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DOIS TIPOS DE c tuam praticados pelo regime no Brasil. Um far ncot'%® © imprensa via, outro, autocensura, Ambos os rétulos eram ennnt> conSUra Pré- sora prévia, exercida apenas contra um punhado deere A cen taminava que tudo o que fosse preparado por um een tee de ninado pela policia antes da divulgacdo, A autocens nt Set exe ibigdes de noticiar certos fatos que eram idieatiig Tana tone dal ts publicagdes antes de sua investigacao e divulgartos aa ke deseu conhecimento, no caso de muitos eventos ache De aa ma, a censura prévia nao intervinha num estagio tao micas ay ae pene a autocensura, e a autocensura certamente nao era pa Gatcrmms, Ambac ora logs Cacao games cae 's do publico tanto quan- pene Ambas eram executadas de acordo com uma série de pro- ee otizades c repetidos no pais inteiro. Uma importante ae pecs: Porém, era o fato de que a autocensura decorria aie oa assinadas, enquanto a censura prévia con- lis Patera gente identificdvel imediato, na figura do censor da Po- mo a Parte por causa disso, a censura prévia também pro- Pease atingide Teacao e muito maior resistencia por parte da ae desatig ee 4, inclusive atos didrios de sabotagem e maquinagées de i Teagdes da imprensa A censura prévia nao conse- TA censura, que acabou somente quando o regime assim 0 Mw AcoRDO FORGADO ——— 25 cae as reagdes eram mais elaboradas, criativas e eng;, nsura. a nsura prévia 6 possivel deixar passar 0 fats 4 le ‘ara, anti. decidiu. Mas do que com a autoce 9 analisar a ce \ que pe modalidade de censura do Estado era ilegal, secreta e mveiro era inconstitucional. O Brasil tinha legisla process permitiam a censura “moral” dos espeticulos e recreagio, on Especial do cinema e televisdo, Em 1970, Alfredo Buzaid, ministry q, Seatica, baixou o Decreto-lei n? 1.077, aue autorizava a censura mora de livros e revistas recreativas, mas nao a censura politica de noticiag Gu informagao. Nos termos do crucial Ato Institucional n® 5, de 1969, , AI-5, a liberdade de imprensa (bem como outros direitos assegurados na Constituicdo) podia ser suspensa em caso de estado de sitio, mas nunca foi declarado estado de sitio durante @ 6poca da censura prévia, e foi a esse ponto que as contestagées juridicas 4 censura prévia se re- foriam. A eensura politica da imprensa era ilegal nos termos das pré. prias normas do regime. Nao é de surpreender, pois, tendo em vista a preocupagao do re- gime, muitas vezes contraditoria embora recorrente, quanto & sua le- gitimidade, os esforgos empreendidos para fazer um grande segredo da censura. Estar sujeito 4 censura prévia nao implicava qualquer aco ofi- cial publica. Nao havia notificagao por parte de um juiz, tampouco nor- mas publicas sobre os procedimentos & jimites da censura. Os jornais simplesmente eram avisados pela Policia Federal de que tinham de apresentar todas as matérias. As publicagbes nao podiam avisar que es- tavam sendo censuradas e, de fato, a censura em si era um dos temas mais censurados. Nao havia nada parecido com 0 imprimatur que todos os jornais traziam junto ao seu logotipo na Espanha com Franco ou em Portugal com Salazar, declarando que as matérias do jornal tinham sido examinadas e aprovadas pelas autoridades. A consternagao ¢ ira demonstradas pelo regime brasileiro por causa dos processos judiciais movidos pelas publicagdes censuradas decorriam em parte do fato de ter de admitir a existéncia da censura. Era esse um. aspecto da peculiar dualidade resultante do carater repressivo do regime e do concomitante desejo de legitimidade. O re- gime precisava de que a censura prévia fosse um segredo relativa- mente piiblico (quer dizer, puiblico pelo mi i sa) a fim de poder rechagar Lae Pp enos na esfera da imprensa blicacdes, azmente possiveis desafios de outras pu . Por outro lado, em itimi ee », em nome da legitimidade fundamentada no ituig6es e direitos formais tradicionais, o regime tinha de esconder essa viol i , onal violagio ilegal de uma liberdade assegurada constitu- Uma observacao indi eae to a0 numero muito pel peruse, Sobre a censura prévia diz respei- ‘queno de publicagoes por ela afetadas no Brasil _CENSURA PREVIA 97 jnteiro, P 7 freqiiéneia como tendo sido sujeitas a bone ; Bor da censura) ag) Pasquim, avers Goa oie yado de S: ee eo aa a janeiro de 1975; O Sao Paulo, junho tadigi9_a junho de 1978; Opinido, janciro de 1973 a abril de 1977, oe, 1974 a junho do ‘6; Movimento, abril de 1975 a junho de 1978: WFribuna da Imprensa, vez por outra entre 1968 e 1978, Na verdade, paisterhavido varios outros mais, talver entre os de vida mais breve ju menos conhecidos jornais regionais. 1 menos importante estabe- our numero exato do que reconhecer que a propor¢ao de publica- ect sujeitas & censura prévia era mindscula em comparagéio com 0 total de mais de mil publicagdes produzidas no pais inteiro.2 Essas sete publicagdes representavam de maneira geral o jorna- mo no Brasil: um jornal da grande imprensa com uma longa e no- Brg, is al historia, dois semanérios noyos de oposicao politica, um jornal be. diocesano, um semandrio ilustrado da grande imprensa, uma publi- le. facto iconoclastica alternativa e um didrio urbano. Nao parece ter ha- da tido um padrao de escolha de determinado tipo de publicagao como off. alvo do regime. A censura prévia foi exercida contra publicagdes da a ande imprensa assim como da alternativa, de circulagao nacional ais assim como paroquial, atacava Jove o humor quanto a critica das no- de ticias. Cada caso era um caso. ‘A gama dos alvos leva a crer que sua escolha deveria ser dificil de as prever, e 0 arbitrio pode ser mais dificil de combater do que uma po- 08 Iitiea bem definida. A variedade de publicagées sujeitas & censura pré- via significava que uma identidade comum a todas nao surgiria au- tomaticamente mas teria de ser inventada. Nao bastava estar sujeita acensura prévia. Existia potencial para solidariedade, mas ficava nis- so: potencial. Além disso, 0 numero limitado de publicagses sujeitas & censura prévia nao significa que o regime estivesse pouco disposto a impor esse tipo de controle rigoroso. Muitas outras publicagées eram ameacadas com ela ou mesmo ordenadas a submeter-se a ela, mas preferiam fe- char a continuar sob a estrita fiscalizacdo do governo, sé publicando matérias aprovadas e sem contar com uma maneira © nhecimento ou sequer de avisar os lei 40.4 Entre elas contavam-se Politica, Extra, Em Tempo e Argumento Embora poucos em ntimero, 0s cas Mesmo possuiam grande importancia sim! tava-se de destacados pontos de referéncia para Sead cen4rios de casos extremos de elaborada interv lo. erta de dar co- tores de que havia essa situa- os de censura prévia assim bdlica para a imprensa. Tra- todos os envolvidos, encao do 98 uM ACORDO FORGADO ‘A consura prévia acabou para cada publicagao assim comy comecado, de forma abrupta com uma simples notificagao ¢ 4,004 comogades mente, om ver de decorrer de uma dnica decisao conqr EeipeHeave ‘algumas tentativas da imprensa de negociar com aol zat e revo apresentar queixas aos drg0s judiciais, que na iy parte das vezes foram esmagadas ou menosprezadas pelo regime (y Pifemos ao assunto mais adiante). O término da censura prévig jecorreu de uma campanha vitoriosa da imprensa mas se encaixoy 1, quadro mais amplo da abertura do regime e podera ter servidg .), propésitos do Estado de se mostrar como realmente interessado 1, transicdo gradual rumo & democracia. 0 Estado de S. Paulo foi liberado da censura prévia em comego, de 1975. Foi o longamente esperado “presente” de Geisel por motivg do centenrio do jornal. A liberagéo de Veja ocorreu em meados de 1976. Opinido nunca viu o fim, pois fechou em protesto quando ainda sujeito & censura prévia em abril de 1977. Em seu ultimo editorial (n2 230, 1-4-1977), historiava a censura da publicagao e declarava © compromisso de reabrir a publicagdo somente quando completa- mente livre de tais restrigdes. Esse ntimero nunca foi apresentado ao censor e foi imediatamente confiscado. Movimento, O Sao Paulo e Tribuna da Imprensa foram os ultimos a ser liberados da censura prévia, em junho de 1978. A notificagao chegou para cada um de re- pente com um telefonema que nao dava explicagdes nem garantias. Pasquim, liberado em 1975 de anos de censura prévia, teve uma experiéncia caracteristica. Milldr Fernandes, um de seus principais co- laboradores, observou que o fim da censura prévia foi tao misterioso quanto seu comego. A publicagaéo apenas recebeu um aviso de que “or- dens superiores” tinham determinado o fim da censura. Mas a ameaga de sua retomada permanecia, pois a suspensao foi comunicada junto com esta frase: “agora, a responsabilidade é de vocés”.® ay, aio 0 processo da censura prévia A censura prévia pode ter sido ilegal i te tt do ilegal, pode ter sido ocultada, pode sido negada, mas também foi muito padronizada, com pessoal en- carregado, i i i e ee arnt estabelecidos, equipamentos, cronogramas e Era co) i i jeita a0 ee Pe Policia Federal em Brasilia, a qual estava su- Tanti lagoe eae civil mas era chefiada por um militar ¢ ee As ordens e as Forgas Armadas e os Orgaos de se- u orientaga / . ee dadas através do a¢a0 politica geral com respeito A cen- Ministéri Prestadas pelog orgaios Pe oe e maiores infor- eaca el CENSURA PREVIA 99 ‘A execucao da censura prévia f prévia ficava inteiramente a 4 eae e nas méos da Policia ae . Um assessor especial foi indicado para essa tarefa, cargo ocupado na maior parte do perfodo de censura por Hélio Romac, antigo oficial da polfcia. RomAo comecou com trés assistentes em Braz » alguns funcionarios om Sao P: filia e al em So Paulo e Rio de Janeiro, A equipe mentava conforme a necessidade, fs tnailcos A. eats au A Policia Federal insistia em que todos os censores fosse dadosamente treinados. No comego da censura prévin, pelo menos no caso de O Estado de S. Paulo © Opinido, parece que o pessoal foi tra. zido do Servigo de Censura que examinava publicagses espetaculos do ponto de vista da “moral © bons costumes”, Mais tarde, h medida que a censura prévia se tornou praxe, tiveram de ser contratados cen- gores 86 para tratar do volume didrio de trabalho gerado, por exem- plo, por O Estado de S. Paulo. Seu diretor, Oliveiros Ferreira, se en- farecia com a incompeténcia deles, que lembrava a de choferes de énibus e funcionarios bébedos fazendo biscate. Quanto a O Sao Paulo, o cardeal Arns manifestou profunda ira ao ser censurado por um te ceiranista de medicina: “Eo cimulo, nao? Nem o papa me censura’ ‘Até agora a censura foi tratada neste trabalho como repressao no ambito das relagées entre imprensa e Estado. Era, também, apenas uma tarefa rotineira. Os censores de Opinido e Movimento trabalnavam nos escritérios da Policia Federal em Brasilia, e os de O Estado de S. Paulo passavam pelas mesmas portas usadas pelos jornalistas que eles cen- suravam. Chegavam todo dia equipados com os instrumentos de seu tra- balho: uma lista de ordens emanadas da Policia Federal, canetas de tinta vermelha ou marcadores de tinta preta e uma colegao de carimbos com dizeres como “vetado”, “com cortes” e “liberado”. Alguns fabricantes estavam produzindo lotes regulares de tais carimbos, e os censores os utilizavam todo dia, numa atividade ilegal porém padronizada. Os censores examinavam tudo: reportagens, manchetes, edito- riais, publicidade, obitudrios, legendas, charges, anuncios. Deve ter sido mesmo um ramerrao, vista a velocidade com a qual eles liam uma quantidade considerdvel de material. Enquanto trabalhavam, iam marcando todo o material, quer fossem provas tipograficas de 0 Estado de S. Paulo ow artigos datilografados ou escritos a mao para Movimento e Opinido. Podiam riscar de vermelho a mengao de uma quantia roubada, colocar entre colchetes uma frase ou um nome, cer- car um paragrafo transgressor ou tragar um X sobre um editorial in- teiro, Conforme yerificavam artigo por artigo, semana aps semana, lam passando um marca-texto preto e cortando uma passagem cur- ta, pardgrafos, paginas inteiras ou toda uma reportagem. E em geral ‘arimbavam seu trabalho, Podiam ser carimbadas com “vetado” pa- 8inas e paginas de um artigo de 20 paginas. “Liberado com cortes” ym ACORDO FORCADO Saaens Wye CRECURO Kok 100 imbado em um artigo com varias linhas riscadag 4, Lea data e, por vezes, ii te. tas vezes acrescentavam a Pe ) S48 inicigiy © pod to. Muit cearimbo. feat Paroce um trabalho magante, A minscia de algumas day pray, ads leva a erer que 08 censores por vezes estavam pencirando 6 yay com cuidado & procura de certos nomes ou somas. Era um yoiyi enorme de material, tanto 0 que era lido Serpe aber protbide.a ge Teco devia ser enfadonha, mas eram consideragoes de seguranca ¢ cional em vez. de quosties de gramética ou ortografia que decidiam *, casos duvidosos. Depois de feitos os cortes, as paginas eram devolvidas aos seus qy, nos, As publicagdes usavam entao 0 que sobrava, As vezes 86 a metay,. do que fora apresentado, no caso de Opinido e Movimento, para fara, um mimero, Podiam aproveitar apenas 0 que fora aprovado. Tambe., tinham a op¢ao de nao incluir algo que fora liberado, como nay p.. blicar um artigo do qual tinham sido extraidas algumas partes os. senciais. Mas nao podiam acrescentar nem substituir texto. E uma ye, montado um numero, o material seria examinado de novo pela policia a fim de comprovar a observancia.® Um aspecto muito importante da experiéneia cotidiana de qual. quer publicagfio sujeita A censura prévia era a localizacdo dos censo- res, na redacao, no escritério local da Policia Federal ou, pior, na sede da Policia Federal em Brasilia. Os custos de administracao e produ- ¢40 relacionados com o cumprimento das ordens, fora a perda do ma. terial em si, podiam ser enormes, sendo arcados inteiramente pelos Jornais censurados. Se o material tivesse de ser transportado até a po- licia, tais custos incluiam tanto 0 tempo perdido quanto as despesas da entrega do material. O caso de Opinio ilustra esse onus. O Semanirio devia estar nas bancas na sexta-feira, mas a censura prévia exigia que todo seu ma- terial fosse levado de avidio desde sua redagao no Rio de Janeiro até Brasilia na noite da segunda-feira anterior, para estar no escritorio da Policia Federal na terea-feira de manha cedinho. As matérias ficavain em Brasilia sendo censuradas até quarta-feira de noito, quando entio voltavam de aviao para 0 Rio de Janeiro. Para ficar sabendo dos cor- tes com antecedéncia e acelerar um pouco 0 Processo, a equipe de Opi- ar has 0 ale ode ya td Yt CENSURA PREVIA 197 to, a oportunidade das noticias. ois dias da semana e, porta ae fo alternativa que desejava certa liberdade em re- Sendo ee Oe sua sobrevivéncia dependia de grande vonda. lage 8 ia oportunidade era crucial.® gem. ees cronogramas, pessoal © procedimentos constituiam a cen- prévia que a imprensa afetada sofria com cada edigéo. Embora sure Precrota e usada contra apenas algumas publicagées, as praticas ilegely Sra aqui.examinadas eram elstemdticas @ esto profusamente da ctpontadas om arquivos de materiais censurados doc As provas documentais As provas documentais da censura prévia suscitam dois pontos importantes. Em primeiro lugar, a censura forgosamente transforma 0 jornalismo de atividade de comunicagao em agao estratégica. Se o jor- halismo somente As vezes chega perto das normas da comunicacao, a imposigdo de censura certamente transfere essa pritica para a esfera da estratégia, adivinhagao e conflito. Declaragées que nao pareceriam possuir significados ocultos numa publicacéo livre poderao assumir noyo sentido quando consideradas da perspectiva de terem sido sub- metidas & censura. Um segundo ponto 6 0 de que a censura prévia sé podia cortar 0 que Ihe tivesse sido apresentado. As provas documentais que subsis- tem nao sao nunca 0 resultado das agées do censor da Policia Federal apenas, embora ele parecesse ocupar a posigao de maior poder. Mas o registro resulta da interagao assimétrica entre 0 censor e o jornal. O registro é um retrato parcial sob a forma de original datilogra- fado, lapis vermelho e marcador preto de cada publicagao e do regime Esse retrato foi tracado nao por motivo de corre¢ao ou beleza, mas de estratégia, por diferentes artistas com motivos opostos, trabalhando um contra o outro. Nao 6 facil interpretar esse retrato, nem se pode aferir grande coisa. Nao obstante, constitui um retrato revelador do regime militar e das publicagées sujeitas A censura prévia por aquele regime. O Estado de S. Paulo e Movimento oferecem exemplos contras- tantes da censura prévia. O primeiro era um diario prestigioso da grande imprensa; o outro, um semanario alternativo de oposi¢ao, de Propriedade de jornalistas. Eles operavam com padroes e objetivos di- ferentes, segundo projetos diferentes. Suas Perspectivas politicas eram tao diferentes como sua aparelhagem técnica e seu formato. Mas ti- nham em comum, junto com um punhado de outras publicagées, a ex- Periéncia da censura prévia. E cada um produziu um arquivo duplo: uma série de ntimeros publicados e uma quantidade imensa de ma- terial vetado.19 02 uM AcoRDO roncapo . | = A censura de O Estado de 5. Paulo servou as provas originais suly Q Bstado de BE staal de marcas do lapis vermethg gts : censura. Tais . melhor arquivo da censura prévia do omar q{% sores, constituem janeiro de 1975. Existem milhares de artigos tembro de La censurados, em geral varios todo dia.!1 41° Par, cial ou totalme! referem-se a temas que foram censurados Sistemas dessas materi se ano, enquanto outros foram censurados on dee « anocae de crise © outros mais cobriam alvos no repim’ e veto, fosse qual fosse 0 contexto oy: mpre provocava um veto, ese 0 cont = msnete sempre 2 Quaisquer noticias ou referencias a prépria cena.” eco rigorosamente censuradas. Alguns assuntos cen. ms ea uma pista para as praticas dos censores ¢ jornalistas . . os ofe cament 0 minadas épocas de crise volvidos. ; : Eram temas constantemente censurados as brigas entre o regir,, 5 lica, as condigoes de vida e o tratamento dado pelo ¢., Ea ae bem como protestos de estudantes, a predominancia desses temas talvez indique uma sensibilidade espe. cial por parte do regime a respeito deles ou a grande ateng&o por parts de O Estado de S. Paulo. Entre outros assuntos censurados com fre. qiiéncia encontram-se as condigdes das prises, corrupeo no governo, greves de trabalhadores, problemas nos transportes ¢ criticas ao ro. gime no exterior, Além desses temas comuns, a cobertura de crises especificas era amplamente censurada. Nesses casos, absolutamente qualquer cobes. tura era censurada, fosse noticidrio, analise, fotografia, declaragao. Tais crises irrompiam de meses em meses. Em 1973/74, por exemplo, incluiram a demissao do ministro da Agricultura Cirne Lima, em maio de 1973; o golpe do general Pinochet no Chile, em setembro de 1973; a is, 0 recebimento de um dipl wardeais, © iploma honorario ou sim ° femente, outro alvo favorito, mesmo muito depuis de seu igo nen, in 1974. A eliminacao dos nomes dessas coonatues ¢ Pessoas nos artigos, Mando elas ndo eram o assunto principal, indies « ‘i guattjeria chamar de lista negra existéncia do que Afora seu contetido tematico, 0 arquivo documental da censura via também contém alguns testemunhos da pratica e das relagdes no tocante a censura. Algumas das limitagoes e estratégias tanto dos gensores quanto dos jornalistas sfo reveladas no registro Os censores da Polfcia Federal com freqiiéncia eram acusados de grosseira incompeténcia e ignorancia ou de medo de seus préprios su- periores. O arquivo contém algum material surpreendente que apa- rentemente resulta da obediéncia, por parte de censores pouco escla- recidos ou nervosos, A letra mas nao ao espirito de suas ordens. Nas cleicdes de 1974, por exemplo, é claro que os censores tinham ordens de tirar tudo sobre a controversa politica salarial do governo. Por es motivo, um discurso do candidato governista que defendia tal politica foi vetado inteirinho, enquanto o discurso do candidato oposicionista, cheio de criticas a todos os outros aspectos do governo exceto A poli- tica salarial, foi autorizado por completo. Tal obediéncia as regras ia contra a finalidade das ordens da censura. Outros exemplos, todavia, revelam certo cuidado e habilidade por parte dos censores. O modo pelo qual os cortes eram feitos podia pro- duzir resultados diferentes: a auséncia ou a distorcdo de informagao. Em julho de 1974, por exemplo, O Estado de S. Paulo tentou divulgar as observagées do economista norte-americano Werner Baer (a parte censurada esta entre colchetes). Baer declarou que as atividades da Petrobras, estatal brasileira de petréleo, “lembravam a expansao dos servigos estatais de gas e petréleo da Itélia [sob a lideranga do fale- cido Enrico Mattei. O mundo considerava Mattei um pirata socialis- ta]”. A versao depois de censurada deixava a impressao de que, na opi- niao de um renomado economista, o Brasil se juntava as fileiras do mundo desenvolvido, eliminando a sugestdo de excessivo estatismo.* O censor também fez um trabalho cuidadoso num discurso do lider do MDB, Ulysses Guimaraes, em 1974. Segundo Ulysses, citado pelo Es- tad@o (a parte censurada esta entre colchetes): “Primeiro, eles usaram ‘manutengao do regime democratico’, depois ‘normalidade democra’ olitiea’ [(embora houvesse apertura, g, a frase 6 ‘modelo polities’, talyao™. Guimaraes estava fazendo \yq,"8 280 AS Sey dentin, Many, i iéncia ou i Muitag do talvez da inexperiéncia ou inseguranca 4, de seu cuidado e habilidade. 8 rde ‘abertura P isfio ete.)); agora be?” Ulysses ido de que abertura era de fato apertura, m, deria entender que ele estava ; razoavel ou, na pior das hipéteses, Se ee 15 Bmbora existam no arquivo documenta} 3 is tal cat, mais tarde ri ra, tortura, P Sxportagao, quem $4 seipalavras, no sentido de que mee censurada alguém p ia -ogressaio a uo. tencao do status 7 coisas estranhas, resulta fensores, também hé provas diretores também deixaram sua marca nos qy, Evidentemente eles eram capazes de prever aj, gumas das agées dos censores, Os jornalistas See que fizeram fomentdrios a respeito desse perfodo asseveram (0 que o arquivo dy cumental comprova) que eles nao reescreviam material para ser acoj. to pelo censor. Talvez 0 caso mais claro, porém com certeza no o tinicg da sua abordagem, 6 um editorial que foi totalmente censurado em co. mecos de marco de 1974, quando Geisel estava prestes a assumir 0 go. verno. Foi de uma série de O Estado de S. Paulo que avaliava 0 go. yerno de Médici e se referia ao Ministério da Justica sob Alfredo Buzaid. Afirmava, em parte, que “legitimara procedimentos que tor- navam rotineiro o desrespeito a lei. Buzaid tripudiou os mais elemen- tares direitos humanos, violados diariamente pelas autoridades poli- iais afetas ao seu ministério. Negou a existéncia da tortura quando todo mundo sabia que ela se tornara pratica habitual. E defendeu como nenhum outro a necessidade da censura, embora mais tarde pre- tendesse nao perceber as conseqiiéncias praticas de sua aplicagao”. 0 editorial prosseguia dizendo que, conquanto tivesse sido verdadcira a ameaca de terrorismo, a ameaga se restringira ao perfodo de 1967-70. Beli ann meeeyimentan extremistas tivessem sido des- agains ieee ra la como bicho-papao para justificar 0 Peale pelos que deveriam defendé-la”. O edi- Os jornalistas ¢ cumentos censurados. peereen ee CENSURA PREVIA 105 ystico. Parecem, antes, refletir um esforgo de escapar & censura, na presuncao de que os no mes sempre repetidos acabariam passando 0 arquivo documental revela que 0 disfarce da pista era outro es- tratagema pare se esquivar da censura. Era comum um artigo com a doscri¢a0 detalhada de ceriménias da Igreja Catélica e, muitos para- grafos depois, as palavras “em outras noticias sobre a Igreja”, segui- das de uma referéncia a dom Helder. Um dos exemplos mais mar- cantes foi um artigo intitulado “dom Helder poder ir para o Sacro Colégio” (6rg8o que escolhe o papa), censurado em julho de 1974. O ar- tigo inteiro foi vetado. No dia seguinte apareceu um artigo intitulado “papa escolhe dom Avelar” (para chefiar um conselho educacional ca- tolico), do qual apenas um pequeno pardgrafo foi climinado. Mas a parte cortada dizia que dom Helder poderia tornar-se membro do Sacro Colégio. Nesse caso, parece que o jornalista de O Estado de S. Paulo sabia do veto ocorrido na véspera mas tentava disfarcar a no- ticia sobre dom Helder num artigo vagamente relacionado com ele, o qual passaria pelo censor, 0 que aconteceu, exceto por aquela parte 17 A censura da propria censura merece atengéo. A censura da im- prensa era, de fato, um dos temas mais censurados, aparecendo no ar- quivo constantemente ao longo de todo o perfodo da censura prévia. As vezes também merecia atengao critica, por exemplo, durante 0 encon- tro da Sociedade Interamericana de Imprensa. Julio de Mesquita Neto, dono do Estaddo, era presidente da SIP, ¢ seus discursos no en- contro tinham cobertura total, juntamente com material correlato. Tais reportagens, no entanto, sofriam cortes muito severos. A mencio a censura também era um alvo especifico. Muitas matérias censura- das sao encontradas, como o discurso de campanha do candidato Ores- tes Quércia, do MDB, em 1974 (a parte censurada esta entre colche- tes). Quércia condenava “o transporte publico insuficiente, [a consura da imprensa], eleigdes indiretas e o Decreto-lei n? 477”,18 A censura da censura também deixou indicios das fraquezas dos censores, Um deles, que obviamente estava obedientemente seguindo § ordens, vetou um discurso do senador Eurico Resende, da Arena, de- fendendo a censura, inclusive a censura de O Estado de §. Paulo.9 Também aparecem indicios das estratégias dos jornalistas, revelando muitas tentativas de fazer passar um tema proibido. Um amplo artigo sobre a lei do divéreio, por exemplo, falava em “outras noticias sobre leis” com observagdes de um advogado que condenava a censura de im- Prensa.20 O Estado de S. Paulo deu ampla cobertura a censura de impren- ES a geral mas em particular A sua propria. Em 1974, por exemplo, cel eu 0 troféu de ouro da SIP. Essa cobertura nunca parou. Du- ‘ante meses continuaram os artigos sobre o prémio, que sistematica- 106 uM AcORDO ie ais comum de artigo era mente eram sonsurades, © TT simontando O Estado de", ata, de alguma figura Pr com a liberdade de imprensa ¢ condenan, Por zeu firme compre impostas a0 sou trabalho. A quase absurg.? a restrigdes arbitrat™om parto arrogancia © em parte autoproma,® bertura peas parte estratégia contra A censura, pois mens mas também wm maior probabilidade de passar Pela censura, fy. gine 8 emiiado de 8. Paulo nfo poderia ter imprimide S805 I ralmen' im primeizo lugar, nao os tivesse recebido He congressist vfros politicos e lideres do empresariado. O proprio amplo arquin das congratulagdes censuradas em 1974 mostra que muitas oe estavam ansiosas pela oportunidade de consignar seu apoio ag jors Os comentarios sobre O Hstado de 8. Paulo encontrados ny quivo também deixam claro quo, embora a censura prévia fosse um < gredo, era também um segredo bastante conhecido do publico. 0 tado de S. Paulo tornou-se um simbolo, de tal forma que referénci., obliquas & censura podiam ser feitas (ainda que clas freqtiontemes., fossem vetadas). Os dois exemplos seguintes referem-se ao costum. que tinha O Estadéo de publicar versos, especialmente de Camoes, em lugar de matérias censuradas. Um politico do MDB foi censurado .. declarar que: “Haverd liberdade quando O Estado de S. Paulo deixar de publicar poesia fora de scu suplemento literério”. E na véspera aa eleigdo de 1974, apenas uma frase foi censurada de um ultimo artic, (@ parte censurada esta entre colchetes): “Quércia terminou seu dis. curso [com um verso de Camées]”.?! O ultimo langamento no arquivo de material censurado de O Es. tado de 8. Paulo, evidentemente 0 tiltimo item censurado, dizia res. peito @ censura. O artigo referia-se a uma ceriménia na Academia Brasileira de Letras (a parte censurada esta entre colchetes): “Bar. bosa Lima Sobrinho leu um trecho de um artigo publicado em 1875 sobre a liberdade de imprensa [que, devido ao seu contetido, segundo ele, poderia ter sido escrito hoje ou substituido por versos de Ca- mées]”.22 A censura de Movimento numero daqu 23 ia eae hee Outra fonte sao os breves boletins que ina ee Pee segomanias Para informar 0 Pessoal a respeito As avaliagdes do Préprio Movimento sobre CENSURA PREVIA 107 necem importantes informacées. Blas apareciam nos jor- consura fo n ‘ ce : a cdas organizacées € sindicatos de jornalistas durante a censure is jos nimeros do Movimento apés o fim da censura prévia em je 1978. A sua posigao consciente de si proprio nesse contexts em var oebo.d Be comparada com a abordagem de O Estado de S, Paulo. O Mo. nto estava bem ednscio de seu projeto histérieo como publicacas jp propriedade de jornalistas, bem como da oxperiéncia da censura wrévia, gastou bastante tempo documentando @ prépria existéncia, friste, pois, um considerdvel registro histérico nas paginas da pro- publicagao. No periodo de censura de abril de 1975 até junho de 1978 (153 edigdes censuradas), 0 Movimento contou corca de 6 mil artigos ¢ ilus- 5 ial ou integralmente.? Além disso, trés nui 3 tragoes vetadas parcial 6 ni ‘0, trés nuimeros inteiros foram impedidos de circular. Um, sobre contratos de riseo para a exploragao de petréleo por companhias estrangeiras (13-10- 1975), simplesmente foi proibido de circular na revisdo final pela Po- licia Federal, depois de ja ter sido censurado. Uma edigao especial sobre a situagao das mulheres e seu trabalho no Brasil (10-5-1976) teve a quantidade sem precedentes de 80% de seu material rejeitados pelo censor, Nao sobrou o suficiente para publicar um numero naque- la semana.”” O terceiro mimero proibido de circular tratava da ne- cessidade de uma assembléia constituinte para claborar uma nova constituigao (19-9-1977). Ele passou pela censura e exame final mas entao foi confiscado.?* vim pria Movimento também fez um grafico dos padrées de intensidade da censura (ver figura 2) e concluiu que a tensao politica e a censura an- davam de mos dadas e que as vendas caiam quando a censura au- mentava. Os trés picos de censura em 1976, por exemplo, coincidiram com a abertura do Congresso em marco e a imediata cassagao de trés representantes, um escandalo de corrupcao que veio A luz em julho e as eleigdes de novembro. Para Movimento, 0 padrio comprova “uma certa l6gica geral da censura que, embora aparentemente tenha cri- terios nebulosos, sempre sabia onde cortar a fim de impedir que Mo- uimento cobrisse de maneira adequada os acontecimentos importantes da nagao”.’° Impedido de fazer sua cobertura desses acontecimentos, Movimento perdia consideraveis vendas nas bancas. Embora a intensidade da censura variasse ao longo do tempo, a mensagem subjacente da massa de material censurado do Movimento, fosse qual fosse o assunto, mantinha-se coerente: a realidade corrente nao tinha de ser como era. Movimento proporcionava cobertura de al- ternativas vidveis disponiveis, de outros modos de organizar a produ- S40, @ governanga, a seguranga e a sociedade. O contetido dessa pu- cacao relativizava quase todos os aspectos da experiéncia brasileira 108 gap um acorpo FOR a viabilidade e pertinéncia de altemativas, © arguing ja ossas mesmas preocupayées, bem como uma erie” quer se tratasse de poder politico ou econamie, quanto nacional ou internacional, 5 e comprovava 5 censurado rev‘ Gas pessoas no poder, nos niveis tanto local Figura 2 Artigos vetados ¢ vendas nas bancas. Movimento, 1976 ‘Artigos vetados 35 30 25 20 15 Niimero de artigos vetados por edigio Vendas Abr. Jul. Jan. Fonte: Adaptado de Movimento n® 154, 12-6-1978, p. 14. Tal como no caso de O Estado de S. Paulo, o material censurado do Movimento correspondia a categorias de assuntos ou temas. Além disso, 0 material censurado oferece indicios sobre as fontes e 0 estilo do Movimento bem como das relagées entre a publicagao e o regime. __Um tema destacado era a desnacionalizagao da economia ¢ as ati vidades de empresas transnacionais no Brasil. O conluio de empresas Privadas e governo com companhias transnacionais por interesse pré- prio recebia atengao sistematica. Os artigos vetados analisavam as taxas de lucro, as Asengoes fiscais e os padroes de investimento das empresas internacionais ¢ seus troes era posta em contraste co CENSURA PREVIA mento também tratava da malversagio dos dinheiros Publi- Mowartigo intitulado “O prego da fama te da publicidade que o 6 tah Recife usa para fazer propaganda de suas obras)” foi cen- parcialmente."! O prefeito de Ree inha mandado construir gada na encosta de uma favela, divulgandon com grande fan- uma dando especificagdes detalhadas de sen custo, comprimento ¢ farmpro exato do degraus ete, Depois, dois jornaie locais, 0 Didrio de Be buied e 0 Jornal do Comércio, publicaram como reportagem Porm matérias. pagas contendo as Mesmas informagies. Movimento duvfou o preco de um antincio pago nesses jornais e os pregos mais tos cobrados quando antincios eram Publicados como se fossem re. prefeit Firado A incompeténcia e corrupeao do governo federal ¢ a ineficiéncia das politicas publicas também cram assuntos comuns do Movimento © governo era responsabilizado por calamidades que podiam ver acy tadas, como a escassez de alimentos basicos ou as crises provocadas pelas perenes secas no Nordeste, Nesse caso, 0 tom era de ironia: de- pois de quatro séculos, por que as secas sempre pegavam o governo de surpresa? As politicas agrarias, inclusive 0 fomento de culturas de subsisténcia e 0 cultivo excessivo dos solos, eram apontadas como casos em que a politica oficial agravava calamidades naturals, As po- Iiticas de satide publica também eram questionadas em artigos sobre itos conflitos sociais receberam grande atengao do Movimento Mui ; Entre eles, og conflitos de terra entre Posseiros, colonos e fazendeiros, revelando violéncia, trabalho escravo, indiferenca do Judicidrio e o Pod er dos latifundidrios ¢ de companhias estrangeiras na bacia ama- Sa¢do feita pelo governo de que 0 povo nao estava psicologicamente Preparado para votar em seus préprios representantes).?° 110 UM AcCORDO FORCADO Noticias do exterior também eram cortadas do Movimento, cialmente tudo que so roferia a eriticas a ditaduras militares oy, t sigdes de regimes autoritarios para a democracia. A cobertura ae putas entre 08 militares no Chile de Pinochet foi vetada, assirn muitos artigos que analisavam a transig&io de Franco para o re, a Carlos na Espanha, Outras noticias estrangeiras censuradas tratal vam de temas considerados delicados no Brasil. Por exemplo, 34, mento nao podia publicar comentarios sobre reforma agraria, pro tos estudantis, organizagio dos trabalhadores ou processos por estuy em outros paises. Um artigo sem data se referia a soldados holand.s. autorizados a recusar-se a participar de agdes com as quais nig on. cordavam, como um ataque militar a ativistas molucanos que tinham| seqiestrado um trem. Algumas matérias preparadas para publicagéo pelo Moviment, nAo eram noticias atuais, mas artigos de andlise e estudos histéricos. i Uma avaliacao da historia do trabalho no Brasil abordava grove, pouco conhecidas mas importantes e questionava a posicao de que ay leis trabalhistas tinham sido um presente do papai Vargas, em vez de fruto das lutas dos trabalhadores. Outro artigo histérico arrasador ! tratava da divida externa do Brasil desde os primeiros empréstimos / internacionais em 1824, da constante incapacidade do Brasil de pagar suas dividas, da conseqtiente necessidade de novos empréstimos, do padrao de buscar novos empréstimos para pagar os antigos e do onus, acumulado por geragses e geragoes, do pagamento dos juros. Tais pre. cursores da crise fiscal brasileira contemporanea foram apresentados como uma série de ligdes ainda nao aprendidas.** A desnacionalizagao da economia, a incompeténcia e corrupeao do governo, a ineficiéncia da politica publica, a diversidade de conflitos sociais ¢ as alternativas sociais, econémicas e politicas que podiam ser encontradas no noticiario estrangeiro e na histéria do Brasil eram temas sistematicos no arquivo documental da censura do Movimento. Também so reveladas algumas pistas interessantes sobre as fontes da publicacéo. Muitas delas nao eram convencionais. Como publica- ¢do experimental, Movimento pouco dependia do press release. No ar- quive do material censurado existem alguns exemplos surpreenden- tes do recurso a fontes noticiosas alternativas que langam luz sobre as relacées entre esse periddico © o publico, o regime e o restante da im- prensa. ‘Om por exemplo, tirad; ieee ate meee oe °8 quatro principais jornais brasileiros da grande im- Brasil, Entre ecy oO Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Jornal do Sas matérias encontram-se editoriais e crénicas assim tarde presidente do Brasil), 2 a ee —SENSURA PREViA 444 reportagens. A equipe simplesmente co reproduzir ¢ colava na folha de provas ¢.a.citacao da fonte indicavam ao eo edusee, Noutras vozes, Movimento incluta longas citagbee ene rep] ja publicado em scus proprios artigos @ acrescentava comenté- fora gndlises, Alguns dessae materials Citados, como os que se re. am a eschndalos ou corrupgao, eram intrinsecamente controversos ee at een ; ergos wragas a0 acréscimo dos comoren, out Embora ja tivesse sido Publicado, ey de material frequientemente era cortado no Movimento pelo ip sores. © outren toutes que aparece! nas partes censuradas do Mou ceriam de fécil acesso se 0 Brasil cont, dissidéncia. Entre os documentos cen tigdes e declaragdes enviadas a0 Mo tudantes, sindicatos, médicos, trabal sioneiros. Cépias das cartas enviad: rtava um artigo que de- do Movimento. Esse for. cy nsor que esses artigos eram mat esse imento ‘88e com um foro puiblico paraa Surados encontram-se muitas pe- vimento por organizacées de e hadores rurais e parentes de las as autoridades também e jue fossem tornadas piblicas pri- ram , em- Os materiais fornecidos por outros so piiblico. Movimento contava com u jornalistas tinham menor aces- = aceita por seus chefes da grande 6m provas tipograficas de quase itanos e regionais do Brasil. Esse imprensa. Por isso, 0 arquivo cont todos os principais jornais metropol; material nao era sigiloso, mas nao teria sido divulgado se Movimento 240 proporcionasse um foro alternativo, embora censurado 25 Sem duvida, a fonte de material censurado mais estranha e menos publica é a fotocépia de uma nota do SNI, 0 érgio de seguranga mais importante. A nota trazia varios carimbos, inclusive “urgente”, “secreto” e “proibida a reproducao deste documento”. Estava endere- gada ao general Fontoura, antigo chefe do SNI e na época embaixador do Brasil em Portugal. Fontoura era objeto de protestos ptiblicos de- vido & generalizada suspeita de que ele estava mandando vigiar exi- lados brasileiros naquele pafs.>” A nota, datada de 24-9-1975, parecia confirmar tal Suspeita. Joao Figueiredo, entao chefe do SNI (e mais estava enviando para Fontoura um apa- um militar e um adyogado, ambos consi- a seguranca nacional do Brasil, contra os ‘ado sobre dois exilados, erados “sériog riscos” para ye scone roncan’ 11. ee” ry a digo 12”. A ing faperagao' C6 rte n devia ser armada Wirto telex sigiloso do SNI com 23 page. ‘9 a publico, pelo menos n&o no Movimeny,: rest ais ar para confirmar U ca veio a pul i ‘i ‘ea, 0 nun ira chegou aos registros desse som," inate O assunti je man imaginando de 4 Fae ayo consurado revela algumas das fontes BO-Conve,, O arquivo ce! som diivida, um ponto de vazame, 0 al ue era, Tistas e para 0 povo frustrado com a falta a nais do Movimento, indicios tantalizantes dg 41% : jornalist ternative para joel oferecem s ° foro public. gmnado conhecido sobre 0 regime s¢ nfo tivesse p. deria terse irronsa, A censura até de material ja publicady consura da a emerense também mostra que o conterido em gj," cree cera fator determinante do exereicio da consura. O trata Seeeaisits apresentagao e o contexto da matéria também erar, fin. re 3 de publicagao alternativa, Movimento se engajay eee eee tT UATE Nc tiligar fontes Dio-con, om ais, tamnbémn buseava novos estilos de redagZo, temas ¢ mar” eee eram tao prontamente censurados como o simples conteria, hotieioso. O arquivo dos materiais censurados do Movimento abrang, nao apenas dados mas também anélises, metaforas e vozes. Dados simples eram censurados com freqiiéneia, como cifras sobre a tuberculose no Brasil, por exemplo, ou sobre a participacdo da mu. Iher na forga de trabalho. Outras vezes os dados ficavam mas a ex plicagdo de apoio era retirada. No exemplo seguinte de uma reporta- gem sobre 0 crescimento econémico, as partes entre colchetes foram riscadas pelo censor: “Em 1959, a participacao do capital na receita in. dustrial foi de 0,571, enquanto em 1970 essa participacao subiu para 0,623 (dados do censo industrial de 1960 e 1970, Fibge). [Ou seja, na mesma época em que o salario real do trabalhador estava deterioran- do, 0 lucro do capital aumentava.] (...) Um fenémeno 6 provocado pelo outro, e vice-versa. O estilo de crescimento do pais nos ultimos anos obteve enormes vantagens da acumulacao da riqueza [naqueles gru- Pos que controlam os meios de producao]”.29 70, desde a ajuda financei ; Nceira a isencao de; : artigo abordava o imenso ene iar Posto. Mas, além disso ‘eae ‘ario das Teportagens Politicas o | | ido cortados, a metéfora humithante do By, gem 810° foudo de uma companhia transnacional, toe itt ando eu digo “vozes” me refiro ag opinides de Bi vapareciain Da imprensa alternativa © que tambe Pe mm freqtiéncia. Um dos temas mais tratados ¢ a é stig Movimento era o das condlicies cote? de teapognsura des fojros comuns. Quase todas as roportayens indufam re atho dos prasilee que também eram o tema cle Uma segio especi ncias as : Tais trabalhos, bastante inovadores tl chamada acres na época, anali- yam a i . sempr a ; savi’das pessoas envolvidas. Muitas vores cram a8 voaas sais i o ‘ ; S A owvi- Ge na grande imprensa: de prostitutas, favelados, indigenas, aces Esse tipo de texto legitimava as &xperiéncias daqueles diretay : je fetados por aquilo que estava sendo tratado, atsihenee aaa jaras peso igual a0 colocé-las Iado a lado das panes ae etre. jistas, formuladores de politicas ¢ outras autoridades. Também rettatavam grupos sociais eonstitufdos de individuos em si e meen uma massa indiferenciada. Tal abordagem deixava claro que as pes- soas falavam de acordo com suas cireunstdncias. Como elas err: de- terminadas para 08 pobres e indefesos, também 0 eram para ne po- derosos. Eles também eram colocados em suas cireunstancias, de tal forma que suas palavras nao eram apresentadas como uma verdade singular e perene, mas como uma yerdade Particular e interessada, Outro aspecto da inclusao dessas vozes era 0 fato de permitir que osubalterno falasse ao poderoso, embora apenas retoricamente e até mesmo censurado. Num artigo censurado um pai de familia observa- va: “Gostaria de ver o presidente da Republica anhar 0 que ganha- " P & que g mos € conseguir comprar comida ou pagar escola”! Em outro, colo- Bi nos lamentavam ter deixado o Parana pela Amazonia. Atrafdos por falsa publicidade e Promessas nao-cumpridas do governo, e depois abandonados, queriam que fossem prestadas contas.4? O que todas essas vozes buscavam transmitir era tanto desespero quanto determinagao. A desolagdo se confundia com a raiva. Mas nao aPenas os tradicionalmente emudecidos eram representados. Afora os Sem-terra, sem moradia e sem emprego, Movimento entrevistava os Profissionais alternativos e os especialistas alternativos. Suas pagi- nas censuradas traziam os depoimentos de economistas, arquitetos e “ngenheiros que nao falavam pelo governo nem por uma empresa. Ae 5 iam cri- ~sde seu ponto de vista de profissionais bem-informados, faziam “Marlboro aS que rara. eram censy. “143 teas a Politica do governo e a outros aspectos da realidade social. ** paginas do Movimento ficava-se sabendo dos debates que podiam * ‘ nm java a Scorer entre Profissionais instruidos, revelagao que contraria Es i i SA0 Sem da unanimidade tecnocratica que caracterizava a discus: 114 um ACORDO FORCADO cial. Meso a idéia de que podia aver debate ¢ disconys ecialistas nfo cra generalizada, pois a tecnocracin ° p politico, Pambém essas voz, we ™ politica off ia entre es} tamente devia suplantar 0 debate censuradas. . ' Um ailtimo exemplo do arquivo censurado capta muitas das i ntos. Trata-se de um artigo sem dat, a ca v aecalcie de Porto Alegre om folhas de prova do ee oan ord Evidentemente, o jornalista conclutra que © material ni, seria publicado naquele jornal, ou pelo menos nao do jeito comy 4... tratado, e entao o ofereceu ao Movimento, mas foi totalmente cortady, pelos censores da Policia Federal. es } O artigo abordava alguns dos temas essenciais do Movimento cue acima apontamos: incompeténcia oficial, cobiga empresarial, satide py, blica desnecessariamente precéria. O texto comegava: “Cinco crianea, ressuscitaram em Porto Alegre — pelo menos é 0 que se depreende da informacao liberada pela Secretaria de Satide”. Explicava que o ga binete da secretaria do Rio Grande do Sul tinha divulgado 0 6bito de 19 criancas de desidratacao na primeira semana de janciro. Algumas semanas depois a secretaria divulgava apenas 14 desses dbitos em todo o més de janeiro. O artigo prosseguia apresentando dados oficiais comparativos de varias outras cidades e de anos anteriores, mostran, do que os dados eram incompletos. Todos os ntimeros foram analisa- dos criticamente. Em seguida, o artigo discutia a politica de sauide publica ¢ a cam- panha da seeretaria para evitar a desidratacao infantil. Os cartazes da secretaria mostrando criangas gordinhas, contendo consclhos para di. minuir as refeigées de cinco para trés ao dia e beber bastante leite cram “simplesmente cruéis”, considerando as condi¢des econémicas da maio- ria dos brasileiros. Incluindo as vozes dos envolvidos, 0 jornalista en- trevistara uma enfermeira, que queria saber: “Como eu vou dizer isso Para uma pessoa que alimenta seus filhos uma vez por dia, se tanto?” © artigo voltava sua atengao para os lucros auferidos de remédios para desidratagao. Os precos dessas medicagées tendiam a subir enor- pee Tee end verso, Apesar de os custos de produgao aixos. Um dos remédios tinha 10 ingredientes, dos quais inte eram aromas ou corantes. Embora 0 dios, as companhias farma- lista en. izer iss tanto?” médias r enor odugio qual por? yma = _SENSURA PREVA 115 do para Movimento como um ver a v fculo alternati ‘bi mplicasas ekistedal da Policia Federal cortaram sy eae uyeas, reduzindo ainda mais os foros disponiveis parg at’ ados ¢ erieSpartilha de tal informagi ¢ Perspectivas, ""'" * @Presenta- . : . : aviadas muitas andllises ¢ eriticas. ‘Tuudy a Shas, quer fossem AS pessoas em si, come Censuradas. Também for a ‘am, © due provinha de certas pes. dom Helder em O Kstado de 8, NO caso do Mouim, ento, po- deria ser vetado, Qualquer debate sobre certn: Assuntos, inclusive a prépria censura, ou toda consideracdo sobre altematrn” sociais, itieas ¢ eeondmicas, podia ser cortado ou eliminade de, Soro pan co. A censura oxercia enorme impacto sobre a matéria da mee assim como sobre as relagdes cotidianas daqueles que estavant envol- yidos com 0 meio jornalistico, Relacdes cotidianas Nos anos em que durou a censura prévia, meia dizia de publi- cagoes produziram um registro concreto consideravel. Além desse ar. quivo documental, a censura prévia também suscitou uma colegao de relagdes pessoais bem diferente das que caracterizavam a autocensu- ra, muito mais comuns. Os jornalistas interagiam entre si, reforcando as experiéncias uns dos outros e inventando estratégias para enfren- tar a censura prévia ou expressar sua frustracio. As publicagées su- Jeitas @ censura prévia também se relacionavam com seus leitores, procurando alerta-los a respeito das restrigées que sempre eram ne. gadas publicamente pelo regime. Os jornalistas censurados também interagiam com os censores da policia, que viam ou com os quais se co- municavam todo dia. Finalmente, eles confrontavam o regime militar, arquitetando expressdes de raiva ou planejando cuidadosamente de- safios no plano judicial A censura prévia. Nenhuma dessas relagdes era simples. Os membros da imprensa sujeitos a censura prévia apli- caram esforco e imaginagdo as tarefas de achar cabimento nessa pré- tica ilegal e secreta ou até resistir a ela. Relacoes entre os atores da imprensa ra a évi: il vam Os atores da imprensa sujeitos a censura prévia ame aa de uma experiéncia minoritaria. E compreensivel, entéo, qu a Prep cmonne Sf a a aa ee ini a afirmar uma realidad ‘ocas eram cruciais par: le Jagées gree egativas surrealistas do governo e da censura da oe eoepara interpretar os fatos e para validar a experiéncia, jg. ra), i artitbavam a tensfo, a ira 0 a frustragdo decorrentes da sujet ™ Pe basic, cepsura prévia. ; Ree ho), Em mais de um caso, essa partilha da experiéncia subjetiyg evo. Iuin para tornar-se um ritual. Marcos Sa Corréa recorda a “cerimoy: do cha” na Veja: “O que comegou como um hébito, uma prética pay ajudar a manter-nos acordados em tantas madrugadas de espera pj, volta do material censurado, transformou-se na ceriménia do chi, rante tantas semanas, ficavamos acordados de quinta-feira até o ,_ bado. Naquela época podiam ser comprados finos chas importados, Acrescentamos tagas de porcelana, toalhas de mesa de linho, cha in. glés. Era um jeito de ficar acordados, uma brincadeira, um jogo, um r;, tual, um encontro no meio da noite, compartilhando”, Com a ceriménia do cha, os jornalistas da Veja sustentavam-se mutuamente com cafeina e camaradagem, essenciais para suas vigi. lias da madrugada. Mas 0 ritual teve outras conseqiiéncias, como Mar. cos entendeu mais tarde: “Na Veja havia muita participacio, tant assim que eu acho que isso acabaria nos tornando insensiveis ao pro- blema que enfrentavamos. Acho que acabou nos prejudicando. Havia raiva, mas nao a levavamos a sério como deverfamos. Acabou sendo um jogo, uma brincadeira. Por isso, cometemos alguns erros” 4 Na sua ceriménia do cha, os jornalistas da Veja se perderam em detalhes sem ver a cena maior. Nao lhes faltava criatividade, mas ca- nalizaram sua criatividade e energia na elaboragéio da prépria ceri- mOnia como uma coisa separada. Talvez isso tenha reforcado suas amizades, mas tornou-os insensiveis a outras finalidades que pode- Tiam ter buscado, se tivessem refletido, guardando-os até de sua prd- pria raiva, Um ritual diferente, segundo Raimundo Pereira, entao diretor de Opinido, era cumprido no encerramento de cada edig&o semanal na re- dagao do Rio de Janeiro: “Ficévamos juntos o tempo inteiro e, no do- mingo, quando o numero seguinte ja estava Pronto, famos todos tomar café na minha casa, Depois, iamos todos para a praia, todos juntos... na brincadeira que costumavamos fazer na Praia, muitissimo simbé- are fazfamos de conta que empurravamos as yma catarse”“® Emourrar ag ondas, haver para os ¢ sforcos de Opiniao? E u, 4 eee m i i ma ente apropriada de sua situagéo: metafora extraordinaria ania * empenhados num esforco conjunto Politica, mas insistindo em en- __CENSURA PREVA 17 té-la. Pelo menos na recorda fret do que entorpecedor. art ec PCRS og trad sta vex polagoes com os leitores censura tivesse prejudicado a legitimidade do Estado O regime, evi- dentemente, pelas medidas que tomou, procedia de acordo com essa premissa. As vezes 0 conteido de um artigo censurado nao dava qualquer indieagdo de censura. Por exemplo, houve muitos casos parecidos com a cobertura de um encontro secreto na Argentina de guerrilheiros de esquerda “da Argentina, [Brasil,] Chile, Bolivia e Uruguai’. Apenas a meneao a0 Brasil foi censurada (como indicam os colchetes) nesse ar- essdo de que todos os assuntos es- sa, até encontros secretos dos guer- rilheiros.#° Assim, a imprensa aplicava certa criatividade em alertar os leitores para a censura prévia. Tais esforcos alcangavam sucesso apenas limitado, sendo frustrados pela persisténcia tanto do desco- nhecimento dos leitores quanto da intervencao do Estado. cativo de censura prévia. Era um proceso desalentador para o di- retor Oliveiros Ferreira, que acabou se dando conta de quao limita- da podia ser a ligacao do jornal com seus leitores, Primeiro os dirctores tentaram mudar 0 que era para eles a sa- crossanta localizagao dos assuntos cobertos em cada edig&o, passando © noticiério internacional para uma pagina de dentro e pondo as no- ticias locais na primeira pagina, por exemplo. Quando isso nao pro- vocou qualquer Tea¢ao, os diretores tentaram colocar poesia brasileira no lugar da matéria censurada, Obras de Gongalves Dias, Machado de ‘ssis e Manuel Bandeira comecaram a aparecer nas paginas de no- Ueigtio.4” Nao era nada parecido com a matéria habitual do jornal, mas novamente a rea¢ao foi pouca. Ferreira entao inventou e publi- wu na primeira pagina algumas parédias ridiculas de cartas para a Tedac&o sobre, por exemplo, a jardinagem em Sao Paulo. As cartas um AcoRDO FORCADO Some 118 ‘i i . ho nto.48 Da mesma forma, receitas de pratos intragaveis Provocay reapoates de cozinheiros insatisfeitos, mas ninguém parecey Perec s Chey intengao era outra. : . We A tatica final foi escolher um texto © sistematicamente pup, ar foram rospondidas com sineeridade por leitores interessadog ram mesmo sempre que 0 jornal quisesse indicar eae ee esis foi.o poema épico classico do poeta do século more Vaz de Cambes, Os Lusfadas. Cantos do poema apareciam resyit” mente por toda parte no jornal, na pagina do noticidrio intemnaciyat ou no lugar de um editorial, as vezes com a nota entre parent. “(continua)”. Outras vezes aparecia uma manchete comum de not, mas 0 texto era substitufdo por uma poesia, como “Conflito na ts versidade Mackenzie” em cima de versos no Canto Nono ..as fermosas Ninfas cos seus amados navegantes, Os ornam de capelas deleitosas De louro e de ouro ¢ flores abundantes... Se prometem eterna companhia, Em vida e morte, de honra e alegria...4° A cobertura das reunides da SIP sempre era fortemente censu. tada, inclusive os discursos do dono do jornal, Julio de Mesquita, que também era presidente da SIP. A edicao de 5 de abril de 1974 traria uma fotografia sem legendas de Mesquita, facilimo de reconhecer, com “Canto Nono” em caixa alta em vez de manchete. © texto inteiro do artigo censurado foi substituido por versos: Porque dos feitos grandes, de ousadia Forte e famosa, o mundo esta guardando © prémio ld no fim, bem merecido, Com fama grande ¢ nome alto e subido..., «Melhor 6 merecé-los sem og ter, Que possui-los sem os merecer.50 de usar og a ; mesmos recursos (O Sao 2 © pai-nosso; Opinj-, . a Wantersal dos Direitos do Hoe, CP"ia0, de imprimir a Declaragao Yeings Ferreira afirmoy eee das Nagies Unidas). O diretor Oli- - Paulo de usar Se 0 regime tivesse proihid _ rn Camées, 9 jornal teria nen ap oibido O Estado de ‘ado outra coisa e con- Semeeeseeaes USENSURAEVA 445 goa tentar. Sem drivida, isso 6 verdado, considerando a isc uinuatral, Mas também 6 vordnde que o rogime nao protic ooo do ne concedendo ao Hstaddo uma facilidade que nao dex a peed Gam poesia de Cambes parece ter sido amplamente reconhecid; um subterfuigio para apontar a censura, No Congreseo, refers aramt enteniidas como refertneiss & censura (en, ; come Camo gai, elas também censuradns). Todo mundo agora esta ose Sr (anim's historia elassica da censura naquele perfodo, Tornau.. tio fa, BS hts que agora ¢ dificil ficar sabendo com que facilidade o te Me foi reconhecido pelo leitor comum de O Estado de 8. Paris ois ue Cxiste um indicio isolado a esse respeite > aoe ni Qs leitores de Opinido ou Movimento, por outro lado, talvez es- tivessem mais capacitados a suspeitar ou ouvir dizer que havia con sura prévia nessas publicagdes. Vani Moreira Kenski fez um inte. ressante estudo dos leitores de Opinido intitulado “O fascinio ae Qpiniao”. Tla conta que os ntimeros passavam de mao em mao, que as pessoas tinham medo de fazer assinatura pois nao queriam seus nomes em listas que poderiam cair nas maos da policia e que os lei. tores tinham cuidado em comprar exemplares om bancas diferentes ara nao ser reconhecidos. Alguns leitores lembram-se do sentimen. fis eng, to de engajamento ¢ identificacdo indiretos com uma oposicao ativa cute, Que simplesmente por ler a publicagao. Alguns lembraram de que se 74 sentiam audaciosos quando, por exemplo, liam Opinido em publico, Peer como no dnibus ou na barca. A histéria do Movimento também inclui casos semelhantes, o que leva a crer que a leitura e assinatura da publicacio eram ates com. Versos. plicados. Um funcion4rio foi arranjar assinaturas no instituto de pes- quisas econdmicas do governo, Ipea. Cinglienta pessoas desejavam as- sinar, mas apenas uma queria que seu nome constasse na lista de assinantes. Entao, durante anos, 50 assinaturas foram entregues para esse nico assinante, que depois distribuia os exemplares entre seus colegas.°8 Tais eram as pessoas que, nesse ambiente, provavelmente estariam alertas para sinais de censura prévia ou outras restrigdes. Elas presumiriam que havia muita coisa oculta por baixo do que apa- ase recia em cada numero. opria Essa predisposigao por parte dos leitores talvez desse margem as cias. Publicagdes alternativas para indicar quando acontecia censura pré- Sio via. Por sua vez, Opinido e Movimento também enfrentavam restri- spd Ses mais rigidas do regime em suas tentativas de fazé-lo. Ademais, ali: representantes de ambas as publicagdes deram seu depoimento no de Sentido de que o sentimento de solidariedade nao bastava para fazer 9S leitores comprarem uma edicdo mutilada. 120 uM AcoRDO FORGADO 8 Movimento ee a Siente da relagio de afets, de “fascinio” que muitos leitores tinham por essas publicagses, Mag também era evi- gente que isso nao bastava para leva-los adquirir com regularidade publicagdes tao desfalcadas de seu contetido Pelos censores. Para ga rantir as vendas, era preciso oferecer contetido real Como observou Argemiro Ferreira: “Ninguém vai Comprar um jornal esquelético. Nao 6 bom para ninguém que as pessoas sintam pena de vocé, pois nin- guém vai comprar semana apés semana s6 de pena de voce” Raimun- do Pereira, diretor do Movimento, afirmou, nos mesmos termos: Ges, contudo, era fazer Opo- vez de se o S ar em exerc{- Decide umundo Pereira, diretor de o mitow dolcar uma’ masse pe intengao da publi- 980, fazer um bom am suas vendas, © pessoal de Opiniao ¢ Na tentativa de alertar o: let usava algumas das estratégi: terial censurado, no comeco mecou a pér salmos e outras antincios proprios. Mas, rimentado, cada ui to s leitores & censura prévia, O Sdo Paulo as de outras publicagdes. No lugar do ma- deixava 0 espacgo em branco, depois co- Passagens da Biblia ou o pai-nosso, ou tal como as outras publicages tinham expe- ma dessas praticas foi proibida. O jornal entao ado- uuma abordagem mais direta. t O Boletim Ciec, um boletim mimeografado da Igreja Catélica, era Produzido pelo O Sao Paulo e vinha encartado em cada exemplar do Jornal. Como se tratava de um material mimeografado interno, as ae toridades nao Prestavam atengéo a ele. E foi nele que O Sao Paulo I Pee m im- Punha o material censurado. Primeiro, os artigos censurados era Hes “ihvaconnorroncAbe Ae totalidade, com uma explicacao de que ressas de nya aparecer om O Sao Paulo. Mais tarde, omen sido piordemais para ser reproduzido, 0 Boletim Ciee simplesm, material i ido resumo dos artigos censurados naquela Semana Janie ta quo of leitores de O Sao Paulo nao lessem nenhune a * is 0 ae diz respeito A censura cles provavelmente eneane Jornal re os leitores mais bem informados de qualquer jorna, do pat, De fato, os arquivos de O So Paulo contém cartas A redagio pec Gpies dos artigos eensurados. Numa pesquisa com leitores, gr; %® que responderam queixaram-se da falta de acesso 20 material cena rado (além de pedirem uma linguagem mais acessivel, pois nao «.. riam ficar excluidos).5? Hoh Estar sujeito & censura prévia era uma experiéncia perturbado,, Grande esforgo era aplicado s6 om transmitir 0 fato da censura ¢ tomar conhecimento da experiéncia. Desde a ceriménia do cha de Veja até a luta contra as ondas de Opinido, os atores da imprensa tinham de desenvolver maneiras de expressar suas experiencias e transmiti. las uns aos outros. Ao tentar alcangar os leitores, podiam ser alta mente criativos embora nem sempre bem-sucedidos. Mas pareciam nunca desistir. Cada nova proibicao do regime suscitava uma nova ts. tica da imprensa. Essas novas taticas terao absorvido excessiva cnr. gia e nao terao sido muito eficientes, mas apontam para o compro. misso desses atores da imprensa em perseverar na luta contra a censura prévia, ao contrario do comportamento daqueles que estavam sujeitos A autocensura (ver capitulo 7). pressos de no dog Relagoes da imprensa com os censores As interagdes diretas com os censores da Policia Federal pode- riam ser cruciais quando uma matéria estava sendo considerada para proibigdo. As decisées de alguns censores eram discriciondrias, até ar- bitrarias, e nesses casos as relagdes pessoais podiam fazer diferenca, assim como truques para esquivar-se do censor, cans4-lo ou engana-lo. Como os agentes ébyios ¢ imediatos da censura, 0s censores em si tor- naram-se alvos de muitos desses esforgos. is ie eae Ms um Pecan despropositadamente estrei- dela em foros Babee in licamente negada eo debate a respeito uum modo de abner ie a anto, era impraticavel, por conseguinte, tramitagées judicns a angar mao de relagdes pessoais em vez de S ou burocraticas, Taig ataques representavam es- CENSURA PREVIA 123 sr. Ri stip de TaPOragem. observous “Dara care Kota, chee da de S. Paulo, nfo havia autocensura, Vocé escrevia 0 ti abel in parm yeed es OA BSA aolsecfon tasdig dele Gore trabalho do censor”.®" Carlos Alberto Sardeniny repGrter e-redator di noticias, concordou: “Em O Estado de §. Paulo, a redagao e rea dovfeita devidamente, como se fosse co Tee inte duvidava disso. Vocé sabia que sen, Cees Myrocess0 inteiro”. O diretor Oliveiros Geviamos a noticia, toda ela. Cortar i ) Padrao do jornalismo, col lide (nariz-de-cera) 14 pelo décimo paragrafy” © Seria aati eee rece no arquivo censurado em seguida a frases chamativas como “em outras noticias da Igreja” ou “em outras noticias da policia”. Sua pre- senga no arquivo de material censurado, porém, revela que Kotscho seus colegas nem sempre venciam com essa taticn Alem das estratégias aplicadas a propria redacao, havia também os constantes esforgos de negociacao a respeito de determinados temas ou artigos. As negociacées ocorriam em muitos niveis, desde o reporter que lidava com o censor de plantao até o diretor que travava discussdes com autoridades policiais. Os atores da imprensa usavam tudo 0 que podiam (contatos pessoais, argumentos quanto a falta de tempo e extensio dos cortes) para tentar aliviar a censura. Parece que uma dificuldade que todos enfrentavam era a subjacente relutancia do censor em agir com in- dependéncia mesmo em questées desimportantes e a tendéncia a trans- ferir a responsabilidade aos poderes superiores centralizados. No nivel inferior de negociagées ficava 0 jornalista mais graduado eo censor de plantao na redagao do jornal. Kotscho lembra-se de mui- tas horas tarde da noite passadas com o censor: Estdvamos sempre tentando negociar com o censor na redagao de O Estado de S. Paulo. Quanto mais tarde, tanto melhores nossas chances. Haveria cinco ou seis de nés do jornal tentando ganhar tempo. Pelas trés da madrugada o censor estaria tao exausto que a gente tinha uma see. ce melhor de fazer passar alguma coisa. Conseguiamos bem mais dessa maneira. Ou se podia dizer para censor; “Olha, cortamos uma anes inteira. Nao podemos publicar uma pégina inteira de Cam@es’, ¢ @ posta seria “Espere, vou telefonar para Brasilia”. 124 um AcoRDO FoRCADO inteira de Camées? O regim: 2 Por que ee fe etas esquisito, 0 ae “oe, ura de imprensa afetaria su legitimidade, essa e Jornal devia explorar. Transferencia pa ‘a una raat es sua acontecia quando 0 diretor Ferreira ridade® Policia Federal em Sao Paulo a respeito de determinady yn Hama, As veres ole também ouvia a resposta, “espera, vou falar «o) Brunia’, o que Ferreira interpretava como 0 reeeio do subordinag” inedo de represdlias se eles usassom seu préprio discernimenty ,” aimorimento das normas nfo muito claras sobre censura, Nout, vezes a resposta seria; “Ta bem, por causa das relagies pessoais, yoo: esta autorizado”.©4 , i De vez em quando as relagdes pessoais entre os membros da elit, 1A facilitavam as restrigdes a O Estado de S. Paulo. Mas também, om o.,_ tras ocasides, eles devem ter reduzido a margem de acao do jornal. g fato de nao querer prejudicar relagdes pessoais que por vezes cram proveitosas podia eliminar certas estratégias da faixa de agao de 0 E,. | tado de S. Paulo. Evidentemente, havia uma ténue linha diviséria } uma ambigiiidade crucial que decorria do histérico prestigio do jornal de seu lugar na elite, apesar de sua posigao temporariamente oposi. cionista. Opinido e Movimento também tentavam liberar material censu- rado sabotando indiretamente os censores ou negociando diretamente com eles. Devido a distancia de Brasilia (onde era feita a censura pré- via dessas duas publicagdes), bem como a sua relativa falta de amigos em postos de poder, suas oportunidades de negociagao cram limita- das, mas existiam. Ao contrario das publicagdes sujeitas A autocen- sura, eles nunca deixaram de inventar métodos para sabotai fe a fe caso de O Estado de S. Paulo, a meta era eae iberasio de determinado artigo, e ndo a derrota d si. Essas publicagdes alternativas també mene an . diam tentar ti - tagem do espago criado pela busca de le; tim Sees de sent P gitimidade poi i me e conseqiiente deseji i Peigeaes cu Tet Beate ds aon ele i ay ae a censura. Como Pereira, fer of eae snes a eas ‘ovimento nunca negociou, nunca mais suave. A abertura era o desi i Fare eee eet ejo de legitimidade por parte do go- verno. Aproveitavamos j 4 vamos isso, Nunc iam ‘s . ca nego m. ‘ gio, eles fizessem 9 que ena Ose amos. amos fazer a publi- querer evitar 0 Revelar a cen! Mal Cons, Tetamenie Msura prg. de amigns 4M limita. 1 autocen. tar a cen- sempre a prévia em rar van- » do regi- | Pereits, g, nunc a previe CENSURA PREVIA 125 imondo Pereira sait para fundar Movimento, lembra-se de haver aim’ tado artigos com tanta freqiéncia que as vezes vinha uma reser! i apretyg censor com um rabisco na margem, “Olha, nao manda este de tratava apenas de uma ma- nota dt fas ele considerava que isso niio s¢ pave’ para fazer passat o material mas também de uma expressao de nob agao, uma recusa a cooperar. Pelo menos, disse Ferreira dando ge ombros: “Podiamos obrigé-los a ler a matéria de novo" & outra pratica semelhante na mesma linha era a de fazer ligei- qiteracdes graficas no material depois que cle passara pela eon- ree fam um cago, uma fotografia aprovada de um politico da opo- sulfp era rasgada pelo meio antes de ser reproduzida na capa. Um fico aprovado em um tamanho era ampliado. Ferreira também se Giybra de ter pingado tinta vermelha em cima do desenho aprovado je ama pomba, Estava obedecendo a letra da “lei” do censor, publi- cando apenas 0 que tinha sido aprovado, ao mesmo tempo que sa- fotava o controle do censor. Outra estratégia habitual em Opinio se destinava nao A libera- ao de um artigo especifico mas do material referente a uma edig&o in- teira. Com a metade ou mais de seu material censurado cada semana, 2 publicagdo tinha sérios problemas s6 para encher suas paginas. Em vez de reduzir 0 numero das paginas e aparecer fininho e fraco nas bancas, o pessoal apresentava material extra estrangeiro para os cen- sores, o qual era menos passivel de ser cortado e assim ajudava Opi- nido a oferecer 0 mesmo volume em semanas que de outra forma pa- receriam meio fracas.°° ‘Ao contrdrio do que acontecia com a autocensura, as oportunida- des de negociagao eram poucas mas existiam de fato. Alguns dos jor- nalistas respons4veis pelo recebimento do material na Policia Federal em Brasilia lembram-se das negociagdes a respeito de certos artigos, especialmente quando tao pouco era deixado que teria sido dificil mon- tar uma edicdo naquela semana. Jaime Sautchuk recorda-se de um censor ter concordado em dar uma segunda olhada “sé porque eu es- tava com uma cara tao triste”. Devido a tais experiéncias ele concluiu que o regime n&o queria fechar as publicagées alternativas censura- das, mas queria manté-las sob estrito controle.°° _. Os esforgos para enganar os censores pelo cansago parecem ter sido a tatica elementar mais facilmente disponivel As publicagées su- Jeitas 4 censura prévia, mas era uma jogada que podia ser usada por ambos os lados. Os censores da Policia Federal podiam recusar-se a li- ‘Tar 0 material até o ultimo momento, obrigando o pessoal das pu- licagdes, censuradas a trabalhar até de madrugada para cumprir os Prazos, Marcos S4 Corréa se lembra de ficar acordado todos os fins de se- uu ACORDO FORCADO 126 ipe da revista © sey anos, enquanto a equipe d conto eens Ee io ‘Sa Corréa também acredita que 0s jornalistas da ve tavamnerdendo de vista seus leitoros © cada vez mais gag’ {i e, avi ‘i itoidistora an Teen, a enganar 0 censor, 0 que produzia um efeito distorcidg. do par: Talves de certo modo estivéssemos excrevendo para 6 censor, do vood escreve para burlar 0 censor, 0 que sobra 6 incompreensive| . ra Initor. Nosso relacionamento era com o censor, ele se tornou o fon? ota, iludi-l, desafléto, Nao estévamos mais excrevendo para oleitgy °." podiamos ver o leitor. Foi_um erro fazer isso, disfargar coisas com metéforas ou to coisas, E dbvio, se a gente conseguisse eserever de maneira que p; pelo censor, entao 90% dos leitores nao iam entender, nio pod tender. No entanto, ficdvamos tao orgulhosos, fosse qual fosse tado, esquecendo aqueles 90%, esquecendo os resultados de no: tratégias.”° Cer ag ARSass6 fam en, © Tesul, 882s es. Outros jornalistas da época recordam outra abordagem nas papi nas da Veja que corresponde as observagées de Marcos, e que consis tia em publicar caluinias ou repetir acusagdes contra certos individuos (por exemplo, dom Helder) de forma que se falasse deles de uma m.. neira ou de outra. Contudo, cabia ao leitor distinguir entre a calinia estratégica e a noticia pretendida, o tiro podia sair pela culatra © préprio Marcos descobriu como tais enganos podiam sair pela culatra quando ele teve de escrever um retrospecto da década de 1970 Para uma edigao especial de Veja, o que implicou meses de pesquisa ¢ a elaboragdo de dezenas de artigos. Ble iniciou a pesquisa por nme. ros antigos de Veja, pois tinha sido por essa publicacao que ele tinha experimentado a década. Descobriu, no entanto, que nao podia re- constituir 0 periodo partindo desses ntimeros antigos, e se sentiu pro- fundamente mortificado com essa constatacio: iyo, aii um choque, Achava que nosso trabalho tinha sido tao significa. tivo, mas nao podia reconstituir a década a partir da revista, So havis »

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