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A melhor do Brasil pela 3ª vez!

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Informe Agropecuário
Uma publicação da EPAMIG
v.33 n.271 nov./dez. 2012
Belo Horizonte-MG

Sumário

Editorial .......................................................................................................................... 3

Entrevista ........................................................................................................................ 4

Desafio da produção de alimentos com proteção ambiental


Mário Ramos Vilela.................................................................................................................. 7

Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas


José Mário Lobo Ferreira, João Herbert Moreira Viana, Adriana Monteiro da Costa, Daniel
Vieira de Sousa e Andréia Aline Fontes ................................................................................... 12
Apresentação
Adequação ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Claro
Esta edição aborda a adequação socioeco-
nômica e ambiental sob a perspectiva de uma Maurício Roberto Fernandes, Humberto Paulo Euclydes e Antônio Giacomini Ribeiro ............ 26
ferramenta de administração rural, de aferição
da capacidade gerencial dos produtores, indo Manejo do solo e da água nas propriedades rurais
além da observância da Legislação Ambiental Fernando Falco Pruski, Antônio Calazans Reis Miranda e Aline de Araújo Nunes ................. 32
e do viés punitivo em relação ao atendimento
de normas ambientais. Foram muitas as discus- Importância e papel do espaço rural na disponibilização de água
sões geradas, sem uma adequada profundida- Maurício Roberto Fernandes, Jane Terezinha da Costa Pereira Leal e Larissa Márcia Manzalli
de técnica e científica, durante o processo de de Souza ........................................................................................................................ 44
reformulação do Código Florestal Brasileiro,
abrangendo também a questão ambiental no Programa Produtor de Água
setor agropecuário.
Devanir Garcia dos Santos ............................................................................................... 49
A sociedade, majoritariamente urbana,
está cada vez mais distante das diversas reali-
Modelos e técnicas de restauração florestal para adequação ambiental
dades social, econômica e ambiental do campo.
Esta desconexão, muitas vezes, é alimentada de propriedades rurais
por uma série de desinformações sobre quem Sebastião Venâncio Martins, Aurino Miranda Neto, Kelly de Almeida Silva, Geanna Gonçalves
produz e como são os sistemas de produção, de Souza Correia, Wanuza Helena Campos e Jeane de Fátima Cunha ................................... 61
denominados agroecossistemas.
Os produtores rurais, por sua vez, perce- Sistemas Agroflorestais para adequação ambiental de propriedades rurais
bem, cada vez mais, a importância do aprimo- Sílvio Nolasco de Oliveira Neto, Vanessa Mendes Lana, Camila Brás Costa e Maria Celuta
ramento da gestão ambiental e socioeconômica Machado Viana ................................................................................................................................... 70
de seus sistemas de produção e empreendimen-
tos. Ferramentas e técnicas tornam-se necessá- Áreas de Preservação Permanente e Reserva Legal em imóveis rurais: obrigações e
rias neste processo, como também na formula-
possibilidades
ção de políticas, planos, programas e projetos,
com o objetivo de auxiliar e estimular a adoção Luiz Fernando Schettino, Fabio Corrêa Gonçalves, Emanuel Maretto Effgen, Paulo Victor
de boas práticas, visando à conservação dos Almeida e Lorena Costa Casagrande ............................................................................................... 78
solos, da água e da biodiversidade, e no reco-
nhecimento dos sistemas que apresentam bom Pagamento por Serviços Ambientais na Mata Atlântica: oportunidades e desafios
desempenho ambiental e socioeconômico, in- Antônio Carlos Tafuri, Arnaldo Freitas de Oliveira Júnior, Carlos Augusto Krieck, Luana
dependentemente dos diversos segmentos nos Magalhães Duarte e Marcelo Elias de Aguiar ................................................................................. 88
setores agropecuário e florestal.
Nesta edição, também são apresentados Políticas públicas do estado do Espírito Santo para adequação ambiental e socioeco-
temas relacionados com a gestão territorial,
nômica de propriedades rurais como estratégia de ampliação da cobertura florestal
programas de Pagamento por Serviços Am-
bientais, técnicas para conservação do solo e Marcos Franklin Sossai, Miguel Ângelo Aguiar, Cesar Pereira Teixeira, Fabiano Zamprogno
da água, restauração florestal, Sistemas Agro- Novelli, Aladim Fernando Cerqueira e Fábio Anhert ...................................................................... 98
florestais e exemplos concretos de políticas e
programas em execução. Valoração contingente dos serviços ecossistêmicos providos pelo Parque Estadual
do Itacolomi, MG
José Mário Lobo Ferreira
Sebastião Venâncio Martins Arnaldo Freitas de Oliveira Júnior, Tatiana de Paula Passos Costa e Antonio Carlos Tafuri.... 108
Francisco de Paula Neto

ISSN 0100-3364

Informe Agropecuário Belo Horizonte v.33 n.271 p. 1-116 nov./dez. 2012

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© 1977 EPAMIG Informe Agropecuário é uma publicação da
ISSN 0100-3364 Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais
INPI: 006505007 EPAMIG

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técnicos seguiu a nomenclatura proposta pelos autores de cada artigo.
Plínio César Soares
Diretoria de Operações Técnicas O prazo para divulgação de errata expira seis meses após a data de
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DEPARTAMENTO DE PUBLICAÇÕES

EDITORA-CHEFE
Informe Agropecuário. - v.3, n.25 - (jan. 1977) - . - Belo
Vânia Lúcia Alves Lacerda
Horizonte: EPAMIG, 1977 - .
REVISÃO LINGUÍSTICA E GRÁFICA v.: il.
Marlene A. Ribeiro Gomide e Rosely A. R. Battista Pereira
Cont. de Informe Agropecuário: conjuntura e estatísti-
Normalização ca. - v.1, n.1 - (abr.1975).
Fátima Rocha Gomes e Maria Lúcia de Melo Silveira ISSN 0100-3364
PRODUÇÃO E ARTE
1. Agropecuária - Periódico. 2. Agropecuária - Aspecto
Diagramação/formatação: Ângela Batista P. Carvalho, Fabriciano Econômico. I. EPAMIG.
Chaves Amaral, Maria Alice Vieira, Jucélia Alves Silva (estagiária) e
Taiana Amorim (estagiária) CDD 630.5
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Fabriciano Chaves Amaral
O Informe Agropecuário é indexado na
Capa: Ângela Batista P. Carvalho AGROBASE, CAB INTERNATIONAL e AGRIS
Foto: José Mário Lobo Ferreira
Governo do Estado de Minas Gerais
Impressão: EGL Editores Gráficos Ltda. Secretaria de Estado de Agricultura,
Circulação: março 2013 Pecuária e Abastecimento

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Governo do Estado de Minas Gerais
Antonio Augusto Junho Anastasia
Governador
Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento
Elmiro Alves do Nascimento

Projeto valoriza gestão da


Secretário

Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais


Conselho de Administração
propriedade rural
Elmiro Alves do Nascimento Décio Bruxel
Paulo Afonso Romano Adauto Ferreira Barcelos
Maurício Antônio Lopes Osmar Aleixo Rodrigues Filho
A adequação ambiental e socioeconômica de pro-
Vicente José Gamarano Elifas Nunes de Alcântara
Paulo Henrique Ferreira Fontoura priedades rurais com vistas à sustentabilidade envolve a
Conselho Fiscal produção, a produtividade, a preservação ambiental e a
Evandro de Oliveira Neiva Rodrigo Ferreira Matias
Márcia Dias da Cruz Leide Nanci Teixeira melhoria da qualidade de vida no campo.
Alder da Silva Borges Tatiana Luzia Rodrigues de Almeida
Entre os aspectos ambientais, a água, por sua essen-
Presidência
Paulo Afonso Romano
cialidade, exige medidas integradas que envolvem todos
Vice-Presidência os recursos naturais/ambientais de controle do balanço
Mendherson de Souza Lima
Diretoria de Operações Técnicas infiltração/escoamento superficial das águas das chuvas,
Plínio César Soares
bem como sua proteção, numa integração bacia-floresta.
Diretoria de Administração e Finanças
Aline Silva Barbosa de Castro A restauração florestal abrange uma série de modelos e
Gabinete da Presidência
Reginaldo Amaral técnicas que devem considerar a diversidade de situações
Assessoria de Comunicação
Roseney Maria de Oliveira
ambientais, sociais, econômicas do Brasil mediante sua
Assessoria de Contratos e Convênios extensão. Da mesma forma, os solos devem ser protegidos
Eliana Helena Maria Pires
Assessoria de Desenvolvimento Organizacional por meio da utilização sustentável, que combine técnicas
Felipe Bruschi Giorni
Assessoria de Informática
agrossilvipastoris para produção.
Silmar Vasconcelos Para a consecução de todas essas práticas no âmbito
Assessoria Jurídica
Maria Lourdes Aguiar Machado da agropecuária, com o objetivo de auxiliar o produtor na
Assessoria de Planejamento e Coordenação
Renato Damasceno Netto gestão ambiental e socioeconômica de sua propriedade, foi
Assessoria de Relações Institucionais criado o Projeto Adequação Socioeconômica e Ambiental
Gerson Occhi
Assessoria de Unidades do Interior de Propriedades Rurais. Este Projeto, coordenado pela
Júlia Salles Tavares Mendes
Auditoria Interna
Secretaria de Estado de Agricultura, Pecuária e Abasteci-
Maria Laura Marinho Vidigal
mento de Minas Gerais (Seapa-MG), utiliza a metodologia
Departamento de Compras e Almoxarifado
Valéria Simone de Oliveira Sales Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas (ISA),
Departamento de Contabilidade e Finanças
Warley Wanderson do Couto desenvolvida pela EPAMIG em parceria com Emater-MG,
Departamento de Engenharia IEF, Embrapa, UFMG e Fundação João Pinheiro. Tal Proje-
Isabela de Andrade Barbosa
Departamento de Negócios Tecnológicos to recebeu do governo de Minas o Prêmio Excelência em
Mairon Martins Mesquita
Departamento de Pesquisa
Gestão Pública.
Maria Lélia Rodriguez Simão Esta edição do Informe Agropecuário apresenta a
Departamento de Publicações
Vânia Lúcia Alves Lacerda metodologia ISA e seus desdobramentos, traz as tecnolo-
Departamento de Recursos Humanos
Flávio Luiz Magela Peixoto gias para preservação de solos, águas e florestas, além de
Departamento de Logística
José Antônio de Oliveira
informações sobre experiências bem-sucedidas nas pro-
Instituto de Laticínios Cândido Tostes priedades rurais de políticas e programas de adequação
Vanessa Aglaê M. Teodoro e Nelson Luiz T. de Macedo
Instituto Técnico de Agropecuária e Cooperativismo e Pagamento por Serviços Ambientais.
Luci Maria Lopes Lobato e Francisco Olavo Coutinho da Costa
EPAMIG Sul de Minas
Rogério Antônio Silva e Mauro Lúcio de Rezende Paulo Afonso Romano
EPAMIG Norte de Minas Presidente da EPAMIG
Polyanna Mara de Oliveira e Josimar dos Santos Araújo
EPAMIG Zona da Mata
Sanzio Mollica Vidigal e Giovani Martins Gouveia
EPAMIG Centro-Oeste
Wânia dos Santos Neves e Waldênia Almeida Lapa Diniz
EPAMIG Triângulo e Alto Paranaíba
José Mauro Valente Paes e Marina Lombardi Saraiva

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Adequação socioeconômica e ambiental
de propriedades rurais: caminho para
sustentabilidade
Paulo Afonso Romano é engenheiro agrônomo, graduado
pela Escola Superior de Agricultura da Universidade Federal de
Viçosa (UFV). Desde 2007 é secretário-adjunto da Secretaria de
Estado de Agricultura, Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais
(Seapa-MG), onde coordenou a formulação de dois projetos
estratégicos do governo de Minas: Projeto de Adequação
Socioeconômica e Ambiental de Propriedades Rurais e Projeto
Irriga Minas/Plano Diretor de Agricultura Irrigada. É gerente
do Programa Estruturador Sustentabilidade e Infraestrutura
Rural e participa de Câmaras Técnicas e Conselhos, como
representante da Seapa-MG. Consultor da Agência Nacional
de Águas (ANA), participou na formulação do Plano Diretor da
Bacia do Rio São Francisco e na organização do Plano de Ação
da Superintendência de Conservação de Água e Solo da ANA.
Foi consultor da Organização dos Estados Americanos (OEA)/
Secretaria de Recursos Hídricos/Ministério do Meio Ambiente
(MMA). Exerceu o cargo de ministro interino do Ministério do
Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e Amazônia Legal. Foi
secretário-geral do Ministério da Agricultura (1974/1979) e
ministro interino de Agricultura, por onze vezes. Atualmente,
responde, também, pela presidência da EPAMIG.

IA - No que consiste a adequação socio- de de demanda por alimentos e energia, equilibrado, surgiu o Projeto Estratégico
econômica e ambiental das proprie- oriunda do agronegócio. Por isso, a ade- Adequação Socioeconômica e Ambien-
dades rurais? quação passa a ter, no caso rural, o signi- tal de Propriedades Rurais. Ele envolve a
Paulo Romano - Antes de falar sobre ficado de primeiro esforço de pactuação aplicação da metodologia dos Indicadores
adequação, é importante falarmos sobre para a agenda de sustentabilidade, que é de Sustentabilidade em Agroecossistemas
sustentabilidade. Desde a Conferência local, regional e mundial. O foco central (ISA), que gera um relatório da situação,
Mundial sobre Meio Ambiente e Desen- de natureza política para o que chamamos diagnóstico a partir do qual é elaborado o
volvimento Sustentável, a Rio+20, que a adequação socioeconômica e ambiental plano de adequação para a propriedade. O
pauta desenvolvimento sustentável, isto é de propriedades rurais é trazer para uma Projeto de Adequação integra o Programa
sustentabilidade, foi colocada como prio- agenda comum o que antes era tratado ora de Sustentabilidade e Infraestrutura no
ridade entre as nações. E não se viu um na Seapa-MG, a parte de produção, ora na Campo do governo de Minas.
avanço muito grande, mas a Rio+20 con- Secretaria de Estado de Meio Ambiente
solidou a prioridade absoluta para a bus- (Semad), a parte ambiental da lei. Assim, IA - Como este processo teve início no
ca de sustentabilidade. Isto por causa de constituiu-se um plano que pactue entre estado de Minas Gerais, e qual a
mudanças climáticas, de degradação do as duas secretarias um novo modo de en- proposta do governo para auxiliar
solo, das águas, das florestas e, por ou- tender o produtor, ele é o gestor do espa- os agricultores na regularização
tro lado, houve uma pressão muito gran- ço rural para todos os efeitos. De modo ambiental?

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Paulo Romano - Este processo iniciou- crobacia). Neste território, os indicadores neira, o produtor, junto com o técnico, vai
se quando a Semad propôs à Seapa-MG econômicos, sociais e ambientais refle- saber das vulnerabilidades e das potencia-
que elaborasse a Avaliação Ambiental- tem-se nos corpos d’água aí existentes lidades das propriedades, podendo decidir
Estratégica da Agricultura. Como este ins- (rios, lagos, etc) como uma fotografia do sobre que recomendações técnicas adotar
trumento foi considerado muito vago para jeito de ser da comunidade. Afinal, corpos para atingir bom desenpenho ambiental
o conjunto da agricultura, a Seapa-MG d’água não são entes autônomos, mas sim e socioeconômico. Além disso, permite
procurou uma maneira de entender melhor o resultado das atividades em seu entorno. ao extensionista evoluir em seu trabalho
o processo de desenvolvimento nas pro- como responsável técnico, por meio de
priedades e concluiu que não havia uma IA - Como se dá a operacionalização do uma visão global da propriedade e, obvia-
metodologia pronta. Então, por propos- Projeto Adequação Socioeconômica mente, de todo seu entorno ou território,
ta e sob coordenação da EPAMIG, com e Ambiental das Propriedades Rurais para fins de planejamento.
apoio da Fundação de Amparo à Pesqui- no Campo?
sa do Estado de Minas Gerais (Fapemig), Paulo Romano - O propósito deste Proje- IA - Qual a importância desse processo
Seapa-MG e Secretaria de Estado de Ci- to é que a metodologia seja universalizada para o setor agropecuário e florestal no
ência e Tecnologia (Sect-MG), foi desen- no território mineiro. Não é um Projeto de Estado?
volvido projeto de pesquisa que gerou o curtíssimo prazo, pois temos que treinar Paulo Romano - O primeiro ponto é a
ISA. Adequamos a demanda em nível de centenas de técnicos. Desde o ano passado organização das obrigações legais que o
propriedade, porque ali temos um gestor já foram treinados 150 técnicos, especifi- produtor tem. Por exemplo, regularizar as
responsável por tudo que for planejado camente da Empresa de Assistência Téc- Áreas de Preservação Permanente (APPs)
e pactuado. É importante considerar que nica e Extensão Rural do Estado de Minas ou as áreas consideradas de Reserva Le-
existe um consenso geral que há passivos Gerais (Emater-MG) e da Semad. Neste gal (RL). Tanto naquilo que o produtor
ambientais, econômicos e sociais na agri- ano de 2013, já fizemos contato com as estiver em débito perante a lei, quanto na-
cultura. Por causa da pobreza, tem-se ren- cooperativas, por meio da Organização quilo que estiver excedendo e puder ser
da baixa, que leva a dificuldades sociais das Cooperativas do Estado de Minas regularizado, para que entre no mercado
e ambientais. Como diz o ditado popu- Gerais (Ocemg/Sescoop), Federação da e ofereça áreas aptas para RL e, com isso,
lar: quem está no vermelho não cuida do Agricultura e Pecuária do Estado de Mi- aumente sua renda. O produtor pode ce-
verde. Ou seja, quem não tem renda, não nas Gerais (Faemg), Serviço Brasileiro der por venda ou por outras formas, até
possui condições de cuidar do meio am- de Apoio às Micro e Pequenas Empresas de maneira temporária, ou entrar no mer-
biente. É importante frisar a contribuição (Sebrae), Federação dos Trabalhadores cado de cotas, como é previsto no Código
da metodologia ISA para elaborar o Ca- na Agricultura do Estado de Minas Ge- Florestal. Este é um caso da parte de flo-
dastro Ambiental Rural (CAR), exigido rais (Fetaemg), e percebemos uma acei- resta natural, porque define, por exemplo,
pelo novo Código Florestal. A partir dele tação muito grande. O que não convém é qual é o limite que se tem, o que sobra e
elabora-se o plano de adequação que in- acelerar o processo e reduzir a sua con- o que falta, e é feita a adequação. No caso
clui o Plano de Regularização Ambien- sistência. Importante é o retorno que se do setor florestal, que chamamos floresta
tal (PRA). O Projeto, no final de 2012, pretende, inclusive com o apoio de Minis- plantada, o importante é que o plano indi-
por Decreto do governador, foi aprova- térios, como do Desenvolvimento Agrá- que as áreas mais vulneráveis, das quais
do como uma metodologia mineira para rio (MDA), da Agricultura (Mapa) e do se devem retirar cultivos anuais para o
os fins de adequação socioeconômica e Meio Ambiente (MMA), é ajustarmos manejo com cultivos perenes como o de
ambiental. Este Projeto foi também pre- os esforços de maneira que aquilo que reflorestamento ou a integração lavoura-
miado como Excelência em Gestão. A é considerado regularização ambiental pecuária (ILP) ou ainda a integração
partir desse Projeto, estamos terminando no processo formal de aplicação da lei, lavoura-pecuária-floresta (ILPF). Tudo
a formulação, junto com a Semad, de uma principalmente do novo Código Flores- isso é factível dentro do Plano de Ade-
metodologia para elaboração de plano vi- tal, seja incluído como um dos passos do quação que viabilize o acesso a financia-
sando licenciamento e outorga coletiva plano de adequação. O ISA é um instru- mentos e mesmo a outros instrumentos
de sub-bacias. Serão consideradas as de- mento importante, porque permite ao téc- de estímulo como o fomento florestal.
mandas existentes, especialmente onde há nico, especialmente o extensionista, e no
conflito de área e setores organizados de futuro até o produtor, fazer uma avaliação IA - Qual a interface deste Projeto com
produtores, associações de irrigantes e de completa da propriedade. Vale ressaltar outros planos, programas e projetos
usuários de água. que esta metodologia traz a possibilidade relacionados com a agenda am-
É mais fácil aferir sustentabilidade em de trabalhar com informações mais atua- biental para o setor agropecuário e
uma bacia hidrográfica (sub-bacia ou mi- lizadas em geoprocessamento. Dessa ma- florestal no Estado?

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Paulo Romano - O Projeto Adequação Paulo Romano - A grande extensão do Estado, com a devida abrangência
tem estreita interface com o Fundo de estado de Minas Gerais, 586.528 km2, e para atingir todas as propriedades
Recuperação, Proteção e Desenvolvimen- o elevado número de produtores rurais, rurais?
to Sustentável das Bacias Hidrográficas dos quais cerca de 80% são considera- Paulo Romano - O primeiro passo con-
do Estado de Minas Gerais (Fhidro), do dos familiares, dificultam as ações. Mas siste na socialização do conhecimento.
Instituto Mineiro de Gestão das Águas a partir do conhecimento deste Projeto e O conhecimento ainda está nas mãos de
(Igam)/Semad, com o Irriga Minas, da da potencialidade de reunir informações poucos, não porque esteja sendo retido,
Seapa-MG, criado para expandir a agri- capazes de ajudar o produtor na gestão de
mas por ser lenta a sua transmissão. É pre-
cultura irrigada no Estado de forma sus- sua propriedade, temos a certeza de sua
ciso tirar o técnico do trabalho, por alguns
tentável. plena aceitação. Considero que o Cadas-
dias, para treinamento. Exige também
tro Ambiental Rural e o ISA não precisam
prática da metodologia no campo. Não é
IA - Quais os programas de indução à trabalhar somente com o produtor que te-
adoção de Boas Práticas Agrícolas e tão complexo e nem tão simples, que não
nha condição fundiária regularizada. Ele
de Pagamento por Serviços Ambien- exija um treinamento na área computacio-
pode ser posseiro, meeiro, desde que seja
tais em execução no momento? nal e, inclusive, a disponibilidade de equi-
o gestor responsável. Focamos muito na
pamentos. A meta da Seapa-MG é que to-
Paulo Romano - Por razões orçamentá- figura do responsável legal e operacional
dos os técnicos de campo da Emater-MG
rias, ainda é tímida a participação do go- daquele negócio e num território defini-
disponham de equipamento, para que
verno na disponibilidade de recursos para do. Isso diminui aquela restrição que se
possam usá-lo in loco. É importante
esse fim. Entretanto, dispomos de impor- discutia anteriormente, de ter registro no
divulgar esta metodologia nas cooperati-
tantes instrumentos como o Bolsa Verde, Instituto Nacional de Colonização e Re-
vas e associações. A ferramenta precisa
o Fhidro e o Irriga Minas. Além disso, forma Agrária (Incra). Preliminarmente,
ser compreendida, para que seja adota-
deve-se entrosar tais instrumentos com o vamos fazer uma adequação. A questão
da. O treinamento dos técnicos é de suma
programa de fomento florestal, que deve jurídica ficaria para um segundo momen-
importância, bem como o aumento do nú-
ser ampliado. Temos também apoiado e to. Toda novidade costuma encontrar re-
mero destes dentro do Estado. Para isso, a
recebido apoio do Instituto Estadual de sistência. Nossa proposta é fazer do pro-
EPAMIG e a Emater-MG, conjuntamente,
Florestas (IEF), para ampliar a oferta de dutor um aliado e gestor do processo na
serão líderes no processo.
mudas para recuperação de APPs, no caso fazenda ou sítio. E oferecer a ele um ser-
com plantas nativas. Estamos valorizando viço para organizar a propriedade com IA - Que benefícios a adoção desta ade-
muito esta questão, que conta com um tra- um plano e uma visão. É importante es- quação vai trazer para os produtores
balho importante que a EPAMIG e algu- tabelecer uma oferta de instrumentos para rurais?
mas universidades vêm realizando que é o que o produtor decida se usa ou não. Al-
Paulo Romano - Pretende-se elevar a au-
de ampliar a visão da constituição de sis- guns desses instrumentos não terão ônus,
toestima do produtor e de sua família. E
temas agroflorestais (SAFs). Isto porque, como mudas, apoio do Fhidro, do Bolsa
algo fundamental é que estamos criando
principalmente em APPs e, mais ainda, Verde. Outros instrumentos, mesmo com
condições para que os produtos de uma
áreas de pequenas propriedades, é muito ônus, seriam empréstimos, no caso da
propriedade ou de uma região ou área es-
difícil conceber a eliminação do uso das agricultura familiar, com juros atrativos.
pecífica, a exemplo do que acontece em
APPs, já consolidado. E a recomposição Uma insuficiência comum ao Brasil e ao
todo o mundo, sejam produzidos com
dela poderá não ser inteiramente para o estado de Minas Gerais é ainda a capa-
sustentabilidade. Este é o caminho para
aspecto ambiental. É preciso gerar renda cidade de atendimento da rede de assis-
melhorar o preço do produto e, principal-
também. Para termos resultados com foco tência técnica, seja pública, seja privada.
A Emater-MG tem em média um técnico mente, proporcionar a criação de certifi-
na sustentabilidade, é fundamental ajustar
por município, o que é muito pouco. Este cados específicos. O nosso sonho é que
soluções integradas, agrossilvipastoris ou
é um ponto que pode constituir um pro- todos tenham o certificado de sustentabi-
agroflorestais.
blema. Entretanto, a Emater-MG é peça- lidade ou pelo menos, que tenham o re-
IA - Quais os principais entraves no pro- chave. Nossa expectativa é a universaliza- conhecimento de um novo produto obti-
cesso de regularização das proprie- ção do treinamento dos técnicos em 2013. do sob padrões sustentáveis de produção,
dades rurais, considerando o novo reconhecido pelo mercado e pela socie-
Código Florestal, e como o governo IA - Como o governo pretende tornar o dade.
mineiro pretende auxiliar o produtor Projeto de Adequação Socioeconô-
neste processo? mica e Ambiental uma política de Por Vânia Lacerda

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Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais 7

Desafio da produção de alimentos com proteção ambiental


Mário Ramos Vilela 1

Resumo - Os desdobramentos do Relatório Brundtland em 1988, decorrentes da pri-


meira Conferência Mundial sobre Meio Ambiente, de 1972, e a iniciativa da Fundação
Rockfeller, ao patrocinar três Seminários Internacionais, descortinaram as mudanças de
atitudes e de direção, que governos, organizações e pessoas deveriam empreender, para
que o repto da conciliação entre conservação dos recursos naturais, atividades antrópi-
cas e necessidades/aspirações humanas possa ser, realisticamente, atendido. Nessa ca-
minhada, explora-se a aplicação do conceito econômico de produtividade no uso de re-
cursos para a melhoria ambiental, uma alternativa segura para que os empreendedores
possam, efetivamente, alcançar a sustentabilidade de seus negócios. Assim, iniciativas
empresariais já cristalizadas no Brasil, alcançam o terceiro estádio no enfrentamento da
questão ambiental, qual seja, o de também auferir ganhos financeiros. Responsabilida-
des social e ambiental ajudam mais a gestão da empresa do que o valor de sua ação na
bolsa, traduzindo-se em maior acesso a fontes de capital e menos incertezas.
Palavras-chave: Gestão. Indicadores de sustentabilidade. Responsabilidade ambiental.

DESAFIO DO TERCEIRO efeitos da produção agrícola, para uso


Crescimento
MILÊNIO econômico em modelos de predição;
(iii) criação de mecanismos efetivos
Numa escala mundial, e para quais-
para prover incentivos para as organi-
quer setores de atividade, a preocupação
zações, públicas e privadas, de modo a
com o patrimônio natural, vis-à-vis a Produção Mitigação da que possam responder, juntamente com
atividade humana, significa, em última sustentada pobreza
os produtores, ao desafio da produção
instância, segundo consagrados espe- Figura 1 - Resolução do Triângulo Crítico – sustentável (tradução nossa).
cialistas internacionais em economia e o desafio do terceiro milênio
produção agrícolas2, citados por Schaffert No limiar dos anos 2000, duzentos pes-
e Bahia Filho (1997), buscar a resolução quisadores das áreas de gerenciamento de
do Triângulo Crítico (Fig. 1), qual seja: das políticas para o setor agrícola mun- recursos hídricos e de irrigação, represen-
compatibilizar a aspiração ao crescimento dial, das Organizações, dos agricultores e tando vinte países e cinquenta organizações
econômico, compreensivelmente mais pecuaristas e da sociedade como um todo, de pesquisa, concluíram que:
acentuada nos países ainda não plenamen- envolvendo:
[...] entre outras ações, o gerenciamento
te desenvolvidos, e o imperativo ético de (i) investimento em Ciência & Tecno-
e o desenvolvimento sustentáveis dos
mitigação da pobreza, com a produção logia, que reduza o grau de incerteza,
recursos hídricos são condições neces-
sustentável. ainda reinante, sobre as consequências
sárias e inadiáveis, para a mitigação da
Para o caso da produção de alimentos das atividades agropecuárias e florestal
pobreza, a segurança alimentar, a quali-
no mundo, segundo esses especialistas, no meio ambiente; gere novas tecno-
dade do meio ambiente e o crescimento
isso representa o desafio do terceiro mi- logias não agressivas; e promova o
econômico (tradução nossa).
lênio, solução essa ainda não amplamente crescimento econômico;
disponível, ao final do século XX. Mas a (ii) investimento na monitorização do Desse modo, conforme Consultative
superação desse desafio, concluem, exige meio ambiente para gerar melhores Group on International Agricultural Re-
mudança de atitude e de rumo, nos níveis dados e informação segura sobre os search (CGIAR), a produtividade da água,

1
Engo Agro, Consultor, Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico: mrvilela@msn.com
2
Levado a cabo, em 1990-1991, em três Seminários Internacionais Multidisciplinares sobre Produção Sustentável de Alimentos, realizados na
Itália, Alemanha e EUA, por iniciativa e patrocínio da Fundação Rockfeller (Bellagio) e coordenados pela Universidade de Minnesota.

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8 Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais

na produção de alimentos, deverá ser parte


A
integrante de Programas de Pesquisa e
1 1 - PMDI 2007-2023
Desenvolvimento (P&D), voltados para
2 - Agenda 21 brasileira
o enfrentamento do desafio representado 2
pela crescente necessidade mundial de 3 3 - Consensos de 3
Seminários Internacionais
alimentos, por meio do incremento da sobre agricultura sustentável
4
agricultura irrigada (que responde por, 4 - Pilares da agricultura inglesa
aproximadamente, metade dos cereais
Y - Diretrizes da União Europeia
produzidos no mundo e por quase 60% Y para agricultura
nos países em desenvolvimento), mas
fazer isso, cada vez, com menos água B C
(CGIAR, 2002).
Figura 2 - Convergências das bases para o desenvolvimento sustentável da agricultura
INICIATIVAS NOTA: PDMI - Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado.
A - Promover a competitividade das atividades agrossilvipecuárias; B - Promo-
INTERNACIONAIS JÁ
ver a qualidade de vida no campo e diversificação de economia rural, inclusive
INSTITUCIONALIZADAS a agricultura de energia; C - Promover o meio ambiente e a paisagem rural.

Tal como em Minas Gerais, outros


países vêm buscando essa conciliação QUADRO 1 - Alinhamento de objetivos de desenvolvimento sustentável da agricultura
na formulação de suas políticas agríco-
Instrumento normativo/ Vértice / Diretrizes de política
las, submetendo, também, seus planos ∆
Prescritivo
e programas à observância do já men- A B C
cionado Triângulo Crítico. Isso ocorre 1 (1)
PMDI 2007-2023 Geração de Preservação da Obtenção de bem-
na Inglaterra, onde, sob a liderança de riqueza qualidade estar social
seu Departamento de Meio Ambiente, ambiental
Alimentos e Negócios Rurais – De- 2 (2)
Agenda 21 brasileira Crescimento Preservação Equidade social
partment for Environment, Food and econômico ambiental
Rural Affairs (Defra), está em curso 3 (3)
Conclaves científicos Crescimento Produção Mitigação da
a preparação da Avaliação Ambiental econômico sustentada pobreza
Estratégica do setor agrícola inglês, sob 4 (4)
Governo inglês Viabilidade Produção Inclusão social
a égide de The European Union Rural econômica sustentável
Development Regulation, considerando Y (5)
União Europeia Melhorar a com- Melhorar o meio Qualidade de vida
todas as contribuições clássicas do setor petitividade das ambiente e a e diversificação da
agrícola, assim como os imperativos da atividades paisagem economia rural
inclusão social e da proteção ambiental, agrossilvipecuárias
ambos chancelados pelo parlamento NOTA: PMDI - Plano Mineiro de Desenvolvimento Integrado.
inglês. (1) PMDI 2007-2023, institucionalizado pela Lei no 17.007, de 28 de setembro de 2007 (MI-
Observa-se um alinhamento dos pilares NAS GERAIS, 2007). (2) A primeira grande inovação da Agenda 21 é que o objetivo comum
a ser atingido não está restrito à preservação do meio ambiente, mas ao desenvolvimento
da agricultura inglesa, da União Europeia,
sustentável ampliado e progressivo que introduz, na discussão, a busca do equilíbrio en-
da Agenda 21 brasileira e do Plano Mineiro
tre crescimento econômico, equidade social e preservação ambiental. (3) Três Seminários
de Desenvolvimento Integrado (PMDI) Internacionais Multidisciplinares sobre Produção Sustentável de Alimentos foram reali-
2007-2023, com as prescrições emanadas zados em 1990-1991 na Itália, Alemanha e EUA, por iniciativa e patrocínio da Fundação
dos conclaves científicos, aqui já mencio- Rockfeller e coordenados pela Universidade de Minnesota. (4) Por viabilidade econômica
nados (Fig. 2 e Quadro 1). da agricultura, as autoridades ambientais inglesas entendem a “manutenção de elevados
Cabe observar que o alinhamento e estáveis níveis de crescimento econômico e emprego”; por inclusão social, “o progresso
dessas três grandes aspirações implica na social que reconheça as necessidades básicas de todos” e, por produção sustentável, “a
efetiva proteção do meio ambiente, o uso prudente dos recursos naturais”, para obter, por
adoção de meios – de atitudes apropria-
exemplo, mais alimentos por gota de água. (5) A Comissão Europeia estabeleceu as ativi-
das – por parte dos tomadores de decisão, dades que podem ser apoiadas e que constituem três amplos eixos, a saber: A - Promover
públicos ou privados, no planejamento, a competitividade das atividades agrossilvipecuárias; B - Promover a qualidade de vida no
implementação e controle de políticas, campo e diversificação de economia rural, inclusive a agricultura de energia; C - Promover
planos, programas e projetos. o meio ambiente e a paisagem rural.

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Uma das mudanças requeridas, confor- meio da Fundação de Amparo à Pesquisa de desenvolvidos, o meio ambiente e sua
me Porter (1998), é que: Minas Gerais (Fapemig), está financiando proteção estão-se convertendo em oportu-
um projeto de pesquisa em rede, proposto nidades para abrir mercados, baixar custos,
a regulamentação ambiental seja condu-
pela Secretaria de Estado da Agricultura, conquistar consumidores, ganhar o respeito
zida de forma adequada, (já que), em
Pecuária e Abastecimento de Minas Gerais da sociedade e evitar futuras restrições
geral, a melhoria ambiental é conside-
(Seapa-MG), para definição de indicadores ao acesso a mercados internacionais, ou
rada desfavorável à competitividade
robustos de impacto das atividades agros- seja, oportunidades para também ganhar
econômica, pois as normas ambientais
silvipecuárias, que subsidiem avaliações dinheiro e respeitabilidade de forma inte-
acarretariam custos adicionais para as
de balanço ambiental dessas atividades ligente e sustentável. Segundo esse autor,
empresas [...] Numerosos estudos, con-
no Estado. já foi superada a fase obscurantista em que
tudo, sugerem que o confronto, entre
Isso contribuirá, por certo, para que o o meio ambiente era visto como entrave
meio ambiente e competitividade, é
setor agrícola mineiro incorpore, além da ao crescimento econômico e ao lucro das
um falso dilema [...] (tradução nossa).
preocupação com suas atividades produtivas empresas, as metas e estratégias empresa-
Tais conclusões reforçam a necessidade e a utilização racional de recursos naturais, riais terão de incorporar com seriedade e
de buscarem indicadores ambientais mais o retorno benéfico, dela resultante, também prioridade ao componente ambiental.
robustos, que reflitam com mais acurácia, para todos os grupos de interesse e para a Ao intensificar esforços para se pre-
no caso das atividades agrossilvipecuárias, sociedade como um todo, no presente e no venirem impactos negativos, como, por
os fenômenos físicos, químicos e bioló- futuro. Tal como propugnado pela Confe- exemplo, relacionados com a geração de
gicos que ocorrem nas interações solo- rência de Chapel Hill, de 1999, organizada resíduos, foram sendo descobertas inova-
-água-planta-atmosfera, os quais, além de pela Universidade da Carolina do Norte, ções que resultaram em aumento de produ-
resultar em impactos ambientais negativos, Estados Unidos. Esse conceito ampliado tividade, no uso dos recursos empregados
também conduzem a ganhos ambientais de desenvolvimento sustentável está hoje na atividade produtiva, sendo que muito
substantivos, ao amenizar/mitigar as con- internalizado nas práticas corporativas de poucas redundaram em aumento líquido
sequências dos primeiros. grupos empresariais brasileiros reunidos de custos. Ademais, essas inovações foram
Assim, a medida de avaliação do grau no Conselho Empresarial Brasileiro para alcançadas com investimentos surpreen-
de vulnerabilidade ambiental (e da conse- o Desenvolvimento Sustentável (Cebds), dentemente baixos e períodos de retorno
quente capacidade de suporte), causada por que o vem sendo difundido por todo o País. do investimento feito também muito re-
essa atividade, não pode restringir-se à ma- duzidos. A inovação, em resposta à maior
triz proposta atualmente com dois índices: APLICAÇÃO DO CONCEITO regulamentação ambiental, é passível de
o índice de impacto ambiental negativo e o DE PRODUTIVIDADE NO USO
enquadramento em duas grandes categorias
DE RECURSOS E MELHORIA
de benefícios socioeconômicos. descritas a seguir:
AMBIENTAL
Com efeito, a adoção do índice de ba- a) novas tecnologias e abordagens que
lanço ambiental, em substituição ao índice Segundo Porter e Linde (1999):
minimizam o custo do tratamento da
de impacto ambiental negativo, por certo na questão do papel central, desem- poluição, quando existente:
contribuirá para que se afaste do antago- penhado pela inovação tecnológica, e É o caso, por exemplo, do tra-
nismo: minimizar os impactos ambientais da ligação entre melhoria ambiental e tamento e aplicação de dejetos de
x maximizar a oferta de produtos, ainda produtividade no uso dos recursos, há suínos de forma correta, como o uso
imperante nos processos de tomada de dados abundantes, mostrando clara- do fertilizante orgânico nas lavouras
decisão no interior de muitas agências de mente que os custos da observância da e pastagens, em que se captam os
controle ambiental no Brasil. regulamentação ambiental são passíveis recursos incorporados na poluição,
Portanto, a construção de indicadores de ser minimizados e, até mesmo, de indesejável (dejetos diluídos de suínos)
que reflitam o balanço ambiental da agricul- ser eliminados, por meio de inovações e os converte em algo de valor, por-
tura é condição necessária para informar/ que proporcionem outros benefícios tanto, desejável (fertilizante orgânico
subsidiar/orientar os tomadores de decisão, competitivos, principalmente em substituindo parcialmente fertilizante
tanto públicos quanto privados, no licencia- setores e subsetores afetados signifi- industrializado). Outro exemplo, mem-
mento ambiental e na implementação de cativamente pela legislação ambiental, bros do cluster do couro da Catalunha,
atividades agrossilvipecuárias sustentáveis, internacionalmente, como o de papel e
na Espanha, vinham atribuindo seu
no espaço e no tempo. Não é por outra celulose e químico em geral, nos quais
declínio em competitividade à rigidez
o dilema ecologia-economia parece
razão que, em Minas Gerais, a Secretaria dos regulamentos ambientais locais.
incontornável.
de Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino Uma pesquisa revelou, contudo, que as
Superior de Minas Gerais (Sectes-MG), por Conforme Prince (2002), nos países normas ambientais de seus principais
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rivais (os italianos) eram de fato mais existentes são mais bem aproveitados. no tratamento e reciclagem de resíduos
rigorosas que as da Catalunha. Como Suas consequências benéficas assumem industriais, por meio do tratamento,
resultado, as empresas que tratavam várias formas, incluindo a utilização beneficiamento e comercialização de
o couro com tanino, as quais tinham mais eficiente de insumos específicos, cerca de 98% das mais de 180 mil
sido previamente inquiridas sobre o como as rações para os suínos, ense- toneladas geradas anualmente em
relaxamento da legislação ambiental, jando, por meio do conhecimento das Guaíba, na região metropolitana de
decidiram instalar, juntas, uma nova exigências nutricionais do animal, uma Porto Alegre, em parceria com empresa
planta, utilizando tecnologia limpa de melhor conversão dos nutrientes dos especializada em tratamento e comer-
uso de tanino no preparo do couro e um seus componentes e, por consequência, cialização de resíduos. O contrato
centro de P&D. O processo de organi- reduzindo, a um só tempo, o custo de entre as duas empresas estabelece um
zação em cluster convenceu-os de que produção e a geração de resíduos dela pagamento mensal, por parte da Kla-
cuidar do meio ambiente, atualmente, é decorrentes. bin, pela reciclagem dos seus resíduos
fator de promoção (e não de inibição) Um exemplo atual é a linha de (que representam, em volume, 43%
da competitividade. pesquisa em melhoramento genético da produção anual de celulose), custo
b) melhoria da produtividade no uso do milho, por meio da qual se busca a esse que é abatido posteriormente do
dos recursos, com ataque às causas qualidade do grão de milho, fixando-se, lucro da empresa terceirizada, obtido
básicas da poluição, o que é muito portanto, não apenas na produtividade com a venda dos produtos resultantes.
mais interessante e importante para física da planta, mas nas exigências Assim, desde 1992, a Klabin não tem
o empreendedor e para a sociedade nutricionais dos animais (responsáveis qualquer gasto com a reciclagem de
como um todo: por 70% do consumo desse grão), com seus resíduos.
O conceito de produtividade dos re- o objetivo de aumentar sua conversão Não são apenas as grandes empre-
cursos descortina uma nova maneira de alimentar. sas que veem oportunidade, em vez de
olhar para ambos os lados da questão: Outra experiência bem-sucedida ameaça, na observância das normas
para o sistema de custos totais e para o no Brasil é a da indústria de papel e ambientais e na busca da produção
valor associado a um produto qualquer. celulose. A Celulose Nipo-Brasileira sustentada. Em São Paulo, uma parce-
Ineficiências no uso de recursos são S/A (Cenibra) está-se tornando um ria entre o Serviço de Apoio às Micro
mais óbvias dentro de uma empresa, bom exemplo da adoção do conceito de e Pequenas Empresas de São Paulo
sob a forma de utilização incompleta produtividade no uso de recursos am- (Sebrae-SP) e Federação das Indústrias
de materiais e controles precários de bientais, numa atividade sabidamente do Estado de São Paulo (Fiesp) está
processos, os quais resultam em perdas impactante, tanto na fase de produção implementando o Programa Gestão
desnecessárias, defeitos (e retrabalho da matéria-prima (matas homogêneas Ambiental, já com 107 pequenas em-
consequente) e estocagem de material. de eucalipto), quanto no processo in- presas participantes.
Mas há também outros custos ocultos, dustrial (produção de celulose). Loca- Outro exemplo de gerenciamento
escondidos no ciclo de vida de um lizada no Vale do Rio Doce, em Minas sustentável de recursos naturais, em
produto. Embalagens descartadas Gerais, a Cenibra vem crescentemente nível municipal, internacionalmente
por distribuidores e consumidores, incorporando boas práticas, tanto no reconhecido, é o de Seoul, capital da
por exemplo, desperdiçam recursos processo produtivo florestal (por meio Coreia do Sul, uma cidade com 600
e adicionam custos. Consumidores de melhoramento genético, silvicultura anos e 10 milhões de habitantes; e que,
arcam com custos adicionais, quando de precisão, proteção florestal, balanço já em dezembro de 2004, estabelecera
usam produtos que poluem ou desper- hídrico e matocompetição), quanto na uma nova regulamentação, que exigia a
diçam energia. Recursos são perdidos fase industrial (processos de recupe- instalação generalizada de sistemas de
também quando produtos que contêm ração que permitem o aproveitamento coleta da água de chuva, cujo principal
materiais ainda utilizáveis são des- dos compostos orgânicos na geração propósito é mitigar o escoamento dessa
cartados e quando os consumidores de vapor e de compostos químicos, que água e, em segundo lugar, conservá-la
pagam – direta ou indiretamente – por voltam, assim, a ser utilizados na pro- (HAN, 2007).
sua disposição final. dução de celulose, promovendo a mini- Ou seja, um jogo do tipo ganha-
A melhoria da produtividade no uso mização do impacto ambiental) de suas -ganha, implementado pela estratégia
de recursos ocorre, por exemplo, com atividades verticalmente integradas. dos 4 Ts - captar Toda água, em Todos
o emprego de materiais menos dispen- A Klabin Celulose Riocell, no Rio os lugares, por Todas as pessoas, Todo
diosos, como substitutos, ou quando os Grande do Sul, realizou investimentos o tempo.
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Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais 11

Iniciativas para melhorar o meio am- c) manuseie material com atenção;


biente têm, tradicionalmente, dado atenção
demasiada a esses enfoques em custos.
d) elimine tarefas supérfluas.
Em um mundo marcado por grande
Conheça as
Assim, estas iniciativas têm-se centrado
no controle da poluição, via melhor iden-
incerteza, ambiguidade profunda e con- principais pragas
corrência intensa:
tificação; processamento; e disposição final
[...] a vantagem competitiva – de um ne-
da cultura da
de resíduos, ou pela abordagem de custo
das perdas. gócio, uma empresa ou uma nação – re- pimenta
Afortunadamente, em anos recentes, sulta menos de vantagens comparativas
companhias e agências governamentais naturais (que são herdadas, entretanto
de regulamentação ambiental mais podem ser facilmente imitadas), mas A cultura da pimenta tem
avançadas têm abraçado o conceito de da criação e aperfeiçoamento contínuo experimentado grande
prevenção da poluição, algumas vezes de fatores de produção especializados. crescimento nos últimos anos
(PORTER, 1989).
chamado fontes de redução, que utiliza em diversas regiões brasileiras,
métodos, tais como, substituição de sendo o estado de Minas
material e adoção de processos em cir- REFERÊNCIAS Gerais o maior produtor. Esta
cuitos fechados completos para limitar CGIAR. Challenge Program on Water and cultura tem grande importância
a poluição, antes que esta ocorra. Mas Food: background papers for full proposal. econômica, em razão de sua alta
ainda que a prevenção da poluição seja Colombo, Sri Lanka: IWMI, 2002. p.163. rentabilidade e da demanda de
um estádio importante na direção cor- HAN, M. Innovative rainwater harves- mão de obra, especialmente na
reta, na atualidade, as empresas devem ting and management practice in Korea. colheita.
ancorar suas ações para melhorar o meio [S.l.]: NOWRA, 2007. NOWRA Conference, Abordando um dos temas mais
ambiente, em termos de produtividade Baltimore, USA, Mar. 12, 2007. Disponí-
importantes para a qualidade
dos recursos. vel em: <http://www.nowra.org/water2007/
das pimentas, este livro
documents/Han_KoreanRWHM.pdf>.
Assim, em vez de centrar esforços na apresenta, de forma ilustrada,
Acesso em: 24 set. 2012.
eliminação de custos ou no tratamento da as principais pragas da cultura
poluição, as empresas devem concentrar-se MINAS GERAIS. Lei no 17.007, de 28 de se-
tembro de 2007. Atualiza o Plano Mineiro e alternativas de controle.
na inclusão dos custos de oportunidade da
de Desenvolvimento Integrado – PMDI – e dá
poluição – recursos desperdiçados, esfor-
outras providências. Minas Gerais, Belo Ho-
ços jogados fora e redução no valor do rizonte, 29 set. 2007. Diário do Executivo, p.1.
produto para o consumidor. Sob este novo
PORTER, M.E. A vantagem competitiva das
enfoque – de produtividade dos recursos – nações. Rio de Janeiro: Campus, 1989.
ambientalismo e competitividade andam
PORTER, M. E. On competition. Boston:
juntos. O movimento pela Qualidade Total,
Harvard Business Book, 1998. p.15, 387.
dos anos 80, é uma clara e poderosa lição
PORTER, M.E.; LINDE, C. van der. Soluções
de como se tratar a poluição sob o ponto
competitivas para problemas sociais – ver-
de vista ou enfoque da ineficiência (no uso)
de e competitivo: acabando com o impasse.
de recursos. In: PORTER, M.E. Competição: estratégias
Portanto, não é surpreendente que a competitivas essenciais. Rio de Janeiro:
Gestão pela Qualidade Total (GQT) tenha- Campus, 1999. p.371-396.
-se transformado em fonte de ideias, para PRINCE, A. de A. Por quê ocorrem desas-
os esforços de controle também da polui- tres ambientais? Hoje em Dia, Belo Hori-
ção, capazes de redundar em benefícios zonte, 13 dez. 2002. p.7.
compensadores, inclusive para as empresas SCHAFFERT, R. E.; BAHIA FILHO, A. F. C. publicacao@epamig.br
que as adotam. Esses princípios básicos e Sustainable agriculture on soils acid: the
recomendações, largamente utilizados nos challenge. In: INTERNATIONAL SYMPO-
(31) 3489-5002
programas de GQT, são: SIUM ON PLANT SOIL INTERACTIONS
AT LOW PH, 4., 1996, Belo Horizonte. Sus-
a) utilize insumos mais eficientemente;
tainable agriculture and forestry produc-
b) elimine a necessidade de correr tion. Campinas: Sociedade Brasileira de
riscos desnecessários; Ciência do Solo, 1997. p.1.

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Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas


José Mário Lobo Ferreira 1
João Herbert Moreira Viana 2
Adriana Monteiro da Costa 3
Daniel Vieira de Sousa 4
Andréia Aline Fontes 5

Resumo - Um sistema integrado para aferição do desempenho econômico, social e am-


biental é apresentado com o objetivo de auxiliar a gestão de estabelecimentos rurais.
O sistema denominado Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas (ISA) é
composto por um conjunto de 23 indicadores que abrangem os balanços econômico e
social, o gerenciamento do estabelecimento, a qualidade do solo e da água, o manejo dos
sistemas de produção e a diversificação da paisagem e o estado de conservação da vege-
tação nativa. Valores no intervalo de 0 a 1 são gerados para cada indicador. Considera-se
0,7 o valor de referência para um bom desempenho ambiental, social ou econômico. A
média aritmética simples dos 23 indicadores de sustentabilidade resulta em um índice
final do estabelecimento avaliado. Com o apoio de imagens de satélite e levantamento de
campo são gerados croquis do estabelecimento rural, por meio de técnicas de geoproces-
samento, contendo o uso e a ocupação do solo e a identificação das Áreas de Preservação
Permanente (APPs). O sistema ISA já foi aplicado em aproximadamente 500 estabeleci-
mentos rurais, em diferentes regiões do estado de Minas Gerais.
Palavras-chave: ISA. Desempenho ambiental. Agricultura sustentável. Gestão ambiental.

INTRODUÇÃO Para isso, os instrumentos das políticas sempenho econômico, social e ambiental
ambientais, tanto federal, quanto estaduais, na escala de estabelecimentos rurais, com
Imperativa é a mudança na compreen-
apontam para a necessidade de estímulos o objetivo de auxiliar o processo de tomada
são sobre o papel do espaço rural na con-
servação e proteção dos recursos naturais. ao produtor rural, pois é conhecida a difi- de decisões. Dessa forma, o responsável
O produtor rural tornou-se protagonista culdade vivenciada, principalmente pelos pelas atividades produtivas consegue rea-
na gestão de sistemas complexos, diver- agricultores familiares, nos processos de lizar um planejamento técnico com visão
sificados, integrados e interdependentes. regularização ambiental de suas proprieda- integrada e uma interação harmônica entre
Conciliar eficácia econômica, responsa- des e, ao mesmo tempo, de adequá-las não os sistemas de produção e a conservação
bilidade social e proteção do patrimônio somente para atendimento à legislação am- dos recursos naturais existentes, em con-
natural, provendo, ao mesmo tempo, biental, mas também às demais dimensões formidade com a Legislação Ambiental
serviços ecossistêmicos para a socieda- da sustentabilidade, a econômica e a social. vigente.
de, tornou-se uma questão estratégica e Portanto, há necessidade de promover A capacidade organizacional e geren-
central para o produtor dar continuidade processos educativos e gerenciais, por cial, independentemente das diferenças dos
ao seu negócio. meio de ferramentas para aferição do de- diversos segmentos nos setores agropecu-

1
Engo Agro, M.S., Pesq. EPAMIG-DPPE/Bolsista FAPEMIG, CEP 31170-495 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico: jmlobo@inet.com.br
2
Engo Agro, D.S., Pesq. EMBRAPA Milho e Sorgo, Caixa Postal 285, CEP 35701-970 Sete Lagoas-MG. Correio eletrônico: joao.herbert@embrapa.br
3
Geógrafa, D.S., Profa Adj. UFMG-IGC - Depto. Geografia, Caixa Postal 719, CEP 31270-901 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico:
drimonteiroc@yahoo.com.br
4
Geógrafo, M.S., Bolsista FAPEMIG/EPAMIG Zona da Mata, Caixa Postal 216, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico:
danielgeoufv@yahoo.com.br
5
Enga Agr a, M.S., Bolsista FAPEMIG/EPAMIG Zona da Mata, Caixa Postal 216, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico:
alinefontes@yahoo.com.br

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Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais 13

ário e florestal, deve ser adquirida pelos a Lei no 14.309, de 19 de junho de 2002 O ISA foi concebido visando otimi-
produtores rurais6. (MINAS GERAIS, 2002). Por meio desta zar a relação entre sensibilidade e custo/
A transição de Sistemas de Produção Lei, pela primeira vez, é reconhecido o facilidade de aplicação. Para isso utiliza
Agrossilvipastoris para modelos mais uso consolidado nas Áreas de Preservação indicadores já conhecidos e validados pela
integrados, diversificados e resilientes, Permanente (APPs)7, onde são necessários literatura, que sejam de baixo custo e fáceis
implica em maior complexidade e reforça manejo e utilização diferenciados, a fim de ser aplicados por técnicos ou produtores
a necessidade do monitoramento, por meio de manter a função ambiental sem perder sem treinamento especializado.
de métricas e parâmetros que compõem um de vista a manutenção social e econômica O sistema ISA baseou-se em diversos
conjunto de indicadores. dos produtores. trabalhos sobre indicadores de sustenta-
Tendo em vista essas preocupações, Neste artigo serão apresentados a es- bilidade e sobre avaliação de impactos
estabeleceu-se o Projeto Estratégico de- trutura e alguns resultados da aplicação do ambientais para o setor agropecuário e
nominado “Adequação Socioeconômica sistema ISA em várias regiões do estado de florestal (LÓPEZ-RIDAURA; MASERA;
e Ambiental das Propriedades Rurais”, Minas Gerais. ASTIER, 2001; DEPONTTI; ECKERT;
capitaneado pela Secretaria de Estado de AZAMBUJA, 2002; RODRIGUES;
Agricultura, Pecuária e Abastecimento de SISTEMA ISA C A M PA N H O L A , 2 0 0 3 ; M AT TO S
Minas Gerais (Seapa-MG), com o objetivo FILHO, 2004; RAO; ROGERS, 2006; QIU
Indicadores podem ser compreendidos
de orientar os produtores na gestão de suas et al., 2007; ANDRADE, 2007; CORREA;
como instrumento que permite mensurar
atividades produtivas, bem como do espaço TEIXEIRA, 2008; ASTIER; MASERA;
as modificações nas características de
rural, compreendidos nos limites de sua GÁLVAN-MIYOSHI, 2008; GÓMEZ-
um determinado sistema (DEPONTI;
propriedade, com vistas à sustentabilidade. LIMÓN; SANCHEZ-FERNANDEZ,
ECKERT; AZAMBUJA, 2002) e avaliar 2010; CHAVES, 2010; RODRIGUES et
Para sua execução, foi desenvolvido o sis-
tema Indicadores de Sustentabilidade em uma situação presente e sua tendência de al., 2010).
Agroecossistemas (ISA), pela EPAMIG comportamento, bem como estabelecer um O sistema ISA é apresentado como
em parceria com a Empresa de Assistência termo de comparação em escala temporal ferramenta de gestão para o produtor, com
Técnica e Extensão Rural do Estado de e espacial (CORRÊA; TEIXEIRA, 2008). o objetivo de realizar um diagnóstico dos
Minas Gerais (Emater-MG), Instituto Esta- Para tanto, um indicador deve avaliar balanços social, econômico e ambiental do
dual de Florestas (IEF), Empresa Brasileira uma variável, com base em uma situação estabelecimento, apontar pontos críticos
de Pesquisa Agropecuária - Centro Nacio- padrão ou ideal a ser alcançada (MAR- ou riscos e os pontos positivos e oportuni-
nal de Pesquisa de Milho e Sorgo (Embrapa ZALL, 1999), e ser validado socialmente, dades de negócios. Além disso, gera uma
Milho e Sorgo), Universidade Federal de por meio da aplicação de estudos de caso série de informações úteis para auxiliar o
Minas Gerais (UFMG) e Fundação João comparados com padrões determinados gestor público na identificação de vulne-
Pinheiro (FJP), por meio de projeto de pela sociedade. rabilidades socioeconômicas, fragilidades
pesquisa financiado pela Fundação de Am- Portanto, a escolha dos parâmetros e as ambientais, entraves e potencialidades de
paro à Pesquisa do Estado de Minas Gerais medidas para análise e interpretação dos atividades agrossilvipastoris na escala de
(Fapemig), com o apoio da Secretaria de dados devem ser claras e transparentes, uma sub-bacia hidrográfica, bem como
Estado de Ciência, Tecnologia e Ensino sem deixar dúvidas sobre os princípios na elaboração e no monitoramento de
Superior de Minas Gerais (Sectes-MG), utilizados no processo de avaliação (MAR- programas específicos de intervenção em
Seapa-MG e Secretaria de Estado de Meio ZALL; ALMEIDA, 2000). A construção áreas ou situações problemáticas, de pro-
Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de uma metodologia precisa, de fácil gramas indutores para adoção de práticas
(Semad). aplicação e de baixo custo, que integre de adequação ambiental e socioeconômica,
O Projeto Estratégico começou a ser fatores econômicos, sociais e ambientais ou de programas para o reconhecimento e
concebido em 2009, a partir do Decreto em diferentes locais, é um dos desafios premiação de produtores com bom desem-
no 45.166, de 4 de setembro de 2009 (MI- para avaliação da sustentabilidade nos penho ambiental. Desse modo, o sistema
NAS GERAIS, 2009), que regulamenta agroecossistemas. deve ser robusto, replicável e adotado

6
Esta é uma das diretrizes que consta no documento elaborado pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), para a Con-
ferência Rio+20 (BRASIL, 2012).
7
Área protegida, coberta ou não por vegetação nativa, com a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade
geológica e a biodiversidade, facilitar o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas, conforme
Código Florestal (BRASIL, 2012).

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em larga escala, mas, ao mesmo tempo, c) manejo integrado de resíduos; análises laboratoriais, geoprocessamento
deve considerar as especificidades locais d) adoção de práticas de estímulo à de imagens de satélite e processamento e
na interpretação e contextualização das proteção da biodiversidade; interpretação dos dados.
informações geradas. e) atendimento das normas (código
ESTRUTURA DO ISA
O conjunto de indicadores que com- florestal, licenciamento, água, le-
põem o ISA avalia alguns princípios gislação trabalhista, etc.); O ISA utiliza uma planilha eletrônica
e critérios que norteiam a transição de f) relacionamento com a comunidade; para a entrada e processamento de dados
agroecossistemas para um padrão de maior g) acesso a programas educacionais e (questionário; dados gerados pelo geopro-
sustentabilidade: de capacitação; cessamento; indicadores; índices gerais;
síntese dos dados; relatório do produtor;
a) planejamento do uso do solo, de h) acesso aos serviços básicos;
guia de planejamento do técnico; planeja-
infraestruturas e técnicas de produ- i) diversificação da paisagem agrícola.
mento do produtor).
ção para a conservação dos solos e O ISA foi desenvolvido para ser rea- O conjunto de indicadores foi agru-
recursos hídricos; lizado no campo e no escritório. É feita pado em sete subíndices, envolvendo as
b) manejo integrado dos sistemas de a entrevista com o produtor e a coleta de dimensões econômica, social e ambiental
produção; dados no estabelecimento, bem como, (Quadro 1).

QUADRO 1 - Descrição dos sete subíndices e dos 23 indicadores


Subíndices Indicadores
Balanço econômico 1 - Produtividade e preço de venda apurados
2 - Perfil e diversificação da renda
3 - Evolução patrimonial
4 - Grau de endividamento

Balanço social 5 - Serviços básicos disponíveis


6 - Segurança alimentar no entorno das residências
7 - Escolaridade/Cursos direcionados às atividades agrossilvipastoris
8 - Qualidade da ocupação e do emprego gerado

Gestão do estabelecimento rural 9 - Gestão do empreendimento


10 - Gestão da informação
11 - Gerenciamento de resíduos e efluentes
12 - Segurança do trabalho e gestão do uso de agrotóxicos e produtos veterinários

Capacidade produtiva do solo 13 - Fertilidade do solo

Qualidade da água 14 - Qualidade da água superficial


15 - Qualidade da água subterrânea
16 - Risco de contaminação da água por agrotóxicos

Manejo dos sistemas de produção 17 - Áreas com solo em estádio de degradação


18 - Grau de adoção de práticas conservacionistas
19 - Estado de conservação de estradas internas e externas

Ecologia da paisagem agrícola 20 - Vegetação nativa - fitofisionomias e estado de conservação


21 - Áreas de Preservação Permanente (APPs)
22 - Reserva Legal (RL)
23 - Diversificação da paisagem agrícola

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Indicadores relacionados trabalhista e de uma série de recomen- resultados foram utilizadas as publicações
com o balanço econômico dações e determinações do Ministério do “Recomendação para o uso de corretivos e
Parte do pressuposto que o crescimento Trabalho e do Emprego (MTE) para os fertilizantes em Minas Gerais” (RIBEIRO;
do valor do negócio pode ser associado ao estabelecimentos que empregam pessoas GUIMARÃES; ALVAREZ V., 1999) e
seu sucesso. Opera verificando a produti- nos sistemas de produção. “Cerrado: correção do solo e adubação”
vidade e o valor de venda das atividades (SOUSA; LOBATO, 2004).
Indicadores relacionados São feitas avaliações da qualidade da
de maior peso na receita monetária total do com a gestão
estabelecimento (a média de produção de água de nascentes, dos corpos d´água que
todos os talhões ou criações na propriedade Avaliam a capacidade de gestão do em- passam pelo estabelecimento e da água
é calculada e comparada com a média do preendedor com base no uso de instrumen- subterrânea, conforme o enquadramento
município, obtida nos relatórios anuais do tos adequados de controle, administração e da Resolução do Conama no 430, de 13
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatís- acesso a informações relativas ao negócio, de maio de 2011 (CONAMA, 2011) e
tica (IBGE), cooperativas, associações ou assim como alguns aspectos relacionados Portaria no 518, de 25 de março de 2004
escritório local da Emater-MG). com a geração de resíduos e de medidas de do Ministério da Saúde (BRASIL, 2004).
É avaliada a composição da renda do segurança, quando utilizam-se agrotóxicos Os ecossistemas aquáticos também são
produtor (atividade agrícola; não agrícola; e produtos veterinários. avaliados nos pontos de coleta de amostras
gerada dentro ou fora do estabelecimento; Verifica-se o grau de adoção de al- de água superficial. Finalmente é avaliado
proveniente de aposentadoria, pensão ou gumas ferramentas de gestão, tais como: o potencial de contaminação da água com
ajuda financeira), considerando também contabilidade; acesso à assistência técni- base nas características de todos os agro-
se ocorre concentração de renda em uma ca; participação de formas associativas; tóxicos, eventualmente utilizados no esta-
única atividade. regularização ambiental e acesso ao belecimento, considerando a persistência
Verifica a evolução ou regressão patri- crédito. Verificam-se também se há busca no ambiente e a mobilidade do ingrediente
monial do estabelecimento em um deter- de informações de mercado, aplicação de ativo, a toxicidade da formulação e o vo-
minado tempo, calculado pela somatória da tecnologias inovadoras, capacidade de lume de calda aplicado.
valorização da terra na região, benfeitorias, inovação e de colocação de produtos em
equipamentos, semoventes e modificações mercados diferenciados. Indicadores relacionados
no uso e ocupação do solo. É verificado Com relação à gestão de resíduos ge- com o manejo dos sistemas
rados no estabelecimento, verificam-se a de produção
também o grau de endividamento do pro-
dutor, por meio da avaliação da proporção coleta, a destinação, o reaproveitamento Avaliam a adequação do manejo em
do montante da dívida total em relação ao e o tratamento dado aos resíduos sólidos curso com base no diagnóstico de sinais de
valor do patrimônio estimado. e efluentes. Nos casos de uso de agrotóxi- degradação e erosão do solo. Verifica-se a
cos e produtos veterinários, verificam-se presença de solos em estádio de degrada-
Indicadores relacionados o atendimento das normas de segurança ção, considerando a área, a intensidade e
com o balanço social para as pessoas que manipulam ou estão a tendência de comportamento (intensifi-
Verificam-se questões relativas à dispo- expostas a estes produtos, o seu arma- cação, estabilização ou diminuição do pro-
nibilidade de bens e de serviços essenciais: zenamento e a destinação adequada das cesso). Avalia-se também o grau de adoção
disponibilidade de água em quantidade e embalagens vazias. de medidas para a conservação dos solos
qualidade; coleta pública de lixo; energia em todos os sistemas de produção. Além
elétrica; telefone; internet; acesso regular Indicadores relacionados
disso, verificam-se o estado de conservação
com a qualidade do solo e
ao transporte público e ao transporte esco- das estradas e a adoção de medidas para
da água
lar; serviço de saúde; segurança alimentar sua conservação e drenagem.
(disponibilidade de frutas, hortaliças e Com estes indicadores pode-se avaliar
fontes de proteína animal). a capacidade de o ambiente prover os re- Indicadores relacionados
São verificados ainda o grau de escola- cursos mínimos necessários à manutenção com a diversificação
ridade e o acesso a cursos de capacitação dos sistemas de produção, assegurando da paisagem rural
uma produtividade estável com retorno e conservação da
de longa e/ou curta duração, de todas as
vegetação nativa
pessoas envolvidas no empreendimento, econômico para o agricultor.
como também, o acesso das crianças à São avaliados nove parâmetros rela- Estes indicadores avaliam o estado
rede básica de ensino regular. Finalmente, cionados com as propriedades químicas de preservação das áreas com vegetação
verifica-se o cumprimento da legislação e físicas do solo. Para a interpretação dos nativa e o nível de fragmentação destes
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16 Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais

hábitats no estabelecimento. São verifi- ou a formação de corredores ecológicos o valor de referência, utilizando-se fatores
cados o estado de conservação das áreas interligando áreas de vegetação nativa com de ponderação para cada parâmetro avalia-
identificadas para preservação perma- as propriedades vizinhas. do. O valor 0,7 é considerado como a linha
nente − APPs, e avaliado o cumprimento Para o preenchimento desses dados, de base ou limiar de sustentabilidade, ou
com a exigência de Reserva Legal (RL)8, utilizam-se as informações coletadas em seja, abaixo deste valor é considerada uma
em conformidade com o Código Florestal campo e geradas por meio de técnicas de situação indesejável ou inadequada (Fig. 2).
(BRASIL, 2012). geoprocessamento de imagens de satélite. O sistema gera automaticamente um
Observam-se o grau de adoção de prá- As informações são preenchidas direta- índice final a partir da média aritmética
ticas que auxiliam na indução da agrobio- mente no sistema, em formato de planilha simples das notas atribuídas aos 23 indica-
diversidade, a diversificação da paisagem eletrônica, possibilitando a participação do dores. Os valores obtidos também estão no
na escala do estabelecimento agropecuário produtor e do técnico durante as avaliações intervalo de 0 a 1 e a nota 0,7 é considerada
e o grau de diversificação das áreas frontei- (Fig. 1). o valor de base para um bom desempenho
riças em relação ao estabelecimento agro- Para cada indicador é gerado um índice ambiental, social e econômico (Fig. 3). O
pecuário, o que permite avaliar possíveis que varia de 0 a 1, obtido a partir de funções sistema de avaliação permite a geração au-
pressões advindas de extensas áreas de que atribuem valor às variáveis, ao compa- tomática de gráficos e de tabelas agregando
monocultura sobre as áreas de produção, rar o valor aferido no estabelecimento com os indicadores em temas (Fig. 4 e 5).

ISBN 978-85-99764-26-8

INDICADORES
CADORES DE SUSTENTABILIDADE
SUSTENTABILID
SUSTENT EM AGROECOSSISTEMAS

Preencher todos os campos em amarelo

Data

IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADOR

Nome
Tel
Email Dados confidenciais

IDENTIFICAÇÃO DO ESTABELECIMENTO

Nome do município

Identificação do principal curso d´água na sub-bacia hidrográfica

Código do estabelecimento 1 o Unidade de Planejamento e Gestão de Recursos Hídricos UPGRH (IGAM)

Figura 1 - Planilha – Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas (ISA)

Área localizada no interior de uma propriedade ou posse rural, mantendo área com cobertura de vegetação nativa, sem prejuízo da aplicação das
8

normas sobre as Áreas de Preservação Permanente (APPs), delimitada atendendo o porcentual mínimo de 20% em relação à área do estabelecimento,
com a função de assegurar o uso econômico de modo sustentável dos recursos naturais do imóvel rural, auxiliar a conservação e a reabilitação dos
processos ecológicos e promover a conservação da biodiversidade, bem como o abrigo e a proteção da fauna e da flora nativa, conforme o Código
Florestal (BRASIL, 2012).

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Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais 17

Figura 2 - Exemplo do indicador referente à gestão do empreendimento

Figura 3 - Exemplo do índice final, dos subíndices, desvio-padrão e descrição dos indicadores não avaliados

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18 Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais

Figura 4 - Exemplo dos indicadores relacionados com os aspectos socioeconômicos

Figura 5 - Exemplo dos indicadores relacionados com os aspectos ambientais

EXECUÇÃO DO ISA solos, caracterização das principais uni- Recomenda-se formalizar com o produtor
dades da paisagem, levantamento das um termo de confidencialidade dos dados
Alguns aspectos devem ser observa-
fragilidades ambientais, vulnerabilidades gerados pelo sistema, sendo a sua divul-
dos para o planejamento das atividades
socioeconômicas (o que faz o sistema gação somente na forma de dados agrega-
de campo e, sobretudo, para auxiliar na
tornar-se vulnerável? qual a característica dos, sem identificação do proprietário ou
contextualização das informações geradas que mais ressalta?), levantamento dos ín- da propriedade. Para tanto, é gerado um
pelo ISA. dices de produtividade locais e preços de código numérico do estabelecimento com
Deve ser feita a caracterização da venda dos principais produtos agrícolas, referências à Unidade de Planejamento e
região e da sub-bacia hidrográfica, onde pecuários e florestais. Gestão de Recursos Hídricos (UPGRH),
estão localizados os estabelecimentos O sistema ISA foi concebido para ser ao município onde o estabelecimento está
rurais nos seguintes aspectos: hidrografia, aplicado no estabelecimento rural em um localizado e ao principal curso d’água da
geomorfologia, vegetação nativa, clima, período equivalente a um dia de trabalho. região.
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Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais 19

O primeiro passo é verificar com o pro- g) espelho d’água; É necessário percorrer as áreas de
dutor quais os limites do estabelecimento, h) áreas não agrícolas. produção e os fragmentos com vegetação
identificar corpos d’água e nascentes e o nativa para verificar o grau de adoção de
Após a identificação dos limites, dos
uso e a ocupação do solo no estabeleci- práticas de conservação do solo e de indu-
corpos d’água e dos talhões de produção,
mento e nas áreas adjacentes, por meio de ção à agrobiodiversidade em cada talhão,
é feito o preenchimento da planilha, por
imagens de satélite, diretamente no com- do tipo de manejo do solo (plantio direto na
meio de entrevista semiestruturada com
putador ou na forma impressa (Fig. 6 e 7 ). palha, plantio com revolvimento do solo ou
o produtor e verificação no campo dos
O uso e a ocupação do solo são padro-
sistemas de produção e de fragmentos cultivo reduzido), da ocorrência de algum
nizados conforme as categorias:
de vegetação nativa. Quando necessário, fator de limitação do meio à produção
a) lavoura permanente; (como, por exemplo, solum – horizonte
são realizadas coletas de amostras de solo
b) lavoura temporária; para análise em laboratório. Também é A + B – raso ou erodido, lençol freático
c) pastagem; feita uma avaliação da qualidade da água elevado, alta pedregosidade), da presença
d) silvicultura; superficial e dos ecossistemas aquáticos, de erosão, do estado de conservação das
e) pousio9; nos pontos de coleta de amostras de água, estradas e da caracterização dos fragmen-
f) vegetação nativa; conforme Callisto et al. (2002). tos com vegetação nativa (fitofisionomia,

A B
Figura 6 - Exemplo da identificação dos limites, dos corpos d’água e das nascentes
FONTE: Google Earth.
NOTA: A - Identificação dos limites do estabelecimento (linha vermelha); B - Identificação dos corpos d’água (linhas e polígonos em
azul) e das nascentes (pontos em azul).

Prática de interrupção de atividades e usos agrícolas e pecuários ou silviculturais, por no máximo 5 anos, em até 25% da área produtiva da pro-
9

priedade ou posse, para possibilitar a recuperação da capacidade de uso ou da estrutura física do solo, conforme o Código Florestal (BRASIL, 2012).

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20 Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais

VN VN
PA
VN LT VN LT
VN

LP LP

LT LT
PA

VN
PA S PA S

VN VN
LT LT

PA LT VN PA LT
PA
LP
LP

LP

VN VN

PA

VN
A B
Figura 7 - Exemplo do uso e ocupação do solo de um estabelecimento
FONTE: Google Earth.
NOTA: A - Identificação do uso e ocupação do solo dentro do estabelecimento (polígonos em amarelo com as identificações conforme
as siglas); B - Identificação do uso e ocupação do solo no entorno do estabelecimento.
LP - Lavoura permanente; LT - Lavoura temporária; PA - Pastagem; S - Silvicultura; VN - Vegetação nativa.

grau de proteção e de ausência de plantas As análises da qualidade da água são entorno de lagos e lagoas naturais, no
exóticas). Neste caminhamento, são toma- realizadas no local por meio de um kit de entorno de reservatórios de água artifi-
das as coordenadas geográficas dos pontos análise portátil, para aferir os teores de ciais, no entorno de nascentes e dos olhos
de interesse utilizando-se GPS. nitrato, fosfato, medição do pH e verificar d’água perenes e nas faixas marginais das
Nos trechos de coleta de amostras para a presença de coliformes fecais (Fig. 8). veredas, conforme estabelecido no novo
avaliação da qualidade da água superficial Com o apoio das imagens de satélite Código Florestal (BRASIL, 2012). Por
meio da sobreposição das imagens de
é feito o preenchimento de um protocolo e dos dados obtidos no levantamento de
satélite, do modelo digital de elevação e
de avaliação rápida dos ecossistemas campo, é gerado um mapa do estabele-
dados de declividade, são identificadas
aquáticos. As amostras são coletadas em cimento agropecuário, contendo o uso e
as APPs definidas como topo de morros,
dois pontos de um mesmo corpo d’água, a ocupação do solo e a identificação das
montes, montanhas e serras e as APPs de
podendo ser na entrada e na saída do esta- APPs, por meio de técnicas de geoproces- áreas com declive acima de 45o, conforme
belecimento, ou quando um curso d’água samento, com uma série de informações o novo Código Florestal (BRASIL, 2012).
o atravessa, próximo ao local de uma que serão utilizadas no preenchimento dos Após a identificação das APPs no estabele-
nascente, onde o curso d’água deságua em indicadores (Fig. 9). cimento, realiza-se o cálculo dessas áreas e
outro corpo d’água, ou, no ponto de saída São identificadas as APPs nas faixas identificam-se o seu uso e a sua ocupação
do estabelecimento. marginais de cursos d’água naturais, no do solo (Fig. 10).
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Fotos (A, B): José Mário Lobo Ferreira Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais 21

A B C
Figura 8 - Ilustração da verificação da presença de coliformes fecais em um corpo d’água
NOTA: A - Imersão da cartela microbiológica na amostra de água a ser analisada; B - Recolocação da cartela na embalagem plástica,
após escorrer o excesso de água e retirada do picote para evitar contaminações pelo manuseio; C - Resultado obtido após levar
à estufa por 15 horas à temperatura entre 36 oC e 37 oC (pontos azuis representam colônias de coliformes fecais).
FONTE: (C) Embrapa Meio-Norte (2006).

Figura 9 - Exemplo de um mapa, gerado pelo sistema ISA, com o uso e a ocupação do solo e identificação das APPs
NOTA: Croqui gerado sobre imagem de satélite RapidEye.
APP - Área de Preservação Permanente; ISA - Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas.

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22 Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais

Figura 10 - Exemplo dos dados gerados pelo geoprocessamento da imagem de satélite com a identificação do uso e ocupação do solo
e identificação das APPs
NOTA: APPs - Áreas de Preservação Permanente.

Verificam-se com o produtor se a RL racterização das APPs e interpretações das RESULTADOS PRELIMINARES
está regularizada, a sua localização e a análises de amostras de solos e de água no
O sistema ISA10 está sendo adotado
caracterização do seu uso e da ocupação estabelecimento. Um quadro sintético dos
por um Projeto Estratégico do governo de
do solo. Também são conferidas a regulari- dados gerais do estabelecimento também
é gerado na planilha. Essa base de dados Minas denominado “Adequação Socioe-
zação do uso da água (outorga ou dispensa
da outorga) e a regularização ambiental pode ser utilizada para geração de rela- conômica e Ambiental das Propriedades
dos empreendimentos (dispensa de licen- tórios com dados agregados de diversos Rurais”, no qual são realizados treinamen-
ciamento, autorização ambiental de fun- estabelecimentos em uma determinada tos com os técnicos da Emater-MG. Inicial-
cionamento ou licenciamento ambiental). bacia hidrográfica ou região. mente foram selecionados os Programas
Após o preenchimento dos dados é Os fatores de ponderação, fórmulas, Certifica Minas Café, Minas Leite, Verde
gerado automaticamente um relatório gráficos e algumas descrições complemen- Minas e o Projeto de Reassentamento de
com informações que abrangem índices, tares de cada indicador estão acessíveis Irapé da Companhia Energética de Minas
indicadores, uso e ocupação do solo, ca- na aba da planilha denominada fórmulas. Gerais (Cemig) (Fig. 11).

10
O sistema ISA está disponível em: www.epamig.br

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Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais 23

A B C
Fotos (A, B, F): José Mário Lobo Ferreira

Fotos (C, D, E): José Ricardo Roseno


D E F
Figura 11 - Ilustração dos encontros técnicos realizados com a Emater-MG
NOTA: A - Aplicação do ISA em um estabelecimento rural; B - Interpretação da paisagem agrícola; C - Treinamento para a elaboração
dos croquis; D - Avaliação do ecossistema aquático; E - Avaliação do estado de conservação de um fragmento de vegetação
nativa; F - Discussão dos dados gerados pela aplicação do ISA.
ISA - Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas.

O ISA já foi aplicado em diversas regi- QUADRO 2 - Média de alguns dados gerados pela aplicação do ISA em 4 municípios, no
ões do estado de Minas Gerais. No período período 2009 - 2010, totalizando 28 estabelecimentos rurais
de 2009 a 2010, foram realizados testes Municípios
Itens
iniciais nas regiões da Zona da Mata, Alto Araponga Iraí de Minas Diamantina Montes Claros
Paranaíba e Norte de Minas/Vale do Jequi-
Área (ha) 26,8 928,8 106,0 80,0
tinhonha. Em 2011, na região Sul de Minas,
e no período de 2011 a 2012, nas regiões APP (% área total) 21,6% 2,3% 14,6% 2,8%
Norte de Minas, Sul de Minas e Zona da Renda bruta anual (R$/ha/ano) R$ 1.654,59 R$ 2.861,48 R$ 71,00 R$ 31,00
Mata, totalizando aproximadamente 500 Renda bruta estimada no R$ 3.187,60 R$ 276.002,58 R$ 624,00 R$ 204,00
estabelecimentos visitados. estabelecimento (R$/mês)
Os resultados preliminares demonstram NOTA: ISA - Indicadores de Sustentabilidade em Agroecossistemas; APP - Área de Preser-
sensibilidade do sistema ISA a variações vação Permanente.
inter e intrarregionais, relacionadas com
diferentes padrões de manejo, sistemas de mente pequenos e uma parte considerável rendimento, com os consequentes impactos
produção e gestão das propriedades. encontra-se em APPs (21,6%). Contudo, econômicos e ambientais (índices variaram
Observa-se que as particularidades de observa-se que os estabelecimentos com entre 0,64 e 0,68). No Norte de Minas (mu-
cada região, nos aspectos sociais, econômi- manejo agroecológico de cafezais apre- nicípios de Diamantina e Montes Claros),
cos e ambientais, irão refletir nos resultados sentaram resultados superiores aos esta- os resultados refletem a condição particular
da aferição do desempenho ambiental e so- belecimentos com manejo tradicional, com relativa aos reassentamentos de famílias
cioeconômico dos estabelecimentos rurais, predomínio de pastagens degradadas (índi- deslocadas em fase de readaptação (índices
como, por exemplo, renda monetária dos ces gerais de sustentabilidade desses esta- variaram entre 0,63 e 0,75).
produtores, acesso à terra e proporção das belecimentos variaram entre 0,52 e 0,80). O ISA apontou peculiaridades regio-
APPs (Quadro 2). Na região do Alto Paranaíba (município nais que precisam ser consideradas para
Na Zona da Mata (município de Ara- de Iraí de Minas), os resultados refletiram uma análise fidedigna da realidade local.
ponga), os estabelecimentos são relativa- uma agricultura de alta tecnologia e alto Programas de governo direcionados para a
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24 Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais

adequação socioeconômica e ambiental de Rurais” no estado de Minas Gerais, como cedimentos e responsabilidade relativos ao
estabelecimentos rurais deverão considerar instrumento para aferição do desempenho controle e vigilância da qualidade da água
para consumo humano e seu padrão de po-
estas especificidades locais na elaboração econômico, social e ambiental de estabe-
tabilidade, e dá outras providências. Diário
de planos de ação, com o objetivo de lecimentos rurais e para subsidiar políticas
Oficial [da] República Federativa do Bra-
minimizar vulnerabilidades sociais e eco- e intervenções rumo à sustentabilidade. sil, Brasília, 26 mar. 2004. Disponível em:
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dos sistemas de produção. gestão que auxiliem o produtor e o gestor CALLISTO, M. et al. Aplicação de um pro-
público no setor rural, envolvendo vários tocolo de avaliação rápida da diversidade de
habitats em atividades de ensino e pesqui-
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sa (MG-RJ). Acta Limnologica Brasiliensis,
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um índice final que representa a média Associações, Cooperativas e outras formas por pesticisdas. In: FERREIRA, J.M.L. et al.

aritmética simples de 23 indicadores de de organização da sociedade civil e da (Ed.). Indicadores de sustentabilidade em


iniciativa privada. Sistemas de Produção Agrícola. Belo Hori-
sustentabilidade, porém, o valor absoluto zonte: EPAMIG, 2010. p.203-230.
deste índice pode não representar a infor- CONAMA. Resolução no 430, de 13 de maio
mação mais relevante para o usuário, sendo REFERÊNCIAS
de 2011. Dispõe sobre as condições e pa-
necessário contextualizar as informações ANDRADE, A.L.M. de. Indicadores de drões de lançamento de efluentes, comple-
que foram geradas, estabelecer níveis de sustentabilidade na Reserva de Desenvol- menta e altera a Resolução no 357, de 17 de
vimento Sustentável do Piranha, Manaca- março de 2005, do Conselho Nacional do
referência locais e analisar tendências de
puru, Amazonas, Brasil. Acta Amazônica, Meio Ambiente – CONAMA. Diário Ofi-
comportamento de um determinado sistema
Manaus, v.37, n.3, p.401-412, 2007. cial [da] República Federativa do Brasil,
(no caso, o agroecossistema) que vão além Brasília, 16 maio 2011. p.89. Disponível
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riscos identificados como, por exemplo, BRASIL. Lei no 12.727, de 17 de outubro de J.L.B. Estratégia para construção de indica-
2012. Altera a Lei no 12.651, de 25 de maio dores para avaliação da sustentabilidade e
a necessidade de tratamento de efluentes
de 2012, que dispõe sobre a proteção da ve- monitoramento de sistemas. Agroecologia e
e resíduos gerados no estabelecimento, a Desenvolvimento Rural Sustentável, Porto
getação nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31
prevenção da erosão do solo e a recupera- Alegre, v.3, n.4, p.44-52, 2002.
de agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezem-
ção de áreas degradadas. bro de 1996, e 11.428, de 22 de dezembro EMBRAPA MEIO-NORTE. Qualidade de
Este sistema também aponta oportu- de 2006; e revoga as Leis nos 4.771, de 15 de água no Vale do Rio Gurguéia. Teresina,
nidades para maximizar pontos positivos, setembro de 1965, e 7.754, de 14 de abril de [2006]. (EMBRAPA. Projeto Avaliação e mo-
como, por exemplo, acesso a mercados, 1989, a Medida Provisória no 2.166-67, de 24 nitoramento da qualidade de água do Rio
recebimentos por serviços ambientais, de agosto de 2001, o item 22 do inciso II do Gurguéia, Piauí/CT-HIDRO-CNPq. Projeto
art. 167 da Lei no 6.015, de 31 de dezembro 502982/2003-9). Disponível em: <http://
melhoria na organização dos produtores
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Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais 25

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Brasil. 2004. 121f. Dissertação (Mestrado
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Federal de Santa Catarina, Florianópolis,
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A Biotecnologia Moderna deixou de ser conceito ou matéria
MINAS GERAIS. Decreto n 45.166, de 4 de o restrita aos meios acadêmicos e científicos para ocupar um
setembro de 2009. Regulamenta os §§ 5o e 8o espaço cada vez maior no dia a dia do cidadão comum. Nos
do art. 11 da Lei no 14.309, de 19 de junho
de 2002. Minas Gerais, Belo Horizonte, 5
setores produtivos, tanto da indústria como da agropecuária,
set. 2009. Diário do Executivo, p.2. Disponí- o interesse pelos benefícios advindos da biotecnologia e sua
vel em: <httpp://www.almg.gov.br>. Aces- adoção na forma de produtos e processos ocorreu bem mais
so em: 24 set. 2012.
MINAS GERAIS. Lei no 14.309, de 19 de ju-
cedo do que em outros setores da sociedade.
nho de 2002. Dispõe sobre as políticas flo-
restal e de proteção à biodiversidade no Es- O livro Biotecnologia aplicada à agropecuária vem preencher
tado. Minas Gerais, Belo Horizonte, 20 jun.
2002. Diário do Executivo, p.3. Disponível uma lacuna com relação à informação referente às aplicações
em: <httpp://www.almg.gov.br>. Acesso práticas da biotecnologia no setor agropecuário, dispostas
em: 24 set. 2012.
em 21 capítulos sobre algumas das principais espécies
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26 Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais

Adequação ambiental da Bacia Hidrográfica do Rio Claro


Maurício Roberto Fernandes 1
Humberto Paulo Euclydes 2
Antônio Giacomini Ribeiro 3

Resumo - A adequação ambiental de propriedades rurais deve transcender à observân-


cia da Legislação Ambiental vigente, levando em conta a fragilidade de cada ecossiste-
ma e suas respectivas limitações e potencialidades, culminando com suas aptidões para
usos e ocupações múltiplas. A integração entre as propriedades situadas na mesma
bacia hidrográfica potencializa resultados ambientais, sobretudo, no controle do ciclo
hidrológico e na sustentabilidade das atividades produtivas rurais desenvolvidas nes-
te compartimento geográfico. A estratificação de ambientes, tendo como elementos de
análises as unidades de paisagens, desde que respeitadas as especificidades regionais,
apresenta nítidas vantagens sobre as demais metodologias de caracterização do meio
físico. Como reflexos dessas iniciativas, destacam-se a harmonia entre atividades pro-
dutivas com a sustentabilidade das atividades e a qualidade ambiental, com reflexos
positivos na qualidade e disponibilidade dos recursos hídricos. Apresenta-se uma pro-
posta de adequação ambiental, utilizando-se uma metodologia que integra elementos
dos meios físico, biótico e socioeconômico da Bacia Hidrográfica do Rio Claro, afluente
do Rio Paranaíba, na região do Triângulo Mineiro.
Palavras-chave: Unidade de paisagem. Estratificação de ambientes. Sustentabilidade.

INTRODUÇÃO produtores como limitantes à disponibilida- em seu segmento no Triângulo Mineiro.


de de área para utilização produtiva. Para Localiza-se a sudoeste da Bacia do Rio Pa-
A adequação ambiental de propriedades
isso, medidas que influem positivamente ranaíba, em Minas Gerais, adentro da Sub-
rurais não só deve embasar-se na legislação
nas atividades devem ser agregadas. Dentre bacia do Rio Araguari. Afluente da margem
vigente, mas também nas características
estas, destacam-se usos e ocupações nos esquerda do Rio Araguari, a Bacia do Rio
do meio físico de cada propriedade e sua
limites da capacidade de suporte de cada Claro abrange uma área de 1.144 km2.
inserção na respectiva bacia hidrográfica. A
unidade de paisagem, sistemas integrados Do ponto de vista ambiental, a Bacia
adequação ambiental de propriedades isola-
de controle da erosão, implantação de es- do Rio Claro apresenta problemas típicos
das, sem a necessária integração com outras
propriedades e áreas localizadas na mesma truturas de saneamento ambiental e outras de zonas de uso das terras para fins agro-
bacia hidrográfica, apesar do cumprimen- medidas complementares. pecuários. A cobertura vegetal do Cerrado
to da legislação vigente, não apresenta a Como reflexos dessas iniciativas, já está bastante comprometida, com sérias
eficácia, sobretudo no controle das etapas destacam-se a harmonia entre atividades consequências sobre a fauna original. Isto
do ciclo hidrológico e no uso e ocupação produtivas com a qualidade ambiental e por causa da retirada da cobertura vegetal
sustentáveis do espaço geográfico. a melhoria da qualidade e disponibilidade para lavouras e para áreas de pastagem,
As proposições para adequação ambien- dos recursos hídricos para fins múltiplos. o que será mantido, caso não haja uma
tal no espaço rural devem transcender ao política eficaz de conservação e de manejo
estabelecimento e manutenção de Áreas de BACIA HIDROGRÁFICA DO adequado das terras. Se o uso e a ocupação
RIO CLARO
Preservação Permanente (APPs) e Reservas do solo da região continuar acontecendo
Legais (RLs). Embora fundamentais, tanto A Bacia do Rio Claro faz parte do siste- dessa forma, a tendência é que essa pro-
as APPs quanto as RLs são percebidas pelos ma hidrográfico da Bacia do Rio Paranaíba blemática ambiental se amplie.

Engo Agro, M.S., Coord. Técn. EMATER-MG, CEP 30441-194 Belo Horizonte-MG. Correio eletrônico: mrfernandes8656@gmail.com
1

Engo Agro, M.S., Pesq. RURALMINAS/UFV, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: heuclydes@ufv.br
2

Geógrafo, Pós-Doc, Prof. Tit. UFU, CEP 38408-100 Uberlândia-MG. Correio eletrônico: giacominiribeiro1@hotmail.com
3

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A Bacia do Rio Claro apresenta, em sua c) capacidade de regularização natural: Ainda segundo Ruralminas, Igam e
totalidade, características de conflito. Em 14,5% (classificado como média UFV (2011), os resultados do balanço
alguns trechos, esse conflito já foi decla- capacidade, com índice r7,10 = Q7,10/ demanda/disponibilidade dos recursos hí-
rado pelo Instituto Mineiro de Gestão das Qmlp contido no intervalo de 11% a dricos realizados nessa Bacia indicam que
Águas (Igam), porém, nas demais regiões, 30%); a calha do Rio Claro e mais cinco afluentes
a concentração da demanda associada à d) disponibilidade (vazão máxima (Ribeirões Barro Preto, das Guaribas,
condição topográfica de grande parte da outorgável 50% Q7,10): 1,47 m3/s; Pomba, e Córregos Pouso Frio e Vertente
Bacia, apta à exploração agrícola, faz da Grande) apresentam balanço hídrico da ou-
e) demanda (vazão outorgada): 4,65 m3/s;
região um grande potencial de conflito. torga negativo, ou seja, a vazão outorgada é
De acordo com informações colhidas f) relação demanda/disponibilidade:
superior à disponibilidade hídrica. Na foz
nas consultas espacias georreferenciadas 291% (3,2 vezes);
do Rio Claro, a vazão outorgada é superior
do Atlas Digital das Águas de Minas g) vazão máxima possível de ser re- à disponibilidade hídrica em 291%.
(RURALMINAS; IGAM; UFV, 2011), a gularizada e disponibilizada para As Figuras 1 e 2 ilustram consultas
Bacia do Rio Claro apresenta as seguintes outorga (70% da Qmlp – 50% da espaciais georreferenciadas: balanço
características hidrológicas: Q7,10) : 12,80 m3/s; demanda/disponibilidade desenvolvido
a) vazão de referência adotada na Bacia h) simulação realizada: área possível no Atlas Digital das Águas de Minas
do Paranaíba, MG (Q7,10 ): 2,95 m3/s; de ser irrigada, considerando a va- (RURALMINAS; IGAM; UFV, 2011),
b) vazão média por longo período zão de 12,80 m3/s e coeficiente de com um zoom na região hidrográfica do
(Qmlp): 20,39 m3/s; 0,93 L/s/ha: 11.904 ha. Rio Claro.

Figura 1 - Consulta espacial georreferenciada do balanço demanda/disponibilidade dos recursos hídricos da Bacia do Rio Paranaíba, com
zoom na Região Hidrográfica do Rio Claro (curso d’água de cor azul, balanço positivo, e de cor vermelha, balanço negativo)
FONTE: Ruralminas, Igam e UFV (2011).
NOTA: Sistema de Coordenadas Geográficas e Datum SAD-1969. Rede hidrográfica: Codificação de Otto Pfafstetter - Escala 1:1.000.000.

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28 Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais

Figura 2 - Consulta espacial georreferenciada da Rede Hidrográfica com balanço demanda/disponibilidade na Região Hidrográfica do
Rio Claro (cor azul, balanço positivo, e cor vermelha, balanço negativo)
FONTE: Ruralminas, Igam e UFV (2011).

Segundo o Relatório Trimestral – Mo- respeitadas as especificidades regionais, compartimentação das unidades de
notoramento da Qualidade das Águas apresenta as seguintes vantagens sobre as paisagens;
Superficiais no Estado de Minas Gerais demais metodologias de caracterizações b) elaboração de mapas preliminares
(IGAM, 2012), o índice de qualidade da do meio físico: com a distribuição espacial das
água (IQA), do Rio Claro, está classificado a) integração entre os componentes do unidades de paisagens;
como médio (50< IQA ≥ 70), considerado meio físico;
como de Classe 2. De acordo com as es- c) trabalhos de campo para confir-
b) percepção facilitada inclusive por mação das unidades de paisagens
pecificações do Igam, esse Rio apresenta
leigos em geociências; identificadas no mapa preliminar
baixa contaminação por tóxicos e pH
médio de 5,4, sendo o porcentual do parâ- c) inferências coerentes em relação aos e estabelecimento das correlações
metro de violação igual a 11%. O ensaio meios bióticos e socioeconômico; com os domínios geológicos e pe-
ecotoxicológico resultou em efeito crônico d) instrumento para planejamento do dológicos;
e as principais fontes de poluição seriam uso e das ocupações múltiplos de d) levantamento das modalidades de
provenientes de carga difusa. espaços rurais e urbanos; uso/ocupação para cada unidade de
A base geológica desta Bacia é consti- e) conhecimento de um dos componen- paisagem, incluindo a existência ou
tuída por cobertura detrito-laterítica e ba- tes dessas unidades permite inferir ausência das APPs;
saltos. A Cachoeira da Fumaça, em basalto, os demais componentes; e) caracterização de cada unidade de
representa importante nível de base local.
f) racionalidade e coerência em estu- paisagem, identificando suas po-
Os tipos de solos correlacionam com as
dos ambientais. tencialidades, limitações e aptidões
unidades de paisagens identificadas que se
apresentam representativas para a região Foram adotados os seguintes procedi- para usos e ocupações múltiplos;
do Triângulo Mineiro. A estratificação de mentos metodológicos: f) identificação de processos erosivos,
ambientes, tendo como elementos de aná- a) utilização de imagens de satélite e respectivas tipologias e outros pro-
lises as unidades de paisagens, desde que Google Earth, para determinação da blemas ambientais relevantes;
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g) planejamento do uso e ocupação Chapadas secas: Chapadas úmidas:


de cada unidade de paisagem em superfícies tabulares superfícies tabulares
consonância com as respectivas ca- a) características: superfícies planas a) características: superfícies planas
pacidades de suporte e a Legislação com ocorrência de solos profundos com ocorrência de solos profundos
Ambiental vigente; de baixa fertilidade natural e elevada de baixa fertilidade natural e elevada
h) relatório temático com anexos foto- acidez (Latossolos). A vegetação acidez (Latossolos). A vegetação
gráficos e mapas temáticos. original é de Cerrado stricto sensu. original é de Cerrado stricto sensu.
Constituem áreas de recarga de Diferem das chapadas secas pela
UNIDADES DE PAISAGENS DA aquíferos em meio granular. A ge- deficiência de drenagem. A geologia
BACIA HIDROGRÁFICA DO ologia é constituída por coberturas é constituída por coberturas detrito-
RIO CLARO detrito-lateríticas; -lateríticas;
b) potencialidades: relevo plano, solos
Foram discriminadas sete unidades de b) potencialidades: relevo plano;
profundos e permeáveis;
paisagens distribuídas na Bacia Hidrográ- c) limitações: baixa fertilidade natural,
fica do Rio Claro, por meio de imagens de c) limitações: baixa fertilidade natural
elevada acidez trocável e deficência
satélites e comprovação em campo (Fig. 3). e elevada acidez trocável;
de drenagem;
As próprias feições das unidades de d) aptidões: produção tecnificada de
cereais, silvicultura, fruticultura e d) aptidões: produção tecnificada de
paisagens permitiram inferências quanto
pastagens cultivadas; cereais, silvicultura, fruticultura e
às ordens de solos predominantes, à vege-
pastagens cultivadas;
tação original e à capacidade de suporte, e) problemas ambientais: compactação
para os diversos usos e ocupações. Todas de solos (argilosos) e contaminação e) problemas ambientais: compactação
estas inferências, em especial as ordens de aquíferos por agroquímicos de dos solos, agravando a deficiência
de solos, foram comprovadas em campo. elevada solubilidade. de drenagem.

-48 -47 -47 -47 -47

W E
Legenda

-19
-19

S
Hidrografia
Área Total Percentual
Chapada Seca - CHs Estruturas
Km2 %
Chapada Úmida - CHu
Rampas Coluviais Cascalhentas - RCc CHs 215,35 17,91
Rampas Coluviais Latossólicas - RCl CHu 464,16 38,59

-19
-19

Dissecados Estruturais Basálticos - DSb DSt 252,12 20,96


Depressões Superfície Tabular - DSt DEb 43,66 3,63
Terraços Planícies Aluviais - TFl RCc 42,00 3,49
RCl 163,73 13,61
TFl 21,65 1,80
Total 1202,6 100%
-19
-19

-19
-19

-19
-19

Km
0 3 6 12 18 24 30

-48 -47 -47 -47 -47

Figura 3 - Unidades de paisagem na Bacia do Rio Claro

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30 Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais

Rampas coluviais e) problemas ambientais: assoreamen- ADEQUAÇÃO AMBIENTAL:


latossólicas to e concentração de poluentes por BACIA DO RIO CLARO
agroquímicos. A implantação dos processos de ade-
a) características: vertentes retilíneas
formadas por deslocamento de quação ambiental para ser concretizada
Terraços e planícies deve atender a interesses ambientais,
massas de solos por efeito gravita-
aluviais com benefícios para a sociedade como
cional. Os solos predominantes são
os Latossolos; a) características: áreas planas marge- um todo e para os produtores rurais
b) potencialidades: solos profundos e ando curso d’água de médio a alto quanto à geração de renda. Para esta
permeáveis; grau de desenvolvimento. Ocor- conjunção de interesses, a adequação
rência de Neossolos flúvicos com ambiental deve considerar, como unidade
c) limitações: baixa fertilidade natural
inclusão de Gleissolos; para intervenções, a bacia hidrográfica,
e elevada acidez, comprimento da
b) potencialidades: possibilidades de levando-se em conta as especificidades
rampa;
ocorrência de solos de médios a de cada propriedade no contexto das
d) aptidões: produção tecnificada de
elevados níveis de fertilidade; bacias hidrográficas.
cereais, silvicultura, fruticultura e
Para tanto, a avaliação de terras com
pastagens cultivadas. Sistemas de c) limitações: possibilidades de ocor-
finalidades de estabelecer suas potencia-
controle da erosão secionadores de rência de inundações e encharca-
lidades e limitações, culminando com
rampas; mento de solos;
as respectivas aptidões para múltiplas
e) problemas ambientais: compactação d) aptidões: produção de cereais e finalidades, vem sendo aperfeiçoada no
de solos (argilosos) e erosão lami- olericultura respeitadas as faixas de intuito de inserir as terras em um contexto
nar. vegetação ciliar, em conformidade ambiental mais amplo, atendendo diversi-
com o Código Florestal (BRASIL, ficadas atividades de interesse econômico
Dissecados estruturais 2012); compatibilizado com interesses ambien-
basálticos e) problemas ambientais: inexistência tais, dentro da trilogia da sustentabilidade:
a) características: vertentes ravinadas e de faixas de vegetação ciliar. renda, preservar e recuperar (Fig. 4).
patamares estruturais basálticos com
ocorrência de Neossolos litólicos e
Cambissolos eutróficos; PRESERVAR
b) potencialidades: solos de médio a
alto níveis de fertilidade;
c) limitações: relevo acidentado, solos
rasos e elevada erodibilidade;
d) aptidões: agricultura em nível fami-
liar sob cultivo mínimo;
e) problemas ambientais: erosão em
sulco.

Depressões nas superfícies


tabulares MANEJO

a) características: depressões inseridas


nas superfícies tabulares com ocor-
rência de Gleissolos. Podem perma-
necer inundadas periodicamente;
b) potencialidades: hábitat de flora e
fauna específicas;
c) limitações: solos encharcados e
RECUPERAR RENDA
deficientes em micronutrientes;
d) aptidões: APPs; Figura 4 - Triângulo da sustentabilidade

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A ênfase em cada elemento dessa trilo- como bases para monitoramento de ações ambientais. Por outro lado, não
gia varia com as potencialidades, limitações da qualidade ambiental da bacia se consideram os ecossistemas, mas os as-
e aptidões de cada unidade de paisagem. hidrográfica, considerando as águas pectos compartimentados dos respectivos
A adequação ambiental em nível da Bacia superficiais como indicadoras dessa componentes (Legislação Florestal, Le-
Hidrográfica do Rio Claro, para efetiva qualidade. gislação de Recursos Hídricos). Portanto,
concretização, tem que ser fruto de pro- sugere-se que a experiência adquirida com
cessos intensamente participativos, sendo CONSIDERAÇÕES FINAIS a adequação ambiental da Bacia Hidrográ-
que os respectivos habitantes e produtores A adequação ambiental de propriedades fica do Rio Claro seja estendida para uma
constituem-se nos principais atores. rurais transcende ao atendimento da legis- bacia hidrográfica de médio porte, em cada
A metodologia aplicada para a caracte- lação ambiental vigente, sobretudo na ade- região fisiográfica de Minas Gerais.
rização daquela bacia hidrográfica, tendo quação do uso e ocupação de cada unidade
as unidades de paisagens como elementos REFERÊNCIAS
de paisagem dentro dos limites das respec-
de análise, atenua a notória generalização tivas capacidades de suportes, garantindo a
BRASIL. Lei no 12.727, de 17 de outubro de
da Legislação Ambiental vigente, além de 2012. Altera a Lei no 12.651, de 25 de maio de
sustentabilidade das atividades produtivas e 2012, que dispõe sobre a proteção da vegeta-
apresentar-se consistente diante do empi- a diversificação destas atividades. ção nativa; altera as Leis nos 6.938, de 31 de
rismo daquela mesma legislação. Para eficácia desses procedimentos, a agosto de 1981, 9.393, de 19 de dezembro de
Por outro lado, a conjunção de interes- propriedade deve ser considerada no con- 1996, e 11.428, de 22 de dezembro de 2006; e
ses ambientais com atividades geradoras de texto da bacia hidrográfica, onde se insere, revoga as Leis nos 4.771, de 15 de setembro de
renda, fundamentadas na identificação das e a resposta de cada unidade de paisagem
1965, e 7.754, de 14 de abril de 1989, a Medi-
aptidões de cada unidade, facilita e acelera da Provisória no 2.166-67, de 24 de agosto de
ao direcionamento das águas pluviais – 2001, o item 22 do inciso II do art. 167 da Lei
a aceitação e a adoção das medidas propos- etapas no ciclo hidrológico. no 6.015, de 31 de dezembro de 1973, e o § 2o
tas. A sustentabilidade resume-se no uso e
O planejamento do manejo integrado do art. 4o da Lei no 12.651, de 25 de maio de
na ocupação de cada unidade de paisagem 2012. Diário Oficial [da] República Federati-
deve-se basear em um Projeto Executivo
dentro dos limites das respectivas aptidões. va do Brasil, Brasília, 18 out. 2012. Seção 1,
participativo.
O uso e a ocupação além destes limites p.1. Disponível em: <httpp://www.planalto.
Para fins de monitoramento, devem gov.br>. Acesso em: 24 nov. 2012.
deflagram impactos ambientais previsíveis
ser estabelecidas metas de meios e de
para cada situação. IGAM. Monitoramento da qualidade das
resultados. As metas de meios referem-se águas superficiais no estado de Minas
Em síntese, a adequação ambiental, em
às práticas e procedimentos para prevenir, Gerais: relatório trimestral - 1o trimestre
nível de bacias hidrográficas, deve obser-
atenuar ou corrigir impactos ambientais de 2012. Belo Horizonte, 2012. Disponível
var os seguintes critérios básicos:
negativos decorrentes das modalidades de em: <http://igam.mg.gov.br/images/stories/
a) identificação, manutenção e recu- usos e ocupações da bacia hidrográfica. qualidade_aguas/relatorio-trimestral-am-
peração de APPs, em conformidade Já as metas de resultados quantificam os
1o-trim-2012.pdf>. Acesso em: 5 ago. 2012.
com o Código Florestal Brasileiro reflexos da aplicação das referidas práticas RURALMINAS; IGAM; UFV. Atlas digital das
(BRASIL, 2012); e procedimentos. Para acompanhamento
águas de Minas. 3.ed. Viçosa, MG, [2011].
b) delimitação e regularização das Disponível em: <http://www.atlasdasaguas.
das metas de resultados, deve ser estabe- ufv.br/home.html>. Acesso em: 10 out. 2012.
áreas de RL; lecida uma rede de pontos de amostragens
c) identificação e delimitação de áreas de águas superficiais, uma vez que estas BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
de ecossistemas frágeis; águas refletem a qualidade ambiental da EMBRAPA. Centro Nacional de Pesquisa de
d) identificação e caracterização de bacia hidrográfica. Solos. Sistema Brasileiro de Classificação
focos e processos erosivos; A heterogeneidade do meio físico de de Solos. Brasília: Embrapa-Serviço de Pro-
e) identificação de usos e ocupações Minas Gerais requer tratamento diferen- dução de Informação,1999. 412p.
acima das capacidades de suportes ciado, em conformidade com as notórias FERNANDES, M.R. Manejo integrado de
das diferentes unidades de paisagens diversidades regionais. bacias hidrográficas: fundamentos e apli-
e proposições dos respectivos usos Faz-se, assim, uma consistente crítica cações. Belo Horizonte: SMEA, 2010. 232p.
e ocupações recomendados; à Legislação Ambiental, em especial ao FERNANDES, M.R.; BAMBERG, S.M. Es-
f) especificação de técnicas e atitudes tratificação de ambientes para gestão am-
Código Florestal (BRASIL, 2012), que
biental. Informe Agropecuário. Gestão am-
para manutenção das características apresenta uma forma de lei generalizada e biental na agricultura, Belo Horizonte, v.30,
desejáveis dos ecossistemas inte- excessivamente punitiva, quando deveriam n.252, p.24-33, set./out. 2009.
grantes da bacia hidrográfica; ser levados em conta tanto as especificida- RESENDE, M. et al. Pedologia: bases para
g) estabelecimento de malhas de pontos des dos ecossistemas quanto os enfoques distinção de ambientes. 4.ed. Viçosa, MG:
de amostragens de águas superficiais motivadores da adoção das preconizações UFV, 2002. 338p.

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Manejo do solo e da água nas propriedades rurais


Fernando Falco Pruski 1
Antônio Calazans Reis Miranda 2
Aline de Araújo Nunes 3

Resumo - Solo e água são recursos essenciais à manutenção da vida e garantia da sus-
tentabilidade ambiental do Planeta. As áreas rurais têm papel essencial na produção
de água, pois é nas áreas ainda não impermeabilizadas que se potencializa a produção
de água com regularidade e qualidade. O adequado manejo do solo e da água nas pro-
priedades rurais é essencial para garantir a disponibilidade de água em quantidade e
qualidade suficientes, não só para o suprimento das necessidades básicas, mas também
para utilização econômica e em outras atividades. A adequada conservação do solo e da
água permite, além da redução do processo erosivo e das consequências associadas às
perdas de solo, o melhor aproveitamento dos recursos hídricos. Outras medidas impor-
tantes, a fim de atender às demandas das propriedades rurais, são: o uso de cisternas, a
otimização do uso da água pela irrigação e a regularização de vazões.
Palavras-chave: Planejamento conservacionista. Conservação do solo. Conservação da
água. Cisterna. Água de irrigação. Vazão. Escassez hídrica. Controle da erosão.

INTRODUÇÃO escassez está associada a situações em uma exploração insustentável dos recursos
que a disponibilidade hídrica é insuficien- naturais e de uma utilização do solo, em
O solo constitui o conjunto de materiais
te para atender às demandas e manter as muitas áreas, acima de sua capacidade.
minerais e orgânicos não consolidados,
condições ambientais necessárias para o Conforme estabelece a Política Nacio-
água e ar (SODRÉ; LENZI; COSTA,
desenvolvimento sustentável. A escassez nal de Recursos Hídricos, a unidade básica
2001), com capacidade para dar susten-
tação ao desenvolvimento das culturas também pode decorrer de aspectos qualita- de planejamento deve ser a bacia hidro-
(PEDRON et al., 2004). Embora já existam tivos, quando a poluição afeta de tal forma gráfica. A hidrografia é apenas o sistema
sistemas que prescindam do solo para pro- a qualidade que os padrões excedem os circulatório da bacia. O corpo é a bacia e
dução de alimentos, é inquestionável que admissíveis para determinados usos. o que é feito nesta reflete na hidrografia.
tal solo constitua e continue a constituir Portanto, solo e água são recursos Intervir na hidrografia é trabalhar na con-
recurso fundamental para garantir a maior essenciais para a manutenção da vida e sequência. Se a pretensão é atuar na causa,
parte da produção de alimentos e fibras. da garantia da sustentabilidade ambiental o local mais apropriado é intervir na bacia
A água é elemento necessário para qua- do Planeta, principalmente em virtude (PRUSKI; PRUSKI, 2011).
se todas as atividades humanas, bem como da pressão pela produção de alimentos e Neste contexto, a consideração das áreas
componente fundamental da paisagem e do fibras, que cresceu de forma expressiva rurais apresenta um papel essencial, pois
meio ambiente. Quando há abundância, a nas últimas décadas, seja pelo grande embora a agricultura responda, somente
água pode ser tratada como um bem livre. aumento da população mundial, seja pelo com irrigação, por cerca de 70% do uso
Com o aumento da demanda, começam aumento da demanda per capita por esses total de água, é nas áreas ainda não imper-
a surgir conflitos entre os usuários, e a insumos. O aumento da produção deve meabilizadas que se potencializa a produção
água pode passar a ser escassa e precisar ser planejado e não da forma desordenada de água com regularidade e qualidade.
ser gerida como um bem econômico. A como se processou no Brasil, à custa de Enquanto em áreas urbanas, com alto grau

1
Engo Agrícola, Pós-Doc, Prof. Tit. UFV - Depto. Engenharia Agrícola, CEP 36570-000 Viçosa-MG. Correio eletrônico: ffpruski@ufv.br
Engo Ambiental, Doutorando Meteorologia Agrícola, Analista Ambiental MMA-SRHU, CEP 70730-542 Brasília-DF. Correio eletrônico:
2

miranda_acr@yahoo.com.br
3
Enga Agrícola/Ambiental, Mestranda Engenharia Agrícola UFV - Depto. Engenharia Agrícola/Bolsista CNPq, CEP 36570-000 Viçosa-MG.
Correio eletrônico: alineanunes@msn.com

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de impermeabilização, o grande interesse é c) elevação dos custos de tratamento servaram que mais de 90% do sedimento
a rápida drenagem da água, nas áreas com da água; produzido em áreas florestais provém das
exploração de atividades agrossilvipastoris, d) desequilíbrio do balanço de oxigênio estradas, sendo a drenagem inadequada um
Áreas de Preservação Permanente (APPs) e dissolvido na água e prejuízos para dos principais fatores responsáveis por essas
de Reserva Legal (RL), há o interesse de ga- o crescimento de espécies aquáticas; perdas. Reid e Dunne (1984) acrescentam
rantir a infiltração da água e sua manutenção e) aumento dos custos com a dragagem. que a maior parte do sedimento produzido na
por maior tempo no sistema hidrológico. A superfície da estrada é de tamanho inferior a
Existe ainda outro problema que está
água que infiltra no solo sofre retardamento 2 mm, sendo o material dessa granulometria
associado à manutenção da água precipi-
para chegar aos mananciais, fazendo com o mais prejudicial ao sistema aquático.
tada na propriedade. Grande parte dessa
que problemas afetos à sua concentração Portanto, a conservação do solo e a
água escoa sobre a superfície do solo,
em períodos chuvosos sejam minimizados garantia de disponibilidade de água em
fazendo com que haja redução do volume
e a sua disponibilidade em períodos de es- quantidade e qualidade apropriadas aos seus
que atinge o lençol freático.
tiagem aumente. Essas áreas representam, múltiplos usos exigem um adequado manejo.
Embora o panorama evidenciado na
portanto, reservatórios com alto potencial
atualidade já caracterize uma situação
de regularização das vazões, reduzindo as PLANEJAMENTO
preocupante, projeções indicam, para o
máximas e aumentando a disponibilidade de CONSERVACIONISTA E
futuro, um agravamento da situação em
água nos períodos de estiagem (PRUSKI; PRÁTICAS PARA O CONTROLE
consequência das mudanças climáticas DA EROSÃO HÍDRICA
PRUSKI, 2011). esperadas para o século 21.
A erosão hídrica consiste em um pro- Outro problema de grande impacto Reconhecer e utilizar o solo, conforme
cesso natural que ocorre na superfície da ambiental é o advindo da erosão associada a sua capacidade de uso e de manejo, é
terra e que está relacionada com a própria às estradas (Fig. 1). Essa erosão provocada o primeiro requisito para um adequado
formação do solo (BROWN, 1981). En- pela água no leito e nas margens de estra- plano de conservação do solo e da água.
tretanto, em decorrência da intervenção das não pavimentadas é um dos principais Na busca pela utilização do solo, deve-se
humana, a partir do uso inadequado do fatores para degradação, sendo responsável procurar, inclusive, a correção das grandes
solo e aplicação de métodos de plantio e por, aproximadamente, metade das perdas distorções cometidas no Brasil, quando da
manejo inapropriados, o processo erosivo de solo no estado de São Paulo (ANJOS substituição, em muitas áreas, da cobertura
é acelerado, causando grandes prejuízos FILHO, 1998). No estado da Carolina do nativa por usos totalmente inadequados
de ordem econômica, social e ambiental Norte (EUA), Grace III et al. (1998) ob- à capacidade do solo. Especial destaque
(PIMENTEL et al., 1995).
A erosão consiste no processo de
desprendimento e arraste das partículas
do solo, em suspensão. O escoamento
superficial transporta também nutrientes
químicos, matéria orgânica, sementes e
agrotóxicos, que, além de causarem preju-
ízos à produção agropecuária, promovem
a poluição de rios e reservatórios. Por-
tanto, a erosão causa também problemas
à qualidade e à disponibilidade de água,
decorrentes da poluição e do assoreamento
dos mananciais, favorecendo a ocorrência
de enchentes no período chuvoso e aumen-
tando a escassez no período de estiagem.
Antônio Calazans Reis Miranda

Os principais problemas que ocorrem


em cursos e reservatórios d’água, em de-
corrência do processo erosivo, são:
a) redução da capacidade de armaze-
namento;
b) redução do potencial de geração de
energia elétrica; Figura 1- Erosão em estrada não pavimentada

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merece a grande expansão de pastagens e como, por exemplo, estradas, poluição Tendo em vista o fato de que as perdas
áreas de cultivo em substituição à cobertura das águas, comunicação, comercialização, de solo, mesmo quando mantidas dentro
nativa, e que acabou por acarretar, em mui- armazenagem, lazer, saúde, educação etc. do limite tolerável para garantir a susten-
tas áreas, prejuízos ambientais expressivos Conceitualmente, pode-se dizer que a tabilidade do sistema produtivo, podem
decorrentes da incapacidade apresentada conservação do solo e da água baseia-se estar causando prejuízos ainda excessivos
pelo solo para suportar o tipo de uso e essencialmente em assegurar à água o maior a outros setores, é necessário avaliar se
manejo adotados, causando o quadro de nível energético possível no sistema hidro- essas perdas encontram-se ainda dentro de
degradação evidenciado em muitas bacias, lógico. Dessa forma, o máximo esforço deve limites que assegurem a sustentabilidade
e que hoje tem exigido, até mesmo, a im- ser feito, a fim de garantir a infiltração da da bacia como um todo.
plantação de programas de revitalização, água nas posições mais elevadas da encosta, Os principais fatores que interferem
voltados a tentar restabelecer as condições assegurando sua manutenção com maior no processo erosivo são o clima, o relevo,
perdidas em função da ocupação e utiliza- potencial e, consequentemente, maior retar- o solo, bem como seu uso e manejo e as
ção inadequadas do solo. damento até chegar à hidrografia. Isto faz práticas conservacionistas empregadas.
Para garantir o uso adequado do solo, com que a água atinja os cursos em épocas Dentre esses fatores, o uso, o manejo e as
deve-se empregar cada área de acordo com com maior deficiência hídrica, e aumente a práticas conservacionistas utilizadas são os
a sua aptidão, capacidade de sustentação disponibilidade nos períodos de maior ca- que sofrem maior intervenção do homem.
e produtividade econômica, de tal forma rência. Além desse aspecto, a infiltração da Assim, considerando o adequado uso do
que os recursos naturais sejam colocados água em posições mais elevadas do relevo solo, conforme a sua capacidade de uso e
à disposição do homem para o seu melhor diminui a distância percorrida pelo escoa- manejo, e o fato de que a combinação dos
uso e benefício, ao mesmo tempo em que mento superficial, reduzindo a energia para demais fatores que interferem na erosão hí-
são preservados para gerações futuras que ocorra a liberação de partículas e o seu drica imponha certo nível de risco de ocor-
(LEPSCH et al., 1991). transporte (PRUSKI, 2009). Nesta ótica, é rência da erosão, a adequação do sistema
O planejamento conservacionista tem possível ir muito além da tão emblemática de manejo e as práticas conservacionistas
a finalidade de maximizar a produtividade e almejada revitalização de nascentes. É constituem a forma de evitar que as perdas
das terras agrícolas por meio de um sistema possível pensar em devolver algumas das de solo superem os limites toleráveis.
de exploração eficiente, racional e intensi- nascentes, que desceram a encosta, ao seu O Sistema Plantio Direto (SPD)
vo, que assegure também a continuidade lugar de origem (PRUSKI; PRUSKI, 2011). constitui uma forma de cultivo em que a
da capacidade produtiva do solo. Para a O custo de implantação de sistemas redução das perdas de solo ocorre tanto
utilização racional do solo, deve-se consi- de conservação de solos é, em geral, bem em decorrência do eventual aumento da
derar a sua capacidade de uso, que indica inferior ao custo associado às suas conse- capacidade de infiltração da água, como,
o uso e a intensidade de cultivo que podem quências. Estudo realizado pelo Departa- principalmente, pela dissipação da energia
ser aplicados sem que o solo sofra redução mento de Águas e Energia Elétrica (Daee), cinética da precipitação pela cobertura
expressiva da sua capacidade produtiva por do estado de São Paulo, a respeito do custo vegetal e redução da energia associada ao
efeito da erosão. associado ao assoreamento do Sistema escoamento, em virtude da maior rugosi-
Inicialmente, deve-se realizar o levan- Tietê-Pinheiros, caracteriza um aporte de dade hidráulica da superfície do solo, que
tamento dos fatores físicos do solo que têm sedimentos de 5 milhões de m3/ano, ao reduz a capacidade de desprendimento e
maior influência na sua capacidade de uso, qual está associada uma despesa anual de também de transporte de partículas pelo
como o tipo, a declividade do terreno, a cerca de R$ 200 milhões, sendo que seriam escoamento superficial.
erosão antecedente, o uso atual da terra e necessários apenas cerca de R$ 2 milhões Enquanto no sistema convencional ocor-
os sistemas de conservação dos solos e da por ano para reduzir em 50% o aporte desses re periodicamente renovação da camada
drenagem já existentes. Essas informações sedimentos (IPT, 1993). superficial do solo, ocasionando aumento
são analisadas em conjunto para determinar A perda tolerável de solo pode ser momentâneo da infiltração da água, no SPD
as classes de solo, conforme a sua capaci- entendida como a quantidade máxima que não há essa descompactação. Todavia, em
dade de uso. Esse planejamento, embora pode ser perdida pela erosão sem que a área razão de a superfície apresentar, no preparo
genérico, indica as áreas que deverão ser apresente queda na produtividade. O esta- convencional, menor cobertura, há maior
destinadas a cada tipo de ocupação, assim belecimento do limite admissível de perdas selamento superficial decorrente da precipi-
como a forma de fazê-lo sem comprometer de solo deve considerar fatores físicos (tipo tação. Além desse aspecto, o fato de o SPD
a rentabilidade econômica da exploração de solo, declividade do terreno e erosão favorecer o restabelecimento da estrutura
agrícola. Todos os aspectos de interesse antecedente), econômicos e relativos ao do solo e a formação de canais naturais,
para os agricultores e a comunidade deve- tempo requerido para a formação do solo advindos tanto das atividades biológicas
rão ser considerados nesse planejamento (BERTONI; LOMBARDI NETO, 1990). mais intensas, quanto da decomposição das
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raízes, faz com que as taxas de infiltração conseguido a partir da implantação de prá- medida que potencializa, de forma natural
nesse sistema de cultivo sejam, em geral, ticas mecânicas. (valendo-se do próprio solo como reser-
maiores que no preparo convencional. As práticas mecânicas são aquelas que vatório de armazenamento), uma maior
De Maria (1999), em levantamento dos se utilizam de estruturas artificiais para a regularização das vazões ao longo do tem-
trabalhos publicados na Revista Brasileira redução da velocidade de escoamento da po e reduz os prejuízos advindos da grande
de Ciência do Solo, entre 1977 e 1997, água sobre a superfície do terreno, interfe- amplitude de variação dessas vazões.
evidenciou redução de 75% nas perdas de rindo em fases mais avançadas do processo
solo e de 20% nas perdas de água no SPD, erosivo. Agem especificamente sobre o es- CONTROLE DA EROSÃO
quando comparado com o sistema conven- coamento superficial, fazendo com que este EM ESTRADAS NÃO
cional. Essas variações ocorrem em função seja interceptado e não atinja energia sufi- PAVIMENTADAS
do tipo de solo, culturas, relevo, clima e ciente para ocasionar perdas de solo acima Para a construção das estradas é ne-
tempo de implantação do SPD. dos limites toleráveis. O terraceamento cessário eliminar a cobertura vegetal e
Todo o esforço, que visa à redução agrícola é uma das práticas mecânicas de compactar o solo, o que reduz a infiltração
da erosão hídrica, deve estar voltado à controle da erosão hídrica mais difundidas da água e, consequentemente, aumenta a
minimização do impacto associado aos entre os agricultores. Consiste na constru- propensão ao escoamento superficial. Esse
agentes responsáveis pelo desprendimen- ção de terraços (estruturas compostas de escoamento, quando atinge determinada
to das partículas de solo e à redução da um canal e um dique ou camalhão), no vazão, assume uma energia suficiente para
capacidade de transporte do escoamento sentido transversal à declividade do terre- provocar o desprendimento e o transporte
superficial. Todas as práticas que possibili- no, formando obstáculos físicos capazes do solo, causando problemas para a manu-
tem a redução da energia cinética da chuva de reduzir a velocidade do escoamento tenção da estrada, ao danificar acostamen-
que é aplicada sobre a superfície do solo, o e disciplinar o movimento da água sobre tos, taludes e o próprio leito da estrada.
aumento da capacidade de armazenamento a superfície do terreno (PRUSKI, 2009), O escoamento advindo das estradas
de água sobre a superfície ou no perfil do retendo a água para sua posterior infiltração interfere também nas áreas adjacentes, e
solo, o aumento da infiltração da água e (Fig. 2), ou conduzindo-a com segurança provoca a formação de sulcos e voçorocas
da resistência do solo ao cisalhamento são
para outro local com capacidade para re- e, dessa forma, danos às áreas agrícolas e
favoráveis à redução da erosão.
ceber o escoamento. aos recursos hídricos. Estradas em condi-
As práticas conservacionistas dividem-
A adequada conservação do solo e da ções inadequadas podem iniciar ou agravar
-se em edáficas, vegetativas e mecânicas.
água permite, portanto, além da redução processos erosivos em áreas cultivadas,
As práticas edáficas são as que visam ade-
do processo erosivo e das consequências prejudicando a produtividade, afetando a
quar o sistema de cultivo, a fim de manter
associadas às perdas de solo, o melhor qualidade e a disponibilidade dos recursos
ou melhorar a fertilidade do solo, enquanto
aproveitamento dos recursos hídricos, à hídricos.
que as práticas de caráter vegetativo são as
que se valem da vegetação para proteger
o solo contra a ação direta da precipitação
e, assim, minimizar o processo erosivo
(MIRANDA et al., 2004; PRUSKI, 2009).
Embora a manutenção da cobertura do
solo exerça importante função na dissipa-
ção da energia erosiva da chuva (COGO;
LEVIEN; SCHWARZ, 2003), há limites
críticos de comprimento de declive em que
essa capacidade de dissipação é superada
e, consequentemente, o processo de erosão
hídrica é estabelecido (DENARDIN et al.,
2009; LEITE et al., 2009). Nesses casos,
Miranda et al. (2004) sugerem a adoção de
Nori Paulo Griebeler

procedimentos complementares para reduzir


a velocidade do escoamento superficial e,
assim, diminuir a capacidade de despren-
dimento e de transporte de sedimentos
associada ao escoamento, o que pode ser Figura 2 - Terraço retendo água em área agrícola

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36 Adequação socioeconômica e ambiental de propriedades rurais

As práticas para o controle da erosão e possuir solo permeável, para que a água mentos rurais, 60 dias após o encerramento
hídrica em áreas rurais normalmente têm acumulada possa infiltrar. do período de chuvas, 550 mil ficam sem
desprezado as estradas como elementos Um sistema bastante comum e prático, qualquer tipo de água para consumo humano
integrantes do ambiente rural. Entretanto, a principalmente para estradas situadas em ou animal (AROUCHA, 2011).
interferência mútua da estrada com as áreas áreas onde existe terraceamento implanta- Nos períodos de escassez, as famílias
marginais normalmente é muito grande no do ou a ser implantado, é a integração do residentes no Semiárido brasileiro gastam
processo de ocorrência da erosão hídrica, terraço à estrada. Nesse sistema, a água é até 30 horas por mês para o transporte de
podendo a estrada ser prejudicada pela ero- direcionada à área de cultivo para ser retida água, sendo a tarefa de busca atribuída, na
são e pelo aporte de sedimentos advindos pelo terraceamento, que deverá ser dimen- maioria das vezes, a mulheres e crianças.
das áreas marginais ou ser a responsável sionado prevendo o escoamento adicional. Além desse fato, a água disponível cos-
pela erosão nessas áreas. Em todos os casos deve-se garantir que tuma ser imprópria para o consumo, uma
A redução dos problemas de erosão nas o leito da estrada esteja acima do leito das vez que as fontes são abertas e suscetíveis
estradas de terra pode ocorrer pela adoção de áreas marginais. à contaminação por esgoto humano, animal
medidas que evitem que a água proveniente O controle da erosão em estradas não e químico (LUNA et al., 2011). Dessa
do escoamento superficial, tanto gerado na pavimentadas, assim como em áreas rurais,
forma, a captação de água da chuva por
estrada, como proveniente das áreas nas promove benefícios não só em termos
cisternas surgiu da necessidade de garantir
suas margens, escoe no leito da estrada. A da atenuação dos impactos advindos das
a essas famílias o acesso à água potável,
água provinda do escoamento do leito da perdas de solo, mas também em relação
considerado como um direito humano
estrada deve ser coletada nas suas laterais à regularização das vazões ao longo da
fundamental, e tem-se configurado em um
e encaminhada, de modo que não provoque hidrografia.
dos mais importantes benefícios em favor
erosão, para os escoadouros naturais, artifi- Outro problema de grande complexi-
dessas populações (BRASIL, 2006).
ciais, bacias de acumulação ou outro sistema dade associado às propriedades rurais está
As cisternas são reservatórios constru-
de retenção localizado no terreno marginal. relacionado com a garantia de disponibi-
ídos ao lado das residências das famílias
As práticas utilizadas para o controle lidade de água em quantidade e qualidade
de baixa renda da área rural do Semiárido
da erosão dependem de fatores relaciona- suficientes não só para o suprimento das
necessidades de dessedentação humana (Fig. 3). Cada cisterna tem a capacidade
dos com o grau de risco de ocorrência de
e animal, como também para a utilização de armazenar, em geral, 16 mil litros de
erosão ou com a forma como o processo se
econômica e em outras atividades, como o água. A água é captada das chuvas, por
apresenta. Quando a estrada é integrada a
lazer. Esse problema é agravado nas áreas meio de calhas instaladas nos telhados e
áreas de cultivo, o escoamento superficial
rurais por questões diversas como, por direcionada para a cisterna por canos de
coletado nessas estradas deve ser condu-
zido para essas áreas, a fim de que seja exemplo, a distância de redes de distribui- PVC (BRASIL, 2006).
infiltrado, uma vez que a sua capacidade ção de água e o fato de a irrigação ser um O volume de armazenamento das cis-
de infiltração é superior à das estradas. Para segmento que, além de requerer grandes ternas é calculado prevendo um período de
tanto, podem-se criar sistemas especiais volumes de água, apresenta, em geral, sua estiagem de oito meses (intervalo de maior
para o escoamento e acumulação da água, máxima demanda em períodos de menor probabilidade de ocorrência de estiagem
de modo que não provoquem prejuízos às disponibilidade de recursos hídricos. Para na região Semiárida), área mínima dos
áreas agrícolas. Estes sistemas podem ser atender a essas demandas, além da ade- telhados das casas de 40 m2 e precipitação
implantados com o avanço de camalhões quada conservação das áreas de produção média de 500 mm por ano. Como resul-
ou segmentos de terraços partindo da estra- agropecuária e das estradas rurais, muitas tado, uma cisterna, nas dimensões atuais,
da, em cota superior, adentrando nas áreas vezes outras medidas também se tornam construída pelas organizações sociais, com
agrícolas, em cota inferior, de maneira que necessárias. capacidade de armazenar 16 mil litros de
a água seja conduzida lentamente. água, é suficiente para o consumo domés-
Outra opção para destinar as águas APROVEITAMENTO DA ÁGUA tico (beber e cozinhar) de uma família de
coletadas em estradas é a sua condução a DA CHUVA POR MEIO DE cinco pessoas durante o período de estia-
CISTERNAS gem (ASA, 2003).
bacias de acumulação (infiltração). Esta
técnica consiste na construção de bacias Mais de um quinto da população mun- A melhor forma de armazenamento da
nas áreas marginais às estradas para per- dial e 70% da população rural não dispõem água é por meio da cisterna subterrânea.
mitir a captação e o armazenamento da de água adequada e suficiente para as neces- Sem luz e calor, a temperatura da água
água escoada e possibilitar a posterior sidades humanas e produtivas. No Semiári- fica mais baixa, ocorrendo uma menor
infiltração. Portanto, a bacia deve ser di- do brasileiro, segundo estudos da Embrapa proliferação de microrganismos. A fil-
mensionada para receber o volume escoado Semiárido, dos 2,6 milhões de estabeleci- tragem é necessária para a retirada dos
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da no Brasil com o cenário internacional


mostra o enorme potencial de expansão
da atividade no País. No cenário mundial,
44% do total da produção de alimentos
provém de apenas 18% da área irrigada, os
demais 56% da produção são provenientes
de métodos tradicionais de agricultura sem
irrigação, que ocupam 82% da área colhi-
da. No Brasil, apenas 5% da área colhida é
irrigada, o que corresponde a 16% do total
da produção de alimentos (BRASIL, 2011).
Além da alta proporção de água utiliza-
da pela irrigação, o seu uso neste segmento
ainda apresenta características que o dife-

Aline de Araújo Nunes


renciam dos demais. O uso da água pela
irrigação apresenta um comportamento não
linear ao longo do ano, havendo aumento
expressivo na demanda exatamente nos
períodos mais secos do ano, nos quais o
Figura 3 - Cisterna construída ao lado de uma residência
déficit hídrico é maior.
Também é importante salientar que as
materiais em suspensão, arrastados pela situadas em regiões Áridas e