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Revista Praksis ISSN: 1807-1912 revistapraksis@feevale.br Centro Universitario Feevale > Brasil Gondim, Elnora; Marra Rodrigues, Osvaldino PRE-SOCRATICOS E A NOGAO DE SER: UMA PANORAMICA, Revista Praksis, vol. 2, julio-diciembre, 2011, pp. 31-42 Centro Universitario Feevale Novo Hamburgo, Brasil Disponivel em: hitp:iwnw.redalye orgiartculo.03?id=525554886008 > Como citar este artigo Numero completo Sistema de Informagéo Cientifica > Mais artigos Rede de Revistas Cientificas da América Latina, Caribe , Espanha e Portugal > Home da revista no Redalye Projeto académico sem fins lucratives desenvalvido no Ambito da iniciativa Acesso Aberto Prk - Revista do IGHLA EUS ne UU LUT) Elnora Gondim ' Osvaldino Marra Rodrigues * RESUMO (3s filésofos pré-socraticos procuravam a arché das coisas, o principio, a causa das coisas. Esse elemento primordial deveria ser a origem, a fonte do todo e deveria estar preservado de todas as mudlangas visiveis 05 olhos humanos. Consequentemente, esse elemento primordial nao pertence a ordem do sensivel, mas do inteligivel. A esse elemento denominaram physis, aquilo do qual e para o qual todas as coisas tendem necessariamente. A physis seria elemento primordial e a génese de todas as coisas. Por serem inquiridores da physis, esses filésofos primordiais foram designados, pela tradico doxogréfica, fisicos. No entanto, @ corigem das coisas recebe nomes diferentes em cada fildsofo primordial; cada filésofo apresenta suas teses sobre 0 que seja a physis. Grosso modo, esses filésofos enfatizavam o inteligivel e, consequentemente, eles tinham uma concepgao do que é, do Ser. Palavras-chave: Miltiplo e Uno. Ser. Pré-Socriticos. INTRODUCAO A prioridade do inteligivel sobre o sensivel é o indicio daquilo que, posteriormente, foi denominado _metafisica. Essa palavra nao pertencia ao repertério dos fisicos, mas, anacronicamente, poder-se-ia afirmar que constitui o nticleo das investigaces dos primeiros filésofos, Sequer ocorre nos livros de Aristoteles que ficaram conhecidos sob 0 nome Metailsica, De acordo com Hans Reiner, 0 nome Metafisica seria meramente contingéncia e teria surgido pela classificacao das obras de Aristételes, a compilagio feita por Andrénico de Rodes no século | a.C.” Tese esta contestada por Giovanni Reale, pois o termo implicaria também o contetido, no apenas a “classificagao bibliografica’.* ‘Assim, a Ontologia, por sua vez, como uma parte da Metafisica, & relativa ao Ser, em que este nao se pode conceituar, no entanto pode-se assinalé+lo, isto 6, guiar a intuicao para um local onde esta 0 conceito do Ser. Parménides foi considerado o primeiro a tratar da Ontologia, da nogao de Ser. Porém, se or considerada a procura do Ser pela busca das caracteristicas universais das coisas, pelos principios primeiros, os pré- Mestrado em Filosofia pela PUCSP. Doutorado em Filosofia pela PUCRS. Professora de Filosofia na UFPL. E-mail celnoragondimaryahoo.com.br. * Mestrando em Filosofia pela UFPI. Email: dinomarratera.com.br, HEINER, Hans. © surgimento e o significado original da nome Metaflsica. In: ZINGANO, Marco (org). Sobre a metafisica de Aristételes, Sio Paulo: Odysseus, 2005, p. 93. "REALE, Giovanni, Ensaio introdutério, 2 ed, Sao Patlo: Loyola, 2005, p. 27-26. de Ciéneies Humanas, Letras e Arcee socriticos, embora realcando aspectos sobre a physis, fizeram algo semelhante, Se assim 0 for, embora sob controvérsias, os pré-socréticos, ou fisicos, foram os primeiros metafisicos de que se tem conhecimento na historia da filosofia, 1 OS PRESOCRATICOS Embora recebam a designacao pré-socratico, muitos viveram no mesmo periodo histérico de Sdcrates (desde 0 ano 624 a.C. até 0 século Va.C). Por conseguinte, essa designacao 6, sob 0 ponto de vista cronolégico, artificial. Esses pensadores inauguraram a filosofia como paradigma racional, contribuindo para primeiro grande evento intelectual do Ocidente: o nascimento da razao sgrega. Por conseguinte, eles impuseram um novo caminho para o pensar, © Logos’, rompendo com © tipo anterior de pensamento - 0 mitico, Isso pode ser constatado pelo fato de que, na busca pela arché (elemento primordial detodasas coisas), eles apelam para a nogio de causalidade’; no entanto, cabe ressaltar: diferentemente do pensamento mitico, esse processo causal nao é infinito, porquanto eles estabelecem um principio primeiro ou um conjunto de principios que dao origem ao processo racional No entanto, a observacio da interpretacao do nascimento da filosofia como a passagem do mito 0 Logos nao é algo que essencialmente caracteriza a filosofia pré-socratica, A pergunta pelo principio de todas as coisas, pela arché, denominada physis, 6 0 elemento-chave que caracteriza os filésofos présocraticos, Physis € um termo grego que deriva do verbo phyo (aw), 0 qual significa *fazer sait”, nascer", *crescer”, “engendrar*, “produzir’. A raiz phy com o sufixo sis gera o substantive physis, que significa “nascimento", “crescimento", ou melhor, aquela forca por cuja agdo as coisas nascem ¢ crescem. A physis, por conseguinte, € uma forga dinamica, nao é algo definitivo e acabado, mas uum processo em formagao, por esse motivo, ha a associagao da vida com a natureza. Assim, com a concepgao de physis como arché e como algo que tem uma alma, os pré-socraticos tentaram entender Discurso racional em que as explicagées sto justficadas. Para os présocraticas, a natureza tem uma racionalidade, sendo que esta é captada pela razo humana, Causalidade: conexao de causa e efeito entre fendmenos. 2 a racionalidade do homem e do cosmo’. Logo, nesse processo de abstragdo, eles buscaram respostas Universais e principios primeiros para as questées. Dentre os pré-socraticos, ressaltam-se alguns: Tales de Mileto, Anaximandro, Anaximenes e Herdclito; Escola jénica’, Pitégoras, Parménides @ Zenao: Escola italiana; visio de mundo mais abstrata, monistas.” Empédocles; segunda fase do pensamento pré-socratico; pluralista."® 1.1 TALES DE MILETO Tales de Mileto é 0 primeito filésofo de que se tem conhecimento na histéria do saber. Ele iniciou a filosofia da physis, afirmando que a causa de todas as coisas que existiam era a égua. Nesse sentido, & considerado naturalista. Para ele, tudo vem da gua; tudo sustenta a sua vida nela e, por causa dela, tudo se acaba, Para tanto, ele baseia as suas afirmacdes em puro raciocinio; no Logos. A agua de Tales & a physis liquida de onde tudo se origina; nela predomina a razéo. A arché de Tales nao é a agua tal qual se concebe no mundo fisico; & principio originaro. 1.2 ANAXIMANDRO- ‘Anaximandro afirmava sera gua algo derivado, sendo assim, ela nao poderia ser o principio, pois a arché € 0 infinito, uma physis indefinida através da qual todas as coisas existem, Sendo assim, o principio para ele era 0 apeiron; aquilo que nao tem limites. Esse € quantitativa e qualitativamente indeterminado. Fle é imortal, indestrutivel; sustenta e govema tudo. No entanto, ele nao é diferente do mundo, porquanto € a sua esséncia quanto & génese do cosmo; ele afirma que isso ocorre de um movimento eterno que gera os dois primeiros contrérios:o fio e 0 calor. O frio, sendo de natureza liquida, ¢ transformado em fogo-calor, que formava a esfera peritérica no ar; a esfera do fogo dividiv-se na esiera do sol, da lua e dos astros; 0 elemento * Cosmo: ligado & idela de ordem; ¢ © mundo natural hierarquizado pela razio, do qual seus principios ¢ suas leis organizam e regem a sua realidade. “Interesse pela physis;teorias da natureza. “ Monismo: corrente que acredita em uma s6 substancia formadora das coisas, ® Pluralsta: corrente que acredita em mais de uma substancia formadora das coisas, Prk - Revista do IGHLA liquido ficou nas cavidades da terra, formando os mares. 1.3 ANAXIMENES, Para Anaximenes de Mileto (582 a.C- 524 a.C), a arché, isto 6, 0 principio criador de todas as coisas é 0 ar, que, em ciclos infinitamente repetidos, origina todos os seres e suas diferencas qualitativas. Ele 6, também, a alma (feche), sopro divino similar a0 ar que a tudo rodeia, 1.4 HERACLITO Hericlito nasceu em ffeso, cidade da Jonia. Ele escreveu um livro Sobre a Natureza. Manifestou desprezo pelos antigos poetas, contra os filésofos de seu tempo e contra a religiao, Heraclito é por muitos considerado um eminente pensador pré&socritico, por formular o problema da unidade permanente do ser diante da pluralidade e mutabilidade das coisas particulares e transitérias. Ele estabeleceu a existéncia de uma lei universal e fixa (0 Logos), regedora de todos os acontecimentos particulares € fundamento da harmonia universal, harmonia feita de tensoes, “como ado arco e da lira” Para Heraclito, 0 ser & 0 um, 0 primeiro; depois & 0 devir. O ponto-chave e gerador de polémicas da filosofia heraclitiana é a afitmacao de que “O ser nao & mais que o nao-ser” nem & menos; a esséncia &mudanga. O verdadeiro 6 apenas como a unidade dos opostos, em que o absoluto é a unidade do ser e do nao-ser. Para Herdclito: “Tudo flui (panta red, nada persiste, nem permanece o mesmo" e, por esse motivo, ele compara as coisas com a correnteza de um rio ~ sendo que nao se pode entrar duas vezes na mesma corrente, pois nem o rio ¢ 0 mesmo, nem a propria pessoa que entrou naquelas éguas & a mesma. Herdclito afirma que o verdadeiro é 0 devir, mas apreendido pelo Logos, tinica coisa que permanece. Para ele, 0s opostos estio ligados numa unidade; nesta, encontra-se o ser e 0 nao-ser. Desa forma, o nao-ser é ser, porque ele 6, Os opastos sao caracteristicas do mesmo, como, por exemplo, 0 mel & doce © amargo. A negatividade ¢ imanente , assim, ocorre a unidade do real e do ideal, do objetivo e subjetivo; esse € o processo do devir. ‘Com isso, Herdclito ligou 0 todo e 0 nao-todo; 0 todo torna-se parte e aparte 0 & para se tornar o todo, A parte & algo diferente do todo; mas é, também, 0 mesmo que 0 todo 6; a substancia é 0 todo e a parte Esse € 0 processo da vida, como ocorre a harmonia do arco ¢ da lira Heréclito afirmou que o tempo € 0 primeiro ser corpéreo, a esséncia ¢ a primeira forma do puro devir, 0 puro conceito. Sua caracteristica basica 6 a nidade do ser e ndo-ser. Nessa mudanca de ser para rndo-ser, o tempo é visto de maneira objetiva para quem 6 esté vivenciando, embora seja, também, uma —abstrata contemplacao da mudanga. No tempo, estio 0 ser © 0 ndo-ser. O tempo é intuigao, porquanto nao se pode representé-lo no real fogo é @ arché - e esse € 0 modo real do proceso heraclitiano, a alma ¢ a substincia do processo da natureza, O fogo & o tempo fisico do € permanente, Ele é mudanga, transformagao em fumaga; evaporagao (anathymiasis) (fumaca, vapores do soll; ¢ isso era a alma. 1.5 PITAGORAS Pitagoras de Samos (580 aC. - 500 aC) fundou, em Critona, uma comunidade que tinha como objetivo a purificagao (katarsis) da alma das paixdes do corpo através de certas praticas que nao deveriam ser reveladas a ninguém estranho & comunidade. Pitdgoras considerou que a aima era imortal, cuja uniao com o compo significava uma prova de que esta deveria sofrer antes de sua definitiva liberacao dos ciclos das reencamagées. Pitégorasfoi um pensadorenvoltoem elementos legendarios, o que faz ficar dificil distinguir nele e tem seus discipulos o histérico do fantastico. Apesar de tudo isso, ele nao deixa de ser uma pessoa muito importante no desenvolvimento da historia do saber. Ele nao deixou escritos; historiadores atribuem trés textos trabalhados por ele, que versam sobre a educacao, o homem de estado ¢ a natureza, Dessa_maneira, ele ¢ considerado um reformador moral e religioso. Algumas vezes, ele & apresentado como um homem de ciéncia outras, como o mentor de doutrinas misticas. Isso tudo se deve ao fato de ele nao ter escrito nada e dos acusmaticos terem divulgado a sua doutrina Portanto, dessa maneira, ocorreu uma literatura advinda, em grande parte, de testemunho histérico das doutrinas do proprio Pitagoras. Atualmente, alguns trabalhos sao considerados _ficgdes, pseudénimos de origem posterior. ‘© problema da arché 6, precisamente, também, © de Pitégoras. Para ele, 0 ndmero é a arché de 3 de Ciéneies Humanas, Letras e Artes todas as coisas. Este é entendido tanto no sentido quantitativo, isto 6, matematico, como no sentido qualitativo, ou seja, metafisico. Nos ntimeros, sao distintos os pares (ilimitado) © 0 Impar (limitado), Fes sao entre si opostos essa oposigdo se encontra em toda a natureza, explicando, assim, os seus contrastes. Os nimeros, dessa forma, so a razao do devir e da harmonia. Por esse motivo, nas coisas, hé um principio de cordem e harmonia Nesse sentido, 0 mundo & um cosmos, onde ha, também, um principio de desarmonia, a matéria Aqui cabe salientar que as leis da natureza podem ser ditas em termos matematicos, dessa forma, 6 adotado um principio de inteligibilidade da ordem da unidade do mundo. Os niimeros constituem a forga geradora da natureza tanto em relagéo ao devir quanto harmonia, em que a harmonia das quantidades, tais como limitade-ilimitado, € a fundamental. Os nimeros constitutivos do cosmos e de sua ordem tém um principio gerador, ou seja, o Um etemo e imutavel. Portanto, dessa maneira, hé um duelismo caracterizado, por um lado, 0 Um. (principio) e, de outro, os niimeros @ as coisas das quais 0s proprios so leis intrinsecas. A unidade compoe- se de antiteses, essas sofrendo as suas mutagées ¢ aquietandose. © cosmos, para Pitégoras, é uno, sem partes, compacto e limitado, Ele ¢ uma esfera vivente dotada de respiracao e, a0 respirar, algo penetra no seu interior, desagregando sua unidade, com isso, origina-se a pluralidade numérica das coisas, em que cada uma ¢ igual & unidade ou a um numero. Nesse sentido, surge 0 conceito do contririo, pois, a0 respirar, © cosmos provoca uma dualidade no conceito de todas as coisas, gerando uma antitese de todos os elementos criados. Porém, hd um vinculo que 05 coordena, isto é, a harmonia e 0s nimeros sto 0s principio de todas as coisas. Sendo assim, o infinito e a verdade sao a esséncia das coisas. Através dos niimeros, Pitagoras explica as realidades ffsicas € as qualidades morais, sendo que os niimeros nao so abstragdes, ¢ sim coisas concretas, Para Pitégoras, 0 mundo conhecido poderia ser explicado @ partir da matematica, pois o mais profundo nivel da realidade é dessa natureza, sendo que todas as relagées poderiam ser reduzidas a relagdes numéricas. 4 Em astronomia, Pitdgoras contribuiu com trés importantes paradigmas: 1° - os planetas, 0 Sol, a Lua e as estrelas se movern em drbitas perfeitas; 2° ~ a velocidade dos astros é uniforme; 3° - a terra encontra-se no centro dos corpos celeste. ‘alma é prisioneira do corpo. Ela, no cosmos, vai tomando distintos corpos em todas as coisas, sendo que a forma mais alta so os astros: a alma é eterna por ser semelhante aos astros ¢ tem com eles sua verdadeira morada. Ela, porsua ver, pode eleger fem que corpo vai encarar, como, por exemplo, 0 compo de um animal, de uma planta, de um homem etc. Por esse motivo, ha um parentesco entre todos os seres vivos. Em se tratando do homem, ele & composto de corpo e alma. As almas sdo particulas depreendicias da pneuma" infinita, elas vagam até se encontrarem nos corpos, nos quais entram por respiracao. A alma & um niimero que move a si mesma. Ela é um principio motor relacionado com a respiracdo césmica, que é, também, um meio de conhecer a harmonia universal, sendo que a misica tem um papel fundamental nisso, pois, através dela, as paixdes se acalmam e se eleva o espirito @ perceber a harmonia em todas as coisas. Nos discfpulos pitagéricos, hé a seguinte divisdo: 1° - acusmaticos ou ouvintes- so aqueles que poderiam ver 0 mestre, porém s6 poderiam escuté-lo, 2° - matematicos- aqueles que poderiam ver o mestre ¢ questioné-lo. Nao se reconhece nenhum livro de autoria de Pitagoras, porém muitas historias séo atributdas ale Ha um grande numero de referéncias a Pitdgoras e seus seguidores. Essas tém trés elementos principais: 1° = duvidosa reputacdo do sébio, tal qual mostra o texto seguinte: Hermipo narra um episédio da vida de Pitagoras. Chegando 2 Ilia, construiu parassi um abrigo subterraneo e pediu & sua mae que anotasse numa plaqueta, ‘com indicagées quanto a0 momento de todas as acoreéncias, e mandasse as notas para seu esconderijo subterraneo até seu reaparecimento, Sua mae Segui suas instrugdes, Passado algum tempo, Pitégoras voltou to magro que parecia um esqueleto, Entretanto, no recinto de assembleia, declarou que estava no Hades ¢ leu " Pheuma: sopro vital, espitito. Prk - Revista do IGHLA para os presentes tudo que ocorrera durante sua auséncia, Os participantes dda assembiéia, perturbadlos com suas palavras, choravam © gemiam, acreditando que Pitigoras fosse uma divindade.” 2° - ensinamentos sobre a psique: dizem que Pitagoras foi o primeiro a revelar que a psique, de acordo com 0 ciclo imposto pelo destino, liga-se ora um ser vivo, ora a outro. Dessa maneira, Pitégoras foi o primeiro sébio a pensar a psique, trazendo-a para o campo da filosofia 3° - impregnacao com o mito de Orfeu: os pitagdricos, disse Aristéxeno, recorriam 3 medicina para purificar © corpo e a misica para purificar a psique. Nesse sentido, mtisica, para Pitégoras, é sinonimo de harmonia ¢ esti relacionada ao mito de Orfeu. Este era um poeta, casado com Euridice, Fle 6 atacado por um cidadao, mas quem morre é ela, Orfeu, inconformado toca sua lira, a qual tem um poder formidével. Com isso, ele vai ao mundo dos mortos € consegue encontrar os deuses dos mortos, fazenda com que Eutfdice o acompanhe. Porém, embora ele tenha conseguido esse feito, isso tem uma restricao: ele nao pode olhar para Furidice, ‘Ao fazer isso, quando volta para a terra, Orfeu nao quer saber de nenhuma mulher. As memphis nao suportam ser descartaclas ¢ cortam a cabeca de Orfeu, porém sua boca continua cantando, Desse modo, Pitégoras era impregnado pelo mito de Orfew no sentido de afirmar que a preocupacao com a morte & um cegar para o poder pensar e como também acreditar que ha uma negacio do olhar para se filosofar. Nesse sentido, Pitégoras fala em uma vida incluida na morte, sendo que, no momento em que © sopro acaba, acaba tudo, Assim, ele tem uma indignacao em relacio ao pensamento mitico, criticando os poetas miticos, punindo-os no mundo dos mortos: comenta-se que Pitégoras, descendo ao Hades, viu a psique de Hesiodo presa a uma coluna de bronze, gritando, ¢ a de Homero pendente de uma arvore cercada de serpentes, pelo que esses poetas haviam dito dos deuses, @ viu punidos, também, aqueles que nao queriam se unir as suas mulheres. Assim, Pitégoras & contra 0 pensamento Tradugio do Prof, Dr, Donaldo Scher mitico dentro de uma linguagem metaférica, mas ele nao € contra a poesia, pois esta tem um cardter matematico, ela & calculdvel. Nesse sentido, esté claro que 0 éxito de Pitégoras nao foi o de um simples mago ou ocultista que s6 chamavaa atengao de pessoas inseguras, mas ele poderia ter sido alguém que possufa um poder psfquico ndo muito comum, Dessa maneira, ele foi comparado com diversos personagens visionérios da idade arcaica tardia, tais como Aristeas, Abaris ¢ Epiménides, a quem se acreditava possuidor de um numero de fatos espirituais que incluiam profecias, exibicies de poder sobre o mal, apari¢des misteriosas. Muitas dessas afirmagdes se devem ao fato de que Pitégoras acreditava que todos os conhecimentos que os sgregos possufam nada mais eram do que fragmentos da grande sabedoria que se encontrava nos templos egipcios. Com isso, a fim de saber mais acerca dos mistérios da vida e do universo, eranecessério quese deslocasse para 0 Oriente, aos lugares em que esses conhecimentos ainda permaneciam vivos. Assim, escolhendo Esparta como partida, Pitégoras inicia uma grande viagem através das maiores cidades e dos templos do mundo antigo, a qual se prolongou por 40 anos. Nessa viagem, ele encontrou com as maiores personalidades do seu tempo. Em Mileto, encontrou Tales e Anaximandro, Em Sais, encontrou © faraé Amasis, que, reconhecendo as suas enormes capacidades, permitiu a sua admissio nos templos iniciaticos do Egito, onde, levando uma carta de Policrates, que o recomendava a Amasis, aprendeu a lingua egipcia e, também, esteve entre os caldeus € 05 magos. Posteriotmente, enquanto visitava Creta, penetrou na caverna do Ida com Epimenides, mas, ainda no Egito, entrara nos santudrios & aprendera os ensinamentos secretos da teologia egipcia. Logo, foi no Egito, onde permaneceu em tomo de vinte e cinco anos, que o filésofo de Samos extraiu os conhecimentos que fundamentariam seu ensinamento futuro. Existem ainda indicios de que teria sido discfpulo de Zoroastro. Contudo, uma coisa parece evidente: ele estudou com os maiores mestres daquela época Varios autores expdem maximas como partes da doutrina de Pitégoras. Nao ha davida de que essas foram transmitidas verbalmente. Aos iniciados, Pitsgoras exigia, provavelmente, que de Ciéneies Humanas, Letras e Arcee as_memorizassem. Portanto, podese, em certo sentido, mas nao com certeza, ter certo crédito nos escritos atribuidos a Pitégoras. Dentro dos ensinamentos aos seus seguidores, podemos citar as regras da abstinéncia. Algumas dessas regras parecem precaugdes rituais prescritas aos iniciados; seus preceitos eram os seguintes: nao aticar o fogo com a faca, nao forcar a balanga, nao sentar sobre a medida de graos, ndo comer coracao de passaro, ajudar a depor a carga e nao agravé-la, ter sempre as cobertas enroladas juntas, nao pdr a imagem de um deus na placa de um anel, nao deixar a marca das panelas nas cinzas, nao esfregar um vaso com uma tocha, nao urinar voltado para o sol, ndo caminhar por fora das estradas, néo apertar maos com facilidade, nao ter andorinhas sob o préprio teto, nao criar animais com artelhos aduncos, nao urinar nem pisar sobre unhas cabelos cottados, nao volar na fronteira quando sair da patria. € plausivel afirmar que Pitégoras jamais teve a intencao de ser interpretado na integra. Esses dados refletem a5 preacupacées pitagéricas que, possivelmente, dizem que as méximas assim expostas tém, em sua corigem, um sentido mais amplo, tal como informa Didgenes Laércio: [Ll com 0 preceito ngo aticar 0 Fogo. ‘Com uma faca, Pitégoras queria dizer do se deve’ provocar 2 ira ou 0 corgulho inflade dos poderosos; com nao forgar_a balanga, nao atentar Contra a eqiidade e a justisa; com nao. sentar sobre a medida de gros, cuidar também do futuro, pois a medida de rds raga0 para um dia; com nao. comer o coragio de pissaro, queria significar nao consumir a psique com aligées © penas; com nao voltat na fronteira quando sair da patria, advertia todos os que partem da Vida, a nao se deixarem deter pelo desejo de viver nem se deixarem atrair pelos prazeres desta vida. Paderiamos explicar também os outros preceltos, mas isto ros levaria muito longe. ‘Alem das regras acima citadas, pode-se-constatar que, nas informages que foram repassadas sobre 0 ensinamento de Pitégoras, ha muita coisa que foi divulgada e que nao era dele. Um exemplo se pode constatar na seguinte passagem de Xendfanes: 6 [J agora passo a outro tema e mostrarei o caminho. [..J Dizem que, ‘30 passar em uma ocasiao junto a um ‘cachorro que estava sendo espancado, sentiv compaixio e disse: - Para, pois 2 psique que reconheci ouvindo-the a vyoz éa de um amigo.” Porém, nesse texto, nao é citado o nome de Pitagoras, sendo que a observacao de Xendfanes pode ter sido criada por ele pelo fato de Pitégoras ser um transmigracionista. Por esse motivo, é apenas provavel 0 fato de que Pitégoras acreditava em ma reencamagio, fazendo, assim, surgir amplas interpretagdes e criagdes a respeito da sua doutrina, Pitégoras dividia em duas modalidades os tipos de alunos que ele tinha: alguns de seus seguidores recebiam 0 titulo de matematicos, outros eram conhecidos como ouvintes (acusmaticos). Os matematicos, depois de assimilarem o discurso do saber, aprofundavam os estudos em busca de rigor, Os acusméticos contentavam-se com sintese de assuntos tratados, desinteressados de exposicées avangadas. Dentro desse contexto, uma das inferéncias que se pode fazer quanto questao da divulgagao do pensamento pitagorico é a de que ela seria feita por acusméticos, ou seja, ouvintes que nao tinham o direito de fazer perguntas ao mestre que o entendiam na integra sem uma preocupacao maior com a interpretagao daquilo que eles ouviam. Logo, os acusmaticos eram pessoas que s6 ouviam, mas nao questionavam, porque isso era atribuldo aos matematicos, Outro aspecto a merecer atencao: eram muitas pessoas que ouviam as prelegdes de Pitagoras. Segundo Didgenes Laércio, embora isso possa parecer exagero, nio menos de 600 pessoas participavam e escreviam a seus familiares contando © que ouviram. Entéo, isso jé se configura em um dado bastante relevante, para considerar que muitas dessas pessoas poderiam ter se equivocado quanto Aquilo que ouviram, como também poderiam ter aumentado, nas cartas a seus familiares, aquilo que presenciaram Pitdgoras foi um cientista e um filésofo antes de ser um mistico. Ele fundou uma escola filoséfica e nela eram desenvolvidos temas importantes para ® Texto apresentado pelo prof. Dr. Donaldo Schiler em sala de aula - PUCIRS, Prk - Revista do IGHLA a humanidade como: 12- a realidade & matemética dda natureza em seus nivels mais profundos; 2°. a filosofia pode ser utilizada para _purificagao spiritual; 3°-colocagao do problema entre unidade ©-a multiplicidade; 4°- conceito de cosmos; 5° conceito de Psique; 6°- teoria heliocéntrica; 7. pensamento como iluminagio do homem; {8° misica como harmonia para o pensar; 99. respeito as mulheres; 10° eriador da palavra filésofo, Em suma, Pitégoras nao poderia ser classificado apenas como mistico ¢ nao como sdbio. Acima de tudo, ele foi um filbsofo e isso fica evidente quando sdo mostrados 05 temas relevantes sobre os quais ele refletiu Na sucessdo dos filésofos, Sosferates diz que Pitégoras, quando Leon, tirano de Flids, the perguntou quem era ele, respondeu: ‘um fildsofo’. E comparava a vida 20 aglomerado humano nos jogos: uns correm para competir, outros para comercializar, os melhores vém, entretanto, para ‘observar, assim é na vida, uns se comportam como escravos, so os cacadores de gléria e luxo; os filésofos, ao contrario, procuram a verdade Logo, alguém que procura a verdade como um filésofo nao pode ser considerado como um mistico em detrimento do sabio, como também alguém que faz apologia a matematicas como sindnimo de perfeicdo nao deviria ser designado somente mistico. ‘Ademais, a sua doutrina do ntimero que concebe este como a arché, 0 principio de todo 0 presente € de tudo o que é pensivel, do niimero entendido qualitativa e ontologicamente, dos tetraktys, isto é a série numérica 1 +2 + 3 + 4, cuja soma é igual a 10, tomando isso como parametro em relacio 0s principios dos opostos, incluindo os corpos celestes, do. movimento dos planetas e das estrelas, produzindo uma miisica celestial; isso tudo nao pode ser resumido ao nivel somente do mistico. 1.6 PARMENIDES DE ELEIA Parménides nasceu na cidade de Eleia, colénia grega fundada pelos foceus e situada ao sul da peninsula itélica, provavelmente, entre os anos de 515 ~ 510 a.C;; 0 filésofo teria sido médico, ‘Achados arqueolégicos em Vélia, nome dado a Eleia no perfodo romano e conservado até hoje, comprovariam a meméria a Parménides no periodo romano de uma escola de medicina local Conforme testemunho de Plato, Sécrates teria conhecido pessoalmente Parménides: “Na verdade, encontrei-me com o homem quando eu era muito novo e ele muito velho, e pareceusme que tinha a profundidade de uma grande raga’."* Ainda conforme referido testemunho, Sécrates teria afirmado que, provavelmente “nao compreendamos suas palavras © que em muito nos ultrapasse 0 que pensava’.”” O mesmo testemunho é encontrado em outro didlogo de Platao, intitulado Parménides: *Sécrates nessa época era bastante jovem".'* Conforme testemunhos antigos, Parménides teria elaborado quatro considerdveis avancos cientificos na época: a) a terra € dividida em cinco zonas delimitadas pelos dois trépicos e pelos circulos Artico e Antartico; b) a terra é esférica; ¢) a lua recebe sua luz do sol; d} a estrela vespertina ea matutina seriam o mesmo planeta, {Além disso, os sistemas filosoticos e cienttficos que postulam principios de conservagio (de substincia, matéria, matéria-energia) so herdeiros do principio de deducao postulado por Parménides, Cujo pensamento foi conservado num tinico poema, “Sobre a Natureza’, ao qual nao temos acesso em sua forma integral, mas apenas aos 160. versos conservados por seus comentadores. Originalmente, © poema seria, provavelmente, dividido em duas partes: a primeira trata do Ser e a segunda, da fisica ou sistema do mundo. Nesse poema filoséfico, a nfase recai sobre os problemas relacionados a0 “Ser” e aos principios do conhecimento verdadero. Nele, Parménides faz uma distingao entre a verdade {aletheia) e aparéncia (doxa). A razao, pela primeira vez denominada Logos, conduzir-nos-ia a verdade, enquanto os dados obtidos pelos sentidos, & aparencia. Essas s80 as duas vias do Ser; a do nao- Ser seria uma terceira, mas & inacessivel, diré a deusa Pois nunca & forga seri mantida a demonstragao de que existe o que nao 46, mas deves afastar teu pensamento desta via de investigacio, endo permitir que o habito, Filho da muta experiéncia, te obrigue a seguir este ‘caminho, a0 fazer com que uses um \Teeteto, 183 e— 184a, © Parménides, 127 ¢ a7 de Ciéneies Humanas, Letras e Artes olhar que para nada se dirige ou um ouvido e uma lingua cheia de sons & signticados: julga com a razao a prova muito contestada, a que me refer.” ‘A deusa que dita a Parménides as palavras de Sabedoria o esclarece: Ll te direi os dnicos caminhos da investigagao em que importa pensar. Um, que é © que & impossivel nao ser, é a via da Persuasio (por ser companheira da verdade}; 0 outro, que no & e que forgoso se toma que nao. exista, esse te declaro eu que é uma vereda totalmente indiscernivel, pois rio paderds conhecer 0 que nio é — tal ndo é possivel - nem exprimi-lo por palaveas."" 1,7 ZENAO DE ELEIA Discipulo mais conhecido de Parménides, Zenao também nasceu em Eleia, provavelmente por volta de 489 a.C. De sua vida sabe-se pouguissimo: que seu pai seria Teleutdgoras, que teria passado toda a sua vida na sua cidade natal; teria participado de uma conspiracao contra um tirano; ficou conhecido pela coragem com a qual foi submetido a torturas, fruto dessa conspiracao; desprezava Atenas ¢ teria escrito um dnico livro. € conhecido, sobretudo, por seus intricados argumentos sobre 0 paradoxo do movimento, melhor: sobre a sua ilusao. £ possivel relacionar os problemas elaborados por Zenao em defesa das teses de Parménides: La]. esses eseritosprestam uma asistencia a0 argumento. de Parménides contra os que tentam caricaturélo, , se © um 6, resulta para o argumento ser afetado por coisas miltiplaseridiculas, ‘emesmo cantrarioe ele proprio. Assim sendo, esse escrito contesta os que dizem 0 miltiplo, e thes devolve na mesma maeda, com juros, ‘a0 querer demonstar que a hipatese: deles, de que ha maltiplas coisas, seria _afetada por coisas ainda mais KR, § 294, WR, § 291 8 Fidiculas do que de que um 6, se elas fossem desenvolvidas suficientemente.”” Varias referéncias sobre Zendo se encontram na obra de Plato. Aqui, destacamos uma, quando Sécrates teria afirmado, comparando Zenao ao lendario inventor da aritmética: “Nao sabemos que © Palamedes elestico falava com tanta arte que a mesma coisa parecia aos seus ouvidos semelhantes @ dessemelhantes, unidade e diversidade, imével e em movimento” Também pela doxogratia platonica sabe-se, resumidamente, do tema do Unico tratado que teria sido escrito por Zenao (embora, provavelmente, 0 encontro com Sécrates nunca tivesse efetivamente ocortido): = que queres dizer com isso, Zendo? Que, se os seres so mUltiplos, entao & necessirio que eles sejam tanto semelhantes quanto dessemelhantes, mas que isso & imposstvel, pois nem a coisas dessemelhantes podem ser semelhantes nem as. semelhantes dessemelhantes? Nao é isso que queres dizer? ~ £ isso mesmo, disse Zenio, = Fntao, se 6 impossivel as. coisas dessemelhantes serem semelhantes, & também impossivel haver maltiplas coisas, néo é Pols, se houvesse miaitiplas coisas, seriam afetadas pelo {que é impossivel. Sera isso que querem dizer teus arguments: no outra coisa senio sustentar decididamente, contra tudo 0 que se afirma, que nao hi miitiplas coisas? F disso mesmo certs ser prova para ti cada um dos argumentos, de sorte que também acreditas apresentar tantas_provas de nao ha maltiplas coisas quantos fargumentos escreveste? isso. que {queres dizer, ou ndo estou entendendo diteito? — Ao contario, disse Zenao, compreendeste muito bem 0 que, no todo, 0 escrito visa?" Conforme estudiosos, a Parménides e a Zenao caberia a inspiracao do método utilizado por Sécrates, 0 elenchus,”” oriundo da dialética, jn: Platao, Parménides, 128 ¢ - 2 Fedro, 261 d 2 Parménides, 127 d ~ 1282. 7 O termo significa, em linhas gerais: questionar © que Prk - Revista do IGHLA Inicialmente, dialética estava vinculada a politica Sua aplicagao. visava ao propésito de vencer a disputas publicas e derrotar publicamente 0 adversério. A dialética atingiu a maturidade com os sofistas, flésofos itinerantes ¢ livres, sobretudo, com a antiologia, um recurso discursivo que sustenta simultaneamente teses opostas ensinadas aqueles que procuravam destaque no espaco piiblico e que precisavam, portanto, combater as oposigdes dos adversirios e derroté-los. Cabe ressaltarque, paraumantigo, ahumilhacao imposta pela derrota numa disputa publica era um fato insuportavel. € possivel, sobretudo pelo respeito devotado & memoria devida a ambos, que Parménides e Zendo nunca tenham sido derrotados numa discussao piblica, num Agon. Giorgio Colli explica que 0 perfeito dialético se encarma no interrogante: ele coloca as perguntas, dirige a discussdo dissimulando armadilhas fatais para o adversario, através de longos rodeios argumentativos, solicitacdes de anuéncias sobre questdes Gbvias e aparentemente inofensivas, que acabardo se revelando essenciais para 0 desenvolvimento da refutagao. Com Zenio, a dialética tomouse um forganon, um insttumento da raz3o, um método do pensamento, uma arte que consiste em confrontacies de teses constituidas por intermédio de perguntas © respostas, procurando entre elas cconiradigoes que minam os argumentos falaciosos, ou seja, argumentos que nao resistam a refutacio , por consequéncia, sejam comprovadamente nio verdadeiros ou inconsistentes. Portanto, a dialética deixou de ser uma técnica meramente politica, para se tornar uma teoria geral do Logos. Ante 0s argumentos zenonianos, toda crenga ¢ conviccdo, religiosa ou cientifica, e toda racionalidade construtiva. mostram-se_ilusérias & inconsistentes qualquer objeto, sensivel ou abstrato, expresso © outro afirma com vista a por & prova ou examinar a forca ou credibilidade do que o outro diz ou afirma, Em Sécrates, a elenchus tinha, quase sempre, a intengao de demonstrat as confusées, contradigées e outros deteitos nas posigbes de seus oponentes. Em Socrates, portanto, 0 termo veio a significar a refutacao de alguma concepea0 ou tese. ® COLL, Giorgio. © Nascimento da Filosofia, 3 ed. Campinas: Fditora da Unicamp, 1996, p. 68. em um juizo, pode ser demonstrado contraditério, como ser e nao ser, a0 mesmo tempo possivel e nao possivel. Esse resultado, a cada etapa obtida por meio de rigorosa argumentacdo, demonstra 2 fragilidade e até mesmo a possibilidade de ser pensével o objeto Por consequéncia, em sua dialética, Zendo procurou demonstrar 0 ilusério do mundo capturado pelos sentidos e impor um novo olhar sobre as coisas que percebemos pelos hnossos.sentidos, demonstrando que o mundo sensivel & mera aparéncia. Em outras palavras, 0 movimento percebido pelos sentidos nao pode ser compreendido senao pela razéo; caso contrario, envolve contradigées que levam a conclusées absurdas, resultando em aporia, ou seja, dificuldade de raciocinio € de argumentagao que desemboca num *beco sem saida’ Outra divida da filosofia posterior a Parménides este fundamentou as bases do conceito Ontologia Essa palavra foi elaborada por Jacobus Thomasius, filésofo alemao do século XVII, e sistematizada por outro filésofo alemao, Christian Wolff. A palavra € composta: onto, derivada do participio dn-dntos existir - e logia, discurso. Nas palavras de Willard van Ormam Quine, o conceito de Ontologia poderia receber uma formula¢ao em trés monossilabicos, resumidos @ pergunta: “O que hat". Em outras palavras, a Ontologia é um discurso conceitual que visa compreensio do que existe na totalidade, tanto as caracteristicas do que existe quanto as causas € 0s principios da existéncia do todo. ‘A Ontologia, conforme célebre formulagao de Aristoteles, seria 0 nsicleo duro, o ceme da Filosofia, © problema por exceléncia: Existe uma ciéncia que considera 0 ser enquanto ser e as propriedades que lhe competem enquanto tal Fla nao se identifica com nenhuma das ciéncias particulares: de fato, rnenhuma das outrasciéncias considera Universalmente 0 ser enquanto ser, mas, delimitando uma parte dele, cada luma estuda as caractersticas “dessa parte.” SRYLE, Gylbert et al. Ensaios. S20 Paulo: Abril Cultural, 1985, p. 217, ® Metafisica, 1V, 1, 1003a, 39 de Ciéneies Humanas, Letras e Arcee Com Parménides ¢ Zenao, 0 sentido do mundo seria estabelecido como uma ordem de conceitos conforme a razao: “pois o mesmo & pensar ser”. Tal sentenga parmenidiana é 0 fundamento do primeiro principio para 0 conhecimento, pois implica uma légica da nao contradigao, © prineipio do terceiro excluido: 0 que pode ser pensado nao pode, simultaneamente, nao ser pensado e, inversamente, © nao pensado néo pode ser pensado; em outras palavras: nao pode ser objeto de pensamento. £ na razao que se concebe ¢ se resolve o discernimento sobre as questées do vira-ser Em Parménides, se alguma coisa existe e 6, nao pode nascer ou perecer, transformar-se ou mover-se e nem estar sujeita ds imperieicdes; essa ideia foi magistralmente resumida a uma célebre formulaca0 escolastica: “ex nihilo nihil fiat” [do nada se faz]. A mudanga, ou movimento, ao contrario, é 0 que nao 6, porquanto, na mudanga, o que € deixa de ser, 0 que era j4 ndo 6, deixou de ser e o que serd nao serd © que ¢ atualmente. Na mudanca, ou movimento, nao hé permanéncia e 0 viraser néo pode ser adequadamente compreendido pelos sentidos. Pode-se apenas compreender a mudanga, se ha algo que nela permaneca e nos permita conhecer algo como tal. Para Parménides, 0 movimento percepcionado ¢, portanto, mera aparéncia, um aspecto superficial da realidade. Portanto, para Zeno e Parménides, assim como para Herdclito, os sentidos nao constituem instrumentos adequados para 0 conhecimento verdadeiro, e 2 mera opinio nao pode sero critério para a verdade, porquanto estritamente vinculada as percepcdes individuais, Essa tese foi magistralmente exposta por Platio, no didlogo Teeteto: “sea verdade 6 para cada um que opina através da percepcao e ninguém pode julgar a experiéncia de outro melhor que ele, ninguém ser melhor a examinar a opiniéo de um outro, se é correta ou ‘alsa’. Consequentemente, 0 acesso & verdade deve ser procurado numa instancia distinta aos sentidos, Devese ressaltar que Parménides, conforme Aristoteles, teria sido “forcado a levar em conta os fendmenos” e supds que “o um é conforme a razao, enquanto 0 miitiplo é conforme os sentidos caracteristica implica uma hierarquia necess Teeteto, 161 d Metafsica, I, 5, 986 b. 40 na ordem do conhecimento, na qual a razio tem precedéncia sobre os sentidos, Aexperiéncia do movimento &, dentre os dados da sensibilidade, um dos fendmenos mais imediatos € universais quanto ao nosso contato com o mundo efetivo, Os argumentos mais conhecidos de Zendo, preservados, mas reformulados por Aristételes, so aqueles que problematizam 0 conceito de movimento. Cabe ressaltar que 0 fil6sofo de Eleia nao negou a percepgao que temos do movimento, do miltiplo e da variacao. Seu objetivo foi submeter os dados oriundos dos sentidos as exigéncias légicas da razdo, demonstrando que a experiéncia do movimento e da multiplicidade, obtidos pelos sentidos, 6 aos “olhos da razio", irracional e absurda. Em outras palavras, 0s argumentos propostos por Zenao afrontam o senso. comum (doxa), pois procuram defendera tese da imobilidade do ser do ente, A argumentacao contra as teses da pluralidade feita pelo Eleata foi importante porquanto, no seu tempo, surgiram nao apenas as Concepcées de movimento e de infinito (apeiron), como a concepcao pluralista do real. Zenao vai criticar 0 pluralismo levando os argumentos deste as ultimas consequéncias e demonstrando logicamente os absurdos contidos nas teses sobre as quais se fundamentava a defesa da multiplicidade e do movimento: “Se a pluralidade existe, as coisas serio igualmente grandes ¢ pequenas; tio grandes que serao infinitas em tamanho, to pequenas que rndo terdo qualquer tamanho".* Nessa passagem, coisas devem ser entendidas como conjuntos de unidades, ou seja, de compisculos. Se os corplisculos no tém dimensio, as coisas, por consequéncia, deverdo ser iguais a zero, isto 6, inexistentes - 0 que constitui um absurdo. Se os corpiisculos, que serdo infinitos em cada coisa, tém dimensio, entdo, nesse caso, cada coisa sera infinita. Ora, se existe um conjunto de coisas em que cada uma é infinita, encontramos © absurdo ao contemplar um mundo cheio de infinitos. Ao que parece, esse argumento poderia ser confirmado por outro fragmento considerado pelos estudiosos contemporaneos, inquestionavelmente, auténtico e que chegou a nés intacto: “Se ha muitas coisas, sao ilimitadas as coisas que existentes; pois ha sempre outras entre as coisas que existem, ¢ de Fre BT Prk - Revista do IGHLA novo outras no meio delas. E assim as coisas que cexistem sio ilimitacas’.” Resumindo, parece que 0s argumentos de Zeno contra a pluralidade se deduzem, sistematicamente, das premissas que afirmam a pluralidade das coisas: (A) se hd muitas coisas, fessas devem ser grandes e pequenas (pequenas 0 bastante para nao terem tamanhos e tao grandes ‘como para serem infinitas). Quanto a esse ponto, caberia destacar um subargumento, que emprega 0 principio de “dicotomia", ou divisao: tudo aquilo que possui tamanho pode ser dividido em duas coisas, em trés, quatro etc., num processo infinito; €.a reducdo ao infinito é logicamente absurda - em outras palavras: a unidade nao possui “grandeza”; (8) se existe pluralidade, o total das coisas deve ser, ‘a0 mesmo tempo, finito ¢ infinito em neimero: finito porque pluralidade implica um niimero definido , portanto, finito; infinito porque duas ou mais coisas requerem limites ou, generalizando, marcas distintivas: com isso, iniciamos outro argumento de progressao e regressao ao infinito ~ também um absurdo l6gico; (C) se hé muitas coisas, deve ser simultaneamente semelhantes © dessemelhantes, Mas esse & um argumento suscitado por Platao fe desenvolvido, sobretudo, no seu didlogo Parménides: 1.8 EMPEDOCLES Empédocles fi filésofo, médico e poeta, nasceu em Agrigento, Sua filosofia recebeu influencias da teoria pitagorica quando: 1 ele admite uma inteligencia divina difundindo uma alma universal no cosmos; 2 concede uma importancia considerdvel a unidade, essa vista como o principio primeiro das coisas e como algo que contém os quatro elementos materiais delas; 3. cré na importancia das formas simbélicas & faz uso de termos mitol6gicos, tais como: Edoneu (Hades), que significa Terra; Nests, a agua; Hera, 0 are Zeus, 0 fogo, m telacéo a physis, Empédocles pode ser classificado, grosso modo, elementar, porquanto atribui a ela quatro elementos constituidores das coisas: terra, Agua, are fogo. Igualmente a Heraclito, Empédocles concedia a este iltimo elemento um "KR, § 315, papel fundamental em relagio & constituigao das coisas. A linguagem simbélica e a forma poética que Empédocles utilizou ndo permitem discemir quais eram as suas reais opinides; por um lado, ele fala dos quatro elementos, atribuindo-thes uma pluralidade de substancias; por outro lado, ele se refere a uma unidade superior que absorve todas as coisas. Porém, conforme as afirmagées mais cortentes, 0 fildsofo de Agrigento tem como fundo essencial de sua teoria a constatacao de que os quatro elementos sto substancias de todas as coisas, inclusive nao s6 dos compos, mas também dos espiritos, isto é, da alma humana. Empédocles ndo pode ser considerado um materialista, porquanto a forga e a matéria, para ele, sao separadas. A forca é dividida em dois aspectos: o amor e 0 ddio. Esses sdo encarregados da formagao e da destruicao do mundo, sendo relacionados a repulsao e a atracao. Essas forgas sdo independentes da matéria. Dessa forma, quando o amor reina, tudo fica em harmonia, em contrapartida, se for 0 ddio, tudo se dissipa, CONSIDERACOES FINAIS Em resumo, pode-se, _panoramicamente, afirmar que, se for considerada a procura do Ser pela busca das caracteristicas universais das coisas, pelos principios primeiros, 0s pré-socraticos, embora realcando aspectos sobre a physis, fizeram algo semelhante, Se assim 0 for, embora sob controvérsias, os pré-socraticos, ou fisicos, foram os primeiros metafisicos de que se tem conhecimento na histéria da filosofia. E Pitégoras, por exemplo, tal como Parménides, influenciou fundamentalmente as teses sobre 0 Ser da tradigao. Quando os pré-soctaticos chegam & conclusio da existéncia de uma unidade no mundo, embora a referencia seja sobre aspectos relacionados & fisica, é de se pressupor que eles tém certa nogao de universalidade — fato que, em tiltima analise, caracteriza a concepgdo de Ser na tradigio, porquanto, em ampla medida, o que mais é enfatizado em tal ideia & a resolugdo da questao da multiplicidade e da unidade. Portanto, tomando como pardmetro a solucao do problema do miltiplo e do uno relacionado a ideia do Ser, constata- se que 0s présocriticos tinham tal preocupacao e, conforme cada concepcao de qualquer deles, @ unidade era alcancada, Outro argumento para 4“ de Ciéneies Humanas, Letras e Arcee demonstrar a nogio de Ser presente na filosofia pré- socratica incide no fato de que a physis nao se pode traduzir conforme elementos materiais, mas, acima de tudo, ela se encontra no ambito do inteligivel Aspecto diametricamente oposto aos parametros da fisica moderna, levando em consideragéo, dentre outras coisas, que a nogao de physis nao era algo quantitativo. Nesses termos, pode-se notar isso quando, por exemplo, Tales afirma o que é ¢ 0 que existe sendo a gua; Anaximenes diz ser o ar; Anaximandro, o indefinido, © apeiron; Pitégoras, os ntimeros; Empédocles, os quatro ‘elementos, Herdclito, por sua vez, afirma que a arché é de natureza ignea, o fogo, que representa o devir, a transformacao. Portanto, nao. somente Zendo e Parménides, 0 descobridor do principio da identidade, que diz: 0 Ser 6; 0 Ser é uno, imutivel, infinito e imével, nao € 0 nico responsavel pela tentativa de solucao para 0 problema do maltiplo e do uno, caracterizando, dessa forma, que os pr& socriticos também tinham uma visio de unidade © universalidade, fato que, em ampla medida, apontava para a nocdo de Ser. Nesse sentido, também, os pré-socraticos concedem primazia a0 inteligivel, que & aquele do pensamento, como © caso, por exemplo, de Pitégoras, sendo que a matemitica, juntamente com suas abstragées, tinha prioridade em sua teoria REFERENCIAS ARISTOTELES. Coleco Os Pensadores, primeira edic¢do. Sao Paulo: Editora Abril, 1973. BLANC, Blanc. Introdugao 4 Ontologia. Lisboa: Instituto Piaget, 1997. 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