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1Educação versus violência

1. Especialistas apontam importância da educação no combate à violência


Publicado em 27/04/2007 - 05:01
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Só a educação salva?
Educação versus violência
Violência sem classe social
Universidades a serviço da cidadania
Por Felipe Datt

Uma análise sócio-econômica do País nas últimas três décadas deixa evidente que a
sociedade brasileira mudou de cara. Caiu a ditadura, a população foi às urnas,
instituiu-se um regime democrático, cresceu a participação das mulheres no mercado
de trabalho, de jovens nas universidades, a presença do Brasil no cenário internacional
tornou-se mais concreta. Isso tudo veio acompanhado de problemas que já existiam,
mas que ficaram exacerbados: o crescimento das desigualdades sociais, de uma abissal
divisão de renda, do fortalecimento do crime organizado, da criação de uma legião de
excluídos sociais nas principais cidades brasileiras. O resultado é que a violência
aumentou em nossa sociedade e as estatísticas crescentes de furtos, homicídios,
sequestros e outros crimes mais ou menos hediondos, envolvendo indivíduos de todas
as classes sociais, estão aí para comprovar.
Fica a questão: a educação pode ser remédio contra a escalada da violência e da
criminalidade? A resposta dos especialistas entrevistados pelo Universia é clara. Sim,
é possível, desde que haja uma transformação na linha pedagógica e no próprio
processo de ensino, e que a própria educação seja utilizada não apenas como uma
forma unilateral de se transmitir conhecimento, mas de formar cidadãos. Conforme os
entrevistados, dar às crianças e jovens acesso contínuo à educação é um dos fatores
que diminuem as estatísticas de criminalidade e reduzem a incidência (ou
reincidência) de casos de violência de qualquer espécie.
Mas frisam também que ela, sozinha, não pode resolver todos os problemas. "A
educação é fundamental na melhora da qualidade de vida de um indivíduo, mas não
pode ser considerada um elemento redentor. Existe uma percepção errada em nossa
sociedade de que, quando todo o resto falha, a escola tem de resolver. A maioria dos
casos de violência dentro das escolas reflete apenas um problema trazido de fora",
opinou o pesquisador do Crisp/UFMG (Centro de Estudos de Criminalidade da
Universidade Federal de Minas Gerais), Robson Sávio Reis Souza. Apesar de soar
como afirmação óbvia, o pesquisador - que também ministra aulas de políticas
públicas de educação na PUC/MG (Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais)
-, frisa: "várias pesquisas apontam para coincidências entre indivíduos vulneráveis
sócio e economicamente e a violência. Existe um senso comum de que pobre é
violento, e isso se exacerba sobretudo com quem tem problemas de moradia,
saneamento básico e educação", conta.
O psicólogo e pesquisador do Núcleo de Estudos de Violência da USP (Universidade
de São Paulo), Renato Alves, concorda e vai além: "A violência está disseminada na
sociedade, já é cotidiana. A escola é apenas mais um cenário. A educação, para atuar
como elemento de correção, precisa estar encaixada dentro de políticas públicas
estruturadas, que envolvam o acesso das pessoas à saúde, ao trabalho, à cultura, ao
esporte. A educação, sozinha, não dá conta da violência", diz. Com pesquisas de
campo em colégios da periferia das zonas Leste e Sul da cidade de São Paulo, com
destaque para o Jardim Ângela, o pesquisador da USP revelou que, em conversas com
gestores, docentes e alunos, duas constatações sempre eram tiradas: ou a escola era
violenta demais ou não existia nenhum indício de violência no local, apenas eventos
esporádicos. À conclusão de Alves segue uma terceira via: a escola nada mais é do que
o reflexo da própria comunidade onde está instalada.
Na companhia de dois colegas do Núcleo - criado em 1987 pela instituição de ensino
-, ele se prepara para lançar, no próximo dia 8 de maio, o livro "Violência na Escola".
"Elaboramos a obra pensando justamente em estratégias de como a educação pode
conter a violência", explicou Alves. Ficamos, assim, diante de um paradoxo: se a
escola é um reflexo de uma sociedade violenta e, sozinha, não tem muito como
contribuir, como justificar a idéia de que a educação pode funcionar como um antídoto
para isso? Para Renato Alves, da USP, é simples: "a escola, por si só, é um espaço
conflitivo, de troca de experiências e culturas. Mas, também, tem de ser entendido
como um espaço de socialização, e seu papel é ensinar às crianças a respeitar essas
diferenças, o espaço dos outros, o que passa pela mudança nas linhas pedagógicas
adotadas atualmente", conclui.
O especialista entende que o erro da maioria das instituições de ensinos é se omitir
diante de pequenos conflitos, como brigas no recreio, "naturalizando" essas situações.
"Está errado. O papel da escola é, desde cedo, transmitir valores, noções de cidadania
e deveres para todos. É o que lá na frente chamamos de exercício da democracia e
ninguém entende. E isso passa, inclusive, pela relação professor-aluno, que é muito
ruim. Em uma situação em que a qualidade dos professores e alunos não é boa, o
ensino é precário e os estudantes não são ouvidos, a realidade de fora da escola se
reflete lá dentro", conta.
Os reflexos existem. Pesquisa divulgada nesta semana pelo Apeoesp (Sindicato dos
Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo) feita com 684 docentes, no fim
do ano passado, revela que 87% afirmaram conhecer algum caso de violência dentro
de unidades escolares. Cerca de 76% dos entrevistados disseram acreditar que a
principal causa dos problemas de violência residem nos conflitos entre os próprios
alunos. Outros dados alarmantes referem-se ao fato de 70% dos docentes afirmarem
saber sobre casos de tráfico de drogas dentro da escola e outros 74% disserem
conhecer professores que já sofreram ameaças de agressão física ou até mesmo de
morte.
O sociólogo Lúcio Castelo Branco, da UnB (Universidade de Brasília), lembra que a
escalada da violência é resultado, também, da própria mudança de estrutura das
famílias brasileiras nas últimas décadas. "A família brasileira, hoje, é um problema
gravíssimo, já que um quinto delas é chefiada por mulheres. Como fazer com que elas
trabalhem, cuidem da casa e eduquem os filhos?", questiona. O professor, assim,
reitera a opinião da importância da escola. "Mas tem-se não apenas de se preocupar
com a educação, que é a internalização de hábitos, regras e costumes que tornam o
sujeito controlado, equilibrado. É preciso oferecer instrução básica às crianças, que
viria de uma perspectiva pedagógica mais criativa. Pressupõe-se, com isso, a criação
de uma política nacional de superação da impunidade", comenta.

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