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«6 rosto impassivel de Mosjoukine parece modificar a sua expressio, passando do apetite & dor e a ternura: trata-se do eélebre efeito Koulechov. De forma andloga, se imagem de um rebanko de ovelhas demonstra 56 por si aquilo que ela mostra, passa a ter um sentido muito mais exacto quando é seguida pela cena de uma mulidao a sair do metropoitano Modern Times: ~ Tempos Modernos} EEvidentemente que esta significagao da imagem ou da montagem pode es- capar a0 espectador: necessdrio aprender a ler um filme, decifrar o sentido das imagens tal como se decfra o sentido das palavras e dos conceitos, a com- preender as subtilezas da linguagem cinematogrética. Por outro lado sentido das imagens pode ser controverso, tal ¢ qual como o das palavras, e poderd dizer-se que cada filme tem tantas possibilidades de interpretagdo quantos forem os espzctadores. Em conssquéneia, se o sentido da imagem existe em fungi do contexto tmieo eriado pela montagem, ele também existe em funao do contexto mental do espectader,eada um reagindo de acordo com os seus gostos, a sua instrugao, a sua cultura, as suas opinies moras, polticas e sociais, os seus preeonceitos, ¢ ignoréncies. Por outro lado, o espectador pode deixar escapar o essencial deixando atrair a sua atenglo para um pormenor pitoresco mas insignificante: conhece-s, através de numerosas experiéneias, que os povos primitives pouco evoluidos as eriangas agarram-se a pormenores sem importancia que se en- contram fortuitamente no campo de filmagem e negligenciam o principal ‘Tudo isto mostra que a imagem, apesar da sua exactiddo figurativa, € ex ‘vemamente malesvel e ambigua ao nivel da sua interpretapao. Mas seria er- rado partir daqui para cair num agnosticismo injusificado: é perfeitamente possivel evitar qualquer erro de interpretapao procurando uma er (referéncia ao filme enquantototalidade signifieante que nunca pode ser inte ramente equivoea) e externa (a personalidade do realizador e a sua conceppio do mundo podem indicar @ priori o sentido da sua mensagem) do documento filmico. Portanto, neste nivel intelectual a imagem pode constituir-se como 0 ver culo da étiea © da idevlogia. Eisenstein, como se sab intengdo de realizar um filme baseado em O Capi 34 apenas de um dito espirituoso, ja que a montagem ideolégica que ¢ cinema Ihe deve ¢ uma das principais etapas da descoberta dos meios especificos da linguagem filmica. Ao findar esta andlise penso ter posto suficientemente em relevo ocaricter verdadeiramente original e excepcional da percepeao perceprdo que consiste num complexo intima de afeetividade e int lade permitindo compreender as causas profundas desta sforga superior de contagio mental- de que 0 cinema dispde, segundo a expresso de Jean Epstein, AATITUDE ESTETICA Deste modo a imagem reproduz o real, depois, num segundo grau e even- tualmente, afecta os nossos sentimentos e, finalmente, num tereeir) grau e sempre facultativamente, toma uma significado ideolégica e moral, Este es- quema corresponde & fungdo da imagem tal como definiu Eisenstein, para quem a imagem noe conduz ao sentiment (ao sentimentoaectio« deste & Mas ¢ necessério admitir que se esta gradapdo ideal era perfeitamente nor- mal na perspectiva da montagem ideoligica, descoberta essencial de Eisen- stein, pelo contrério, no cinema shabituals, quer dizer, nao fundado na monta- ‘gem, a passagem da afectividade a ideia é muito menos certa e muito menos evidente. Quantos espectadores nao permaneceram neste nivel senso ‘imental perante o cinema? O cinema, repito-o, é uma linguagem necessério decifrar © muitos espectadores, glutdes épticos e past conseguem digerir o sentido das imagens. Por outro lado, esta atitude sensorial e passiva nao é uma atitude estética, apesar de eu ja ter definido este segundo nivel de realidade da imagem como sendo o grau estético da sua acgao. Porque a instauragao estética supoe a cons- ciéncia clara do poder de persuasdo afectiva da imagem, Para que exista ati tude estética é necessirio que o espectador mantenha uma certa distanciagao, que nao acredite na realidade material e objectiva daquile que aparece na tela, que saiba conscientemente que est diante de uma imagem, de um reflexo, de 35 um espectéculo!, Ndo se deve deixar conduzir a passividade total perante 0 fascinio sensorial exercido pela imagem, nem deve alienar a consciéneia que tem de se enccntrar diante de uma realidade em segundo grau: com esta tnica condigao, a de salvaguarda da liberdade na participagdo, a imagem ¢ verda- deiramente apercebida como uma realidade estética e o cinema surge na sua afirmagiio de arte e nao de 6 i pacing tonnes edicts dnd = - usdo é tanto 2. O PAPEL CRIADOR DA CAMARA Depois de ter definido os caracteres gerais da imagem, é agora necessério estudar as modalidades da sua criagao, isto ¢, o papel da camara na sua fun- ‘0 de agente activo do registo da realidade material ede criagao da reslidade filmica. ‘Alexandre Astruc escreveu a este respeito: «A histéria da técnica cine- ‘matogréfica pode ser considerada no seu conjunto como a histéria da liberta- gio da camara.” E, com efeito, exacto que a emancipacao da camara teve uma ‘importéneia extrema na histéria do cinema, O nascimento do cinema como arte data do dia em que os realizadores tiveram a ieia de deslocar o agarelho de filmar no decurso de uma cena: as mudancas de planos, dos quais os movi- ‘mentos do aparelho ndo constituem senfio um caso particular (notemas que nna base de qualquer mudanca de plano ha sempre um movimento de cimara, efectivo ou mantido virtualmente), estavam inventadas e, por consequéncia, a ‘montagem, fundamento da arte cinematogritica. Baseio-me em Georges Sadoul para dar algumas informagaes te. 4que permitam esbogar uma histéria suméria desta libertagao, Durante ‘tempo manteve-se a camara fixa, numa imobilidade que eorrespondia ao ponto de vista do espectador da plateia que assiste a uma representagao teatral. Eis ‘ regra subentendida, a da unidade de ponto de vista, que guiou Mi dar fecundo e genial, a longo da sua carreira em 1905, em « 0 d seguia 0 movimento dos Reis Magos chegando ao estabulo de Belém, Mas 6 a um inglés, G. A. Smith, representante daquilo que Sadoul denomina , Percorria o gigantesco censirio exprimiu pontos de vista cada ver mais «subjec- 10s cada vez mais audaciosos. Assim, em Der Letzte Mann=(0 Ultimo dos Homens),a cimara, irrompendo ‘num vertiginoso travelling para a frente, materializa no espago a trajectéria das palavras de uma criada que conta a uma vizinha as novidades do prédio. Alguns anos mais tarde, em «La Chute de la Maison Usher» (A Queda da Casa Usher), a camara de Jean Epstein parece arrastada, juntamente com as folhas de Babilénis, Mas em segui tivose através de mavim Pan Dam Dena spd Yaar Pr caidas ao sabor de um vento enquanto Eisenstein, com um famoso travelling para a frente, conferia ao seu aparelho o ponto de vista de um touro precipitando-se para uma vaca (+Staroye i Novoye» - «A Linha Geral). Quanto ‘a Abel Gance, nao contente em utilizar para as filmagens de , ouo grande plano do copo de lete, talvez envenenado, {que aterroriza a heroina de «Suspicion» (Suspeita). Se se trata do plano de um rosto humano, ele pode, evidentemente, ser 0 «objecto» do olhar de uma outra personagem da acpi, mas, em geral, o ponto de vista é 0 do espectador através da interpretagio da cimara, Entdo, o grande plano sugere uma forte tenséo ‘mental da fersonagem, tais como, os planos da face dolorosa de Laura cada vez que ela mergulha no passado (Brief Encounter» ~ Breve Encontro) ou 0s de Jeanne dAre, vitima da tortura mental que Ihe infligiram os jutzes no filme de Dreyer. A impressdo de mal-estar ou de angiistia pode ser reforgada com ‘um enquadramento «anormals (como o fragmento do rosto de uma personagem de «L:Inondation», ao pensar no erime que acaba de cometer) ou pela utiliza- 40 de um grande plano muito aproximado, que se chama pormenor ou insert (0 olho da jovem mulher que beja o oficial ferido em «A Farewell to Arms» ~ 0 Adeus as Armas, 0 olho do bébado de (© Senhor Bario) e que evidencia uma aproximacao significativa: Jean Gabin, com um ar muito seguro de si, telefona a um amigo para pedir dinheiro em- prestado (fica enquadrado num plano contrapicado ligeiramente acentuado}, infelizmente, © amigo encontra-se ausente, e a sua aparéncia de seguranca 4 subitamente lugar ao desencorajamento (um curto travelling vertical para cima encadeia com um plano picado muito evocador, 0 movimento da cimara ‘odo bastante sensivel a derrocada moral da personagem). assinalar alguns exemplos raros de filmagens verticais. Em mais expressivo, em -The Paradine Case» (0 C: que 0 advogado da acusada, aniquilado pela confs reconhecer a sua incompeténcia e abandona a sala do tribunal num siléncio de morte. Em sentido contririo, René Clair dispds @ cémara num plano con- trapicado vertical suficientemente malicioso para nos permitir contemplar a roupa de baixo de um dangarina de 1925 em «Entractex; ponto de vista mais interessante ¢ o do herdi de Vampyre, transportado (em sonho) num caixio cuja tampa contém uma pequena janela, ou ainda o do protagonista de «A Farewell to Arms» (Adeus as Armas) transportado numa maca, que vé desfilar 1s ogivas do convento transformado em hospital, assim como os rostos que se debrugam sobre ele. Sucede também, mas muito raramente, que a cdmara se mova, ndo em redor do seu eixo transversal, mas em torno do eixo dptieo. Consegue-se ent aquilo que se shama enquadramento inclinado, mas estes efeitos podem entrar na categoria dos angulos. Se si empregues subjectivamente, mostram o ponto de vista de alguém que nao se encontra numa posigfo vertical. Desde 1924, num filme intitulado «Le Petit Jaccues», um enquadramento inclinado correspondia ao ponto de vis- ta de um prisioneiro deitado e que via o director da priséo entrar na sua cela, 62 ‘acompanhado de um guarda”; encontram-se efeitos anélogos em virios filmes de Hitchcock e, especialmente, no inicio de «Notorious» (Difamagao), quando a ‘imagem do polcia oseila em redor do seu eixo a medida que ele se aproxima da herofna estendida na cama. ‘Tratado objectivamente, o processo pode tomar um sentido nitidamente ‘mais interessante e mais expressivo. Em «Oktiabr» (Outubro), um grpo de soldados dispara um canho num plano filmado com uma leve inclinagio (pa- recem encontrar-se numa estrada ascendente) em contrapicado, O ponto de vista conseguido desta maneira dé uma impressao vigorosa de esforgo fisico e de forga, ‘Um enquadramento inelinado pode também provocar um efeito cémizo. Tl feito tende a fazer ver ao espectador que Charlot sobe uma ladeira muito nada... empurrando um carrinho excessivamente earregado (cWork- — Charlot ‘Aprendiz). Por fim, e 0 caso é 0 mais interessante para reforgo do que afirmamos, 0 ‘enquadramento inclinado pode querer materializar, aos olhos do espestador, ‘uma imposigdo softida por uma personagem. Por exemplo: uma perturbagao ‘ou um desequilibrio moral Pode -se um ponto de vista subjectiv (atribuido a uma persona ‘gem da acgéo) e um ponto de vista objectivo (atribuido ao espectador: Ponto de vista subjectivo: no momento em que 0 assassino decide matar ‘ sobrinha, um enquadramento inclinado exprime a confusio do homem que ‘tem de cometer um novo crime para fazer desaparecer uma testemunha inod- ‘moda («Shadow of a Doubt» ~ Mentira); quando a heroina pensa suicidar-se, a {imagem oscila e somente volta & posigdo horizontal quando, depois de vencida a crise, os reflexos do comboio, sob o qual se iria deitar, se extinguem no seu rosto alucinado (Brief Encounter» ~ Breve Encontro); efeito semelhante foi utilizado para exprimir a inguietagdo de um homem que teme ser acusado do aassassfnio da sua mulher (Strangers on a Train» ~ O Desconhecido do Norte- oo wan originlidade qu Expresso) e ada trapezista, no momento de se langar no vazio («Lola Montes = Lola Montes Ponto de vista objectivo: um enquadramento inclinado (utilizado perma- nentemente) tende a tornar sensivel ao espectador o malestar que nasce do s6rdido episédio do médico que provoea abortos («Carnet de Bal» ~ Carnet de Baile) ou da inquietante presenga de um feitieiro que néo recua perante o crime (-Sortileges»). Assinalemos finalmente o que se poder chamar enquadramento desorde: nado, devido ao facto da cmara ser sacudida em todos os sentidos. Ponto de vista subjective: a agitagio da cimara dé o ponto de vista sub- jectivo das personagens atingidas pelo tioteio Bronenosetz Potyomkin~ - O Couragado Potemkine); dais homens feridos por balas vacilam e caem, de os- tas, vendo paisagem rodopiar (La Rose et le Réséda»); o mesmo efeito suge- re as impressées de um jovem soldado mortalmente ferido (Letyat Juravlx ~ Quando Passam as Cegonhas). Ponto de vista objectivo: num antigo filme burleseo americano, a cimara de filmar ¢ volentamente sacudida para simular um tremor de terra (Harry in Mission»); quorendo mostrar a Convengio Francesa agitada pela tempestade 4as paixtes politeas, Gance balanga a cmara como se ela fosse arrastada ao sabor das ondas alterosas (-Napoléon» ~ Napoledo) ¢ Clouzot sublinha, recr- tendo a um balango lateral, os ziguezague euféricos de Jo ao volante do camio antes da queda fatal numa ravina (Le Salaire de la Peur- ~ 0 Salirio do ‘Medo). B iguelmente balougando a cdmara que se sugere o movimento agitado deum navio Para acabar: eis um exemplo em que um ponto de vista subjectivo se torna bjectivo, Um plano que representa homens transportando com dificuldade um caixto pesado 6 agitado por movimentos desordenados. Tudo se passa como se estes movimentos, que exprimem o ponto de vista dos homens sofrendo com a carga, tivessem sido transfers para o ponto de vista do espectador, deixando «© plano de representar a paisagem que estes homens véem sob os seus olbos para nos mostrar a sua propria imagem; a wobjectivagio»realizada deste modo decuplica a participagio sensivel do espectador no eonteddo da imagem (La 54 Chute de la Maison Ushers ~ A Queda da Casa Usher); a camara, agitala pelo impacto da explosio, que traduz simultaneamente o pinico da multidéo e a impressio subjectiva do espectador (“Metropol OS MOVIMENTOS DA CAMARA ‘Sem comegarmos por distinguir os diferentes tipos de movimentos de ca ‘mara, tentemos definir as suas diversas fungdes do ponto de vista da expressio filmica: A ~ Acompanhamento de uma personagem ou de um objecto em movimen- to: a camara segue a diligéncia langada a galope («Stagecoach» - A Cavalgada Heréiea) ou o comboio atravessando a noite (Vivre pour Vivres — Viver por Vive: B ~ Criagdo da ilusdo de movimento de um objecto estético: um travelling para.a frente da a sensagio de que a Fortaleza Voadora se move sobre a pista de voo (The Best Years of Our Lives» ~ Os Melhores Anos da ‘Nossa Vida); © ~ Descrigdo de um espago ou de urna acgio possuindo um conteiido ma: terial ou dramético nico e univoeo: um travelling para tris mostra progressivamente o baile ao ar livre (Quatorze Juillet» ~ Quatorze de Julho}; um travelling lateral revela os combates furiosos na fi- brica de tractores («Stalingradskaya Bitvay - «A Batalha de Esta- linegrado»); D = Definigao de relagées espaciais entre dois elementos da aogdo (entre duas personagens ou entre uma personagem e um cbjeeto: pode exis- tir uma relagdo simples de coexisténcia espacial, mas tambén pode constituir a introdugio de uma ameaga ou de um perigo através de um movimento de c&mara que vai de uma personagem ameagadore a per- sonagem ameagada - mas geralmente este movimento mostra uma personage impotente ou desarmada, focando seguidamente uma [personagem que se encontra num estado de superioridadetéctiea, que 55 vé sem ser visto ete. (a rapariga revela a Charlot que ele é a revela- a0 do espectéculo, depois a camara mostra o empresério a espreit los - «The Circus» — 0 Circo) ou um objeeto que é origem ou simbolo de perigo (dois jovens casados com ar feliz encostam-se na amurada de um navio: a cémara recua, fazendo entrar no campo de viséo um salva-vidas com o nome Titanic ~ «Cavalcades") ou para estabelecer uum elo topogrifo entre dois elementos da acpic: of dois fugitivos julgam que esto perdidos na vegetacdo aqustiea, mas um travelling vertizal mostra-nos que estio perto da égua livre — African Queen — ‘ARainha Africana), E ~ Acentuar dramaticamente uma personagem ou um objecto destina- dos a representar uma fungdo importante no desenrolar da acgio (ravelling efectuado de modo a enquadrar, em primeiro plano, rosto de Harry Lime, que se julga ter morrido - «The Third Man» = 0 Terceiro Homem; © mesmo movimento realizado sobre uma vela que vai ser a causa do incéndio na cabana do cego-«Genbaku No Ko» ~ «As Criangas de Hiroxima-) ou eonstituindo uma ima- gem choque (travelling eurto e rapido para mostrar uma cabega de ‘moro embalsamada ~ « (A Multidac), a cimara afesta-se do casal a cujo drama familiar aeabémos de assistir e reinsere os dois protagonistas no pablico de uma sala de cinema; no final de «Dernier ‘Métro» (O Ultimo Metro), a cémara afasta-se das personagens ea cor- ‘tina de cena corre: pereebemos entdio que estavam a representar uma pega de teatro; 2 ~ Afastamento no espaco: 0 marinheiro doente 6 abservado pelos seus dois companheiros de repatriamento do taxi que os leva, depois de 0 terem deixado & porta de casa (‘The Best Years of Our Lives» - Os Melhores Anos da Nossa Vi 3 ~ Acompanhamento de uma personagem a caminhar e de que é dra- ‘maticamente importante que se veja o rosto: deste modo, no final de 59 1m travelling para tr sto de Diego, magoado p novas aventuras; 0 travelling de «Une Si ® progressivamente absorvidas pela extensdo de- dando a imagem da sua miséria moral; 0 travelling de «Der Blaue Engel» (O Anjo Azul) sobre o velho professor morto de desespero e de vergonha na cadeira que abandonara num momento comovente para tris, mostrando 0 ie de Campagne» (Um Passeio ue, pelo seu comprimento insistente ¢ pela tristeza do seu contetdo, exprime angustiosamente a nostalgia de Imente, 6 necessi movimento muito mail Correspondé ou entéo corresponde a direccao do nbremos, em primeiro lugar, o travel izagio subjectiva da méquina de fi do Lago). Também se pode mal (um tou justifiado por »-ADama ig para a frente n 1 genérico de «Ossessione» (Ohsessio), ou com a frente da locomotiva ( paisagem vista do Aurora) ou o longo travelling na trincheira cheia de s sportante: 0 longo tra vai enquadrar, sobre o trené: ian na foguel gua decadncia ~The Lot Week Ends Farrapo Hamano; a rida sa do carro na estrada, que funciona como um regresso 0 — em primeiro lugar, um tratamento que chamarei objectivo, porque a camara néo adopta o ponto de vista da personagem, mas sim o do espectador, o ponto de vista virtual. Assim, um travelling muito répido vai enquadrar 0 rosto aterrorizado de Bontiglio, camponés rico, no momento em que ele v8, diante da sua casa, de espingarda na mao, o pastor que mandara prender depois de Ihe ter roubado as suas ovelhas («Non ce Pace tra gli ivis ~ Nao hé Paz entre as Oli © mesmo efeito (num e mudo), apresentando em grande plano a boca de uma ‘mulher a gritar por socorto (The Cat and the Canary» ~ Le- ‘gado Misterioso); 0 comissério procura recordar-se a propésito de que crime houvera jé um easo relacionado com os cigartos, Ariston: trés travellings curtos, para a frente, com pausas, em direegio do seu rosto, parecem corresponder aos progressos das suas recordapies (-M» ~ Matou); — tratamento subjective, em segundo lugar, quer dizer, a cé- mara substitui-se exactamente ao olhar da personagem, de que é necessério exprimir 0 contetido mental. O travelling de- nomina-se «realista se a personagem avana: em «Shadow of a Doubt» (Mentira), um travelling para a frente dé-nos 0 ponto de vista da rapariga que, sabendo que esta em perigo, perscruta o rosto hostil do seu tio, avangando na sua direcgao, (a impresso de angiistia é ainda reforgada por um efeito de plano contrapicado em detrimento da jovem, vendo-se o tio no cimo da escadaria); — finalmente, chamarei subjectivo ndo-realista a um travelling ‘que, mostrando a personagem principal numa posigao imé- vel, exprima entao.o modo aceitivel, a «projecgdio» do othar, 0 movimento da atengao e da tensao mental do her6i ao di -se para um objecto cuja percepedo reveste, para cl portincia dramética consideravel, podendo tratar-se vamente de uma questo de vida ou morte, Esta utilizagio a camara valeu-nos alguns efeitos admiravelmente expres: 64 sivos da linguagem cinematogrética, como o que se pode ver no célebre «Blackmail» («Chantagem:), de Hiteheoe’s, onde um travelling extremamente répido enquadra em grande plano o rosto de um morto, exprimindo a stibita revelagao que 0 policia tem de que o assassino é a sua propria noiva, de quem acaba de encontrar uma luva esquecida na sala; em +Quatorze Juillet» (Catorze de Julho), Anna, desamparada pela morte sbita da mae, corre para a janela e chama 0 seu amigo Jean, que vive na casa defronte: mat ‘o chamamento desesperado da rapariga, a cdmara atravessa a rua e acaba por mostrar, em primeiro plano, a cama vazia no quarto do rapaz; no momento em que a hero{na de «The Rain Came* (A Maldigao da India) compreende, ate-roriza- a, que acabou de beber um copo de 4gua pertencente a uma Goente que sofria de tifo, a camara da um salto asscmbroso para a frente, mostrando em grande plano 0 copo fatal que britha na penumbra, A panorémica consiste numa rotagao da edimara em redor do seu eizo verti- cal ou horizontal (transversal), sem deslocamento do aparelho, Depois de ter relembrado que é geralmente justificada pela necessidade de seguir uma per- sonagem ou um veiculo em movimento, distinguirei trés tipos prinepais de panorémicas: — as panoramicas puramente descritivas que tém por finalidade @ ex- ploragdo de um espago: representam frequentemente uma fungi in- trodutéria ou conclusiva (as panorémicas no bairro Stalingrad em Paris, no inicio e no fim de «Les Portes de la Nuit»), ou ainda evoeam ‘© movimento do olhar de uma personagem em redor de si (neste caso ‘comegam ou acabam no rosto da testemunha: a professora que olha as rruinas da cidade, em «Genbaku No Kor ~ «As Criangas de Hi uo prisioneiro repatriado, diante das ruinas da sua casa, em itor ~ O Bandido, de Lattuada), 65 — as parordmicas expressivas sto fundadas sobre uma espécie de tru- eagem. com uma utilizagio nao realista da cdmara, e destinam-se a sugeri* uma ideia ou uma impressdo: as panordmicas circulares que sugerem a embriagués do velho no casamento da filha («O Ultimo dos ‘Homenss), a vertigem dos dangarinos («Putyovka v Zhizn» ~ «O Cami- nnho da Vida+) ou 0 panico de uma multidao apés um crime («Episode») ou a agitago de um homem que enfrenta a angustia do suicidio: en- {quanto ele revolteia em torno de si préprio, a cémara roda em torno dele, zerescentando assim a sua propria vertigem fisiea & perturbacio psicologica da personagem (Le Feu Poll — as panormicas a que chamarei dramdticas sao muito mais interes- santes porque desempenham um papel directo, na narrativa. Tém como finalidade estabelecer relagies especiais, ou entre um individuo que olha a cena e o objecto observado, ou ento entre um ou mais in- dividuos, por um lado, ¢ um ou varios outros que observam, por outro lado: neste caso, o movimento dé uma impressdo de ameaga, de hos- tilidade, de superioridade téctica (ver sem ser visto, por exemplo) por parte daquele ou daqueles para quem a cimara se dirige em segundo ugar. Além do exemplo ja citado no inieio deste capitulo (The Cir- cuss - 0 Cit fagecoach> (A Cavalgada Herdica), quando a camara, colocada no alto de uma aresta rochosa, depois de ter seguido a diligencia que caminha no vale, se desloca de repente para um grupo de indios que se preparam para uma ‘emboseada. Processo andlogo em «Shadow of a Doubt» (Me a cémara abandona os dois policias decepcionados e vai enquadrar 0 hhomem que procuravam e que 0s espreita depois de ter fugido. Nestes dois exemplos hé um plano em picado que da a impressdo de aumen- tar 0 fracasso da busca, por um lado, e o desinimo dos policias, por outro, Finalmente, a trajectéria, combinagdo indefinida de travelling e de pano- ,efectuada com o auxilio de uma grua, é um movimento bastante raro fe geralments muito pouco natural para se poder integrar totalmente na nar- 66 rativa, se se mantiver puramente deseritivo, £ o caso de uma trajeetoria que se encontra em «Caccia Tragicas: a edmara segue Michael, cuja noiva foi raptada por bandidos, depois sobe, descobrindo, em plano de conjunto, a cooperativa onde acaba de ser dado o sinal de alarme, voltando a descer até enquadrar Michael e o director em primeiro plano, [A trajectéria tem frequentemente, quando colocada no prineipio do filme, 1 fungéo de introduzir 0 espectador no universo que desereve com maior ou menor insisténcia (ver os genéricos de «Le Diable au Corps», ou de «Il Cristo Proibitos, ou de «Odd Man Out» ~ A Casa Cereada, com imagens sobrepostas, rmostrando, de avido, as paisagens onde decorre a acgao). Mas 6 necessério citar algumas trajectoriaseujo vigor de expressdo merece ser assinalado, Relembrarei primeiramente aquela eélebre de “Notorious (Di- famagao), de Hitcheock: a camara, partindo de um plano de conjunto em picado, ‘mostrando um vestibulo, desce, dando viravoltas, terminando num grande plano de uma pequena chave que a heroina segura na mao e cuja enorme importén- cia na acgao é sublinhada pelo movimento da camara. «Le Crime de Monsieur Lange» contém uma trajectiria que fez sensagao na época: a camara, elocada no interior da casa, mostre-nos Lange a pegar num revélver, depois segue-o en- quanto cle atravessa a oficina de impressio, dese a escada e sai para o patio do difico para se juntar e mataro igndbil Batala, «ressuscitado> unicamente para se apropriar dos beneficios da cooperativa; aqui, o longo movimento do avarelhe exprime vigorosamente a marcha irresistivel dos acontecimentos, a vontade cida e resoluta de Lange de fazer justiga pelas suas maos. (O Testamento do Dr. Mabuse) na se- quéneia inicial e que é uma das mais extraordindrias da histéria do cinema: ‘a cena passa-se numa espécie de despensa atravancada com os mais diversos bjectos, enquanto de um local vizinho chega o barulho ensurdecedor de uma maquina qve se imagina demoniaca; a cAmara avanga lentamente, explorando 0 cenario, formenorizando os objectos amontoados, vasculhando os recantos; bruscamente, com um movimento breve e répido, descobre um homem que es- preita por detrs de uma caixa, com o rosto marcado pelo terror, Fritz Lang transferiu audaciosamente para o espectador-cdmara a surpresa do homer por se ver descoberto (virtualmente, pela maquina de filmar) e, ao mesmo tempo, a sua anguistia (real) provocada pelo pensamento de ser descoberto por aqueles de uem procurava esconder-se. Mas em “Madame de...» encontra-se ‘um efeito muito mais elaborado: uma longa trajectéria em que se sucedem es- ;pagos diferentes e temporalidades sucessivas (através de fusdes-encadeados), sendo a conkinuidade dramética assegurada pelo didlogo. Estes movimentos de ciimara, complexos e subtis, podem ser muito belos quando sic, como nos exemplos precedentes, carregados de significagao. Se nao forem mais do que uma demonstracao de virtuosismo, 0 seu valor nio vai 8 além da anedota. E 0 caso, por exemplo, da espantosa trajectéria com que se inicia -Veselye Rebiata» (Os Alegres Folides), que 6, sem divida, a mais longa dda histéria do cinema, e na qual a camara da viravoltas durante quatro minu- tos para seguir 0 pastor da voz de ouro guiando o seu rebanho, O mais célebre cexemplo deste virtuosismo gratuito 6 sem divida o de «Je suis Cubas: a vimara (operada pelo malogrado Serguei Ouroussevski) sai de um quarto pela janela, esce ao longo do edificio, mergulha numa piscina, no meio dos nadadores, ¢ reaparece na varanda da casa ao lado, num movimento sem cortes, que dura alguns minutos. Esta anélise do papel criador da cémara de filmar é a sequéncia légica do capitulo precedente e constitui um estudo pratico da imagem compreendida como elemento de base da linguagem cinematogréfica, Poe em relevo a evolugao progressiva da imagem, indo do estético ao dinamico, As etapas sucessivas da descoberta das processos de expressio filmicos correspondem naturalmente a ‘uma libertagdo, cada vez mais forte, dos entraves da éptica teatral e a instau- raglo de uma visdo cada vez mais especificamente cinematogratfica, E possivel falar ao mesmo tempo de uma estrutura plastica da imagem, coneeito esttico na medida em que a imagem se aparenta, de inicio, com um quadro ou uma gravura e de uma estrutura dindmica, porque assisiimos a ‘uma dinamizagao progressiva dos pontos de vista: Angulos pouco habituais, grandes planos, movimentos de camara, profundidade de campo (regressare- ‘os, mais tarde, a esta iltima nogio) ‘Mas nunca seré demais sublinhar que o eer define um espayo privilegiado cujo enquadramento deve permanecer virtual e que deve ser uma abertura sobre a realidade e néo uma prisio quadrangular: 0 espectador nun:a pode esquecer que 0 resto da realidade continua a existir para la daquilo que vé e que tem a possibilidade de, em qualquer momento, entrar no enquadrament estatismo e a rigider da composiedo interna da imagem séo perigosos inimi- ‘gos da osmoce dialéetica que deve existir entre cla e a totalidade do universo dramétic. Por fim, nao se devera esquecer que a imagem nao pode ser unicamente considerada em si, mas que se coloca obrigatoriamente numa eontinuidade: atingimos, assim, a nogdo muito importante de montagem, que seré, mais adiante, objecto de uma longa anélise™. 0 3. OS ELEMENTOS FILMICOS NAO ESPECIFICOS Analisa-se neste capitulo um certo niimero de elementos materiais cue par- ticipam na criagao da imagem e do universo filmico tal como aparecem no ecra. ‘Sao chamados ndo especificos porque nao pertencem propriamente & arte cinematografica, sendo utilizados por outras artes (teatro, pintura), AS ILUMINAGOES Constituem um factor decisivo de criagao da expressividade da imagem. No entanto, a sua importéneia é desconhecida e o seu papel ndo se impde directa- ‘mente aos olhos do espectador inexperiente porque contribuem sobretudo para criar a catmosfera», elemento dificilmente analisavel; por outro lado, os filmes actuais manifestam, na maior parte das vezes, uma grande preocupato pela verdade na iluminagéo e uma eoncepeio si do realismo tende a suprimir 0 seu ‘uso exacerbado e melodramstico Limitar-me-ei a dizer o indispensdvel acerea da iluminagao, natural por definigso, pelo menos em teoria, das cenas filmadas em «exteriores»: digo em. teoria porque a maior parte das conas passadas durante o dia sto flmadas am a ajuda de projetares ou de reflectors, E necssirionotarsabrtudo 0 éarécter absolutamente antinatural das cenas nocturmas: sao com fequén- Gia, brilhantemente iluminadas, ainda que a realidade pareya nao compo tar qualquer fonte lminosa, Assit, om sTouchez pas at Grsbi (0 Ultima n

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