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Resenha crítica - Livro: A História da Riqueza do Homem (Leo Huberman)

Autor: Eduardo F. Dias – discente de Física da Universidade Federal da Fronteira


Sul (UFFS)
Ano: 2023

RIQUEZA HISTÓRICA E FALHAS INTERPRETATIVAS - A OBRA PRIMA DE


LEO HUBERMAN

Leo Huberman foi um jornalista e escritor norte-americano nascido em 1903, em


Newark (EUA) e falecido em 1968, em Paris. Sua obra mais conhecida se chama História da
Riqueza do Homem, publicada em 1936 e reeditada diversas vezes. No livro, Huberman
descreve as condições econômicas e sociais do mundo ocidental, desde o Feudalismo até o
começo do século XX, partindo da Europa até suas colônias.
Não faltam fontes e textos primários para ilustrar a história na qual o autor percorre
vários séculos. O texto está repleto de documentos, cartas e escritos do passado que
corroboram a narrativa dinâmica do livro. Os fatos são demonstrados e comentados pelo
autor de forma concisa e crítica, mostrando sempre o espírito de cada época e suas
características.
No quadro geral, percebemos que as influências marxistas de Leo Huberman deixam
uma forte marca no livro. A História é vista por ele como dotada de uma força agente própria,
com um sentido inexorável e leis motrizes. Já nos capítulos III e IV, ao descrever a ascensão
dos comerciantes na Europa, já aparece a visão do autor sobre as “forças históricas”, o que se
evidencia nos seguintes trechos:

É de supor que os bispos e senhores feudais tenham reconhecido que ocorriam


mudanças sociais de grande importância. É de supor que alguns tenham
reconhecido ser impossível barrar o caminho dessas forças históricas.
(HUBERMAN, 2013, p. 24)

Que aconteceu então, quando a doutrina da Igreja, destinada a uma economia


antiga, chocou-se com a força histórica representada pelo aparecimento da classe de
comerciantes? Foi a doutrina quem cedeu. Não de uma só vez, evidentemente.
Lentamente, centímetro por centímetro, nas novas leis que diziam: “A usura é um
pecado – mas, sob certas circunstâncias…” , ou então: “Embora seja pecado exercer
a usura, não obstante em casos especiais...” (HUBERMAN, 2013, p. 32)
Até aí, poderia parecer que Huberman está apenas utilizando uma expressão comum
para dizer que a história é dinâmica ou que as coisas sempre mudam. Mas, em todas as
passagens históricas fica subentendida a noção de uma dinâmica própria e de uma força
motriz irresistível. Não obstante, no capítulo XVIII, ele deixa clara a importância que dá à
teoria ou filosofia da história no entendimento do passado. Na seguinte passagem, ele chega a
questionar o leitor diretamente:

Que filosofia da história tem o leitor? Acredita que os acontecimentos históricos são
principalmente uma questão de acaso, meros acidentes sem um tema de ligação
entre todos eles? Ou acredita que as modificações históricas são devidas ao poder
das idéias? Ou acredita que os movimentos históricos podem ser atribuídos às
influências dos grandes homens? Se o leitor acredita em qualquer dessas filosofias,
não é um marxista. A escola de historiadores que tem em Marx seu fundador e mais
brilhante expoente explica os movimentos, as modificações ocorridas na sociedade,
como resultado – conseqüência – das forças econômicas da sociedade.
(HUBERMAN, 2013, p. 179)

Depois de apresentar a forma marxista de interpretação da história, Huberman afirma


que esta é, se não a única, a melhor forma de se compreender o passado e também vislumbrar
os rumos para o futuro:

Essa interpretação da história, segundo os marxistas, torna possível compreender


um mundo que de outra forma seria incompreensível. Examinando os
acontecimentos históricos do ponto de vista das relações de classe provocadas pelas
formas de ganhar a vida, o que era ininteligível torna-se pela primeira vez
inteligível. Tendo como instrumento esse conceito da história podemos
compreender a transição do feudalismo para o capitalismo e deste para o
comunismo. (HUBERMAN, 2013, p. 180)

O livro História da Riqueza do Homem foi publicado pela primeira vez em 1936,
mesmo ano de publicação, como artigo de periódico, de “A Miséria do Historicismo”, de
Karl Popper (1902-1994). Popper é, sem dúvida, um dos maiores filósofos da ciência do
século XX, e estabeleceu critérios lógicos e rigorosos para discernir o conhecimento
científico do não científico. Em seus escritos, aponta o caráter essencialmente anti-racional e
totalitário do materialismo histórico-dialético de Marx. Juntamente com “A Sociedade Aberta
e Seus Inimigos”, de 1945, “A Miséria do Historicismo”, feita livro somente em 1957, põem
em xeque o estatuto até então científico do marxismo, juntamente com o hegelianismo, a
psicanálise e a astrologia. Talvez se Huberman tivesse conhecido Popper antes, ou estudado
mais a fundo a natureza da ciência, não depositaria sua tão saliente fé na teoria histórica
marxista.
A argumentação de Popper se baseia em diversos pontos, que não serão todos
abordados aqui. Dois deles, porém, devem ilustrar bem a gravidade das objeções
popperianas:
1. Sabemos com certeza, a partir do que a história mostra, que a evolução histórica é
direta e fortemente afetada pelo aumento do conhecimento humano (exemplo: a
Revolução Industrial, possibilitada pela invenção da máquina à vapor de James Watt);
é evidente também que não há como prever de que modo o progresso do
conhecimento humano se dará no futuro; portanto, não há maneira possível de se
prever o curso da história.
2. Nenhum fenômeno, ou conjunto de fenômenos singulares, podem ser base para o
estabelecimento de leis universais. Logo, nenhuma situação histórica de determinada
época e lugar, ou conjunto de situações de épocas e lugares considerados podem ser
evidência de leis universais da história.

Além disso, o famoso princípio da “falseabilidade” estabelecido por Karl Popper


como necessário, embora não suficiente para determinar se uma teoria é cientificamente
válida ou não, já exclui o materialismo histórico-dialético como tal. O princípio diz que se
uma afirmação logicamente contrária às sentenças da teoria puder ser admitida dentro da
mesma teoria, então esta não pode ser científica. Deste modo, a astrologia, por admitir
quaisquer divergências dos fenômenos observados, por exemplo, na personalidade de uma
pessoa em relação às previsões astrológicas de seu nascimento, dentro de outras explicações,
também astrológicas, se configura como pseudociência. Assim ocorre no marxismo, pois
qualquer interpretação dos eventos que contrarie, por exemplo, a “luta de classes”, será
explicada pela própria teoria por outro de seus conceitos, neste caso, o da “alienação de
classe”.
A crítica popperiana nunca foi refutada até os dias atuais. Além de demonstrar que o
materialismo histórico-dialético de Marx não se configura como ciência, Popper foi além e
apontou suas inconsistências no domínio da lógica. É certo que Huberman não afirma em
nenhum momento que a análise histórica nos termos de Marx é um método científico, mas os
próprios Marx e Engels assim o afirmaram abertamente. O livro de Huberman, portanto,
embora seja um excelente fonte de pesquisa em história, está atualmente ultrapassado em
termos de teoria histórica.
Se a teoria da história de Marx ainda não havia sido derrubada antes da publicação do
livro, a teoria da exploração pela “mais-valia” já havia sido contestada décadas antes.
Huberman, no entanto, ao apresentar a história das teorias econômicas, não menciona as
objeções à teoria marxista da exploração. A Escola Austríaca de Economia, já bastante
desenvolvida à época, aparece apenas através de algumas ideias de Friedrich Hayek, no
capítulo XX.
No livro, as conclusões de Marx aparecem como a apoteose da ciência econômica. Na
página 235, Leo afirma que “A teoria da mais-valia de Marx resolve o mistério de como o
trabalho é explorado na sociedade capitalista”. No entanto, em um livro publicado em 1884,
Eugen von Böhm-Bawerk (1851-1914), notável economista austríaco e um dos precursores
da Escola Austríaca de Economia, demonstra a falsidade da ideia de mais-valia e da
exploração decorrente. O livro se chama “História e Crítica das Teorias de Juro”, o primeiro
da sequência de três volumes “Capital e Juro”, onde Bawerk estabelece contribuições para
uma nova teoria econômica liberal.
A base para a compreensão da mais-valia é a teoria do valor de Marx. É neste campo
que Böhm-Bawerk aponta as falhas da teoria marxista. O principal erro de Karl Marx, e de
outros economistas socialistas, como Johann Karl Rodbertus (1805-1875), também analisado
no livro de Bawerk, é desconsiderar a dimensão temporal na teoria do valor. Eugen
demonstra que o valor de um bem varia do presente para o futuro. Atribui-se sempre um
valor maior a um bem que está disponível para uso no presente do que ao mesmo bem, mas
que só estará pronto para uso no futuro.
Assim sendo, o valor do trabalho aplicado a um bem qualquer no presente, mas que só
estará pronto para uso ou comercialização no futuro, é sempre menor do que o valor do
produto final. Não há como um empregador pagar o salário de um empregado de acordo com
o valor final do produto de seu trabalho, a não ser que o faça somente no final do processo,
quando o produto for vendido ou trocado em seu valor final. Acontece que em geral os
trabalhadores não podem ou não desejam esperar para receber o valor total e, no presente, o
empregador deve pagar o que o produto presente do trabalho vale. A valorização do montante
pago antecipadamente, por meio da taxa de juros, corresponde ao valor total dos produtos do
trabalho. Assim sendo, o fato de o empresário pagar um valor menor que o valor do produto
final não constitui exploração ou apropriação do resultado do trabalho alheio, mas uma
exigência da dinâmica econômica, na qual os bens que somente estarão finalizados no futuro
têm menor valor no presente do que terão no futuro e do que os bens prontos agora.
Além da dimensão temporal, Bawerk contrapõe o fator da natureza como produtora de
valor à ideia de que a única fonte de valor é o trabalho humano, defendida por Marx e outros.
Em seu livro, dá o exemplo de um fazendeiro que encontra uma pepita de ouro por acaso em
sua terra. Ele não exerceu praticamente nenhum trabalho para achar o ouro, mas o venderá
por valor altíssimo caso queira. Tal valor adveio de seu trabalho? Evidente que não, é um
produto natural que detém um valor alto.
A complexidade das dinâmicas econômicas é bastante vasta. Por isso, não há como se
expor aqui todas as fundamentações escritas por Eugen Böhm-Bawerk contra a teoria da
mais-valia e da exploração dos socialistas. Mas os fatores de tempo e da natureza comentados
ilustram bem o teor da crítica. A nova compreensão dos economistas da escola austríaca,
como Bawerk, Menger, Hayek, Mises, Rothbard, entre outros, torna muito difícil de se
continuar a adotar as ideias de Marx, Rodbertus e até Adam Smith e David Ricardo, em
alguns pontos. A teoria da exploração já estava derrubada muito antes de Leo Huberman
escrever seu livro. Por isso, suas considerações e análises acerca da natureza e do destino do
capitalismo ficam seriamente comprometidas.
Nesse ínterim, outro aspecto do capitalismo bastante discutido no livro é o monopólio.
Huberman apresenta o conceito de monopólio e também suas origens e desenvolvimentos
históricos, desde o surgimento das corporações (“guildas”) medievais, descritas no capítulo
III, até os cartéis na Alemanha e os trustes nos Estados Unidos do século XIX, no capítulo
XIX. Curiosamente, logo após discorrer sobre a não adoção de um comércio livre, como o
defendido pela Inglaterra, pelas outras potências industriais do século XIX, com tarifas e
protecionismos, Leo Huberman afirma:

A substituição gradual da concorrência pelo monopólio não foi uma imposição


externa, mas uma evolução da própria concorrência. O monopólio surgiu de dentro
da concorrência – uma ilustração da verdade de que cada sistema ou acontecimento
traz em si as sementes da transformação. O monopólio não foi um invasor estranho
que atacasse e conquistasse a concorrência. Foi um crescimento natural da própria
concorrência. (HUBERMAN, 2013, p. 192)

Mas de que concorrência fala o autor? Ao que a sequência do texto indica, essa
concorrência seria a mesma do “comércio livre” inglês, do liberalismo clássico de Adam
Smith. Mas como poderia o monopólio ser fruto do protecionismo e dos “muros tarifários”
das nações (como o próprio autor afirma dois parágrafos antes da passagem acima) e ao
mesmo tempo da concorrência livre decorrente do comércio livre? Não é possível.
Logo, ou o protecionismo, que é oposto ao livre comércio, possibilitou o crescimento
e consolidação dos monopólios, ou a livre concorrência o fez, enquanto o protecionismo só
poderia ser um empecilho a esse processo, já que é oposto àquela. A primeira opção é
certamente a mais verossímil. Assim, a livre concorrência, que só é possível com o livre
comércio, não poderia ser causa dos monopólios.
Novamente podemos recorrer à Escola Austríaca de Economia. Para entender o como
o monopólio não poderia ser fruto da livre concorrência, tomemos um trecho do livro de
Ludwig von Mises “Liberalismo - Segundo a Tradição Clássica” onde se apresenta essa
explicação:

Os preços de monopólio, se não forem estabelecidos por certos atos de intervenção


por parte do governo, somente poderão ser fixados, de modo duradouro, caso se
exerça o controle sobre minerais e outros recursos naturais. Um monopólio isolado,
numa indústria de transformação que gerasse maiores lucros do que os gerados em
outras partes da economia, estimularia a formação de empresas rivais, cuja
concorrência quebraria o monopólio e restauraria preços e lucros à taxa comum. Os
monopólios em indústria de transformação não podem, contudo, tornar-se comuns,
uma vez que em todo dado nível de riqueza de uma economia, a quantidade total de
capital investido e de mão de obra disponível, empregada na produção (e
consequentemente, também, o montante do produto social), constitui uma dada
magnitude. Em um determinado setor de produção, ou em vários, o montante de
capital e de trabalho empregados poderia ser reduzido, com o intuito de aumentar o
preço por unidade, e o lucro agregado do monopolista ou monopolistas poderia ser
reduzido pela diminuição da produção. O capital e o trabalho daí liberados fluiriam,
então, para uma outra indústria. Entretanto, se todos tentarem cortar a produção,
com a finalidade de praticar preços mais altos, as indústrias imediatamente liberarão
trabalho e capital que, por oferecerem-se a taxas inferiores, propiciarão forte
estímulo à formação de novas empresas que, necessariamente, destruirão novamente
a posição monopolística de outras empresas. A ideia de um cartel e monopólio
universais da indústria de transformação é, portanto, totalmente inatingível.
(MISES, 2010, p. 112)

Mises explica de forma irrecorrível, a partir da dinâmica do mercado livre em si,


como o aumento de preços induzido pelo monopólio criaria uma baixa na demanda,
comprometendo o aumento do lucro, e como os únicos segmentos da economia passível de
constituir-se em monopólio sem o risco de produzir mais concorrência são os primários, ou
seja, de produção direta na terra e extração de recursos naturais. E mesmo assim não existe
qualquer tendência de mercado para que isso ocorra. Qualquer empresa de transformação não
pode ser um monopólio genuíno. Além disso afirma que “[...] Tentativas de garantir uma
posição monopolista, no que se refere a alguns artigos, são possíveis apenas, na maioria dos
casos, porque os sistemas tarifários dividiram o mercado mundial em estreitos mercados
nacionais. [...]” (MISES, 2010, p. 113).
Essa causa nas tarifas é sustentada também por Huberman, o que reforça a posição de
que a concorrência não poderia ser causa do monopólio. Finalizando sua argumentação,
Mises dá um exemplo concreto:
Há poucas décadas, costumava-se falar do monopólio de transporte. Continua
duvidoso, no entanto, até que ponto este monopólio não se baseava no sistema de
concessão. Hoje em dia, as pessoas não se incomodam muito com isso. Os
automóveis e os aviões tornaram-se perigosos concorrentes das ferrovias. Mas,
mesmo antes do surgimento desses concorrentes, a possibilidade de utilização de
hidrovias já havia estabelecido um limite definido às tarifas que as ferrovias
poderiam aventurar-se a cobrar por seus serviços nas diversas linhas. (MISES, 2010,
p. 115)

Assim, vemos que embora dentro do capitalismo tenham surgido de fato os diversos
monopólios como os descritos em “História da Riqueza do Homem”, a ideia de que uma
concorrência plenamente livre traz em si as sementes do monopólio é bastante insustentável.
Mises não foi o único a contestar essa posição e, pelo exposto aqui, fica claro o porquê.
O livro de Leo Huberman possui uma enorme riqueza de detalhes e excelentes
elementos narrativos da história econômica da Europa e da civilização ocidental pós
Antiguidade. Mesmo com as falhas interpretativas que foram comentadas ao longo desta
resenha, que não são as únicas possíveis, o livro tem um grande valor documental. A
experiência de sua leitura é altamente enriquecedora e formadora do imaginário histórico de
qualquer pessoa.

REFERÊNCIAS
BÖHM-BAWERK, Eugen von. A teoria da exploração do socialismo-comunismo. Trad.
Lya Luft. 2. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. 205 p.
HUBERMAN, Leo. História da riqueza do homem. Trad. Waltensir Dutra. 22. ed. rev. e
ampl. - [Reimpr.]. - Rio de Janeiro: LTC, 2013.
MISES, Ludwig von. Liberalismo – Segundo a Tradição Clássica. Trad. Haydn Coutinho
Pimenta. 2. ed. São Paulo: Instituto Ludwig von Mises Brasil, 2010. 125 p.
POPPER, Karl R. A Lógica da Pesquisa Científica. Trad. Leonidas Hegenberg; Octanny
Silveira da Mota. 16. ed. São Paulo: Cultrix, 2008.
______ ; A Miséria do Historicismo. Trad. Leonidas Hegenberg; Octanny Silveira da Mota.
São Paulo: Cultrix, 1980.
______ ; A sociedade aberta e seus inimigos. Trad. Milton Amado. Belo Horizonte: Ed.
Itatiaia; São Paulo: Ed. da Universidade de São Paulo, 1974. 2v. (Espírito do nosso tempo,
1-1A)
SILVEIRA, Fernando L. da. A filosofia da ciência de Karl Popper: o Racionalismo Crítico.
Caderno Catarinense de Ensino de Física, Florianópolis, vol. 13, n. 3, p. 197-218, dez.
1996.

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