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Guarulhos
2022
BEATRIZ CUSTÓDIO DEROZA
Guarulhos
2022
Deroza, Beatriz Custódio..
Comics and BNCC: reading skills and abilities in the textbook Weaving languages of the PNLD 2020
1. Competências leitoras. 2. HQs. 3. Livro didático. I. Prof. Dr. Paulo Eduardo Ramos. II. Quadrinhos
e BNCC: competências e habilidades leitoras no livro didático Tecendo linguagens do PNLD 2020.
_________________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Eduardo Ramos
Universidade Federal de São Paulo - Unifesp
Orientador
__________________________________________________________________
Prof. Dr. Clecio dos Santos Bunzen Júnior
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Titular
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Sandro Luis da Silva
Universidade Federal de São Paulo - Unifesp
Titular
___________________________________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo Otávio dos Santos
Centro Universitário Internacional - Uninter
Suplente
À dona Teresa, por seu orgulho de ter uma neta professora.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus, por me sustentar todos os dias. Aos meus pais, Cláudia e Gerson,
que sempre me incentivaram a estudar. À minha madrasta, Rosângela, por sempre estar
disposta a ler meus resumos, mesmo sem entender nada sobre quadrinhos.
Às minhas irmãs, Bruna e Clara, pela enorme compreensão e paciência que tiveram
comigo, mesmo em meus piores dias sem criatividade para escrever.
Ao Gabriel, meu melhor amigo, amor da minha vida e companheiro para longas horas
que passamos contando HQs. Agradeço por sua empatia e entusiasmo a cada capítulo que foi
sendo concluído. Seu amor me motiva a continuar e ser melhor do que um dia já fui.
À minha grande amiga, Elisa, que está comigo desde que iniciamos a graduação na
Unifesp, em 2016, até os dias de hoje na Pós-Graduação. Jamais esquecerei seu
companheirismo, amor, lealdade e paciência em todos esses anos juntas.
Ao meu orientador, Paulo Ramos, que em 2016 viu algum potencial naquela garota
recém-chegada à graduação que achava que estudar Letras se resumia em estudar gramática.
Como aquela menina mudou! Passamos por uma iniciação científica, artigo escrito a quatro
mãos, inúmeros congressos e disciplinas da graduação, uma colação de grau frustrada durante
a pandemia, a submissão de um projeto de pesquisa para ingressar no mestrado, uma prova de
admissão e entrevista, longos meses cursando disciplinas, participando de congressos e
dedicação à escrita desta dissertação. Mesmo passando por tudo isso, Paulo sempre me deu
liberdade para escolher o caminho que achava melhor, escrever no tempo que conseguisse e
surtar quando necessário. Obrigada, Paulo, por esses anos de paciência e por nunca ter
perdido a fé naquela garota.
À dona Teresa, minha avó, que tanto se orgulhava por ter uma neta professora e que,
infelizmente, partiu sem ver sua neta se tornar mestre em Letras. Obrigada, vó! Sei que estás
comigo a todo momento sorrindo e se orgulhando do céu.
Agradeço aos membros da banca, Clecio e Sandro, por aceitarem o convite e pela
contribuição de ambos para o desenvolvimento desta pesquisa na banca de qualificação.
Obrigada a cada um por estarem comigo nesta caminhada e anos inesquecíveis que
vivi na Unifesp durante a graduação e a Pós-Graduação.
“Ninguém nasce sabendo ler: aprende-se
a ler à medida que se vive. Se ler livros
geralmente se aprende nos bancos da
escola, outras leituras se aprendem por
aí, na chamada escola da vida: a leitura
do voo das arribações que indicam a seca
– como sabe quem lê Vidas Secas de
Graciliano Ramos – independente da
aprendizagem formal e se perfaz na
interação cotidiana com o mundo das
coisas e dos outros.”
Marisa Lajolo (1999, p. 5)
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
Quadro 2 LD selecionado p. 54
LD Livro Didático
The current work investigates how the competencies and skills prescribed by the Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) were developed in the activities that propose the
reading of comics and their genres (comic strips and cartoons) in the Portuguese textbook
collection Tecendo Linguagens of the Final Years of Elementary Education (6th and 9th
grades), approved by PNLD 2020. We seek to verify how the reading competencies and skills
were effectively worked on in the activities with comics. To contemplate this proposal, we
will: 1) quantify and classify the exercises with comics according to the four axes of
Portuguese Language proposed by the Base (reading, speaking, text production and
linguistic/semiotic analysis); 2) investigate how the competencies and reading skills were
worked in the exercises; 3) analyze if the pedagogical potential and the characteristics of the
comics genres were explored in the reading activities through comparisons between the
exercises of the 6th and 9th grades. After the analysis, it was possible to conclude that by
sharing their opinions, feelings, and worldviews in the oral interaction activities, or by the
simple act of reading the speech balloons, the images, understanding the theme, identifying
the comic ending, and associating the comic with their social context to obtain their own
conclusions and/or opinions, the student has already mastered the competencies and skills
presupposed by the Base and the characteristics of comics. The results indicate that the real
proposal of the textbook that follows the BNCC assumptions is to improve skills that the
student already has, in order to make him/her a subject that mobilizes different knowledge to
read, interpret and critically opine on various themes and genres. In the observation of the
activities with comics and their genres, we also found fourteen exercises in the 6th grade
volume, including seven comic strips, three cartoons, two long comics, one cartoon, and one
comic book cover. In the 9th grade volume, of the twenty activities with comics, twelve
contain comic strips, six work with cartoons, one works on a long comic strip, one covers the
page of a comic strip from the collection "Classics illustrated Turma da Mônica" and we did
not find any cartoon in this volume. Despite the significant number of activities with comics
and their genres, the subordination of these is evident in relation to the other textual genres
used in the collection. Despite the premise of the authors in the Teacher's Manual that all
textual genres in the material are placed on the same level, it is undeniable that the exercises
with comics are part of secondary sections and/or only for the practice of a content already
studied. It is also possible to consider that the competencies and skills listed by the Base are
nothing more than a way to establish goals and expectations about the autonomous subject in
development throughout each stage of Basic Education until it ends in High School.
Keywords: Reading skills; Abilities; Comics; Textbooks; Reading;
SUMÁRIO
Considerações iniciais...........................................................................................................17
Capítulo 5 – Análise
Os gêneros que circulam nas diferentes esferas da sociedade foram incorporados aos
livros didáticos e são estudados juntamente com os mais consagrados como
reportagem, conto e notícia. Compreender uma palestra é importante, assim como
ser capaz de atribuir diferentes sentidos a um gif ou meme. Da mesma forma que
fazer uma comunicação oral adequada e saber produzir gifs e memes significativos
também podem sê-lo. (BRASIL, 2017, p. 67).
17
A BNCC, apesar de nortear o processo de ensino-aprendizagem, não especifica como
as práticas pedagógicas devem proceder em sala de aula. Desse modo, fica a critério de cada
editora/autor(es) orientar os professores sobre o trabalho com as múltiplas linguagens e os
gêneros nas atividades dos livros didáticos. No processo de construção das obras, é
necessário compreender os objetos utilizados no processo de ensino-aprendizagem e como
são abordados. E cabe aos professores analisar as orientações tanto da BNCC quanto do
manual do professor e adaptá-las de acordo com sua realidade escolar.
Nesta pesquisa, a proposta é concentrar o olhar nas produções que retratam o trabalho
com diferentes linguagens e mídias, que refletem os diferentes gêneros presentes no cotidiano
dos alunos, dentre eles, as HQs. O intuito não é julgar o trabalho do professor, mas, sim,
analisar como os livros didáticos de Português desenvolvem as competências e as habilidades
relacionadas à leitura propostas pela BNCC por meio de atividades com HQs.
A disciplina de Língua Portuguesa, no contexto atual do ensino brasileiro, tem
flexibilizado seu currículo no que diz respeito às múltiplas linguagens e à diversidade de
gêneros. A meta é que a pessoa deva estar habituada a ler, ouvir e interpretar criticamente
práticas que, aos poucos, ganham espaço no ambiente institucional. Cita-se, uma vez mais, o
texto da base:
18
Posto isso, esta dissertação tem como objetivo geral avaliar de que forma as
competências e as habilidades prescritas pela BNCC foram desenvolvidas nas atividades que
propõem leitura das HQs e seus gêneros (tiras, charges e cartuns) na coleção de livros
didáticos de Português Tecendo Linguagens dos Anos Finais do Ensino Fundamental (6º e 9º
ano), aprovada pelo PNLD 2020. O estudo está ancorado na linha de pesquisa Linguagem em
novos contextos da área de Estudos Linguísticos do Programa de Pós-Graduação em Letras
da Universidade Federal de São Paulo.
Nossos objetivos específicos são:
De acordo com os objetivos deste estudo, a pergunta que norteia nossa análise é:
Como informa o Guia do PNLD 2020, seis coleções de Língua Portuguesa foram
aprovadas. Como dito anteriormente, nosso foco são os livros didáticos dos Anos Finais do
Ensino Fundamental e um primeiro recorte foi feito a fim de delimitar o corpus. Dessa forma,
optamos por trabalhar apenas com os livros didáticos do 6º e do 9º anos por representarem
dois extremos: o início (6º ano) e o fim do ciclo (9º ano) Fundamental Anos Finais. Além
disso, foi feito um segundo recorte: priorizamos trabalhar com a coleção que, dentre as seis,
foi adquirida em maior número pelo PNLD 2020. Logo, o corpus desta pesquisa é constituído
pela coleção Tecendo linguagens, da editora IBEP (2018).
Os estudos relacionados à leitura, ao livro didático e às características dos quadrinhos
serão a base teórica desta pesquisa. Para a leitura, inclusive de textos multimodais, serão
19
acionadas as obras de Dionísio e Vasconcelos (2012), Rojo e Moura (2012), Koch (2004),
Koch e Elias (2017) e Marcuschi (2008). Para o LD, levaremos em consideração os escritos
de Stray (1993) Lajolo (1996), Rangel (2001), Cavéquia e Rezende (2013), Ota (2009),
Geraldi (1997) e Batista e Rojo (2005). A ascensão do termo competências será feita com
base nas análises de Holanda (2009) e Branco, Iwasse e Zanatta (2019). A definição presente
na própria base será levada em consideração, dado que ela servirá de orientação para os LDs.
A definição de HQ e de seus gêneros virá de Ramos (2009) e os aspectos históricos delas, de
Vergueiro (2017).
20
CAPÍTULO 1
Neste primeiro capítulo, faremos um breve resumo sobre o histórico das HQs no
Brasil, desde que começaram a ser publicadas nos jornais até chegarem aos materiais
didáticos. Abordaremos a relação entre enunciado, gênero textual e hipergênero, finalizando
com definições e distinções entre tira cômica, charge e cartum.
21
quanto O Suplemento Juvenil faziam muito sucesso com o público jovem. A primeira era
veiculada apenas em São Paulo, já a segunda tinha alcance nacional e, por isso, as histórias
sequenciais de aventura ganharam a preferência entre os jovens brasileiros.
Ainda na disputa pelo protagonismo na publicação de quadrinhos no Brasil, em 1939
o jornal O Globo lança o Gibi, revista de quadrinhos com um formato reduzido e que
continha histórias completas, principalmente de super-heróis como Capitão Marvel e Tocha
Humana. Em pouco tempo, o Gibi tornou-se Gibi Mensal e por sua popularidade no Brasil, o
nome “acabou sendo utilizado para designar qualquer revista de histórias em quadrinhos,
prática que permanece até hoje” (VERGUEIRO, 2017, p. 40). O Gibi foi o propulsor para o
surgimento de outras revistas e para o mercado editorial de quadrinhos no Brasil a partir da
década de 1950.
Seria falho falar de quadrinhos infantis no Brasil sem mencionar Mauricio de Sousa.
As revistas da Turma da Mônica se tornaram um grande sucesso nacional e atraíram crianças,
principalmente do sudeste do país e de classe média e/ou alta, para as bancas durante muitos
anos. Além disso, o marketing deu muito lucro para a empresa que o desenhista criou.
Começaram a ser comercializados produtos próprios da Turma da Mônica, como brinquedos
e alimentos, e os personagens passaram a ser vistos em embalagens, desenhos animados e até
em um parque temático.
Paralelamente, construía-se uma história paralela dos quadrinhos: a dos supostos
perigos trazidos por elas às crianças. Muito desse pensamento, segundo Vergueiro (2017),
vem dos Estados Unidos. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, gêneros como suspense e
terror começaram a surgir nas revistas de quadrinhos e trouxeram desconfiança sobre a
influência que causariam nos leitores infantis.
No período da Guerra Fria, de acordo com Vergueiro (2008), o psiquiatra Fredric
Wertham começou a atender jovens norte-americanos com problemas mentais que, segundo
ele, teriam sido influenciados pelas histórias em quadrinhos. Wertham propagou a ideia de
que as HQs eram maléficas para as crianças e os adolescentes e ganhou bastante visibilidade
ao publicar, em 1954, o livro A sedução do inocente.
A defesa de que os quadrinhos eram “vilões” se espalhou não só nos Estados Unidos,
mas em todo o mundo. Muitos países da Europa começaram a restringir as publicações de
quadrinhos. Os norte-americanos criaram um “selo de qualidade”, que era carimbado na capa
de cada revista de quadrinhos, com o intuito de tranquilizar a população sobre a “boa
qualidade” das histórias.
22
No Brasil, surgiu o Código de Ética dos Quadrinhos para validar a qualidade das HQs
– muito similar ao selo norte-americano. O código basicamente salientava os valores da
sociedade da época, como família, religião, demonizava cenas de sexo, violência e
relacionamentos homoafetivos, contra o uso de gírias, não toleravam histórias com temática
de terror etc.
Com toda essa “caça aos quadrinhos”, eles começaram a ser vistos por grande parte
da sociedade como uma leitura inferior, não séria e que poderia prejudicar as crianças e os
jovens no ambiente escolar. Portanto, “qualquer ideia de aproveitamento da linguagem dos
quadrinhos em ambiente escolar seria, à época, considerada uma insanidade” (VERGUEIRO,
2008, p. 16). Décadas depois, e mesmo com as HQs em livros didáticos, vestibulares, blogs e
pages, a concepção de “uma leitura inferior” perdura, segundo Vergueiro (2008).
A inserção das HQs nos livros didáticos ocorreu de maneira gradativa. No começo, as
HQs eram utilizadas apenas para ilustrar os materiais, provavelmente porque as editoras
ainda temiam sua rejeição. Depois, as editoras passaram a seguir as orientações oficiais do
governo federal. Foram documentos que, pela primeira vez, incluíram oficialmente os
quadrinhos entre os gêneros adequados para o ensino.
A imagem das HQs no ensino começa a dar sinais de mudança com a divulgação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1997, elaborados pelo Ministério da Educação.
Para a área de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental I, recomendava-se o uso de
diferentes linguagens, como a gráfica – na qual se incluem os quadrinhos. Os PCNs do
Ensino Fundamental II e Ensino Médio também incluíram os quadrinhos e, segundo Ramos
(2017), essas orientações geraram consequências para o ensino brasileiro: textos com
imagens, entre eles os quadrinhos, deveriam ser estudados em sala de aula.
Outro marco importante para as HQs foi o Programa Nacional Biblioteca da Escola
(PNBE). Subsidiado pelo governo federal, ele tinha o intuito de comprar livros para
enriquecer as bibliotecas escolares de todo o país. O PNBE já existia desde o fim da década
de 1990, mas apenas em 2006 passou a selecionar obras em quadrinhos, dialogando com os
PCNs de Língua Portuguesa, que orientavam para a leitura de diferentes linguagens.
O governo federal queria comprar quadrinhos, mas de que tipo? Ainda sob os
fantasmas do passado, parecia haver um certo receio sobre quais obras comprar para não
propiciar uma rejeição das HQs novamente. Como o PNBE propunha enriquecer os acervos
das bibliotecas, priorizou-se a compra de adaptações de obras consagradas da literatura
brasileira e mundial para a linguagem dos quadrinhos. Segundo Yamaguti (2017), foi o
gênero dos quadrinhos mais comprado nos acervos adquiridos pelo programa.
23
A herança para as HQs deixada pelo PNBE pode ser notada através do PNLD e da
BNCC. Tanto o programa educacional quanto a base mencionam explicitamente gêneros dos
quadrinhos no que diz respeito ao trabalho com a leitura e a produção de textos no âmbito
escolar. Sendo assim, de marginalizados, demonizados e rejeitados, os quadrinhos passaram a
integrar documentos oficiais.
O uso das HQs se tornou obrigatório na base para desenvolver, por exemplo, a
seguinte habilidade: “(EF69LP05) Inferir e justificar, em textos multissemióticos - tirinhas,
charges, memes, gifs etc. -, o efeito de humor, ironia e/ou crítica pelo uso ambíguo de
palavras, expressões ou imagens ambíguas, de clichês, de recursos iconográficos, de
pontuação etc.” (BRASIL, 2017, p. 137).
Na identificação da habilidade, podemos ver a sigla “EF”, abreviação de Ensino
Fundamental, e a série correspondente, “69”, que, nesse caso específico, indica que a
habilidade deve ser desenvolvida no 6º e no 9º anos, por isso aparecem os dois números. Em
outros momentos, veremos que algumas habilidades apresentam apenas um número, o que
representa algo específico a uma série. Em seguida, vemos a abreviação de Língua
Portuguesa como “LP” para especificar a área em que esses conceitos devem ser
desenvolvidos. Por último, temos o número da ordem em que as habilidades foram
classificadas pela base, sendo citada a quinta (“05”).
24
não-repetível e individual, “enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade
real, estritamente delimitada pela alternância dos falantes” (BAKHTIN, 2000, p. 294).
“O enunciado sempre é acompanhado de uma atitude responsiva ativa e uma
compreensão responsiva ativa, que diz respeito ao fato de o ouvinte receber e compreender
um discurso e a fase preparatória para uma resposta” (GARCIA, 2018, p. 48). Os enunciados
são construídos a partir de intenções comunicativas que originam os gêneros. Os gêneros,
podem ser considerados como flexíveis e passíveis de mudança, a depender de seu conteúdo
temático, construção composicional e estilo, em um momento sócio-histórico específico.
Bakhtin (2003), afirma que os gêneros podem ser primários ou secundários, o
primeiro diz respeito a gêneros da esfera cotidiana, por exemplo, um bilhete. Já o segundo,
refere-se à esferas culturais de maior complexidade, por exemplo, um romance. Para o autor
russo, nos apropriamos tanto dos gêneros primários quanto dos secundários no dia a dia, pela
convivência com as pessoas ao nosso redor e de acordo com a comunidade a qual estamos
inseridos.
Marcuschi (2002, p. 19-36), salienta que o gênero textual é o texto como realização
linguística concreta definida por propriedades sócio-comunicativas. É uma unidade
comunicativa realizada, trata-se de um artefato situado produzido por atores sociais, com
objetivos específicos. Portanto, cada materialização de texto realizada em um determinado
contexto passou a ser designada como gênero textual, inclusive as HQs.
Dada sua complexidade, o conceito de gênero foi discutido e incorporado por diversos
autores e pesquisadores de diferentes campos teóricos. Trabalhamos neste estudo com base na
definição de quadrinhos proposta por Ramos (2009, p. 20, grifo do autor): “quadrinhos ou
histórias em quadrinhos seriam um grande rótulo, um hipergênero, que agregaria diferentes
outros gêneros, cada um com suas peculiaridades”. Para explicar essa abordagem, é
necessário detalhar o conceito de hipergênero, adotado pelo autor a partir dos estudos de
Maingueneau (2006, 2010).
Para o linguista francês, a noção de gênero passou por diversas categorizações ao
longo do tempo, o que gerou tipologias distintas. Maingueneau (2006) afirma que a natureza
dos gêneros implica a consideração de sua constante evolução, do modo como a sociedade
evolui, uma vez que qualquer modificação significativa em seu estatuto material pode
transformá-los profundamente.
Essa constante evolução, como o autor comenta, impactou no modo como ele define o
hipergênero. Na primeira abordagem do conceito (MAINGUENEAU, 2006), ele é visto como
a presença de elementos comuns a diferentes gêneros:
25
[O hipergênero] trata-se de categorizações como “diálogo”, “carta”, “ensaio”,
“diário”, etc. que permitem “formatar” o texto. Não se trata, diferentemente do
gênero do discurso, de um dispositivo de comunicação historicamente definido, mas
um modo de organização com fracas coerções que encontramos nos mais diversos
lugares e épocas e no âmbito do qual podem desenvolver-se as mais variadas
encenações da fala (MAINGUENEAU, 2006, p. 244).
A carta, citada pelo autor, pode ser tomada como exemplo para melhor entender a
aplicação do conceito. Ela teria uma configuração própria e comum a diferentes gêneros.
Cada um, no entanto, seria distinto do outro. Desse modo, a carta de amor e a carta do leitor,
a título de ilustração, teriam marcas compartilhadas do que seria uma carta (uso de primeira
pessoa, início e encerramento do contato estabelecido com o interlocutor etc.), porém
configurariam gêneros próprios e autônomos.
O hipergênero se enquadraria no modelo de gêneros do discurso pensado pelo autor.
Ele os divide em instituídos (ao longo da interação, os papéis dos integrantes tendem a se
manter) e conversacionais (sua composição, temática e interação é mais instável/variada).
Baseados nessas distinções, as HQs poderiam ser consideradas como instituídas, já que, seus
roteiros e temáticas são planejadas previamente.
Com a grande influência das novas tecnologias e mídias sociais na vida dos cidadãos,
a noção de hipergênero seria alargada pelo autor, tendo em vista, principalmente, os que
circulam e são produzidos na internet. Maingueneau (2010) afirma que os websites também
podem ser analisados segundo o conceito de hipergênero. Conforme o autor, a Web “não é
apenas o lugar onde aparecem novas formas de genericidade: ela transforma as condições de
comunicação, o que se considera gênero, e a própria noção de textualidade”
(MAINGUENEAU, 2010, p. 132). O “hiper”, nessa nova acepção, seria a reunião de
diferentes gêneros em um mesmo ambiente.
A aproximação do hipergênero com os quadrinhos, feita por Ramos, toma como base
a primeira acepção do conceito, ou seja, as HQs teriam marcas comuns (uso de balão,
onomatopeias, articulação entre imagem e palavra), manifestadas em diferentes gêneros,
todos autônomos e distintos uns dos outros. Imaginando-as como uma escada, cada degrau
simboliza um dos gêneros que compõem esse hipergênero, como charge, cartum e tira
cômica.
Os eventuais tropeços nos degraus ocorrem, justamente, porque todos os gêneros
usam recursos da linguagem dos quadrinhos, como o balão de fala e textos com linguagem
verbal e não verbal. Nos livros didáticos, encontramos a escada, porém os degraus nem
26
sempre estão posicionados da maneira mais adequada. Uma sinalização disso são as
diferentes maneiras como as tiras são nomeadas nos LDs.
Deroza e Ramos (2020) observaram como elas foram referidas em um livro didático
direcionado ao sexto ano do Ensino Fundamental II. Dos 37 casos utilizados no livro, as
histórias foram nomeadas de três formas diferentes: tira (14 casos), HQ (12) e tirinha (11).
Mais do que formas sinônimas, os autores defendem que seja reflexo de uma imprecisão com
relação ao gênero em si. A obra define tira como uma HQ, com três ou quatro quadros,
produzida em uma única faixa horizontal e publicada em revistas e jornais. Nem todas foram
reproduzidas dessa forma no livro (havia casos de histórias dispostas no tamanho equivalente
ao de duas tiras).
Maingueneau (2006, p. 233) já ressaltava a dificuldade de “distinguir as tipologias de
gêneros que vêm dos usuários das que são elaboradas pelos pesquisadores.” O assunto consta
também na definição de quadrinhos como hipergênero proposta por Ramos (2007, p. 50):
Visto que cada material tende a rotular os gêneros da forma que julgar mais adequada,
é comum encontrar algumas ambiguidades e equívocos relacionados às HQs e, por isso, é
necessário que se tenha clareza sobre os nomes mais adequados presentes na literatura teórica
sobre o assunto, bem como as características recorrentes dos gêneros. Não todos,
evidentemente, mas dos mais presentes nos materiais didáticos. Nesse sentido, os mais
utilizados tendem a ser as tiras, as charges e os cartuns.
De acordo com Ramos (2009, p. 5), tiras cômicas (ou somente tiras, forma sinônima)
são, resumidamente, “produções marcadas por um desfecho inesperado, tal qual a piada.".
Como podemos ver no caso a seguir (Figura 1), da série Um Sábado Qualquer, do quadrinista
Carlos Ruas:
27
Fonte: Blog Um Sábado Qualquer. Disponível em: <https://www.umsabadoqualquer.com/>. Acesso
em: 2 fev. 2022.
28
Fonte: Charge Online. Disponível em: <https://www.chargeonline.com.br/>. Acesso em: 6 fev. 2022.
29
É comum notar uma confusão no momento de diferenciar charges e cartuns devido às
suas semelhanças. Contudo, a literatura sobre o assunto tende a distinguir uma da outra.
Segundo Ramos (2009, 2011), enquanto o primeiro utiliza um fato do noticiário atual para
produzir o efeito de humor e a consequente crítica, o segundo não precisa, necessariamente,
estar ligado a notícias do cotidiano. É como se pode observar neste caso, do falecido
desenhista Nani:
Fonte: Nani humor. Disponível em: <http://www.nanihumor.com/>. Acesso em: 2 fev. 2022.
No cartum, vemos dois homens, um rotulado como otimista, que vê o copo meio
cheio, e outro como pessimista, que observa o conteúdo como meio vazio. Um terceiro,
mostrado à direita, dá o arremate cômico à situação criada no cartum. Intitulado como
político, ele afirma que, independentemente do que os outros acham do copo, quer 10% do
líquido ali contido.
Apesar de o cartum apresentar a figura de um político, ele não necessariamente está
relacionado a uma notícia jornalística específica. Na sociedade brasileira, é comum associar a
figura de um político como alguém vinculado à corrupção, que sempre quer tirar vantagem de
algo em benefício próprio. Portanto, diferentemente da charge, este cartum não necessita que
o leitor recupere reportagens da época em que a história humorística foi publicada.
Dentre os três gêneros exemplificados, o mais recorrente nos materiais analisados é a
tira cômica. Garcia (2018) analisou 24 livros de seis coleções do PNLD de 2014 voltadas ao
Ensino Fundamental II, mesmo foco deste nosso estudo. A autora constatou que, dentre os 30
gêneros midiáticos presentes nas obras, a maior incidência foi a de tiras. Foram encontrados
30
417 casos. Para se ter uma dimensão comparativa, o segundo e terceiro gêneros mais
encontrados, anúncio e notícia, computaram 87 e 79 casos cada um, respectivamente.
Devido às similaridades entre os gêneros, é natural que ocorram alguns equívocos no
momento de identificá-los. Conforme Deroza e Ramos (2020, p. 50), pode-se notar uma certa
confusão nos materiais didáticos no momento de nomear as atividades com quadrinhos:
charges sendo nomeadas como tiras, cartuns como charges, entre outras situações
semelhantes.
Na escola, cabe ao professor tentar discernir os gêneros das HQs para melhor orientar
seus alunos. Essas confusões e pouca familiaridade podem ser encontradas até na BNCC,
quando o documento menciona quadrinhos nos diferentes campos de atuação, ora como
gênero do campo jornalístico, ora como gênero literário, nunca como quadrinístico, conforme
veremos adiante.
31
CAPÍTULO 2
PNLD E BNCC
Como neste estudo temos o intuito de analisar o PNLD de 2020, optamos por não
retomar todo o contexto histórico de criação, implementação e consolidação do PNLD2, já
que entendemos que o programa possui feições multifacetadas ao atender interesses públicos,
ideológicos e diferentes contextos históricos, os quais não pretendemos abordar e/ou discutir
nesta pesquisa.
Primeiramente, para termos uma ideia da dimensão do PNLD, buscamos alguns
dados3 de 2019/2020, quando o governo federal investiu R$ 1.390.201.035,55 na compra e
distribuição de livros didáticos para toda a Educação Básica, da Educação Infantil ao Ensino
Médio. Com relação aos livros dos Anos Finais do Ensino Fundamental, que é o foco deste
estudo, foram adquiridos 80.528.321 exemplares, distribuídos para 48.213 escolas e
chegando a 10.197.262 estudantes de diferentes regiões do país. Esses dados estatísticos
comprovam não apenas a importância do programa para a educação e a sociedade, mas
também para a economia.
2
É possível acessar o histórico do PNLD, sob o ponto de vista do MEC, no site:
<http://www.fnde.gov.br/component/k2/item/518-hist%C3%B3rico#:~:text=O%20Programa%20Nacional%20d
o%20Livro,com%20outra%20denomina%C3%A7%C3%A3o%2C%20em%201937.&text=1937%20%2D%20
O%20Decreto%2DLei%20n%C2%BA,o%20Instituto%20Nacional%20do%20Livro.> . Acesso em: 06 de
janeiro de 2022.
3
Fonte: FNDE. Disponível em:
<https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/dados-estatisticos>. Acesso em: 06 de
janeiro de 2022.
32
O PNLD possui como objetivos “a aquisição e a distribuição, universal e gratuita, de
livros didáticos para alunos de todas as escolas públicas de Ensino Fundamental, visando
assegurar a qualidade dos livros didáticos 50 a serem adotados nas salas de aula em todo o
Brasil” (BATISTA, 2004, p. 1). Vê-se a dimensão que tem o programa e a inserção do livro
didático no ensino do país. Na leitura de Lajolo (1996, p. 3):
4
Fonte: FNDE. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/component/k2/item/518-hist%C3%B3rico>. Acesso
em: 06 de janeiro de 2022.
5
Idem nota 4.
33
material on-line ou baixar o Guia completo gratuitamente na página do Guia Digital do
PNLD6.
É esperado que, no decorrer dos anos, mudanças essenciais ocorreram nos LDs em
termos conceituais, políticos e metodológicos. No que diz respeito aos livros de Língua
Portuguesa, Rangel (2001, p. 8) afirma que:
Assim, para Cavéquia e Rezende (2013, p. 320), “especialmente no que se refere aos
critérios de avaliação, não se pode negar que o PNLD impulsionou a melhoria dos livros
educativos”. Ainda hoje, há um longo caminho de melhorias a percorrer, mas, para as autoras,
todos os relacionados aos LDs, aos programas governamentais e ao processo de
ensino-aprendizagem devem “assumir cada vez mais seus papéis nesse jogo, cuja meta
é/deveria ser mudar o quadro de déficit de aprendizagem das crianças e jovens do Brasil.”
(CAVÉQUIA E REZENDE, 2013, p. 320).
Ota (2009, p. 213) afirma que o LD passa a “assumir um papel preponderante na sala
de aula em virtude das significativas transformações por que passa o sistema educacional”.
Segundo a autora, o LD vem para suprir as deficiências da formação de professores e
professoras e, “como há uma deficiência muito grande nas políticas de formação continuada,
6
Fonte: Guia Digital do PNLD. Disponível:
<http://www.fnde.gov.br/component/k2/item/518-hist%C3%B3rico>. Acesso em: 10 de março de 2020.
34
o LD acaba funcionando, muitas vezes, como mecanismo de atualização profissional, ainda
que não seja essa sua função” (OTA, 2009, p. 214).
Bunzen (2005, p. 2) ressalta que o LD “é um elemento tão presente na sala de aula
quanto o próprio professor”. Para o autor, “o livro é quem ´comanda´ o professor. É por este
motivo que denominamos o livro como: a bíblia do professor.” (BUNZEN, 2000, p. 2). Já
para Geraldi (1997, p. 180), “não é o professor que adota o LD, mas, o professor é adotado
pelo LD, devido a uma série de fatores, tais como: as facilidades que o LD proporciona, a
escassez de materiais didáticos, falta de uma política de formação adequada”.
Pelos diferentes aspectos do que foi exposto, podemos observar a relevância da
utilização dessas publicações em sala de aula e sua distribuição por meio do PNLD.
Compreendemos a pertinência das questões que envolvem o uso dos LDs nas escolas
públicas de todo o país. Entretanto, para este estudo, entendemos o LD como uma ferramenta
de grande importância no processo de ensino-aprendizagem com o intuito de, segundo Batista
e Rojo (2005, p. 15), “auxiliar no ensino de uma determinada disciplina, por meio da
apresentação de um conjunto extenso de conteúdos do currículo, de acordo com uma
progressão, sob a forma de unidades ou lições, e por meio de uma organização que favorece
tanto usos coletivos, quanto individuais.”.
Para este estudo, definimos o LD como “um produto cultural composto, híbrido, que
se encontra no cruzamento da cultura da pedagogia, da produção editorial e da sociedade”
(STRAY, 1993, apud FREITAS E RODRIGUES, 2007, p. 2). O caráter híbrido pode ser visto
ainda em outra acepção, não apenas na interligação de diferentes frentes, como indica Stray,
mas também na própria composição do conteúdo das obras. Isso é bastante evidente – e cada
vez mais presente – nas obras do ensino de Português no contexto educacional brasileiro.
A abordagem de Língua Portuguesa tem seu currículo voltado às práticas sociais e às
múltiplas linguagens, como apontam diferentes autores que abordaram o ensino de
linguagens, entre os quais podem ser lembrados Dionísio (2008, 2011 e 2013), Batista e Rojo
(2005), Rojo e Moura (2012) e Bunzen e Mendonça (2013). O caráter híbrido se dá também
na própria composição dos textos, vistos contemporaneamente não mais como produções
exclusivamente verbais, mas com a presença de diferentes modalidades (imagem, cor).
Esses textos, nomeados de multimodais por condensar em diferentes códigos, estão na
base da constituição das histórias em quadrinhos, que articulam elementos verbais escritos e
visuais. Nesse sentido, Dionísio (2005, p. 161) irá defender que a multimodalidade passa a
ser um traço constitutivo dos textos falados e escritos, produzidos em diferentes gêneros:
“Em consequência, os nossos habituais modos de ler um texto estão sendo reelaborados
35
constantemente. Não se salienta aqui a supremacia da imagem ou da palavra na organização
do texto, mas sim a harmonia (ou não) visual estabelecida entre ambos”.
É esperado que esse olhar híbrido (nas duas acepções) e multimodal permeia a
constituição dos livros didáticos de Língua Portuguesa (LDLP). Os reflexos foram sendo
construídos paralelamente às mudanças e às revisões no ensino de língua materna expostas
nos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa (PCNLP). Nos parâmetros, os objetivos
do ensino de Português “se concentram nas atividades de produção e compreensão de textos,
visando a permitir a expansão das possibilidades do uso da linguagem, relacionadas às quatro
habilidades básicas: falar, escutar, ler e escrever” (PCNLP, 1998, p. 8).
Apesar das mudanças de perspectiva sobre o ensino de língua materna presentes no
PCNLP, atualmente, as coleções de LDLP, em sua maioria, possuem uma estrutura muito
semelhante, “o livro didático é composto por unidades, lições e módulos, em que são
trabalhados um tema e o conteúdo através de textos e seguidos de atividades propostas para
serem executadas por professores e alunos” (BEZERRA, 2001, p. 33). Embora haja esta
uniformidade nas coleções de LP, para que sejam selecionadas pelo edital do PNLD e possam
ser trabalhadas em escolas públicas de diferentes regiões do país, as coleções devem estar de
acordo com as competências e as habilidades propostas pela BNCC para o ensino de
Português. A seguir, conceituaremos a BNCC e apresentaremos quais são as competências e
as habilidades que, segundo ela, devem ser trabalhadas durante as aulas de LP.
36
Rousseff e à ascensão de seu vice, Michel Temer, à Presidência da República, em agosto de
2016. A primeira versão do documento foi duramente criticada, devido ao seu caráter
conservador e divergências políticas em razão da mudança de governo na época7.
De acordo com Morgado e Corrêa (2018), para a segunda versão do documento, em
2016, o MEC aceitou sugestões e contribuições da sociedade civil e foram realizados
seminários em diferentes estados brasileiros com professores, gestores e especialistas. Mesmo
com os debates, segundo o portal de notícias G18, a nova versão do documento gerou
polêmica por suas lacunas nas disciplinas de história e literatura. Sobre esta, que dialoga com
nosso estudo relacionado a LP, o trabalho com a literatura portuguesa não fazia parte dos
conteúdos programáticos previstos para os Anos Finais do Ensino Fundamental.
A terceira versão foi redigida colaborativamente, assim como a segunda, e, mesmo
inviabilizando a discussão sobre identidade de gênero e orientação sexual, o que gerou
críticas, debates, divergências e inconstâncias conforme apontam Branco, Branco, Iwasse e
Zanatta (2019), esta última versão do documento foi aprovada e homologada pelo MEC em
dezembro de 2017. Ficou estabelecido que:
Nessa terceira versão do texto, observamos que a Base tem como um de seus
objetivos “superar as barreiras no ensino brasileiro” (BRASIL, 2017). O trecho lança um
desafio e muitos questionamentos quanto ao cumprimento dele. Seriam algumas barreiras
mais relevantes do que outras? Fazendo uma ponte com a parte do documento sobre os Anos
Iniciais do Ensino Fundamental, é estabelecida uma idade máxima para a conclusão do
processo de alfabetização, ignorando, assim, as peculiaridades individuais dos alunos no
processo de aprendizagem.
O Ensino Religioso presente nas duas primeiras versões da Base foi excluído na
terceira versão de 2017 para então ser reinserido quando o texto já havia sido aprovado. Ao
7
Fonte: Jornal da Unicamp. Disponível em:
<https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2017/12/04/base-curricular-e-conservadora-privatizante-e-ameaca
-autonomia-avaliam>. Acesso em: 15 de junho de 2021.
8
Fonte: G1. Disponível em:
<https://g1.globo.com/educacao/noticia/mec-apresenta-segunda-versao-da-base-nacional-comum-curricular.ght
ml>. Acesso em: 12 de agosto de 2021.
37
abolir da versão final termos relacionados à orientação sexual e à identidade de gênero, mas
inserir o Ensino Religioso no documento sem ao menos citar qual formação um professor
deve ter para lecionar tal disciplina, notamos motivações ideológicas e políticas, com a
promessa de que “cabe ao Ensino Religioso tratar os conhecimentos religiosos a partir de
pressupostos éticos e científicos, sem privilégio de nenhuma crença ou convicção.”
(BRASIL, 2017, p. 436).
Apesar das controvérsias e ambiguidades da terceira e última versão da BNCC para o
Ensino Fundamental, o texto foi aprovado e entrou em vigor a partir de então. Sobre o ensino
de LP, o documento divide a disciplina em quatro eixos principais, com competências e
habilidades específicas para cada eixo a serem desenvolvidas pelos estudantes. Os quatro
eixos são:
● eixo da leitura;
● eixo da produção de textos;
● eixo da oralidade;
● eixo da análise linguística/semiótica.
38
CAPÍTULO 3
39
capacidades que o indivíduo desenvolve para se tornar competente em alguma coisa. No
âmbito do ensino, há o anseio de formar leitores competentes, que se mostrem capazes de
compreender e de se posicionar diante dos textos. Para tornar-se hábil em certas tarefas é
necessário treino e aperfeiçoamento. Dessa forma, dizemos que um estudante desenvolveu
determinada competência quando o mesmo reúne um conjunto de habilidades necessárias
para atingir seu objetivo.
Como neste estudo pretendemos compreender como se dá o trabalho com as
competência nos LDLP, entendemos ser relevante observar a definição de competências da
própria BNCC:
40
Fonte: OLIVEIRA, T. A. Tecendo linguagens: língua portuguesa: 6º ano. 5. ed. São Paulo: Barueri:
IBEP, 2018, p. 46.
41
Figura 5 - Competências específicas de LP
42
Para que um estudante desenvolva de maneira satisfatória as competências propostas
pela Base, é necessário mobilizar diferentes habilidades. As habilidades indicam o que
aprendemos a fazer e são sempre associadas a verbos de ação (identificar, classificar,
descrever etc.) 9. Na BNCC, as habilidades estão organizadas de forma progressiva, da mais
simples para a mais complexa, e diretamente ligadas às competências.
Por exemplo, para apropriar-se da linguagem escrita, como propõe a segunda
competência específica de LP, é necessário que o estudante desenvolva as habilidades de ler,
compreender, escrever, posicionar-se etc. Assim, quanto maior o nível de exigência da
competência, maior será o número de habilidades desenvolvidas.
O desenvolvimento das habilidades não acontece de maneira descontextualizada, mas,
sim, “por meio da leitura de gêneros que circulam nos diversos campos de atividade
humana”, de acordo com a BNCC (2017, p. 80). Desse modo, podemos encontrar um ou mais
gêneros presentes em diferentes campos. Para os Anos Finais do Ensino Fundamental, quatro
campos principais de atuação da vida social são elencados para serem trabalhados:
9
Fonte: Centro de referências em educação integral. Disponível em:
<https://educacaointegral.org.br/reportagens/bncc-voce-sabe-diferenca-entre-competencias-e-habilidades/>.
Acesso em: 12 de janeiro de 2022.
10
Fonte: BNCC. (BRASIL, 2017, p. 138, 139, 144, 145, 148, 149, 154 e 155).
43
A Base justifica que a escolha por esses campos:
(...) deu-se por se entender que eles contemplam dimensões formativas importantes
de uso da linguagem na escola e fora dela e criam condições para uma formação
para a atuação em atividades do dia a dia, no espaço familiar e escolar, uma
formação que contempla a produção do conhecimento e a pesquisa; o exercício da
cidadania, que envolve, por exemplo, a condição de se inteirar dos fatos do mundo e
opinar sobre eles, de poder propor pautas de discussão e soluções de problemas,
como forma de vislumbrar formas de atuação na vida pública; uma formação
estética, vinculada à experiência de leitura e escrita do texto literário e à
compreensão e produção de textos artísticos multissemióticos.(BRASIL, 2017, p.
82).
3.2 Leitura
44
Na Linguística Textual, área teórica acionada para definir leitura, não se pode
desarticular o ato de ler ao de compreender. O texto (tanto o oral quanto o escrito, composto
por diferentes modalidades) é visto como o local da interação entre sujeitos. Tanto
autor/falante quanto leitor/ouvinte trazem para esse evento comunicativo contextos próprios,
conhecimentos sócio-culturais construídos ao longo da vida e armazenados na mente. São
acionados no contato mediado pelo texto.
Koch (2004, p. 175) ressalta que o texto tem de ser entendido como “uma entidade
multifacetada, fruto de um processo extremamente complexo de interação social e de
construção social de sujeitos, conhecimento e linguagem”. Por isso, para essa corrente
teórica, não se diz que o texto é um produto, mas um processo, visto sempre de forma
situada. Para Marcuschi (2008, p. 237), trata-se de “um evento comunicativo, cuja existência
depende de que o leitor o processe em algum contexto, seu sentido deverá ser sempre
situado”.
O que se poderia acrescentar a essas definições trazidas por Koch e Marcuschi seria o
elemento multimodal. Para Cavalcante e Filho (2010, p. 64), ao incluírem esse aspecto à
definição do que seja um texto, ressaltam que “a natureza multifacetada do texto comporta
em sua constituição a possibilidade de a comunicação ser estabelecida não apenas pelo uso
da linguagem verbal, mas pela utilização de outros recursos semióticos”.
A Linguística Textual, desse modo, incorpora os apontamentos feitos por Kress e Van
Leeuwen (2006, p. 10), de que todo texto é multimodal, ou seja, “o texto cujo significado se
dá pela composição e interação de mais de um código semiótico é aquele tido como
multimodal”. Aspectos comuns a essa abordagem podem ser encontrados na definição de
texto trazida pela BNCC:
Os pontos de contato são tão evidentes que se pode afirmar que a definição da base
toma como fonte os estudos textuais. Logo, como destacam Dionísio e Vasconcelos (2013, p.
20), “inserir no âmbito escolar a diversidade de textos que circulam socialmente, organizados
a partir de construtos semióticos geradores de sentido e veiculados em suportes adversos,
significa promover o desenvolvimento cognitivo dos aprendizes”.
45
Para Martins (2019, p. 4), a interação da população com os diversos recursos visuais
pode ser observada no uso constante das redes sociais, em aplicativos de interação social e
outras tecnologias digitais em que as pessoas já fazem uso dos recursos visuais, como
responder alguém usando emojis ou outras imagens.
Vê-se, portanto, que a concepção de texto está diretamente relacionada à
multimodalidade. Falar de leitura implica levar ambos os aspectos em consideração. Costa,
Silva e Rodrigues (2021, p. 8) afirmam que uma aprendizagem de leitura significativa seria
aquela que alie a materialidade visual à escrita. Adotamos para esta pesquisa, portanto, o
conceito de leitura como uma prática social, cognitiva e interacional, que considera os
sujeitos como seres ativos na constituição do texto, por meio de um processo interativo.
Para Koch e Elias (2017, p. 11), é necessário que “as atividades de leitura propostas
pela escola possam conduzir para a competência leitora do aluno, elas devem ser veículos de
interação com o conhecimento linguístico, conhecimento textual e conhecimento de mundo
que o aluno detém”. Essa carga de diferentes conhecimentos integra a base sociocognitiva
dos sujeitos, fazendo com que tragam contextos próprios no contato com os textos.
Não se pode, então, entender o ato de ler sem se levar em conta a interação entre os
seres. Além disso, acreditamos que a equivalência entre o autor, o texto e o leitor
desempenham um papel primordial dentro desta perspectiva de leitura. Kleiman (1989),
enfatiza que o processamento da compreensão de um texto passa a ser caracterizado pela
utilização dos conhecimentos prévios do leitor, um item importante para a interpretação do
texto. A autora ainda classifica os conhecimentos adquiridos e mobilizados durante o ato de
ler em três categorias: conhecimento linguístico, conhecimento de mundo e conhecimento
textual.
A primeira, como o próprio nome já diz, está relacionada ao conhecimento da
estrutura da língua, suas regras, usos e vocabulário. O conhecimento linguístico, é o que nos
permite “compreender a organização do material linguístico na superfície textual” (KOCH E
ELIAS, 2006, p. 40).
O conhecimento de mundo e/ou enciclopédico, é o saber que possuímos em relação
às coisas existentes no mundo e/ou na sociedade a qual estamos inseridos. É o conhecimento
onde “vão sendo acumuladas todas as informações gerais sobre o mundo adquiridas por meio
das experiências vivenciadas pelos indivíduos” (KOCH E ELIAS, 2006, p. 42).
Por fim, o conhecimento textual, “é constituído pelo conjunto de noções e conceitos
adquiridos sobre os textos, seus usos e estruturas” (KLEIMAN, 1989, p. 15). Desse modo, a
bagagem que cada indivíduo possui sobre o funcionamento de diferentes tipos de textos e os
46
distintos usos dos gêneros em sociedade é utilizada constantemente no momento da leitura e,
assim, “há uma constante interação dos diversos níveis de conhecimento de modo que o leitor
lança mão simultaneamente de todos eles na construção do sentido do texto” (KLEIMAN,
1989, p. 15).
No caso dos adolescentes, perfil esperado dos alunos do Fundamental II, a expectativa
é que estejam habituados aos textos multimodais dentro e fora da escola, principalmente, com
a ascensão das novas tecnologias e múltiplas formas de interação. Por isso, em sala de aula, o
docente não deve desconsiderar os conhecimentos prévios trazidos pelos estudantes.
Ainda em consenso com o posicionamento de leitura como um processo interativo,
Marcuschi (2008, p. 242) acentua a relação produtor, leitor e texto:
Uma vez mais em consonância com a ótica da LT, para a BNCC, a leitura “é tomada
como uma prática de linguagem de interação ativa do leitor em relação aos diferentes tipos de
textos orais, escritos e semióticos e de sua interpretação/compreensão” (BRASIL, 2017, p.
70). Rojo e Moura (2012) acrescentam que as recentes práticas sociais necessitam de sujeitos
com leitura crítica, capazes de interpretar inúmeros textos multimodais, acompanhando o
desenvolvimento tecnológico e das demandas sociais.
De acordo com a concepção interacionista que temos de leitura, a qual mobiliza
aspectos cognitivos, discursivos e linguísticos para dar sentido a um texto, os conhecimentos
funcionam como uma atividade responsiva do leitor sobre aquilo que lê. Lajolo (1982, p.
59), ressalta que ler é “a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significação e conseguir
relacioná-lo a todos os outros textos significativos”.
Acredita-se que o letramento é o que as pessoas fazem com as capacidades de leitura
e escrita. Nessa interpretação do conceito de letramento, tem-se uma visão em que as práticas
de leitura e escrita envolvem processos mais abrangentes, responsáveis por afirmar ou
questionar valores e formas de distribuição de poder. Freire (2001), ressalta que alfabetizar
47
significa muito mais do que o domínio da técnica da escrita e leitura, já que, ao ler e ao
escrever, o sujeito ressignifica seu estar no mundo, para desenvolver uma consciência crítica
que possibilite certas práticas políticas de mobilização e organização.
Ademais, as diferentes leituras e atividades propostas nas aulas de LP têm como
principal objetivo promover a autonomia dos alunos através da reflexão e interpretação das
leituras, “para que estes estejam preparados para serem sujeitos autônomos e críticos nas
várias práticas de letramentos referentes aos diversos eventos sociais e culturais da
sociedade” (GARCIA, 2018, p. 64).
48
CAPÍTULO 4
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
49
Para delimitar o corpus, optamos pelo PNLD mais recente, considerando o início do
processo seletivo para o mestrado, segundo semestre de 2019, até o ingresso oficial no
programa, fevereiro de 2020. Desse modo, escolhemos o PNLD 2019/2020, ou seja, os
materiais didáticos que foram selecionados pelo programa em 2019 e distribuídos para as
escolas em 2020.
O primeiro passo foi acessar a lista dos livros didáticos selecionados, disponível no
site do Ministério da Educação (MEC). Na planilha divulgada, foi possível encontrar o
código do livro, título, editora, etapa de ensino, ano/série, quantidade de exemplares que
foram comprados, o valor unitário de cada um e o total da compra.
No total, foram 580 títulos selecionados, contando todas as disciplinas. Contudo,
como o foco da pesquisa é analisar apenas os LDLP, deixamos de fora os demais, incluindo
os interdisciplinares (Educação Física e Biologia, Português e Artes etc.). Assim, chegamos a
32 títulos, contando apenas os de Português das séries dos Anos Finais do Ensino
Fundamental (6º, 7º, 8º e 9º anos).
Posto isto, chegamos a 6 coleções selecionadas. Elas foram sintetizadas no quadro a
seguir:
50
- Lucy Aparecida Melo
Araújo
Fonte: autora da dissertação
Apesar de todas as 6 coleções terem sido aprovadas e compradas pelo PNLD 2020,
havia a necessidade de estabelecermos um recorte para compor o corpus. Nesse sentido, o
critério adotado foi a seleção daquela que foi adquirida em maior número pelo programa11.
Dessa forma, chegamos à coleção Tecendo linguagens.
A coleção Tecendo linguagens teve o volume do 6º ano como a 14ª obra mais
comprada pelo PNLD 2020 de maneira geral e, dentre os livros de Português, foram 852.037
exemplares adquiridos. Em relação aos do 9º ano, 687.298 livros foram adquiridos pelo
programa, sendo a primeira obra de Língua Portuguesa mais comprada.
Os livros que compõem Tecendo linguagens foram escritos por Tania Amaral Oliveira
e Lucy Aparecida Melo Araújo, ambas professoras do ensino fundamental da rede pública e
privada, respectivamente. A coleção teve sua 5ª edição publicada em 2018, é composta por
quatro volumes (do 6º ao 9º ano), cada volume é dividido em quatro unidades tendo cada uma
sua temática central fragmentada em capítulos e seções. Veja a seguir um resumo feito pelas
próprias autoras sobre as seções, subseções e boxes encontrados na coleção:
12
● Prática de leitura: momento de leitura de textos verbais e não verbais e
desenvolvimento da competência leitora. Antes do texto, são propostas aos
alunos perguntas para explorar o conhecimento prévio, para levantar hipóteses
e fazer inferências em relação ao tema abordado na leitura. No capítulo,
haverá várias seções Práticas de leitura e os textos serão numerados como
Texto 1, Texto 2 etc.
● Glossário: boxe que apresenta o significado de algumas palavras do texto
lido. Geralmente está associado ao texto da seção Prática de leitura.
● Conhecendo o autor: boxe subordinado ao texto da Prática de leitura que
mostra uma pequena biografia do autor.
11
Os dados estatísticos estão disponíveis no site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)
http://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/dados-estatisticos
12
Fonte: Editora FTD. Disponível em:
<https://issuu.com/editoraftd/docs/portugues_ibep_mpu_6ano_divulgacao_f049827f01d06f>. Acesso em: 3
mar. 2020.
51
● Por dentro do texto: subseção que propõe questões de compreensão e
interpretação do texto lido na Prática de leitura. Orienta a retomada das
hipóteses e inferências formuladas antes da leitura e, quando pertinente,
explora o uso do dicionário.
● Linguagem do texto: subseção subordinada à seção Prática de leitura que
analisa aspectos da linguagem do texto lido, sua construção e forma.
● Trocando ideias: concebendo que o ensino escolar tem (ou deveria ter) um
caráter interativo e relacional, esta seção tem a finalidade de permitir aos
alunos a expressão oral de suas ideias a respeito do conteúdo dos textos ou das
situações-problema apresentadas no capítulo. As questões que a compõem
podem ser ponto de partida para discussões mais amplas e, muitas vezes,
abrem espaço para a reflexão sobre temas transversais ou para a mobilização
de conhecimentos de outras áreas e disciplinas. Assim, além de desenvolver
sua capacidade de expressão oral e de argumentação, os alunos podem refletir
sobre sua realidade e posicionar-se diante de questões e temas significativos,
estreitando as pontes entre os saberes escolares e a própria vida.
● Conversa entre textos: seção que propõe a comparação entre textos do
capítulo, no que diz respeito à temática, estrutura, linguagem, entre outros
aspectos.
● Momento de ouvir: seção que tem como objetivo contribuir para o
desenvolvimento da oralidade, leitura e produção. Isso porque a escuta
envolve diferentes práticas de linguagem, permitindo a relação dos alunos com
diferentes tipos de texto e mídias. Ou seja, o aluno é convidado a um momento
de partilha e apreciação no qual terá o contato com o gênero ampliado,
inclusive com diferentes gêneros e práticas da cultura digital.
● Reflexão sobre o uso da língua: nesta seção, privilegia-se a reflexão sobre os
aspectos funcionais da utilização da língua e os efeitos de sentido produzidos
pelo uso dos recursos semânticos, estilísticos e morfossintáticos, responsáveis
pela coesão e coerência textuais.
● Aplicando conhecimentos: subseção que apresenta atividades para que o
aluno coloque em prática o conteúdo estudado na seção Reflexão sobre o uso
da língua.
● De olho na escrita: seção que apresenta atividades que visam à reflexão do
aluno principalmente sobre as regularidades da língua em relação à ortografia.
52
Para isso, os alunos farão inferências com palavras retiradas dos textos
estudados. Espera-se auxiliá-los a construir a imagem da escrita de uma
palavra, possibilitando a diminuição gradativa dos erros ortográficos.
● Hora da pesquisa: seção que propõe questões para pesquisa relacionadas ao
tema ou aos textos estudados no capítulo. Seu principal objetivo é propiciar
aos alunos possibilidades para desenvolver sua autonomia por meio de
pesquisas orientadas.
● Produção de texto: seção que propõe a produção de texto de um gênero
trabalhado em uma das seções Prática de leitura do capítulo. Além das
orientações para a produção, geralmente apresenta um quadro de
planejamento, orientações para a textualização, avaliação e reescrita, além de
sugestões para a circulação do texto.
● Na trilha da oralidade: seção destinada ao desenvolvimento de um trabalho
mais específico e, ao mesmo tempo, mais amplo a respeito de como se
estabelecem as relações entre o oral e o escrito. Além do reconhecimento das
características gerais dos gêneros orais e sua produção, há também um estudo
das características estruturais e linguísticas do texto falado, sendo um dos
exercícios principais o procedimento de retextualização.
● Para você que é curioso: boxe que apresenta curiosidades sobre algum
assunto relacionado à temática do capítulo.
● Ampliando horizontes: seção com sugestões de livros, sites, filmes para
ampliar as leituras feitas no capítulo.
● Preparando-se para o próximo capítulo: seção que consiste em um ou dois
parágrafos de motivação para o próximo capítulo. Pode vir acompanhada de
foto e/ou ilustração.
53
análise das atividades com HQs, retomaremos esta afirmação das autoras para averiguar a
veracidade desta premissa.
Optamos por selecionar apenas os livros do 6º e do 9º anos por representarem dois
extremos no Ensino Fundamental: o início (6º ano) e o fim do ciclo (9º ano). Isso permitiria
observar um aspecto da BNCC que dialoga diretamente com os objetivos deste estudo: o de
que há uma expectativa de progressão das habilidades ao longo da vida escolar. Desse modo,
espera-se que as atividades com leitura acompanhem essa progressão. Em outros termos, que
no 9º haja algo mais avançado do que no 6º.
As histórias em quadrinhos, ao menos em tese, deveriam acompanhar essa progressão.
Afinal, são textos multissemióticos, cujo contato se dá por meio da leitura. Pode-se sintetizar
a questão em um silogismo:
Quadro 2 - LD selecionado
54
Fonte: Editora FTD. Disponível em:
<https://issuu.com/editoraftd/docs/portugues_ibep_mpu_6ano_divulgacao_f049827f01d06f>. Acesso
em: 3 mar. 2020.
Essa escolha será pautada pelo Projeto Político Pedagógico da sua escola, que traz
informações sobre o contexto social da escola e o perfil dos(as) estudantes do
Ensino Fundamental Anos Finais. O conhecimento da realidade da escola e dos(as)
estudantes será o ponto de partida que o(a) ajudará a escolher o livro e os materiais
didáticos mais adequados a sua realidade, de modo a produzir aprendizagens
significativas que possibilitem promover a educação integral de seus(suas)
estudantes, considerando as competências e habilidades previstas para essa etapa do
Ensino Fundamental.
Para cumprirmos o propósito deste estudo, vamos nos atentar apenas às considerações
que dizem respeito ao eixo da leitura e ao trabalho com as competências e as habilidades
leitoras presentes no material em atividades envolvendo HQs. O Guia do PNLD 2020 afirma
que, na coleção selecionada:
13
Fonte: FNDE. Disponível em:
<https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/guia-do-pnld/item/13410-gui
a-pnld-2020.>. Acesso em: 9 fev. 2022.
55
Há uma variedade de atividades de leitura antecipatória já no início do capítulo. As
estratégias de leitura variam de acordo com o gênero trabalhado, porém se
apresentam procedimentos que são constantes como preparação para leitura, leitura
oral compartilhada, leitura silenciosa, interpretação oral, escrita, dentre outros, o
que possibilita o desenvolvimento da competência leitora, uma vez que realiza
um trabalho específico com as habilidades da BNCC. (GUIA PNLD, 2020, p. 166,
grifos nossos).
Barreto (2008, p. 28) salienta que “o aspecto social da leitura está diretamente ligado
à interação, pois, entendida como atividade, a leitura varia de leitor para leitor e a
compreensão vai depender das vivências de cada um.”. Em consonância com o autor, e
refletidas no que propõe o guia, as histórias em quadrinhos entrariam nesse contexto leitor,
sendo o fio condutor para a análise de como a questão é trabalhada na obra.
A pesquisa a ser desenvolvida é do tipo quantitativo e qualitativo. O aspecto
quantitativo será a opção para identificar quantas atividades presentes no livro didático
utilizam quadrinhos. O método também será acionado para abordar quais os gêneros
quadrinísticos presentes nessas questões e a quantidade de cada um, de modo a aferir se há a
predominância de algum deles. Ainda nessa etapa, serão observadas quais as atividades que
abordam as habilidades de leitura.
A etapa quantitativa irá atender ao primeiro objetivo específico da pesquisa. O
segundo objetivo será abordado no passo seguinte da análise. Dado que a proposta é observar
o aspecto relacionado à leitura, há a necessidade de identificar dela nos itens da BNCC
presentes na obra. Essa aferição irá nos levar para a identificação de quais e quantas as
histórias em quadrinhos serão trabalhadas mais detalhadamente para cumprir o terceiro
objetivo específico, que é a observação de como a leitura foi abordada nos quadrinhos e se
houve uma progressão entre os presentes nas obra do 6º e do 9º ano.
56
CAPÍTULO 5
ANÁLISE
9º ano = 20 HQs
Total = 34 HQs
57
Dentre os 14 exercícios encontrados no volume do 6º ano, sete são atividades com
tiras cômicas, sendo três da série Armandinho, de Alexandre Beck. Encontramos três
exercícios que trabalham as charges, dois que trabalham HQs mais longas, uma atividade que
trabalha com a capa de uma revista em quadrinhos e apenas um exercício que aborda cartum.
Já os exercícios do volume do 9º ano, das 20 HQs identificadas, 12 são tiras cômicas. Dessas,
quatro também são de Armandinho e outras quatro da série Bichinhos de Jardim, de Clara
Gomes. Além disso, encontramos uma HQ longa, uma página de HQ retirada da coleção
“Clássicos ilustrados Turma da Mônica”, seis charges e nenhum cartum neste volume.
Os quadros 4 e 5, mostrados a seguir, sistematizam as informações encontradas sobre
os gêneros e a incidência deles:
58
o gênero foi o predominante, compondo mais da metade das produções quadrinísticas
utilizadas. No livro do 6º ano, foram sete tiras (50%). No do 9º ano, 12 (60%). Charges foram
o segundo gênero mais utilizado (três em uma, seis na outra).
Ainda sobre as tiras, identificou-se a predominância de Armandinho, série criada por
Alexandre Beck. Ela é a mais presente tanto na obra do 6º quanto na do 9º ano. Não fica claro
o motivo da predileção por essa produção. O que se pode fazer são algumas conjecturas. Um
motivo pode ser a difusão das histórias nas redes sociais. No Facebook, o autor tem mais de
um milhão de seguidores. A depender do tema, algumas das postagens chegam a ter quase
seis mil curtidas14. No Instagram, são mais de 280 mil seguidores15.
O personagem-título é um menino, de cabelos azuis, bastante questionador, que tem
um sapo como animal de estimação. Parte das histórias é ambientada com os amigos dele,
parte com os pais ou outras figuras. O detalhe é que apenas as crianças são mostradas. Todos
os adultos têm apenas as falas – expostas por meio dos balões – e as pernas apresentadas ao
leitor, nunca o corpo inteiro.
Segundo o autor, em entrevista ao podcast “Charge Falada” em outubro de 202116, a
série surgiu em 2009 no jornal “Diário Catarinense”, de Florianópolis. A repercussão, no
entanto, veio com a duplicação das tiras nas redes sociais a partir de 2012. Desde então,
surgiram duas mudanças: um público nacional, e não mais regional, passou a acompanhar o
personagem; o desenhista sentiu a necessidade de abordar, por meio do protagonista infantil,
situações da realidade brasileira.
Essa segunda alteração funcionou como um divisor temático para as histórias. Até
esse momento, elas reproduziam fielmente as características do gênero tira cômica que,
conforme Ramos (2011, 2017) tem como marca central a produção de uma situação
humorístico no final. O desfecho inesperado, surpreendente, leva à comicidade, tal qual
ocorre com uma piada. Após adotar uma proposta de refletir a realidade contemporânea do
país, nem todas as histórias traziam humor. Prevalecia a crítica.
Há as duas situações no LDLP analisado. Para ilustrar, reproduzimos a seguir dois
exemplos, uma do volume do 6º ano e outro, do 9º. O primeiro é do que se pode considerar
uma tira cômica tradicional (Figura 7); o segundo, de algo mais reflexivo (Figura 8):
14
Dados observados em 11 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://www.facebook.com/tirasarmandinho
15
Dados observados em 11 de fevereiro de 2022. Disponível em:
https://www.instagram.com/tirinhadearmandinho/
16
Disponivel em: https://open.spotify.com/episode/56cfbc0Aq0dPNRAkYy4NJ2. Acesso em: 11 fev. 2022.
59
Figura 7 – Tira cômica de Armandinho
60
generosidade: abriu mão de uma atitude egoísta, a de ter um pássaro só seu, porém preso,
para possibilitar mais um local para várias outras aves poderem pousar e usufruir.
Casos como esse da Figura 8 são mais comuns no LDLP do que o exposto no outro
exemplo. A presença de situações que possam ser mais críticas e levar à reflexão, em
detrimento da construção de uma cena intencionalmente humorística, pode ser outro motivo
que levou as autoras a privilegiarem o uso da série nos dois volumes da coleção. Entendemos
que as histórias de Alexandre Beck demandem estudos mais aprofundados do ponto de vista
dos gêneros dos quadrinhos. Na falta deles, optamos por enquadrá-las como variantes de tiras
cômicas, ainda que pese a percepção de que não seja o rótulo mais indicado a elas.
O mesmo não ocorre, a título de registro, na outra série que foi bastante utilizada nos
dois livros da coleção: Bichinhos de Jardim, de Clara Gomes. As histórias são veiculadas
pela autora na internet, em página própria e em redes sociais, e também no jornal carioca O
Globo. A proposta é criar situações humorísticas envolvendo diferentes animais de jardim.
No exemplo a seguir, percebe-se nitidamente o interesse cômico da história:
61
porém, utilização de outros moldes, possibilidade identificada por Ramos (2017) em seus
estudos sobre tiras. Para o autor, muda-se a composição, mas não necessariamente o gênero
dela (no caso, cômico). Tomamos, a título de comprovação, um caso presente no volume do
9º ano. Trata-se de uma história da série norte-americana Calvin e Haroldo, de Bill
Watterson. A narrativa foi organizada no formato quadrado, com dois quadrinhos acima e
outros dois abaixo:
Charges, presentes nos dois volumes, apresentaram diálogo com as marcas recorrentes
do gênero. Já expostas com base em Romualdo (2000) e aqui relembradas, elas estabelecem
diálogo com algum assunto do noticiário jornalístico. Foram o segundo gênero quadrinístico
mais utilizado (três no 6º ano; seis no 9º). Também não houve pontos destoantes com relação
aos cartuns. O que se poderia comentar é que eles estiveram presentes apenas na obra do 6º
ano.
62
Há a necessidade de um apontamento final com relação aos quadrinhos mais longos,
forma como foram nomeadas as produções construídas com formatos maiores que os comuns
às tiras e às charges e cartuns. Identificaram-se três situações, duas no livro do 6º e uma no
livro do 9º ano. A primeira são histórias infantis, criadas originalmente no tamanho próximo
ao de uma página (e adaptadas editorialmente para comporem parte da página da obra
didática). Trata-se de uma narrativa com início, meio e fim. Uma delas, de Menino
Maluquinho, de Ziraldo, será explorada mais adiante (figuras 12 e 13).
A segunda situação foi a de uma produção maior, com várias páginas, tendo uma
delas reproduzida no LDLP. O caso específico foi a utilização de uma página da adaptação
em quadrinhos (graphic novel17) do romance Vidas secas, de Graciliano Ramos (Figura 15).
A terceira e última situação também retrata uma adaptação em quadrinhos, desta vez do conto
Um músico extraordinário, de Lima Barreto. O caso também será analisado mais adiante
(Figura 25). Ambas as situações, para efeitos de agrupamento nesta etapa quantitativa, foram
agrupadas nos quadros 4 e 5 como “HQs longas, de outros gêneros”.
Feita essa etapa quantitativa, parte-se para a parte seguinte, a identificação das
competências e das habilidades fornecidas pelo próprio material ao lado de cada exercício.
Dividimos as atividades com presença de HQs de acordo com cada eixo de Língua
Portuguesa (leitura, oralidade, produção de textos e análise linguística/semiótica). Vejamos a
sistematização dos dados no quadro a seguir:
6º ano 9º ano
Eixo de Leitura = 7 atividades com HQs Eixo de Leitura = 11 atividades com HQs
Eixo de Oralidade = 1 atividade com HQ Eixo de Oralidade = sem atividades com HQs
17
“Considera-se Graphic Novel uma história mais longa e elaborada, semelhante às obras literárias compostas
no gênero conhecido como prosa”. Fonte: Infoescola. Disponível
em:<https://www.infoescola.com/literatura/graphic-novel/>. Acesso em: 20 mar de 2021.
63
Em uma análise geral, percebe-se predominância dos eixos de leitura (7 no 6º e 11 no
9º) e de análise linguística/semiótica (6 atividades no 6º ano e 8 no 9º). Como o objetivo desta
pesquisa é analisar a leitura, o foco será nas atividades que a tenham como proposto para o
conteúdo a ser trabalhado com a história em quadrinhos. Por isso, elas foram destacadas com
cor alaranjada no quadro, na primeira linha.
Das sete atividades com HQs que trabalham o eixo de leitura no 6º ano, as charges
predominam, com três exercícios, seguidas por HQs longas, com dois exercícios, capa de
revista de HQ e cartum, com um exemplo cada. Inicialmente, optamos por analisar uma
atividade de cada um desses gêneros dos quadrinhos (1 HQ, 1 charge e 1 cartum). Contudo,
decidimos que é válido uma análise mais ampla, tendo em vista os exemplos únicos
encontrados na obra. Desse modo, definimos os seguintes exercícios para análise: 1 HQ
longa, 1 página de graphic novel, 1 charge, 1 cartum e 1 capa de revista em quadrinhos.
Sendo assim, analisaremos cinco exemplos desta obra.
As charges dominam também entre os onze exercícios do eixo de leitura do 9º ano.
Seis abordam essa habilidade. Dessas, duas são da série Humor político, do chargista
pernambucano Thiago Lucas. Ademais, dos três exercícios com tiras, duas delas são da série
Armandinho, de Alexandre Beck. Por fim, encontramos também uma atividade com HQ
longa e uma com a página de HQ retirada da coleção “Clássicos ilustrados Turma da Mônica”
no livro didático.
Como parte de nosso processo metodológico, pelo fato de não termos encontrado
nenhum exercício com cartum neste volume do 9º ano, selecionamos as duas charges da série
Humor político, as duas tiras da série Armandinho e também a única atividade com HQ e
com a página de HQ para análise. Portanto, das onze atividades pertencentes ao eixo de
leitura encontradas no livro didático do 9º ano, analisaremos seis delas, que correspondem a
mais da metade do total encontrado.
Ressaltamos uma vez mais que buscamos analisar quais foram as competências e as
habilidades do eixo de leitura trabalhadas nos exercícios selecionados e como a coleção as
desenvolve por meio de atividades com os gêneros dos quadrinhos. Entendemos que esse
recorte permita a observação da proposta desenhada.
64
iniciarmos a análise das competências e das habilidades leitoras trabalhadas nos exercícios
com quadrinhos do volume do 6º e do 9º anos, vamos, primeiramente, compreender como as
autoras pretendem explorar o eixo da leitura em seu material.
Nas considerações sobre o eixo leitura no manual do professor, as autoras destacam a
importância da leitura antecipatória e/ou prévia que “têm como finalidade estimular os alunos
a observar aspectos específicos dos textos e a buscar seus significados” (OLIVEIRA;
ARAÚJO, 2018, p. 14). Para elas, a leitura prévia deve ser feita durante todo o volume de
Português, e não apenas nos momentos introdutórios do material, já que trabalha com os
conhecimentos e experiências prévias dos estudantes:
O trabalho com a leitura na coleção possibilita ao aluno entrar em contato com uma
diversidade de textos interessantes de variados gêneros. Cada capítulo apresenta
uma quantidade significativa de textos que se relacionam pela temática. Por meio da
comparação dos aspectos estruturais, das linguagens e dos recursos utilizados,
espera-se que os alunos consigam diferenciar os diversos gêneros, transferindo esses
conhecimentos para as próprias produções. (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018, p. 16).
65
No que diz respeito ao trabalho com o vocabulário através da leitura, as autoras têm
como fonte o livro Oficina de leitura, de Angela Kleiman (1996). Dentre os principais
pressupostos, está o da inferência, que pode contribuir não apenas na aquisição de
vocabulário por meio da leitura, mas, também, para o refinamento dele nas produções escritas
dos estudantes, pois, ao “analisar o contexto à procura de pistas implica ensinar, ao mesmo
tempo, a fazer uma leitura não linear; isto é, continuar a leitura ainda quando houver
incompreensão momentânea, inclusive voltando para trás, relendo, pois o contexto pode
elucidar o problema.” (KLEIMAN, 1996, p. 24).
Entendemos, também, que ao longo do ciclo dos Anos Finais do Ensino Fundamental,
os estudantes estão no processo de formação de caráter, opiniões próprias e desenvolvimento
da maturidade e, por isso, acreditamos que entre a obra do 6º e do 9º ano haja uma progressão
de leitura, ou seja, determinados aspectos interpretativos identificados pelos alunos em
atividades do 6º ano não serão os mesmos identificados por alunos do 9º ano, dada a evolução
linguística, textual e de mundo dos estudantes ao longo dos anos escolares. Espera-se que não
apenas os aspectos interpretativos, mas também as inferências e os pontos de vista expressos
sobre as atividades com HQs tenham um maior embasamento dos estudantes mais velhos e
possam promover discussões mais aprofundadas em sala de aula. No capítulo de conclusão
deste estudo, iremos reiterar este pressuposto.
Ao finalizarem suas considerações quanto ao eixo leitura no manual do professor,
Oliveira e Araújo (2018, p. 17) reiteram que, apesar das orientações e pressupostos
estabelecidos sobre o trabalho com a leitura em sala de aula, a autonomia do professor e sua
capacidade de “construir atividades que levem em conta o contexto em que o aluno se insere,
ajudando-o no estabelecimento de um diálogo efetivo com o texto” é essencial no processo de
ensino-aprendizagem.
66
Língua Portuguesa do Manual do Professor. Vejamos a seguir o primeiro exemplo
selecionado:
67
juntamente com os códigos das habilidades da BNCC que serão trabalhadas no capítulo. No
mesmo canto, mas agora na parte inferior da folha, vemos novamente o subtítulo “Para
começo de conversa” e, logo abaixo, o código da habilidade que será trabalhada e as
sugestões das autoras para que a atividade seja feita em duplas ou grupos e que o professor
levante “uma discussão prévia sobre questões relacionadas à identidade, tema do capítulo”
(OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018a, p. 14).
Dessa forma, o material já está trabalhando a competência geral número 1 da BNCC,
sobre “valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo
físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e
colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.” (BRASIL,
2017, p. 70, grifo nosso)
A habilidade mencionada na atividade encontra-se no campo artístico-literário da
Base, no eixo leitura, e trata de uma habilidade a ser desenvolvida no 6º e 7º anos, por isso,
vemos os números 6 e 7 no código que propõe:
68
Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 15)
69
Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 15)
70
o que leu. Para isto, as questões 3 (“O Menino Maluquinho, ao escolher o boné, acaba
optando por um visual mais antigo ou mais moderno? Por que você acha que ele fez essa
opção?”) 5 (“Em sua opinião, Maluquinho gosta de ser quem é? Por quê?”) e 8 (“Às vezes
você se sente como o Menino Maluquinho? Observando a si mesmo, que conflitos você
considera comuns na sua idade? Por quê?) incentivam em seus enunciados que os leitores
respondam com suas próprias palavras e opiniões:
Sobre esta última questão, há no canto direito da página uma sugestão ao professor
sobre como estimular a turma a compartilhar suas vivências e pontos de vista sobre as
mudanças e divergências comuns de sua faixa etária.
De acordo com Kleiman (1999, p. 20), pesquisadora acionada pelas autoras do LDLP
para tratamento da leitura, “o conhecimento linguístico, o conhecimento textual e o
conhecimento do mundo devem ser ativados durante a leitura para poder chegar ao momento
da compreensão”. Desse modo, entendemos que as atividades elaboradas pelas autoras desse
volume contemplaram e trabalharam satisfatoriamente os conceitos-chave encontrados na
habilidade EF67LP28.
Foi possível integrar e desenvolver os três tipos de conhecimentos citados por
Kleiman (1999), que se somam aos propostos pela Linguística Textual, como visto,
auxiliando, assim, não apenas os estudantes no processo de leitura, compreensão e expressão
de opiniões, mas também os professores por meio de sugestões de respostas e dicas com o
intuito de aprimorar o processo de ensino-aprendizagem.
71
Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 165)
Dentre os exemplos que já analisamos e os que ainda vamos analisar adiante, este é o
único que apresenta apenas linguagem visual. Logo no enunciado da questão, os estudantes
têm contato com um breve histórico do romance (“Graciliano Ramos escreveu Vidas Secas
em 1938, romance no qual trata a vida de uma família de retirantes: Fabiano, Sinhá Vitória,
dois filhos e a cadelinha Baleia”) e, em seguida, sobre como a obra foi adaptada para os
quadrinhos (“O roteirista Arnaldo Branco e o ilustrador Eloar Guazzelli adaptaram, em 2015,
essa obra de Graciliano Ramos em quadrinhos (graphic novel), conjugando texto e imagem”).
Entendemos que a questão 9A (“O que você vê nos quadrinhos?”), 9B (“Como ocorre
a sequência na página acima, extraída da história adaptada em HQ?”) e 9C (“Que efeito de
sentido essa sequenciação pode produzir?”) almejam desenvolver a habilidade EF67LP08,
como sinalizado no canto direito da página da atividade, propondo a identificação dos
72
aspectos mais simples (9A) aos mais complexos (9B e 9C). A habilidade mencionada
pretende:
Ao responder na questão 9A que vê nos quadrinhos uma família composta por pai,
mãe, dois filhos e um cachorro, os estudantes não apenas identificaram os personagens, mas
sim, as semelhanças dessa família com a da tela Retirantes, da abertura do capítulo, do artista
plástico Di Faria, dadas as semelhanças físicas e os objetos carregados pelos personagens em
ambos os casos. Já na questão 9B, a noção de perspectiva dos estudantes é posta à prova,
visto que, a sequência da página da HQ pode ser tanto de cima para baixo (retirantes fugindo
deixando o sol para trás) quanto de baixo para cima (retirantes fugindo indo em direção ao
sol).
Por fim, na questão 9C, os aspectos mais complexos de efeito de sentido da sequência
de imagens são questionados, pois, ao transmitir a ideia de movimento nos quadrinhos,
espera-se que os estudantes compreendam que o efeito de proximidade e lonjura está
representando a partida dos personagens para longe até sumirem no horizonte, representado
pelo sol no primeiro quadro. Consideramos uma questão complexa, devido a mobilização de
múltiplos conhecimentos prévios e de mundo dos alunos, o que eles pressupõem quando lêem
algo com a temática dos retirantes e o que pensam sobre.
Em seguida, as questões 9D (“Como os retirantes são representados na tela e nos
quadrinhos?”) e 9E (“Qual referência da tela Retirantes pode ser percebida na página em
quadrinhos? O que as difere?”) estão mais direcionadas à habilidade EF67LP27, o que não
significa que aspectos da habilidade mencionada anteriormente (EF67LP08) não serão
levados em consideração. Entretanto, o objetivo é trabalhar a habilidade de relacionar
características semelhantes e divergentes entre textos para tornar os alunos competentes no
campo da intertextualidade.
Para tal, na questão 9D, espera-se que a diferença entre o número de personagens (seis
na tela Retirantes e cinco na página da graphic novel) e as cores (vibrantes na tela e tons de
uma só cor na HQ) sejam destacadas pelos alunos. A questão 9E, propõe a identificação do
aspecto em comum da tela e do quadrinho, famílias de retirantes fugindo da seca composta
73
por pais, filhos e animais de estimação. O que difere ambas é justamente a família retratada,
na página da graphic novel o casal possui dois filhos. Já na tela Retirantes, a família conta
com três filhos, dois meninos (sendo um de colo) e uma menina. Ao elencar todos estes
elementos a partir da leitura visual de ambas manifestações artísticas, entendemos que a
habilidade EF67LP27 relacionada à intertextualidade é aprimorada nos estudantes:
74
Neste segundo exemplo, podemos observar que, diferentemente do primeiro, não
temos os códigos das habilidades e nem os números das competências nas orientações ao lado
da atividade. Entretanto, na seção “Quadro de conteúdos de Língua Portuguesa” do Manual
do Professor, no campo de atividades do eixo leitura da unidade 2 (Ser e conviver), temos
como objeto de conhecimento a estratégia de leitura e a distinção de fato e opinião no que diz
respeito à charge da seção Aplicando conhecimentos. Além disso, o material disponibiliza o
código da habilidade a ser trabalhada ao lado dos conteúdos programáticos do capítulo 3 e,
dentre eles, temos a leitura de charge.
Dessa forma, apesar da habilidade não estar posicionada na página do exercício, ela é
prescrita pela obra e, portanto, trabalharemos a habilidade em questão, juntamente com as
competências gerais e específicas de Português apresentadas na abertura do capítulo onde a
atividade com a charge está inserida.
Na questão 1A (“A charge é um gênero que geralmente critica ou ironiza fatos de
natureza política. Qual é a crítica ou ironia presente na fala do segundo garoto?”),
entendemos que, para reconhecer a criticidade e ironia na charge, o estudante desenvolve a
competência geral número 4:
75
atividade: “(EF67LP04) Distinguir, em segmentos descontínuos de textos, fato da opinião
enunciada em relação a esse mesmo fato” (BRASIL, 2017, p. 169).
Na questão 1B (“A linguagem empregada pelo personagem que segura o jornal é
formal ou informal? Que palavras justificam sua resposta?”), relacionamos com a primeira
competência geral da BNCC que espera “valorizar e utilizar os conhecimentos
historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e
explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade
justa, democrática e inclusiva.” (BRASIL, 2017, p. 70, grifo nosso). Mobilizando seus
conhecimentos de mundo e leitura de imagem, o aluno consegue compreender que se trata de
uma linguagem informal, tanto pelo uso de termos informais “cara” e “legal” quanto pelas
vestimentas simplórias dos rapazes (bermuda, camiseta, boné, touca e tênis).
Ao final da atividade, na questão 1C (“A situação comunicativa retratada na charge
permite utilizar este tipo de linguagem? Explique.”), observamos no canto esquerdo da
página onde está a atividade que há uma sugestão de resposta das autoras sobre o que
trabalhar com os alunos. Espera-se que eles compreendam que a linguagem depende do
contexto em que se está inserido e a quem se dirige. Dessa forma, pelo contexto apresentado
na charge, a linguagem informal é permitida, dado o reconhecimento do contexto (uma
conversa informal entre amigos na rua) e das falas das personagens (“cara”).
76
Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 136)
77
Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 137)
78
algumas questões para serem discutidas em sala de aula, levando em consideração o
conhecimento prévio e opiniões dos estudantes sobre o tema do capítulo.
Neste momento introdutório, ao promover uma interação oral entre os estudantes e o
professor, busca-se desenvolver a habilidade (EF67LP28) que, coincidentemente, é a mesma
desenvolvida na introdução do primeiro capítulo deste volume, como foi mostrado no
“Exemplo 1: HQ”:
Nesse cartum, o autor Luca Novelli apresenta uma crítica social às ações das
pessoas em nosso planeta e realiza uma proposta.
79
a) Que crítica social é essa?
b) O que é proposto pelo cartunista?
Ao responder que a crítica social é o descuido das pessoas em geral com o planeta e
que o cartunista propõe à população se unir para realizar ações coletivas de reparação, além
de desenvolver a competência geral 5, os leitores trabalham também com a habilidade
EF69LP03, mencionada nas orientações para o professor no canto inferior direito da página
na Figura 17:
80
● 3 (“O que você vê na imagem?”);
● 4 (“Descreva as ações realizadas pelas pessoas e os objetos e equipamentos
utilizados “);
● 5 (“É possível realizar as ações mostradas na imagem? Explique”);
● 7a (“Se o autor aliasse palavras e imagens para a construção das ideias,
produziria o mesmo sentido? Por quê?”);
● e 7b (“Se você pudesse escolher uma palavra para integrar o cartum, sem
mudar o sentido, qual seria?”).
81
Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 156)
82
Destacamos em vermelho, o título da seção e o box no canto esquerdo inferior da
página as competências e habilidades propostas na atividade. Na questão 1 (“Que ideias as
palavras e imagens que compõem a capa da revista pretendem comunicar aos leitores?”),
entendemos que a intenção do material é desenvolver a terceira competência específica de
Língua Portuguesa:
“3. Ler, escutar e produzir textos orais, escritos e multissemióticos que
circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão,
autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo”
(BRASIL, 2017, p. 48, grifos nossos)
83
Nesta primeira parte de nossa análise, percebemos que em diferentes momentos o
material propõe atividades que estimulam a expressão de diferentes opiniões e pontos de vista
dos alunos por meio de temáticas e gêneros distintos.
A seguir, na segunda parte da análise, pretendemos verificar não apenas como as
atividades com quadrinhos foram trabalhadas no 9º ano, mas também, se a expectativa de
progressão das habilidades é confirmada. Em outras palavras, espera-se que as atividades
com leitura acompanhem essa progressão e, dessa forma, no 9º ano haja algo mais avançado e
aprofundado do que no 6º ano.
84
Fonte: Oliveira; Araújo (2018b, p. 192)
85
Fonte: Oliveira; Araújo (2018b, p. 213)
Nessa segunda charge de Thiago Lucas, vemos uma crítica quanto ao alto índice de
desemprego no Brasil (por meio da associação da placa “há vagas” como sendo uma miragem
vista por um suposto desempregado, representado caminhando numa região árida e
ensolarada). As principais habilidades mobilizadas para responder as questões são:
86
Podemos observar que as questões A (“O que você vê na imagem? Do que se trata a
charge?”) e B (“Por que o mercado de trabalho é simbolizado como um deserto? Explique”)
estão diretamente ligadas ao desenvolvimento da habilidade EF69LP03, ao solicitarem que o
estudante observe as ilustrações, identifique a temática principal e a simbologia do deserto na
charge. Vale ressaltar que, ao responder essas duas atividades, o estudante já está praticando a
habilidade necessária para atingir a terceira competência de LP para os Anos Finais do
Ensino Fundamental, a de ler de maneira autônoma e com criticidade.
Já as questões C (“A que você atribui o alto índice de desemprego entre os jovens?”) e
D (“Em sua opinião, o que os jovens devem fazer para enfrentar os entraves relativos à
entrada no mercado de trabalho e o desemprego?”) estão mais voltadas à habilidade
EF69LP21, pois ambas as questões trabalham com o “posicionar-se e relacionar o texto com
seu contexto de produção”, ou seja, que os estudantes formulem suas próprias opiniões sobre
o assunto e ainda pensem em uma possibilidade para que os jovens enfrentem os desafios do
mercado de trabalho.
Assim, compreendemos que, ao desenvolver as habilidades EF69LP03 e EF69LP21,
muito provavelmente os estudantes estão aptos a desenvolver as competências de:
87
Fonte: Oliveira; Araújo (2018b, p. 145)
88
prevalência do elemento violento. Na segunda cena, Armandinho muda os pesos de lugar,
reduzindo a relação com a desigualdade.
89
(BRASIL, 2017, p. 169, grifo nosso)
90
sites e/ou filmes para ampliar as leituras feitas no capítulo. No exemplo 9, o material faz uma
sugestão de leitura em quadrinhos de uma página em quadrinhos de Um músico
extraordinário, de Lima Barreto. Originalmente, trata-se de um conto, que foi adaptado para
HQ. O próprio material menciona tal fato e sugere que os estudantes procurem outras obras
que foram adaptadas para os quadrinhos. Dessa forma, as competências específicas 8 e 9 de
LP são trabalhadas:
O último exemplo que selecionamos para analisar, trata-se de uma página da coleção
“Clássicos ilustrados Turma da Mônica”, que, como o próprio nome diz, são obras clássicas
da literatura que foram adaptadas para os quadrinhos por Mauricio de Sousa:
91
Nesta coleção, os personagens dos clássicos da literatura são interpretados por Mônica
e seus amigos, como podemos observar na imagem acima, onde o personagem Cebolinha faz
o papel de príncipe que encontra o sapatinho de cristal da história de Cinderela. Esta
associação é o que a questão 1A (“A que obra literária a página acima nos remete?”) e 1B
(“Observando os elementos que compõem essa página, responda: de que modo Mauricio de
Sousa faz a releitura desse clássico?”) esperam que os estudantes façam baseados nos
aspectos visuais e verbais da página da HQ.
Uma vez mais, destacamos em vermelho o nome da seção Conversa entre textos e o
box onde encontramos as habilidades específicas relacionadas à leitura. Entendemos que a
questão 2 (“Que elemento há em comum entre o que essa página traz e o fragmento II do
romance “A pata da gazela” lido anteriormente?”) busca trabalhar a intertextualidade para
identificar um acontecimento em comum no romance e no conto de fadas. Apesar dessa
questão não solicitar um posicionamento crítico dos estudantes sobre os conteúdos e
informações que foram lidas em ambos os textos, compreendemos que ela é a que mais se
aproxima do que a habilidade EF69LP30 busca desenvolver:
92
literário (o romance) e um texto vindo de outras manifestações artísticas (página de HQ)
como vimos acima:
Após a análise desses exemplos, podemos observar que grande parte das habilidades
mobilizadas nos exercícios com quadrinhos os estudantes já possuem, assim como suas
habilidades para ler, interpretar e identificar o humor ou crítica em uma charge, tira, cartum
ou HQ. O intuito não apenas da coleção, mas também da BNCC, é refinar as habilidades que
os alunos já possuem, desenvolver novas para que as competências gerais da Base e
específicas de LP sejam alcançadas contribuindo, assim, para a preparação do estudante para
a vida em sociedade, exercendo seus direitos e deveres como cidadão.
93
autônoma, reconhecer as características próprias do gênero e expressar sua avaliação/opinião
sobre o que leram. No decorrer da análise, notamos um padrão entre as duas séries no
desenvolvimento do trabalho com os gêneros dos quadrinhos ao mobilizarem os
conhecimentos linguísticos, textuais e de mundo dos estudantes.
Ao compararmos as atividades do eixo leitura nos LDLP do 6º e do 9º anos,
esperávamos, tendo em mente a proposta da BNCC, que os exercícios propostos do 9º ano
fossem mais avançados do que os do 6º ano. O que encontramos foram temáticas mais densas
e passíveis de discussões aprofundadas em sala de aula no livro do 9º ano. Isso ficou bastante
perceptível na temática abordada nos exercícios a partir dos exemplos de HQs selecionados.
Ao trabalharem temas como fake news (Figura 21), desemprego entre jovens (Figura
22, violência (Figura 23), empatia (Figura 24) e um conto adaptado para HQ (Figura 25), as
autoras da coleção entendem que os estudantes que estão concluindo os Anos Finais do
Ensino Fundamental tendem a possuir um nível maior de maturidade para ler, compreender e
expressar opiniões sobre determinados assuntos, diferentemente de alunos do 6º ano, com
temáticas como a relação com a própria aparência (figura 12), escolarização (figura 16) e
pequenos hábitos para melhorar o planeta (figura 18).
Outra diferença diz respeito à comparação entre textos. Dos seis exemplos analisados
do 9º ano, quatro deles (figuras 22, 24, 25 e 26) relacionam a temática da charge, tira ou da
HQ com textos lidos previamente pelos alunos, com o intuito de encontrar aspectos em
comum e propor uma reflexão sobre a temática trabalhada em ambos as produções
selecionadas, porém com pontos de vista diferentes. Não encontramos propostas de atividade
com essa densidade de informações e habilidades propostas nos exemplos do 6º ano.
Uma vez mais, entendemos que exercícios assim pressupõem o avanço, a maturidade
e o discernimento dos estudantes para lidar com determinados assuntos. Nesse sentido, os
dois livros da coleção atenderam a proposta de progressão das competências e das
habilidades leitoras, ao menos nas atividades que envolveram quadrinhos, em seus diferentes
gêneros.
94
CONSIDERAÇÕES FINAIS
95
A partir das análises das atividades encontradas nos volumes do 6º e do 9º ano,
constatamos que, ao partilhar suas opiniões, sentimentos e visões de mundo nas atividades de
interação oral ou pelo simples ato de ler uma HQ, compreender sua temática principal e efeito
de humor ou crítica, o estudante já domina habilidades pressupostas pela Base. Acreditamos
que a verdadeira proposta seja aprimorar habilidades que o estudante já possui com o intuito
de torná-lo um sujeito que mobiliza diferentes conhecimentos para ler, interpretar e opinar
criticamente sobre temáticas e gêneros variados.
Como diz Garcia (2018, p. 116), os “textos não precisam simplesmente ser lidos ou
compreendidos em suas superficialidades, mas refletidos, discutidos e problematizados por
alunos que estão se preparando para serem cidadãos críticos. E essa é uma das funções da
escola”. As competências e as habilidades listadas pela Base nada mais são do que uma forma
de estabelecer metas e expectativas sobre o sujeito autônomo em desenvolvimento ao
percorrer cada etapa da Educação Básica até finalizá-la no Ensino Médio.
Um questionamento que perdurou durante toda nossa análise foi: “Qual é o desafio
para se trabalhar com HQ na escola a partir desta coleção de livros didáticos?”. Para achar
um caminho de resposta, retornamos à premissa feita pelas próprias autoras do material “é
importante ressaltar que os gêneros apresentados na obra não são pretexto para o ensino de
determinado conteúdo, mas, eles mesmos, objetos de ensino” (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018a,
p. 31). Ora, se as autoras afirmam que todos os gêneros na coleção são objetos de ensino por
eles mesmos, por que encontramos as HQs à serviço de outro tema? Por que os quadrinhos e
seus gêneros aparecem no material em seções cujo os objetivos são colocar em prática
conceitos e/ou temáticas já estudadas como Conversa entre textos, Aplicando conhecimentos,
Ampliando horizontes e Preparando-se para o próximo capítulo?
Oliveira e Araújo (2018), colocam os quadrinhos no mesmo patamar dos outros
gêneros encontrados na coleção, entretanto, constatamos que não estão, pelo contrário, apesar
de reconhecerem as características únicas dos quadrinhos e essenciais para desenvolverem
determinadas habilidades prescritas pela Base, as autoras ainda colocam as HQs e seus
gêneros como pretexto e/ou recurso ilustrativo para o ensino de conteúdos “privilegiados” por
ambas nos LDLP da coleção Tecendo linguagens.
Entendemos que este material não é o primeiro e não será o último a desenvolver o
trabalho com as HQs dessa forma, contudo, se há um programa responsável por selecionar e
analisar materiais didáticos que serão distribuídos para escolas de diferentes regiões do país,
fica evidente a necessidade de se atentar a detalhes como este e estabelecer critérios de
96
seleção que permitam que todos os gêneros sejam estudados com uma abordagem
equiparada.
Para finalizar, podemos afirmar que nossos objetivos de pesquisa foram alcançados,
pois conseguimos quantificar os exercícios com HQs que contemplam o eixo de leitura,
discutimos e refletimos sobre como a coleção Tecendo linguagens trabalhou as competências
e habilidades leitoras exigidas pela Base, comparamos as propostas de atividades do 6º e do
9º ano para compreender a evolução na complexidade das temáticas a depender da série e se
as características próprias e específicas dos gêneros dos quadrinhos foram trabalhadas.
Ler os balões de fala, as imagens, compreender a temática, identificar o desfecho
cômico e associar o quadrinho com seu contexto social para obter suas próprias conclusões
e/ou opiniões prova que um estudante desenvolve constantemente múltiplas habilidades e,
desse modo, torna-se “competente” para atuar em situações vivenciadas dentro e fora da
escola.
Ressaltamos que a análise proposta nesta pesquisa não está acabada. Assim como as
diversas competências e habilidades que um estudante pode desenvolver ao longo dos Anos
Finais do Ensino Fundamental, nossa análise é passível de modificações e ajustes
dependendo do olhar aplicado sobre o objeto de estudo.
Optamos por analisar apenas uma das seis coleções de LDLP selecionadas pelo PNLD
2020 e reconhecemos que um estudo feito com as demais coleções poderia ampliar o trabalho
com o eixo leitura e até encontrar diferentes aspectos dos quais encontramos nesta pesquisa.
É algo ainda a ser investigado.
97
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101
2019.
102
ANEXO
18
Fonte: OLIVEIRA, T. A. Tecendo linguagens: língua portuguesa: 6º ano. 5. ed. São Paulo: Barueri: IBEP,
2018, p. 46-50
103
104
105