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Que filosofia da história tem o leitor? Acredita que os acontecimentos históricos são
principalmente uma questão de acaso, meros acidentes sem um tema de ligação
entre todos eles? Ou acredita que as modificações históricas são devidas ao poder
das idéias? Ou acredita que os movimentos históricos podem ser atribuídos às
influências dos grandes homens? Se o leitor acredita em qualquer dessas filosofias,
não é um marxista. A escola de historiadores que tem em Marx seu fundador e mais
brilhante expoente explica os movimentos, as modificações ocorridas na sociedade,
como resultado – conseqüência – das forças econômicas da sociedade.
(HUBERMAN, 2013, p. 179)
O livro História da Riqueza do Homem foi publicado pela primeira vez em 1936,
mesmo ano de publicação, como artigo de periódico, de “A Miséria do Historicismo”, de
Karl Popper (1902-1994). Popper é, sem dúvida, um dos maiores filósofos da ciência do
século XX, e estabeleceu critérios lógicos e rigorosos para discernir o conhecimento
científico do não científico. Em seus escritos, aponta o caráter essencialmente anti-racional e
totalitário do materialismo histórico-dialético de Marx. Juntamente com “A Sociedade Aberta
e Seus Inimigos”, de 1945, “A Miséria do Historicismo”, feita livro somente em 1957, põem
em xeque o estatuto até então científico do marxismo, juntamente com o hegelianismo, a
psicanálise e a astrologia. Talvez se Huberman tivesse conhecido Popper antes, ou estudado
mais a fundo a natureza da ciência, não depositaria sua tão saliente fé na teoria histórica
marxista.
A argumentação de Popper se baseia em diversos pontos, que não serão todos
abordados aqui. Dois deles, porém, devem ilustrar bem a gravidade das objeções
popperianas:
1. Sabemos com certeza, a partir do que a história mostra, que a evolução histórica é
direta e fortemente afetada pelo aumento do conhecimento humano (exemplo: a
Revolução Industrial, possibilitada pela invenção da máquina à vapor de James Watt);
é evidente também que não há como prever de que modo o progresso do
conhecimento humano se dará no futuro; portanto, não há maneira possível de se
prever o curso da história.
2. Nenhum fenômeno, ou conjunto de fenômenos singulares, podem ser base para o
estabelecimento de leis universais. Logo, nenhuma situação histórica de determinada
época e lugar, ou conjunto de situações de épocas e lugares considerados podem ser
evidência de leis universais da história.
Mas de que concorrência fala o autor? Ao que a sequência do texto indica, essa
concorrência seria a mesma do “comércio livre” inglês, do liberalismo clássico de Adam
Smith. Mas como poderia o monopólio ser fruto do protecionismo e dos “muros tarifários”
das nações (como o próprio autor afirma dois parágrafos antes da passagem acima) e ao
mesmo tempo da concorrência livre decorrente do comércio livre? Não é possível.
Logo, ou o protecionismo, que é oposto ao livre comércio, possibilitou o crescimento
e consolidação dos monopólios, ou a livre concorrência o fez, enquanto o protecionismo só
poderia ser um empecilho a esse processo, já que é oposto àquela. A primeira opção é
certamente a mais verossímil. Assim, a livre concorrência, que só é possível com o livre
comércio, não poderia ser causa dos monopólios.
Novamente podemos recorrer à Escola Austríaca de Economia. Para entender o como
o monopólio não poderia ser fruto da livre concorrência, tomemos um trecho do livro de
Ludwig von Mises “Liberalismo - Segundo a Tradição Clássica” onde se apresenta essa
explicação:
Assim, vemos que embora dentro do capitalismo tenham surgido de fato os diversos
monopólios como os descritos em “História da Riqueza do Homem”, a ideia de que uma
concorrência plenamente livre traz em si as sementes do monopólio é bastante insustentável.
Mises não foi o único a contestar essa posição e, pelo exposto aqui, fica claro o porquê.
O livro de Leo Huberman possui uma enorme riqueza de detalhes e excelentes
elementos narrativos da história econômica da Europa e da civilização ocidental pós
Antiguidade. Mesmo com as falhas interpretativas que foram comentadas ao longo desta
resenha, que não são as únicas possíveis, o livro tem um grande valor documental. A
experiência de sua leitura é altamente enriquecedora e formadora do imaginário histórico de
qualquer pessoa.
REFERÊNCIAS
BÖHM-BAWERK, Eugen von. A teoria da exploração do socialismo-comunismo. Trad.
Lya Luft. 2. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. 205 p.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Trad. Waltensir Dutra. 22. ed. rev. e
ampl. - [Reimpr.]. - Rio de Janeiro: LTC, 2013.
MISES, Ludwig von. Liberalismo – Segundo a Tradição Clássica. Trad. Haydn Coutinho
Pimenta. 2. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. 125 p.
POPPER, Karl R. A Lógica da Pesquisa Científica. Trad. Leonidas Hegenberg; Octanny
Silveira da Mota. 16. ed. São Paulo: Cultrix, 2008.
______ ; A Miséria do Historicismo. Trad. Leonidas Hegenberg; Octanny Silveira da Mota.
São Paulo: Cultrix, 1980.
______ ; A sociedade aberta e seus inimigos. Trad. Milton Amado. Belo Horizonte: Ed.
Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1974. 2v. (Espírito do nosso tempo,
1-1A)
SILVEIRA, Fernando L. da. A filosofia da ciência de Karl Popper: o Racionalismo Crítico.
Caderno Catarinense de Ensino de Física, Florianópolis, vol. 13, n. 3, p. 197-218, dez.
1996.