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História do Direito

(2ª avaliação)

(57) Semiótica jurídica grega e romana: os deuses, a balança, a espada e a venda.


Perspetivas. Os símbolos e as palavras.
O símbolo, anterior á palavra, constitui um auxílio para o homem na expressão dinâmica
do seu pensamento. Trata-se da linguagem acessível do difícil, ou até, do
incompreensível. A Justiça e o Direito estão associados a muita simbologia:

DEUSES, BALANÇA, ESPADA E VENDA


Grécia Antiga Roma
(1) Numa fase inicial, surgia Zeus (deus que tudo vê), a (1) Inicialmente, é Júpiter (equivalente a Zeus) o
segurar uma balança cujos pratos estavam equilibrados. símbolo da Justiça, segurando uma balança com fiel a
Era ele a representação da justiça, que a ditava/impunha. direito. O fiel representava o terceiro imparcial, o pretor
(2) Mais tarde, surge Thémis que proclamando a justiça, que constituía o juiz isento/imparcial.
mais não era que uma figura intermediária que apenas (2) Seguidamente, surge Dione (equivalente a Thémis)
ditava aquilo que Zeus considerava justo. que segurando a mesma balança, se limitava a
(3) Por fim, já numa fase mais amadurecida da justiça reproduzir o que Júpiter concebia com justo, já que o
grega, surge Diké (filha de Zeus e Thémis) como mesmo constituía a personificação máxima da justiça.
administradora da justiça. Além de, na mão esquerda, (3) Numa última fase, surge Iustitia (filha de Júpiter e
segurar uma balança; na mão direita segurava uma Dione). Segurando com ambas as mãos a balança com
espada (símbolo da eficácia e força do direito); e olhava fiel, apenas declara a justiça – não a ordena nem impõe.
para o céu, em busca de inspiração divina (forte ligação Considerava que a punição era secundária, decorria
entre juridicidade grega e religião/divindade). naturalmente da administração da justiça (não
segurando a espada por conseguinte).

Ora apesar da existência clara de semelhanças entre a justiça grega e romana, é possível
igualmente notar a existência de particularidades características de cada comunidade:
- Em primeiro lugar, relativamente à balança, é possível destacar na balança
romana o fiel, que representa o pretor, o terceiro imparcial;
- No caso da espada, esta é um elemento característico da justiça grega. Para esta
comunidade, a aplicação da sanção era essencial para a realização do direito; ao
contrário do que consideravam os romanos, que definiam como mais fundamental
o processo – a punição seria uma consequência natural de “dizer o direito” ius
dicere.
- Relativamente á venda, apenas surge no Direito Romano. Enquanto que a deusa
grega (Diké), era representada a olhar para o céu, Iustitia surgia com os olhos
vendados. Considerava-se que a deusa da Justiça, “tinha de ouvir, mais do que
ver”, simbolizando a venda o julgamento imparcial. A introdução deste elemento
remete para o corte epistemológico que tem lugar em Roma nesta época – aponta
para a autonomização do Direito enquanto ciência.

Reflexo desta simbologia na terminologia, nas palavras


As palavras, os termos que designam justiça quer na Grécia, quer em Roma, muito se
relacionam com a representação simbólica. Assim:
Direto Grego:
- Thémistes (a justiça é ordenada por Thémis)

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- Dikaion (a justiça é declarada por Diké)
- Íson (Isonomia – há justiça quando a balança tem o mesmo nível)
Direito Romano:
- Joues (aquilo que é justo segundo Júpiter)
- Ius (o Direito declarado pela deusa Iustitia)
- Derectum (Balança segurada pela deusa que tem fiel e esse fiel tem de estar
direito para haver justiça)

(58) Início do estudo do pensamento jurídico medieval. Desmistificação de alguns


preconceitos legados pela Modernidade. A tentação da rotulagem e do
cronocentrismo.
A Idade Média inicia-se após a queda do Império Romano do Ocidente (476 d.C.), e
termina no séc. XV com a queda do Império Bizantino (Tomada de Constantinopla). Ora,
comummente, este período é associado a uma ideia extremamente negativa.
Consideramos/designamos este período como “negro”, “obscuro”, marcado por males
constantes (fome, peste, violência,…). Este foi o retrato desenhado pelos iluministas da
Idade Moderna, que procuraram realçar/evidenciar as suas mentes racionais
estabelecendo a oposição com esta época medieval, que caracterizaram como “mundo das
trevas”. Sendo a Idade Média um período de 1000 anos, dificilmente seria tão simplista e
generalista, é antes uma época marcada por oscilações, pela pluralidade. Por conseguinte,
esta ideia negativa sobre este período trata-se de um rótulo colocado pelos modernos que
caíram na tentação do cronocentrismo (classificação/julgamento de uma dada época, no
caso, a Idade Média, tendo como critério, como plano de fundo, as circunstâncias, as
perspetivas do tempo presente).

(59) Pluralismo jurídico-político que sucedeu à queda do Império romano do


Ocidente: os senhores feudais e os contratos de vassalagem. O regresso do
sincretismo normativo.
Ora a decadência do Direito Romano começa bem antes da queda do Império do Ocidente.
É no contexto de instabilidade que, de forma a estabilizar a situação vigente, se assiste ao
endurecimento da lei, (dura lex sed lex – “lei dura porém lei”), e á rigidez na sua
aplicação. Apesar deste esforço, e de outros fatores que, numa primeira fase, asseguraram
a manutenção do Império (o grande desenvolvimento das vias de comunicação; a
organização social e política), a decadência torna-se inevitável:

- A unidade política romana é substituída pelo pluralismo; surge uma nova


organização político-social – o feudalismo (perante o medo, a insegurança e precaridade
que imperava nos primeiros séculos da Idade Média, as populações mais frágeis
prestavam serviços e fidelidade aos mais fortes em troca de proteção. Esta relação entre
“servos” e os designados “senhores feudais” constituía um contrato de vassalagem.). Este
regime reflete de forma clara a falta de unidade e a descentralização do poder político.

- Em termos jurídicos, estes foram tempos marcados igualmente pelo pluralismo


normativo. Era aos senhores feudais, dentro do seu “feudo”, que cabia a tarefa de
administrar a justiça de acordo com a sua consciência e mediante os seus valores. É neste
contexto que tem lugar o regresso do sincretismo normativo.

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(60) A Igreja como herdeira do legado político e cultural romano. A substituição
medieval de uma cultura profana por uma cultura clerical.
Neste contexto de decadência, de fragmentação, a única instituição que após a
queda do Império Romano mantém a unidade é a Igreja Católica. Dotada de uma
fortíssima organização política, social e económica, constitui a herdeira do legado político
e cultural romano. É no contexto do caos e da instabilidade, que a Igreja vem a
desempenhar um papel fundamental no que concerne á preservação da cultura, através
dos designados monges copistas e das escolas que vão surgindo em redor dos mosteiros
(escolástica).
É nestes termos que a cultura grega – profana, laica – sendo esquecida, é
substituída por uma cultura clerical, centrada nos textos das Escrituras e interessada em
estudar o pensamento dos padres (patrística).

(61) S. Agostinho como pensador de transição, responsável pelas primeiras


grandes sínteses filosóficas entre o pensamento grego e o pensamento cristão. A
influência platónica e a clivagem entre o domínio espiritual e o temporal
Ora este período de transição é marcado pelo desprezo por tudo aquilo que se
assume como temporário, pela realidade corpórea, pelo mundo sensível, considerado
imperfeito e injusto. Desta forma, considerava-se que o mesmo, por todos os motivos, só
poderia levar a um conhecimento igualmente imperfeito; contrariamente á realidade
divina, que por ser perfeita, transcendente permitiria o verdadeiro conhecimento. A razão
(o logos grego) é substituída pela palavra de Deus, conjugando-se a influência platónica,
que serve esta cultura clerical, com o estoicismo: a realidade tende para uma realidade
divina e há a resignação á realidade humana que é superada. Ambos estes aspetos estão
presentes no pensamento de Santo Agostinho.

(62) Doutrina geral da lei em S. Agostinho: lei eterna, lei natural e lei humana. O
desenvolvimento de um jusnaturalismo teocêntrico.
É a S. Agostinho que são devidas as primeiras grandes sínteses filosóficas entre o
pensamento grego e cristão, que marcam este período de transição, nomeadamente,
através da inserção [no pensamento cristão] da teoria das ideias platónicas. O
dualismo/oposição estabelecido entre o corpo (enquanto erro, mal) e alma (enquanto
ímpeto da divindade), marca o pensamento de S. Agostinho e reflete o seu platonismo.
Sendo o responsável pelo desenvolvimento da primeira doutrina geral da lei, o bispo de
Hipona distinguiu 3 tipos de leis:

Lei Eterna Lei Natural Leis Humanas


Sendo fruto da vontade Trata-se da projeção da lei Não se tratam de uma
divina, identifica-se com a eterna na consciência do verdadeira criação do legislador
vontade de Deus; é a lei Homem (surge como uma lei mas antes uma reflexão da lei
universal, imutável. É ética natural); é a única natural que, por seu turno,
projeta a lei eterna de Deus (o
acessível ao Homem apenas forma do ser racional
verdadeiro legislador). S.
por meio da lei natural. participar na lei eterna de Agostinho considera as mesmas
Deus. “um mal necessário” – mesmo
que sejam injustas, é necessário
prestar-lhes obediência de forma
a preservar a paz e a harmonia.

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Desenvolve-se com S. Agostinho um jusnaturalismo teocêntrico: Deus está no centro
de todas as coisas; a justiça provém da vontade divina. Deus é um ser de vontade.
(63) Voluntarismo ético-cristão de S. Agostinho e excessiva transcendentalização
da justiça a que conduz [Denota-se no pensamento agostiniano o voluntarismo ético-
cristão e uma excessiva trancendentalização da justiça. As leis humanas surgem
vinculadas à lei eterna – o princípio da justiça reside na vontade de Deus (justo é o que
Deus quer e apenas porque Deus quer).]

(64) As alegóricas cidade de Deus e cidade do demónio: sujeitos da história


universal que se intersetam com as concretas comunidades política e religiosa.
S. Agostinho concebeu a história da humanidade num contexto de antagonismo ou
dualismo místico entre duas cidades alegóricas: a cidade de Deus e a cidade do Diabo.
CIDADE DE DEUS CIDADE DO DIABO
Civitas Dei Civitas Diaboli
Representa a comunidade de Deus, a Representa a sociedade política; é
Igreja; é constituída por todos os Homens constituída pelos homens corruptos, maus,
bons, justos e isentos. impuros, que procuram apenas a
satisfação dos interesses.
Por existirem homens impuros na Igreja, da mesma forma que existiam na cidade terrena,
o verdadeiro antagonismo que opunha as duas cidades, a verdadeira discriminação entre
bons e maus, apenas era realizada no dia do julgamento final.
(65) S. Agostinho e o dogma do pecado original. Pessimismo antropológico
acentuado. [O designado pessimismo antropológico marca o pensamento de S.
Agostinho – o mesmo considerava que a natureza humana era intrinsecamente má,
originariamente perversa, corrupta, “manchada” pelo pecado original. A única forma do
Homem ser levado para o bom caminho do batismo, da graça divina e da oração. Isto
reflete a subordinação do poder temporal ao poder espiritual.]

(66) A teoria da guerra justa em S. Agostinho e a defesa de um pluralismo político


internacional.
A “teoria da guerra justa” corresponde a um modelo de pensamento e a um
conjunto de regras de conduta que define em que condições a guerra é uma ação
moralmente aceitável. Segundo esta teoria, e tal como concebe S. Agostinho, é legítimo
aos olhos de Deus o recurso à guerra, apenas quando tal é necessário para repor a ordem,
o próprio direito e a paz. De forma a complementar esta teoria, definiam-se critérios como
o critério da autoridade adequada, que definia que a guerra deveria estar sob o controlo
de um líder, de uma autoridade; o critério da causa adequada (através do qual se excluíam
razões consideradas ilegítimas) e o critério da proporcionalidade que estabelecia que, num
contexto de guerra, os danos causados pela resposta a uma agressão, não poderiam ser
superiores aos danos causados pela mesma.
S. Agostinho foi igualmente adepto do pluralismo político e não da ideia de
império em que aos olhos do mesmo, os grandes controlam os pequenos. Fazia a apologia
da organização em comunidades que viviam em mútua harmonia – para qualquer
desentendimento/deserdem recorria-se á guerra.

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(67) O início da Idade Média e a Filosofia Escolástica. Denominador comum ao
pensamento escolástico: a matriz religiosa.
Após a morte de S. Agostinho, dá-se a Queda do Império Romano do Ocidente.
O período que se segue fica marcado pela instabilidade, fragmentação, precaridade. Em
termos culturais, no contexto da degradação e decadência, a Igreja revelou-se a única
instituição com capacidade para preservar a cultura, sobretudo através das escolas que
foram surgindo em torno dos mosteiros: nasce a filosofia escolástica.
Os 3 períodos em que se divide a Escolástica têm um denominador comum: a
matriz religiosa (/inspiração religiosa):
1.º Período [Séc. IX – de 800 (coroação de Carlos Magno) até ao final do séc. XII
– domina o pensamento de Platão através da filosofia agostiniana (o idealismo)];
2.º Período [Séc. XIII – Aristóteles pela mão de S. Tomás de Aquino, com o
realismo gnosiológico (a essência do conhecimento alcança-se através da
realidade sensível, está nas próprias coisas)];
3.º Período [Séc. XIV – Decadência da Escolástica que se começa a desagregar;
aproxima-se a época do Renascimento].
(68) S. Isidoro de Sevilha como pensador medieval de transição. Recuperação do
pensamento jurídico romano clássico: enriquecimento da noção romanística de
direito natural. Cariz pragmático dos seus estudos jurídico-políticos: a construção
de um edifício de liberdades e garantias civis e públicas no contexto de uma
monarquia visigótica.
Dos 3 pensadores medievais de transição (Boécio, Cassiodoro e S. Isidoro de
Sevilha), que procuraram assegurar a manutenção da ligação entre a antiga Roma e o
mundo medieval, S. Isidoro de Sevilha destacou-se através de obras fundamentais como
Sentenças e Etimologias. O mesmo desenvolveu um rigoroso trabalho no âmbito da
recuperação do pensamento jurídico romano clássico, analisando os textos do Digesto e
debruçando-se sobre fontes clássicas.
S. Isidoro protagoniza um enriquecimento da noção romanística de Direito
Natural. Neste ponto, o mesmo inspirou-se nos textos de Gaio e Ulpiano – o primeiro
considerava apenas a existência de Direito Positivo (o ius civile e o ius gentium); o
segundo aceitava a existência dessa instância de Direito a par de outra que o
fundamentava. Ora Santo Isidoro vai dar uma visão mais prática e a realista à noção de
Direito Natural, era necessário dar-lhe conteúdo – nesse sentido acrescenta um conjunto
de direitos aos já estabelecidos por Ulpiano (direito de matrimónio, direito de procriar,
direito de educar filhos) que vêm enriquecer e densificar a já existente noção de Direito
Natural: a liberdade; a propriedade comum de todas as coisas; a apropriação de todas as
coisas; direito de reagir contra injustiças, repelindo a violência com violência e o direito
à restituição de coisas prestadas ou depositadas.

(69) S. Isidoro como pai das medievais e modernas liberdades ibéricas: formas
condicionadas de governo.
Ora no contexto de uma monarquia visigótica, S. Isidoro de Sevilha, com o
enriquecimento da noção de direito natural, acaba por promover a edificação de um
conjunto de liberdades e garantias civis públicas que levam a que o mesmo venha ser
lembrado como o “pai das medievais e modernas liberdades ibéricas”.

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O conjunto de princípios que vêm a ser empreendidos marcam a visão da monarquia da
Península Ibérica – na qual a forma de governo, passa a ser condicionada pelas Cortes,
que se manifestam e controlam o exercício de poder (monarquia fiscalizada).

(70) As Etimologias: o bispo de Sevilha como antecessor remoto de correntes


nominalistas. [Tal como já anteriormente adiantei, S. Isidoro imprimiu um cunho mais
pragmático ao seu estudo de direito romano, considerando que a realidade deveria ser
estudada de acordo com os nomes que a designavam (Etimologia). Atribuindo grande
importância às palavras e à linguagem, o bispo de Sevilha é considerado o antecessor
remoto das correntes nominalistas.]
(71) S. Isidoro e as bases da contratualidade do poder: o justo título e o reto
exercício de funções governativas. Admissão do tiranicídio. A participação nos
Concílios de Toledo.
S. Isidoro recuperou a velha máxima de Horácio (séc. I a.C.) de que a legitimidade
do exercício do poder dependia não apenas do justo título (legitimidade formal), como
também das condições materiais necessárias para governar. Quer isto dizer que, definindo
as bases da contratualidade do poder, S. Isidoro considerou que a legitimidade do
exercício do mesmo seria dada pelo justo título e pelo reto exercício das funções
governativas.
• Legitimidade de título (um governante tem legitimidade para governar porque
herdou o trono, sucedendo a seu pai e cumprindo todas as regras constitucionais)
• Legitimidade de exercício (se um governante não for justo e piedoso, mas antes
tirano, pode ser deposto ou até mesmo assassinado – admissão do tiranicídio)
Estas preocupações advêm da participação de S. Isidoro nos Concílios de Toledo:
grandes assembleias convocadas pelo monarca com características religiosas, onde eram
tratadas importantes questões políticas. S. Isidoro, enquanto bispo de Sevilha, presidiu ao
IV e V Concílios de Toledo.
Ora S. Isidoro empreendeu desta forma, um modelo de proteção dos indivíduos
face aos governantes, que marcou a nossa monarquia. Gerou-se um conjunto de normas
fundamentais que, regendo as relações dos súbditos com os governantes, eram baseadas
no costume e implementadas na consciência das populações.

(72) As escolas jurídicas laicas do séc. XII italiano: o studium civile de Bolonha e o
estudo do Digesto.
Apesar de algum interesse demonstrado pelas matérias jurídicas romanas nos sécs.
X e XI, só no prolongar do século XII é que a obra jurídica justinianeia foi reconstituída
na sua totalidade. O Direito Romano penetra no panorama jurídico ocidental entre o séc.
XI e XIV, sendo neste período que se dá o renascimento do realismo clássico, ao ser
descoberta uma parte do Digesto – descoberta essa que leva à criação de muitas
Universidades. Nos séculos XI e XII, dá-se a criação do Studium Civile em Bolonha, a
partir do qual se desenvolve a primeira universidade europeia que vai estudar o Direito
Romano a partir das descobertas dos textos e do Digesto.
a) Irnério e a Escola dos Glosadores [Irnério, primeiro glosador, é considerado o
verdadeiro fundador do studium civile em Bolonha. O mesmo renovou os
livros de leis, reconstituindo a ordem pelo qual o Imperador Justiniano os

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compilou – ao adicionar-lhes palavras, dividiu-os, nascendo assim o Corpus
Iuris Medieval.]

b) Intencionalidade eminentemente exegética e filológico-gramatical das glosas


[O método utilizado na Escola de Bolonha para interpretar o Direito são as glosas,
sendo a mesma igualmente conhecida como Escola dos Glosadores. Ora a glosa
diz respeito a uma análise, interpretação literal de um texto. Traduzia-se na mera
substituição de um conceito de forma a torná-lo mais claro – daí dizer-se que a
intenção deste método era eminentemente exegética e filológico-gramatical.]

c) A glosa de Acúrsio [Além de Irnério, outro nome que se destaca já numa fase
mais tardia e decadente da Escola dos Glosadores foi Acúrsio, que se encarregou
de compilar todas as glosas consideras mais relevantes na designada “Magna
Glosa de Acúrsio”. A mesma teve um efeito semelhante ao Corpus Iuris Civilis -
veio a ser considerada a fonte do nosso Direito atual. O mérito de Acúrsio é tal,
que a dada altura o seu estudo se sobrepõe aos próprios textos justinianeus.]
d) Os Comentadores e a (re)fundação da ciência jurídica: o método dialético e o
desvendar do espírito da norma [Num contexto crescentemente decadente da
Escola de Bolonha, os juristas passam a tratar não dos textos do Digesto, mas das
glosas sobre o mesmo, fazendo comentários. Desabrocha assim uma nova
tendência que, marcada pelo espírito sintético e sistemático das análises dos
comentadores, bem como pela recuperação do método dialético, leva á (re)criação
da ciência jurídica – é adaptado o Direito Romano às necessidades concretas do
tempo em questão.]
e) Os comentários e o sentido das normas: atualização e harmonização com o
direito canónico e com o direito estatutário das cidades italianas (e dos reinos
europeus) – o nascimento do ius commune medieval [No contexto da afirmação
do Sacro-Império Romano-Germânico na Europa (séc. XIII e XIV), surge a
necessidade de atualização e harmonização das normas com o direito canónico e
com o direito estatuário dos reinos europeus. É neste âmbito que nasce uma ordem
comum: o ius commune medieval, que surge a partir do objetivo de alcançar o
verdadeiro sentido das normas e de adequar as mesmas às populações. Esta tarefa
de sistematização e harmonização é encabeçada pelos comentadores.]
f) Os Comentários de Bártolo e as metodologias bartolistas: supervivência
[Bártolo de Sassoferrato (1313-1357) jurisconsulto medieval, foi o maior
representante da escola dos Comentadores. O mesmo foi distinguido por imprimir
na sua interpretação do Direito Romano, uma vertente mais crítica, desenvolvendo
até novos conceitos legais visando a atualização e adaptação das normas clássicas
ao direito vigente. O seu método teve tal reconhecimento que, mesmo após a sua
morte, perdurou a velha máxima: Nemo bonu jurista nisi bartolista (Ninguém é
bom jurista se não for bom bartolista.”]

g) Glosadores / Comentadores romanistas e canonistas [Encarando o Direito como


um poderoso instrumento de poder, a Igreja dota-se, nesse sentido, de um
ordenamento jurídico próprio. Bebendo muito do Direito Romano, mas com
algumas especificidades, desenvolve-se o Direito Canónico. É neste âmbito que
pode ser feita a distinção entre os comentadores romanistas (estudam o Direito
Romano) e os comentadores canonistas (interpretam o Direito Canónico –
concretamente, uma obra semelhante ao Corpus Iuris Civilis, concebida pelo Papa
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Ana Beatriz Dias (2019/20)
Graciano em 1140, que reuniu todo o material de Direito Canónico num único
documento).]
(73) S. Tomás d’Aquino como o maior vulto intelectual da Escolástica.
Considerado o maior vulto intelectual da Escolástica, S. Tomás d’Aquino foi fortemente
influenciado por Aristóteles e Averróis. No âmbito do sincretismo em que o Direito
Romano voltou a cair com a queda do Império Romano do Ocidente, coube a S. Tomás
d’Aquino, monge dominicano, a recuperação e laicização do pensamento romano – a
autonomia científica do Direito.

(74) A recuperação do pensamento aristotélico, do seu racionalismo e das


metodologias dialéticas. Papel desempenhado pelos árabes na preservação e
transmissão para o Ocidente da filosofia grega.
É nos séculos XII e XIII que a influência aristotélica penetra no pensamento europeu
graças a S. Tomás d’Aquino, fazendo-se a mesma notar ao nível da filosofia, da
metodologia (método dialético) e da metafísica. Foi graças aos árabes que muitos dos
escritos de Aristóteles foram recuperados, daí que existam textos gregos em latim, árabe
e hebraico. Alberto Magno, Sigerio de Brabante e Averróis foram importantes tradutores
da doutrina aristotélica. Foi graças aos mesmos que S. Tomás d’Aquino, não sabendo ler
grego, conheceu a filosofia grega

(75) O averroísmo latino como versão interpretativa da filosofia aristotélica:


condenação da Igreja Católica
Apesar do seu estudo ter por base traduções, nem sempre fidedignas, S. Tomás d’Aquino
tinha um elevado conhecimento sobre o pensamento aristotélico – de tal forma, que foi
chamado a Paris para travar uma nova forma de aristotelismo, que começando a reunir
adeptos na Península Ibérica, se traduzia em ideias puras e independentes da teologia
cristã – o averroísmo latino.

Teses (fundamentais do averroísmo latino) contraditórias aos dogmas da Igreja Católica:


- Eternidade do Universo;
- Monopsiquismo (crença de que todos os homens partilham a mesma alma)
- Doutrina da dupla verdade (consagrava que determinadas verdades estabelecidas
pela fé poderiam ser negadas pela ciência, mas ainda assim compatíveis com a fé
– poderia ser verdadeiro o contrário daquilo que é teologicamente admitido, da
mesma forma que poderia ser verdadeiro o contrário daquilo que seria
filosoficamente considerado.)

(76) S. Tomás, Averróis e Aristóteles [Averróis definia que as verdades da razão


deveriam sobrepor-se às verdades da fé. Pelo contrário, S. Tomás d’Aquino,
concebendo que Deus estava em todas as coisas, defendia que as verdades da fé não
poderiam contrariar as verdades da razão.]
(77) A Suma Teológica: Tratado da Lei e Tratado da Justiça e do Direito.
Influência agostinianeia na teoria da lei tomista
As obras mais importantes de S. Tomás d’Aquino dizem respeito à Summa Contra
Gentiles e Suma Teológica (Tratado da Lei e Tratado da Justiça e do Direito).
É de notar na teoria da lei, desenvolvida por S. Tomas, uma forte influência de
S. Agostinho (apesar de algumas especificidades):

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Lei Eterna: Lei de origem divina que orienta a criação do Universo e do Homem; S.
Tomás d’Aquino identifica-a com os 10 Mandamentos que Deus deu aos homens para os
mesmos se orientarem na formação da lei humana.
Lei Natural: Lei ética - Projeção da lei eterna na consciência racional dos homens –
traduz-se na razão leva-nos a agir de acordo com o bem (evitando o mal).
Lei Humana: É uma exigência da própria lei natural para uma concretização que oriente
o Homem no sentido de fazer o bem e evitar o mal. Há uma revalorização do legislador
que, sendo humano, imperfeito e limitado, deve alcançar o bem comum, em moldes
intelectualizados, através da legislação que emana.
(78) Racionalismo tomista na compreensão da essência divina. O eudemonismo de
S. Tomás. (Eudemonismo = doutrina cujo objetivo é a felicidade humana)
Uma das grandes diferenças entre S. Agostinho e S. Tomás d’Aquino prende-se com a
posição tomada por um e outro no que toca á relação entre a vontade e a razão na
compreensão da essência divina:
S. Agostinho S. Tomás d’Aquino
VOLUNTARISMO RACIONALISMO
Em Santo Agostinho o essencial é a Em S. Tomás d’Aquino, o bem é a
vontade de Deus. O justo e o bem manifestação da vontade de Deus,
dependem da vontade divina, daquilo que enquanto ser racional, justo - o bem não é
Deus define como justo e bom. Para o o que Deus quer só porque quer, estando a
mesmo, estando o ser humano maculado razão acima da vontade. É através da razão
pelo pecado original, só poderia ser salvo que se alcança a felicidade -eudemonismo.
pela graça divina.

(79) Conceção tomista do dogma do pecado original


S. Agostinho S. Tomás d’Aquino
(Pessimismo antropológico agostiniano) (Otimismo tomista)
Para S. Agostinho a natureza humana está Para Tomás os efeitos desse pecado não
maculada pelo pecado original, estando são tão destrutivos: Deus concede certos
naturalmente corrompida, a alma humana dons ao homem, no seu estado de
só pode ser salva pela graça divina. inocência, dons esses que são tirados pelo
pecado original, ficando a natureza
humana liberta e entregue a si própria.

(80) A recuperação em moldes intelectualizados e laicos do direito romano clássico.


(81) S. Tomás e a origem divina do poder: teorização da conceção democrática do
poder político na Europa Ocidental
S. Tomás foi o responsável pela recuperação, em moldes intelectualizados e laicos, do
direito romano clássico. Para ele todo o poder é de origem divina, contudo, esse poder foi
entregue por Deus aos Homens – sendo esses que, caso seja sua vontade, delegam o poder
num representante. É desta forma que a esfera política da vida ganha autonomia face á
esfera religiosa. Esta teoria da origem popular do poder opôs-se à teoria do direito divino,
segundo a qual o poder vinha diretamente de Deus, sendo apena a este que o Rei teria de
prestar contas.

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(82) Condenação do tiranicídio, mas admissão da deposição do tirano.
Contrariamente a S. Agostinho, S. Tomás d’Aquino condenava o tiranicídio, mas
admitindo a deposição do tirano no caso de o mesmo não agir com exatidão no exercício
do poder.
(83) A decadência da Escolástica e a ascensão de correntes nominalistas. O
franciscano Guilherme de Occam e a Querela dos Universais. Entre o realismo,
universalista e intelectualista, de S. Tomás, e o nominalismo, individualista e
voluntarista de Occam.
Ora no século XIV, século de transição para a Idade Moderna, no contexto de
decadência da Escolástica, o legado tomista vai sendo esquecido, ascendendo novas
ideologias, no plano jurídico – ascendem as correntes nominalistas (Guilherme de
Occam). Este período de transição é assim marcado pelo grande debate entre o realismo,
universalista e intelectualista de S. Tomás, e o nominalismo, individualista e voluntarista
de Occcam. O grande debate entre estas duas correntes prende-se com a Querela dos
Universais:
Nominalismo, Individualista e Realismo, Universalista e Intelectualista,
Voluntarista de Occam de S. Tomás
- Não admitindo a existência do Universal, - Por seu turno, os realistas consideravam
os nominalistas definiam não existir uma a existência de uma realidade universal
realidade autónoma para lá dos conceitos. além do nome – definam que no exterior
Para os defensores desta corrente, apenas de um conceito havia uma realidade com
existem seres individuais – os conceitos características do Homem.
gerais correspondem a meras construções
mentais que, através de um processo de
seleção e abstração, alcançam uma
realidade meramente conceptual.
- Surge aqui a ideia de soberania do
conhecimento individual, o primado da
experiência, …

(84) Voluntarismo ético extremo de Guilherme de Occam: relativismo ético e


moral que anuncia a Reforma. A negação do poder absoluto do Papa e o
afastamento dos campos da fé e da razão.
Guilherme de Occam, rejeitando o intelectualismo aristotélico de S. Tomás, torna-
se defensor do voluntarismo de S. Agostinho. A teoria da dupla verdade, assente na
separação entre a fé a razão ao definir que algo que poderia ser teologicamente verdadeiro,
poderia ser filosoficamente falso, vai ser retomada por Occam. O mesmo define que Deus
é voluntarista – pode criar ilusões, fazendo ver coisas que na realidade não existem. Isto
porque tudo se trata de nomes, de conceitos que quando trocados, nada mudam - tudo se
mantém igual. Cai-se deste modo, num profundo subjetivismo de verdades, numa
relativização completa. Para Occam não haveria uma lei justa, mas sim a vontade de um
legislador essencialmente bom. Os conceitos éticos (bom e mau) acabam por designar
apenas “as obrigações impostas por uma vontade superior, e por isso, uma vez derrogado
o mandato ou a proibição, a ação perde imediatamente toda a bondade ou malícia éticas”.
Sendo crescente o afastamento entre os campos da fé e da razão abrem-se portas
para a libertação das ciências, da razão e da filosofia dos preceitos religiosos.

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Ana Beatriz Dias (2019/20)
No contexto da discussão acerca da propriedade privada (na qual a Igreja se
mostrou contra, definindo que tudo a Deus pertencia), Guilherme de Occam desenvolveu
uma teoria que esteve na base da origem dos direitos subjetivos modernos. A mesma
traduzia-se no poder ou faculdade reconhecida pela ordem jurídica ou pela lei, de
livremente exigir determinado comportamento de outrem. Concebia igualmente o
Homem enquanto ser livre, definindo qualquer poder tirano um atentado a essa liberdade
– é desta forma negado o poder absoluto do Papa e reforçada ainda mais a separação entre
os poderes terrenais e os espirituais.

(85) O fim da Idade Média e o início da Idade Moderna


A Idade Moderna tem início no séc. XV, com a queda do Império Romano do Oriente:
a) Reforço das tendências nominalistas [as mesmas transferem-se da dimensão
teológica para a dimensão política, traduzindo-se num relativismo ético e moral.

b) Fosso que se cava entre fé e razão e entre foro espiritual e foro temporal [é ainda
mais consolidada a separação entre fé e razão. A esfera política vai-se
autonomizando, neste período, ainda mais do poder espiritual.]

c) Supremacia dos interesses do Estado frente aos da Igreja [Se na Idade Média se
assiste a uma total subordinação dos interesses do Estado aos preceitos religiosos;
na Idade Moderna assiste-se à supremacia dos interesses do Estado frente aos da
Igreja. A obra O Príncipe de Nicolau Maquiavel retrata na perfeição todo este
novo entendimento. Sendo da sua autoria o chavão que marca a modernidade “Os
fins justificam os meios” – definia que eram os fins do Estado a ter prioridade em
detrimento de quaisquer outros. Em Maquiavel, reforçam-se as tendências
nominalistas e voluntaristas de Guilherme de Occam – Paganismo Maquiavélico.]

(86) Os movimentos Humanista e Renascentista e a sua projeção na ciência e no


pensamento jurídicos: a Escola dos juristas cultos ou Escola
Cujaciana. Pressupostos e fortuna. A Jurisprudência Elegante. Distinção entre
mos gallicus e mos italicus.
Em termos culturais, são 2 os movimentos que marcam o pensamento moderno:
Humanismo e Renascimento.

Humanismo: surgindo associado ao Renascimento, traduziu-se num movimento


intelectual que veio colocar o Homem no centro de todas as preocupações. Contribuiu de
forma fulcral para o rompimento com o velho pensamento religioso que marcou a Idade
Média, levando á substituição do teocentrismo (Deus no centro), pelo antropocentrismo
(Homem no centro). Revolucionando por completo o campo cultural, marcou a transição
da Idade Média para a Idade Moderna.
Renascimento: movimento cultural, científico e artístico que se caracterizou pela
retoma da cultura clássica greco-romana. Tendo como traços fundamentais o
racionalismo, experimentalismo, individualismo e o antropocentrismo, contribuiu de
forma fulcral para a reformulação das mais diversas dimensões da vida do ser humano:
cultura, religião, arte, ciência, justiça, …

Estes dois movimentos tiveram projeção no desenvolvimento da ciência e do


pensamento jurídico. Ora por esta altura, desenvolve-se a Escola dos juristas cultos ou
Escola Cujaciana, que vem substituir a velha, e na altura decadente, Escola dos
Comentadores, acusada de distanciamento, em larga medida, das fontes originais
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Ana Beatriz Dias (2019/20)
clássicas (já que o seu estudo incidia sobre comentários de comentários). A Escola
Cujaciana assume o objetivo de recuperar os textos originais de Direito Romano,
pretendendo até recorrer ao latim clássico ao invés do latim vulgar. Desenvolvendo-se
desta forma, novas metodologias, pode ser feita a distinção entre a metodologia jurídica
humanísticas (mos gallicus), da metodologia comentarista (mos itallicus). No entanto, na
prática, até á codificação, continuam a vigorar as metodologias dos comentaristas pelo
seu enraizamento – a mesma era já do domínio público.
Nos países do Norte, a escola dos juristas humanistas designou-se de
“Jurisprudência Elegante”. Tal designação advém da preocupação com o rigor nas
formulações jurídicas e do cuidado na escrita, na redação. Incluiu juristas notáveis como
Voet, Noodt e Westenberg.

(87) O movimento reformista da Igreja [Ora a Reforma da Igreja Católica (ou


Reforma Protestante), traduziu o movimento reformista cristão que teve na sua origem
uma ação moralista de um certo paganismo que se instalou no seio da Igreja Católica.
Este movimento, liderado por Martinho Lutero, ficou marcado pela publicação das suas
95 Teses, em 1517, no Castelo de Wittenberg.]

(88) O pessimismo antropológico de Martinho Lutero, digno sucessor de


Guilherme de Occam e de S. Agostinho. Reação moralista ao paganismo instalado
no seio da Igreja Católica. A crítica às indulgências. As 95 Teses de Lutero.
Digno sucessor de Guilherme de Occam e de S. Agostinho, Martinho Lutero,
humanista, começou por acreditar nas capacidades do Homem para alcançar a sua
salvação, cumprindo o bem e evitando o mal. Inicialmente, o sacerdote acreditava e
pregava os preceitos religiosos, no entanto, ao lançamento de mais indulgências (preço a
pagar pela salvação) para assegurar o financiamento da Catedral de S. Pedro, o mesmo
insurge-se contra a Igreja e entra em confronto com o Papa. Definindo as indulgências
como absurdas e considerando as mesmas uma forma de aproveitamento para com os
fiéis, Lutero é o responsável pela publicação das 95 Teses contra a corrupção, avareza e
o paganismo renascentista da Igreja em Roma.
Através da imprensa, a publicação de Martinho Lutero difunde-se por toda a
Europa num curto período de tempo. Lutero, por toda a contestação às ideias reformistas,
considerado um herege, é excomungado e posteriormente exilado perante as perseguições
de que o mesmo é alvo. Ora é neste contexto que Martinho altera a sua perspetiva sobre
o Homem, tornando-se crescentemente pessimista.

(89) A Contra-Reforma e o Concílio de Trento. Papel desempenhado pela


Companhia de Jesus no combate às ideias reformistas.
Contra estes movimentos, a Igreja reage – dá-se a Contra-Reforma (séc. XVI e
XVII), que, além do combate à difusão das ideias de Lutero e a tentativa de reconquistar
o “velho estatuto” da Igreja, surgiu pela necessidade de serem encetadas reformas no seio
da própria Igreja. Este movimento reacionário fica marcado pelo Concílio de Trento
(1545-1603) que rejeitando os dogmas da Igreja Luterana, procurava reafirmar os da
Igreja Católica.
De forma a colocar em prática a Contra-Reforma e cumprir com os objetivos a
que se propunha – a reafirmação da sua supremacia, a Igreja serviu-se de instrumentos
como: o estabelecimento dos Tribunais do Santo Ofício/Inquisição, Índex (lista de obras
proibidas) e a criação da Companhia de Jesus, que desempenhou um papel fundamental
no combate às ideias reformistas através do trabalho educacional e missionário.

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Ana Beatriz Dias (2019/20)
(90) A neo-escolástica ou escolástica ibérica com movimento de teólogos:
Os séculos XVI e XVII, compreendendo o designado período Barroco, constituíram os
anos de transição para a Idade Moderna. Este é um tempo marcado pela
contradição/oposição entre as doutrinas que por esta altura se desenvolveram. No Sul da
Europa (Península Ibérica), assiste-se á recuperação e renovação do pensamento tomista;
já a Norte (Países Baixos, Alemanha, Inglaterra), as atenções voltam-se para as correntes
nominalistas.
a) Francisco Suárez, Molina e Soto como representantes mais destacados do
movimento da escolástica ibérica [Ora na Península Ibérica prolifera a neo-
escolástica, ou escolástica – o movimento de teólogos que, em muito influenciado
pela Contra-Reforma, tinha como objetivos fundamentais: o combate dos dogmas
da doutrina reformista e a recuperação da supremacia da Igreja. Francisco Suárez,
Molina e Soto constituíram os representantes mais destacados deste movimento.]

b) O combate à doutrina do direito divino dos reis através da recuperação dos


ideais tomistas; Suárez e a constituição da sociedade política: o duplo pacto (de
união e de sujeição)
Pretendendo harmonizar as pretensões da Igreja com o exercício do poder
temporal do Estado, Francisco Suárez vai definir que apenas a Igreja constitui uma
instituição divina (e não um monarca). Na sua obra De Legisbus, o mesmo desenvolve a
ideia de pacto social, através da qual Deus, colocando o poder nas mãos da comunidade,
é a mesma que cabe posteriormente a tarefa de delegar esse poder num representante por
ela escolhido. Considerava igualmente que, perante a legitimidade de título, se o exercício
do poder pelo representante pode tirânico, injusto, o mesmo poderia ser deposto.

c) O nominalismo (paradoxal) de Suárez [Suárez, pretendendo renovar a doutrina


tomista, acaba de resto por não conseguir negar as tendências nominalistas,
nomeadamente, o voluntarismo racionalista da razão humana.]
(91) O jusracionalismo como obra de filósofos. O corte com as raízes teológicas da
lei. A natureza racional do homem como verdadeiro motor do mundo e do Direito.
(92) Do jusracionalismo ao juspositivismo oitocentista.
Ora o movimento jusracionalista constituiu uma obra de filósofos. Vigorando nos
séculos XVII e XVIII, teve como principais representantes Hugo Grócio, Christian
Thomasius, Hobbes, Kant, Wolff.
É no âmbito deste movimento que se dá o corte com as raízes teológicas da lei: o
fundamento do Direito deixa de ser Deus para passar a ser a razão humana. Definindo
Grócio que, “se por hipótese Deus não existisse, o direito natural continuaria”, dá-se uma
cisão das razões teológicas enquanto fundamento da juridicidade. A razão passa a ser o
único meio capaz de retirar do Direito Natural as regras e leis fundamentais.
Vai ser Thomasius o responsável pela primeira doutrina sistematizada entre moral
e o Direito. O filósofo procurar desenvolver critérios que distinguissem as leis jurídicas e
as leis morais. O mesmo definia que o Direito [as normas legais] pertencia à esfera
exterior, enquanto que a moral [normas morais] era do foro interno – enquanto que o
Direito se confundia com justiça; a moral confundia-se com a honestidade.

(93) História do direito português (94) O período primitivo, ibérico ou pré-romano


a) Diversidade de povos que habitavam o território peninsular [Sendo o Direito
português muito influenciado pelo Direito Romano, à chegada dos romanos ao território
nacional, era notória a existência de pluralidade de povos que habitavam o mesmo. O

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Ana Beatriz Dias (2019/20)
período anterior á ocupação romana designa-se de primitivo, ibérico ou pré-romano.
Apesar do insuficiente conhecimento deste tempo, promovido pela falta de vestígios, o
mesmo ficou marcado pelas assimetrias e pela falta de unidade nos mais diversos
domínios – económico, jurídico, religioso, …
b) Grupos étnicos mais representativos do período pré-romano [Apesar do
pluralismo que marcou este período é possível organizar cinco grupos/povos autóctones:
Povo com maior grau de desenvolvimento – habitava o sul da Península
Turdetanos Ibérica (atual Algarve e Andaluzia).
Iberos Habitavam a costa leste da Península.
Ocupando quase todo o território peninsular, foram-se misturando com
Celtas outras etnias dando origem, por exemplo, aos Celtiberos.
Celtiberos Dos mesmos provém os Lusitanos.
Franco - Localizavam-se na fronteira com França, concretamente com os
Pirenaicos Pirenéus.
Também entre os povos colonizadores é possível organizar alguns grupos que,
provenientes da Bacia do Mediterrânico, fixavam-se ao longo da Costa com intenções
mercantis. Estes povos eram sobretudo de influência dos Fenícios, Gregos e Cartagineses.
c) Características jurídicas (políticas e sociais) deste período
Organização Política:
Por esta altura, nos múltiplos Estados da Península Ibérica, eram adotados diversos
modelos de organização interna. Os formas mais comuns diziam respeito a:
Estados Tribais (Juntando-se em função da natureza territorial, traduziam
uma conjugação de diversas tribos. Esta forma de organização foi mais
comum entre os Celtas e os Celtiberos.)
Estados-Cidade (Dominante em zonas costeiras, traduzia clãs familiares
– pessoas que se ligavam em virtude do ascendente familiar.)
Apesar da fraca coesão social, resultante em permanentes conflitos internos, perante
ameaças externas estas comunidades políticas uniam-se em confederações com objetivos
político-militares comuns.
Organização Social:
Em termos sociais:
Homens livres (dotados de estatuto e personalidade jurídica traduziam as
classes privilegiadas.)
Escravos ou servos (classe não privilegiada – possuíam o estatuto de
meras coisas.)
Predominavam as intituladas relações de clientela (ou pré-feudais): os mais fracos
procuravam asilo junto dos mais poderosos. Era concedida proteção, em troca de
submissão – limitava-se a liberdade individual dos mais frágeis.
Características Jurídicas:
Em virtude das várias comunidades que ocupavam o território, em termos
jurídicos, predominava a diversidade dos ordenamentos. Apesar do pluralismo, é possível
identificar como aspeto comum o costume, enquanto fonte de Direito (a prática reiterada
de um comportamento com a convicção da sua obrigatoriedade). A mitologia constituía
o veículo de transmissão e sedimentação do mesmo. Apesar desta base consuetudinária,

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Ana Beatriz Dias (2019/20)
há testemunhos da existência de leis escritas. É de notar que alguns dos aspetos
característicos destes direitos primitivos vigoraram mesmo depois da ocupação romana.

d) Método comparativo e método das sobrevivências no estudo deste período


✓ Método Comparativo (Foi o método comparativo que assegurou o conhecimento das
características das instituições jurídicas deste período através da análise de
comunidades existentes na mesma época).

✓ Método das Sobrevivências (Traduz-se nos estudos/investigações sobre os institutos


de determinada época, com base nos vestígios encontrados já num período posterior
à mesma).

Apesar de todas as fragilidades da metodologia utilizada, é possível delimitar


certas características nas instituições deste período, tais como: a organização familiar é
predominantemente de tipo monogâmico e patriarcal, a regra é a da comunhão geral de
bens entre os cônjuges; os tartéssios proibiam o testemunho do mais jovem contra o mais
idoso; a rudeza das sanções penais entre estes povos; no ocidente peninsular os
condenados à morte eram lançados do alto de rochedos, e os parricidas eram apedrejados
em zonas de fronteira.
(95) Os romanos na Península Ibérica no séc. III a. C. (2.ª guerra púnica) [A
conquista da Península Ibérica pelos romanos inicia-se no século III a. C. (218). Ora por
esta altura, também os Cartagineses apresentavam pretensões de expansão e
fortalecimento em termos políticos e económicos. Os interesses comuns, resultando numa
colisão entre os 2 povos, acabam por levar à proliferação de conflitos. Concretamente,
foram 3 as denominadas Guerras Púnicas, que opuseram as grandes potências, que à
época, dominavam o Mediterrâneo ocidental: Roma e Cartago. O segundo confronto
constituiu o mais marcante e o que melhor ficou conhecido. Sendo datado de 218 a. C.,
inicia-se pela declaração de guerra dos romanos aos cartagineses. É a partir da vitória
neste conflito que Roma inicia a sua expansão – passando a dominar o Mediterrâneo
ocidental. É neste período que entra na Península Ibérica.]

(96) Conquista e romanização


A entrada na Península Ibérica é feita pelo norte da Catalunha, com o objetivo
primeiro de confrontar os cartagineses. Perante a resistência dos povos locais, apenas em
19 a. C. é que os romanos alcançam o domínio hispânico. A conquista das zonas interiores
ofereceu maiores dificuldades – somente em 137 a. C. é que, após a morte de Viriato,
são dominados os Lusitanos. Apenas com o assassinato de Sertório, em 72 a. C, é que na
Península se dá sinais de uma submissão pacífica ao jugo romano, excetuando os
cantábrios e ástures, somente vencidos em 19 a. C., por Augusto.
No decurso do período de conquista, segue-se uma fase de romanização marcada
pela progressiva e gradual assimilação das características do modo de vida dos
conquistadores – da sua cultura, do seu direito, por parte das comunidades autóctones. O
período mais intenso de romanização é o dos dois primeiros séculos d. C.
(97) Fatores de romanização
Como fatores que mais e melhor contribuíram para este processo posso destacar:
- A ação das legiões romanas, que constituíam autênticos colonos;
- A ação dos funcionários administrativos e dos colonos propriamente ditos, que
traduziam um fortíssimo veículo de romanização dos povos locais;

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Ana Beatriz Dias (2019/20)
- O desenvolvimento da “rede vária”, concretamente, a abertura de estradas, que
não só significou um acréscimo de população romana, como permitiu o aumento
do volume de transações entre o Império Romano e a Península.
- A superioridade da técnica romana, demonstrada na construção de estradas,
pontes, aquedutos; nestas construções, tomavam parte ativa as populações locais,
que iam desta forma, tomando conhecimento das várias técnicas.
- Desenvolvimento da administração municipal – o principal sistema romano de
administração local.
- E por fim, o culto religioso, que unia as populações romana e autóctone na
observância dos mesmos preceitos litúrgicos. Em primeiro lugar a obediência era
devida às divindades greco-latinas, depois ao imperador e por fim surge o
Cristianismo.

(98) Especial relevância dos vetores jurídico-políticos de romanização:


Apesar de toda a influência romana, no domínio judicial e político, os Povos da Península
Ibérica continuaram a reger-se pelos institutos primitivos, não gozando assim das
liberdades e garantias dos cidadãos romanos. É neste âmbito que no processo de
romanização se destacam 2 momentos de maior importância:

a) A concessão da latinidade por Vespasiano em 73-74 Ora o Direito Romano


classificava os indivíduos em cidadãos, peregrinos e latinos:
- Os primeiros usufruíam de plena capacidade jurídica em virtude do “ius civile”.
Gozavam do direito a contrair matrimónio e de constituir família; bem como do direito
de celebrar validamente negócios de conteúdo patrimonial; no domínio publicista
poderiam voltar nos comícios e ascender às magistraturas do Estado.
- Por oposição, os peregrinos não dispunham de nenhum dos privilégios já enunciados.
Aquando submetidos poderia ser-lhes reconhecida a liberdade pessoal e a possibilidade
de se regerem pelos seus próprios direitos. No máximo, poderia permitir-se-lhes a
submissão ao ius gentium.

Ora os povos peninsulares passaram a gozar do estatuto de latinos. A concessão da


latinidade por Vespasiano (73-74), permitiu a substituição dos sistemas jurídicos
indígenas pelo sistema jurídico romano, que passou a ser aplicado a todas as relações
patrimoniais. Importa referir que o casamento e a constituição de família continuaram a
ser regulados pelos direitos tradicionais.

b) A concessão da cidadania por Caracala em 212 [É em 212, que através do


édito de Caracala se estende a cidadania romana a todas as províncias do
império. Este alargamento deveria ter, teoricamente, levado ao
desaparecimento dos ordenamentos locais e à aplicação uniforme da lei
romana. No entanto, na realidade perdura a vigência dos costumes. Tal pode
ser explicado, em parte, pela a sofisticação e alguma complexidade que
marcava o direito romano – não constituía tarefa simples generalizar a sua
aplicação.

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Ana Beatriz Dias (2019/20)
(99) Vulgarização do direito romano: elementos que para tal contribuíram.
O aspeto anteriormente desenvolvido teve bastante influencia na vulgarização do
direito romano - o mesmo era aplicado nos povos peninsulares de uma forma muito mais
simples e desvirtuada, pela influência de elementos autóctones. É possível neste sentido
destacar uma variedade de direitos romanos vulgares – na sua origem é possível destacar
elementos como:
- A descaracterização do sistema romano clássico;
- A persistência de direitos locais e regionais e a intensificação de institutos e
princípios dos mesmos;
- A ausência de juristas e órgãos judiciais na Península, que pudessem assegurar
uma aplicação sistemática do direito romano na sua plenitude;
- A decadência do império, motivada pela fragilização do poder central.

(100) Os bárbaros na Península Ibérica em finais do séc. IV / V


(101) Heterogeneidade étnica e linguística dos povos germânicos: superioridade
cultural dos romanos
A entrada dos bárbaros na Península Ibérica ocorre em finais do séc. IV e V.
Várias são as divisões étnicas e linguísticas entre eles – em termos culturais, mostram-se
muito inferiores aos romanos, sobretudo no domínio jurídico.
Neste período de invasões, dá-se a transformação da Idade Antiga em Idade
Média, identificada com a desintegração do Império Romano. Na fase posterior às
mesmas, desenvolveram-se verdadeiros estados germânicos que vieram a constituir uma
verdadeira semente dos atuais estados europeus.

(102) Os Suevos e os Visigodos em território peninsular


No território peninsular, são os povos correspondentes aos suevos e aos visigodos que se
destacaram. Os primeiros vieram instalar-se na Península juntamente com os Vândalos e
os Alanos. Entre o séc. V e finais do séc. VI, dominaram praticamente a totalidade do
território, mesmo perante ameaças à independência, por parte sobretudo dos Visigodos
[em alturas que se “uniram” aos próprios romanos]. É de notar que os suevos marcaram
mais a nossa cultura, do que os visigodos, em virtude da maior pureza germânica das suas
instituições.
a) S. Martinho de Dume e a conversão dos suevos ao catolicismo [Da monarquia
sueva fica para a História o papel de relevo desempenhado por S. Martinho de
Dume. Chegado à Península ibérica em meados do século VI, é no mesmo que
se fundem dois dos mais relevantes fatores de aproximação entre germânicos
e hispano-românicos: a religião e a língua. Tornando-se conselheiro político
da monarquia sueva católica, o seu papel foi fundamental na conversão ao
catolicismo, da generalidade da população.]

b) Conversão ao catolicismo dos Visigodos no III Concílio de Toledo [A


conversão de Recaredo, rei visigodo, ao catolicismo no III Concílio de
Toledo, veio igualmente facilitar a aproximação entre os povos.]

c) Personalidade ou territorialidade jurídica Relativamente ao Direito eram


duas as hipóteses colocadas aos povos conquistados:
(1) Optar pela personalidade ou nacionalidade do direito – e nesse sentido, regendo-se
cada um pelo direito da sua raça, distintos ordenamentos coexistiriam dentro do
mesmo território.

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Ana Beatriz Dias (2019/20)
(2) Optar pela territorialidade do mesmo direito, com a aplicação de um mesmo direito
por todo o território.
Não tendo existido um nacionalismo jurídico puro na Península Ibérica, os 2 povos
foram pautando as suas vivências em conformidades com as suas próprias instituições
jurídicas. Em certos domínios, da convivência entre as populações germânica e romana
foram sendo estabelecidas determinadas normas consuetudinárias. Assistindo-se à fusão
de elementos romanos e germânicos, ao nível das práticas do Direito, foi constituído um
lastro jurídico, de tal forma consistente, que vigorou até cerca do séc. XII.
d) As fontes de direito em sentido formal dos estados germânicos - Até ao séc.
V, o costume constitui a principal fonte do Direito germânico. Ora a partir daí,
em virtude da influência da cultura jurídica, começam a surgir escritos de
diferentes naturezas – poderiam ser caracterizadas de diversas formas:
i) leis populares ou dos bárbaros (direito germânico - compilações de
costumes);
ii) leis romanas dos bárbaros (direito romano - os germânicos
compilavam preceitos do Direito Romano dado seu importante auxílio na
resolução de litígios);
iii) capitulares (leis avulsas/soltas, essencialmente no âmbito do direito
público, promulgadas pelos monarcas visigodos);
iv) documentos de aplicação do direito (formulários – constituíam um
auxílio para os “pseudo-juristas”, na resolução de situações concretas;
eram sobretudo de influência romana).

e) As fontes de direito em sentido material dos estados germânicos


i) Código de Eurico de 476 (lei dos bárbaros; sucederam às leis
teodoricianas;);
ii) Breviário de Alarico de 506 (lei romana dos bárbaros – assente no
direito romano, esta compilação constituía um auxílio para a resolução de
questões judiciais);
iii) Código revisto de Leovigildo de 580 (traduzindo uma atualização do
Código de Eurico, surge depois de em 546 ter sido promulgada a lei de
Teudis (destinada a limitar os abusos cometidos na cobrança de custas
judiciais); intenção de unificação dos povos godos e romanos; é abolida a
proibição de matrimónio entre as duas populações e equiparam-se as
mesmas em termos processuais);
iv) Código Visigótico de 654 (diferentes versões oficiais – recesvindiana,
ervigiana - e versão vulgata, de iniciativa privada);

f) Âmbito de aplicação de cada uma das fontes em sentido material: a tese


tradicional no séc. XIX (personalidade) (antes de meados do séc. XIX,
aceitava-se a tese da territorialidade), a de Garcia-Gallo (territorialidade) e a
de Paulo Merêa (conciliatória – territorialidade, sem revogação sucessiva dos
vários textos – necessidade de excluir o Breviário dessa sucessão). [Até
meados do século XIX, relativamente ao âmbito de aplicação das fontes em
sentido material, tradicionalmente, era tida a em conta a tese da personalidade:
cada povo se reger pelo direito da sua raça. Assim, os códigos germânicos
eram apenas aplicados ao povo germânico; por seu turno, as populações
romanas regiam-se pelo Direito Romano. Ora a partir desta data, Garcia-Gallo

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Ana Beatriz Dias (2019/20)
vem defender a tese da territorialidade, assente na ideia de que seria a plicado
o mesmo Direito por todo o território. E é neste contexto que surge a tese de
Paulo Merêa, que tendo um caráter conciliatório, era baseada na tese da
territorialidade; ou seja, no entendimento de que a ordem jurídica germânica
era aplicada em todo o território. No entanto, contrariamente a Garcia-Gallo,
o mesmo defendia que os vários códigos, não teriam tido uma sucessão linear
e que o Breviário seria excluído – não visou revogar nenhum dos textos; não
se tratava de uma substituição, mas antes de um complemento. Assente no
direito romano, visava dar resposta às insuficiências do Direito germânico.

103. A ocupação muçulmana da P.I. no início do séc. VIII (final da monarquia visigoda,
com a morte de Rodrigo, sucessor – legítimo ou ilegítimo - de Vitiza
a) o peso cultural e jurídico desta ocupação (algum, em termos culturais; diminuto,
em termos jurídicos)
b) fontes do direito muçulmano: um direito de natureza confessional (aplicável
aos fiéis dessa religião)

104. O movimento de reconquista cristã: a Batalha de Covadonga (722); o reino de


Oviedo; D. Afonso VI, rei de Leão e Castela, e pai de D. Urraca e de D. Teresa

105. A concessão da terra portucalense ao conde D. Henrique: natureza jurídica (eventual


legitimação, de título, para a independência política do reino de Portugal)

a) a tese tradicional (dote marital de D. Teresa – senhorio hereditário; haveria um


título legítimo para as pretensões de independência
b) a tese de Alexandre Herculano (D. Afonso VI teria concedido ao seu genro um
mero cargo hereditário – o Conde D. Henrique teria que prestar contas, administrando o
território em nome do sogro; revogável a tempo inteiro)
c) a tese de Paulo Merêa (senhorio hereditário, sim, mas sujeito a condições: o
Conde D. Henrique manter-se-ia vassalo de seu sogro)

106. Gradual afirmação da autonomia política de Portugal (Batalha de S. Mamede em


1128; Batalha de Ourique em 1139; auto-proclamação de D. Afonso Henriques como rex
de Portugal em 1140) até à independência, em 1143, com D. Afonso Henriques a ser
reconhecido como monarca de um reino independente por D. Afonso VII de Leão e
Castela. A Bula Manifestis Probatum de 1179, e o reconhecimento da Santa Sé

107. Período de individualização do direito português: meados do séc. XII a meados do


séc. XIII (período de direito consuetudinário e foraleiro)
108. As fontes comuns ao reino de Leão (anteriores à fundação da nacionalidade
portuguesa, mas que mantém a sua vigência para lá desta)
a) código visigótico (as referências a este prolongam-se pelo séc. XIII)
b) leis provenientes de cúrias e concílios: diferenças (Leão - 1017; Coiança –
1055; Oviedo – 1115); diferenças entre cúrias e concílios; critérios de distinção; as cúrias
como herdeiras da aula régia (instituto germânico) e antecessoras das cortes.
c) forais (fonte de direito público local; constituição em tipos)
d) costume: os foros (distinção dos forais; direito público e provado)
e) direito canónico
109. Fontes caracteristicamente nacionais (surgidas após a fundação da nacionalidade)

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Ana Beatriz Dias (2019/20)
a) primeiras leis gerais dos nossos monarcas (a legislação torna-se mais abundante
a partir de D. Afonso II; importância da Cúria de 1211 – primazia do direito canónico em
caso de incompatibilidade com o direito pátrio / nacional; esforço de afastamento de
costumes tidos como pouco razoáveis))
b) forais
c) concórdias e concordatas (fonte local e geral de direito canónico; importância
das colectâneas de direito canónico de âmbito regional: a capitula Martini (elaborada em
563; promulgada no II Concílio de Toledo em 572) e a Collectio Hispana Chronologica
(633); referência às colectâneas gerais de Direito Canónico, promulgadas a partir de
meados do séc. XII; extensão do âmbito de aplicação judicial do direito canónico).
d) costume
110. O período de influência do direito comum: meados do séc. XIII a meados do séc.
XVIII
111. O período de recepção do direito romano renascido e do direito canónico renovado:
meados do séc. XIII a meados do séc. XV
a) a recuperação do direito romano e a ascensão do sacro império romano-
germânico
b) regna, imperium e sacerdotium

112. Participação de Portugal no movimento de recepção do direito romano renascido


a) fundação progressiva de universidades ao longo dos séculos XII e XIII
b) intercâmbio estudantil
c) influência exercida por obras de carácter doutrinal e legislativo promulgadas no
reino de Castela que revelavam já uma forte presença do direito romano

113. Fontes do direito português ao longo deste período


a) supremacia das leis gerais do reino
b) resoluções régias
c) decadência do costume enquanto fonte criadora de novo direito
d) foros e forais
e) concórdias e concordatas (o beneplácito régio)
f) direito subsidiário: o direito comum

114. A necessidade de compilação do direito como forma de conhecimento e de difusão


da ordem jurídica vigente
a) livro das leis e das posturas - imperatividade e a prevalência do direito pátrio
(leis pátrias, costumes e estilos de corte – costumes jurisprudenciais); b) na falta
de direito nacional, caberia utilizar o direito romano e o direito canónico (este
último prevaleceria sobre o direito romano em matérias do foro espiritual e nas do
foro temporal em que a observância deste último conduzisse a pecado); c) se tal
se tornasse necessário, recorrer-se-ia à Glosa de Acúrsio e ao Comentário de
Bártolo; d) e isto ainda que outros drs. se pronunciassem de forma diferente;. e)
em último caso, o rei seria notificado.
b) as Ordenações de D. Duarte
115. O período das Ordenações

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Ana Beatriz Dias (2019/20)
116. As Ordenações Afonsinas
a) a divisão em 5 Livros e respectivo conteúdo
b) relevância do Livro II: hierarquia das fontes de direito e direito subsidiário

117. As Ordenações Manuelinas e as alterações introduzidas ao nível do regime de fontes


de direito
1 - justificação acerca da vigência subsidiária do direito romano ; 2 - consagra-se um
processo de interpretação autêntica das leis que tivessem suscitado dúvidas: Assentos da
Casa da Suplicação; 3 - deixa de se fazer menção à distinção entre assuntos temporais e
espirituais. Qualquer que seja a natureza do caso omisso, a prevalência subsidiária é
sempre dada ao direito romano em detrimento do canónico; o único limite é o das matérias
conducentes a pecado; 4 - requisito da não contrariedade da opinião comum dos doutores
para uma aplicação da Glosa de Acúrsio e da Opinião de Bártolo; 5 – desaparece do
Livro II a legislação relativa aos judeus, expulsos em 1496.
118. A reforma manuelina dos forais
119. Colecção de Leis Extravagantes de D. Duarte Nunes de Leão (1569 – ordenada pelo
Cardeal D. Henrique; texto oficial, complementar das Ordenações)
120. O domínio filipino em Portugal e as Ordenações Filipinas (promulgadas em 1603)
a) o carácter pouco inovador do texto
b) os filipismos
c) transferência da matéria das fontes para o Livro III

122. Gradual fortalecimento do poder real atá à ascensão do Marquês de Pombal

123. O Iluminismo jurídico e o pombalismo


a) a perda de autoridade do direito romano e o usus modernus pandectarum
b) os estrangeirados
c) a expulsão dos Jesuítas e a perseguição aos nobres
d) a Lei da Boa Razão e as alterações introduzidas ao nível da ordem jurídica

124. Estatutos pombalinos da Universidade de Coimbra: a reforma pombalina do sistema


de ensino nacional
a) 1770 – Junta de Providência Literária: incumbências
b) 1771 – Compêndio Histórico da Universidade de Coimbra
c) 1772 – Estatutos pombalinos

127. As invasões francesas e a ida da família real para o Brasil

128. A Revolução Liberal de 1820: exigências dos revoltosos marcadas por ideais liberais
e democráticos

129. Breve perspetiva sobre os movimentos socio-políticos subjacentes ao período das


lutas liberais

130. As cortes gerais, extraordinárias e constituintes da nação portuguesa e a Constituição


de 1822. A Carta Constitucional de 1826

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a) influências sofridas
b) períodos de vigência
c) natureza radical dos seus conteúdos
d) princípios orientadores

131. A Constituição pactuada de 1838 e o setembrismo: períodos de vigência e princípios


informadores

132. O movimento codificatório em Portugal


a) o combate ao pluralismo de fontes jurídicas
b) o Código Civil de Seabra
c) a versão inicial do artigo 12.º e as críticas de Vicente Ferrer de Neto Paiva
d) a versão final do artigo 16.º e a interpretação que veio a encontrar consagração
no artigo 10.º do atual CC.

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