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Lidando com a Variagao Ambiental: Temperatura e Agua ESTUDO DE CASO Ras congeladas © filme 2001: Uma Odisseia no Espa, os astronautas em viagem & ceram transportados pelas enormes distincias do espaco para preve- nit o seu envelhecimento. A ideia de suspensdo da animagao a vida suspen- sa temporariamente — tem cativado a imaginagao e a esperanca de pessoas, que esperam que a medicina desenvolva meios para a cura de doencas incuré- veis ou reverta a degenerescéncia do envelhecimento. Cridniaa 6a preservacéo de corpos de pessoas mortas a temperaturas abaixo do ponto de congela- mento com 0 objetivo de futuramente ressuscité-las restituindo-Ihes a satide Existem proponentes da cridnica em todo 0 mundo, alguns mais visiveis do «que outros, im Nederland, Colorado, tocios os anos ha o festival Frazen Dead Guy Days (literalmente, dias do homem morto congelado), considerada o “carnaval da cridnica”. Esse festival comemora os esforcos de um antigo ha- bitante que providenciou o congelamento do avé imediatamente apds a sua morte por enfarto, esperando que um dia seu avo pudesse ser ressuscitado receber um transplante de coragéo (como também documentado no filme O 12006 ainda esté no galpto) Para alguns, a criénica parece artificial, um assunto de ficcao cientifica. Manter a vida em suspensdo e ento ressuscité-la apés um longo periodo de quiescéncia nao parece plausivel. Forém, histérias incomuns da natureza fomecem exemplos de vida aparentemente ressurgindo da morte. Enquanto buscava a existincia de uma passagem noroeste nas zonas boreal drtica do Canada em 1769-1772, 0 explorador inglés Samuel Heame encontrou rs s0- bre finas camadas de fothas e musgos durante o inverno” congeladas tao rigi- das quanto gelo, em um estado no qual suas pernas quebravam-se facilmente ‘como uma haste de cachimbo” (Hearne, 1911) (Figura 4.1), Hearne embrulhou asras em pele animal e as colocou préximas a fogueira de seu acampamento, Em poucas horas, 08 aniibios duros como rocha voltaram & vida e comegaram a pular ao redor. O natura- lista americano John Burroughs encontrou ras congeladas sobre uma fina camada de folhas mortas em uma floresta de Nova lorque durante ‘0 inverno. Constantes visitas 20 mesmo local a0 longo de um periodo de meses indi- ccaram que as ras ndo haviam se movi- do, porém na primavera elas haviam desaparecido. Poderia um organismo complexo como a 14, com sofis- ticados sistemas circulatério nervoso, conseguir preservacio cridnica como resultado de for- as evolutivas respondendo a sum severo clima hibernal? (Os organismos das zonas tem- peradas e polares enfrentam enormes dlsafios impostos por um clima sazonal ue inclui temperaturas abaixo de zero no in- CAPITULO. Sees CONCEITO 4.1. Cada espécie tem uma faixa de tolerancias ambientais que determina sua distribuicao geo- gréfica potencial. CONCEITO 4.2 A temperatura dos ‘organismos é determinada pelas trocas de energia com o ambiente externo. CONCEITO 4,3 O balanco hidrico dos organismos é determinado pe- las trocas de gua e solutos como ambiente externo. FIGURA 4.1 Uma ré congelada As 's-dos-bosques (Rana sylvatica) passam 0 inverno em estado parcialmente congelado sem movimentes respiratorio e sern circular (io ou batimentas cardiaces. FIGURA 4.2 Exposi- ao setentrional As F3s-dos-bosques (Rana sylvatica) © as rs-de-coro-boreals (Pseudacris maculata) tém uma distribuigao geogréfica que se es tende pelos biomas de florestas borealis € da tundra. (Conforme Pinder etal, 1992) vero. Os antibios so candidatos improvaveis para resolver esse desa- fio mantendo seus corpos parcialmente congelados. ‘Além dos com- plexos sistemas de drgaos ¢ tecidos jé mencionados, ‘08 anfibios s4o”animais de sangue frio” (produzem ‘pouco calor internamente) e, como grupo, evoluiram inicialmente em biomas tropicais e subtropicais.Jé as duas espécies de ras, as r3s-dos-bosques (Raia syl- palica) ¢ as ras-de-coro-boreais (Pseudacris maculata), vvivem no bioma da tundra Artica (Figura 42) (Pinder cet al, 1992). Fssas ras sobrevivem longos periodos de temperaturas do ar abaixo de zero em covas rasas em estado semicongelado, sem batimentos cardia- ‘cos, nem circulagao sanguinea e nem movimentos Renn pleats I Peeuiacris macata respiratorios, Entre os vertebrados, somente poucas espécies de aniibios (quatro ras ¢ uma salamandtra) © ‘uma espécie de tartaruga podem sobreviver um longo inverno em estado semicongelado. O congelamento za maioria dos organismos resulta em dano substan ial aos tecidos quando os cristais de gelo perfuram as membranas celulares e organelas. Como esses vertebrados sobrevivern ao serem congelados sem virar mingau ao descongelarem, e entao reiniciar sua irculagao sanguinea e respiracdo quando a chega a primavera? vores de abetos-vermelhos (Picea obova- A: da floresta boreal da Sibéria experimen- tam uma variagdo extrema de temperatura sazonal caracteristica de um clima continental. No inverno, as temperaturas do ar normalmente caem, abaixo de -50°C (-58°F), e, no verao, alcangam 30°C (66°F). Como uma drvore imével, ao abeto-vermelho inexiste a op¢o que os humanos tém de colocar um agasalho para manter-se aquecido no inverno ou um ventilador para refrescar no verao. O abeto-vermelho deve tolerar essas temperaturas extremas, em vez de evitd-las por meio de algum comportamento ou ati- vidade fisiolégica. Essas duas opgdes de suportar a variagdo ambiental, tolerancia e evasao, proporcio- nam uma estrutura dtil para pensar acerca de como ‘0s organismos lidam com os extremos ambientais que enfrentam, ‘A faixa de condigdes ambientais fisicas descritas no Capitulo 2 estabelece a variagAo em biomas e zo- nas bioldgicas marinhas descritas no Capitulo 3. Neste e no préximo capitulo examinaremos mais profunda- mente as interagies entre os organismos e o ambiente fisico que influenciam sua sobrevivéncia e persisténcia ¢, portanto, suas distribuigdes geograficas. Nosso foco neste capitulo seré a temperatura e a dgua, dois impor- tantes controladores ambientais fisicos pata o funcio- namento e a distribuiggo dos organismos. Respostas a variacao ambiental CONCEITO 4.1 Cada espécie tem uma faixa de tolerancias ambientais que determina sua distribuicdo geogrsfica potencial. Um principio fundamental em ecologia e bio- geografia é que as distribuicbes geograficas das es~ pécies esto relacionadas aos limites impostos pelos ambientes fisicos e biol6gicos. Nesta seco, discuti- rTemos os conceitos gerais relacionados as respostas dos organismos ao ambiente fisico, antes de abor- darmos respostas mais especificas & variagao na tem- _Abundanta do organism Feologia 88. ‘yo wor do una varia anion sa de fura.cetobrrca fsclogea oa expe, 2 pie np pode sbramver nossa uga. Alta ‘Taaeibagiored de Unegarsno Serer do su dst upto poten devo erga corn ‘outs onsmos, ‘cane acarctiio, ‘ue poten ts deuce googie Baixo ‘ao Gradient ambiental (porexemplo, temperature, procpitastoeliigade) peratura e na disponibilidade de dgua nas segbes posteriores. AAs distribuicées das espécies refletem as influéncias ambientais na aquisicao de energia e as tolerancias fisiolégicas A distribuigao geografica potencial de um organismo &determinada, em iiltima instdncia, pelo ambiente sico, 0 qual influencia o sucesso de um organismo de duas maneiras importantes, Primeiro, a capacidade do organismo obter energia e recursos necessérios para manter suas fungdes metabdlicas e, portanto, para crescer e reproduzir, € influenciada pelo ambiente fs co.As taxas de fotossintese e abundancia de presas, por exemplo, sao controladas pelas condigdes ambientais. A capacidade de uma espécie adquirir energia, crescer, reproduzir e, assim, manter uma populacao vidvel é li- mitada pelas margens de sua distribuicdo geografica. Segundo, um efeito mais imediato sobre o sucesso de um organismo € a influéncia de condigdes ambientais extremas sobre a sobrevivéncia, Se a temperatura, 0 suprimento de agua, as concentragdes de substincias quimicas ou alguma outra condicao ambiental fisi- ca estiver fora da faixa fisiolégica que um organismo pode tolerar, 0 organismo morrerd. Esses dois fatores ~ a aquisigo de energia e os limites de tolerancia am- biental fisica - ndo sio mutuamente exclusivos, ja que ‘ suprimento de energia influencia a capacidade do or- ganismo tolerar os extremos ambientais. E importante Jembrar que a distribuigio geogréfica real de uma es- pécie também esté relacionada a outros fatores, como distrbios e interagdes com outros organismos (p. ex, competigao) (Figura 4.3) Como indicado na introdugao deste capitulo e na discussio dos biomas no Capitulo 3, a imobilidade das plantas as torna boas indicadoras do ambiente fisico. Os agricultores esto bastante cientes dos efeitos de even- tos extremos na sobrevivéncia de plantas cultivadas, com FIGURA 4.3. A abundancia varia 20 longo de um gradiente ambiental ‘abundancia de um arganismo atinge um valor méximoem algum valor Simo te6rico ao longo de um gradiente ambiental e diminui nas duas extremidades para valores que delimitamn a distribuicéo geografica potencial do organismo. frequéncia cultivadas fora da drea de distribuigéo geo: grafica onde evoluitam. Eventos de congelamento ou se- cas extremas podem resultar em catastroficas perdas de colheita, O alamo (Populus tremuloides) proporciona um bom exemplo de espécie nativa com distribuigdo geogrs- fica relacionada & tolerancia climatica. O slamo ocorre em flotestas boreais e em regides montanhosas de toda a América do Norte. Sua distribuicio geogréfica pode ser prevista com preciso com base nos efeitos do clima so- bre a sua sobrevivéncia e reproduco (Morin et al,, 2007) (Figura 4.4A). Esses fatores climaticos incluem os efeitos de baixas temperaturas no seu sucesso reprodutivo e os efeitos de seca e de baixas temperaturas sobre sua s0- brevivéncia (Figura 4.48). faixa de condigdes ambien- tais em que uma espécie ocorre — seu ertelope climtico = proporciona uma ferramenta ttil para prever sua res posta a mudanca climética (ver Capitulo 24), 5 individuos respondem a variacdo ambiental por meio da aclimatizacéo Os processos fisiolégicos como 0 erescimento ou fo- tossintese t8m um conjunto de condigdes ambientai 6timas mais favordveis ao seu funcionamento. Desvios a partir do dtimo causam diminuigéo na taxa do pro- cesso (Figura 4.5). Estresse é a condigao na qual uma alteracdo ambiental resulta em diminuigdo na taxa de um importante processo fisiol6gico, reduzindo assim 0 potencial para a sobrevivéncia, crescimento ou repro- ducdo de um organismo. Por exemplo, quando vocé viaja para altitudes elevadas, tipicamente acima de 2.400 m (8.000 pés), a menor pressao parcial de oxigi nio na atmosfera (ver pagina 69) resulta na distribuigao de menos oxigénio para os seus tecidos pelo sistema circulatério, Essa condicao, conhecida como hipéxia, resulta quando a quantidade de oxigénio ligada 3s mo- leéculas de hemoglobina no sangue diminui. A hipéxia causa a“doenca da altitude”, tipo de estresse fisiol6gi- co que diminui nossa capacidacle de se exercitar e pen- sar claramente causando néuseas, Muitos organismos tém a capacidade de ajustar sua fisiologia, morfologia ou comportamento para re- duzir o efeito de uma variagdo ambiental ¢ minimizar © estresse associado. Esse tipo de ajustamento, conhe- cido como aclimatizagio', em geral um processo * Os fisioiogistas animals usam o termo"aclimatizagio" para s refe- tir arespostas de curto prazo de um animal avariagdes no ambiente fisico sob condigdes de campo e"acimagio™ para se reeri a respes- tas de curt prazo sob condigdes controladas de laboratéia, a 86 Cain, Bowman & Hacker FIGURA 4.4 O clima e a distribuigio do alamo A dist bbuigdo geografica do lamo (Populus tremuloides) esté associa: ddacom oclima,(R) A distribuigao prevsta, com base nos efeitos Climaticos sobre a sobrevivéncia e reproducao observados em populagdes naturals, mapeada com a distribuigdo real. (8) Fatores limitando a distribuigao do alamo, estimativa baseada nos efeitos 1 Finodear_ yy Oar fuindo a0 FIGURA 4.11 Uma camada limitrofe foliar longo da superficie de uma fotha est sujeto a frcca0, ocasio- nando um fluxo turbulento e reduzindo a perda convectiva de calor de folha para. ar circundante, Ecologla 93. FIGURA 4.12 Uma planta lanosa do Himalaia 0 |6- tus-de-neve (Saussurea medusa) apresenta densa pubescéncia ‘envolvendo as hastes de suas inflorescénclas emergentes,fome ccende-thes isolamento térmico, quentes do que o ar pela absorgao e retengio da radia- sao solar (Tsukaya et al., 2002). A planta nao apenas ™mantém 0s tecidos fotossintéticos mais aquecidos, mas também proporciona um ambiente mais quente para potenciais polinizadores, os quais esto em pequena quantidade nos frios e ventosos ambientes alpinos. Modificagao do balango energético de animais Os animais estio sujeitos aos mesmos fatores de troca de calor descritos para as plantas na Equacio 4.1, com uma diferenga fundamental: alguns animais - em par- ticular, aves e mamiferos ~ tem a capacidade de gerar calor internamente, Como um resultado, outro termo 6 necessario na equagao do balango de energia represen- tando esté geracdo metabélica de calor: A yog) =RS-+ IV, ~ IV, Hout Hos, — Hoag + Hyg (4.2) onde AH yin, € a variagio de energia térmica do animal, RS éa radiagao solar, IR, é 0 ganho de radiaggo infravermelha, IR, é a perda de radiagdo infraverme- tha, Hoy € transferéncia convectiva de calor, Hugg € a transferéncia condlutiva de calor, Fi... 6 transferéncia de calor por evaporacio e H,. é a geragio metabélica de calor. Em contraste com as plantas, a perda evapo- rativa de calor nio esté largamente distribuida entre os animais. Exemplos notaveis de refrigeracio evaporati- ‘va em animais incluem a transpiracdo nos seres huma- Nos, a respiragio ofegante em ces e outros animais, e 94 Cain, Bowman & Hacker FIGURA 4.13 Geragio de (A) calor interno como defe- ssa _Abelhas podem gerar calor ppela contracéo de seus miscu- Jos de voo. As abelhasjaponesas (pis cerana) usam a gerac3o Intena de calor como defese contra vespas (Vespa mandari na) que atacam a colmeia. (A) Quando uma vespa entra na colmeia, as abelhas citcundam © invasor maior. (8) A aglome- rag3o defensiva de abelhas envalvenda a vespa invasora

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