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ANA PAULA SEFRIN SALADINI

LOURIVAL BARÃO MARQUES FILHO


ORGANIZADORES

DIREITO DO TRABALHO
E NOVAS TECNOLOGIAS
IMPACTO DA REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA NAS RELAÇÕES
DE TRABALHO E NOVA RACIONALIDADE JURÍDICA

Londrina/PR
2021
Dados Internacionais de Catalogação na
Publicação (CIP)

Direito do Trabalho e Novas


Tecnologias: Impacto da revolução
tecnológica nas relações de trabalho
e nova racionalidade jurídica.
Organizadores: Ana Paula Sefrin
Saladini, Lourival Barão Marques Filho.
– Londrina, PR: Thoth, 2021.
195 p.
© Direitos de Publicação Editora Thoth. Incluí bibliografias.
Londrina/PR. ISBN 978-65-5959-125-1
www.editorathoth.com.br 1. Direito do Trabalho. 2. Plataformas
contato@editorathoth.com.br digitais. I. Saladini, Ana Paula Sefrin. II.
Marques Filho, Lourival Barão.
CDD 342.6

Diagramação e Capa: Editora Thoth Índices para catálogo sistemático


Revisão: os autores 1. Direito do Trabalho : 342.6
Editor chefe: Bruno Fuga
Coordenador de Produção Editorial: Thiago
Caversan Antunes
Diretor de Operações de Conteúdo: Arthur
Bezerra de Souza Junior

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sem autorização. A violação dos Direitos Autorais é
crime estabelecido na Lei n. 9.610/98.
Todos os direitos desta edição são reservados
pela Editora Thoth. A Editora Thoth não se
responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta obra por
seus autores.
ORGANIZADORES

ANA PAULA SEFRIN SALADINI


Juíza Titular da Vara do Trabalho de Cambé. Doutoranda em Direito pela
UENP – Jacarezinho. Mestre em Ciências Jurídicas pela UENP - Jacarezinho.
Graduada em Ciências Jurídicas pela Universidade Católica Dom Bosco.
Pós-graduação em Direito Civil e Processual Civil pela UEL - Londrina,
e em Direito do Trabalho pela UNIBRASIL - Curitiba. Professora em
diversos cursos de pós-graduação, em especial nas disciplinas de Direito e
Processo do Trabalho. Autora da obra Trabalho e Imigração (2012, Editora
LTr), da CLT Anotada (Editora Toth, 2020) e de diversos capítulos de livros
e de artigos jurídicos. Tutora em cursos em EAD pela Escola Nacional
da Magistratura - ENAMAT e Tutora e Conteudista da Escola Judicial do
Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região - Paraná. Coordenadora da Pós-
Graduação em Direito do Trabalho e Previdenciário da EMATRA – Escola
da Magistratura do Trabalho do Paraná, em Londrina. Integra o Conselho
de Representantes da Escola Judicial do TRT-9 no biênio 2019/2021.

LOURIVAL BARÃO MARQUES FILHO


Doutorando e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do
Paraná (PUC/PR). Coordenador e professor do curso de pós-graduação
em direito, processo do trabalho e direito previdenciário da Escola dos
Magistrados do Trabalho do Paraná. Juiz do Trabalho, titular da 18ª Vara de
Curitiba/PR.
AUTORES

CAMILA SALGUEIRO DA PURIFICAÇÃO MARQUES


Doutora em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Mestre
em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Bacharel em
Direito pela Universidade Estadual de Ponta Grossa. Professora de cursos
de graduação e especialização em Direito. Advogada. camilaspmarques@
gmail.com

CAMILA STABACH MENDES


Graduada em Direito pelo Centro Universitário Curitiba. - UNICURITIBA.
Formação complementar curso de Direito Empresarial Aplicado:
contabilidade e relações negociais pelo Centro Universitário Curitiba.
Formação complementar curso de Direito Empresarial na Prática: desafios
contemporâneos pelo Centro Universitário Curitiba. Extensão Universitária
em Comércio Internacional: desafios sociais, jurídicos e econômicos num
mundo globalizado, pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra
- UC. Membro do grupo de competição e pesquisa de mediação empresarial
- UNICURITIBA, membro do grupo de pesquisa direito do trabalho e
novas tecnologias - EMATRA9. E-mail: camila.s.mendes@icloud.com

KARINA GISELLI PIMENTA JORGE


Mestre em Direito Processual Civil e Cidadania pela Universidade Paranaense;
Especialista em Gestão Pública Municipal e Direito Contemporâneo;
Especializanda em Direito do Trabalho, Processo do Trabalho, Direito
Previdenciário e Processo Previdenciário pela EMATRA. Bacharel em
Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná.

LAÍS KLEIN RIBEIRO


Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina
– PR em 2017. Especialista em Direito do Estado – Área de Concentração
em Direito Tributário, nível de Pós-Graduação Lato Sensu, ministrado pela
Universidade Estadual de Londrina – PR, em 2019. E-mail: lais.klein@
hotmail.com

LUIZ GUSTAVO RIBEIRO AUGUSTO


Juiz do Trabalho no TRT da 9ª Região. Ex Juiz do Trabalho do TRT
da 2ª Região. Graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Professor da EMATRA do TRT da 9ª Região.
Professor do Curso Promagis. Professor de Cursos de Pós-Graduação.
lgustavoraugusto@gmail.com

MÁRCIA DENISE BROCHARD DE CARVALHO


Advogada. Graduada em Direito pela UEL (Universidade Estadual de
Londrina), Pós-graduada em Direito Tributário pelo IBET (Instituto
Brasileiro de Estudos Tributários), Pós-graduada em Marketing,
Comunicação e Negócios pela FECEA (Faculdade Estadual de Ciências
Econômicas de Apucarana), cursando Pós graduação em Direito e Processo
do Trabalho e Direito Previdenciário pela EMATRA (Escola da Associação
dos Magistrados do Trabalho do Paraná). Graduada em Odontologia
pela UEL (Universidade Estadual de Londrina) e Pós-graduada em
Odontopediatria pela AONP (Associação Odontológica do Norte do
Paraná). E-mail: marciabrochard@yahoo.com.br

MARIANA MROSK TEIXEIRA


Bacharel em Direito pelo Centro Universitário de Cascavel – UNIVEL,
Especializada em Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário
pela EMATRA-IX – E-mail: marianamrosk@gmail.com

MARIANA SALLES ANDRADE


Bacharel em Direito pela Universidade de Brasília – UnB, Especializada em
Direito e Processo do Trabalho e Direito Previdenciário pela EMATRA-
IX. Mestranda em Economia do Trabalho pela Universidade de Barcelona.
– E-mail: marianasallesandrade@gmail.com

MAURO VASNI PAROSKI


Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região (Paraná).
Juiz titular da 7ª Vara do Trabalho de Londrina. Especialista em Direito
Civil e Direito Processual Civil (2004) e Mestre em Direito Processual Civil
(2006), ambos pela Universidade Estadual de Londrina. Doutorando em
Derechos Sociales pela Universidad Castilla-La Mancha, Espanha. E-mail:
paroski@gmail.com

MIRIAM OLIVIA KNOPIK FERRAZ


Doutoranda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná
(PUCPR). Mestre e Graduada em Direito pela Pontifícia Universidade
Católica do Paraná (PUCPR). Especialista em Direito Constitucional pela
Academia Brasileira de Direito Constitucional. Especialista em Legal Tech:
Direito Inovação e Start Ups pela Pontifícia Universidade Católica de
Minas Gerais. Editora Adjunta da Revista da Academia Brasileira de Direito
Constitucional. Professora da FAE Business School. Advogada. Fundadora
do NÔMA – Norma e Arte. m.okf@hotmail.com

NICOLE ISABELE OLIVEIRA BEZERRA


Advogada. Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Londrina
– PR em 2018. Especialista em Direito Material e Direito Processual do
Trabalho na Perspectiva da Práxis Judicial, nível de Pós-Graduação Lato
Sensu, ministrado pela Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho
do Paraná, em 2020. E-mail: nicole.bezerra@hotmail.com

PARCELLI DIONIZIO MOREIRA


Doutorando em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Pontifícia
Universidade Católica do Paraná-PUCPR. Professor de cursos de graduação
e especialização em Direito.

PAULA GOUVÊA CARNEIRO FAVORETO


Pós-Graduanda em Direito e Processo do Trabalho pela Escola da
Magistratura do Trabalho – EMATRA. Advogada. E-mail: paulacarneiro.
adv@gmail.com

PEDRO PRONIEVICZ
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade do Norte do Paraná
em 2018. Especialista em Direito Material e Direito Processual do Trabalho
na Perspectiva da Práxis Judicial, nível de Pós-Graduação Lato Sensu,
ministrado pela Escola da Associação dos Magistrados do Trabalho do
Paraná, em 2020. E-mail: pedropronievicz@hotmail.com
APRESENTAÇÃO

A Escola da Magistratura do Trabalho da 9ª Região – EMATRA IX,


braço acadêmico da Associação dos Magistrados do Trabalho da 9ª Região
– Paraná (AMATRA IX), há mais de trinta anos tem contribuído tanto
na formação continuada de seu público interno quanto para a formação
de profissionais na área do direito e processo do trabalho, através de
cursos preparatórios para ingresso na magistratura do trabalho, cursos de
pós-graduação e cursos temáticos voltados à comunidade em geral. Por
intermédio da presente obra, visa contribuir também para a comunidade
científica, ao apresentar o resultado dos trabalhos desenvolvidos ao longo
de 2020 pelo grupo de pesquisa Direito do Trabalho e Novas Tecnologias.
Referido grupo foi criado com o objetivo de promover o estudo
verticalizado da matéria por alunos e ex-alunos da Escola, através de
encontros mensais e sucessivos realizados por plataforma de teleconferência.
Uma de suas metas acessórias estava na produção de artigos jurídicos que
poderiam resultar em obra coletiva, e, com isso, inserir os alunos na pesquisa
e produção acadêmicas em tema que tem gerado tantas discussões.
Ao longo do ano foram analisados temas como teletrabalho, direito
à desconexão, tecnologias disruptivas, inteligência artificial no âmbito do
processo, startups no mundo jurídico, além do estudo do Caso Uber, assim
denominado o debate sobre a natureza jurídica da relação existente entre
o prestador de serviços e a plataforma digital. A cada mês, um professor
ou professora qualificados era chamado a disponibilizar previamente
textos para estudos por parte dos integrantes do grupo e no dia agendado
expor brevemente suas ideias sobre o assunto pautado, com posteriores
debates entre os presentes. A participação foi muito efetiva, contando
com mais de quarenta alunos dos núcleos de Curitiba, Londrina e Foz
do Iguaçu, e os debates, mediados pelos coordenadores que subscrevem
essa apresentação, sempre muito proveitosos. O sucesso foi tanto que o
grupo já renova a experiência em 2021, com resultados que se apresentam
promissores, inclusive com a continuidade na participação de alunos que
estavam na turma de 2020 e que se interessam em aprofundar ainda mais
seus conhecimentos.
Credita-se o sucesso do trabalho tanto ao fato de ser um grupo de
pesquisa com caráter voluntário, sem custos financeiros para os integrantes,
contando com participação graciosa dos professores convidados, quanto
pela inovação ao promover todas as reuniões por videoconferência, em
especial em meio à pandemia do Corona Vírus, quando ainda eram poucas
as instituições de ensino que ofereciam essa possibilidade.
A possibilidade de uma obra coletiva, vislumbrada no início dos
trabalhos, torna-se concreta com presente publicação, que mescla textos
de alunos da casa e de magistrados associados à AMATRA IX: ao longo de
nove artigos, caminha-se através de reflexões sobre temas correlatos a esse
admirável mundo novo das relações de trabalho mediadas pela tecnologia,
refletindo sobre a quarta revolução industrial e seus efeitos no contrato
de trabalho, o trabalho sob demanda nas plataformas digitais, direito à
desconexão na sociedade do cansaço, Lei Geral de Proteção de Dados
e seus reflexos nas relações de trabalho, inclusive sob a perspectiva do
compliance trabalhista e na esfera de checagem da vida pregressa do candidato.
Ainda, outros estudos discutem o trabalho em startups, o teletrabalho em
uma perspectiva de direito comparado Brasil versus Portugal e o manejo
de mandado de injunção como mecanismo para provocar regulação dos
direitos sociais dos trabalhadores por aplicativos. Questões que surgiram
ao longo dos instigantes debates promovidos, e que voltam na forma de
possíveis respostas a problemas que se apresentam na sociedade atual.
Na expectativa de que todos tenham uma excelente leitura,
agradecemos aos colegas e alunos que contribuíram com suas ideias para
o desenvolvimento dessa obra que se espera seja apenas a primeira de uma
série de publicações.

LOURIVAL BARÃO MARQUES FILHO


Juiz titular da 18ª Vara do Trabalho de Curitiba e
Coordenador dos cursos de Curitiba e Foz do Iguaçu

ANA PAULA SEFRIN SALADINI


Juíza titular da Vara do Trabalho de Cambé e
Coordenadora do Curso de Londrina
PREFÁCIO

“O tempo não para”, como diria Cazuza.


Neste ano de 2021, em que são escritas estas linhas, ainda vivemos
sob o manto de uma crise de saúde sem precedentes na história da
humanidade. A pandemia que teve seu início já em 2019 estende seus efeitos
até hoje, e ainda não há uma perspectiva clara para seu final. Enfrentamos
ainda, estarrecidos e com corações dilacerados, a tragédia humana que se
desenvolve diante de nossos olhos, afetando e ceifando as vidas de parentes,
amigos, conhecidos. Uma catástrofe que une as pessoas ao redor de todo o
mundo na dor e no sofrimento das perdas.
A perpetuação dessa crise pandêmica, para muito além do que
qualquer pessoa poderia ter imaginado ou projetado quando ela se iniciou,
pode por um momento nos passar a impressão de que realmente o tempo
entrou em suspensão. O sentimento de que nos encontramos em uma
espiral temporal de onde não conseguimos sair, sucedendo-se as ondas
de vítimas do vírus e as desesperadas medidas de contenção para tentar
amenizar as suas consequências devastadoras.
Mas o tempo não para. E por mais estupefatos e embevecidos que
possamos ficar diante desse desastre, e por maior que seja a aparente sensação
de impotência que a natureza impõe ao ser humano nessas circunstâncias,
a roda da vida contina girando. As relações sociais evidentemente mudam,
ganham novos contornos e dinâmicas, novos institutos surgem; outros,
mais antigos, sofrem alterações; e tudo isso também impacta a vida humana.
Muda nossa realidade, assim como a pandemia também a mudou.
E neste cenário, pode parecer ao incauto que estudar o direito perde
sua relevância. Qual seria, afinal, a importância das discussões jurídicas,
diante dos enormes obstáculos e gigantescas tarefas que na atualidade
desafiam a área médica? Ou a farmacologia? Ou a bioquímica? Ou a
enfermagem? Ou a psicologia?
Mas o tempo não para. E as relações jurídicas, a interação humana,
os efeitos da ação do homem não apenas sobre a natureza, mas uns sobre
os outros, também não param. E a sociedade continua existindo. E,
onde há sociedade, há o direito. E se a sociedade está mudando em um
momento de crise, precisando encontrar soluções adequadas para enfrentar
esse momento único, também ao direito cabe responder ao chamado e
apresentar sua contribuição e suas respostas para ajudar todas as sociedades
a superarem esse momento tão desafiador.
É acalentador e importante, assim, que obras como esta sejam
produzidas neste momento. Porque pensar o direito em um momento
como este é essencial. Porque assim como as relações e a sociedade
mudam, o direito pode ser um instrumento de efetiva assistência para as
novas dificuldades trazidas, desde que seja pensado, refletido, e apresente
em razão disso as respostas adequadas. Porque, de outra forma, ele se torna
apenas um obstáculo adicional, um dificultador a mais em uma situação já
demasiadamente desesperadora.
O tempo não para, e o pensar e repensar do direito também não pode
ficar em suspenso. É animador que, mesmo em um momento tão desafiador
e desgastante para todos, ainda haja aqueles que encontrem força, energia,
dedicação e espírito para se debruçar sobre o direito, refletir a respeito,
e trazer suas contribuições para seu aprimoramento e aperfeiçoamento.
Em situações de crises tão terríveis como essa, a todos cabe dar a sua
colaboração, e cada um faz aquilo que pode, com o conhecimento que
possui, e com as ferramentas que tem a sua disposição.
Não podemos deixar que nossas ideias não reflitam os fatos, como
acusaria o poeta do rock nacional, e para tanto é necessário refletir sobre os
fatos, e com base neles apresentar as novas ideias. Esta obra é fruto desta
reflexão necessária, trazendo colaborações de novas ideias, para explicar e
das possíveis respostas a estes novos fatos.

ROBERTO DALA BARBA FILHO


Bacharel em direito pela UFPR. Mestre em direito das relações sociais e
econômicas pela PUC-PR. Professor da EMATRA-PR. Juiz do trabalho
no TRT da 9ª Região. Presidente da AMATRA IX – Associação dos
Magistrados do Trabalho da 9ª Região, na gestão 2020-2022.
SUMÁRIO

ORGANIZADORES ...................................................................................................7
AUTORES ......................................................................................................................9
APRESENTAÇÃO .....................................................................................................13
PREFÁCIO ..................................................................................................................15

CAPÍTULO 1
Luiz Gustavo Ribeiro Augusto
INTERPRETAÇÃO EVOLUTIVA DO DIREITO CONSTITUCIONAL
DO TRABALHO E SUA APLICAÇÃO NO ÂMBITO DA 4ª REVOLUÇÃO
INDUSTRIAL .............................................................................................................23
Introdução .................................................................................................................23
1 A Produção sob demanda e a economia de plataforma..................................25
2 A Tutela trabalhista para além da relação de emprego ....................................27
3 A Interpretação evolutiva da Carta da República .............................................30
Conclusão ..................................................................................................................35
Referências .................................................................................................................37

CAPÍTULO 2
Camila Salgueiro da Purificação Marques
Miriam Olivia Knopik Ferraz
Parcelli Dionizio Moreira
SOCIEDADE DO CANSAÇO NA ERA DIGITAL E O DIREITO À
DESCONEXÃO NA PANDEMIA COVID19 ....................................................39
Introdução .....................................................................................................................40
1 “Sociedade do cansaço” de Byung-Chul Han...................................................41
2 O direito à desconexão em teoria no Brasil e Espanha...................................45
3 O direito à desconexão em análise comparada de decisões judiciais no Brasil
e Espanha...................................................................................................................51
Conclusão ..................................................................................................................55
Referências .................................................................................................................56

CAPÍTULO 3
Mauro Vasni Paroski
O TRABALHO SOB DEMANDA ATRAVÉS DE PLATAFORMAS
DIGITAIS.....................................................................................................................59
Introdução .................................................................................................................59
1 Subordinação jurídica ...........................................................................................60
1.1 Conceito clássico..............................................................................................60
1.2 Reinterpretação da subordinação jurídica ....................................................61
1.2.1 Subordinação estrutural.............................................................................61
1.2.2 A parassubordinação..................................................................................63
1.2.3 O trabalhador autônomo economicamente dependente......................65
2 Revolução tecnológica ..........................................................................................66
3 Atividade desenvolvida através de plataformas digitais...................................67
4 Ausência de regulamentação do trabalho sob demanda por meio de
aplicativos...................................................................................................................73
5 Decisões Judiciais ..................................................................................................75
6 Projetos de lei.........................................................................................................77
Conclusão ..................................................................................................................78
Referências .................................................................................................................79

CAPÍTULO 4
Mariana Mrosk Teixeira
Mariana Salles Andrade
A NECESSÁRIA ADEQUAÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO À
LGPD E O SISTEMA DE COMPLIANCE TRABALHISTA ..........................83
Introdução .................................................................................................................83
1 Dados pessoais sensíveis ......................................................................................84
2 Proteção de dados anteriormente à edição da Lei Geral de Proteção de
Dados..........................................................................................................................86
3 Aplicação da LGPD nas relações de trabalho ..................................................88
4 Compliance trabalhista .............................................................................................89
5 Adequação das empresas de acordo com a LGPD..........................................91
6 Momentos contratuais de aplicação da LGPD.................................................93
7 Obrigações e responsabilidades previstas pela LGPD ....................................94
Conclusão ..................................................................................................................95
Referências .................................................................................................................96

CAPÍTULO 5
Márcia Denise Brochard de Carvalho
LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS E AS RELAÇÕES DE
TRABALHO ................................................................................................................99
Introdução .................................................................................................................99
1 Marco Civil da Internet, Lei 12.965 de 23/04/2014 .................................... 100
2 A LGPD (Lei Geral de Proteção de Dados) e as relações de trabalho ..... 101
3 Criação da ANPD .............................................................................................. 108
4 O uso de dados da empresa por parte dos colaboradores ........................... 109
5 Sanções previstas na LGPD ............................................................................. 113
Conclusão ............................................................................................................... 114
Referências .............................................................................................................. 115

CAPÍTULO 6
Camila Stabach Mendes
STARTUPS NO DIREITO DO TRABALHO: INFLUÊNCIAS E
REPERCUSSÕES .................................................................................................... 117
Introdução .............................................................................................................. 117
1 Quarta Revolução Industrial............................................................................. 118
2 Startups ................................................................................................................ 121
3 Desafios do direito do trabalho frente as inovações trazidas pelas Startups..124
4 A influência das Startups no futuro do direito do trabalho ......................... 127
Conclusão ............................................................................................................... 130
Referências .............................................................................................................. 131

CAPÍTULO 7
Paula Gouvêa Carneiro Favoreto
TELETRABALHO: UM BREVE ESTUDO COMPARADO ENTRE AS
LEGISLAÇÕES BRASILEIRA E PORTUGUESA ......................................... 135
Introdução .............................................................................................................. 135
1 Princípios do Direito do Trabalho................................................................... 136
1.1 Princípio da Proteção (Norma Mais Favorável; In Dubio Pro Operario) 136
1.2 Princípio da Irrenunciabilidade de Direitos.............................................. 137
1.3 Princípio da Continuidade da Relação de Emprego ............................... 137
1.4 Princípio da Primazia da Realidade ............................................................ 138
1.5 Princípio da Razoabilidade .......................................................................... 138
1.6 Princípio da Boa-Fé ...................................................................................... 139
2 Teletrabalho ......................................................................................................... 139
2.1 A Reforma Trabalhista e o Teletrabalho ................................................... 142
2.2 O Teletrabalho em Portugal ........................................................................ 143
3 Comparação entre as legislações brasileira e portuguesa ............................. 143
4 Omissões da legislação brasileira ..................................................................... 149
Conclusão ............................................................................................................... 152
Referências .............................................................................................................. 153

CAPÍTULO 8
Karina Giselli Pimenta Jorge
A CHECAGEM DA VIDA PREGRESSA DO CANDIDATO À
OPORTUNIDADE DE TRABALHO ANALISADA SOB A ÓTICA DA
NOVA LEI GERAL DE PROTEÇÃO DE DADOS – LEI Nº 13.709/2018..155
Introdução .............................................................................................................. 155
1 Em que consiste a checagem de antecedentes / vida pregressa do
candidato?................................................................................................................156
2 A proteção de dados no ordenamento jurídico brasileiro até o advento da lei
nº 13.709/2018 (LGPD) ...................................................................................... 158
3 Verificação de antecedentes/ vida pregressa em processos seletivos após o
advento da lei geral de proteção de dados – LGPD ........................................ 164
Conclusão ............................................................................................................... 172
Referências .............................................................................................................. 173

CAPÍTULO 9
Laís Klein Ribeiro
Nicole Isabele Oliveira Bezerra
Pedro Pronievicz
A POSSIBILIDADE DO USO DO MANDADO DE INJUNÇÃO A FIM DE
SANAR A AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO PARA OS DIREITOS
SOCIAIS DOS TRABALHADORES DE APLICATIVO .............................. 177
Agradecimentos ..................................................................................................... 178
Introdução .............................................................................................................. 178
1 O mandado de injunção e sua função no sistema jurídico brasileiro ......... 178
2 Os direitos sociais ao trabalho e seus titulares............................................... 181
3 A falta de norma regulamentadora para os trabalhadores de aplicativo e os
seus prejuízos à sociedade .................................................................................... 187
Conclusão ............................................................................................................... 192
Referências .............................................................................................................. 193
CAPÍTULO 1
Interpretação evolutiva do direito
constitucional do trabalho e sua
aplicação no âmbito da 4ª revolução
industrial

LUIZ GUSTAVO RIBEIRO AUGUSTO


Juiz do Trabalho no TRT da 9ª Região. Ex Juiz do Trabalho do TRT
da 2ª Região. Graduado pela Universidade Presbiteriana Mackenzie.
Pós-Graduado em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade
Presbiteriana Mackenzie. Professor da EMATRA do TRT da 9ª Região.
Professor do Curso Promagis. Professor de Cursos de Pós-Graduação.
lgustavoraugusto@gmail.com

INTRODUÇÃO

A primeira revolução industrial ocorreu entre a metade final do


século XVIII e a primeira metade do século seguinte.
Suas características marcantes foram a invenção da máquina a vapor,
que deu origem à produção mecânica e à grande indústria, assim como o
surgimento da classe operária. Foi também nessa quadra da história que
surgiu o Direito do Trabalho.
Manoel Alonso Olea alerta-nos que foi uma mudança sem precedentes
na história do homem. Acarretou impactos não apenas na indústria, mas
também no campo social e intelectual, gerando uma nova civilização. 1
A segunda revolução industrial é fruto do progresso cientifico
ocorrido no período subsequente, de 1850 a 1950.
Assiste-se a expansão do movimento iniciado na Inglaterra para a
Europa Continental, em especial França, Holanda, Alemanha e Itália, além
de América do Norte e Japão.
1. OLEA, Manuel Alonso. Introdução ao Direito do Trabalho. 4.ed. São Paulo: Ltr, 1984. p.159.
22 DIREITO DO TRABALHO E NOVAS TECNOLOGIAS
Impacto da revolução tecnológica nas relações de trabalho e nova racionalidade jurídica

Novas formas de aproveitamento de fontes de energia, como


petróleo, eletricidade e enriquecimento de urânio, possibilitaram a
produção em massa pelo emprego da linha de montagem. Verificam-se,
ademais, inovações nas áreas de transporte marítimo por meio de navios a
vapor, transporte aéreo, refrigeração e até mesmo no desenvolvimento de
remédios.
Foi nesse período que surgiram o “fordismo” e o “taylorismo”.
Também durante esse momento histórico apareceram as primeiras grandes
corporações.
As formas de produção fordista e taylorista aumentaram de
forma impactante a produtividade, assim como a redução de estoques,
ocasionando a chamada primeira onda de automação.
A terceira revolução industrial é fruto do desenvolvimento dos
semicondutores, computação, e da “internet”.
Seu início deu-se na década de 60, do século passado. Também
conhecida sob o epíteto de Revolução Digital, nesse momento histórico,
em virtude do aprimoramento das tecnologias surgidas no período anterior,
e também do, até então, inédito avanço tecnológico, surgiram alterações
substanciosas no processo produtivo por meio da introdução da robótica
imprimindo-se avanços na produtividade.
Ainda nessa quadra, também fruto da crise do petróleo, e da intensa
substituição da mão de obra humana por sistemas automatizados, iniciou-
se processo de precarização das relações de trabalho com a terceirização e
perda de postos de trabalho.
Avançando na linha do tempo, desde 2011, com a criação do termo na
feira de Hannover na Alemanha, entende-se que a industrialização atingiu
uma quarta fase, chamada “indústria 4.0” ou quarta revolução industrial.
A nota marcante dessa nova fase é a convergência das tecnologias
física, biológica e digital. Envolve, ademais, a ubiquidade da “internet”,
inteligência artificial, “internet das coisas”, a chamada aprendizagem
automática, ou “machine learning” e a automação integral.
Não é meramente entendida como um desdobramento da revolução
anterior, mas, em virtude da velocidade, alcance e impactos, não somente
no âmbito do mundo do trabalho, mas também no modo como vivemos
e nos relacionamos, consagrou-se, efetivamente, como uma nova fase. 2
Está-se diante de uma revolução ainda mais rápida e impactante daquela
descrita por Manuel Alonso Olea, quando do surgimento da primeira fase
da indústria.

2. SCHWAB, Klaus. A quarta revolução industrial. São Paulo: Edipro, 2018. p.17-20.
• ANA PAULA SEFRIN SALADINI 23
• LOURIVAL BARÃO MARQUES FILHO

Apesar das inevitáveis benesses advindas do aumento da


produtividade, estima-se, também, incomensuráveis impactos no mercado
de trabalho.
Indica-se que, somente nos países de capitalismo central, ou seja, nos
quinze países mais industrializados, serão extintos cinco milhões de postos
de trabalho. Apenas a título de exemplo, na quadra da terceira revolução
industrial, as três maiores empresas de Detroit, outrora grande centro
automotriz dos Estados Unidos da América, empregavam 1,2 milhões de
pessoas. Em 2014, as três maiores empresas do Vale do Silício, ponto de
concentração de empresas de tecnologia, além de terem valor de mercado
muito superior às grandes da indústria automobilística com receitas em
números assemelhados, empregavam apenas 137 mil pessoas.3
Essa inédita reformulação do processo produtivo, afora extinguir
postos, traz também uma outra faceta, qual seja, em virtude das denominadas
economia de plataforma, “crowd work” e produção sob demanda, as
vagas restantes destinam-se a trabalhadores independentes, engajados em
contratos de curta duração, excluídos do sistema trabalhista de direitos
mínimos previstos na CF.
A abordagem do presente capítulo visa, desse modo, a uma leitura
evolutiva de princípios e direitos sociais insculpidos na CF para estender a
esses trabalhadores da nova economia garantias mínimas de proteção social.

1 A PRODUÇÃO SOB DEMANDA E A ECONOMIA DE


PLATAFORMA

A produção sob demanda ou “just in time” não é uma novidade da


quarta revolução industrial. Com efeito, já na quadra do movimento anterior,
com o abandono do modelo fordista-taylorista, surgiu o denominado
modelo toyotista.
Aludida formatação caracteriza-se por relações sociais flexíveis e
produção no mesmo sentido, de acordo com a demanda do consumidor
final.
Ocorre que o momento histórico sob análise, além de adotar a
produção sob demanda, baseia-se em modelo ainda mais flexível, retirando
o trabalhado do âmbito da empresa ou das empresas que compõe a cadeia
produtiva, pelo denominado capitalismo de plataforma ou “uberização”
da economia. Trata-se de verdadeira potencialização dos movimentos
anteriores, iniciados na década de 70.

3. MANYKA, James Manyka; CHUI, Michael. “Digital Era Brings Hyperscale Challenges”, The
Financial Times, 13 ago.2014.
24 DIREITO DO TRABALHO E NOVAS TECNOLOGIAS
Impacto da revolução tecnológica nas relações de trabalho e nova racionalidade jurídica

A uber economia fundamenta-se na conexão direta entre o prestador


e o tomador/cliente por meio de plataformas digitais. A consequência lógica
é a flexibilização e precarização do trabalho na chamada “gig economy”, ou
economia de bico.
Segundo Ludmila Costek Abilio:
(...) a gig economy é feita de serviços remunerados, que mal
têm a forma trabalho, que contam com o engajamento
do trabalhador-usuário, com seu próprio gerenciamento
e definição de suas estratégias pessoais. A gig economy dá
nome a uma multidão de trabalhadores just-in-time (como
já vislumbrava Francisco de Oliveira no início dos anos
2000 ou Naomi Klein ao mapear o caminho das marcas
até os trabalhadores), que aderem deforma instável e
sempre transitória, como meio de sobrevivência e por
outras motivações subjetivas que precisam ser mais bem
compreendidas, às mais diversas ocupações e atividades.
Entretanto, essas atividades estão subsumidas, sob formas
de controle e expropriação ao mesmo tempo evidentes
e pouco localizáveis. A chamada descartabilidade social
também é produtiva. Ao menos por enquanto.4
Nesse cenário, o trabalhador transforma-se em suposto empresário
ou independente, que coloca-se à disposição do tomador de serviços,
muitas vezes vinte e quatro horas por dia, abrindo mão da proteção social e
do denominado patamar mínimo de garantias.
O desdobramento natural é a proliferação de contratos com
duração mínima, celebrados de forma pontual de acordo com a demanda
apresentada, sem continuidade e, assim, obrigando o trabalhador a migrar
de projeto em projeto sem qualquer segurança no trabalho ou até mesmo
expectativa de ganhos mínimos para seu sustento.
O intuito, certamente, é eliminar a configuração da relação de
emprego e também os direitos trabalhistas. Trata-se do capitalismo sem
responsabilidade social a contrariar o artigo 170, da CF.
Aludido trabalhador, muitas vezes obrigado, por não ter “emprego
com carteira assinada”, abdica-se da condição de empregado e passa a ser
visto como empresário “de si mesmo”, fora do alcance da legislação social.
Os resultados, dessarte, são deletérios para esses trabalhadores do
capitalismo de plataforma.
O uso desenfreado das tecnologias permite que o obreiro seja
demandando a qualquer momento e em todos os lugares. Considerando a
necessidade do “just in time” a esperança dos empregadores ou tomadores/

4. ABILIO, Luciana Costek. Uberização do trabalho: subsunção real da viração. Passa Palavra, São
Paulo, 19 fev. 2017. Disponível em: <http://passapalavra.info/2017/02/110685>. Acesso
em: 06 fev.2020.
• ANA PAULA SEFRIN SALADINI 25
• LOURIVAL BARÃO MARQUES FILHO

clientes é de resposta imediata, implicando constante conexão às plataformas


visando a consecução de novas oportunidades de trabalho.
Tudo isso é ainda mais catalisado pela imposição de pagamento sob
demanda, ou seja, apesar da necessidade de estar à disposição para obtenção
da nova oportunidade, esse tempo não é remunerado, e o trabalhador só
recebe por tarefa efetivamente executada, muitas vezes em valores inferiores
a um salário mínimo.
Esse quadro resulta, para aquele que disponibiliza sua força de
trabalho na plataforma, ganhos menores aos padrões mínimos e variáveis,
jornadas extenuantes e insegurança por ausência de previsibilidade quanto
à novas convocações.
Ocorre que os fundamentos da Carta Maior, quais sejam, a dignidade
da pessoa humana e o valor social do trabalho, não podem virar as costas à
essa realidade, deixando desprotegida toda uma classe de pessoas, por meio
da manutenção de leitura reducionista do texto constitucional.
A proteção em face da automação é um dos direitos dos trabalhadores
em geral, previsto no artigo 7º, da CF, cuja leitura sempre orienta-se pelo
princípio da máxima efetividade.
Como alerta a doutrina, trata-se de preceito que vincula o intérprete,
em toda situação hermenêutica, sobretudo em sede de direitos fundamentais,
a densificar os seus preceitos, sabidamente abertos e predispostos a
interpretações extensivas.5
É o que se propõe nos próximos capítulos, ou seja, uma leitura
expansiva do direito do trabalho, visando a tutelar não apenas empregados,
mas também os novos contratos surgidos da evolução das relações entre os
atores sociais em virtude da indústria 4.0.

2 A TUTELA TRABALHISTA PARA ALÉM DA RELAÇÃO DE


EMPREGO

O núcleo fundamental do Direito do Trabalho situa-se na relação de


emprego, constituindo-se em torno dessa específica relação jurídica todo
um universo de institutos princípios e regras. 6
Tanto é assim, que, historicamente, parte da doutrina, chamada
corrente restritiva, sequer admite qualquer interpretação em sentido
contrário.
Sobre o tema, Manuel Alonso Olea preleciona que:

5. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo


Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p.118.
6. DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 7.ed. São Paulo: Ltr, 2008, p.84.
26 DIREITO DO TRABALHO E NOVAS TECNOLOGIAS
Impacto da revolução tecnológica nas relações de trabalho e nova racionalidade jurídica

O direito do trabalho, como disciplina autônoma, surgiu


e se fundamenta sobre a existência, como realidade social,
generalizada e básica para a vida em sociedade, do trabalho
produtivo, livre e por conta alheia. Essa realidade social, ao
configurar-se juridicamente, determinou o aparecimento, no
ordenamento jurídico, de um tipo especial e singularíssimo
de relação jurídica. A singularidade do contrato de trabalho
reside, por sua vez, na natureza muito especial do objeto
das obrigações reciprocas que por força do contrato
assumem as partes e, sobretudo, pela obrigação assumida
pelo trabalhador, que compromete de certa maneira
sua própria pessoa. Os sujeitos da relação jurídica –
empresário e trabalhador – são tipificados pela sua própria
especialidade e pela especialidade de seu objeto, dando-se
a tipificação fundamental com respeito ao trabalhador, eis
que o trabalho é uma expressão de sua personalidade e
objeto de sua obrigação.7
Ainda mais enfático é Francisco de Ferrari para quem o Direito do
Trabalho não pode ultrapassar as balizas do trabalho subordinado, não
abrangendo, portanto, o trabalho autônomo.8
No entanto, apesar de certa prevalência da concepção doutrinária
acima até os dias de hoje, o Direito não pode ignorar os fatos sociais.
Com efeito, conforme já ressaltado, o momento atual fez emergir
novas formas de prestação de serviços completamente inéditas e muito
menos imaginadas pelo legislador.
A complexidade das relações de trabalho nos dias atuais é tal e muda
tão rapidamente que qualquer pretensão de plenitude legal é fantasiosa.
Aliás, esse não é um problema atual, como nos alerta Miguel Reale,
o desajuste entre o arcabouço legal e os fatos sociais já era verificado desde
o século XIX.9
Essa é exatamente a situação que estamos a vivenciar.
Na medida na qual novas formas de prestação de serviços surgem por
decorrência da economia 4.0 há crescente substituição do clássico paradigma
trabalho subordinado por trabalho disponibilizado na plataforma digital.
Consoante nos alerta Eduardo Von Adamovich:
Relações de trabalho antes corriqueiras vão rareando;
categorias antes dotadas de forte poder de pressão e
negociação, hoje muito pouco podem ao ver escassear a
cada dia os empregos em sua seara e, por outro lado, novas
formas de trabalho vão sendo concebidas, combinando
elementos de relações já antes conhecidas entre si ou com

7. OLEA, Manuel Alonso. Introdução ao Direito do Trabalho. Ed. Sulina, 1969, p.177.
8. FERRARI, Francisco de. Derecho del Trabajo. Buenos Aires: Depalma, 1968, v.1, p.239.
9. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 19.ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p.277.
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• LOURIVAL BARÃO MARQUES FILHO

outros novos, ou ainda a partir de concepções inteiramente


novas. 10
Nesse contexto, surge o debate a respeito das fronteiras do Direito
do Trabalho e, em especial, do Direito Constitucional do Trabalho.
Em meados do século passado, Brun e Galland já refletiam sobre
o assunto indicando que não apenas aos assalariados, mas também aos
independentes poderia haver aplicação de algumas garantias advindas do
Direito do Trabalho. 11
Jean-Claude Javillier, mais recentemente, em 1997, ciente do
surgimento de modalidades alternativas de prestação de serviços,
propunha a extensão de um patamar protetivo mínimo a trabalhadores não
empregados, sob pena de transformar-se o trabalho humano, novamente,
em mercadoria. 12
Como se vê, atualmente, talvez um dos maiores desafios do Direito
do Trabalho, na indústria 4.0, é encontrar um meio de manter-se integrado
aos modos de produção, renovando-se de forma a trazer para seu espectro
de incidência relações historicamente alheias ao seu contexto.
Deve-se ressaltar que esta estrutura normativa, originou-se da
necessidade social de regulamentação dos processos capitalistas de
exploração do trabalho humano. Portanto, qualquer tipo de relação jurídica,
cujo objeto envolva a prestação de serviços a favor de um tomador,
independentemente de sua formatação, atrairá a aplicação de mínimas
garantias advindas desse complexo normativo, previsto como direito
fundamental na Carta Maior, sob risco de, em não o fazendo, implicar
indesejável retrocesso social, situação vedada pela ordem constitucional.
Nessa linha de raciocínio, com o eventual predomínio do trabalho
por tempo determinado, diversificação de atividades por parte do prestador
e demais desdobramentos da uberização da economia, necessário forjar-se
uma interpretação do ordenamento de modo a conferir padrão de proteção
desses trabalhadores, ainda que sem vínculo formal de emprego, sob pena
de esse ramo tornar-se irrelevante e em desconexão com os fatos sociais.
Para Amauri Mascaro Nascimento está-se diante de uma etapa
chamada de Direito do Trabalho não só de empregados, mas também de

10. ADAMOVICH, Eduardo Henrique Raymundo Von. A nova competência da Justiça do


Trabalho: Ampliação do alcance dos juízos de equidade ou nova concepção bicéfala da
Justiça Civil de raízes burguesas? Revista Ltr. São Paulo, vol. 70, n. 05, Maio 2006, p. 555.
11. BRUN, André; GALLAND, Henri. Droit du Travail. Paris: Sirey,1958, p.9.
12. JAVILLIER, Jean-Claude. Hacia un nuevo derecho del trabajo. In: Evolución del pensamiento
juslaboralista. Montevidéu: FCU, 1997, p. 223.
28 DIREITO DO TRABALHO E NOVAS TECNOLOGIAS
Impacto da revolução tecnológica nas relações de trabalho e nova racionalidade jurídica

trabalhadores que prestam serviços por outras formas de engajamento, que


não a clássica relação de emprego subordinado.13
A interpretação restritiva, ou seja, a aplicação de garantias trabalhistas
no estrito âmbito da relação de emprego afastaria, em definitivo, toda uma
crescente classe de trabalhadores cuja prestação de serviços insere-se na
lógica da Revolução 4.0.
Esse quadro obrigaria substanciosa parte da força do trabalho
a renunciar todos os direitos advindos de anos de conquistas e do
reconhecimento do valor social do trabalho como fundamento da República
Federativa do Brasil para inserir-se no mercado de trabalho, sob pena de
engrossar a fila dos sem emprego. O trabalhador não pode ser colocado
nesse dilema.
De fato, tal cenário não se coaduna com os princípios, direitos e
garantias previstas na Carta Maior, exigindo-se do exegeta um novo olhar
sobre o assunto com a adoção de possíveis novas respostas a esta realidade.

3 A INTERPRETAÇÃO EVOLUTIVA DA CARTA DA REPÚBLICA

O ordenamento jurídico, a partir de 1988, passou a adotar como


fundamentos do Estado brasileiro a dignidade da pessoa humana e o valor
social do trabalho.
Reconheceu-se, assim, a prerrogativa de todo ser humano receber
tratamento digno e direito de não ser prejudicado em sua existência.
Consoante Alexandre de Moraes:
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa,
que se manifesta singularmente na autodeterminação
consciente e responsável da própria vida e que traz consigo
a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas,
constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo
estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente
excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício
dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a
necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto
seres humanos.14
Erigir a dignidade da pessoa humana a fundamento da República
implica o reconhecimento do ser humano como figura central e como a
própria finalidade do direito. Desse modo, todo o ordenamento jurídico
deve ser interpretado tendo tal princípio como norte.

13. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito do Trabalho. 25.ed. São Paulo: Saraiva, 2010,
p. 357.
14. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada e legislação constitucional. São Paulo:
Atlas, 2002, p. 128.
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• LOURIVAL BARÃO MARQUES FILHO

Nessa seara, preleciona Luiz Antônio Rizzato Nunes, que a


dignidade da pessoa humana ilumina todos os demais princípios e normas
constitucionais, tratando-se de verdadeiro supraprincípio, que não podendo
ser desconsiderado em atos de aplicação, interpretação ou mesmo criação
de normas jurídicas.15
Topograficamente junto à dignidade da pessoa humana, encontra-se,
ademais, o mencionado valor social do trabalho, que, segundo Alexandre
Novelino:
O reconhecimento dos valores sociais do trabalho como
um dos fundamentos do Estado Brasileiro, significa
que este não deve conferir ou reconhecer privilégios
econômicos condenáveis, uma vez que o trabalho é capaz
de promover a dignidade da pessoa humana. A partir do
momento em que contribui para o progresso da sociedade
a qual pertence, o indivíduo se sente útil e respeitado. Sem
ter qualquer perspectiva de obter um trabalho com uma
justa remuneração e com razoáveis condições para exercê-
lo, o indivíduo acaba tendo sua dignidade violada.16
Observe-se que, apesar de a dignidade da pessoa humana ser
considerada um valor de hierarquia supraconstitucional, aludido autor traça
interessante paralelo entre os dois fundamentos.
Trata-se também de uma valorização do trabalho de modo a
promover sua proteção não apenas em relação ao tomador dos serviços,
mas igualmente face a vicissitudes econômica sociais.
Aliás, a própria ordem econômica também está fundada na valorização
do trabalho humano e tem por finalidade assegurar a todos uma existência
digna, conforme art.170, da CF.
Isso significa que toda a atividade econômica realizada no país deve
ater-se aos referidos fundamentos e ainda na redução das desigualdades
sociais e na função social da propriedade.
Inexiste, dessarte, lugar, na ordem Constitucional vigente, para o
capitalismo sem responsabilidade, motivo pelo qual todos aqueles que
empreendem atividades econômicas estão submetidos aos superiores
ditames da dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho.
Propõe-se, assim, uma releitura do artigo 7º, da CF, de forma
evolutiva, para, de acordo com os mencionados fundamentos do Estado
Democrático, incluir na rede de garantias mínimas ali previstas o trabalhador
independente, da Quarta Revolução Industrial.

15. NUNES, Luiz António Rizzato. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e
jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002, p.51.
16. NOVELINO, Alexandre. Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Método, 2008, p. 203.
30 DIREITO DO TRABALHO E NOVAS TECNOLOGIAS
Impacto da revolução tecnológica nas relações de trabalho e nova racionalidade jurídica

Consoante já dito, fruto do foco do Direito do Trabalho na relação de


emprego, pois esta inseria-se, de forma hegemônica, no modo de produção
capitalista, o artigo 7º, da CF, apesar de usar a expressão “são direitos dos
trabalhadores”, sempre foi interpretado no sentido de englobar apenas
os trabalhadores vinculados a um tomador de serviços por meio de uma
relação típica de emprego, conforme previsão dos arts. 2º e 3º, da CLT.
A reforçar tal conclusão, o reflexo dava-se também no aspecto da
competência material da Justiça do Trabalho. Até a Emenda Constitucional
45/2004, a Especializada sequer julgava lides envolvendo relações que não
a de emprego, ressalvando-se a hipótese da pequena empreitada.
A ampliação da competência ocorreu com aludida emenda, que a
estendeu também para todas as lides decorrentes da relação de trabalho,
conforme artigo 114, I, da CF. Como decorrência, passou-se a processar
e julgar ações envolvendo trabalhadores independentes que não estavam
a pleitear o reconhecimento de vínculo de emprego e sim parcelas
inadimplidas dos contratos de prestação de serviços, além de, até mesmo,
questões atinentes a danos morais e materiais advindos de relações reflexas,
como o denominado dano em ricochete, ou seja, aquele sofrido pelos
herdeiros do trabalhador vítima de acidente de trabalho.
Como nos alerta Amauri Mascaro Nascimento, todos os tipos de
trabalho passaram a encontrar na Justiça do Trabalho o órgão competente
para apreciar suas questões, após a reforma constitucional em apreço. 17
Ocorre que, mesmo podendo os independentes levar suas controvérsias
para apreciação do ramo do Judiciário vocacionado e especializado em lides
envolvendo empregado e empregador, tais trabalhadores ainda veem-se
afastados da proteção mínima trazida no artigo 7º, da Carta Maior, por
persistência da tradicional interpretação do seu texto.
Assim, para que Direito do Trabalho possa manter seu papel tuitivo
também para os trabalhadores da indústria 4.0, deve-se reconhecer, por
meio da hermenêutica evolutiva a devida e natural extensão do conteúdo
do multicitado artigo 7º, da CF, a aludidos obreiros.
Conforme nos ensina Gustavo Zagrebelsky, trata-se de operação
interpretativa destinada a reconstruir o direito dinamicamente,
acompanhando as exigências mutantes da realidade social.18
O direito contemporâneo, nessa óptica, revela-se flexível e deve ser
lido de forma consentânea com a evolução dos fatos sociais.

17. NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de Direito Processual do Trabalho. 25.ed. São Paulo:
Saraiva, 2010, p. 286.
18. ZAGREBELSKY, Gustavo. Diritto Constituzzionale: Il sistema delle fonti del Diritto. V.I. Torino:
Unione Tipografico- Editrice Torinese, 1998, p. 81.
• ANA PAULA SEFRIN SALADINI 31
• LOURIVAL BARÃO MARQUES FILHO

Portanto, como a Constituição é um sistema aberto de regras e


princípios admite, obviamente, compreensão do seu texto, de modo a,
mesmo conservando intacta sua linguagem verbal, em virtude de uma
transformação na situação de fato sobre a qual incide a norma ou ainda
por força de uma nova visão jurídica que passa a predominar na sociedade,
permitir ao exegeta dar outro sentido ao seu conteúdo, desde que não viole
princípios estruturantes da Lei Maior. 19
O método em apreço apresenta plena compatibilidade com a situação
em análise e tampouco agride aos princípios da Carta da República. Pelo
contrário, os efetiva para toda uma coletividade de trabalhadores.
De fato, o Direito do Trabalho sempre apresentou-se como garantidor
da coesão social, papel que somente continuar a exercer se abraçar a
evolução das novas formas de organização do trabalho.
Daí porque, enfatiza-se a defesa da possibilidade de, por meio da
interpretação evolutiva do artigo constitucional que trata das garantias
mínimas dos trabalhadores, alavancar seu alcance não apenas para a
tradicional forma de relação de emprego celetista, mas também para toda
relação de trabalho, em especial aos empregados que disponibilizam sua
força de trabalho nas plataformas digitais.
Portanto, mesmo sem legislação especifica sobre o tema, nada impede
ao intérprete do texto constitucional, baseado nos princípios norteadores
da Carta da República, conferir aos trabalhadores por aplicativos, como
motoristas, entregadores, dentre outros, o patamar mínimo civilizatório,
desenhado no aludido artigo, inserido no título das garantias e direitos
fundamentais, do texto constitucional.
Tal assertiva, repito, está em consonância com o princípio da dignidade
da pessoa humana, cujo poder irradiante incide sobre o ordenamento como
um todo.
Não se pode admitir, sob pena de violação a tal princípio, a existência
de trabalhadores ativando-se sem limitação de jornada nem garantia do
salário mínimo.
Os impactos sociais desse trabalho sem regulamentação são muitos,
podendo-se citar o adoecimento de trabalhadores e maior possibilidade de
acidentes de trabalho refletindo no sistema de seguridade social.
E nem se argumente que tal interpretação violaria o princípio da
legalidade, tendo em vista ausência de regra específica sobre o assunto.
Com efeito, no âmbito do pós-positivismo, os princípios caracterizam-

19. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo
Gonet. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 2008, p. 230.
32 DIREITO DO TRABALHO E NOVAS TECNOLOGIAS
Impacto da revolução tecnológica nas relações de trabalho e nova racionalidade jurídica

se por ter força normativa e, ao lado das regras, são conceituados como
normas jurídicas.
Mais ainda, os princípios, cuja ambiência natural é a Constituição, são
normas jurídicas com um grau máximo de juridicidade. Como adverte Paulo
Bonavides, “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma
norma qualquer. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um
específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos” 20
Reforçando essa conclusão, uma norma constitucional (princípio)
deve ser aplicada independentemente da sistematização do ordenamento
por meio de uma regra de direito.
Nesse sentido, para Cármem Lúcia Antunes Rocha, os princípios
constitucionais, como valores supremos encontrados na sociedade, são a
raiz e a meta de todo o sistema constitucional, o que os transforma em
institutos jurídico-normativos de eficácia plena, inseridos na Carta Magna.21
Dessa forma, interpretar referido artigo constitucional de modo a
estender a todos os demais trabalhadores seus direitos é dar máxima eficácia
ao valor social do trabalho.
Como reflexo de todo esse contexto, as novas formas de se trabalhar,
tão caracterizadas pela velocidade, fluidez e alterabilidade, devem se
submeter a tal núcleo duro protetivo, em especial as limitações de jornada,
garantia de salário mínimo e irredutibilidade salarial.
Ressalto, ainda sobre o tema, que o objetivo não é aplicar a
integralidade da CLT aos obreiros independentes da indústria 4.0, mas sim
interpretar a previsão a respeito dos direitos mínimos dos trabalhadores,
previstos na Carta Maior, de forma harmônica com os princípios do valor
social do trabalho e da existência digna, visando a atingir os inseridos na
lógica produtiva do atual estágio de desenvolvimento industrial.
É a efetivação, portanto, dos valores protegidos sob a óptica da
unidade da constituição, como preleciona Jorge Miranda:
A Constituição deve ser tomada, a qualquer instante,
como um todo, na busca de uma unidade e harmonia de
sentido. O apelo ao elemento sistemático consiste em
procurar recíprocas implicações de preceitos e princípios
em que aqueles fins se traduzem em situá-los e defini-los
na sua inter-relacionação e em tentar, assim, chegar a uma
idônea síntese globalizante, credível e dotada de energia
normativa.22

20. BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 1997, p. 279.
21. ROCHA, Carmem Lúcia Antunes. Princípios constitucionais da administração pública. Belo
Horizonte: Del Rey, 1994, p.21.
22. MIRANDA, Jorge Miranda. Manual de direito constitucional. Coimbra: Coimbra Ed., 1983. v.2, p.
228.
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• LOURIVAL BARÃO MARQUES FILHO

Nota-se, dessarte, que a Carta Maior deve ser lida de forma global e
harmoniosa com seus objetivos.
Portanto, se a República Federativa do Brasil tem como seu
fundamento o valor social do trabalho, a ordem econômica está fundada
na valorização do trabalho humano e visa a assegurar a todos existência
digna e a ordem social tem como base o primado do trabalho qualquer
leitura reducionista da previsão constitucional sobre as garantias mínimas
do trabalhadores, e aqui friso, a Carta usa a expressão trabalhadores, sem
qualquer tipo de restrição a uma categoria, implica agressão a todo o sistema
adotado a partir de 1988.
Arremata-se, assim, pela necessária reinterpretação do Direito
Constitucional do Trabalho preservando-se seu caráter protetivo e
amoldando-se à chamada “gig economy” de modo que, concomitante
a assegurar um patamar mínimo protetivo, não engesse a repaginação
tecnológica em curso.

CONCLUSÃO

Na história da humanidade sucederam-se modificações na forma


pela qual o ser humano relaciona-se com o mundo ao seu redor.
A revolução cognitiva, a revolução agrícola e finalmente a revolução
cientifica alteraram percepções, modos de vida, de trabalho e da organização
da sociedade como um todo.
A era industrial, contudo, como desdobramento da revolução
cientifica, é a que provocou a maior ruptura com os antigos paradigmas.
A urbanização, a produção em massa, o uso de combustíveis fósseis e o
aparecimento da classe trabalhadora são apenas alguns exemplos.
Está-se, agora, diante de um momento inédito, a denominada
Indústria 4.0.
O aprimoramento da tecnologia digital, “internet” das coisas,
inteligência artificial, nanotecnologia, automação e a consequente integração
entre todos eles estão a transformar como vivemos, trabalhamos e nos
relacionamos de um modo sem precedentes e em velocidade supersônica.
Evidentemente que os impactos já estão a ser sentidos no mundo do
trabalho por meio da disseminação de novos modos de contratação de mão
de obra, os chamados contratos de livre colaboração, os quais ameaçam os
direitos sociais de todo um conjunto de obreiros.
Há, em curso, intensa repaginação do modelo clássico previsto na
CLT, caracterizado pela inserção e permanência do empregado na empresa,
em consonância com o princípio da continuidade da relação de emprego,
34 DIREITO DO TRABALHO E NOVAS TECNOLOGIAS
Impacto da revolução tecnológica nas relações de trabalho e nova racionalidade jurídica

para uma formatação pautada na ausência de contratação direta do


trabalhador, com imposição do uso de plataformas digitais para oferta da
força de trabalho em atividades de curta duração e sob demanda.
Como consequência de trabalhos incertos ou sem continuidade,
o trabalhador vê-se obrigado a incrementar as horas e dias trabalhados,
desrespeitando aos limites de jornada e privando-se de dias de descanso
para recuperar suas forças ou desfrutar do necessário convívio familiar e
social.
Tudo isso gera também aumento de doenças laborais e acidentes do
trabalho, com impactos em todo o sistema de seguridade social.
O Direito do Trabalho cuja finalidade precípua sempre foi estabelecer,
por meio de regras cogentes, condições mínimas de trabalho não pode
voltar as costas à essa realidade.
Deve-se lembrar que o trabalho humano, além de fonte de subsistência
e realização pessoal, também apresenta-se como fator de realização de
progressos econômico, cultural e cientifico da humanidade. 23
Não por outro motivo que a ordem constitucional vigente erigiu o
valor do trabalho a fundamento da República Federativa do Brasil, à base
da ordem econômica e da ordem social.
Por ocupar tal destaque no ordenamento e considerando sua finalidade
histórica é necessária a busca de uma solução hermenêutica adequada que,
sem engessar a atividade econômica, resolva o problema relacionado ao
crescente número de trabalhadores da Indústria 4.0, cuja única forma de
engajamento no mercado de trabalho, ao menos por enquanto, é por meio
da abdicação de conquistas históricas dos trabalhadores, com a consequente
disponibilização de sua força de trabalho nas plataformas digitais, sem
garantias mínimas de ganhos ou limitações de jornada.
Esses obreiros também merecem tratamento digno não podendo
ser prejudicados pela completa ausência de proteção laboral, sob pena de
violação ao supra princípio da dignidade da pessoa humana e, em última
análise, ao projeto constitucional como um todo.
Nesta ordem de coisas, examina-se a possibilidade de releitura
evolutiva do art.7º, da CF, cuja interpretação sempre fora reducionista,
atingindo apenas trabalhadores vinculados a um tomador por meio da
relação de emprego, para abarcar toda uma gama de obreiros inseridos no
capitalismo de plataforma.
Trata-se, assim, de interpretação consentânea com os fatos sociais e
com o objetivo de manter a unidade do projeto constitucional.

23. CAMINO, Carmen. Direito Individual do Trabalho. 4.ed. Porto Alegre: Síntese, 2004, p.82.
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Não se está a pretender a aplicação da CLT com todo seu conjunto


normativo a tais trabalhadores. A intenção é estabelecer garantias mínimas,
com assento constitucional, aos prestadores de serviço da Indústria
4.0, em especial a limitação de jornada, previsão de descanso semanal e
contraprestação mínima.
Tampouco objetiva-se a abandonar, como característica marcante e
objeto de estudo desse ramo do Direito, a relação de emprego nos moldes
previstos nos artigos 2º e 3º, da CLT.
A ideia, dessarte, é, por meio de um olhar prospectivo, atribuir ao
Direito Constitucional do Trabalho um espectro maior de abrangência,
permanecendo na sua superior missão de elevar a dignidade dos que
trabalham, estendendo sua proteção a relações não empregatícias.
Arremate-se com a reflexão baseada em Alain Supiot: a revolução
informacional é a chance de conceder a todos os trabalhadores certa
autonomia, ao mesmo tempo que comporta o risco de submeter a todos à
formas agravadas de desumanização de trabalho. 24

REFERÊNCIAS

ABILIO, Luciana Costek. Uberização do trabalho: subsunção real da


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