, jé que uma mesma moradia pode apresentar diferentes tipos de deficéncie, 84 A dimenséo deste problema mostra que a questo habitacional nao pode ser equacionada apenas com a oferta de novas unidades, como foi feito durante 0 periodo do regime militar, requerendo uma agao articulada com as politicas urbana, fundiaria e de seneamento, que apenas podem ser implementadas pelo poder piiblico, No entanto, como vimos, desde 1998, por imposigéo da politica macroeconémica, 8 financiamentos do FGTS destinados ao poder piiblico foram paralisados, tornando reduzida a possibilidade de Estados e Municipios Teceberam recursos da Unido para enfrentar este tipo de deficiéncia Outro aspecto que merece referencia neste breve diagnéstico Telaciona-se com domicilios urbanos vagos e depreciados. O Censo de 1991 registrou 2,963 milhdes de domicilios particulares urbanos (936% do estoque total) como sendo vagos. De 1991 2 2000, a porcentagem de domicilios vagos nas areas urbanas cresceu, passendo para 4,580 milh6es (10.33%), com crescimento de 37%, conforme pode ser visto no quadro 7. Estima-se, ainda, que 836.669 unidades estdo depreciadas, revelando o crescimento de um problema habitacional e urbano que é recente e que devera se agravar nos préximos anos, pois grande parte do estoque de edificios urbanos no pals foi construida a partir da década de 60. Os iméveis vagos ¢ depreciados localizam-se em locais urbanizados e servidos de infra-estrutura, em geral nas areas centrais e consolidadas das maiores cidades revelando a dramaticidade de uma situagio de ociosidade num pais onde um em cada 3.5 domicilios urbanos sofre com a caréncia de infra-estrutura 1991 | 2000 [Crescimento 1991-2000 Total de domiciios| urbanos aa_|_ 373 37.6% Total de domictios| rurzis 7s | 75 0.0% Estoque total | 346 | 448 20.5% Domiciios urbanos ice 29 | 45 85.2% Domicilios rurais aes 14 | 15 1.1% Total de domictios| vagos 43 | 60 395% QUADRO 7 - Crescimento do estogue total de domicilios © dos domicilos vagos Brasil, 1991-2000Fonte: IBGE ~ FIP/CEI, Ministério des Cidades, 2003, 85 © problema da ociosidade do estoque existent € mais grave nas principais regiGes metropolitanas do pais, onde 0 deficit também 6 mais acentuado. Dos quase seis milhdes domicilios recenseados na Regio Metropolitana de Séo Paulo, 674 mil esto vagos, ou seja, 11,43% do total. Na Regido Metropolitana de Belo Horizonte © valor de domicilios vagos ¢ da ordem de 11,57%. A existéncia de um nlimero téo significative de iméveis vagos gera, além de deterioragao do edificio e do entorno, um grave problema urbano, com © despoyoamento de areas bem servidas de equipamentos € empregos, enquanto a populagéo val se abrigar em regides desprovidas ¢ distantes, multiplicando as necessidades de investimentos publicos. © fendmeno é visivel: em $0 Paulo 55 dos 96 distritos da cidade, exatamente os mais qualificados, perderam populago na década de 90, enquanto nas éreas carentes de infra-estrutura e situadas nas zonas de protego ambiental 0 crescimento demografico foi intenso. Se, por hipdtese, fosse possivel utilizar esse niimero expressivo de imoveis vagos para alojar familias necessitadas de moradia, seria possivel sanar 83% do deficit nacional de unidades urbanas, sendo que em algumas regiées metropolitanes 0 numero de domicilios vagos ultrapassa 0 deficit quantitativo, como pode ser observado no quadro 8. fs de Jdomicitios lvagos eas |vagos em Regio Domicilios |Necessidades Inecessidades| Imetropolitana|Vagos _[habitacionais |nabitacionai [Sko Paulo ersaaT_| 865878 108,968 118% lGelo Horizonte | 178,934 | 152623 26311 117% Fortaleza 702966 | 155728 “52762 0% Porto Alegre | 98,343 112083 “1371 7% [Recife 7828 786608 IRio de aneiro | 419853 | 398319 [Sahador 714285 _| 142658 “ea TTS ae 31,934 108% "2a e8 0% QUADRO 8 - Domicilios vagos « defcit quantitativo. Regides metropolitanas, 2000 = Fonte: IBGE, Censo Demogréfico de 2000, PNAD ~ IBGE, Prado & Pelin, 1083, 86 Enquanto abundam unidades habitacionais vagas, a insuficiéncia de terra urbanizada a prepos acessiveis para a populago de baixa renda & uma das questées mais importantes para 0 equacionamento do problema habitacional no Brasil A inadequagao fundiaria, como pode ser verificada no quadro 6, atinge cerca de 1,5 milhdo de domictlios, dado oficial, que pode ser ainda muito maior, frente ao grande nimero de assentamentos irregulares existentes nas cidades brasileiras. No Brasil, a polarizagdo social e a segregagdo espacial fizeram-se sentir fortemente presentes, ao nivel do acesso a0 solo. A bem da verdade, esse acesso limitdo € um dos principais mecanismos de excluséo social das populagdes de baixa renda. O quadro 9 mostra que a irregularidade est presente em um grande nimero de municipios do Brasil, de todos os portes. Municipios que possuem QUADRO § - Percentual de municipios com assentamentos irregulares e em éreas, de risco, segundo faixe de populacko. Brasil, 2000 (em's) - Fonte: SNIL in Ministério das Cidades. Relat6rio BIRD. Segunda versio - 25/4/2003, A terra urbanizada, provida de servigos, equipamentos e infra- estrutura, tornou-se cada vez mais cara, Ievando os que nao tinham recursos @ lugares cada vez mais distantes, precarios e perigosos € & ocupagao irregular. Este crescente processo mostra auséncia de uma politica fundiaria articulada com as politicas habitacional e urbana, Nos diferentes niveis de governo no Brasil. Até recentemente, esta politica foi sempre relegada e desconsiderada como parte basica para © inicio das intervengdes em habitagZo de interesse social, A aprovacdo do Estatuto da Cidade em 2001, depois de treze anos de debates no Congresso Nacional, criando novos instrumentos urbanisticos para viabilizar a regularizagdo fundidria e fazer cumprir a fung3o social da propriedade, representou a mais importante iniciativa para romper este ciclo. No entanto, a implementacao do 87 Estatuto depende dos municipios, posto que os instrumentos Tegulamentados s6 podem ser utilizados se forem previstos nos planos diretores a serem elaborados pelas prefeituras e aprovados pelos legislativos. Uma das mais importantes menifestagdes das dificuldades de acesso 2 terra € 0 intenso processo de formago de favelas € loteamentos irregulares no pais. © crescimento de favelas é um dos grandes indicadores da gravidade da situagdo urbana no Brasil. Enquanto a populagdo brasileira cresceu, na ultima década, a 1,98% a0 ano, a populago moradora de favelas cresceu a mais de 7%, segundo os dados do Censo, que exclui as favelas com menos de 50 barracos, © que deixa de fora um grande numero de assentamentos, O Brasil terminou 0 século XX com 3.905 favelas identificadas pelo Censo, espalhadas por todo pals. Houve um aumento de 225% desde o Censo de 1991, que apresentava 3.124. Este aumento jé é altamente alarmante, em termos porcentuais. Contudo, cabe ressaltar que ele fica ainda mais espantoso se for considerado que muites das favelas ja existentes, desde 0 Censo de 1991, se depararam com um aumento demogréfico interno, seja através da formagéo de novas construpées, da ampliaggo familiar ou da transformagao de barracos em cortigos. © dimensionamento das unidades inadequadas e dos assentamentos precarios e irregulares permite inferir 0 tamanho do problema habitacional no pais, mas no quantifica, com razoavel preciso, as moradias produzidas pelo mercado informal. Para se ter uma idéia da relevancia da ocupaggo informal e ilegal no Brasil, sabe-se que de 1995 a 1999 foram construidos 4,4 milhGes de moradias no pals. Destas, apenas 700 mil foram realmente construidas formalmente, isto 6, foram financiadas pelo mercado legal privado ou publico no Brasil (PNAD/IBGE, 1999; CIBRASEC, 2000). © saldo restante, 3 mithées € 700 mil foi erquido por iniciativa da propria populagéo, dos excluldos do mercado formal Estes dados comprovam a ampliagdo dos territorios ilegais irregulares no pais. Desta porcentagem atual, o Estado de So Paulo, mais rico do pais, apresenta o maior nimero de favelas, concentrando ‘quase 40% desse universo. De 1991 a 2000, o crescimento do numero de favelas no Estado de So Paulo praticamente acompanhou © verificado no pais, 22% (IBGE, 2000) Esta tragédia permanente, 20 invés de diminuir com as intervengdes do poder pilblico, tem se agigentado. As maiores cidades brasileiras, ‘em especial as metrépoles, passaram a abrigar de 20% a 50% de sua 88 popula¢o em favelas, crescimento este que se deu em apenas 30 anos. Durante esse periodo, ocorreu uma intensa redistribuigao populacional no Brasil, resultante de um progressivo esvaziamento rural, de um deslocamento em dirego fronteira agricola bem como um continuo e intenso fenémeno de metropolizagao. Em 1970, apenes 1% da populagdo da cidade de S40 Paulo vivia em favelas. Em 2000, essa populagdo saltou para nada menos que 20%. ‘A populagao favelada da cidade de Sao Paulo soma 2.081.173 pessoas de um total de 10.405.867. Em outras capitais nacionais, o quadro também dramatico: do 20% de favetados morando em Belo Horizonte (LabHab, 1999); 20% da populaggo do Rio de Janeiro se encontram ‘em favelas (LabHab, 1999); 33% de favelados moram em Salvador (Souza, 1990); hé 28% da populago de Fortaleza (LabHab, 1999) morando em habitagdes subnormais do tipo favela; 13% da populaggo de Goignia moram em favelas (Bueno, 2001) e nada menos que 50% vivem na cidade de Belém (I Encontro Democracia, Igualdade ¢ Qualidade de Vide. © Desafio para as Cidades no Século XXI, 2001) e 40% na cidade do Recife (IBGE), ‘Ao associar-se 4 caréncia de infra-estrutura com a renda da populaggo, encontram-se cerca de 6 milhdes de unidades pertencentes a familias com renda de até trés salarios minimos (67% das unidades com caréncia de infra-estrutura s80 ocupadas pela camada mais pobre). Isto mostra que essa parcela da populaggo, quando mora, mora mal Certamente, concentra-se em areas urbanas controladas pelo mercado informal, desprovidas de qualidade urbanistica e de equipamentos, 0 que reafirma a importéncia de politicas abrangentes ‘e bem plangjadas. Dados do Sistema Nacional de Indicadores Urbanos (SNIU) mostram que décadas de crescimento acelerado levaram a lum processo informal de acesso ao solo e alavancaram o niimero de municipios com favelas e loteamentos irregulares. Esta forma de uso da terra esta presente na grande meioria das cidades brasileiras, inclusive nas_menores. avelerado crescimento das favelas na éltima década é um indicador importante do agravamento do problema habitacional no pais. Entre 1991 © 2000, a populagdo favelada cresceu 84%, enquanto a populagdo geral teve uma elevagdo de apenas 15,7%, mostrando que no se sente nenhum impacto da aggo governamental, do ponto de vista da redugdo das nevessidades habitacionais, Por isto, 0 desafio de suprir as necessidades quantitativas e oriar condigdes para qualificar as necessidades quantitativas requer mudangas substanciais na ago do poder pilblico e na sua forma de 89 ‘operar. Caso contrario, conforme mostra estudo elaborado pelo SEADE, nos proximos 15 anos as necessidades habitacionais no Brasil serdo ainda mais drésticas. Ser preciso ndo somente atender as necessidades habitacionais acumuladas, como a do futuro crescimento demogréfico. A este suprimento serdo acrescentadas também as crescentes necessidades de reposigao das edificagbes obsoletas, uma vez que, no Brasil, os parques habitacional e edilicio comeram a epresentar sinais de deterioragéo e de obsolescéncia, processo que devera se agravar muito nos préximos anos. Considerando o atual perfil da necessidade urbana e rural, bem como as variagdes demogréficas, verifice-se para os préximos 18 anos a necessidade de novas moradias, com base no crescimento vegetativo da demande, que chega a 600 mil por ano (IBGE, 2000). Este € 0 desafio que 0 novo Presidente encontrou ao ganhar as eleigdes. 4 O Projeto Moradia: estratégia para enfrentar © problema habitacional no pais © Projeto Moradia surgiu no ambito do Instituto Cidadania como uma proposta para buscar um equacionamento global da questdo da habitagéo no Brasil, Desde o inicio, as diretrizes estabelecidas pelos coordenadores do Projeto’ deixavam claro que ndo se tratava de lum programa de governo para a campanha presidencial, mas da montagem de uma estratégia geral ~ envolvendo todos os nivels de governo, setor privado, ONS, Universidades, movimentos sociais ete -, que objetivava transformer @ moradia numa prioridade nacional, visando, num prazo a ser determinado pela proposta, a garantir a todo cidadgo brasileiro uma moradia digna. Este desafio seria, portanto, no uma tarefa exclusiva de um governo, mas exigiria 0 cumprimento de um conjunto de agSes de todos os segmentos da sociedade comprometidos com a proposta. Coerente com esta visio, 0 Projeto foi conduzido de modo a ouvir especialistas, administradores pUblicos e militantes relacionados com © tema da moracia e desenvolvimento urbano e recolher todas as propostas existentes no pals que buscassem, sob diferentes pontos de vista, dar um encaminhamento para a questo. Mais do que uma proposta original, 0 que se buscou foi sintetizar o pensamento existente @ estabelecer um marco que pudesse dar conta dos diferentes pontos de vista. Além de reunir as propostas, foi elaborada 90 ‘uma analise da gestéo publica na area da habitago e da cisponibilidade de recursos existentes e passiveis de mobilizagao na érea da habitagzo. ‘Apés avaliar a dimensio das necessidades quantitativas qualitativas, presentes e futuras, de moradia no pais e as fontes de financiamento existentes (partindo-se da premissa que, por razBes de ordem politica, nao se deveria amplar @ carga tributaria), estabeleceu-se um horizonte de quinze anos para 0 equacionamento do problema, ou seja, para garantir 0 acesso a uma moradia digna para todo cidadéo brasileiro, conforme 0 desafio inicial proposto pelo projeto A formulagéo da proposta partiu de algumas conclusées e pressupostos, definidas apds uma andlise aprofundada do diagnéstico da ago governamental e das fontes de recursos na area da habitagao = O pais jé dispunha de uma fonte de recursos para aplicago em habitagdo, 0 FGTS, que apresenta disponibilidades crescentes e que, embora seja retornével, traz embutida uma taxa de juro subsidiada, O Projeto avaliou que o FGTS teria um grande potencial, pois além de ter ativos da ordem de R$ 80 bilhdes, dispunha de cerca de R$ 13 bilhdes em disponibilidade (em caixa). Além disto, dispunha de um patriménio liquido (ou seja, néo-comprometidos com contas ativas de depositantes) de mais de RS 7 bilhdes, resultado da aplicagZo de recursos do fundo em titulos com rendimento superior a0 da aplicago em habitagéo ou saneamento. Os orgamentos de aplicagio do FGTS vinham crescendo desde 1996 e 0 Projeto trabalhou com a perspectiva de viabilizar um minimo de RS 4,5 bilhdes por ano a partir de 2,000 (todos os valores de 1999) ~ A Unio, Estados e Municipios ja aplicavam uma porcentagem dos seus orgamentos em habitagio, recursos que, a principio, podem ser utilizados a fundo perdido. Alguns Municipios Estados ja destinavam valores vultosos para este fim, como 0 caso do governo de S40 Paulo que, desde 1989, criou uma aliquota adicional de 1% do ICMS (Imposto sobre Circulagao de Mercadorias e Servigos) para ser utiizedo exclusivamente na habitagdo, num total aproximado de RS 600 milhdes por ano. A Unido, por sua vez, poderia ampliar a aplicagio de recursos do orgamento, na perspectiva de alimentar © Fundo Nacional de Moradia, proposta nascida do movimento de habitagdio e encaminhada ao Congreso em 1991 por meio de Um projeto de lei de iniciativa popular que reuniu quase um milhdo de assinaturas. © Projeto Moradia incorporou a ideia 91 do Fundo e propés a destinaggo dos recursos orgamentarios de todos os niveis de governo para formar um fundo de subsidio, que viabilizaria 0 atendimento das faixas de baixa renda, Propunha ainda a utilizag2o dos recursos da Unio, advindos da rolagem da divida dos Estados e Municipios, para serem aplicados nos fundos de habitaggo. - Apos a Constituinte de 1988, as trés esferas de governo (Uniéo, Estados e Municipios) passaram a implementar programas efou projetos habitacionais sem coordenago em nivel nacional nem planejamento, de maneira totalmente deserticulada, criando sistemas especificos de financiamento, programas concorrentes gerando desperdicio de recursos. Projeto propde a articulago dos trés niveis de governo num sistema unico, cabendo tarefas especificas e predeterminadas para cada esfera. - A politica macro-econémica, a inadimpléncia e politica de recuperagéo das perdas dos planos econdmicos dos anos 80 limitaram as aplicagGes do SBPE no mercado habitacional de classe média, levando este segmento a buscar crescentemente recursos do FGTS. O Projeto Moradia propunha recuperar @ capacidade de aplicagdo do SBPE e a criagdo de garantias para © funcionamento do SFI — Sistema de Financiamento Imobiligrio — para ampliar o mercado habitacional para a classe média. - A Caixa Econdmica Federal que se tornou, praticamente, 0 Unico agente financeiro do FGTS, apresentava custos operacionais considerados muito altos e, para preservar 0 fundo de rombos e risco de inadimpléncia como ocorreram no passado, adotou critérios excessivamente rigorosos na concessao de financiamentos, restringindo fortemente o acesso da populacao de baixa renda ao financiamento habitacional. O Projeto Moradia propunha habilitar outros agentes financeiros, inclusive as cooperativas de crédito, para promover uma redugéo da taxa de administragéo dos financiamentos e 2 criagdo de um fundo de aval (utilizando os recursos do patriménio liquido do FGTS) para dar garantias 20 agente operador do FGTS (Caixa), possibilitando uma redugdo do risoo de crédito e, em consequéncia, permitindo o atendimento populagdo de renda mais baixa Finalizado esta etapa de diagndstico e de definigéo de uma estratégia {geral, foram desenvolvidas propostas basicamente em trés aspectos: desenho institucional, desenvolvimento urbano e projeto financeiro. 92 A estratégia geral partia do pressuposto de que para enfrentar a magnitude do problema habitacional era necessario congregar os esforgos dos trés niveis de governo, criando um sistema articulado do ponto de vista institucional e financeiro, o Sistema Nacional de Habitagdo que articularia todos os érgéos piblicos voltados para habitacdo. Fariam parte do SNH, nos trés niveis de governo, os fundos nacional, estaduais e municipais de habitago, os érgios da administracao direta encarregados de gerir a rea de habitapo e desenvolvimento urbano; os Conselhos Nacional, estaduais e municipais de Hebitagdo, além da Agencia Nacional de Regulementapgo do Financiamento Habitacional, que tomaria a competéncia do Banco Central de regular todo 0 sistema de financiamento habitacional (incluindo SBPE, FGTS e SFI) para que ele pudesse atender os objetivos da politica habitacional e ndo apenas os do Sistema Financeiro Nacional Os Conselhos de Habitago, nos trés niveis de governo, exerceriam © papel de controle social participagéo, devendo ser formados por representantes de todos os segmentos sociais e puiblicos relacionados com o tema da habitacao: poder pUblico, movimentos soviais, entidades empresariais e profissionais, Universidade e institutos de pesquisa ete. Os conselhos teriam um papel decisivo nna formulaggo e acompanhamento da politica a ser implementada Em relagao aos Orgéos de gestéo, foi proposta a criagéo de um novo ministério, 0 Ministério das Cidades, que demonstraria a importéncia {que @ questo urbana e habitacional deveria assumir. Seriam reunidos, ‘em um nico ministério, as areas de habitago, saneamento, transportes urbanos e politica de ordenaco territorial, de modo a criar, pela primeira vez no pais, a possibilidade de se planejar e articular a aco urbana, © Ministério, segundo a proposta, néo deveria ter uma fungo executiva, mas de coordenagao de toda a politica urbana e habitacional no pals, estruturando e implementando o Sistema Nacional de Habitagdo, elaborando o Plano Nacional de Habitac’o e estabelecendo as regras gerais do financiamento habitacional. Da mesma forma, Estados e Municipios deveriam criar, caso ja nao tivessem, secretarias de desenvolvimento urbano habitacional, drgios de gestéo regional € local da politica habitacional ‘A criago do Fundo Nacional de Moradia respondia a uma demanda do movimento de habitagao, como vimos, mas no Projeto Moradia genhou um papel central, pois para ele deveriam ser canalizados os recursos destinados @ politica nacional, incluindo recursos de natureza fiscal ¢ do FGTS, Estados e Munioipios também disporiam 93 de fundos de habitagao, deveriam ser direcionados os recursos orgamentarios do nivel de governo correspondente, além de repasses do fundo nacional, que néo financiaria diretamente projetos e empreendimentos, mas redistribuiria seus recursos de acordo com o Plano Nacional Buscando eliminar a existéncia de planos especificos de financiamento, foi proposta a criagfo de um sistema unico de financiamento, as mesmas regras para possibilitar uma melhor adequag4o do financiamento @ capacidade de pagamento dos beneficiarios. Os recursos de origem fiscal seriam destinados ao subsidio que, agregados num mix com 0 FGTS, permitiria o atendimento da populaggo de baixa renda. Quanto mais reduzidos fossem os rendimentos das familias a serem atendidas, maior seria a participaggo dos recursos no-onerosos no mix proposto. Gradativamente, quanto maior a renda, menor seria a porcentagem da parcela de subsidio, com aumento da utilizagio de recursos do FGTS. Projeto Moradia partia do pressuposto de que era fundamental ‘a dinamizagao do mercado habitacional para a classe média ~ a ser atendida com recursos do SBPE (poupanca) e do Sistema Financeiro Imobiliério - de modo que este segmento pudesse deixar de utilizar ‘© FGTS, que seria voltado para as faixas de renda mais baixas Propunha medidas para ampliar © mercado habitacional privado, buscando gerar condigdes favoraveis para que ele pudesse atender gradativamente setores médios com renda mais baixa. Assim, partindo-se de um mix das trés fontes bésicas de recursos destinadas @ habitago (mercado, FGTS e fundo de subsidio) compostas de forma a atender todos os segmentos socials necessitados de moradia, pretendia-se ajustar a capacidade de pagamento @ necessidade de moradia. Para que a estratégia tivesse sucesso, seria necessério racionalizar a aplicagdo de recursos através da formulagao de Planos Habitacionais, em nivel municipal, estadual e federel. Os planos habitacionais, a serem articulados com os Planos Diretores, teriem © papel de estabelecer uma estratégia de enfrentamento do problema em cada unidade da federapao, definindo programas especificos, adequados & realidade local, na perspectiva de organizar © enfrentamento do problema e evitar concesséo de oréditos que excedesse 0s valores compativeis com as necessidades locais. Assim, 68 planos assumiam um papel fundamental para evitar o desperdicio de recursos, em particular gastar mais do que o necessério por se adotar programas, tipologias e provessos de produgio de custo 94 superior a0 que determinada situagao exigia, como tem acontecido com freqtiéncia no Brasil. Caberia aos planos definir uma estratégia local de equacionamento do problema, num nivel de detalhamento indispensavel para estabelecer metas, prioridades e cronogramas de implementagéo do programa habitacional Finalmente, dentro desta estratégia geral, a politica urbana e 0 desenvolvimento tecnolégico cumpriam papel fundamental na busca indispensavel de barateamento de custos da produc&o habitacional. A l6gica do Projeto Moradia estava baseada na aproximaggo ou redugio da diferenga entre os valores de financiamento e a capacidade dde pagamento da populagdo, visando a diminuir o investimento global, a fim de equacionar problemas e recursos orgamentarios para atender 2 populagéo mais pobre. Nesta perspectiva, 0 desenvolvimento tecnolégico foi considerado ‘outro aspecto essencial para baratear e der qualidade a0 produto habitacional. © desafio de equacionamento da questo néo se limita 0s aspectos institucionais e financeiros, mas também envolve a necessidade de uma nova abordagem técnica. Avalia-se que, se eexistissem recursos suficientes para produzir habitagdo em massa, 03 obstéculos tecnolégicos impediriam um bom resultado, gerando desperdicios e ineficiéncia, Também em relago & necessidade de ualficago da administragéo para enfrentar a questo da habitagao, © Projeto destacou @ urgéncia de se criar mecanismos a fim de preparar as administragdes para 0 desafio de impulsionar intervengdes sobre as cidades que a proposta pressupunha Foi em relagéo & questo urbana que 0 Projeto Moradia se deteve com maior profundidade. Por um lado, apontando a necessidade de contar com novos instrumentos de regulacdo urbana que, no periodo de concepgdo do Projeto, em 1999/2000, o Estatuto da Cidade ainda era apenas um projeto de lei. Considerou-se a aprovagao do Estatuto na estratégia estabelecida, uma vez que criaria condigdes para faciltar € baratear 0 acesso a terra urbanizada, fosse combatendo a especulago com iméveis aciosos, fosse criando mecanismos para a regularizagdo fundidria, fosse estabelecendo zonas espetiais de interesse social capazes de preservar da valorizagéo imobiliéria, terrenos adequados a produgo de moracia digna. Desde 0 inicio, 0 Frojeto Moradia partiu da premissa que a moradia néo podia ser desvinculada de sua insergao urbana, ou seja, definiu que a questéo da moradia significava garantir 0 direito & cidade, envolvendo 0 acesso infra-estrutura e aos servigos urbanos. 95 5 Governo Lula: criagao do Ministério das Cidades e o inicio da implementagao de uma nova politica habitacional N&o temos ainda o suficiente distanciamento para avaliar de forma consistente as ages desenvolvidas pelo governo Lula na area da habitagao, uma vez que a implementacao de uma nova politica habitacional requer um conjunto de medidas de ordem institucional, financeira e técnica que demandam tempo. Assim, no teria sido possivel implementar neste prazo e na sua integralidade © Projeto Moradia, mesmo porque a proposta também requeria um aprofundamento e uma reviséo, tendo em vista as condigdes concretas da administrago, que nao podiam ser previstas quando ele foi elaborado. Mesmo com estas restrigdes, entretanto, & possivel detectar os avangos ja conseguidos na implementago de uma nova politica habitacional e urbana 20 lado de obsticulos que retardam e dificultam © seu surgimento. Por um lado, ¢ vislvel 0 empenho do governo em criar as condipdes institucionais para viabilizar uma nova politica urbana e habitacional no pals. O Presidente, em um dos seus primeiros atos, criou o Ministério das Cidades, englobando, como propunha o Projeto Moradia, 8 areas de habitagdo, saneamento, transportes urbanos e planejamento territorial e indicou para os principais cargos técnicos experientes e comprometidos com todo o processo de elaboragao de propostas alternativas @ com o ideario da Reforma Urbana Malgrado a ainda fragil € pequena estrutura organizacional do novo Ministério, sua criagdo € historica néo s6 porque ele é 0 mais importante Orgéo nacional responsavel pelo problema da moradia desde 2 extingio do BNH, como porque sua concepeéo, que pressupée um tratamento integrado da questo urbana, representa lum avango em relagdo & tradicional fragmentagao que tem sido regra na gestao publica Ministério das Cidades foi criado com o carater de érgo coordenador, gestor e formulador da Politica Nacional de Desenvolvimento Urbano, ‘envolvendo, de forma integrada, as politicasligadas @ cidade, ocupando um vazio institucional e resgatando para si a coordenagao politica € técnica das questées urbanas. Coube-the, ainda, @ incumbéncia de articular & qualiicar os diferentes entes federativos na montage de tuma estratégia nacional para equacionar os problemas urbanos das cidades brasileiras alavancando mudangas com o apoio dos instrumentos legais estabelecidos pelo Estatuto das Cidades. 96 Apesar do avango que representou a criagdo do ministério, ¢ necessario ressaltar que uma das suas debilidades 6 sua fraqueza institucional, uma vez que a Caixa Eoonémica Federal, agente operador € principal agente financeiro dos recursos do FGTS, é subordinada a0 Ministério da Fazenda. Em tese, 0 Ministério das Cidades ¢ 0 responsavel pela gestéo da politica habitacional, mas, na pratica, a enorme capilaridade e poder da Caixa, presente em todos os municipios do pais, acaba fazendo que a deciséo sobre a aprovaeao dos pedidos de financiamentos e acompanhamento dos empreendimentos seja sue responsabilidad. Do ponto de vista de implementagdo do Projeto Moradia, um dos principais avangos ocorreu na construgao da instancia de perticipagao controle social da politica urbana: o Conselho Nacional das Cidades Em abril de 2003, o Presidente deu inicio ao processo de convocagao da Conferencia Nacional das Cidades, que se realizou em outubro, reunindo dois mil quinhentos e dez delegados de todo o pals e que tragou as linhas gerais e as diretrizes da politica nacional de desenvolvimento urbano, envolvendo todas as areas do ministério, © mais importante foi 0 proceso de construgdo da Conferéncia, ue se deu de baixo para cima, em todo o pals, a partir dos municipios, culminando na Conferencia Nacional. Esta sequéncia participativa mobilizou 3.457 municipios, que realizaram conferéncias de cardter local e elegeram delegados para conferéncias estaduais, que ocorreram em todas as 26 unidades da Federagao e que tiraram os representantes para a Conferencia Nacional © regulamento des conferencias estabelecia a participagdo de todos (s segmentos da sociedade, 0 que permitiu criar fOruns de debate na maior parte das cidades do pais, com a presenga, além do poder ppblico, nos trés niveis de governo, de movimentos socias, entidades empresariais, sindicatos, Universidades, associagdes profissionais, concessionérias de servigos publicos, entidades de representantes de vereadores, ONG’s e institutos de pesquisa. As conferéncias possibilitaram o inicio da construgéo de uma verdadeira politica nacional para as cidades, ou seja, uma politica ndo-limitada 4 ago do governo federal, mas capaz de envolver 0 conjunto de instituigSes publicas e privadas, relacionadas com a questo urbana. Este processo teve Continuidade com a realizagdo da 2 Conferencia Nacional das Cidades fem 2005. No entanto, a troca em 2005 do ministro Olivio Dutra indicado pelo PT, e sua substituigdo por um ministro apoiado por um partido conservador da base governista, sem hist6rico com a luta para reforma urbana e com o programa original do governo Lula, significou um retrocesso, sobretudo na capacidade de o ministério articular 97 uma politica urbana coesa e integrada.Varios técnicos comprometidos com esta agenda deixaram 0 governo, o que fragilizou 0 avango institucional numa perspectiva mais progressista Se na esfera institucional e ne gestdo participativa pode-se dizer que de uma maneira geral se caminhou bem, os grandes obstaculos ocorreram no ambito dos aspectos financeiros, sobretudo no periodo 2003/5. Embora o proprio Presidente tivesse, em mais de uma ‘oportunidad, se manifestado pela criaggo do Fundo Nacional de Moradia, antiga reivindicagéo do movimento de habitago pedra fundamental do Projeto Moradia, a area econémica do governo colocou restrigdes a0 projeto-de-lei que tramitou por treze anos no Congresso. Depois de uma ampla reformulagéo, que restringiu @ abrangéncia do FNM, um substitutivo foi aprovado no Congresso, criando 0 Fundo Nacional de HabitagSo de Interesse Social. A restriggo derivava do formato institucional, pois, de ume maneira eral, a area econdmica ¢ avessa a criagdo de fundos, posto que eles segregam recursos e reduzem a liberdade que os gestores do ‘orgamento tém na utilizagéo dos recursos. Ademeis, a existéncia do fundo pressupde, embora ndo garanta, a alocaggo de parcelas significativas do orgamento para fins de subsidio, 0 que contrariava politica de criagdo de superavit primario. Na lei aprovada, foi eliminada 2 possibilidade de o FNH agregar no seu interior um mix de recursos onerosos (FGTS) ¢ nao-onerosos ({iscals), como propunha o Projeto Moradia. O FNHIS tornou-se assim um fundo de investimento contanto basicamente com recursos orgamentérios. ‘As dificuldades de implementago do Projeto Moradia, um dos grandes projetos de politica piblica do Presidente, derivam, sobretudo, da politica econémica adotava pelo governo, que, até a alteragdo do Ministro da Fazenda, que ocorreu em 2006, dava continuidade as linhas gerais do periodo FHC. Mantidas as altas taxas de juros elevadas e a3 fortes restrigbes 4 utilizago de fontes fiscais, com a fixagdo de um superavit primério superior a0 adotado por FHC, ficaram reduzidas as possibilidades de implementagao de lum fundo de subsidio significative para viebilizar 0 atendimento 8 populagdo de baixa renda. ‘A predominancia do FGTS como a principal fonte de recurso, utilizado sem subsidio até 2005, levou a uma restrita alteraggo no perfil de rende da populaggo atendida, apenas atenuada pela criago, em 2004, de programas emergenciais, com dotapdes orgamentarias reduzidas, como 0 PEHP ~ Programa Especial de Habitagao Popular -, que permitiu apoiar um restrito nimero de empreendimento e pela 98 utilizagao, com regras novas, do PSH - Programa de Subsidio Habitacional -, um mecanismo criado no titimo ano do governo FHC para apontar recursos do orgamento. Apés 2005, 0 quadro alterou-se substancialmente com mostraremos a seguir. A ccriagéo do Sistema Nacional de Habitagdo foi aprovada pelo Conselho das Cidades, tendo sido proposta com @ criagdo de dois subsistemas - 0 de habitacgo de mercado e 0 de interesse social Enquanto © Subsistema de Habitaggo de Interesse Social depende em grande parte, de implementacdo de um complexo processo institucional para articular Estados e Municipios ao novo sistema, uma série de medidas visando a dar sequranga juridica ao financiamento de mercado, ha muito relvindicadas pelo setor privado, fol enviada fem 2004 a0 Congresso Nacional e aprovadas, permitindo ampliar a aplicagao de recursos do SBPE e SFI em empreendimentos habitacionais, condigo fundamental para que o FGTS possa ser direcionado para a faixa de interesse social. A alteragio dos programas habitacionais financiados com recursos do FGTS tem ocorrido de forma lenta, notando-se certa cificuldade fem abandonar os modelos estruturados no governo FHC. Assim, os programas habitacionais continuam os mesmos, sendo que a prioridade do Ministério foi modificé-los para reduzir o perfil de renda dos beneficirios, © que ver sendo obtido, sobretudo apés a ampliaggo dos recursos para subsidio, a partir de 2005. Uma novidade importante foi a criago de um programa voltado para associagdes movimentos - 0 Credito Solidario, viabilizado com recursos de um fundo antigo que estava desativado, 0 FDS - Fundo de Desenvolvimento Social -, que objetiva produzir habitaggo através de mutiréo e auto-gestéo em condigdes mais favordveis de financiamento, Trata-se, entretanto, de um programa de folego curto, pois estes recursos séo finitos, ndo dispondo de uma fonte sustentavel a médio prazo para viabilizar sua continuidade. 6 Tendéncias recentes (2005-7): melhoria do cenario macro-econémico e ampliagdo do financiamento e subsidio habitacional A partir de 2005, alteragdes relevantes ocorreram na area de financiamento habitacional, tanto no que se refere ao subsistema de habitaggo de mercado como de interesse social. Houve uma substancial elevagao dos investimentos, de todas as fontes de recursos, ampliago do subsidio, foco mais dirigido para a populagéo de baixa renda, 99 destinagao crescente de recursos ao poder publico e ampla captacdo de recursos de mercado, gerando 0 que muitos consideram um novo boom imobilidrio. As transformagdes foram uma resposta as reivindicagdes dos movimentos de moradia do setor empresarial da construgdo civil ¢ de todos os segmentos que vinham lutando pela priorizago dos investimentos nas pollticas sociais, mas também se vinculam @ melhoria do cenario macro-econémico e de uma relativa ‘lexibilizaggo da politica econémica, que vem gerando uma ainda restrita redugéo do syperavit primério. Por outro lado, as medidas tomadas pelo governo para desonerar a construgdo civil e estimular © erédito imobiliario vem gerando efeitos extremamente positives para dinamizar osetor. A Lei Federal 10.391, aprovada em 2004, deu maior seguranga juridica 20 financiamento e produgao de mercado, enquanto a retomada do SBPE e a abertura do capital do setor imobilirio sigificaram um crescimento inusitado do crédito para a produgo habitacional. Em 2005, 0 Consetho Monetirio Nacional emitiu Resoluggo obrigando os bancos a investirem em financiamento habitacional uma porcentagem de recursos captados através da poupanga (SBPE - Sistema Brasileiro de Poupanga e Empréstimo). Embora por lel os bancos ja estivessem obrigados a fazer este investimento, resolug5es anteriores, desde a crise dos nos 80, iberaram as instituigées financeiras para investirem ‘em habitago, abrindo possibilidade de aplicarem estes recursos no Banco Central, em titulo da divida publica, onde rendiam muito mais. Com as alteragées, 0 crescimento das aplicagSes de mercado foi muito expressivo e em trés anos a produgéo com recursos do SBPE triplicou, como pode ser visto no Gréfico 2. Com a quede da taxa de juros, 0 crédito ficou mais barato e se consegui atender a uma clientele com uma renda mais baixa Por outro lado, desde 2004 vem ocorrendo uma substancial elevacio dos recursos destinados & produc habitacional de baixa renda O orgamento do FGTS cresce constantemente (atingiu sete bithdes de reais em 2007), assim como 0s recursos de origem orcamentiria que, com a criaggo do Fundo Nacional de Habitago de Interesse Social (2006), vem superando um bilh3o de reais por ano. Mas no que se Tefere ao Subsistema de Interesse Social, o grande salto ocorreu com «a Resolugdo 460 do Conselho Curador do FGTS, que tornou possivel uma massiva aplicagéo de recursos deste, que € 0 principal fundo para investimento habitacional, em subsidios habitacionais, cujo montante atingiu, em 2006 e 2007, 1,8 bilhdes de reais anuais. Com este subsidio © com outras alteragbes nos programas existentes, foi possivel ampliar 0 atendimento na faixa de renda mais baixa, onde © deficit se concentra 100 160 140 120 100 80 60 40 20 0 WColunas 3D1 2002 2003 2004 2005-2006 2007 Grifico 2: Evolugdo do namero de unidade financiada com recursos do SBPE Brasil = 2002-2007 “4 2 10. & Valor financiado - Total catxa 6 B1Vator financiado SBPE A (iuelut Caixa Poupanga)| 2 o. 2002 2008 2006 Grifico 3 - Financiamanto para habitagéo em R$ bi ~ 2002-2007 (2007 Previséo) 2008 2005 2006 Grifico 4 - FGTS - Execugéo orgementiria 101 20 FGTS SBPE outras fontes Total Grafico 5 - Crédito para habitagdo por fontes de recursos 2006-2007 ~ em RS bi) (CARTA CREDITO FGTS - NDIVIOUAL E IMOVEL NA PLANTA ‘ATENDIMENTOS - Unidades ‘DAG Sm Ewe te 05 SM Aina ae OFS Grafico 6 - Carta Crédito TS - individual na planta - antendimentos/ unidades erry 2-Deoxon aos c-pe oor aes aot ais aie Gréfico 7 ~ Subsidios - desempenho por faixa de renda 2004-2006 - valor médio 102 Finalmente, € necessario citar, apesar de ser muito recente, 4 implementago do Programa de Aceleragao do Crescimento (PAC), que © governo anunciou no inicio de 2007. Trata-se de um grande programa de investimento em diferentes areas (energia, rodovias, portos, saneamento e habitagéo) que altera parcialmente a rigida Politica de contengao de despesas que vigorou desde 0 inicio do governo Lula, Embora boa parte deste programa esteja voltada para obras de infra-estrutura para @ produgdo, os setores de hebitagao e saneamento foram privilegiados, dirigindo-se as aplicagbes para a urbanizagio de assentamentos precarios, ago que esta necessariamente sob a responsabilidade do poder piiblico. Calcula- se que nos quatro anos do segundo mandato do governo Lula deverao ser destinados cerca de 14 bilhes de reais apenas para este programa, Considerando todos estes dados, parece inevitével que ocorra uma signiicativa alterago do quadro da produgio habitacional do pais, depois de vinte e cinco anos de estagnaco. No entanto, uma série de pontos de estrangulamento podera limitar 2s fortes expectativas existentes, voltadas para um enfrentamento mais integral do problema habitacional A ampliagdo da produgdo de mercado é estratégica para o enfrentamento sustentavel do deficit habitacional, pois se 0 setor privado no produzir moradias para as faixas de renda média e média baixa, este segmento, que tem mais capacidade de pagamento, acaba por se apropriar das habitagdes produzidas para a populagao de baixa renda. No entanto, se ocorrer um boom imobiliério sem que haja uma adequada regulagéo do mercado de terras e sem que 2 cadeia produtiva da construedo civil esteja em condigdes de fornecer 8 insumos necessérios, existe forte risco de se gerar efeitos negativos, sobretudo para @ produgdo de habitagdo de interesse social. Nas atuais condigdes, ndo esta descartade uma forte elevardo dos valores da terra e dos insumos da construgéo que terao como desdobramento uma maior dificuldade de atender aos setores que dependem da produgéo de habitagdo social For outro lado, a elevagdo dos recursos da Unigo para financiar programas de urbanizacdo de favelas e assentamentos precérios, a serem implementados pelos municipios, podera encontrar um forte limite na baixa capacidade administrativa e gerencial dos governos locals, que no tem pessoal quslificado e estrutura institucional para enfrentar um repentino e avelerado proesso de crescimento do investimento, correndo-se o risco de no gastar os recursos alocados ou gasté-los mal 103 Desde 0 inicio dos anos 80, nunca as perspectivas foram to boas para o enfrentamento em larga escala do problema habitacional, inclusive para a baixa renda. No entanto, se nao forem tomadas as medidas necessirias no émbito do planejamento habitacional, da regulacao urbana, da cadeia produtiva da construgdo civil ¢ da capacitagao institucional, o crédito farto poder gerar um boom imobilidrio, mas, novamente, 0s setores de baixa renda poderdo ficar de fora, reproduzindo-se tradicional proceso de excluséo territorial 104

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