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‘e2 0 espaco de mil ou trés mil anos! Pois, na verdade, pode-se dizer que um homem vivew tantos milénios ‘quantos os abarcados pelo alcance de seu conhecimeato de histéria” ™. fea! ioe se ‘karen modo obletandam, “Werwine Bee uentu sant, iasncralate ab intra, cenaeaunr, 6 1, ICONOGRAFIA F ICONOLOGIA: UMA INTRODUGAO AO ESTUDO DA ARTE DA RENASCENCA Iconografia 6 0 ramo da historia da arte que trata do tema on mensagem das obras de arte em contra posiedo & sua forma, Tentemos, portanto, definir @ distinggo entre tema ou significado, de uum lado, ¢ for- ‘ma, de outro. Quando, na rua, um conhecido me cumprimenta tirando 0 chapéu, 0 que vejo, de um ponto de vista formal, é apenas a mudanga de alguns detalhes dentro da configuragio que faz parte do padrio geral de 7 cores linhas ¢ volumes que constitu o mundo da minha visio. Ao identificar, 0 que faco. automaticamente, essa configuracio como um objeto (cavatheiro) & 4 mudanga de detalhe como um aconteeimento (tirar © cchapéa), ultrapasto os limites da percepgio puramente foomal ¢ penetro ne, primi ese do tema ou men- sagem. © significado assim perecbido € de naturcza elomeatar ¢ facilmente compreensivel e passaremos a chamé-lo de significado fatual; € apreendido pela sim- piles idemtficagio de certas formas visiveis com certos Objetos que jf conheco por experiéneia pritica e pela identificagio da mudanga de suas relagSes com certas _agdes ou fatos. (Ora, os objetos ¢ fatos assim identificsdos proda- irdo, naturalmente, uma reagéo om mim. Pelo modo do meu conhecido exccutar sua agio, poderei saber 3° esid de bom ou mau humor, ow se seus sentimentos aa meu respeito séo de amizade, indiferenca ou hostli- ace, Essas nuangas psicoldgicas dardo 20 gesto de ‘meu amigo um significado ulterior que chamaremos de expressional.Difere. do fatual por ser aprecndido, nio ppor simples identiicacio, mas por “empatia”. Para compreendé-lo peeciso de uma certa sensibildaie, mas essa € ainda parte de minha experiéncia pritica, isto 6, de minha familiaridade cotidiana com objetos ¢ fatos. Assim, tanto o significado expressional como o fatual podem classificar-se juntos: constituem a classe dos signficados primérios ou natura. Entrctento, minha compreenséo de que o ato de tirar © chapéu representa um camprimento pertence a tum campo totalmente diverso de interpretacdo. Essa forma de saudacio € peculiar ao mundo ocidental © tum resquicio do eavalheirismo medieval: os homens armados costumavam retirar os elmos para deixarem claras suas intengSes pacificas ¢ sua confianga nas in- tencdes pacificas dos outros, Nio se poderia esperar que um bosquimano australian ow um grezo antigo Compreendessem que 0 aio de tirar © chapéu fosse, ngo 6 um acontecimento prético com algumas conotagses expressivas, como também um signo de potidez. Para entender 0 que 0 gesto do cavalheiro significa, preciso nao somente estar familiarizado com © mundo pritico 8 dos objetos fatos, mas, além disso, com 0 mundo mais do que pratico dos costumes e tradigoes culturais peculiares a uma dada civilizagse. De modo inverto, meu conhecide no se sentiia impelide « me cumpri- mentar tirando 0 chapéu se nGo estivesse cénscio do significado deste ato. Quanto as conotagdes expressio- nais que acompanham sua aeZo, pode ou nfo ter cons- cigncia delas, Portanto, quando interpreto 0 fato de tirar 0 chapsu como uma saudagio polida, reconheso rele um significado que pode ser chamado de secun- dirio ou convencional; difere do primario ou natural por duss rezées: em primeiro Iugar, por ser intcligivel em ver. de sensivel c, em segundo, por ter sido cons cientemente conferido & ago prética pela qual vel- culo. E finalmente: além de constituir um acontecimen- to natural no tempo e espa, além de indicar, natural mente, dispasigass de animo e sentimentos, além de comunicar uma saudagio convercional, « agio do meu conhecido pode rovelar a um observador experimentado tudo aquile que entra na composi¢éo de sua “perso nalidade”. | Bsa personalidade € condicionada por ser ele um homem do séeulo XX, por suas bases nacionais, sociais ¢ de educacao, pela historia de sua vida passada © pelas eircunstancias atuais que o rodeiam; mas ela também se distingue pelo modo individual de encarar ts cases odo reagir a0 mango que, milonlzade, deveria chamar-se de filosofia.| Na ago isolada de uma saudagdo coriés, todos esses fates no se manifestam claramente, porém sintomaticamente, Néo podemos construe 6 retrsto mental de um homem com base nesta agio izolada, e sim coordenando um grande nu- moro do observagées similares interpretando-as no contexto de novas informagées gerais quanto & sua época, nacionalidade, classe sociel, tradigGes intlee- tuzis © assim por diante, No entanto, todas essas qua- lidades que o retrato. mental explicitamente mostraria so implicitamente inerentes a cada acto isolada; de modo que, inversamente, cada ago pode ser inter- pretada a juz dessas qualidades. ( significado assim descoberto pode denominar-se intrinseco ow conteddo; 6 essencial, engquanto que os ~ ‘outros dois tipos de significado, o primério ou natural 0 secundario ou convencional, sip fenomenais. E possivel defini-lo como um principio unificador que sublinha ¢ explica os acontecimentos visiveis © sua significacéo inteligivel ¢ que determina até a forma sob 4 qual 0 acontecimento visivel se manifesta. | Normal- mente, esse significado intrinseco ou conteiido esta tio acima da esfera da vontade consciente quanto o sigai- ficado expressional esti abaixo dela. ‘Transportando os resultados desta anilise da vida cotidiana para uma obra de arte, cabe distinguir os mesmos trés nfveis no seu tema ou significado: I. Tema primério ou natural, subdividido em Jatual © expressional. € apreendido pela identificagao ‘das formas puras, ou seja: certas configuragies de linha ¢ cor, ou determinedos pedagos de bronze ou pedra de forma peculiar, como representativos de obje- tos naturals tals que seres humanos, animais, plantas, casas, ferramentas e assim por diante; pela identifies ‘elo de suas relagdes miituas como acontecimentos; € pela percepeéo de algumas qualidades expressioncis, como 0 cardter pesaroso de uma pose ou gesto, ou a atmosfera caseira e pacitica de um interior. O mundo das formas puras assim reconhecidss como portadorss de significados primérios ou naturais pode ser chamado de mundo dos motivos artisticos. Uma caumeracio esses motivos constituiria uma descricéo pré-icono- stéfica de uma obra de arte. Il, Tema secundério ou convencional: & apreen- dido pela percepséo de que uma figura masculina com uma faca representa Sio Bartolomeu, que uma figura feminina com um péssego na mao € a personificacio de veracidade, que um grupo do figuras, sentadss a uma mesa de jantar muma certa disposiglo © pose, re- Presenia a Ultima Ceia, ou que duas figuras combe- tendo entre si, numa dada posieko, representam a Luta ‘entre 0 Vicio e a Virtude. Assim fazendo, ligamos os motives artisticos e as combinagbes de motivos artis- ticos (composigses) com assuntos conceltes. Moti ‘vos reconhecidos como portadores de um significado 50 secundério ou convencional poem chamar-se imagens, tendo que combinagoes de imagens sto 0 que os anti- gor tedricas de arte chamavam de invenzioni; nds cos- fumamos dar-lhes o nome de estorias e alegorias '. A. identificago de tais imagens, estérias ¢ alegorias & © dominio daquilo que ¢ normalmeme conhecido por ““conografia”, De fato, a0 falarmos do “tema em opo- ja A forma”, referimo-nos, principalmente, a esfera dos temas secundérios ou convencionais, ou seja, 20 ‘mundo dos assuntos especificos ou conceitos manifes- tados em imagens, estérias alegorias, em oposicao a0 campo dos temas primérios ou naturais manifestados nos motivos artisticos. ““Anilise formal”, segundo Woltlin, € uma andlise de motivos © combinayies de motives’ (composigdes), pois, no sentide exato da pa lavra, uma andlise formal deveria evitar expressbes co- mo “homem”, “cavalo” ou “coluna”, sem falarmos em frases como “o feio tridngulo entre as pernas de Davi de Michelangelo” ou “a admirével ilumiaagio das jun- tas do corpo humano”, E ébvio que uma anilise ico- nogréfica correta pressupbe uma identificacdo exata dos motives. Se a faca que nos permite identficar Sfo Bartolomeu aio for uma faca, mas um abridor de garrafas, a figura ndo seri Sido Bartolomes, Alem disso, 6 importante noter quo a afirmagio “essa figura cietor ¢ invcuaie (alg comp. Seo" Barijore venus MS Sepesten & Curate de Windsor) mas te nocber ara « shat te como Pe, Luxdriay Sebedore ic, oo thmmedas pereonitien eel ai nbn eee feck eee eee eee ts ete cere, oe ears a core =e See pom eats oe “per Sonacbide coma ima prefiguraeso de uma Stee Soguretnte antliee atdente como ns Calorie dor Medic ee Rubens SU 6 uma imagem de S40 Bartolomeu” implica a inten¢ao consciente do artista de representar este Santo, embora fas qualidades expressivas da figura possam ‘perfeits- ‘mente no ser intencionais. TH. Significado intrtnseco ow contetdo: & apre~ endido pela determinacio daqueles principios subja- ceentes que fevelam a stitade bisica de uma napio, de ‘um periodo, classe social, crenca religiosa om filos6- fica — qualificados por uma personalidade e conden- sados numa obra, (Nao € preciso dizer que estes prin- cfpios se manifestam, © portanto esclarecem, quer através dos “métodas de composigao”, quer da “signi- ficagdo iconogrifica”. Nos séculos XIV e XV, por exemplo (os primeiros exemplos datam de cerca de 1300), 0 tipo da Natividade tradicional, com a Virgem Merie ‘reclinada numa came ou canapé, foi frequen~ temente substituido por um outro que mostra a Virgem ajeethada em adoragdo ante © Menino. | Do ponto de vista da composigio, essa mudanga significa, falando ‘grosso modo, a subsiituicdo do esquema triangular por ‘outro retangular; do ponto de vista iconogréfico, signi fica « intreduggo de um novo tema a ser formulado nna escrita por autores como o Pseudo-Boaventura © Santa Brigiés. |Mas, 20 mesmo tempo, revela uma nova atitude emocional, caracteristica do ultima periodo da Idade Média. Ume interpretagio realmente exaus- tiva do significado intrinseco cu conteido poderia até nos mostrar t€enicas caracteristicas de um certo pais, perfodo ou artista, por exemplo, a preferéncia de “Michelangelo pela escultura em pedra, em vez de em bronze, ou 0 uso peculiar das sombras em seus de- senhos, so sintomdtices de uma mesma atitude bésica {que € discernivel em todas as autras qualidades espect- ficas de seu estilo. Ao concebermos assim as formas [puras, os motivos, imagens, estérias e alegorias, como manifestagdes de principios bésicos © gerais, interpre- tamos todos esses elementos como sendo o que Ernst Cassirer chamou de valores “simbélicos". _Enquanto ‘nos limitarmos a afirmar que o famoso afresco de Leo- nardo da Vinei mostra um grupo de treze homens em Yolta a uma mesa de jantar € que esse grupo de homens representa a Ultima Ceia, tratamos 2 obra de arte como tal ¢ interpretamos suas caracteristicas composi 32 cionais ¢ iconogriticas como qualificegdes © proprie- dade ela ineents, Mas, quindo fenfames Sompre- endéla como um documento da personalidade de Leonardo, ou da ci liana, eu de uma atiude religiosa paricular, ratamos a obra de arte como um sintoma de algo mais que se expressa numa variedade incontavel de outros sintomas c interprotaaios sues caracteristicas composiciona iconogréficas como evidéncie mais particularizada desse algo mais”. |A descoberta ¢ interpretagio desses va- lores “simbilicos” (que, muitas vezes, £20 desconhe- cidos pelo proprio artista e podem, até, difeir enfati- ‘camente do que cle conscientemente tentou expressar) Eo objeto do que se poderia designar por “iconologia” fem apasigio 4 “iconograf [0 sufixo “gratia vem do verbo grego graphein, “eserever"; implica um método de proceder pucamente escritivo, ou até mesmo estatistico. A iconografia 6, portanto, a deserigio ¢ clasificagio das imagens, assim como a einografia é a descricao classificagio das racas humanas; € um estudo limitado , como que ancilar, que nos informa quando e onde temas espect- ficos féram visualizados por quais motivar expeciticos. Diz-nos quanco e onde 0 Cristo erucificado usave uma tange ou uma vests comprida; quando © onde foi Ele pregedo & Cruz, e se com qualro ou ts eravos; como © Vieio © a Virtudo cram represeatades nos diferentes séeulos e ambientes. Ao fazer este trabalho, 2 icono- sraiia é de aunilio incalculével para o estabelecimento de datas, origens e, a8 vezes, autenticidade; e fornece as bases necessérias para quaisquer interpretagoes ule tetiows. Entrecanto, ela nfo tenta elaborar a itenpre= tagko sozinha. Coleta e classifica a evidencia, mat no se considera obrigada ou capacitada investigar a gBaoie © significado dessa evidéncia: a interagdo entte op diversos “tipos”; a influgncia das idéies filo- sofioas, teolbzicas © poliieas; os propésitos ¢ inclina- es individuais dos artistas e patroros; a cortelagio cntre os conceitos inteligiveis © a forma visivel que assume em cada caso especifico, Resumindo, 2 icono- srafia considera apenas uma parte de todos esses ele- Tentos que constituem o conteiido intrinseco de uma 53 cobra de arte € que precisam tornar-se explicitos s€ se quiser que a percepglo desse contetido venha 9 ser articulada e comunicdvel, [Devido is graves restrigdes que © uso corriqueire, especialmente nesse pafs *, opdem & palavra “icono- {grafia”, proponbo reviver o velho e bom termo, “icono- Jogia",’ sempre que a iconografia for tirada de sou isolamento ¢ integrada em qualquer outro método his- t6rico, psicoldgico ow critico, que tentemos usar para resolver o enigma da esfinge. Pois, se 0 sufizo “grafia denota algo descritivo, assim também 0 sufixo “logia” — derivado de logos, que quer dizer “pensamento”, “razio” — denota aigo interpretativo. “Biologia”, por exemplo, & definids como “ciéncia das ragas hu- manas” pelo mesmo Ozjord Dictionary que define “ctnografia” como “descriedo das ragas humanas”; © © Webster advert explicitamente, contra uma confusio dos dois termos, na medida em que a “etnografia se resiringe ao tratamento puramente descritivo de povos ¢ ragas, enquanto 2 etnologia denota sen estudo com- parative”. Assim, concebo a iconologia como uma feonografia que se torna interpretativa e, desse modo, converte-se em parte integral do estudo da arte, em yea de ficar limitada a0 papel de exame estatistico preliminar. Hé, entretanto, certo perigo de a iconclogie se portar, ndo como a etnologia em oposigao & cino- grafia, mas como a astrologia em oposigo & astro- srafis] . Teonologia, portanto, é um método de interpreta- gio que advém da sintese mais que da andlise, E ‘assim como a cxata identificagio dos motives & o re- Quisito bisico de uma corteta anilise iconogrifica, também a exata andlise das imagens, est6rias e ale- gorias € 0 requisite essencial para uma correta inter Pretagio iconolégica — a nfo ser que lidemos com obras de arte nar qusis todo 0 campo do tema secun- dério ou convencional tera sido eliminado ¢ haja uma transigdo direta dos motivos para 0 contesido, como & © caso da pintura paisagistica europSia, da natureza morta «da pita de géneo, sem felarmos da are “nio-objetiva’, (© ator ge refere aoe Tatades Unidos aa América do wore Sot ta 35, 4 Pois bem, como poderemos conseguir “exatidio” ao lidarmos com esses trés nivels, descrico pré-icono- réfica, andlise iconografica © interpretagio iconolé- ica? No caso de uma descrigio pré.iconogrifica, que te mantém dentro dos mites do' mundo dos motives, © problema parece bastante simples. Os objetos ¢ ‘eventos, caja represeatacdo por linhas, cores ¢ volumes cconstituem © mundo dos motivos, podem ser identifi- ‘cados, como ja vimos, tendo por base nossa experién- ‘pritica. Qualquer pessoa pode reconhecer @ forma © 0 comportamento dos seres humanos, animais ¢ plan- ts, ¢ ndo hé quem nio possa distinguir um rosto zan- gado de um alegre, E claro, as vezcs acontece, num dado caso, que o aleaifec de nossa experincia nfo seja suficicate, por exemplo, quando nos defrontamos com a representacZo de um utensfio obsolete éu desfamiliar fon com a representagio de uma planta ou animal des- conbecidos. Nesees casos, precisamos aumentar 0 al- cance de nossa experiéncia pritica consultando um Livro ‘ou um perito; mas, mesmo assim, niio abandonamos a cesfera da experincia prética como tal, que nos indica, € desnccesério dizer, © tipo de perto que se deve consular. Todavia, mesmo nesta frea, deparamos com um. problema especial. Pondo de lado o fato de os objetos, acontecimentes e expresses pintados numa obra de arte poderem ser irrecanheciveis dovido A incompetéacia ou premeditacéo maliciosa do artista, ¢ impossivel che- ger a uma exata descrigo pré-iconografica ou identi- ficacéo primétia do tema, aplicando, indiscriminads mente, nosse experiéncia prética a uma obra de arc. ‘Nossa experiéncia pritica é indispensivel e suficiente, ‘como material para 2 descricao pré-iconogréfica, mas nfo garante sua exatidéo, ‘Uma descrigio pré-iconogréfica da obse de Roger van der Weyden, Os Trés Magos, que esta no Kaiser Friedrich Museum, de Bedlim (Fig. 1), teria, € claro, que evitar termos’ como “Mages” © “Menino Jesus’ cic. Mas seria obrigada a mencionar que a aparicio da crianga foi vista no céu. Como sabemos que a figura da crianga € para ser entendida como uma apa- Nc¢io? fato de estar rodeada de halos douredos nio IS PABBisio doe tie Reis fayon (deathe).Berlim, Kaiser Friecrich ‘Roger "vain dor” Weyde i : “GON ap eiole © opuopsian ext) ‘001 29 “ASSL 3 8S ED“ sobeuryy é prova suficiente desse suposicdo, pois halos si podem ser observades cm representagies da Native dade, onde o Menino Jesus é real. SO podemos deduzic aque # crianga do quadro de Roger deve ser enteni como uma aparigzo pelo fato de pairar em pleno ar. Mas, como sabemos que paira no ar? Sua pose nfo seria diferente se estivesse sontada auma almofada no chi; de fato, é altamente provavel que o artista tenha usado um destaho ao vivo de uma crianga sentada num travesseiro. A finica razio vélida para 2 nossa suposi¢Zo de que a erianga na pintura de Berlim seja uma aparicio é 0 fato de estar configurada no espa¢0, sem nenhum apoio visive Podemos, porém, aduzir centenas de casos em que seres humanos, animais ¢ objetos inanimados parece csiar soltos no espaco, violando as leis da gravidade, sm nem por. isso pretenderem ser aparighes. Por exemplo, numa miniatura dos Evangelos de Oto Ill, que se encontra na Staatsbibliothek de Munique, uma cidade inteira € representada no centro de um espago livre, enquanto que as figuras participantes da aio permanecem no solo (Fig. 2) ‘Um observador inexperiente poderia perteitamen- te presumir que 2 cidade deveria ser entendida como estando suspensa no ar por uma expécie de magia. ‘Todavia, neste caso, a falta de apoio no implica uma invalidagio miracalosa das leis da natureza, A cidade representada é uma cidade efetiva, Nain, onde se deu f@ ressurrcicao do jovem, Numa minialura de cerca do ano 1000, 0 “espago vizio” nfo vale realmente ‘como meia tridimensional, como acontece num periodo mais realista, mas serve como fundo abstrato irveal © curioso formato semicircular do que deveria ser a linha bésica das torres atesta que, no proistipo mais realista da nossa miniatura, a cidade situava-se num terreno montanhoso, mas fei transposta para uma re- DPresentagao na qual o espaco deixara de ser concebido em termos de realismo perspectivo. Assim, enquanio a figura sem apoio da obra de van der Weyden € uma aparigao, a cidade flutuante da miniatura otoniana no tem nenhuma conotagio miraculosa, Estas interpre 7 tagdes contrastantes nos si0 sugeridas pelas qualidades “realisticas” da pintura e pelas qualidades “irreal cas” da miniatura. Mas, 0 fato de apreendermos essas ualidades na fragdo de um segundo, qusse automatica- mente, néo nos deve levar a erer que jamais nos seje possivel dar ume correta descricéo pré-iconogratica de luma obra de arte sem adivinharmos, por assim dizer, qual a sea locus hist6reo, Embora ‘acreditemos estar identificando 0s motivos com base em nossa experi8n- cia pritica pura e simples, estamos, na verdade, lendo > que vemos", de conformidade com o modo pelo qual 0s objetos’e fatos sio expressos por formas que Yariam segundo as condigdes histricas. Ao fazermos s0, submetemos nossa experiéncia pratice a um prin- Gipio -worretivo que eabe chamar de hisiéria do estilo ®, ‘A analise iconogréfica, tratando das imagens, ex- térias © alegorias em vez’ de motivos, pressupoe, € claro, muito. mais que a familiacidade com objetos € fates’ que, adquirimos pela experiéncia pritica. Pres- sapde a fomiliridade com temas especiticos ou con- celtos, tal como sio transmitidos através de fontes literérias, quer obtides por leitura deliberada ou tr gio oral. Nosso bosquimano australian nao seria Capaz de reconhecer o assunto da Chima Ceia; esta Ihe comunicaria apenss a idéia de um jantar animado. Para compreender 0 significado iconogrifico da pintura, teria aque se fomilleizer com 0 conietdo dos Evangelhos. a, comma ntenmeagto dew bra de ats Indu yee Sa se SR ncaa te ee ere ee eee Bee cytes ce nacer's Tatts Seater sae Sit Shope eae Cate ieee 38 Quondo se trata da representacéo de temas outros que relatos biblicos ov cenas da histéria ou mitologia que, normalmente, sio conhecidos pela média das “pessoas edueadas”, todos n6s somos. bosquimanos ausialianes. esses casos, devemos, também és, tentar nés fami- liarizar com aquilo que os autores das representagdes ‘ou sabiam, No entanto, mais uma vez, embora o conhecimento dos temas ¢ concetos especifices trans- 3s através de fontes literdries seja indispensével ¢ suficiente para uma andlise iconogrifica, néo garante sua exatidao. & téo impossivel, para n6s, fornecer uma analise iconogrifiea correta aplicando, indiseriminada- mente, nosso conhecimente literario 20s motivos, quan- to fornecer uma deserigGo pré-iconogrifica certa apli- cando, indiscriminademente, nossa experiéncia prétice as formas. Um quadro, de autoria de um pintor veneziano do século XVII, Francesco Maffei, representando uma bo- nita jovem com uma espada na mao esquerda e, na dieita, ume travessn na qual esté a cabega de um home degolado (Fig. 3) foi publicado como 0 retrato de Salomé com a cabeca de Sio Jodo Bautista‘. De fato, a Biblia afirma que a cabeca de S20 Joao Batista foi apresentada a Salomé numa bandeja ou prato. Mas, € a espada? Salomé mo decapitou 0 santo com as prOprias maos. Pois bem, a Piblia nos fala de uma utra bela mulher em conexio com o degolamento de um homem: Judite. Neste caso, a situacio € exata mente inversa. A espada no quadro de Maffei estaria correta, poruue Judite decapitou Holofernes com as Droprias mis, mas a travessa nfo concords com sua est6ria, pois 0 texto diz, explicitamente, que a cabeca de Holofernes foi posta num seco. Assim, temos duas ‘ontes literfrias aplicéveis & mesma obra, com os mes- ‘mos direitos e mesma incoeréncia. Se a interpretarmot como 0 retrato de Solomé, 0 texto explicaria a travessa, mas no a espada; se a interpretarmos como figuragéo de Tudite, 0 texto explicaria a espada, mas nfo a travessa,"Estanfamos inteitamente perdidos se depen- dassemos apenas das fontes literdrias. Felizmente, esse io € 0 caso, Assim como pademos suplemeniar € Fiosco, @. Vonslan Pelating of the Seleente ond the Sexiecento“Hiorenga'e Nova York, 2828, br. 3 39 ‘00st 9 23890 pen ung, 21) unsenyg “ORMRREEEE “DROP 276 2p MORI. 53) Fran Matt FAR Brscoreca, Tuite, comtigir nossa experiéncia prética investigendo a ma- neira pela qual, sob diferentes condigdes historicas, dobjetos e faros eram expressos pelas formas, ou seja, 1 hist6ria dos estlos, do mesmo modo podemos suple- Imentar e corrigit nosso conhecimento das fontes lite- ‘ries, investigando 0 modo pelo qual, sob diferentes condigdes histSricas, temas especiticos ou conceitos cram exprestos por objetos ¢ fatos, ou seja, a hist6ria dos tipos.. No caso presente, taremos que perguntar se havia, antes indiscutiveis de Judite (indiscutiveis porque incluiriam, por exemplo, a criada de Judite) que apresentassem, também, travessas injastificadas; ou quaisquer retratos indiscutivels de Salomé (indiscutiveis porque inclui- iam, por exemplo, os pais desta) que apresentassem espadas injustficadas. Pois bem! Embora niio possa- mos aduzir nenhuma Salomé com uma espada, vamos encontrar, tanto na Alemanba quanto na Itilia do Nor te, varias pimturas do século XVI representando Judive com uma travessa ; havia um “tipo” de “Tudite com f travessa”, porém, no havia_um “tipo” de “Salomé com a espada”. Dai podemos, seguramente, concluir que também @ obra de Maffei representa Judite © aio, como se chegou a pensar, Salomé, Caberia ainda, indagar por que os artistas se sen- sicam no direito de transterir 0 motivo da travessa de Salomé para Judite, mas no o motivo da espada de Judite para Sclomé. Fsta pergunta pode ser respon- ida, investigando mais uma yez a histéria dos tipos, com duas razbes. Uma é que a espada era um atributo estabelecido € honorflico de Judite, de muitos méctires de algumas virtudes, como a Justia, a Fortaleza etc.; >. , Umaga pines do ors talann ¢ acids 9 Rone ‘tiognd, coma ee eee eer jt) c area tease de te, orgiatsae fa*Alemauiin” mos prnesoy cxemplen comet timo de prea ee SD. igo) 2s end or Poeren, Beli ai einem Herel, Zebschrf Jar Keniegeonihte, Vi ius 6. 33 or assim, nfo poderia ser transferida, com propriedade, para ima jovem lasciva. A outre razao é que, durante 0s séculos XIV e XV, a bandeja com a cabeca de Sto Joz0 Batista tornari-se uma imagem devocional isolada (Andachisbild) muito popular nos paises nérdicos © rng Norte da Itilia (Fig. 4); fora extraida da represen- tapfo da estéria de Salomé do mesmo modo como 0 grupo de So Joao Evangelista descansando no colo do Senhior viera a ser exiraldo de Clima Ceia, ow a Vir- ‘gem no parto da Natividade. A existéncia dessa ima- {gem devocional estabelecen uma associagio fixada de idéias entro a cabeca de um homem decapitado e uma trayessa, e assim, 0 motivo ds bandeja substituicia mois facilments 0 motivo do sao na estéria de Judite que © motivo da espada poderia se encaixer numa repro sentacdo de Salomé, Finalmente a interpretaca0 iconolégiea requer algo mais que a familiaridad> com coneeitos ou temas esp2- ‘ificos transmitidos através de fontes litedrias. Quando desejamos nos assenhorear desses principios bisicos que nortciam « escolhe e apresentagiio dos motives, bem como da produgio ¢ interpretacio de imagens, estévias alegotias, © que dio sentido até 20s anranjos for- mals © aos’ processos téenicos empregados, nfo pode~ mos esperar encontrar um texto que Se ajuste 2 esses princfpios bésicos, como Joao 13:21 se ajusta a ico- hogratia da Ultima Ceia. Para captar esses principio, necessitamos de uma faculdade mental comparivel 3 de um clinica nos seus diagndsticos — faculdade essa que 56 me é dado deserever pelo termo bastante de: creditado de “intuigao sintética”, ¢ que pode ser mais, desenvolvida num Ieigo talentoso do que num estudloso cerudito. Entretanto, quanto mais subjetiva e irracional for esta fonte de interpretacZo (pois toda abordagem in- tuitiva estar condicionada pela psicologin © Weltans- chawung do intérprete) tanto mais nocessévia a aplica- gio desses corretivos ¢ controles que provaram ser indispensévcis 16 onde estavam envolvides apenas a anilise iconogréfica © a descrigto pré-iconogréfica. Se nossa expetiéncia pritica e nosso conhecimento das fontes literrias podem nos tesnsvier quando aplicados, indiscriminadamente, as obras de arte, quio mais per a g0s0 no seria confiar em nossa intuicéo pura & sim- ples! Assim, do mesmo modo que foi preciso corrigir fapenas nossa experincia prética por uma compreensao da maneira pela qual, sob diferentes condicées histd- ricas, objetos © fatos foram expressos pelas. formas (historia dos estilos); ¢ que fo previso cortigit nosso conhecimento das fontes iterérias por uma comprecnséo da mancira pela qual, sob condicdes hist6ricas dife- rentes, temas especficos © conczitos foram expressos por objetos e fatos (historia dos tipos), também ou finda mais, nossa intuigao sintética deve’ ser corrigida por uma compreensio da maneira pela qual, sob dife- antes condigces histrices, as tend&ncias gerais @essen- ais da mente humana foram expressas por temas expacificos © conceitos. Isso significa 0 que se pode chamar de histéria dos sintomas culturais — ou “‘sim- bolns”, no sentido de Ernst Cassirer — em geral. O historiador de arte teri de aferir 0 que julga ser 0 significado intrinseco Ga obra ou grupo de obras, que devota sua atengio, com base no que pensa set © significado intrinseco de tanios outros documentos a civilizagio historicamente relacionados a esta obra ‘ou grupo de obras quantos conseguir: de documentos {que testemunhem as teadéncias politcas, posticas, re- Tigiotas, filos6ficas e sociais dz personalidade, periodo fo pais sob investigacéo, Nem € preciso dizer quc, de modo inverso, 0 historiador da vida politica, poesia, religiio, filosofia e situagoes socials deveria fazer us0 ‘ndlogo das obras de arte. 2 na pesquisa de signifi ccados intrinsesos ou conieido que as diversas disci plines humanisticas se enconiram num plano comum, fem vez de servirem apenas de criadas umas das outras. Concluindo: quando queremos nos expressar de rmancira muito estrta (0 que nem sempre & nevessério na Tinguagem escrita ou falada de todo dia, ende 0 contexto geral esclarece significado de nossas pala- ‘vras), incumbe-nos distinguir entre trés camadas de tema ou mensagem, sendo que @ mais baixa € comi- mente confundida com a forma ¢ a segunda é 0 domiaio special da iconografia em oposigéo a iconologie. Em ‘qualquer camada que nos movamos, nossas identifica- ‘es € interpretagoes dependerdo de nosso equipamento co subjetivo © por essa mesma raaio terdo de ser suple- mentados ¢ cortigidos por uma compreensio dos pro- cessos hist6ricos cuja soma total pode denominar-se tradicéo. Resumi, num quadro sinéptico, o que tentei explicar até’agors. Devemos, porém, ter em mente aque essas categorias nitidamente diferenciadas, que no ‘quadro sin6ptico parecem indicar trés esferas indepen dentes de significado, na realidade se referem a aspectos ‘de um mesmo fendmeno, ou seja, & obra de arte como tum todo. Assim sondo, no trabalho real, os métodos de abordagem que aqui aparecem como trés operayées de pesquisa inrelacionadas entre si, fundem-se num ‘mesmo processo orginico e indivistvel 0 Saindo dos problemas da iconografis ¢ iconologia ‘em goral para os problemas da iconografia e iconologia da Renascenga em particular, € natural que nos inte- ressemos pelo fendmeno do qual derivou o préprio no- me desse perfodo arifstico: o renascimento da Anti- guidade cléssica. ‘ORIETO DA INTERPRETACIO ATO DA ITERPRETACKO 1 Teme primo ou naurel Desoto msiconoarstice (© SCR) fatial, GB) Sxpres- andlice paetdoformal) ‘ional — constiuindo o mur- do doe motivo erties. 1, Toma secendro, ou come Ante Teac vencional, constituindo 0 i ‘indo dhe imagenn eet egos {UL Signiicado inrineco ou Inerpretcdo teonolésea. conteddo, constituinds © mun- pes %5 Soon sions “ambstcor Os primeiros escritores italianos que se dedicaram 4 hist6ria-da arte, como Lorenzo Ghiberti, Leone Bat- tista Alberti c principalmente Giorgio Vasari, peasavam que aarte classica fora derrubada no comeco da era Grist © mio revivera até servir de fundamento para o fatlo da Renascenca, As raz0es para esta derrubada;, Jalgavemn esses escritore, foram as invasdes dos povos ‘isbaros ¢ a hostilidade dos primeiros padres ¢ erudites cristo. ‘ais eseritores estavam 20 mesmo tempo certos ¢ errados pensando como pensavem. Errados, ne medida fem que nfo hoave uma verdedeire quebra de tradicio durante a dade Média. Concepaies cléssicas, litrd rias, files6ficas, cientficas © artsticas sobreviveram através dos séculos, particalarmente depois que foram deliberadamente revivificadas no tempo de Carlos Mag- ro © seus sucessores. Entretanto, esses primeizos escri- tores estavam cortos na medida em eve a atitude geral para com a Antiguidade se modificou fundamentalmente quando 0 movimento renascentista aparcceu. A Idade Média ndo foi, de modo algum, cega ante aos valores visuais da arte cléssica ¢ interossave-20, ‘RQUIPAMENTO PARA A wanNcipios conmETVos D3 HETERO THERO INTERPRETACIO (uiséra te Tradigao) Expertncia préica (lanl Histéria do exo (compres: rideco com objetose eventos). so da maneia pela quel, rob Adferentes condigoas histories, ‘betas © evealos foram ex: pressor pelas formar Conkecimento, de jonies lie= Hiniria dos tpos (compreen arias. “(iamiliaidade com soda musveira. pela Ua femnas © concetar espeificos. S90 diferentes condigtes his {Gsicas, remes ou. roncetos foram expresis por objeics ¢ anion) “hides anit Hisela dos sioras oul ace oon wy tendeneiancOer- als on “ambos” (emp Ga den aman Soma nora ps aa somada pela poten bes sob ifetenes conden is. seal'e Wchanschemny {ineay tendbaces Senda ene hamare foam ress por roma © conceit Species) 0 Serer corresunito 0 Jove de Eximano Venexs, So Mateos, séealo TI (2). IK ope CROINQ €P A0MHEY OFS “eRSMAIMS Mp BORA 'D fofundamente, pelos valores intelectuais © poéticos da fiteraturaclissica. Mas. € significativo que, precisa- mente no auge do periodo medieval (séculos XIII XIV), 08 motivos classices nao fossem usados para a representagio de temas clissicos, enquanto que, inver: samente, temas eldssicos nao fossem expressos por mo- tivos clssicos. Por exemplo, na fachada da Catedral de Si0 Mar- cos, em Veneza, veem-se dois grandes relevos de mes- mo temanho, sendo um obra romana do século IIL GC. € 0 outro executado em Veneza quase que exat mente mil anos depois (Figs. 5 ¢ 6)°. Os motivos so tio parccidos que somos forcados # supor que 0 es caltor medieval tenha deliberadamente copiado a obra cléssica a fim de fazer uma réplica, mas, enquanto 0 relevo romano representa Hércules cartegando 0 javs- li de Erimanto para o rei Enristeu, 0 artista medieval, substituindo a pele do edo por um encapclado drape- jamento, 0 rei assustado por um dragio e o javali por uum cervo, transformou a est6ria mitoldgica numa ale- goria da salvacao. Na arte italiana e francesa dos séculos XII e XIII encontramos um grande nimero de casos similares, ou seja, empréstimos diretos © de- liberados dos motives eléssicas, sendo cue os temas agdos eram transformados segundo as idéias erist Basa citar os mais famosos exemplares do chamado movimento proto-renascentista: as esculturas de St. Gilles © Atles; a c6lebre Visitagao da Catedral de Reims, durante muito tempo considerada como cbra do século XVI; ou a Adoracdo das Magos, de Niccold Pisano, na qual o grupo da Virgem Maria com o Menino Jesus mostra a influéncia de um Phaedra Sarcophagus ainda existente no Camposanto de Pisa Entretamo, ainda mais freqientes que tais cOpiss dire 128 s20 casos da sobrevivencin continua e tradicional de motivos cléssicos, alguns dos quais foram usados fucessivamente para uma grande variedade de imagens criats, Via de regra,tais reinterpretagoes eram feciitadas fu mesmo sugeridas por certas afinidades iconogréfi- Jp in Nadlsteal "Acton Motopciten Mescuss Ses SO, 0 cas, como, por exemplo, quando « figura de Orfeu foi cempregada para @ representar Davi ou quando o tipo de Hércales puxando Cérbero para fora do Hades foi tusado para retratar Cristo tirando Adgo do Limbo”. Mas hé casos em que o relacionamento entre 0 prot6- tipo dlissico « sva adaptagdo crista & apenas compo- sicional. ‘Por outro lado, quendo vm iluminista g6tico tem que ilustrar a est6ria de Laccoonte, este se torna um yelho calvo e irado, em trajes contempordncos, que ataca 0 touro sacrificial com 0 que deveria ser um achado, enquanto os dois meninos flatuam no fundo de pintura eas serpentes marinas repentinamente emergem de uma poca d'égua*, Enéias © Dido sio mostrados como um elegante casal medieval jogendo xadrez ou podem aparecer como um grupo que mals parece o Profeta Nataniel diante de Davi do que o hher6i cléssico em face de sua amante (Fig. 7). E ‘Tisbé espera Piramo sentada numa lépide g6tica que ttaz a inserigio “Hic situs est Ninus rex”, precedida pela cruz habitual (Fig. 8) Quando perguntemos. a razéo para essa_curiosa separagio entre motivos cléssioos investidos de signi- ficados nao-classicos © temas cldssioos expressos por figuras nio-cléssicas num cenério nfo-cléssico, a res posta dbvia parece residir na diferenca entre a tradi- ‘Go representacional o textual. Os artistas que usaram ‘O motivo de um Hércules para a imagem de Cristo, ou ‘0 motivo de um Atlas pare 2s imagens dos Evangelis- tas (Figs. 9 € 10)”, agiram sob a impresso dos mode- 1 Ver XC Wermcaoy, Das Evangelion i Skevoohsl ss Lawn, emp Sunbutiune Xondckostanum, VIL MS Cea Vat Ta stage em Pascoe «Sate rn say nat: tg te Ra a ac rele eer Se Sen ati bt a ‘Gelistas tertnden sobre im Flobe e misiendea gloria celeste, (que eerie composts he vision segrentes de ltelot, SHeiidatngnie asus eyarces,eijo.conpite toa forma uh Ered." nn Depresontacks al ented do eeu em forma 8 9. Sig Joule Brunigelive. Rom, Bilioteca do Vaticoro, Cod, rb. ot. 711, £952, a 1000. 10, las ¢ Ninved. Roma, Biblioteca do Vaticano, Cod. Pai, ta, 1417, Iya. 1100. q os viswais que tinham diante dos olhos, quer hajam copiado diretamente um monumento ciéssico ou imi falo uma obra mais recente derivada de um protétipo Uliscico ateavés de uma série do transformagoes inter- fmediérias, Os artistas que representaram Medéia como uma princesa medieval ou Jépiter como um juiz medieval traduziram em imagens uma simples descri- Go enconirada em fontes literirias {sso é bem veedadeiro, ¢ 2 tradigio textual através du qual © conhecimento dos temas clissicos, principal- mente da mitclogia classica, foi transmitido & Tdade ‘Média e persistiu cm seu decurso é da méxima impor- tiincia nao apenas para o medievalista como também para 0 estudioso da iconografia renascentista. Pois, mesmo no Quatrocentos italiano, foi dessa tradigio complexa c miuitas vezes corrompida, mais que das fontes genuinamente ciéssicas, que muitos artistes hau- Hiram suas nogdes de mitologia cléssica © assuntos conexos. Se nos limitarmos A mitologia classica, os cami- hos dessa tradigio podem sor delineados da seguinte ih Pe Irena eee te a fimmeltilder ‘hetiim: iain'p. W's ts). 0 S20 Mateus v0 Coe. ERS OS ame aah "s Eis Gis tetas decades aeons Sistah oe Sea eae Bes cea Pips eek Hee GENS a a GO a at he ee een aigrty opt Wace Oa Se a et ee oe te he Efe de" Cocian No ‘taste, mczats uy site eign” St Tepre™ late Ek ete hy aca Samar drug hin th (or Slay nts Gratis "os evanectit ao Eels! Seradicea-sa gue seg Ati on masiealnse Sets rial to Sieve Beet nae ites chy es Spreader ad Sete SES, ae al Pa, n imaneira: os Gltimos filbsofos gregos jé haviam come- gado a interpretar os deuses © semideuses pagios Como simples personificagoes ov de forcas naturais ou de qualidades morais, © alguns eles haviam mesmo chegado a ponto de explicé-los como seres humanos Comtuns deificados subseaientemente, No dtimo sca Jo do Império Romano, estas tend2acias, aumentaram. ‘muito. Enquanto os Pais da Tgreja se esforcavam por pprovar que os denses pagios ou eram ilusdes ou demé- nios malignos (transmitindo assim numerosas informa- ges valiosas sobre cles) © préprio mundo pagéo se alheara de tal modo de suas divindades que. o pibli- co culto precisava jnformar-se a respeito. delas em enciclopédizs, em poemas ou novelas didéticas, em tra- tados especiais de mitologia e em cnticas e comenti- ios aos. postes clésicos, Relevantes, entre estes es- critos do final da Antigiidade, nos quais as persona- gens mitolégicas cram interpretadas de forma alegérica ou “moralizadas", para usar_a expresso medieval, eram a Nuptiae Mercuri et Phifologiae, de Marciano Capella, a Mitologiae, de Fulgéncio, e, sobretudo, © admirével comentério de Sérvio sobre Virgilio, que & lugs ou quatro vYezes maior que 0 texto deste e que foi talvez, amplamente lido. ‘Durante a Tdade Média, esses escritos © outros de mesmo tipo foram exanstivamente explorados ainda mais desenvolvidos. Astim, a informacao mito- lgica sobreviveu ¢ tormou-se acessivel aos poetas © artistas medievais. Primeiro, através das enciclopédias, ajo desenvolvimento comecou com esctitores tio an- tigos como Bede e Isidoro de Sevilha, continuo com: Hrabanas Mauris (sérulo DX) ¢ chegou a0 auze nas cextensas obras do alto medievo de Vicéncio de Bean- vais, Brunetio Latini, Bartolomeu Anglicus ¢ assim por diante. Segundo, nas exogeses mediovais de textos lissicos ¢ do fim da’ Antiguidade, sobretudo a Nuptiae serie *ptine e Coles para se reoxerentsies, de {St gi, sors cies ‘ents Cervvenine, Soctasum:tattsore medi seo, erin 181, Tepe Bais, Aalto eon any Sg Ste, Boa ele ‘poteras cea tay ene, Johannes “Ubi R de Marciano Capella, que foi anotedo por eruditos {andeses como Jo%o Fscoto Erigena e comentada com rande autoridade por Remigio de Auxerre (século EX), ‘Teresiro, nos teatados especiais de mitologia, {ais como 0s assim chamades Mythographi 1 e 11, que Gatam de muito cedo © foram baseades sobretudo em Sérvio e Fulgéncio™, A obra mais importante. desse tipo, a chamada Mythographus IIT, fol tentativamente identificada com um inglés, 0 grande escolfstico Ale- andre Neckham (falecido em 1217)"; seu tratado, fim impressionante epanhado de toda ‘a informacéo ddisponfvel por volta de 1200, merece a qualificagio de compéndio conclusivo da mitografia da Alta Tdade Mé- dia © chegou mesmo a ser usado por Petrarca quando teste descreve 2s imagens dos deuses pagaos no seu pocma Africa. Entre a época do Mythographus [11 © Petrarca, foi dado mais um passo para a moralizagio das divin- dades clissicas. As figuras da antiga mitologia eram nndo apenas. interpretadss de uma forma moraliste geral mas eram também, de um modo definitive, rela- Gionades com a f6 cristi, de modo que, por exemplo, Piramo cre interpretado como Cristo, Tisbé como ¢ alma humana e 0 leo como © Mal conspurcando suas vestes, enquanto que Saturno servia de exemplo no bom € no mau sentido, para o comportamento dos clrigos. Exemplos desse tipo de escritos sfo 0 fran- 68s Ovide Moralisé , Fulgentius Metoforalis™, de Joha Ridewall, Moralitates, de Robert Holcott, 0 Gesta Romarorwn, e sobretudo, © Ovldio Moralizado, fm latim, escrito por volta de 1340 por um tedlogo francs chamado Petrus Berchorius cu Pierre Bersuire, que conhecia pessoaimente Petrarea *. Sua obra é Precedida por um capitulo especial dedicado aos deu- 1a Eee, Parts tr ie hE Geer reny aere ss gee rere dane i oe Sens By oie Barats mo eer 3 ses pagics, bascada em grande parte no Myihogra- phus I, suas enriquecida por moralizagdes especitica mente cristas, e essa introduclo, sem as moralizagées que foram coriadas em prol da brevidade, alcangou grande popularidade sob 0 nome de Albricus, Libellus de Imaginibus Deorum ‘Um novo ¢ sumamente importante passo foi dado por Boccaccio. Na sua Genealogia Deorum', n&o apenas efetuou um novo levantamento do material, grandemente aumentado desde cerca de 1200, como também tentou, conscientemente, retornar as’ fontes genuinas da Antiguidade © confronté-las, cuidadosa- mente, umas com as outras. Seu tratado assinala © comego de uma atitude critica ou cientifica para com a Antiguidade cléssica e cabe consideri-lo um precursor de tratados verdadeiramente eruditas da Renaseenca como 0 De dlls gentium... Syntagmata, de LG. Gy- raldus que, de seu ponto de vista, podia olhar para 0 seu popularissimo predecessor medieval como um “es- ctitor proletirio indigno de confianga” * Cumpre notar que até a Genealogia Deorun de Boccaccio, © foco da mitografia medieval era uma re- gidio muito afestada da tradicao mediterranica direta Ilanda, Norte da Franga e Inglaterra. Isso também @ verdade quanto a0 Ciclo Troiano, 0 mais importante tema épico transmitido pela Antiguidade cléssica a posteridade; sue primeira redagdo medieval com auto- ridade, o Roman de Troie, muitas vezes condensada, sumariade € treduzida para outras inguas verniculas, dexe-se a Benoit de Sainte More, natural da Bretanha, Porlemos, na verdade, falar de um movimento proto- humanista, ou seja, de um interesse ativo por temas clissicos, ‘independentemente dos motivos eldssicos, centrado na Earopa Setentrional, em oposigo ao mo- ‘yimento proto-renascentista, oa scja, um interesse ativo por motives cléssicos independentemente de te- mas clissices, centrado na Provenca (Franga) © na Italia. B um fsto memoravel, que devemos ter em AN, Cod Vat. Ree. 1280, 4, H, Larmsenre. op. eft. . LIT € ate para poder compreender 0 movimento renas- erat que Petarea, 20 descever 0s deuses de seus SSlepaseados romans precisasse consullar wm com- Dadi escrito por um ingles, © que os iluministas ita- Fen tram a Eneide de Vigilo no tu Tivessem de recorser as miniaturas de manuser xy no's Roman de Troe © a8 dervados. Pod Stes, sendo matéria de Ietura favorita do Icigo nobre, foram emplameate ilustrados muito antes que 0 pré- filo texto’ de Virgilio, ido por eruditos e escolares, Rtrafssem a atencio dos iluministas profissionais *. ‘Na verdade, é fécil compreender que 05 artistas ‘gue desde 0 comego do sécalo XI tentarem treduzir Gm imagens esses textos proto-humanistas 36 conse- uissem configuré-los de um modo totalmente ciferea- fe da tradigGo classics, Um dos primeiros exemplos std entre os mais importantes: uma miniatura de cer- G2 ce 1100, provaveimente executada na escola de Regensburgo, ¢ que representa as divindades clésticas segundo as descrigdes do Comentério a Marciano lia, de Remigio (Fig. 11)". Vé-se Apolo numa simples carroga de camponés, segurando uma espécie e tamalhete com os bustos das ‘Trés Gracas, Saturna mais parece uma roméntice figura de umbral que o pai dos dcuses olimpicos, © 0 corvo de Jupiter apre ‘Senla uma pequena auréola como a guia de Sto Joio Evangelista ou a pomba de Sao Grogs Nio obstante, s6 0 contraste entre a tradiggo epresentacional © textual, por importante que sia, ‘nao pode explicar a estranha dicotomia dos. motivos temas elassicos caracterstica da arte do alto me Bem oe Grae Sn noche Sue. Mek eee tees ae heeeae™s © SET a a eas Seu, isc ec od, it 8" Ermblin,Segn's peer dares nin mrtars (gh Silidetates ind an der meinaseanes, crs Jenrvich ier or-oick ‘Preussiichen Kunstsomminngen, XXVI, 1006, p. 149 ec.) ao. Sao Cavemees Re eles Bi Sue Cilaie Gf Astrid tad Hotshot Shot he ka lle Neh sarc Pelt te ES ee ican Ter Greate ex Poseers «sum, om. nt, i Ed i, Os pegios. Manique, Statstiblothek, Haart, Ti, ea 1100, xo. Poin, mesmo quando houve wma taigho repre vrativa ema cettos campos das imagens clssicas, essa inn cm ein compo ue mag cle Gavcm favor de representacdes de caréter inteiramente ee pelassico logo que a Tdade Média alcangow estilo PSPS epplos desse procesto encontran-se_primelro nas imagens eléssieas que ocortem incidentalmente em Tepresentacées. de assunies cristios, como a8 personi- Fieger das forgas netrsis 10. Sato do, Utrecht por exemplo, ov 0 sol 2 [ua na Crusifixio, Enquan- Jo que os marfins carclingios ainda mostram os tipos perfeitamente cléssicos da Quadriga Solis © Biva Tune, «5301 lipos classices so. substitufdos por nio-clssicos nas Tepresentagées rominticas © géticas ‘As petsonificacées da natureza tendiam a desapereeer; apenas o$ {dolos pagios, freaiientemente encontrados fem cenas de martiio, preservaram sua eparéacia clés- fica durante mais tempo que outras imagens por serem 6 simbolos por exceleacia do paganismo. Em segun- do lugar, © muito meis impostante, genuinas imagens clisicas aparecem om ilustragSes de textos que js ha- ‘iat sido ilustrados no final da Antiguidede, de modo ue os artistas carolingios tinham 2 disposicdo mode- Jos visuals: as comédias de Teréacio, os textos incor- porades no De Universo, de Hrabanus Maurvs, a Prychomachia de Pradéncio, @ escritos clentificas, s0- Dretudo os tratados de astronomia, em que as imagens mitel6gicas aparecem tanto entre as constelagdes (tais gomo Andrémeda, Perseu, Cassiopéia) como entre 08 Planetas (Ssturno, Jépiter, Marte, Sol, Vénus, Mer- eirio, Lua). ____ Ein todos esses casos podemos observar que as Jmagens clissicas foram copiadas de maneira fiel, em- ‘bora 2s vezes canhestramente, nos manuscrtos caro- lingios © mantidas em seus’ derivados, mas focam bandonadas ¢ substituldas por outras’ inteiramente iferentes nos séoulos XIII ou XIV, no mais tardar. Ss iusiragies do século IX de um texto de ass ‘onomia, figuras mitolégicss como Bostes (Fig. 15), BRA. Gousecenawr, Die Reweistetotures ‘der Revolinetcnan and’ suchaathen ter SU, 35, far 2 DEK ny Masta em Panseacs esq” ADS ” 12. Saturmo, gratin de 354 (Cépin da Renascen (4), Roma, Miblioteca do Vaticano, Cod. Harb. lat 2138, 19 8. ies Latigy BiKISeGN aa UANERTAI EB, r Tat 79, 66.77, stele 1K, sev, Hércules ou Meretrio sio representadas de Perse pevieltamente clssca eo mesmo se aplica Be eere pags que syerter on Enciopéda de rere these ee Soe pment & ong cepa do culo Xi, repousirsa pls dos tani eros oe pers, Bei oor de Tinbams wo sto, ernbote opie: ace pects tig por wan i preredtciwa (sip. 1213) cs cesice men tere, tase ina py chem cate no caguncmsato» onan eet ovens parts iieotadus © pace ce cicotin que meatues core dor moderno reconheceria como divindades classicas. ects cong one cecmneviors Jovem 1: Se tadce ox chcrando una ror, Jopter coma BU esc torst ma mio o Macho cons un Velho sbio on mesmo como um bispo (Fig. 14)?, estes progciomasie in gus Jopter Be toecencs do Zoos dss ¢ auc Meee. Beatie s tees fon do Hoanes disaco™ Tudo isso atesta que a separagio entre os temas Bs eircs clon dn, to apenas por BG trades repreenacional mas tan a des ree 4 aceon denies cx sae BN Sie con um motto cisaic foi copiada durante 0 perfodo carolingio de assimila lps ciasin ta smacooata tas Be cisisicho rcincal shegave eo sou su, Para ndo ser reaproveitada até o Quatroccatos italia~ Bas pete da verre Renmrenes ron Ie ce seis mere arms caren el sa‘ ts se ete eto a ie butrasurtceies boeedae EEO! Hoes, wor Booms pr ae ease Fe Susu pelrige oa Biase, eastncatinaen is Oe uid Pros waite cantaaas Pe eect cae: 81 tegrar os temas com ot motivos cléssicos depois de tum intervalo que pode ser chamado de hora zero. Paca a mente medieval, 2 Antiguidade cléssica estava jf muito cistanciada e, 20 mesmo tempo, muito fortemonte.prosento para ser coneebida como um fenémeno histérico, Por um lado, sentiese ume tra- digo continua, pois 0 imperador germinico, por exemplo, era considerado sucessor dircio de César e Augusto, o$ linglistas viam Cicero e¢ Donato como seus ancesirais ¢ os mateméticos tragavam suas of gens até Euclides. Por outro lado, sentis-se que exis- tin uma brecha intransponivel entre. as civilizacoes pagi e cist Estzs duas tendéncias aio podiam ainda. ser contrabalancadas para permitiem um. sen- timento de disténcia histérica, Para muitos. 0 munda cléstico assumia um cariter remoto, de lenda, como © Este pagéo contemporinco, de modo que Villard de Honnecourt podia chamar um timulo romano de “a sepouture @un sarvazin”, enquanto que Alexandre Magno e Virgilio chegaram a ser considerados magos orianiais. Para outros, 0 mundo classico era. a foate lltima de conkecimenios altamente apreciados e de instituig6es sageadas. Porém, nenhum homem medie val podia encarar a civilizaggo antiga como um fe- ndmeno completo em si mesmo, contado pertencente a0 passado e historicamente desigada do mundo con- temporineo — como um cosmo cultural a ser inves- tigado ¢, se possivel, a ser reintegrado, em vez de ser tum mundo de maravilhas ¢ uma mina informativa., Os filésofos escoldstcos podiam usar as idéies de Aris sGtcles © fundi=ias com as suas préprias, ¢ os poctas medievais podiam basear-se_livremente’ nos. autores cléssicos, mas nenhum espirito medieval podia pensar em filglogia clissca. Os artistas podiam empregar, ‘como ja Vimor, os motivos dos relevos e estétuas clas- sicas, mas neahum espirito medieval podia. conceber a arqueclogia cléssica.. Do mesmo modo que era im- 2. Um, Guslnme sametnante 6 esrastrictice medial tus amenie ear sus ne poe iy ode taut SG personages do Anigo “estamento enim ‘vencradss SO SnfSptteadne te Crt : 82 para a Idede Média elaborar um sistema mo- Berno de pecspectivas, que se baseia na conscientizacéo Ge uma distancia fixa entre o olho e 0 objeto © permi- fe assim a0 attisia consteuir imagens comprecasiveis ecoerentes de colsas visiveis, assim também Ihe era Fmpossivel desenvolver a idéia moderna de historia, ba- Senda na conscientizacao de uma disténcia intelectual Shure o presente e o passaco que permite 20 estudioso farmar concetos compreensiveis e coerentes de perfo- os dos. Podemos, facilmente, perceber que uma época ineopaz e sem vontade de compreender que tanto os tmotivos quanto os temas cléssicos faziem parte do {odo cstrutural, aa realidede evitou preservar a un desses dois, Logo que e Tdade Média estabeleceu seus ‘proprios padrdes de civiizacdo e encontcou seus mé- todos proprios de expresso artistica, tornou-se. im- possivel aprecier ou mesmo entender’ qualquer fend- eno que ngo tivesse um denominador comum com 19: fendmenos do mundo contemporineo. O observa- or do alto medievo podia apreciar uma bela figura slissica so apresentada como a Virgem Maria, ou apre- iar uma Tisbé retratada como uma jovem do século XMM senteds numa lépide gética. Porém, uma Venus ‘04 Juno de forma ¢ significacao clissicas seria con siderad um execrivel idolo pagio, enquanto que uma Tis vesti¢a em roopagens lisios @ ventada num milo clissico seria uma roconstrugio aryueolégica inteiramente além de suas possibilidades de aborda- gem. No séeulo XII, mesmo a escrta cléssica era fida como algo totalmente “estrangeiro”; as inscrigGes explanatéries da obra carolingia Cod. Leydensis Voss. Yat, 79, escritas em belas Capitalis Rustica, foram co- das, para beneficio dos leitores menos eruditos, na serita angular do alto gotico (Fig. 15). Entrctanto, a impossibitidade de perceber a “u Gade” intrinseca dos temas e motivos classicos pode ee Pe FSG, Mo apenas por una fain do sentiment ico, mas também pela disparidade emocional GRE A Teace Média crista'c a Antiguidade pag. En- SUiMe © Paganismo helénico — pelo menos como se it ma arte cléssice — considerava o homem como 83 Lie iad HE -€ enon poumuane tit aut Gauow. Feros | 5G bonec arme ecouno, 16 Rapio de Errope. Lye, Bibliothaque de In Vile, 142, $9 40, séeulo XIV. 1 wnidade integral de corpo © alma, 0 conceito Weuerstzo do Homem baseavase ma dela do “pe- see Ge barro” forgadamente ou mesmo, miraculoss- site, unido ® alma imortal. Desse ponto do vista, Sind fle atca gue na ate grog 0° hana expressera a beleza orginica © as paixdes.ani- we pareciam admissvcis apenas se investides de um Sjenificedo mais que orginico © mais que natural; oa MeaNGoando toradas subservientes aos temas biblices SM cclégicos. Nes cenas seculates, 20 contrétio,tais fOrmulas thom que ser substituides por outras, de onformidade com & stmosfora modieval de manciras ortesese sentimentos conveacionais, de modo que as Iviadhdes pags ¢ os herbis Toucos de amor e cruel- dade apareciam como principes e damas elegantes coja sporéocia © comportamento estavan em harmonia thin os einones da vida socal do modivo. Numa miniature extratda de um Ovide Moralisé do século XIV, 0 Ropto de Europa repeesentado por figuras que certamente demonstram pouca agit. ‘eGo apaixonada (Fig 16)". Europe, vestide & manci- za do final da Idade Média, cavalga em seu pequeno © inofensiro touro como uma jovern fazendo Seu calmo pascio matinal suas companheiras, ataviadas da mesma. maneira, formam um pequeno e. trangiilo agupo de especradorss. f claro que estio ali para se mostrarem angustiadas e gritarem, mas nfo 0’ fazem, ‘ui pelo menos aio not convencem de que 0 cstcjam fazendo, pois 0 iuminista néo era capaz nem esiava propenso a visualizar paindes animals Um desenho de autoria de Direr, copiado de lum protipo iliano, povavelmente dulent son pe Mela esta em Venez, enfatza a viteldade co- ional que néo cristina representacéo medicval (Fig 65). A fonts lierdin que Dlter sou para seu Rapio de Europa nfo € mais vm texto em prosa em que © fouro € comparado a Cristo e Europa 4 alma humans, as os pidprios verses pagios de Ovid revividos em lus estincias dlicoses de Angelo Policiano: “Pode- © admirar Jopiter transformado num belo touro pela parity WOR BUL de oa Vite, ms. 7, £2 40; st orga do amor. Foge com sua doce ¢ aterrorizada carga e ela volta o rosto para a praia perdida, sew lindo cabelo dourado esvoacando 20 vento que ondula, seu vestido. Com uma das mios agarra um chiére do touro enquanto que, com a outra, se agarra as suas, costas. Levanta os pés como sc tivesse medo que 0 mar os molhasse ¢ assim, curvando-se com a dor © 0 medo, chama em vio por sccorro, Pols suas doces ‘companhelras permanacem na praia florida, cada qual aritando, ‘Europa, volte!’ ‘Toda a regiio litordnea ressoa com ‘Europa, volte’ ¢ 0 touro se volta (ou ‘continua nadando’) '¢ beijarThe os pés”*. O dosenho de Diirer dé vida a esta descrigao sen sual, A posigio agachada de Europa, seu cabelo os ‘Yoacants, suas roupas batidas pelo vento, revelando (0 compo gracioso, os gestos de suas mios, © movimen= to furtivo da cabega do touro, a praia salpicada pelas companheiras em pranto: tudo isso ¢ fiel © vivamente retratado; e sinda mais, a propria praia se mexe com 2 vida dos aquatic? monstricull, para usarmos as pala- vas de outro autor do Quatrocentos ™ enquanto que ‘ sitiros savidam raptor. Esta comparagGo ilustra o fato de que a reinte- sragio dos temas clissices nos motivos clissicos, que parece ser caracterfstica da Renascenga italiana em: ‘oposigao as numerosas ¢ esporiidicas revivificacies das tendencies cléssicas durante a Tdade Média, no € 2B 1, $6, tamper marines em Skt © Pare, », 28, Botte: Sota die Hants Ge" knee? Teter, is, io! SPYCR Gave! per anor cenvemo Sevetiea Seipett fer ip yenta verso Bee, races fin acetone: Gina "temende war ene ter non babe. {EY tor hota, e talor elt baela 4 pied” 28 Ver adiante, yp SUSI6, note 2 $6 soe uma ocortéacia humanistica como humana. $$him elemento muilo importante daguilo que Burck- Tarde ¢ Michelangelo chamavam “a descoberta tanto do mundo quanto do komem". Por ouiro lado, & por si mesmo evidente que a eintegracio nio podia ser uma simples reversio ao fasalo ciisico. 0 perfodo interveniente modificara Pepentalidade dos homens, de modo gue no podiam Jetorar 20 paganismo; e mudara seus gostos e tene Mlencias criativas, de modo que sua arte no podia Simplesmente renovar a arte dos gregos romanos. Tinham de lutar por ums nova forma de expressio, ‘etillstica ¢ graficamente diferente da cléssien assim como da medieval, mas no entanto relacionada com lambas ¢ devedora de ambes.

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