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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO

ESCOLA DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS


PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM LETRAS

BEATRIZ CUSTÓDIO DEROZA

QUADRINHOS E BNCC: COMPETÊNCIAS E HABILIDADES LEITORAS NO


LIVRO DIDÁTICO TECENDO LINGUAGENS DO PNLD 2020

Orientador: Prof. Dr. Paulo Eduardo Ramos

Guarulhos
2022
BEATRIZ CUSTÓDIO DEROZA

QUADRINHOS E BNCC: COMPETÊNCIAS E HABILIDADES LEITORAS NO


LIVRO DIDÁTICO TECENDO LINGUAGENS DO PNLD 2020

Dissertação de mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal de São Paulo como
requisito para obtenção do título de mestre em
Letras.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Eduardo Ramos

Guarulhos
2022
Deroza, Beatriz Custódio..

Quadrinhos e BNCC: competências e habilidades leitoras no livro didático Tecendo linguagens do


PNLD 2020 / Beatriz Custódio Deroza. – 2022 – 104 f.

Dissertação (Mestrado em Letras). – Guarulhos : Universidade Federal de São Paulo. Escola de


Filosofia, Letras e Humanas.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Eduardo Ramos.

Comics and BNCC: reading skills and abilities in the textbook Weaving languages of the PNLD 2020

1. Competências leitoras. 2. HQs. 3. Livro didático. I. Prof. Dr. Paulo Eduardo Ramos. II. Quadrinhos
e BNCC: competências e habilidades leitoras no livro didático Tecendo linguagens do PNLD 2020.

Na qualidade de titular dos direitos autorais, em consonância com a Lei de direitos


autorais nº 9610/98, autorizo a publicação livre e gratuita desse trabalho no Repositório
Institucional da UNIFESP ou em outro meio eletrônico da instituição, sem qualquer
ressarcimento dos direitos autorais para leitura, impressão e/ou download em meio eletrônico
para fins de divulgação intelectual, desde que citada a fonte.
BEATRIZ CUSTÓDIO DEROZA

QUADRINHOS E BNCC: COMPETÊNCIAS E HABILIDADES LEITORAS NO


LIVRO DIDÁTICO TECENDO LINGUAGENS DO PNLD 2020

Dissertação de mestrado apresentada ao


Programa de Pós-Graduação em Letras da
Universidade Federal de São Paulo como
requisito para obtenção do título de mestre em
Letras.
Orientador: Prof. Dr. Paulo Eduardo Ramos

Aprovada em: _______ de _______________________ de 2022.

_________________________________________________________________
Prof. Dr. Paulo Eduardo Ramos
Universidade Federal de São Paulo - Unifesp
Orientador

__________________________________________________________________
Prof. Dr. Clecio dos Santos Bunzen Júnior
Universidade Federal de Pernambuco - UFPE
Titular

___________________________________________________________________
Prof. Dr. Sandro Luis da Silva
Universidade Federal de São Paulo - Unifesp
Titular

___________________________________________________________________
Prof. Dr. Rodrigo Otávio dos Santos
Centro Universitário Internacional - Uninter
Suplente
À dona Teresa, por seu orgulho de ter uma neta professora.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, por me sustentar todos os dias. Aos meus pais, Cláudia e Gerson,
que sempre me incentivaram a estudar. À minha madrasta, Rosângela, por sempre estar
disposta a ler meus resumos, mesmo sem entender nada sobre quadrinhos.
Às minhas irmãs, Bruna e Clara, pela enorme compreensão e paciência que tiveram
comigo, mesmo em meus piores dias sem criatividade para escrever.
Ao Gabriel, meu melhor amigo, amor da minha vida e companheiro para longas horas
que passamos contando HQs. Agradeço por sua empatia e entusiasmo a cada capítulo que foi
sendo concluído. Seu amor me motiva a continuar e ser melhor do que um dia já fui.
À minha grande amiga, Elisa, que está comigo desde que iniciamos a graduação na
Unifesp, em 2016, até os dias de hoje na Pós-Graduação. Jamais esquecerei seu
companheirismo, amor, lealdade e paciência em todos esses anos juntas.
Ao meu orientador, Paulo Ramos, que em 2016 viu algum potencial naquela garota
recém-chegada à graduação que achava que estudar Letras se resumia em estudar gramática.
Como aquela menina mudou! Passamos por uma iniciação científica, artigo escrito a quatro
mãos, inúmeros congressos e disciplinas da graduação, uma colação de grau frustrada durante
a pandemia, a submissão de um projeto de pesquisa para ingressar no mestrado, uma prova de
admissão e entrevista, longos meses cursando disciplinas, participando de congressos e
dedicação à escrita desta dissertação. Mesmo passando por tudo isso, Paulo sempre me deu
liberdade para escolher o caminho que achava melhor, escrever no tempo que conseguisse e
surtar quando necessário. Obrigada, Paulo, por esses anos de paciência e por nunca ter
perdido a fé naquela garota.
À dona Teresa, minha avó, que tanto se orgulhava por ter uma neta professora e que,
infelizmente, partiu sem ver sua neta se tornar mestre em Letras. Obrigada, vó! Sei que estás
comigo a todo momento sorrindo e se orgulhando do céu.
Agradeço aos membros da banca, Clecio e Sandro, por aceitarem o convite e pela
contribuição de ambos para o desenvolvimento desta pesquisa na banca de qualificação.
Obrigada a cada um por estarem comigo nesta caminhada e anos inesquecíveis que
vivi na Unifesp durante a graduação e a Pós-Graduação.
“Ninguém nasce sabendo ler: aprende-se
a ler à medida que se vive. Se ler livros
geralmente se aprende nos bancos da
escola, outras leituras se aprendem por
aí, na chamada escola da vida: a leitura
do voo das arribações que indicam a seca
– como sabe quem lê Vidas Secas de
Graciliano Ramos – independente da
aprendizagem formal e se perfaz na
interação cotidiana com o mundo das
coisas e dos outros.”
Marisa Lajolo (1999, p. 5)
LISTA DE FIGURAS

Figura 1 Exemplo de tira p. 28

Figura 2 Exemplo de charge p. 29

Figura 3 Exemplo de cartum p. 30

Figura 4 Competências gerais da BNCC para LP p. 41

Figura 5 Competências específicas de LP p. 42

Figura 6 Capa dos 2 volumes de livros didáticos de Língua Portuguesa p. 55


coleção Tecendo linguagens

Figura 7 Tira cômica de Armandinho p. 60

Figura 8 Tira de Armandinho p. 60

Figura 9 Tira cômica de Bichinhos de Jardim p. 61

Figura 10 Tira cômica de Calvin e Haroldo p. 62

Figura 11 Modalidades didáticas de leitura p. 65

Figura 12 Exemplo 1: HQ longa p. 67

Figura 13 Exemplo 1: HQ longa ampliada p. 69

Figura 14 Exercícios de 6 a 8 sobre a HQ do Menino Maluquinho p. 69

Figura 15 Exemplo 2: página de graphic novel p. 71

Figura 16 Exemplo 3: charge p. 74

Figura 17 Exemplo 3: charge exercícios p. 74

Figura 18 Exemplo 4: cartum p. 77

Figura 19 Exemplo 4: cartum exercícios p. 78

Figura 20 Exemplo 5: capa de revista em quadrinhos p. 82

Figura 21 Exemplo 6: charge 1 p. 84

Figura 22 Exemplo 7: charge 2 p. 86


Figura 23 Exemplo 8: tira 1 p. 88

Figura 24 Exemplo 9: tira 2 p. 89

Figura 25 Exemplo 10: HQ longa p. 90

Figura 26 Exemplo 11: página de HQ p. 91

LISTA DE QUADROS

Quadro 1 Coleções selecionadas do 6º e do 9º ano p. 50

Quadro 2 LD selecionado p. 54

Quadro 3 Número de HQs na coleção selecionada p. 57

Quadro 4 Gêneros dos quadrinhos no LDLP do 6º ano p. 58

Quadro 5 Gêneros dos quadrinhos no LDLP do 9º ano p. 58

Quadro 6 Atividades com HQs por eixo p. 63


LISTA DE SIGLAS

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais

PNLD Programa Nacional do Livro Didático

BNCC Base Nacional Comum Curricular

MEC Ministério da Educação

FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

HQs Histórias em Quadrinhos

LD Livro Didático

LDLP Livro Didático de Língua Portuguesa


RESUMO

O presente trabalho, investiga como as competências e as habilidades prescritas pela Base


Nacional Comum Curricular (BNCC) foram desenvolvidas nas atividades que propõem
leitura das histórias em quadrinhos e seus gêneros (tiras, charges e cartuns) na coleção de
livros didáticos de Português Tecendo linguagens dos Anos Finais do Ensino Fundamental (6º
e 9º anos), aprovada pelo PNLD 2020. Procuramos verificar como as competências e as
habilidades leitoras foram trabalhadas efetivamente nas atividades com HQs. Para contemplar
tal proposta, iremos: 1) quantificar e classificar os exercícios com HQs de acordo com os
quatro eixos de Língua Portuguesa propostos pela Base (leitura, oralidade, produção de textos
e análise linguística/semiótica); 2) averiguar como as competências e as habilidades leitoras
foram trabalhadas nos exercícios; 3) analisar se o potencial pedagógico e as características
próprias dos gêneros dos quadrinhos foram exploradas nas atividades de leitura através de
comparações entre os exercícios do 6º e do 9º ano. Após as análises, foi possível concluir
que, ao partilhar suas opiniões, sentimentos e visões de mundo nas atividades de interação
oral ou, pelo simples ato de ler os balões de fala, as imagens, compreender a temática,
identificar o desfecho cômico e associar o quadrinho com seu contexto social para obter suas
próprias conclusões e/ou opiniões, o estudante já domina as competências e as habilidades
pressupostas pela Base e as caraterísticas próprias dos quadrinhos. Os resultados indicam que
a verdadeira proposta do livro didático que segue os pressupostos da BNCC seja aprimorar
habilidades que o estudante já possui, com o intuito de torná-lo um sujeito que mobilize
diferentes conhecimentos para ler, interpretar e opinar criticamente sobre temáticas e gêneros
variados. Destacamos também que, na observação das atividades com HQs e seus gêneros,
encontramos catorze exercícios no volume do 6º ano, sendo sete tiras cômicas, três charges,
duas HQs longas, um cartum e uma capa de revista em quadrinhos. Já no volume do 9º ano,
das vinte atividades com quadrinhos, doze contém tiras cômicas, seis trabalham as charges,
um a HQ longa, um aborda a página de uma HQ da coleção “Clássicos ilustrados Turma da
Mônica” e não encontramos nenhum cartum neste volume. Apesar dos números expressivos
de atividades com HQd e seus gêneros, fica evidente a subordinação destes com relação aos
demais gêneros textuais trabalhados na coleção, apesar da premissa das autoras no Manual do
professor que coloca todos os gêneros textuais do material no mesmo patamar, é inegável que
os exercícios com quadrinhos integram seções secundárias e/ou apenas para a prática de um
conteúdo já estudado. É possível considerar também que as competências e as habilidades
listadas pela Base nada mais são do que uma forma de estabelecer metas e expectativas sobre
o sujeito autônomo em desenvolvimento ao percorrer cada etapa da Educação Básica até
finalizá-la no Ensino Médio.
Palavras-chave: Competências leitoras; Habilidades; HQs; Livros didáticos; Leitura;
ABSTRACT

The current work investigates how the competencies and skills prescribed by the Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) were developed in the activities that propose the
reading of comics and their genres (comic strips and cartoons) in the Portuguese textbook
collection Tecendo Linguagens of the Final Years of Elementary Education (6th and 9th
grades), approved by PNLD 2020. We seek to verify how the reading competencies and skills
were effectively worked on in the activities with comics. To contemplate this proposal, we
will: 1) quantify and classify the exercises with comics according to the four axes of
Portuguese Language proposed by the Base (reading, speaking, text production and
linguistic/semiotic analysis); 2) investigate how the competencies and reading skills were
worked in the exercises; 3) analyze if the pedagogical potential and the characteristics of the
comics genres were explored in the reading activities through comparisons between the
exercises of the 6th and 9th grades. After the analysis, it was possible to conclude that by
sharing their opinions, feelings, and worldviews in the oral interaction activities, or by the
simple act of reading the speech balloons, the images, understanding the theme, identifying
the comic ending, and associating the comic with their social context to obtain their own
conclusions and/or opinions, the student has already mastered the competencies and skills
presupposed by the Base and the characteristics of comics. The results indicate that the real
proposal of the textbook that follows the BNCC assumptions is to improve skills that the
student already has, in order to make him/her a subject that mobilizes different knowledge to
read, interpret and critically opine on various themes and genres. In the observation of the
activities with comics and their genres, we also found fourteen exercises in the 6th grade
volume, including seven comic strips, three cartoons, two long comics, one cartoon, and one
comic book cover. In the 9th grade volume, of the twenty activities with comics, twelve
contain comic strips, six work with cartoons, one works on a long comic strip, one covers the
page of a comic strip from the collection "Classics illustrated Turma da Mônica" and we did
not find any cartoon in this volume. Despite the significant number of activities with comics
and their genres, the subordination of these is evident in relation to the other textual genres
used in the collection. Despite the premise of the authors in the Teacher's Manual that all
textual genres in the material are placed on the same level, it is undeniable that the exercises
with comics are part of secondary sections and/or only for the practice of a content already
studied. It is also possible to consider that the competencies and skills listed by the Base are
nothing more than a way to establish goals and expectations about the autonomous subject in
development throughout each stage of Basic Education until it ends in High School.
Keywords: Reading skills; Abilities; Comics; Textbooks; Reading;
SUMÁRIO

Considerações iniciais...........................................................................................................17

Capítulo 1 - Histórias em quadrinhos e seus gêneros

1.1 Quadrinhos no Brasil: do jornal ao livro didático ……………………………….21

1.2 O gênero ou os gêneros dos quadrinhos?.......... ………………....………………24

Capítulo 2 – PNLD e BNCC

2.1 O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)………………………….........32

2.2 A Base Nacional Comum Curricular (BNCC)............…………………...............36

Capítulo 3 - Competências, habilidades e leitura

3.1 Competências e habilidades ……….………..……….………..……………...….39

3.2 Leitura …………….…………………………..………...………….........…........44

Capítulo 4 – Procedimentos metodológicos..........................................................................49

Capítulo 5 – Análise

5.1 Quantidade de HQs, competências e habilidades……………………………......57

5.2 Eixo de leitura em análise.....................................................................................64

5.1.1 Tecendo linguagens - 6º ano dos Anos Finais do Ensino Fundamental..66


5.1.2 Tecendo linguagens - 9º ano dos Anos Finais do Ensino Fundamental..84

5.3 Comparação entre 6º e 9º anos...............................................................................93

Considerações finais …………………………………….………..…………………..........95

Referências bibliográficas ………………………………………..……………….............98


CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Ao ingressar em 2016 no curso de Letras da Universidade Federal de São Paulo,


campus Guarulhos, surgiu o interesse por estudar mais a fundo as histórias em quadrinhos
(doravante HQs) e, já no final do primeiro ano, houve a oportunidade de desenvolver o
projeto de iniciação científica intitulado “As diferentes terminologias das tiras cômicas nos
livros didáticos”.
Em 2017, durante o estágio supervisionado obrigatório em Língua Portuguesa,
acompanhando turmas do Ensino Fundamental Anos Finais, surgiram outras inquietações
sobre o tema ao observar o grande número de atividades com HQs nos livros didáticos
(doravante LDs), que eram os materiais mais utilizados pelos professores em sala de aula.
Desse modo, foi crescendo um desejo de investigar mais sobre como essas atividades eram
trabalhadas em sala de aula.
Com o passar do tempo, o entrosamento com as turmas e com os professores foi
aumentando. Em 2018, durante o período de regência obrigatória em Língua Portuguesa, a
oportunidade de desenvolver um trabalho com HQs em sala de aula tornou-se real. Desta
forma, a escolha do corpus desta pesquisa de mestrado deve-se a esta experiência com livros
didáticos dos Anos Finais do Ensino Fundamental.
Levando em consideração o desejo de trabalhar com HQs e a experiência com livros
didáticos de Língua Portuguesa, compreendemos também a necessidade de estudar as
propostas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) de 2017, que prescreve
competências e habilidades, utilizadas como instrumentos e critérios de avaliação no edital do
PNLD 2020.
Na seleção das obras, a BNCC serve como norte para o desenvolvimento das diversas
habilidades e se faz presente também ao afirmar que as práticas de linguagem
contemporâneas não só envolvem novos gêneros e textos cada vez mais multissemióticos e
multimidiáticos, como também novas formas de produzir, de configurar, de disponibilizar, de
replicar e de interagir (BRASIL, 2017, p. 66). Para a BNCC:

Os gêneros que circulam nas diferentes esferas da sociedade foram incorporados aos
livros didáticos e são estudados juntamente com os mais consagrados como
reportagem, conto e notícia. Compreender uma palestra é importante, assim como
ser capaz de atribuir diferentes sentidos a um gif ou meme. Da mesma forma que
fazer uma comunicação oral adequada e saber produzir gifs e memes significativos
também podem sê-lo. (BRASIL, 2017, p. 67).

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A BNCC, apesar de nortear o processo de ensino-aprendizagem, não especifica como
as práticas pedagógicas devem proceder em sala de aula. Desse modo, fica a critério de cada
editora/autor(es) orientar os professores sobre o trabalho com as múltiplas linguagens e os
gêneros nas atividades dos livros didáticos. No processo de construção das obras, é
necessário compreender os objetos utilizados no processo de ensino-aprendizagem e como
são abordados. E cabe aos professores analisar as orientações tanto da BNCC quanto do
manual do professor e adaptá-las de acordo com sua realidade escolar.
Nesta pesquisa, a proposta é concentrar o olhar nas produções que retratam o trabalho
com diferentes linguagens e mídias, que refletem os diferentes gêneros presentes no cotidiano
dos alunos, dentre eles, as HQs. O intuito não é julgar o trabalho do professor, mas, sim,
analisar como os livros didáticos de Português desenvolvem as competências e as habilidades
relacionadas à leitura propostas pela BNCC por meio de atividades com HQs.
A disciplina de Língua Portuguesa, no contexto atual do ensino brasileiro, tem
flexibilizado seu currículo no que diz respeito às múltiplas linguagens e à diversidade de
gêneros. A meta é que a pessoa deva estar habituada a ler, ouvir e interpretar criticamente
práticas que, aos poucos, ganham espaço no ambiente institucional. Cita-se, uma vez mais, o
texto da base:

O componente curricular de Língua Portuguesa deve proporcionar aos estudantes


experiências que contribuam para a ampliação dos letramentos, de forma a
possibilitar a participação significativa e crítica nas diversas práticas sociais
permeadas/constituídas pela oralidade, pela escrita e por outras linguagens.
(BRASIL, 2017, p. 63-64).

Contudo, dadas as dimensões continentais do Brasil e suas diferentes realidades


sociais, ensinar se tornou um desafio. O perfil de alunos e de professores em sala de aula têm
mudado constantemente e, dessa forma, os documentos voltados ao ensino de Português tem
se mostrado cada vez mais preocupados em trabalhar a língua em diferentes situações orais e
escritas, juntamente com os gêneros mais “tradicionais” e os que estão em voga atualmente
na sociedade.
A consolidação do PNLD fez dos livros didáticos uma ferramenta direcionadora ao
processo de ensino-aprendizagem. Dessa forma, os LDs ganham um novo e importante
significado tanto para os professores quanto para os alunos. O grande desafio do professor de
Língua Portuguesa no Brasil é integrar todos os conceitos e recursos à realidade enfrentada
em um contexto escolar específico. Entre eles, as HQs.

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Posto isso, esta dissertação tem como objetivo geral avaliar de que forma as
competências e as habilidades prescritas pela BNCC foram desenvolvidas nas atividades que
propõem leitura das HQs e seus gêneros (tiras, charges e cartuns) na coleção de livros
didáticos de Português Tecendo Linguagens dos Anos Finais do Ensino Fundamental (6º e 9º
ano), aprovada pelo PNLD 2020. O estudo está ancorado na linha de pesquisa Linguagem em
novos contextos da área de Estudos Linguísticos do Programa de Pós-Graduação em Letras
da Universidade Federal de São Paulo.
Nossos objetivos específicos são:

1. analisar quantitativamente e classificar os exercícios com HQs que


contemplam os eixos de leitura, oralidade, produção de textos ou de análise
linguística/semiótica;
2. verificar quais e como foram trabalhadas as competências e as habilidades
leitoras nas atividades com HQs dos livros do 6º e 9º ano;
3. compreender como o potencial pedagógico e as características próprias dos
gêneros dos quadrinhos são explorados por meio de comparações entre os
exercícios de leitura do 6º e do 9º ano .

De acordo com os objetivos deste estudo, a pergunta que norteia nossa análise é:

● As competências e as habilidades relacionadas à leitura prescritas pela BNCC


identificadas nos livros de Português foram propostas efetivamente nas
atividades com HQs?

Como informa o Guia do PNLD 2020, seis coleções de Língua Portuguesa foram
aprovadas. Como dito anteriormente, nosso foco são os livros didáticos dos Anos Finais do
Ensino Fundamental e um primeiro recorte foi feito a fim de delimitar o corpus. Dessa forma,
optamos por trabalhar apenas com os livros didáticos do 6º e do 9º anos por representarem
dois extremos: o início (6º ano) e o fim do ciclo (9º ano) Fundamental Anos Finais. Além
disso, foi feito um segundo recorte: priorizamos trabalhar com a coleção que, dentre as seis,
foi adquirida em maior número pelo PNLD 2020. Logo, o corpus desta pesquisa é constituído
pela coleção Tecendo linguagens, da editora IBEP (2018).
Os estudos relacionados à leitura, ao livro didático e às características dos quadrinhos
serão a base teórica desta pesquisa. Para a leitura, inclusive de textos multimodais, serão

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acionadas as obras de Dionísio e Vasconcelos (2012), Rojo e Moura (2012), Koch (2004),
Koch e Elias (2017) e Marcuschi (2008). Para o LD, levaremos em consideração os escritos
de Stray (1993) Lajolo (1996), Rangel (2001), Cavéquia e Rezende (2013), Ota (2009),
Geraldi (1997) e Batista e Rojo (2005). A ascensão do termo competências será feita com
base nas análises de Holanda (2009) e Branco, Iwasse e Zanatta (2019). A definição presente
na própria base será levada em consideração, dado que ela servirá de orientação para os LDs.
A definição de HQ e de seus gêneros virá de Ramos (2009) e os aspectos históricos delas, de
Vergueiro (2017).

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CAPÍTULO 1

HISTÓRIAS EM QUADRINHOS E SEUS GÊNEROS

Neste primeiro capítulo, faremos um breve resumo sobre o histórico das HQs no
Brasil, desde que começaram a ser publicadas nos jornais até chegarem aos materiais
didáticos. Abordaremos a relação entre enunciado, gênero textual e hipergênero, finalizando
com definições e distinções entre tira cômica, charge e cartum.

1.1 Quadrinhos no Brasil: do jornal ao livro didático

Até chegarem aos livros didáticos brasileiros, as histórias em quadrinhos passaram


por um caminho árduo, que vai da rejeição a elas à sua inclusão via documentos oficiais. O
contexto histórico a seguir tem como base os escritos de Vergueiro (2008, 2017).
No século XIX, as primeiras charges e caricaturas começaram a circular nos jornais
brasileiros, fortemente influenciadas pelas produções europeias e, anos depois, pelas
norte-americanas. Para falar de quadrinhos brasileiros, uma figura de destaque é Angelo
Agostini (1843-1910), criador de “As aventuras de Nhô-Quim: impressões de uma viagem à
corte”. Publicada no jornal Vida Fluminense em 1869, é considerada, segundo Cagnin (2013),
a primeira história em quadrinhos produzida no Brasil.
Já no início do século XX, paralelamente aos jornais, as HQs passam a circular por
outro meio impresso: a revista. A primeira delas foi a infantil O Tico-Tico. Em 1905, ela
começa a publicar histórias em quadrinhos com regularidade. A revista seguia os moldes
europeus e publicava também contos, poesias e outros textos. Um dos personagens mais
famosos era Chiquinho. Ao contrário do que os leitores da época pensavam, não era uma
personagem de criação brasileira, mas, sim, uma releitura do norte-americano Buster Brown,
de Richard Outcault em 1902. O Tico-Tico foi publicado até a década de 1960.
Por volta da década de 1930, O Tico-Tico começou a dividir espaço com A Gazetinha,
revista que também publicava quadrinhos predominantemente norte-americanos, como Little
Nemo in Slumberland e Krazy Kat. A disputa pela publicação de HQs incluiu ainda O
Suplemento Juvenil, revista que publicava os personagens de aventura norte-americanos mais
famosos na época, como Flash Gordon, Dick Tracy e Agente Secreto X-9. Tanto A Gazetinha

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quanto O Suplemento Juvenil faziam muito sucesso com o público jovem. A primeira era
veiculada apenas em São Paulo, já a segunda tinha alcance nacional e, por isso, as histórias
sequenciais de aventura ganharam a preferência entre os jovens brasileiros.
Ainda na disputa pelo protagonismo na publicação de quadrinhos no Brasil, em 1939
o jornal O Globo lança o Gibi, revista de quadrinhos com um formato reduzido e que
continha histórias completas, principalmente de super-heróis como Capitão Marvel e Tocha
Humana. Em pouco tempo, o Gibi tornou-se Gibi Mensal e por sua popularidade no Brasil, o
nome “acabou sendo utilizado para designar qualquer revista de histórias em quadrinhos,
prática que permanece até hoje” (VERGUEIRO, 2017, p. 40). O Gibi foi o propulsor para o
surgimento de outras revistas e para o mercado editorial de quadrinhos no Brasil a partir da
década de 1950.
Seria falho falar de quadrinhos infantis no Brasil sem mencionar Mauricio de Sousa.
As revistas da Turma da Mônica se tornaram um grande sucesso nacional e atraíram crianças,
principalmente do sudeste do país e de classe média e/ou alta, para as bancas durante muitos
anos. Além disso, o marketing deu muito lucro para a empresa que o desenhista criou.
Começaram a ser comercializados produtos próprios da Turma da Mônica, como brinquedos
e alimentos, e os personagens passaram a ser vistos em embalagens, desenhos animados e até
em um parque temático.
Paralelamente, construía-se uma história paralela dos quadrinhos: a dos supostos
perigos trazidos por elas às crianças. Muito desse pensamento, segundo Vergueiro (2017),
vem dos Estados Unidos. Com o fim da Segunda Guerra Mundial, gêneros como suspense e
terror começaram a surgir nas revistas de quadrinhos e trouxeram desconfiança sobre a
influência que causariam nos leitores infantis.
No período da Guerra Fria, de acordo com Vergueiro (2008), o psiquiatra Fredric
Wertham começou a atender jovens norte-americanos com problemas mentais que, segundo
ele, teriam sido influenciados pelas histórias em quadrinhos. Wertham propagou a ideia de
que as HQs eram maléficas para as crianças e os adolescentes e ganhou bastante visibilidade
ao publicar, em 1954, o livro A sedução do inocente.
A defesa de que os quadrinhos eram “vilões” se espalhou não só nos Estados Unidos,
mas em todo o mundo. Muitos países da Europa começaram a restringir as publicações de
quadrinhos. Os norte-americanos criaram um “selo de qualidade”, que era carimbado na capa
de cada revista de quadrinhos, com o intuito de tranquilizar a população sobre a “boa
qualidade” das histórias.

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No Brasil, surgiu o Código de Ética dos Quadrinhos para validar a qualidade das HQs
– muito similar ao selo norte-americano. O código basicamente salientava os valores da
sociedade da época, como família, religião, demonizava cenas de sexo, violência e
relacionamentos homoafetivos, contra o uso de gírias, não toleravam histórias com temática
de terror etc.
Com toda essa “caça aos quadrinhos”, eles começaram a ser vistos por grande parte
da sociedade como uma leitura inferior, não séria e que poderia prejudicar as crianças e os
jovens no ambiente escolar. Portanto, “qualquer ideia de aproveitamento da linguagem dos
quadrinhos em ambiente escolar seria, à época, considerada uma insanidade” (VERGUEIRO,
2008, p. 16). Décadas depois, e mesmo com as HQs em livros didáticos, vestibulares, blogs e
pages, a concepção de “uma leitura inferior” perdura, segundo Vergueiro (2008).
A inserção das HQs nos livros didáticos ocorreu de maneira gradativa. No começo, as
HQs eram utilizadas apenas para ilustrar os materiais, provavelmente porque as editoras
ainda temiam sua rejeição. Depois, as editoras passaram a seguir as orientações oficiais do
governo federal. Foram documentos que, pela primeira vez, incluíram oficialmente os
quadrinhos entre os gêneros adequados para o ensino.
A imagem das HQs no ensino começa a dar sinais de mudança com a divulgação dos
Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), em 1997, elaborados pelo Ministério da Educação.
Para a área de Língua Portuguesa do Ensino Fundamental I, recomendava-se o uso de
diferentes linguagens, como a gráfica – na qual se incluem os quadrinhos. Os PCNs do
Ensino Fundamental II e Ensino Médio também incluíram os quadrinhos e, segundo Ramos
(2017), essas orientações geraram consequências para o ensino brasileiro: textos com
imagens, entre eles os quadrinhos, deveriam ser estudados em sala de aula.
Outro marco importante para as HQs foi o Programa Nacional Biblioteca da Escola
(PNBE). Subsidiado pelo governo federal, ele tinha o intuito de comprar livros para
enriquecer as bibliotecas escolares de todo o país. O PNBE já existia desde o fim da década
de 1990, mas apenas em 2006 passou a selecionar obras em quadrinhos, dialogando com os
PCNs de Língua Portuguesa, que orientavam para a leitura de diferentes linguagens.
O governo federal queria comprar quadrinhos, mas de que tipo? Ainda sob os
fantasmas do passado, parecia haver um certo receio sobre quais obras comprar para não
propiciar uma rejeição das HQs novamente. Como o PNBE propunha enriquecer os acervos
das bibliotecas, priorizou-se a compra de adaptações de obras consagradas da literatura
brasileira e mundial para a linguagem dos quadrinhos. Segundo Yamaguti (2017), foi o
gênero dos quadrinhos mais comprado nos acervos adquiridos pelo programa.

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A herança para as HQs deixada pelo PNBE pode ser notada através do PNLD e da
BNCC. Tanto o programa educacional quanto a base mencionam explicitamente gêneros dos
quadrinhos no que diz respeito ao trabalho com a leitura e a produção de textos no âmbito
escolar. Sendo assim, de marginalizados, demonizados e rejeitados, os quadrinhos passaram a
integrar documentos oficiais.
O uso das HQs se tornou obrigatório na base para desenvolver, por exemplo, a
seguinte habilidade: “(EF69LP05) Inferir e justificar, em textos multissemióticos - tirinhas,
charges, memes, gifs etc. -, o efeito de humor, ironia e/ou crítica pelo uso ambíguo de
palavras, expressões ou imagens ambíguas, de clichês, de recursos iconográficos, de
pontuação etc.” (BRASIL, 2017, p. 137).
Na identificação da habilidade, podemos ver a sigla “EF”, abreviação de Ensino
Fundamental, e a série correspondente, “69”, que, nesse caso específico, indica que a
habilidade deve ser desenvolvida no 6º e no 9º anos, por isso aparecem os dois números. Em
outros momentos, veremos que algumas habilidades apresentam apenas um número, o que
representa algo específico a uma série. Em seguida, vemos a abreviação de Língua
Portuguesa como “LP” para especificar a área em que esses conceitos devem ser
desenvolvidos. Por último, temos o número da ordem em que as habilidades foram
classificadas pela base, sendo citada a quinta (“05”).

1.2 O gênero ou os gêneros dos quadrinhos?

Para Bakhtin (1997, p. 95), “a palavra está sempre carregada de um conteúdo ou de


um sentido ideológico ou vivencial”. Assim, “a língua vive e evolui historicamente na
comunicação verbal concreta, não no sistema linguístico abstrato das formas da língua nem
no psiquismo individual dos falantes” (BAKHTIN, 1997, p. 124). Dessa forma, podemos
afirmar que o autor entendia a linguagem como um processo ininterrupto de interação social,
dialógica e interativa.
Apesar de estarmos ancorados na linha de pesquisa da Linguística Textual, cabe,
primeiramente, uma discussão sobre a relação entre os conceitos de gêneros e enunciados.
Para tal, partimos do princípio do autor russo que entende os enunciados como unidades de
comunicação presente em diferentes esferas de atividades humanas (religiosa, política,
familiar etc.) e, desse modo, os gêneros do discurso são “tipos relativamente estáveis de
enunciado” (BAKHTIN, 2000, p. 279). À vista disso, entendemos o enunciado como

24
não-repetível e individual, “enunciado não é uma unidade convencional, mas uma unidade
real, estritamente delimitada pela alternância dos falantes” (BAKHTIN, 2000, p. 294).
“O enunciado sempre é acompanhado de uma atitude responsiva ativa e uma
compreensão responsiva ativa, que diz respeito ao fato de o ouvinte receber e compreender
um discurso e a fase preparatória para uma resposta” (GARCIA, 2018, p. 48). Os enunciados
são construídos a partir de intenções comunicativas que originam os gêneros. Os gêneros,
podem ser considerados como flexíveis e passíveis de mudança, a depender de seu conteúdo
temático, construção composicional e estilo, em um momento sócio-histórico específico.
Bakhtin (2003), afirma que os gêneros podem ser primários ou secundários, o
primeiro diz respeito a gêneros da esfera cotidiana, por exemplo, um bilhete. Já o segundo,
refere-se à esferas culturais de maior complexidade, por exemplo, um romance. Para o autor
russo, nos apropriamos tanto dos gêneros primários quanto dos secundários no dia a dia, pela
convivência com as pessoas ao nosso redor e de acordo com a comunidade a qual estamos
inseridos.
Marcuschi (2002, p. 19-36), salienta que o gênero textual é o texto como realização
linguística concreta definida por propriedades sócio-comunicativas. É uma unidade
comunicativa realizada, trata-se de um artefato situado produzido por atores sociais, com
objetivos específicos. Portanto, cada materialização de texto realizada em um determinado
contexto passou a ser designada como gênero textual, inclusive as HQs.
Dada sua complexidade, o conceito de gênero foi discutido e incorporado por diversos
autores e pesquisadores de diferentes campos teóricos. Trabalhamos neste estudo com base na
definição de quadrinhos proposta por Ramos (2009, p. 20, grifo do autor): “quadrinhos ou
histórias em quadrinhos seriam um grande rótulo, um hipergênero, que agregaria diferentes
outros gêneros, cada um com suas peculiaridades”. Para explicar essa abordagem, é
necessário detalhar o conceito de hipergênero, adotado pelo autor a partir dos estudos de
Maingueneau (2006, 2010).
Para o linguista francês, a noção de gênero passou por diversas categorizações ao
longo do tempo, o que gerou tipologias distintas. Maingueneau (2006) afirma que a natureza
dos gêneros implica a consideração de sua constante evolução, do modo como a sociedade
evolui, uma vez que qualquer modificação significativa em seu estatuto material pode
transformá-los profundamente.
Essa constante evolução, como o autor comenta, impactou no modo como ele define o
hipergênero. Na primeira abordagem do conceito (MAINGUENEAU, 2006), ele é visto como
a presença de elementos comuns a diferentes gêneros:

25
[O hipergênero] trata-se de categorizações como “diálogo”, “carta”, “ensaio”,
“diário”, etc. que permitem “formatar” o texto. Não se trata, diferentemente do
gênero do discurso, de um dispositivo de comunicação historicamente definido, mas
um modo de organização com fracas coerções que encontramos nos mais diversos
lugares e épocas e no âmbito do qual podem desenvolver-se as mais variadas
encenações da fala (MAINGUENEAU, 2006, p. 244).

A carta, citada pelo autor, pode ser tomada como exemplo para melhor entender a
aplicação do conceito. Ela teria uma configuração própria e comum a diferentes gêneros.
Cada um, no entanto, seria distinto do outro. Desse modo, a carta de amor e a carta do leitor,
a título de ilustração, teriam marcas compartilhadas do que seria uma carta (uso de primeira
pessoa, início e encerramento do contato estabelecido com o interlocutor etc.), porém
configurariam gêneros próprios e autônomos.
O hipergênero se enquadraria no modelo de gêneros do discurso pensado pelo autor.
Ele os divide em instituídos (ao longo da interação, os papéis dos integrantes tendem a se
manter) e conversacionais (sua composição, temática e interação é mais instável/variada).
Baseados nessas distinções, as HQs poderiam ser consideradas como instituídas, já que, seus
roteiros e temáticas são planejadas previamente.
Com a grande influência das novas tecnologias e mídias sociais na vida dos cidadãos,
a noção de hipergênero seria alargada pelo autor, tendo em vista, principalmente, os que
circulam e são produzidos na internet. Maingueneau (2010) afirma que os websites também
podem ser analisados segundo o conceito de hipergênero. Conforme o autor, a Web “não é
apenas o lugar onde aparecem novas formas de genericidade: ela transforma as condições de
comunicação, o que se considera gênero, e a própria noção de textualidade”
(MAINGUENEAU, 2010, p. 132). O “hiper”, nessa nova acepção, seria a reunião de
diferentes gêneros em um mesmo ambiente.
A aproximação do hipergênero com os quadrinhos, feita por Ramos, toma como base
a primeira acepção do conceito, ou seja, as HQs teriam marcas comuns (uso de balão,
onomatopeias, articulação entre imagem e palavra), manifestadas em diferentes gêneros,
todos autônomos e distintos uns dos outros. Imaginando-as como uma escada, cada degrau
simboliza um dos gêneros que compõem esse hipergênero, como charge, cartum e tira
cômica.
Os eventuais tropeços nos degraus ocorrem, justamente, porque todos os gêneros
usam recursos da linguagem dos quadrinhos, como o balão de fala e textos com linguagem
verbal e não verbal. Nos livros didáticos, encontramos a escada, porém os degraus nem

26
sempre estão posicionados da maneira mais adequada. Uma sinalização disso são as
diferentes maneiras como as tiras são nomeadas nos LDs.
Deroza e Ramos (2020) observaram como elas foram referidas em um livro didático
direcionado ao sexto ano do Ensino Fundamental II. Dos 37 casos utilizados no livro, as
histórias foram nomeadas de três formas diferentes: tira (14 casos), HQ (12) e tirinha (11).
Mais do que formas sinônimas, os autores defendem que seja reflexo de uma imprecisão com
relação ao gênero em si. A obra define tira como uma HQ, com três ou quatro quadros,
produzida em uma única faixa horizontal e publicada em revistas e jornais. Nem todas foram
reproduzidas dessa forma no livro (havia casos de histórias dispostas no tamanho equivalente
ao de duas tiras).
Maingueneau (2006, p. 233) já ressaltava a dificuldade de “distinguir as tipologias de
gêneros que vêm dos usuários das que são elaboradas pelos pesquisadores.” O assunto consta
também na definição de quadrinhos como hipergênero proposta por Ramos (2007, p. 50):

Um grande rótulo, denominado história em quadrinhos ou somente


quadrinhos, une diferentes características comuns e engloba uma
diversidade de gêneros afins. Rotulados de diferentes maneiras,
utilizam a linguagem dos quadrinhos para compor um texto
narrativo dentro de um contexto sócio-comunicativo.

Visto que cada material tende a rotular os gêneros da forma que julgar mais adequada,
é comum encontrar algumas ambiguidades e equívocos relacionados às HQs e, por isso, é
necessário que se tenha clareza sobre os nomes mais adequados presentes na literatura teórica
sobre o assunto, bem como as características recorrentes dos gêneros. Não todos,
evidentemente, mas dos mais presentes nos materiais didáticos. Nesse sentido, os mais
utilizados tendem a ser as tiras, as charges e os cartuns.
De acordo com Ramos (2009, p. 5), tiras cômicas (ou somente tiras, forma sinônima)
são, resumidamente, “produções marcadas por um desfecho inesperado, tal qual a piada.".
Como podemos ver no caso a seguir (Figura 1), da série Um Sábado Qualquer, do quadrinista
Carlos Ruas:

Figura 1 - Exemplo de tira

27
Fonte: Blog Um Sábado Qualquer. Disponível em: <https://www.umsabadoqualquer.com/>. Acesso
em: 2 fev. 2022.

A tira apresenta o desfecho cômico ou inesperado, característico do gênero. Não se


espera que a personagem de barba, Deus, diga que salvou a vida de seu interlocutor ao
livrá-lo de um coração, que simboliza o amor. Espera-se que o amor seja algo positivo, e não
negativo, um problema, algo a ser evitado. Essa oposição, que leva a um final não previsto,
cria o sentido cômico da história.
Em termos de composição, Ramos (2017) defende que, com as novas tecnologias,
houve um redimensionamento nos formatos usados pelos autores para comporem as tiras.
Elas podem ser criadas tanto nos moldes mais convencionais, ou seja, na horizontal, com a
história construída em uma única faixa de quadrinhos, ou em dimensões maiores,
equivalentes a dois, três ou mesmo mais quadrinhos, e não mais obrigatoriamente
retangulares (existem contemporaneamente situações de tiras quadradas).
A charge, na definição de Romualdo (2000, p. 20), é “um texto de humor que aborda
algum fato ou tema ligado ao noticiário. De certa forma, ela recria o fato de forma ficcional,
estabelecendo com a notícia uma relação intertextual”. Por ser um gênero que aborda
temáticas do cotidiano, os fatos contemporâneos acabam se tornando a base de inspiração
para elas. Um dos temas recorrentes, embora não o único, é o cenário político. Vejamos um
exemplo (Figura 2):

Figura 2 - Exemplo de charge

28
Fonte: Charge Online. Disponível em: <https://www.chargeonline.com.br/>. Acesso em: 6 fev. 2022.

Reproduzida em uma página dedicada ao gênero, a charge foi publicada inicialmente


no jornal “Gazeta on-line”, em 6 de fevereiro de 2022. Criada pelo cartunista Amarildo, foi
inspirada na notícia do crescimento dos casos da variante Ômicron da Covid-19 e,
principalmente, no aumento da contaminação entre crianças e os jovens.1
No exemplo, vemos a crítica do chargista ao presidente Jair Bolsonaro (desenhado de
forma caricaturizada à esquerda) e ao Ministro da Saúde, Marcelo Queiroga (à direita),
posicionados de costas para a ampulheta, onde crianças aflitas temem ficar submersas pela
areia que simboliza o vírus. À medida que o tempo passa (percebido pela areia da ampulheta
caindo por cima das crianças), e com a postura dos dois de darem as costas para o assunto
(acelerar a vacinação infantil no país), a variante avança entre brasileiros de faixa etária mais
baixa.
Nota-se que, para compreender a charge, o leitor deve ler os elementos visuais e
verbais, articular ambos e recuperar informações do noticiário de quando o desenho foi
veiculado. Do contrário, dificilmente produziria o sentido pretendido. Caso um leitor
encontre a charge acima no ano de 2032, num cenário hipotético, seria necessário que ele
mobilizasse dados históricos e notícias da época da publicação para entender as referências
do que ali havia sido representado.
1
Fonte: Portal G1. Disponível em:
<https://g1.globo.com/sp/sao-paulo/noticia/2022/01/19/numero-de-criancas-e-adolescentes-internadas-em-uti-no
-estado-de-sp-sobe-61percent-nos-ultimos-dois-meses.ghtml>. Acesso em 07 de fevereiro de 2022.

29
É comum notar uma confusão no momento de diferenciar charges e cartuns devido às
suas semelhanças. Contudo, a literatura sobre o assunto tende a distinguir uma da outra.
Segundo Ramos (2009, 2011), enquanto o primeiro utiliza um fato do noticiário atual para
produzir o efeito de humor e a consequente crítica, o segundo não precisa, necessariamente,
estar ligado a notícias do cotidiano. É como se pode observar neste caso, do falecido
desenhista Nani:

Figura 3 - Exemplo de cartum

Fonte: Nani humor. Disponível em: <http://www.nanihumor.com/>. Acesso em: 2 fev. 2022.

No cartum, vemos dois homens, um rotulado como otimista, que vê o copo meio
cheio, e outro como pessimista, que observa o conteúdo como meio vazio. Um terceiro,
mostrado à direita, dá o arremate cômico à situação criada no cartum. Intitulado como
político, ele afirma que, independentemente do que os outros acham do copo, quer 10% do
líquido ali contido.
Apesar de o cartum apresentar a figura de um político, ele não necessariamente está
relacionado a uma notícia jornalística específica. Na sociedade brasileira, é comum associar a
figura de um político como alguém vinculado à corrupção, que sempre quer tirar vantagem de
algo em benefício próprio. Portanto, diferentemente da charge, este cartum não necessita que
o leitor recupere reportagens da época em que a história humorística foi publicada.
Dentre os três gêneros exemplificados, o mais recorrente nos materiais analisados é a
tira cômica. Garcia (2018) analisou 24 livros de seis coleções do PNLD de 2014 voltadas ao
Ensino Fundamental II, mesmo foco deste nosso estudo. A autora constatou que, dentre os 30
gêneros midiáticos presentes nas obras, a maior incidência foi a de tiras. Foram encontrados

30
417 casos. Para se ter uma dimensão comparativa, o segundo e terceiro gêneros mais
encontrados, anúncio e notícia, computaram 87 e 79 casos cada um, respectivamente.
Devido às similaridades entre os gêneros, é natural que ocorram alguns equívocos no
momento de identificá-los. Conforme Deroza e Ramos (2020, p. 50), pode-se notar uma certa
confusão nos materiais didáticos no momento de nomear as atividades com quadrinhos:
charges sendo nomeadas como tiras, cartuns como charges, entre outras situações
semelhantes.
Na escola, cabe ao professor tentar discernir os gêneros das HQs para melhor orientar
seus alunos. Essas confusões e pouca familiaridade podem ser encontradas até na BNCC,
quando o documento menciona quadrinhos nos diferentes campos de atuação, ora como
gênero do campo jornalístico, ora como gênero literário, nunca como quadrinístico, conforme
veremos adiante.

31
CAPÍTULO 2

PNLD E BNCC

Neste segundo capítulo, pretendemos discorrer sobre o objetivo, o formato e a


relevância do PNLD, levando em consideração suas contribuições para as mudanças que
ocorreram ao longo dos anos nos LDs. Além disso, nos aprofundaremos na definição e no
papel dos LDs em sala de aula, principalmente os de Língua Portuguesa, objeto deste estudo.
Por fim, abordaremos o processo de implementação da Base Nacional Comum Curricular,
suas diferentes versões, juntamente com seus objetivos e propostas principais quanto ao
ensino de Língua Portuguesa.

2.1 O Programa Nacional do Livro Didático (PNLD)

Como neste estudo temos o intuito de analisar o PNLD de 2020, optamos por não
retomar todo o contexto histórico de criação, implementação e consolidação do PNLD2, já
que entendemos que o programa possui feições multifacetadas ao atender interesses públicos,
ideológicos e diferentes contextos históricos, os quais não pretendemos abordar e/ou discutir
nesta pesquisa.
Primeiramente, para termos uma ideia da dimensão do PNLD, buscamos alguns
dados3 de 2019/2020, quando o governo federal investiu R$ 1.390.201.035,55 na compra e
distribuição de livros didáticos para toda a Educação Básica, da Educação Infantil ao Ensino
Médio. Com relação aos livros dos Anos Finais do Ensino Fundamental, que é o foco deste
estudo, foram adquiridos 80.528.321 exemplares, distribuídos para 48.213 escolas e
chegando a 10.197.262 estudantes de diferentes regiões do país. Esses dados estatísticos
comprovam não apenas a importância do programa para a educação e a sociedade, mas
também para a economia.

2
É possível acessar o histórico do PNLD, sob o ponto de vista do MEC, no site:
<http://www.fnde.gov.br/component/k2/item/518-hist%C3%B3rico#:~:text=O%20Programa%20Nacional%20d
o%20Livro,com%20outra%20denomina%C3%A7%C3%A3o%2C%20em%201937.&text=1937%20%2D%20
O%20Decreto%2DLei%20n%C2%BA,o%20Instituto%20Nacional%20do%20Livro.> . Acesso em: 06 de
janeiro de 2022.
3
Fonte: FNDE. Disponível em:
<https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/dados-estatisticos>. Acesso em: 06 de
janeiro de 2022.

32
O PNLD possui como objetivos “a aquisição e a distribuição, universal e gratuita, de
livros didáticos para alunos de todas as escolas públicas de Ensino Fundamental, visando
assegurar a qualidade dos livros didáticos 50 a serem adotados nas salas de aula em todo o
Brasil” (BATISTA, 2004, p. 1). Vê-se a dimensão que tem o programa e a inserção do livro
didático no ensino do país. Na leitura de Lajolo (1996, p. 3):

Por desfrutar de uma tal importância na escola brasileira, o livro didático


precisa estar incluído nas políticas educacionais com as quais o poder
público cumpre sua parte na garantia de educação de qualidade para todos.
Pela mesma razão, a escolha e a utilização dele precisam ser fundamentadas
na competência dos professores que, junto com os alunos, vão fazer dele
(livro) instrumento de aprendizagem.

O formato atual do PNLD é desenvolvido pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento


da Educação (FNDE) e pela Secretaria de Educação Básica (SEB), órgãos vinculados ao
Ministério da Educação (MEC). O programa é responsável por avaliar, adquirir e distribuir
LDs, dicionários e objetos educacionais digitais para escolas de Educação Básica públicas
das redes federal, estadual, municipal e do Distrito Federal. Além disso, a Educação de
4
Jovens e Adultos (EJA) também recebe LDs do programa.
De acordo com o portal do FNDE, no ano de 2020, foi feita a aquisição completa das
obras que atendem os Anos Finais do Ensino Fundamental. O PNLD adquire obras completas
em ciclos trienais, ou seja, a cada três anos, novas coleções são selecionadas e, dentro do
triênio, é feita a reposição parcial dos livros não consumíveis/reutilizáveis, conforme o
crescimento do número de matrículas, perdas ou extravios.5
As editoras que desejarem ter suas coleções no programa devem inscrevê-las no site
do MEC e seguir o edital. Os critérios de escolha das coleções também estão presentes no
edital, sendo um deles, como veremos mais adiante, estar de acordo com as competências e as
habilidades prescritas pela BNCC, homologada em 2017.
Com o intuito de auxiliar as escolas na escolha de suas coleções, em 2011, a SEB
elabora a primeira edição do Guia de Livros Didáticos, o qual possui resenhas sobre as obras
aprovadas pelo PNLD do ano vigente. Desde então, o Guia é publicado no início do ciclo
trienal no site do PNLD após a escolha das coleções. É possível acessar as resenhas de cada

4
Fonte: FNDE. Disponível em: <http://www.fnde.gov.br/component/k2/item/518-hist%C3%B3rico>. Acesso
em: 06 de janeiro de 2022.
5
Idem nota 4.

33
material on-line ou baixar o Guia completo gratuitamente na página do Guia Digital do
PNLD6.
É esperado que, no decorrer dos anos, mudanças essenciais ocorreram nos LDs em
termos conceituais, políticos e metodológicos. No que diz respeito aos livros de Língua
Portuguesa, Rangel (2001, p. 8) afirma que:

Podemos dizer que o PNLD, estabeleceu perspectivas teóricas e


metodológicas bastante definidas para o LDLP, perspectivas estas que se
tornaram possíveis graças a uma movimentação no campo da reflexão sobre
o ensino de língua materna que bem poderíamos considerar como uma
mudança de paradigma.

Segundo os especialistas no assunto (cf. MARCUSCHI, 2008; SOUZA, 2005) as


coleções de Língua Portuguesa passaram a apresentar um progresso que se deu de forma
especial na seleção de textos feita pelos autores, que passaram a inserir em suas obras uma
coletânea representativa dos textos que circulam em sociedade.
O destaque e a relevância que o PNLD adquiriu com o passar dos anos, deve-se a dois
motivos principais:
“A inegável influência exercida pela avaliação sobre os moldes adquiridos
pelas obras e pelo fato de a simples adoção de um livro didático significar em
alguns contextos os objetivos de ensino e a configurar o projeto de
ensino/aprendizagem a ser concretizado em sala de aula” (ROJO, 2000, p. 24)

Assim, para Cavéquia e Rezende (2013, p. 320), “especialmente no que se refere aos
critérios de avaliação, não se pode negar que o PNLD impulsionou a melhoria dos livros
educativos”. Ainda hoje, há um longo caminho de melhorias a percorrer, mas, para as autoras,
todos os relacionados aos LDs, aos programas governamentais e ao processo de
ensino-aprendizagem devem “assumir cada vez mais seus papéis nesse jogo, cuja meta
é/deveria ser mudar o quadro de déficit de aprendizagem das crianças e jovens do Brasil.”
(CAVÉQUIA E REZENDE, 2013, p. 320).
Ota (2009, p. 213) afirma que o LD passa a “assumir um papel preponderante na sala
de aula em virtude das significativas transformações por que passa o sistema educacional”.
Segundo a autora, o LD vem para suprir as deficiências da formação de professores e
professoras e, “como há uma deficiência muito grande nas políticas de formação continuada,

6
Fonte: Guia Digital do PNLD. Disponível:
<http://www.fnde.gov.br/component/k2/item/518-hist%C3%B3rico>. Acesso em: 10 de março de 2020.

34
o LD acaba funcionando, muitas vezes, como mecanismo de atualização profissional, ainda
que não seja essa sua função” (OTA, 2009, p. 214).
Bunzen (2005, p. 2) ressalta que o LD “é um elemento tão presente na sala de aula
quanto o próprio professor”. Para o autor, “o livro é quem ´comanda´ o professor. É por este
motivo que denominamos o livro como: a bíblia do professor.” (BUNZEN, 2000, p. 2). Já
para Geraldi (1997, p. 180), “não é o professor que adota o LD, mas, o professor é adotado
pelo LD, devido a uma série de fatores, tais como: as facilidades que o LD proporciona, a
escassez de materiais didáticos, falta de uma política de formação adequada”.
Pelos diferentes aspectos do que foi exposto, podemos observar a relevância da
utilização dessas publicações em sala de aula e sua distribuição por meio do PNLD.
Compreendemos a pertinência das questões que envolvem o uso dos LDs nas escolas
públicas de todo o país. Entretanto, para este estudo, entendemos o LD como uma ferramenta
de grande importância no processo de ensino-aprendizagem com o intuito de, segundo Batista
e Rojo (2005, p. 15), “auxiliar no ensino de uma determinada disciplina, por meio da
apresentação de um conjunto extenso de conteúdos do currículo, de acordo com uma
progressão, sob a forma de unidades ou lições, e por meio de uma organização que favorece
tanto usos coletivos, quanto individuais.”.
Para este estudo, definimos o LD como “um produto cultural composto, híbrido, que
se encontra no cruzamento da cultura da pedagogia, da produção editorial e da sociedade”
(STRAY, 1993, apud FREITAS E RODRIGUES, 2007, p. 2). O caráter híbrido pode ser visto
ainda em outra acepção, não apenas na interligação de diferentes frentes, como indica Stray,
mas também na própria composição do conteúdo das obras. Isso é bastante evidente – e cada
vez mais presente – nas obras do ensino de Português no contexto educacional brasileiro.
A abordagem de Língua Portuguesa tem seu currículo voltado às práticas sociais e às
múltiplas linguagens, como apontam diferentes autores que abordaram o ensino de
linguagens, entre os quais podem ser lembrados Dionísio (2008, 2011 e 2013), Batista e Rojo
(2005), Rojo e Moura (2012) e Bunzen e Mendonça (2013). O caráter híbrido se dá também
na própria composição dos textos, vistos contemporaneamente não mais como produções
exclusivamente verbais, mas com a presença de diferentes modalidades (imagem, cor).
Esses textos, nomeados de multimodais por condensar em diferentes códigos, estão na
base da constituição das histórias em quadrinhos, que articulam elementos verbais escritos e
visuais. Nesse sentido, Dionísio (2005, p. 161) irá defender que a multimodalidade passa a
ser um traço constitutivo dos textos falados e escritos, produzidos em diferentes gêneros:
“Em consequência, os nossos habituais modos de ler um texto estão sendo reelaborados

35
constantemente. Não se salienta aqui a supremacia da imagem ou da palavra na organização
do texto, mas sim a harmonia (ou não) visual estabelecida entre ambos”.
É esperado que esse olhar híbrido (nas duas acepções) e multimodal permeia a
constituição dos livros didáticos de Língua Portuguesa (LDLP). Os reflexos foram sendo
construídos paralelamente às mudanças e às revisões no ensino de língua materna expostas
nos Parâmetros Curriculares de Língua Portuguesa (PCNLP). Nos parâmetros, os objetivos
do ensino de Português “se concentram nas atividades de produção e compreensão de textos,
visando a permitir a expansão das possibilidades do uso da linguagem, relacionadas às quatro
habilidades básicas: falar, escutar, ler e escrever” (PCNLP, 1998, p. 8).
Apesar das mudanças de perspectiva sobre o ensino de língua materna presentes no
PCNLP, atualmente, as coleções de LDLP, em sua maioria, possuem uma estrutura muito
semelhante, “o livro didático é composto por unidades, lições e módulos, em que são
trabalhados um tema e o conteúdo através de textos e seguidos de atividades propostas para
serem executadas por professores e alunos” (BEZERRA, 2001, p. 33). Embora haja esta
uniformidade nas coleções de LP, para que sejam selecionadas pelo edital do PNLD e possam
ser trabalhadas em escolas públicas de diferentes regiões do país, as coleções devem estar de
acordo com as competências e as habilidades propostas pela BNCC para o ensino de
Português. A seguir, conceituaremos a BNCC e apresentaremos quais são as competências e
as habilidades que, segundo ela, devem ser trabalhadas durante as aulas de LP.

2.2 A Base Nacional Comum Curricular (BNCC)

Sobre a concepção da Base Nacional Comum Curricular (desde a Educação Infantil


ao Ensino Médio), Costa-Hübes e Kraemer (2019, p. 7) afirmam que “a BNCC balizou-se na
promessa governamental de garantir ao estudante desses níveis de ensino maior acesso à
aprendizagem e ao desenvolvimento pleno”. Para elas, o objetivo da Base é “nortear os
Currículos de todo o Brasil, estabelecendo competências e diretrizes” (COSTA-HÜBES E
KRAEMER, 2019, p. 7-8).
A Base do Ensino Fundamental, que é o foco deste estudo, passou por um longo
processo de construção, repleto de consultas, modificações e disputas políticas. Costa-Hübes
e Kraemer (2019) relatam que, em 2015, constituiu-se uma primeira versão. No ano seguinte,
a segunda. Então, no fim de 2017, a BNCC foi sancionada.
No fim de 2015, o processo de construção da primeira versão constituiu-se sob um
processo político delicado vivido no país devido ao impeachment da então presidente Dilma

36
Rousseff e à ascensão de seu vice, Michel Temer, à Presidência da República, em agosto de
2016. A primeira versão do documento foi duramente criticada, devido ao seu caráter
conservador e divergências políticas em razão da mudança de governo na época7.
De acordo com Morgado e Corrêa (2018), para a segunda versão do documento, em
2016, o MEC aceitou sugestões e contribuições da sociedade civil e foram realizados
seminários em diferentes estados brasileiros com professores, gestores e especialistas. Mesmo
com os debates, segundo o portal de notícias G18, a nova versão do documento gerou
polêmica por suas lacunas nas disciplinas de história e literatura. Sobre esta, que dialoga com
nosso estudo relacionado a LP, o trabalho com a literatura portuguesa não fazia parte dos
conteúdos programáticos previstos para os Anos Finais do Ensino Fundamental.
A terceira versão foi redigida colaborativamente, assim como a segunda, e, mesmo
inviabilizando a discussão sobre identidade de gênero e orientação sexual, o que gerou
críticas, debates, divergências e inconstâncias conforme apontam Branco, Branco, Iwasse e
Zanatta (2019), esta última versão do documento foi aprovada e homologada pelo MEC em
dezembro de 2017. Ficou estabelecido que:

O texto tem como nortes gerais a constituição, ao menos no âmbito teórico, de


equidade, pluralidade e superação de barreiras no ensino brasileiro. Prevê
também que todos os alunos do país tenham garantidos os direitos de acesso,
políticas de permanência e o desenvolvimento de suas competências e habilidades
ao longo da Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio (BRASIL,
2017, grifo nosso).

Nessa terceira versão do texto, observamos que a Base tem como um de seus
objetivos “superar as barreiras no ensino brasileiro” (BRASIL, 2017). O trecho lança um
desafio e muitos questionamentos quanto ao cumprimento dele. Seriam algumas barreiras
mais relevantes do que outras? Fazendo uma ponte com a parte do documento sobre os Anos
Iniciais do Ensino Fundamental, é estabelecida uma idade máxima para a conclusão do
processo de alfabetização, ignorando, assim, as peculiaridades individuais dos alunos no
processo de aprendizagem.
O Ensino Religioso presente nas duas primeiras versões da Base foi excluído na
terceira versão de 2017 para então ser reinserido quando o texto já havia sido aprovado. Ao

7
Fonte: Jornal da Unicamp. Disponível em:
<https://www.unicamp.br/unicamp/ju/noticias/2017/12/04/base-curricular-e-conservadora-privatizante-e-ameaca
-autonomia-avaliam>. Acesso em: 15 de junho de 2021.
8
Fonte: G1. Disponível em:
<https://g1.globo.com/educacao/noticia/mec-apresenta-segunda-versao-da-base-nacional-comum-curricular.ght
ml>. Acesso em: 12 de agosto de 2021.

37
abolir da versão final termos relacionados à orientação sexual e à identidade de gênero, mas
inserir o Ensino Religioso no documento sem ao menos citar qual formação um professor
deve ter para lecionar tal disciplina, notamos motivações ideológicas e políticas, com a
promessa de que “cabe ao Ensino Religioso tratar os conhecimentos religiosos a partir de
pressupostos éticos e científicos, sem privilégio de nenhuma crença ou convicção.”
(BRASIL, 2017, p. 436).
Apesar das controvérsias e ambiguidades da terceira e última versão da BNCC para o
Ensino Fundamental, o texto foi aprovado e entrou em vigor a partir de então. Sobre o ensino
de LP, o documento divide a disciplina em quatro eixos principais, com competências e
habilidades específicas para cada eixo a serem desenvolvidas pelos estudantes. Os quatro
eixos são:

● eixo da leitura;
● eixo da produção de textos;
● eixo da oralidade;
● eixo da análise linguística/semiótica.

Como mencionado, temos o intuito de analisar como as competências e as habilidades


do eixo leitura foram trabalhadas através de atividades com HQs nos volumes do 6º e 9º ano
e, para tal, veremos no capítulo seguinte:

● as dez competências gerais da BNCC para LP;


● as dez competências específicas de LP para os Anos Finais do Ensino
Fundamental;
● habilidades do eixo leitura a serem trabalhadas com 6º e 9º ano;
● definição de leitura e definição de leitura para a BNCC.

38
CAPÍTULO 3

COMPETÊNCIAS, HABILIDADES E LEITURA

No presente capítulo, iremos apresentar os pressupostos sobre as noções de


competências e de habilidades, considerando, também, as competências específicas e gerais
para o ensino de Língua Portuguesa na BNCC. Refletiremos acerca da concepção de leitura
pela visão de estudiosos e da própria Base. Além disso, trataremos do conceito de texto como
um evento interativo, comunicativo e multimodal.

3.1 Competências e habilidades

Acreditamos que seja relevante compreender um pouco do retrospecto do termo


“competências”. De acordo com Perrenoud (2002, p. 19), a competência está relacionada com
o “saber fazer algo, aptidão para enfrentar uma família de situações análogas, mobilizando de
uma forma correta, rápida, pertinente e criativa, múltiplos recursos cognitivos.”
Segundo Holanda, Freres e Gonçalves (2009, p. 124), “o termo competência ganhou
força na década de 1990, principalmente a partir das reformas educacionais ocorridas no
Brasil para atender às demandas do processo de reestruturação produtiva do capital”.
Essa “reestruturação produtiva do capital” é a preparação para o mercado de trabalho
e, no âmbito educacional, como afirmam Branco, Branco, Iwasse e Zanatta (2019, p. 158),
“tem se buscado a implementação do desenvolvimento de competências e habilidades,
primeiramente, com a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs), na década
de 1990 e, nos dias atuais, com a implantação da BNCC”. Para os autores (2019, p. 160), “foi
visando uma reestruturação do ensino para favorecer a expansão do capital, formando
indivíduos competentes e com habilidades demandadas pelo mercado de trabalho, que o
ensino voltado para competências e habilidades ganhou espaço”.
A noção de competência está diretamente ligada à noção de habilidade, pois, uma vez
mais, Perrenoud (2002, p. 20), afirma que “a competência é formada por uma série de
habilidades, de aptidões para se realizar algo”. Assim, entendemos que as habilidades são as

39
capacidades que o indivíduo desenvolve para se tornar competente em alguma coisa. No
âmbito do ensino, há o anseio de formar leitores competentes, que se mostrem capazes de
compreender e de se posicionar diante dos textos. Para tornar-se hábil em certas tarefas é
necessário treino e aperfeiçoamento. Dessa forma, dizemos que um estudante desenvolveu
determinada competência quando o mesmo reúne um conjunto de habilidades necessárias
para atingir seu objetivo.
Como neste estudo pretendemos compreender como se dá o trabalho com as
competência nos LDLP, entendemos ser relevante observar a definição de competências da
própria BNCC:

Competência é definida como a mobilização de conhecimentos (conceitos e


procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e
valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da
cidadania e do mundo do trabalho (BRASIL, 2017, p. 8).

Como dissemos no capítulo anterior, antes de especificar, a BNCC propõe dez


competências gerais para cada área do conhecimento, para que os alunos as desenvolvam ao
longo da Educação Básica, “buscando em seu processo de aprendizagem e desenvolvimento,
uma formação humana integral, que vise à construção de uma sociedade justa, democrática e
inclusiva” (BRASIL, 2017, p. 9). Já que trabalhamos com a área de conhecimento de
Português, vejamos na imagem a seguir as competências gerais da Base para essa área do
conhecimento:

Figura 4 - Competências gerais da BNCC para LP

40
Fonte: OLIVEIRA, T. A. Tecendo linguagens: língua portuguesa: 6º ano. 5. ed. São Paulo: Barueri:
IBEP, 2018, p. 46.

Dentre as competências apresentadas, destacamos a terceira e a quarta que, apesar de


não mencionarem explicitamente, relacionam-se com as HQs. Entendemos que valorizar as
manifestações artísticas e culturais (competência três), juntamente com a utilização de
diferentes linguagens e conhecimentos das linguagens artísticas (competência quatro),
dialoga diretamente com os gêneros dos quadrinhos.
Além dessas competências gerais, temos também as específicas, que devem ser
desenvolvidas pelos estudantes dos Anos Finais do Ensino Fundamental durante as aulas da
disciplina de Português. Vejamos, na sequência, as dez competências específicas de LP a
serem trabalhadas no decorrer do 6º ao 9º ano:

41
Figura 5 - Competências específicas de LP

Fonte: BNCC. Disponível em:


<http://intranet.sme.fortaleza.ce.gov.br/files/2020/Competencias-lingua-portuguesa_1.pdf>. Acesso
em: 12 de janeiro de 2022.

Salientamos as competências específicas de números três e sete, por estarem


diretamente ligadas ao objetivo deste estudo. Ler textos multissemióticos (ou multimodais)
com autonomia e de forma crítica, reconhecendo seus sentidos e características, é o que
buscamos saber se é desenvolvido em sala de aula nos exercícios com HQs.

42
Para que um estudante desenvolva de maneira satisfatória as competências propostas
pela Base, é necessário mobilizar diferentes habilidades. As habilidades indicam o que
aprendemos a fazer e são sempre associadas a verbos de ação (identificar, classificar,
descrever etc.) 9. Na BNCC, as habilidades estão organizadas de forma progressiva, da mais
simples para a mais complexa, e diretamente ligadas às competências.
Por exemplo, para apropriar-se da linguagem escrita, como propõe a segunda
competência específica de LP, é necessário que o estudante desenvolva as habilidades de ler,
compreender, escrever, posicionar-se etc. Assim, quanto maior o nível de exigência da
competência, maior será o número de habilidades desenvolvidas.
O desenvolvimento das habilidades não acontece de maneira descontextualizada, mas,
sim, “por meio da leitura de gêneros que circulam nos diversos campos de atividade
humana”, de acordo com a BNCC (2017, p. 80). Desse modo, podemos encontrar um ou mais
gêneros presentes em diferentes campos. Para os Anos Finais do Ensino Fundamental, quatro
campos principais de atuação da vida social são elencados para serem trabalhados:

● Campo jornalístico-midiático: gêneros que trabalham com informações,


opiniões e fatos ocorridos na comunidade, cidade e no mundo como:
reportagem, artigo de opinião, editorial, resenha crítica, crônica, dentre outros;
● Campo de atuação na vida pública: busca-se ampliar a compreensão dos
estudantes quanto ao debate de ideias na atuação política e social; gêneros
como debate, notícia, cartaz, propaganda estão presentes neste campo;
● Campo das práticas de estudo e pesquisa: tem-se o objetivo de desenvolver
habilidades relacionadas à leitura, escuta e produção textual. Artigo científico,
palestra, mesa redonda, documentário, podcasts, entre outros, são exemplos de
gêneros abordados no campo em questão;
● Campo artístico-literário: o intuito é possibilitar o contato dos jovens com
manifestações artísticas e produções culturais como adaptação de romances,
contos, mitos, novelas, textos teatrais etc.10; destacamos este último campo por
dialogar com as características dos quadrinhos mais do que os campos
mencionados anteriormente.

9
Fonte: Centro de referências em educação integral. Disponível em:
<https://educacaointegral.org.br/reportagens/bncc-voce-sabe-diferenca-entre-competencias-e-habilidades/>.
Acesso em: 12 de janeiro de 2022.
10
Fonte: BNCC. (BRASIL, 2017, p. 138, 139, 144, 145, 148, 149, 154 e 155).

43
A Base justifica que a escolha por esses campos:

(...) deu-se por se entender que eles contemplam dimensões formativas importantes
de uso da linguagem na escola e fora dela e criam condições para uma formação
para a atuação em atividades do dia a dia, no espaço familiar e escolar, uma
formação que contempla a produção do conhecimento e a pesquisa; o exercício da
cidadania, que envolve, por exemplo, a condição de se inteirar dos fatos do mundo e
opinar sobre eles, de poder propor pautas de discussão e soluções de problemas,
como forma de vislumbrar formas de atuação na vida pública; uma formação
estética, vinculada à experiência de leitura e escrita do texto literário e à
compreensão e produção de textos artísticos multissemióticos.(BRASIL, 2017, p.
82).

As habilidades específicas do eixo leitura (divididas por campos) referentes ao 6º e 9º


ano podem ser encontradas no Apêndice 1 deste estudo e, no capítulo 5 de análise,
estudaremos como essas habilidades foram trabalhadas nos exercícios selecionados. Contudo,
para se poder trabalhar com o eixo leitura, é necessário, primeiramente, definir leitura e
analisar como a Base a compreende. É o que veremos no tópico a seguir.

3.2 Leitura

O brasileiro lê quadrinhos. Não é a produção prioritária. Mas lê. É o que se depreende


do levantamento “Retratos da Leitura no Brasil”, que teve sua 5ª edição publicada em 2019.
O estudo revelou que 52% dos entrevistados declararam ler todos os dias. Desses, 11% têm
contato diário ou pelo menos uma vez por semana com HQs, gibis ou RPG. Ainda que os
quadrinhos tenham sido agrupados junto a RPGs (Role Playing Games), o resultado tende a
colocar as HQs entre as 10 produções mais lidas no Brasil.
Ainda de acordo com a pesquisa, as maiores porcentagens de leitura de HQs, gibis e
RPG por escolaridade estão nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental (13%) e nos Anos
Finais (12%). Além disso, podemos afirmar que boa parte do gosto pela leitura surge em sala
de aula, já que 22% dos entrevistados afirmaram que leem ou estão lendo um livro por
indicação de um professor ou professora.
Pelos dados apresentados, podemos notar que o hábito de ler faz parte da vida dos
estudantes e, inclusive, os gêneros dos quadrinhos. Por serem produções multimodais, que
articulam imagem e palavra, conforme reforçado por Dionísio (2005), elas podem e devem
ser consideradas formas de produção textual a serem incluídas no ensino. A BNCC espelha
essa interpretação, como será visto mais adiante.

44
Na Linguística Textual, área teórica acionada para definir leitura, não se pode
desarticular o ato de ler ao de compreender. O texto (tanto o oral quanto o escrito, composto
por diferentes modalidades) é visto como o local da interação entre sujeitos. Tanto
autor/falante quanto leitor/ouvinte trazem para esse evento comunicativo contextos próprios,
conhecimentos sócio-culturais construídos ao longo da vida e armazenados na mente. São
acionados no contato mediado pelo texto.
Koch (2004, p. 175) ressalta que o texto tem de ser entendido como “uma entidade
multifacetada, fruto de um processo extremamente complexo de interação social e de
construção social de sujeitos, conhecimento e linguagem”. Por isso, para essa corrente
teórica, não se diz que o texto é um produto, mas um processo, visto sempre de forma
situada. Para Marcuschi (2008, p. 237), trata-se de “um evento comunicativo, cuja existência
depende de que o leitor o processe em algum contexto, seu sentido deverá ser sempre
situado”.
O que se poderia acrescentar a essas definições trazidas por Koch e Marcuschi seria o
elemento multimodal. Para Cavalcante e Filho (2010, p. 64), ao incluírem esse aspecto à
definição do que seja um texto, ressaltam que “a natureza multifacetada do texto comporta
em sua constituição a possibilidade de a comunicação ser estabelecida não apenas pelo uso
da linguagem verbal, mas pela utilização de outros recursos semióticos”.
A Linguística Textual, desse modo, incorpora os apontamentos feitos por Kress e Van
Leeuwen (2006, p. 10), de que todo texto é multimodal, ou seja, “o texto cujo significado se
dá pela composição e interação de mais de um código semiótico é aquele tido como
multimodal”. Aspectos comuns a essa abordagem podem ser encontrados na definição de
texto trazida pela BNCC:

(...) o texto (oral, escrito, multimodal/multissemiótico) torna-se o centro das


atividades de linguagem a serem desenvolvidas, implicando um trabalho com a
língua não apenas como um código a ser decifrado nem como um mero sistema de
regras gramaticais, mas como uma das formas de manifestação da linguagem”
(BNCC, 2017, p. 67).

Os pontos de contato são tão evidentes que se pode afirmar que a definição da base
toma como fonte os estudos textuais. Logo, como destacam Dionísio e Vasconcelos (2013, p.
20), “inserir no âmbito escolar a diversidade de textos que circulam socialmente, organizados
a partir de construtos semióticos geradores de sentido e veiculados em suportes adversos,
significa promover o desenvolvimento cognitivo dos aprendizes”.

45
Para Martins (2019, p. 4), a interação da população com os diversos recursos visuais
pode ser observada no uso constante das redes sociais, em aplicativos de interação social e
outras tecnologias digitais em que as pessoas já fazem uso dos recursos visuais, como
responder alguém usando emojis ou outras imagens.
Vê-se, portanto, que a concepção de texto está diretamente relacionada à
multimodalidade. Falar de leitura implica levar ambos os aspectos em consideração. Costa,
Silva e Rodrigues (2021, p. 8) afirmam que uma aprendizagem de leitura significativa seria
aquela que alie a materialidade visual à escrita. Adotamos para esta pesquisa, portanto, o
conceito de leitura como uma prática social, cognitiva e interacional, que considera os
sujeitos como seres ativos na constituição do texto, por meio de um processo interativo.
Para Koch e Elias (2017, p. 11), é necessário que “as atividades de leitura propostas
pela escola possam conduzir para a competência leitora do aluno, elas devem ser veículos de
interação com o conhecimento linguístico, conhecimento textual e conhecimento de mundo
que o aluno detém”. Essa carga de diferentes conhecimentos integra a base sociocognitiva
dos sujeitos, fazendo com que tragam contextos próprios no contato com os textos.
Não se pode, então, entender o ato de ler sem se levar em conta a interação entre os
seres. Além disso, acreditamos que a equivalência entre o autor, o texto e o leitor
desempenham um papel primordial dentro desta perspectiva de leitura. Kleiman (1989),
enfatiza que o processamento da compreensão de um texto passa a ser caracterizado pela
utilização dos conhecimentos prévios do leitor, um item importante para a interpretação do
texto. A autora ainda classifica os conhecimentos adquiridos e mobilizados durante o ato de
ler em três categorias: conhecimento linguístico, conhecimento de mundo e conhecimento
textual.
A primeira, como o próprio nome já diz, está relacionada ao conhecimento da
estrutura da língua, suas regras, usos e vocabulário. O conhecimento linguístico, é o que nos
permite “compreender a organização do material linguístico na superfície textual” (KOCH E
ELIAS, 2006, p. 40).
O conhecimento de mundo e/ou enciclopédico, é o saber que possuímos em relação
às coisas existentes no mundo e/ou na sociedade a qual estamos inseridos. É o conhecimento
onde “vão sendo acumuladas todas as informações gerais sobre o mundo adquiridas por meio
das experiências vivenciadas pelos indivíduos” (KOCH E ELIAS, 2006, p. 42).
Por fim, o conhecimento textual, “é constituído pelo conjunto de noções e conceitos
adquiridos sobre os textos, seus usos e estruturas” (KLEIMAN, 1989, p. 15). Desse modo, a
bagagem que cada indivíduo possui sobre o funcionamento de diferentes tipos de textos e os

46
distintos usos dos gêneros em sociedade é utilizada constantemente no momento da leitura e,
assim, “há uma constante interação dos diversos níveis de conhecimento de modo que o leitor
lança mão simultaneamente de todos eles na construção do sentido do texto” (KLEIMAN,
1989, p. 15).
No caso dos adolescentes, perfil esperado dos alunos do Fundamental II, a expectativa
é que estejam habituados aos textos multimodais dentro e fora da escola, principalmente, com
a ascensão das novas tecnologias e múltiplas formas de interação. Por isso, em sala de aula, o
docente não deve desconsiderar os conhecimentos prévios trazidos pelos estudantes.
Ainda em consenso com o posicionamento de leitura como um processo interativo,
Marcuschi (2008, p. 242) acentua a relação produtor, leitor e texto:

A língua é atividade interativa e não apenas forma, e o texto é um evento


comunicativo e não apenas um artefato ou produto, a atenção e a análise dos
processos de compreensão recaem nas atividades, nas habilidades e nos modos de
compreensão de sentido bem como na organização e condução de informações.
Como o texto é um evento que se dá na relação interativa e na sua situacionalidade,
sua função central não será informativa. Os efeitos de sentido são produzidos pelos
leitores ou ouvintes na relação com os textos, de modo que as compreensões daí
decorrentes são fruto do trabalho conjunto entre produtores e receptores em
situações reais do uso da língua. O sentido não está no leitor, nem no texto, nem no
autor, mas se dá como um efeito das relações entre eles e das atividades
desenvolvidas.

Uma vez mais em consonância com a ótica da LT, para a BNCC, a leitura “é tomada
como uma prática de linguagem de interação ativa do leitor em relação aos diferentes tipos de
textos orais, escritos e semióticos e de sua interpretação/compreensão” (BRASIL, 2017, p.
70). Rojo e Moura (2012) acrescentam que as recentes práticas sociais necessitam de sujeitos
com leitura crítica, capazes de interpretar inúmeros textos multimodais, acompanhando o
desenvolvimento tecnológico e das demandas sociais.
De acordo com a concepção interacionista que temos de leitura, a qual mobiliza
aspectos cognitivos, discursivos e linguísticos para dar sentido a um texto, os conhecimentos
funcionam como uma atividade responsiva do leitor sobre aquilo que lê. Lajolo (1982, p.
59), ressalta que ler é “a partir do texto, ser capaz de atribuir-lhe significação e conseguir
relacioná-lo a todos os outros textos significativos”.
Acredita-se que o letramento é o que as pessoas fazem com as capacidades de leitura
e escrita. Nessa interpretação do conceito de letramento, tem-se uma visão em que as práticas
de leitura e escrita envolvem processos mais abrangentes, responsáveis por afirmar ou
questionar valores e formas de distribuição de poder. Freire (2001), ressalta que alfabetizar

47
significa muito mais do que o domínio da técnica da escrita e leitura, já que, ao ler e ao
escrever, o sujeito ressignifica seu estar no mundo, para desenvolver uma consciência crítica
que possibilite certas práticas políticas de mobilização e organização.
Ademais, as diferentes leituras e atividades propostas nas aulas de LP têm como
principal objetivo promover a autonomia dos alunos através da reflexão e interpretação das
leituras, “para que estes estejam preparados para serem sujeitos autônomos e críticos nas
várias práticas de letramentos referentes aos diversos eventos sociais e culturais da
sociedade” (GARCIA, 2018, p. 64).

48
CAPÍTULO 4

PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

Este capítulo apresenta o corpus e a metodologia adotada para a realização de nossa


análise. É onde detalharemos o método e os materiais necessários para atender ao objetivo
geral exposto na introdução, o de avaliar de que maneira as competências e as habilidades
prescritas pela BNCC foram abordadas no livro didático Tecendo linguagens utilizando
histórias em quadrinhos em atividades de leitura.
Do mesmo modo, é o momento em que se retomam os objetivos específicos para
demonstrar como serão trabalhados. Tratava-se de três: analisar quantitativamente as
atividades com quadrinhos e identificar qual eixo contemplam (leitura, oralidade, produção
de textos ou análise linguística/semiótica); verificar como foram trabalhadas as competências
e as habilidades específicas de leitura; compreender como os quadrinhos foram explorados
nas obras do 6º e do 9º anos.
Como procedimentos metodológicos, apresentamos o que levou à escolha do tema, os
critérios para a delimitação do corpus e uma breve apresentação da obra a ser analisada e, por
fim, as considerações sobre como conduzimos a análise.
Mesmo com a disposição para estudar os principais gêneros presentes nos LDLP, era
preciso delimitar o tema a ser trabalhado e, por consequência, o corpus. Tomamos como base
a pesquisa de Garcia (2018), já mencionada anteriormente, que analisou seis coleções de
LDLP selecionadas pelo PNLD 2014. Após um levantamento quantitativo de dados, a
pesquisadora concluiu que, dos gêneros considerados midiáticos presentes nas coleções, as
tiras cômicas eram as mais utilizadas.
Em vista disso, entendemos haver relevância no estudo desse gênero dos quadrinhos,
bem como dos demais, reapropriados nos livros por suas autoras. Embora a tendência seja a
de haver uma maior incidência de tiras, abrimos a possibilidade para a observação de outras
formas de produção de HQ. Nesse sentido, retoma-se a proposta teórica de Ramos (2007,
2009, 2011, 2017), a de que os quadrinhos comporiam um hipergênero, composto por
diferentes gêneros, todos autônomos e distintos uns dos outros.
Assim definimos nosso tema de pesquisa.

49
Para delimitar o corpus, optamos pelo PNLD mais recente, considerando o início do
processo seletivo para o mestrado, segundo semestre de 2019, até o ingresso oficial no
programa, fevereiro de 2020. Desse modo, escolhemos o PNLD 2019/2020, ou seja, os
materiais didáticos que foram selecionados pelo programa em 2019 e distribuídos para as
escolas em 2020.
O primeiro passo foi acessar a lista dos livros didáticos selecionados, disponível no
site do Ministério da Educação (MEC). Na planilha divulgada, foi possível encontrar o
código do livro, título, editora, etapa de ensino, ano/série, quantidade de exemplares que
foram comprados, o valor unitário de cada um e o total da compra.
No total, foram 580 títulos selecionados, contando todas as disciplinas. Contudo,
como o foco da pesquisa é analisar apenas os LDLP, deixamos de fora os demais, incluindo
os interdisciplinares (Educação Física e Biologia, Português e Artes etc.). Assim, chegamos a
32 títulos, contando apenas os de Português das séries dos Anos Finais do Ensino
Fundamental (6º, 7º, 8º e 9º anos).
Posto isto, chegamos a 6 coleções selecionadas. Elas foram sintetizadas no quadro a
seguir:

Quadro 1 - Coleções selecionadas do 6º e do 9º ano

COLEÇÃO AUTORES EDITORA ANO/SÉRIE

Apoema - Lucia Teixeira do Brasil 6º e 9º ano


- Silvia Maria de Souza
- Karla Faria
- Nadja Pattresi

- Everaldo Nogueira SM 6º e 9º ano


Geração Alpha Língua - Greta Marchetti
Portuguesa - Mirella L. Cleto

Português: conexão e - Dileta Delmanto Saraiva 6º e 9º ano


uso - Laiz B. de Carvalho

Se Liga na Língua: - Wilton Ormundo Moderna 6º e 9º ano


leitura, produção de - Cristiane Siniscalchi
texto e linguagem

Singular & Plural: - Laura de Figueiredo Moderna 6º e 9º ano


leitura, produção e - Marisa Balthasar
estudos de linguagem - Shirley Goulart

Tecendo Linguagens - Tania Amaral Oliveira IBEP 6º e 9º ano

50
- Lucy Aparecida Melo
Araújo
Fonte: autora da dissertação

Apesar de todas as 6 coleções terem sido aprovadas e compradas pelo PNLD 2020,
havia a necessidade de estabelecermos um recorte para compor o corpus. Nesse sentido, o
critério adotado foi a seleção daquela que foi adquirida em maior número pelo programa11.
Dessa forma, chegamos à coleção Tecendo linguagens.
A coleção Tecendo linguagens teve o volume do 6º ano como a 14ª obra mais
comprada pelo PNLD 2020 de maneira geral e, dentre os livros de Português, foram 852.037
exemplares adquiridos. Em relação aos do 9º ano, 687.298 livros foram adquiridos pelo
programa, sendo a primeira obra de Língua Portuguesa mais comprada.
Os livros que compõem Tecendo linguagens foram escritos por Tania Amaral Oliveira
e Lucy Aparecida Melo Araújo, ambas professoras do ensino fundamental da rede pública e
privada, respectivamente. A coleção teve sua 5ª edição publicada em 2018, é composta por
quatro volumes (do 6º ao 9º ano), cada volume é dividido em quatro unidades tendo cada uma
sua temática central fragmentada em capítulos e seções. Veja a seguir um resumo feito pelas
próprias autoras sobre as seções, subseções e boxes encontrados na coleção:

12
● Prática de leitura: momento de leitura de textos verbais e não verbais e
desenvolvimento da competência leitora. Antes do texto, são propostas aos
alunos perguntas para explorar o conhecimento prévio, para levantar hipóteses
e fazer inferências em relação ao tema abordado na leitura. No capítulo,
haverá várias seções Práticas de leitura e os textos serão numerados como
Texto 1, Texto 2 etc.
● Glossário: boxe que apresenta o significado de algumas palavras do texto
lido. Geralmente está associado ao texto da seção Prática de leitura.
● Conhecendo o autor: boxe subordinado ao texto da Prática de leitura que
mostra uma pequena biografia do autor.

11
Os dados estatísticos estão disponíveis no site do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE)
http://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/dados-estatisticos
12
Fonte: Editora FTD. Disponível em:
<https://issuu.com/editoraftd/docs/portugues_ibep_mpu_6ano_divulgacao_f049827f01d06f>. Acesso em: 3
mar. 2020.

51
● Por dentro do texto: subseção que propõe questões de compreensão e
interpretação do texto lido na Prática de leitura. Orienta a retomada das
hipóteses e inferências formuladas antes da leitura e, quando pertinente,
explora o uso do dicionário.
● Linguagem do texto: subseção subordinada à seção Prática de leitura que
analisa aspectos da linguagem do texto lido, sua construção e forma.
● Trocando ideias: concebendo que o ensino escolar tem (ou deveria ter) um
caráter interativo e relacional, esta seção tem a finalidade de permitir aos
alunos a expressão oral de suas ideias a respeito do conteúdo dos textos ou das
situações-problema apresentadas no capítulo. As questões que a compõem
podem ser ponto de partida para discussões mais amplas e, muitas vezes,
abrem espaço para a reflexão sobre temas transversais ou para a mobilização
de conhecimentos de outras áreas e disciplinas. Assim, além de desenvolver
sua capacidade de expressão oral e de argumentação, os alunos podem refletir
sobre sua realidade e posicionar-se diante de questões e temas significativos,
estreitando as pontes entre os saberes escolares e a própria vida.
● Conversa entre textos: seção que propõe a comparação entre textos do
capítulo, no que diz respeito à temática, estrutura, linguagem, entre outros
aspectos.
● Momento de ouvir: seção que tem como objetivo contribuir para o
desenvolvimento da oralidade, leitura e produção. Isso porque a escuta
envolve diferentes práticas de linguagem, permitindo a relação dos alunos com
diferentes tipos de texto e mídias. Ou seja, o aluno é convidado a um momento
de partilha e apreciação no qual terá o contato com o gênero ampliado,
inclusive com diferentes gêneros e práticas da cultura digital.
● Reflexão sobre o uso da língua: nesta seção, privilegia-se a reflexão sobre os
aspectos funcionais da utilização da língua e os efeitos de sentido produzidos
pelo uso dos recursos semânticos, estilísticos e morfossintáticos, responsáveis
pela coesão e coerência textuais.
● Aplicando conhecimentos: subseção que apresenta atividades para que o
aluno coloque em prática o conteúdo estudado na seção Reflexão sobre o uso
da língua.
● De olho na escrita: seção que apresenta atividades que visam à reflexão do
aluno principalmente sobre as regularidades da língua em relação à ortografia.

52
Para isso, os alunos farão inferências com palavras retiradas dos textos
estudados. Espera-se auxiliá-los a construir a imagem da escrita de uma
palavra, possibilitando a diminuição gradativa dos erros ortográficos.
● Hora da pesquisa: seção que propõe questões para pesquisa relacionadas ao
tema ou aos textos estudados no capítulo. Seu principal objetivo é propiciar
aos alunos possibilidades para desenvolver sua autonomia por meio de
pesquisas orientadas.
● Produção de texto: seção que propõe a produção de texto de um gênero
trabalhado em uma das seções Prática de leitura do capítulo. Além das
orientações para a produção, geralmente apresenta um quadro de
planejamento, orientações para a textualização, avaliação e reescrita, além de
sugestões para a circulação do texto.
● Na trilha da oralidade: seção destinada ao desenvolvimento de um trabalho
mais específico e, ao mesmo tempo, mais amplo a respeito de como se
estabelecem as relações entre o oral e o escrito. Além do reconhecimento das
características gerais dos gêneros orais e sua produção, há também um estudo
das características estruturais e linguísticas do texto falado, sendo um dos
exercícios principais o procedimento de retextualização.
● Para você que é curioso: boxe que apresenta curiosidades sobre algum
assunto relacionado à temática do capítulo.
● Ampliando horizontes: seção com sugestões de livros, sites, filmes para
ampliar as leituras feitas no capítulo.
● Preparando-se para o próximo capítulo: seção que consiste em um ou dois
parágrafos de motivação para o próximo capítulo. Pode vir acompanhada de
foto e/ou ilustração.

Logo no início do Manual do professor, as autoras se posicionam sobre o papel da


coleção e do aluno em sala de aula, ao dizerem que usam “o livro didático como apoio para
conduzir situações-problema de acordo com a realidade do aluno, pois é uma proposta que o
coloca como protagonista, ou seja, como aquele que corre riscos, coopera, projeta-se e
questiona” (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018a, p. 9). Ademais, no que diz respeito aos gêneros
orais e escritos trabalhados na coleção, ambas afirmam que “é importante ressaltar que os
gêneros apresentados na obra não são pretexto para o ensino de determinado conteúdo, mas,
eles mesmos, objetos de ensino” (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018a, p. 31). Posto isso, após a

53
análise das atividades com HQs, retomaremos esta afirmação das autoras para averiguar a
veracidade desta premissa.
Optamos por selecionar apenas os livros do 6º e do 9º anos por representarem dois
extremos no Ensino Fundamental: o início (6º ano) e o fim do ciclo (9º ano). Isso permitiria
observar um aspecto da BNCC que dialoga diretamente com os objetivos deste estudo: o de
que há uma expectativa de progressão das habilidades ao longo da vida escolar. Desse modo,
espera-se que as atividades com leitura acompanhem essa progressão. Em outros termos, que
no 9º haja algo mais avançado do que no 6º.
As histórias em quadrinhos, ao menos em tese, deveriam acompanhar essa progressão.
Afinal, são textos multissemióticos, cujo contato se dá por meio da leitura. Pode-se sintetizar
a questão em um silogismo:

● leitura de produções multissemióticas (ou multimodais) configura tanto uma


habilidade quanto uma competência na base;
● histórias em quadrinhos são produções multissemióticas;
● histórias em quadrinhos são leitura.

Sistematizamos, no quadro a seguir, o corpus a ser analisado. Na sequência,


reproduzimos as capas dos LDLP Tecendo linguagens do 6º e do 9º ano:

Quadro 2 - LD selecionado

COLEÇÃO AUTORES EDITORA ANO/SÉRIE

Tecendo linguagens - Tania Amaral Oliveira IBEP 6º e 9º ano


- Lucy Aparecida Melo Araújo

Fonte: autora da dissertação

Figura 6: Capas dos 2 volumes de livros didáticos de Língua Portuguesa coleção


Tecendo linguagens

54
Fonte: Editora FTD. Disponível em:
<https://issuu.com/editoraftd/docs/portugues_ibep_mpu_6ano_divulgacao_f049827f01d06f>. Acesso
em: 3 mar. 2020.

Para conhecer um pouco melhor o material que selecionamos, fizemos o download do


Guia do PNLD 2020 de Português no site do MEC13. O documento é elaborado todos os anos
após o processo de seleção dos materiais para informar os professores sobre os princípios e os
critérios utilizados para escolher as coleções. Além disso, apresenta resenhas com uma
contextualização e informações da didática de cada um dos materiais.
Vale lembrar que não são todas as seis coleções de Português que vão para as escolas.
Diretores, coordenadores e professores analisam e escolhem a que melhor condiz com a
proposta pedagógica do colégio. Segundo o Guia do PNLD (2020, p. 6):

Essa escolha será pautada pelo Projeto Político Pedagógico da sua escola, que traz
informações sobre o contexto social da escola e o perfil dos(as) estudantes do
Ensino Fundamental Anos Finais. O conhecimento da realidade da escola e dos(as)
estudantes será o ponto de partida que o(a) ajudará a escolher o livro e os materiais
didáticos mais adequados a sua realidade, de modo a produzir aprendizagens
significativas que possibilitem promover a educação integral de seus(suas)
estudantes, considerando as competências e habilidades previstas para essa etapa do
Ensino Fundamental.

Para cumprirmos o propósito deste estudo, vamos nos atentar apenas às considerações
que dizem respeito ao eixo da leitura e ao trabalho com as competências e as habilidades
leitoras presentes no material em atividades envolvendo HQs. O Guia do PNLD 2020 afirma
que, na coleção selecionada:
13
Fonte: FNDE. Disponível em:
<https://www.fnde.gov.br/index.php/programas/programas-do-livro/pnld/guia-do-pnld/item/13410-gui
a-pnld-2020.>. Acesso em: 9 fev. 2022.

55
Há uma variedade de atividades de leitura antecipatória já no início do capítulo. As
estratégias de leitura variam de acordo com o gênero trabalhado, porém se
apresentam procedimentos que são constantes como preparação para leitura, leitura
oral compartilhada, leitura silenciosa, interpretação oral, escrita, dentre outros, o
que possibilita o desenvolvimento da competência leitora, uma vez que realiza
um trabalho específico com as habilidades da BNCC. (GUIA PNLD, 2020, p. 166,
grifos nossos).

Barreto (2008, p. 28) salienta que “o aspecto social da leitura está diretamente ligado
à interação, pois, entendida como atividade, a leitura varia de leitor para leitor e a
compreensão vai depender das vivências de cada um.”. Em consonância com o autor, e
refletidas no que propõe o guia, as histórias em quadrinhos entrariam nesse contexto leitor,
sendo o fio condutor para a análise de como a questão é trabalhada na obra.
A pesquisa a ser desenvolvida é do tipo quantitativo e qualitativo. O aspecto
quantitativo será a opção para identificar quantas atividades presentes no livro didático
utilizam quadrinhos. O método também será acionado para abordar quais os gêneros
quadrinísticos presentes nessas questões e a quantidade de cada um, de modo a aferir se há a
predominância de algum deles. Ainda nessa etapa, serão observadas quais as atividades que
abordam as habilidades de leitura.
A etapa quantitativa irá atender ao primeiro objetivo específico da pesquisa. O
segundo objetivo será abordado no passo seguinte da análise. Dado que a proposta é observar
o aspecto relacionado à leitura, há a necessidade de identificar dela nos itens da BNCC
presentes na obra. Essa aferição irá nos levar para a identificação de quais e quantas as
histórias em quadrinhos serão trabalhadas mais detalhadamente para cumprir o terceiro
objetivo específico, que é a observação de como a leitura foi abordada nos quadrinhos e se
houve uma progressão entre os presentes nas obra do 6º e do 9º ano.

56
CAPÍTULO 5

ANÁLISE

Neste quinto e último capítulo, pretendemos analisar como as competências e


habilidades prescritas pela BNCC são trabalhadas nos exercícios com quadrinhos.
Primeiramente, descreveremos a coleção escolhida e as considerações das autoras sobre o
desenvolvimento do trabalho com o eixo leitura no material. Em seguida, apresentaremos os
exemplos selecionados para análise, primeiro os do 6º ano e depois os do 9º ano, juntamente
com as competências e as habilidades que pretendem ser desenvolvidas nas atividades.
Enfim, concluiremos nossa análise com considerações e comparações sobre como o trabalho
com os gêneros dos quadrinhos foi desenvolvido pela coleção nos dois volumes selecionados.

5.1 Quantidade de HQs, competências e habilidades

Como detalhado na metodologia, realizamos primeiramente um levantamento para


saber a quantidade exata de exercícios com HQs encontrados na coleção selecionada. Os
quadros 3 e 4, mostrados na sequência, sintetizam os resultados quantitativos do
levantamento:

Quadro 3 - Número de HQs na coleção selecionada


TECENDO
LINGUAGENS
6º ano = 14 HQs

9º ano = 20 HQs

Total = 34 HQs

Fonte: autora da dissertação

57
Dentre os 14 exercícios encontrados no volume do 6º ano, sete são atividades com
tiras cômicas, sendo três da série Armandinho, de Alexandre Beck. Encontramos três
exercícios que trabalham as charges, dois que trabalham HQs mais longas, uma atividade que
trabalha com a capa de uma revista em quadrinhos e apenas um exercício que aborda cartum.
Já os exercícios do volume do 9º ano, das 20 HQs identificadas, 12 são tiras cômicas. Dessas,
quatro também são de Armandinho e outras quatro da série Bichinhos de Jardim, de Clara
Gomes. Além disso, encontramos uma HQ longa, uma página de HQ retirada da coleção
“Clássicos ilustrados Turma da Mônica”, seis charges e nenhum cartum neste volume.
Os quadros 4 e 5, mostrados a seguir, sistematizam as informações encontradas sobre
os gêneros e a incidência deles:

Quadro 4 – Gêneros dos quadrinhos no LDLP do 6º ano


GÊNERO QUANTIDADE PORCENTAGEM
Tira cômica 7 50,0
Charge 3 21,43
Cartum 1 7,14
Capa de revista de HQ 1 7,14
HQs longa, de outros gêneros 2 14,29
Total 14 100
Fonte: autora da dissertação

Quadro 5 – Gêneros dos quadrinhos no LDLP do 9º ano


GÊNERO QUANTIDADE PORCENTAGEM
Tira cômica 12 60,0
Charge 6 30,0
HQs longa, de outros gêneros 1 5,0
Página de HQ 1 5,0
Total 20 100
Fonte: autora da dissertação

Cabe alguns apontamentos iniciais sobre os dados.


O primeiro aspecto que se destaca é alta incidência de tiras cômicas, tendência já
identificada por Garcia (2018), em levantamento feito em coleções de 2014. Nas duas obras,

58
o gênero foi o predominante, compondo mais da metade das produções quadrinísticas
utilizadas. No livro do 6º ano, foram sete tiras (50%). No do 9º ano, 12 (60%). Charges foram
o segundo gênero mais utilizado (três em uma, seis na outra).
Ainda sobre as tiras, identificou-se a predominância de Armandinho, série criada por
Alexandre Beck. Ela é a mais presente tanto na obra do 6º quanto na do 9º ano. Não fica claro
o motivo da predileção por essa produção. O que se pode fazer são algumas conjecturas. Um
motivo pode ser a difusão das histórias nas redes sociais. No Facebook, o autor tem mais de
um milhão de seguidores. A depender do tema, algumas das postagens chegam a ter quase
seis mil curtidas14. No Instagram, são mais de 280 mil seguidores15.
O personagem-título é um menino, de cabelos azuis, bastante questionador, que tem
um sapo como animal de estimação. Parte das histórias é ambientada com os amigos dele,
parte com os pais ou outras figuras. O detalhe é que apenas as crianças são mostradas. Todos
os adultos têm apenas as falas – expostas por meio dos balões – e as pernas apresentadas ao
leitor, nunca o corpo inteiro.
Segundo o autor, em entrevista ao podcast “Charge Falada” em outubro de 202116, a
série surgiu em 2009 no jornal “Diário Catarinense”, de Florianópolis. A repercussão, no
entanto, veio com a duplicação das tiras nas redes sociais a partir de 2012. Desde então,
surgiram duas mudanças: um público nacional, e não mais regional, passou a acompanhar o
personagem; o desenhista sentiu a necessidade de abordar, por meio do protagonista infantil,
situações da realidade brasileira.
Essa segunda alteração funcionou como um divisor temático para as histórias. Até
esse momento, elas reproduziam fielmente as características do gênero tira cômica que,
conforme Ramos (2011, 2017) tem como marca central a produção de uma situação
humorístico no final. O desfecho inesperado, surpreendente, leva à comicidade, tal qual
ocorre com uma piada. Após adotar uma proposta de refletir a realidade contemporânea do
país, nem todas as histórias traziam humor. Prevalecia a crítica.
Há as duas situações no LDLP analisado. Para ilustrar, reproduzimos a seguir dois
exemplos, uma do volume do 6º ano e outro, do 9º. O primeiro é do que se pode considerar
uma tira cômica tradicional (Figura 7); o segundo, de algo mais reflexivo (Figura 8):

14
Dados observados em 11 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://www.facebook.com/tirasarmandinho
15
Dados observados em 11 de fevereiro de 2022. Disponível em:
https://www.instagram.com/tirinhadearmandinho/
16
Disponivel em: https://open.spotify.com/episode/56cfbc0Aq0dPNRAkYy4NJ2. Acesso em: 11 fev. 2022.

59
Figura 7 – Tira cômica de Armandinho

Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 49)

Figura 8 – Tira de Armandinho

Fonte: Oliveira; Araújo (2018b, p. 34)

A Figura 7 mostra um desfecho inesperado, que leva ao humor. O sentido inusitado é


produzido a partir do duplo sentido da palavra “nata”. Em uma acepção, faz alusão a um
grupo representativo – da sociedade, no caso narrado na tira. Em outra, da parte mais
espumosa que fica acima do leite. A história vinha trabalhando com o primeiro sentido. No
quadrinho final, Armandinho trouxe a interpretação da outra possibilidade. Inesperada, era o
que provocava o humor.
O outro exemplo, mostrado na Figura 8, trazia uma reflexão sobre o que seria amar. O
ato não seria “egoísmo nem posse”. Também não seria “satisfazer a própria vontade”, mas,
sim, relacionar-se à generosidade, ao “querer bem ao outro”. Enquanto essa ideia era exposta
verbalmente, visualmente o protagonista da série abre mão de uma gaiola – supõe-se ser dele
– para deixá-la pendurada em uma árvore. Ele teria amado, por ter demonstrado

60
generosidade: abriu mão de uma atitude egoísta, a de ter um pássaro só seu, porém preso,
para possibilitar mais um local para várias outras aves poderem pousar e usufruir.
Casos como esse da Figura 8 são mais comuns no LDLP do que o exposto no outro
exemplo. A presença de situações que possam ser mais críticas e levar à reflexão, em
detrimento da construção de uma cena intencionalmente humorística, pode ser outro motivo
que levou as autoras a privilegiarem o uso da série nos dois volumes da coleção. Entendemos
que as histórias de Alexandre Beck demandem estudos mais aprofundados do ponto de vista
dos gêneros dos quadrinhos. Na falta deles, optamos por enquadrá-las como variantes de tiras
cômicas, ainda que pese a percepção de que não seja o rótulo mais indicado a elas.
O mesmo não ocorre, a título de registro, na outra série que foi bastante utilizada nos
dois livros da coleção: Bichinhos de Jardim, de Clara Gomes. As histórias são veiculadas
pela autora na internet, em página própria e em redes sociais, e também no jornal carioca O
Globo. A proposta é criar situações humorísticas envolvendo diferentes animais de jardim.
No exemplo a seguir, percebe-se nitidamente o interesse cômico da história:

Figura 9 – Tira cômica de Bichinhos de Jardim

Fonte: Oliveira; Araújo (2018b, p. 106)

A Joaninha, personagem central da série, é mostrada acessando um notebook. Ela


comenta sobre a sensação de “satisfação por recompensa” quando recebe uma notificação de
mensagem digital. A ironia da fala final é o que leva ao humor: “É isso: milhares de anos de
evolução pra acabarmos viciados em luzes piscantes”. Ou seja, não bastariam todas as
conquistas da humanidade em benefício dos homens. Estes estariam limitados ao bem-estar
proporcionado pela limitação das luzes piscantes da tela do computador.
Do ponto de vista de composição, a maior parte das tiras utilizadas foi reproduzida no
formato vertical e horizontal, como o exposto nos exemplos das figuras 7, 8 e 9. Houve,

61
porém, utilização de outros moldes, possibilidade identificada por Ramos (2017) em seus
estudos sobre tiras. Para o autor, muda-se a composição, mas não necessariamente o gênero
dela (no caso, cômico). Tomamos, a título de comprovação, um caso presente no volume do
9º ano. Trata-se de uma história da série norte-americana Calvin e Haroldo, de Bill
Watterson. A narrativa foi organizada no formato quadrado, com dois quadrinhos acima e
outros dois abaixo:

Figura 10 – Tira cômica de Calvin e Haroldo

Fonte: Oliveira; Araújo (2018b, p. 222)

Charges, presentes nos dois volumes, apresentaram diálogo com as marcas recorrentes
do gênero. Já expostas com base em Romualdo (2000) e aqui relembradas, elas estabelecem
diálogo com algum assunto do noticiário jornalístico. Foram o segundo gênero quadrinístico
mais utilizado (três no 6º ano; seis no 9º). Também não houve pontos destoantes com relação
aos cartuns. O que se poderia comentar é que eles estiveram presentes apenas na obra do 6º
ano.

62
Há a necessidade de um apontamento final com relação aos quadrinhos mais longos,
forma como foram nomeadas as produções construídas com formatos maiores que os comuns
às tiras e às charges e cartuns. Identificaram-se três situações, duas no livro do 6º e uma no
livro do 9º ano. A primeira são histórias infantis, criadas originalmente no tamanho próximo
ao de uma página (e adaptadas editorialmente para comporem parte da página da obra
didática). Trata-se de uma narrativa com início, meio e fim. Uma delas, de Menino
Maluquinho, de Ziraldo, será explorada mais adiante (figuras 12 e 13).
A segunda situação foi a de uma produção maior, com várias páginas, tendo uma
delas reproduzida no LDLP. O caso específico foi a utilização de uma página da adaptação
em quadrinhos (graphic novel17) do romance Vidas secas, de Graciliano Ramos (Figura 15).
A terceira e última situação também retrata uma adaptação em quadrinhos, desta vez do conto
Um músico extraordinário, de Lima Barreto. O caso também será analisado mais adiante
(Figura 25). Ambas as situações, para efeitos de agrupamento nesta etapa quantitativa, foram
agrupadas nos quadros 4 e 5 como “HQs longas, de outros gêneros”.
Feita essa etapa quantitativa, parte-se para a parte seguinte, a identificação das
competências e das habilidades fornecidas pelo próprio material ao lado de cada exercício.
Dividimos as atividades com presença de HQs de acordo com cada eixo de Língua
Portuguesa (leitura, oralidade, produção de textos e análise linguística/semiótica). Vejamos a
sistematização dos dados no quadro a seguir:

Quadro 6 - Atividades com HQs por eixo

6º ano 9º ano

Eixo de Leitura = 7 atividades com HQs Eixo de Leitura = 11 atividades com HQs

Eixo de Oralidade = 1 atividade com HQ Eixo de Oralidade = sem atividades com HQs

Eixo de Produção de textos = sem Eixo de Produção de textos = 1 atividade


atividades com HQs com HQs

Eixo de Análise linguística/semiótica = 6 Eixo de Análise linguística/semiótica =


atividades com HQs 8 atividades com HQs
Fonte: autora da dissertação

17
“Considera-se Graphic Novel uma história mais longa e elaborada, semelhante às obras literárias compostas
no gênero conhecido como prosa”. Fonte: Infoescola. Disponível
em:<https://www.infoescola.com/literatura/graphic-novel/>. Acesso em: 20 mar de 2021.

63
Em uma análise geral, percebe-se predominância dos eixos de leitura (7 no 6º e 11 no
9º) e de análise linguística/semiótica (6 atividades no 6º ano e 8 no 9º). Como o objetivo desta
pesquisa é analisar a leitura, o foco será nas atividades que a tenham como proposto para o
conteúdo a ser trabalhado com a história em quadrinhos. Por isso, elas foram destacadas com
cor alaranjada no quadro, na primeira linha.
Das sete atividades com HQs que trabalham o eixo de leitura no 6º ano, as charges
predominam, com três exercícios, seguidas por HQs longas, com dois exercícios, capa de
revista de HQ e cartum, com um exemplo cada. Inicialmente, optamos por analisar uma
atividade de cada um desses gêneros dos quadrinhos (1 HQ, 1 charge e 1 cartum). Contudo,
decidimos que é válido uma análise mais ampla, tendo em vista os exemplos únicos
encontrados na obra. Desse modo, definimos os seguintes exercícios para análise: 1 HQ
longa, 1 página de graphic novel, 1 charge, 1 cartum e 1 capa de revista em quadrinhos.
Sendo assim, analisaremos cinco exemplos desta obra.
As charges dominam também entre os onze exercícios do eixo de leitura do 9º ano.
Seis abordam essa habilidade. Dessas, duas são da série Humor político, do chargista
pernambucano Thiago Lucas. Ademais, dos três exercícios com tiras, duas delas são da série
Armandinho, de Alexandre Beck. Por fim, encontramos também uma atividade com HQ
longa e uma com a página de HQ retirada da coleção “Clássicos ilustrados Turma da Mônica”
no livro didático.
Como parte de nosso processo metodológico, pelo fato de não termos encontrado
nenhum exercício com cartum neste volume do 9º ano, selecionamos as duas charges da série
Humor político, as duas tiras da série Armandinho e também a única atividade com HQ e
com a página de HQ para análise. Portanto, das onze atividades pertencentes ao eixo de
leitura encontradas no livro didático do 9º ano, analisaremos seis delas, que correspondem a
mais da metade do total encontrado.
Ressaltamos uma vez mais que buscamos analisar quais foram as competências e as
habilidades do eixo de leitura trabalhadas nos exercícios selecionados e como a coleção as
desenvolve por meio de atividades com os gêneros dos quadrinhos. Entendemos que esse
recorte permita a observação da proposta desenhada.

5.2 Eixo de leitura em análise

Os livros de Português da coleção Tecendo linguagens estão divididos em quatro


unidades com dois capítulos cada uma, abordando diferentes gêneros textuais. Antes de

64
iniciarmos a análise das competências e das habilidades leitoras trabalhadas nos exercícios
com quadrinhos do volume do 6º e do 9º anos, vamos, primeiramente, compreender como as
autoras pretendem explorar o eixo da leitura em seu material.
Nas considerações sobre o eixo leitura no manual do professor, as autoras destacam a
importância da leitura antecipatória e/ou prévia que “têm como finalidade estimular os alunos
a observar aspectos específicos dos textos e a buscar seus significados” (OLIVEIRA;
ARAÚJO, 2018, p. 14). Para elas, a leitura prévia deve ser feita durante todo o volume de
Português, e não apenas nos momentos introdutórios do material, já que trabalha com os
conhecimentos e experiências prévias dos estudantes:

O trabalho com a leitura na coleção possibilita ao aluno entrar em contato com uma
diversidade de textos interessantes de variados gêneros. Cada capítulo apresenta
uma quantidade significativa de textos que se relacionam pela temática. Por meio da
comparação dos aspectos estruturais, das linguagens e dos recursos utilizados,
espera-se que os alunos consigam diferenciar os diversos gêneros, transferindo esses
conhecimentos para as próprias produções. (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018, p. 16).

A abordagem dos diferentes gêneros e dos conhecimentos acionados no ato da leitura


encontram reforço na acepção de texto discutida dentro do escopo teórico da LT e discutida
anteriormente nesta pesquisa. O texto seria o local em que ocorreria a interação entre sujeitos,
que trariam contextos sociocognitivos próprios para o processo de construção do(s)
sentido(s).
Na visão de Oliveira e Araújo, dentre as funções do professor, está a de desenvolver a
atribuição de sentidos nos alunos por meio da prática da leitura e, para tal, elas sugerem
algumas modalidades didáticas:

Figura 11 - Modalidades didáticas de leitura

Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 15)

65
No que diz respeito ao trabalho com o vocabulário através da leitura, as autoras têm
como fonte o livro Oficina de leitura, de Angela Kleiman (1996). Dentre os principais
pressupostos, está o da inferência, que pode contribuir não apenas na aquisição de
vocabulário por meio da leitura, mas, também, para o refinamento dele nas produções escritas
dos estudantes, pois, ao “analisar o contexto à procura de pistas implica ensinar, ao mesmo
tempo, a fazer uma leitura não linear; isto é, continuar a leitura ainda quando houver
incompreensão momentânea, inclusive voltando para trás, relendo, pois o contexto pode
elucidar o problema.” (KLEIMAN, 1996, p. 24).
Entendemos, também, que ao longo do ciclo dos Anos Finais do Ensino Fundamental,
os estudantes estão no processo de formação de caráter, opiniões próprias e desenvolvimento
da maturidade e, por isso, acreditamos que entre a obra do 6º e do 9º ano haja uma progressão
de leitura, ou seja, determinados aspectos interpretativos identificados pelos alunos em
atividades do 6º ano não serão os mesmos identificados por alunos do 9º ano, dada a evolução
linguística, textual e de mundo dos estudantes ao longo dos anos escolares. Espera-se que não
apenas os aspectos interpretativos, mas também as inferências e os pontos de vista expressos
sobre as atividades com HQs tenham um maior embasamento dos estudantes mais velhos e
possam promover discussões mais aprofundadas em sala de aula. No capítulo de conclusão
deste estudo, iremos reiterar este pressuposto.
Ao finalizarem suas considerações quanto ao eixo leitura no manual do professor,
Oliveira e Araújo (2018, p. 17) reiteram que, apesar das orientações e pressupostos
estabelecidos sobre o trabalho com a leitura em sala de aula, a autonomia do professor e sua
capacidade de “construir atividades que levem em conta o contexto em que o aluno se insere,
ajudando-o no estabelecimento de um diálogo efetivo com o texto” é essencial no processo de
ensino-aprendizagem.

5.2.1 Tecendo linguagens - 6º ano dos Anos Finais do Ensino Fundamental

Especificamente no volume do 6º ano, apesar de termos encontrado sete atividades


com HQs que contemplam as competências e as habilidades do eixo de leitura, analisaremos,
como já comentado, apenas cinco atividades a saber, uma HQ longa, uma página de graphic
novel, uma charge, um cartum e o único exemplo de uma capa de revista em quadrinhos. Não
analisaremos nenhum exemplo de tira cômica, pois, dos sete casos identificados em todo o
volume do 6º ano, nenhum deles trabalhava questões relacionadas somente à leitura conforme
a indicação da BNCC apresentada ao lado da atividade e/ou no quadro de conteúdos de

66
Língua Portuguesa do Manual do Professor. Vejamos a seguir o primeiro exemplo
selecionado:

Figura 12 - Exemplo 1: HQ longa

Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 14)

Observamos que, nesse primeiro exemplo, na página de abertura do volume,


centralizado e em negrito, temos o título do primeiro capítulo “Quem é você?” e, logo abaixo,
o subtítulo “Para começo de conversa”. Ainda na parte central da página, podemos observar
que antes de propor a leitura da HQ, o LD trabalha o conhecimento prévio dos leitores sobre
quem é o autor da série (Ziraldo), como é o personagem principal (hiper-ativo, questionador,
encrenqueiro, “maluquinho”) e o que sabem sobre ele. Por se tratar do manual do professor,
ao lado dos questionamentos aparece a frase “Resposta pessoal”, ou seja, cada estudante
responderá de acordo com seu conhecimento de mundo.
Contudo, se direcionarmos nosso olhar para o canto esquerdo superior da folha,
vemos um quadro com os números das competências gerais e específicas de Português,

67
juntamente com os códigos das habilidades da BNCC que serão trabalhadas no capítulo. No
mesmo canto, mas agora na parte inferior da folha, vemos novamente o subtítulo “Para
começo de conversa” e, logo abaixo, o código da habilidade que será trabalhada e as
sugestões das autoras para que a atividade seja feita em duplas ou grupos e que o professor
levante “uma discussão prévia sobre questões relacionadas à identidade, tema do capítulo”
(OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018a, p. 14).
Dessa forma, o material já está trabalhando a competência geral número 1 da BNCC,
sobre “valorizar e utilizar os conhecimentos historicamente construídos sobre o mundo
físico, social, cultural e digital para entender e explicar a realidade, continuar aprendendo e
colaborar para a construção de uma sociedade justa, democrática e inclusiva.” (BRASIL,
2017, p. 70, grifo nosso)
A habilidade mencionada na atividade encontra-se no campo artístico-literário da
Base, no eixo leitura, e trata de uma habilidade a ser desenvolvida no 6º e 7º anos, por isso,
vemos os números 6 e 7 no código que propõe:

(EF67LP28) Ler, de forma autônoma, e compreender – selecionando


procedimentos e estratégias de leitura adequados a diferentes objetivos e levando
em conta características dos gêneros e suportes –, romances infanto-juvenis,
contos populares, contos de terror, lendas brasileiras, indígenas e africanas,
narrativas de aventuras, narrativas de enigma, mitos, crônicas, autobiografias,
histórias em quadrinhos, mangás, poemas de forma livre e fixa (como sonetos e
cordéis), vídeo-poemas, poemas visuais, dentre outros, expressando avaliação
sobre o texto lido e estabelecendo preferências por gêneros, temas, autores.
(BRASIL, 2017, p. 169, grifos nossos)

Analisaremos as questões de 2 a 8 baseados nos conceitos-chave propostos pela


habilidade em questão: ler e compreender a HQ de forma autônoma, ter consciência sobre as
características próprias dos gêneros dos quadrinhos e expressar sua avaliação (opinião
própria) sobre o que leu. Para tal, veja a seguir a mesma HQ de Menino Maluquinho, porém
ampliada, para que tanto ela quanto o conteúdo dos exercícios de 2 a 5 e, em seguida de 6 a 8,
possam ser lidos mais facilmente:

Figura 13 - Exemplo 1: HQ longa ampliada

68
Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 15)

Figura 14 - Exercícios de 6 a 8 sobre a HQ do Menino Maluquinho

69
Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 15)

Inicialmente, a atividade trabalha o entendimento da HQ ao questionar sobre o


conflito vivido pelo personagem. Dessa forma, a habilidade de leitura e compreensão
autônoma é contemplada, pois, para discernir e responder sobre o conflito, o leitor,
provavelmente, realizou a leitura dos balões de fala e das imagens nos seis primeiros
quadrinhos para entender as mudanças de visual do personagem, sua hesitação e suas
divergências quanto à sua aparência.
Em um dos trechos da habilidade EF67LP28, presume-se que o leitor tenha
consciência sobre as características próprias dos gêneros, neste caso, das HQs. O exercício 4
(“Ao usar o boné por cima da panela, o que o personagem demonstra? Isso provoca humor no
texto?”), trabalha um aspecto específico das HQs que é o desfecho cômico. Embora seja uma
história de uma página, ela apresenta, no final, uma construção semelhante à das tiras
cômicas. Ao ler de forma autônoma, espera-se que o leitor note um padrão de textos e
imagens nos primeiros quadros e a quebra de expectativa, principalmente no último quadro
que gera o humor.
Já no enunciado 6 (“O que as diferentes posições dos braços e das mãos sugerem
sobre o personagem? / As expressões faciais do garoto combinam com o que ele está
dizendo? Justifique sua resposta”), chamam a atenção os gestos e as expressões faciais do
personagem, ou seja, novamente um aspecto específico de grande relevância dos quadrinhos
é contemplado, o de ordem visual. O intuito é que os leitores identifiquem as posições
corporais e expressões faciais que transmitem a ideia de dúvida e hesitação do personagem,
essenciais para dar sentido à história. Em outros termos, que consigam ler as imagens e
entender o que eles propõem, algo esperado de uma produção multimodal.
Por fim, na questão 7 (“Para construir esse texto, o autor usou imagens e palavras. Em
sua opinião, se as imagens fossem retiradas, o texto transmitiria as mesmas ideias? Por
quê?”), a relação entre texto e imagem, principal característica dos gêneros dos quadrinhos, é
abordada ao questionar o leitor se o texto (multimodal, embora não tenha sido explicitado no
enunciado) teria o mesmo sentido sem as ilustrações. No manual do professor, observamos
que a questão é de “Resposta pessoal", porém, no canto direito superior da página, há uma
sugestão de resposta. É esperado que os alunos exponham que, sem as imagens, o sentido da
história não seria o mesmo e nem seu desfecho cômico seria alcançado.
Após ler e compreender de forma autônoma e ter consciência sobre as características
específicas dos gêneros, faltaria que o leitor expressasse sua avaliação/opinião própria sobre

70
o que leu. Para isto, as questões 3 (“O Menino Maluquinho, ao escolher o boné, acaba
optando por um visual mais antigo ou mais moderno? Por que você acha que ele fez essa
opção?”) 5 (“Em sua opinião, Maluquinho gosta de ser quem é? Por quê?”) e 8 (“Às vezes
você se sente como o Menino Maluquinho? Observando a si mesmo, que conflitos você
considera comuns na sua idade? Por quê?) incentivam em seus enunciados que os leitores
respondam com suas próprias palavras e opiniões:

● ao questionarem sobre o visual antigo ou moderno do Menino Maluquinho


(questão 3);
● se na opinião dos leitores o personagem gosta ou não de ser quem é (questão
5);
● e se os conflitos vividos pelo menino da história também são conflitos vividos
pelos estudantes (questão 8).

Sobre esta última questão, há no canto direito da página uma sugestão ao professor
sobre como estimular a turma a compartilhar suas vivências e pontos de vista sobre as
mudanças e divergências comuns de sua faixa etária.
De acordo com Kleiman (1999, p. 20), pesquisadora acionada pelas autoras do LDLP
para tratamento da leitura, “o conhecimento linguístico, o conhecimento textual e o
conhecimento do mundo devem ser ativados durante a leitura para poder chegar ao momento
da compreensão”. Desse modo, entendemos que as atividades elaboradas pelas autoras desse
volume contemplaram e trabalharam satisfatoriamente os conceitos-chave encontrados na
habilidade EF67LP28.
Foi possível integrar e desenvolver os três tipos de conhecimentos citados por
Kleiman (1999), que se somam aos propostos pela Linguística Textual, como visto,
auxiliando, assim, não apenas os estudantes no processo de leitura, compreensão e expressão
de opiniões, mas também os professores por meio de sugestões de respostas e dicas com o
intuito de aprimorar o processo de ensino-aprendizagem.

Figura 15 - Exemplo 2: página de graphic novel

71
Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 165)

Dentre os exemplos que já analisamos e os que ainda vamos analisar adiante, este é o
único que apresenta apenas linguagem visual. Logo no enunciado da questão, os estudantes
têm contato com um breve histórico do romance (“Graciliano Ramos escreveu Vidas Secas
em 1938, romance no qual trata a vida de uma família de retirantes: Fabiano, Sinhá Vitória,
dois filhos e a cadelinha Baleia”) e, em seguida, sobre como a obra foi adaptada para os
quadrinhos (“O roteirista Arnaldo Branco e o ilustrador Eloar Guazzelli adaptaram, em 2015,
essa obra de Graciliano Ramos em quadrinhos (graphic novel), conjugando texto e imagem”).
Entendemos que a questão 9A (“O que você vê nos quadrinhos?”), 9B (“Como ocorre
a sequência na página acima, extraída da história adaptada em HQ?”) e 9C (“Que efeito de
sentido essa sequenciação pode produzir?”) almejam desenvolver a habilidade EF67LP08,
como sinalizado no canto direito da página da atividade, propondo a identificação dos

72
aspectos mais simples (9A) aos mais complexos (9B e 9C). A habilidade mencionada
pretende:

“Identificar os efeitos de sentido devidos à escolha de imagens estáticas,


sequenciação ou sobreposição de imagens, definição de figura/fundo,
ângulo, profundidade e foco, cores/tonalidades, relação com o escrito
(relações de reiteração, complementação ou oposição) etc. em notícias,
reportagens, fotorreportagens, foto-denúncias, memes, gifs, anúncios
publicitários e propagandas publicados em jornais, revistas, sites na internet
etc” (BRASIL, 2017, p. 169 , grifos nossos).

Ao responder na questão 9A que vê nos quadrinhos uma família composta por pai,
mãe, dois filhos e um cachorro, os estudantes não apenas identificaram os personagens, mas
sim, as semelhanças dessa família com a da tela Retirantes, da abertura do capítulo, do artista
plástico Di Faria, dadas as semelhanças físicas e os objetos carregados pelos personagens em
ambos os casos. Já na questão 9B, a noção de perspectiva dos estudantes é posta à prova,
visto que, a sequência da página da HQ pode ser tanto de cima para baixo (retirantes fugindo
deixando o sol para trás) quanto de baixo para cima (retirantes fugindo indo em direção ao
sol).
Por fim, na questão 9C, os aspectos mais complexos de efeito de sentido da sequência
de imagens são questionados, pois, ao transmitir a ideia de movimento nos quadrinhos,
espera-se que os estudantes compreendam que o efeito de proximidade e lonjura está
representando a partida dos personagens para longe até sumirem no horizonte, representado
pelo sol no primeiro quadro. Consideramos uma questão complexa, devido a mobilização de
múltiplos conhecimentos prévios e de mundo dos alunos, o que eles pressupõem quando lêem
algo com a temática dos retirantes e o que pensam sobre.
Em seguida, as questões 9D (“Como os retirantes são representados na tela e nos
quadrinhos?”) e 9E (“Qual referência da tela Retirantes pode ser percebida na página em
quadrinhos? O que as difere?”) estão mais direcionadas à habilidade EF67LP27, o que não
significa que aspectos da habilidade mencionada anteriormente (EF67LP08) não serão
levados em consideração. Entretanto, o objetivo é trabalhar a habilidade de relacionar
características semelhantes e divergentes entre textos para tornar os alunos competentes no
campo da intertextualidade.
Para tal, na questão 9D, espera-se que a diferença entre o número de personagens (seis
na tela Retirantes e cinco na página da graphic novel) e as cores (vibrantes na tela e tons de
uma só cor na HQ) sejam destacadas pelos alunos. A questão 9E, propõe a identificação do
aspecto em comum da tela e do quadrinho, famílias de retirantes fugindo da seca composta

73
por pais, filhos e animais de estimação. O que difere ambas é justamente a família retratada,
na página da graphic novel o casal possui dois filhos. Já na tela Retirantes, a família conta
com três filhos, dois meninos (sendo um de colo) e uma menina. Ao elencar todos estes
elementos a partir da leitura visual de ambas manifestações artísticas, entendemos que a
habilidade EF67LP27 relacionada à intertextualidade é aprimorada nos estudantes:

“Analisar, entre os textos literários e entre estes e outras manifestações


artísticas (como cinema, teatro, música, artes visuais e midiáticas),
referências explícitas ou implícitas a outros textos, quanto aos temas,
personagens e recursos literários e semióticos” (BRASIL, 2017, p. 169,
grifos nossos)

Figura 16 - Exemplo 3: charge

Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 89)

Figura 17 - Exemplo 3: charge exercícios

Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 90)

74
Neste segundo exemplo, podemos observar que, diferentemente do primeiro, não
temos os códigos das habilidades e nem os números das competências nas orientações ao lado
da atividade. Entretanto, na seção “Quadro de conteúdos de Língua Portuguesa” do Manual
do Professor, no campo de atividades do eixo leitura da unidade 2 (Ser e conviver), temos
como objeto de conhecimento a estratégia de leitura e a distinção de fato e opinião no que diz
respeito à charge da seção Aplicando conhecimentos. Além disso, o material disponibiliza o
código da habilidade a ser trabalhada ao lado dos conteúdos programáticos do capítulo 3 e,
dentre eles, temos a leitura de charge.
Dessa forma, apesar da habilidade não estar posicionada na página do exercício, ela é
prescrita pela obra e, portanto, trabalharemos a habilidade em questão, juntamente com as
competências gerais e específicas de Português apresentadas na abertura do capítulo onde a
atividade com a charge está inserida.
Na questão 1A (“A charge é um gênero que geralmente critica ou ironiza fatos de
natureza política. Qual é a crítica ou ironia presente na fala do segundo garoto?”),
entendemos que, para reconhecer a criticidade e ironia na charge, o estudante desenvolve a
competência geral número 4:

Utilizar diferentes linguagens - verbal (oral ou visual-motora, como Libras, e


escrita), corporal, visual, sonora e digital -, bem como conhecimentos das
linguagens artísticas, matemática e científica, para se expressar e partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos em diferentes contextos e
produzir sentidos que levem ao entendimento mútuo (BRASIL, 2017, p. 48,
grifos nossos)

A terceira competência específica da Língua Portuguesa, também mencionada na


abertura do capítulo, pode ser englobada na questão 1A para “Ler, escutar e produzir textos
orais, escritos e multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias,
com compreensão, autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo” (BRASIL, 2017, p.
48, grifo nosso).
Assim, para reconhecer na questão 1A a crítica na fala do segundo personagem (a de
que taxa de escolarização não significa necessariamente compreensão do texto lido), o
estudante precisa desenvolver a leitura de textos multissemióticos, utilizando diferentes
linguagens para identificar a crítica e/ou ironia no que afirma os dois homens representados
na história. Fato que também está interligado à habilidade prescrita pelo material para esta

75
atividade: “(EF67LP04) Distinguir, em segmentos descontínuos de textos, fato da opinião
enunciada em relação a esse mesmo fato” (BRASIL, 2017, p. 169).
Na questão 1B (“A linguagem empregada pelo personagem que segura o jornal é
formal ou informal? Que palavras justificam sua resposta?”), relacionamos com a primeira
competência geral da BNCC que espera “valorizar e utilizar os conhecimentos
historicamente construídos sobre o mundo físico, social, cultural e digital para entender e
explicar a realidade, continuar aprendendo e colaborar para a construção de uma sociedade
justa, democrática e inclusiva.” (BRASIL, 2017, p. 70, grifo nosso). Mobilizando seus
conhecimentos de mundo e leitura de imagem, o aluno consegue compreender que se trata de
uma linguagem informal, tanto pelo uso de termos informais “cara” e “legal” quanto pelas
vestimentas simplórias dos rapazes (bermuda, camiseta, boné, touca e tênis).
Ao final da atividade, na questão 1C (“A situação comunicativa retratada na charge
permite utilizar este tipo de linguagem? Explique.”), observamos no canto esquerdo da
página onde está a atividade que há uma sugestão de resposta das autoras sobre o que
trabalhar com os alunos. Espera-se que eles compreendam que a linguagem depende do
contexto em que se está inserido e a quem se dirige. Dessa forma, pelo contexto apresentado
na charge, a linguagem informal é permitida, dado o reconhecimento do contexto (uma
conversa informal entre amigos na rua) e das falas das personagens (“cara”).

Figura 18- Exemplo 4: cartum

76
Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 136)

Figura 19 - Exemplo 4: cartum exercícios

77
Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 137)

Na Figura 16, vemos a página de abertura do capítulo 5 do livro didático,


“Construindo um mundo melhor”. Novamente podemos observar no canto esquerdo os
números e os códigos das competências e das habilidades que serão trabalhadas no capítulo.
Abaixo do título, vemos o subtítulo “Para começo de conversa”, onde as autoras abordam

78
algumas questões para serem discutidas em sala de aula, levando em consideração o
conhecimento prévio e opiniões dos estudantes sobre o tema do capítulo.
Neste momento introdutório, ao promover uma interação oral entre os estudantes e o
professor, busca-se desenvolver a habilidade (EF67LP28) que, coincidentemente, é a mesma
desenvolvida na introdução do primeiro capítulo deste volume, como foi mostrado no
“Exemplo 1: HQ”:

(EF67LP28) Ler, de forma autônoma, e compreender – selecionando


procedimentos e estratégias de leitura adequados a diferentes objetivos e levando
em conta características dos gêneros e suportes –, romances infanto-juvenis,
contos populares, contos de terror, lendas brasileiras, indígenas e africanas,
narrativas de aventuras, narrativas de enigma, mitos, crônicas, autobiografias,
histórias em quadrinhos, mangás, poemas de forma livre e fixa (como sonetos e
cordéis), vídeo-poemas, poemas visuais, dentre outros, expressando avaliação
sobre o texto lido e estabelecendo preferências por gêneros, temas, autores.
(BRASIL, 2017, p. 169, grifos nossos)

Após expressarem suas opiniões sobre as questões de abertura do capítulo (“ 1. E


você, quais ações realiza no cotidiano para construir um mundo melhor?” / 2. Como sua
comunidade tem cumprido (ou não) seu papel nesse propósito?”), os leitores são convidados
a observar o cartum e o outro texto logo abaixo, que contextualiza o autor e o histórico da
criação do desenho. Resumidamente, registra que o trabalho é do italiano Lucas Novelli,
autor do livro Ecologia em Quadrinhos, de onde foi extraída a arte que compõe o exercício.
Na página seguinte, começam as atividades de interpretação. Para realizarmos a
análise de forma mais pontual, agrupamos os exercícios de acordo com as competências
gerais e as específicas que pretendem ser desenvolvidas pelas atividades propostas, como
podemos observar no canto superior direito da imagem 14. Dessa forma, compreendemos que
as questões de número 6, 8 e 9 estão mais direcionadas ao que propõem a competência geral
5:

Compreender, utilizar e criar tecnologias digitais de informação e comunicação de


forma crítica, significativa, reflexiva e ética nas diversas práticas sociais
(incluindo as escolares) para se comunicar, acessar e disseminar informações,
produzir conhecimentos, resolver problemas e exercer protagonismo e autoria
na vida pessoal e coletiva (BRASIL, 2017, p. 48, grifos nossos)

Para “exercer protagonismo e autoria na vida pessoal e coletiva”, a questão 6 propõe


que (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018, p. 137):

Nesse cartum, o autor Luca Novelli apresenta uma crítica social às ações das
pessoas em nosso planeta e realiza uma proposta.

79
a) Que crítica social é essa?
b) O que é proposto pelo cartunista?

Ao responder que a crítica social é o descuido das pessoas em geral com o planeta e
que o cartunista propõe à população se unir para realizar ações coletivas de reparação, além
de desenvolver a competência geral 5, os leitores trabalham também com a habilidade
EF69LP03, mencionada nas orientações para o professor no canto inferior direito da página
na Figura 17:

(EF69LP03) Identificar, em notícias, o fato central, suas principais circunstâncias


e eventuais decorrências; em reportagens e fotorreportagens o fato ou a temática
retratada e a perspectiva de abordagem, em entrevistas os principais temas/subtemas
abordados, explicações dadas ou teses defendidas em relação a esses subtemas; em
tirinhas, memes, charge, a crítica, ironia ou humor presente” (BRASIL, 2017, p.
169, grifos nossos)

Nos exercícios 8 e 9, o senso de coletividade e a competência para resolver problemas


e exercer o protagonismo também é abordado ao questionar:

8. No cartum, há aqueles que realizam as ações e outros que supervisionam o


trabalho, como pode ser observado no recorte da imagem a seguir:
Responda:
a) Quem esses personagens podem representar em nosso planeta?
b) Explique o efeito de ironia que pode ser produzido pela representação desses
personagens.
9. Você participaria de ações coletivas como as representadas no cartum? Por quê?
(OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018, p. 137)

Destacamos que, na atividade 9, como mencionado pelo material, a competência geral


10 da BNCC também é trabalhada: “Agir pessoal e coletivamente com autonomia,
responsabilidade, flexibilidade, resiliência e determinação, tomando decisões com base em
princípios éticos, democráticos, inclusivos, sustentáveis e solidários” (BRASIL, 2017, p. 48).
Depreende-se que participar de ações coletivas de alto ou baixo impacto promove o
desenvolvimento do pensamento altruísta.
Sobre a competência específica de LP número 3, “Ler, escutar e produzir textos orais,
escritos e multissemióticos que circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com
compreensão, autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo” (BRASIL, 2017,
p. 48, grifos nossos), observamos esse aspecto nos exercícios:

80
● 3 (“O que você vê na imagem?”);
● 4 (“Descreva as ações realizadas pelas pessoas e os objetos e equipamentos
utilizados “);
● 5 (“É possível realizar as ações mostradas na imagem? Explique”);
● 7a (“Se o autor aliasse palavras e imagens para a construção das ideias,
produziria o mesmo sentido? Por quê?”);
● e 7b (“Se você pudesse escolher uma palavra para integrar o cartum, sem
mudar o sentido, qual seria?”).

Assim, podemos notar que o estudante é convidado a ler e a descrever aspectos


específicos do cartum de maneira autônoma e crítica (questões 3 e 4), e também a expressar
informações e suas próprias ideias sobre o que leu (questões 5 e 7).
O último exemplo que selecionamos trata-se de uma capa da revista em quadrinhos
e/ou gibis, como são conhecidos popularmente, do personagem Chico Bento, de Mauricio de
Sousa:

Figura 20 - Exemplo 5: capa de revista em quadrinhos

81
Fonte: Oliveira; Araújo (2018a, p. 156)

Na capa da revista em quadrinhos, podemos observar o personagem Chico Bento.


Conhecido como o típico caipira brasileiro, o menino sempre aparece nos quadrinhos
descalço e usando chapéu de palha. Dentre suas atividades preferidas estão a pescaria, roubar
goiabas do pé, namorar a personagem Rosinha e realizar tarefas no sítio onde mora. Além dos
aspectos visuais, uma característica marcante deste personagem é o seu sotaque interiorano
presente nos balões de fala, por exemplo, utilizar “procê” ao invés de “para você'', "bão" no
lugar de “bom” e “quar” para dizer “qual”.
Nesta atividade da seção Conversa entre textos, notamos que o personagem está
praticando uma de suas atividades favoritas, a pescaria. Entretanto, sua expressão é de tristeza
ao olhar a vara de pescar e tirar uma lata do lago. Observando as latas de lixo posicionadas
atrás do personagem, compreendemos o motivo de seu descontentamento, já que, no lugar de
pegar peixes, ele está pescando uma latinha do rio e separando-a para reciclagem como
podemos ler nos barris (vidro, papel e metal).

82
Destacamos em vermelho, o título da seção e o box no canto esquerdo inferior da
página as competências e habilidades propostas na atividade. Na questão 1 (“Que ideias as
palavras e imagens que compõem a capa da revista pretendem comunicar aos leitores?”),
entendemos que a intenção do material é desenvolver a terceira competência específica de
Língua Portuguesa:
“3. Ler, escutar e produzir textos orais, escritos e multissemióticos que
circulam em diferentes campos de atuação e mídias, com compreensão,
autonomia, fluência e criticidade, de modo a se expressar e partilhar
informações, experiências, ideias e sentimentos, e continuar aprendendo”
(BRASIL, 2017, p. 48, grifos nossos)

Espera-se que os leitores respondam que a capa da revista em quadrinhos pretende


expressar a conscientização sobre a poluição da natureza e partilhar a importância do hábito
da coleta seletiva de lixo para reciclagem. Esta temática já estava sendo trabalhada nas
páginas anteriores através da leitura e interpretação de uma reportagem sobre o maior lixão
da América Latina e a questão 2 (“Transcreva trechos da reportagem lida que se relacionam
com a ação do personagem Chico Bento.”) propõe a associação dos aspectos comuns entre os
textos lidos, mesmo que de gêneros distintos (uma reportagem e uma capa de uma revista em
quadrinhos), conforme a habilidade do box sugere “(EF06LP02) Estabelecer relação entre os
diferentes gêneros jornalísticos, compreendendo a centralidade da notícia” (BRASIL, 2017,
p. 169).
Por fim, na questão 3 (“Em sua opinião, por que o olhar de Chico Bento demonstra
tristeza ao retirar a latinha do rio?”) chega o momento do leitor exercer sua autonomia através
do compartilhamento de suas hipóteses e pontos de vista com os colegas e, dependendo da
abordagem interativa e da postura mediadora do docente estimulando os estudantes a
manifestarem suas opiniões, além de responderem a questão no material, o tema pode gerar
um debate e uma oportunidade para pensar em conjunto sobre propostas de intervenção não
apenas para melhorar a expressão do personagem Chico Bento na capa da revista em
quadrinhos, mas sim, para buscar soluções que diminuam a poluição e estimulem a
reciclagem para recuperar a natureza no mundo real. Compreendemos que a quarta
competência geral da BNCC espera isso dos estudantes:

“4. Utilizar diferentes linguagens – verbal (oral ou visual-motora, como


Libras, e escrita), corporal, visual, sonora e digital –, bem como
conhecimentos das linguagens artística, matemática e científica, para se
expressar e partilhar informações, experiências, ideias e sentimentos em
diferentes contextos e produzir sentidos que levem ao entendimento
mútuo” (BRASIL, 2017, p. 48, grifos nossos).

83
Nesta primeira parte de nossa análise, percebemos que em diferentes momentos o
material propõe atividades que estimulam a expressão de diferentes opiniões e pontos de vista
dos alunos por meio de temáticas e gêneros distintos.
A seguir, na segunda parte da análise, pretendemos verificar não apenas como as
atividades com quadrinhos foram trabalhadas no 9º ano, mas também, se a expectativa de
progressão das habilidades é confirmada. Em outras palavras, espera-se que as atividades
com leitura acompanhem essa progressão e, dessa forma, no 9º ano haja algo mais avançado e
aprofundado do que no 6º ano.

5.2.2 Tecendo linguagens - 9º ano dos Anos Finais do Ensino Fundamental

Para a análise do livro do 9º ano, dentre os onze exercícios que trabalham


especificamente a leitura, selecionamos as duas charges da série Humor político, as duas tiras
da série Armandinho e também a única atividade com HQ e com a página de HQ para análise.
Como não encontramos nenhum exercício com cartum neste volume, das onze atividades
pertencentes ao eixo de leitura encontradas, analisaremos seis delas (2 charges, 2 tiras, uma
HQ e uma página de HQ). Vejamos a seguir o primeiro exemplo:

Figura 21 - Exemplo 6: charge 1

84
Fonte: Oliveira; Araújo (2018b, p. 192)

Na charge, podemos compreender sua crítica quanto à circulação de fake news


(notícias falsas) pelo aplicativo de mensagens Whatsapp, ironizada pela representação de um
homem pedindo ao frentista que abasteça seu carro com boatos e não com gasolina, como
geralmente é feito. Um ponto importante a ser destacado, do ponto de vista da leitura e da
produção de sentido, é que tanto fake news quanto Whatsapp não são explicitados
verbalmente – a compreensão de ambos deveria ser acionados por intermédio dos elementos
visuais presentes no desenho com base nos conhecimentos trazidos pelos alunos.
As questões A (“O que você vê na imagem?”) e B (“Que crítica social essa charge
apresenta?”) trabalham a leitura de imagens e o conhecimento sobre a atualidade. Nas
orientações para o professor, no canto inferior esquerdo da Figura 19, a questão 9b visa
trabalhar as habilidades de:

(EF89LP03) Analisar textos de opinião (artigos de opinião, editoriais, cartas de


leitores, comentários, posts de blog e de redes sociais, charges, memes, gifs etc.) e
posicionar-se de forma crítica e fundamentada, ética e respeitosa frente a fatos e
opiniões relacionados a esses textos.

(EF09LP01) Analisar o fenômeno da disseminação de notícias falsas nas redes


sociais e desenvolver estratégias para reconhecê-las, a partir da
verificação/avaliação do veículo, fonte, data e local da publicação, autoria, URL, da
análise da formatação, da comparação de diferentes fontes, da consulta a sites de
curadoria que atestam a fidedignidade do relato dos fatos e denunciam boatos etc.
(BRASIL, 2017, p. 169-170-171)

O contexto histórico da charge, como foi dito em um de nossos capítulos, é um dos


elementos fundamentais para que sua temática sobre um fato do noticiário atual da época em
que foi publicada faça sentido para quem lê. Desse modo, a questão 9c pede que os alunos
pesquisem boatos que circularam na internet de acordo com a data de publicação da charge.
Por fim, a questão 9d promove a relação entre textos lidos anteriormente com a charge, e a
questão 9e, oferece a oportunidade que os estudantes deem sua opinião crítica sobre o tema
tratado no desenho.

Figura 22 - Exemplo 7: charge 2

85
Fonte: Oliveira; Araújo (2018b, p. 213)

Nessa segunda charge de Thiago Lucas, vemos uma crítica quanto ao alto índice de
desemprego no Brasil (por meio da associação da placa “há vagas” como sendo uma miragem
vista por um suposto desempregado, representado caminhando numa região árida e
ensolarada). As principais habilidades mobilizadas para responder as questões são:

(EF69LP03) Identificar, em notícias, o fato central, suas principais circunstâncias e


eventuais decorrências; em reportagens e fotorreportagens o fato ou a temática
retratada e a perspectiva de abordagem, em entrevistas os principais
temas/subtemas abordados, explicações dadas ou teses defendidas em relação a
esses subtemas; em tirinhas, memes, charge, a crítica, ironia ou humor presente.
(BRASIL, 2017, p. 169, grifos nossos).

(EF69LP21) Posicionar-se em relação a conteúdos veiculados em práticas não


institucionalizadas de participação social, sobretudo àquelas vinculadas a
manifestações artísticas, produções culturais, intervenções urbanas e práticas
próprias das culturas juvenis que pretendam denunciar, expor uma problemática ou
“convocar” para uma reflexão/ação, relacionando esse texto/produção com seu
contexto de produção e relacionando as partes e semioses presentes para a
construção de sentidos. (BRASIL, 2017, p. 169, grifos nossos)

86
Podemos observar que as questões A (“O que você vê na imagem? Do que se trata a
charge?”) e B (“Por que o mercado de trabalho é simbolizado como um deserto? Explique”)
estão diretamente ligadas ao desenvolvimento da habilidade EF69LP03, ao solicitarem que o
estudante observe as ilustrações, identifique a temática principal e a simbologia do deserto na
charge. Vale ressaltar que, ao responder essas duas atividades, o estudante já está praticando a
habilidade necessária para atingir a terceira competência de LP para os Anos Finais do
Ensino Fundamental, a de ler de maneira autônoma e com criticidade.
Já as questões C (“A que você atribui o alto índice de desemprego entre os jovens?”) e
D (“Em sua opinião, o que os jovens devem fazer para enfrentar os entraves relativos à
entrada no mercado de trabalho e o desemprego?”) estão mais voltadas à habilidade
EF69LP21, pois ambas as questões trabalham com o “posicionar-se e relacionar o texto com
seu contexto de produção”, ou seja, que os estudantes formulem suas próprias opiniões sobre
o assunto e ainda pensem em uma possibilidade para que os jovens enfrentem os desafios do
mercado de trabalho.
Assim, compreendemos que, ao desenvolver as habilidades EF69LP03 e EF69LP21,
muito provavelmente os estudantes estão aptos a desenvolver as competências de:

● “utilizar diferentes linguagens, para se expressar e partilhar informações,


experiências, ideias e sentimentos” (competência geral 4);
● “apropriar-se de conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender
as relações próprias do mundo do trabalho e fazer escolhas” (competência
geral 6);
● “argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis.”
(competência geral 7);
● “ler, escutar e produzir textos orais com compreensão, autonomia, fluência e
criticidade” (competência específica 3);
● “analisar informações, argumentos e opiniões, posicionando-se ética e
criticamente.” (competência específica 6).

Figura 23 - Exemplo 8: tira 1

87
Fonte: Oliveira; Araújo (2018b, p. 145)

No primeiro exemplo da série de tiras Armandinho, de Alexandre Beck, não


encontramos nem competências e nem habilidades sinalizadas nas orientações aos
professores no canto direito da folha. Contudo, pelo que já foi analisado até o momento,
podemos inferir que as três primeiras questões, A, B e C, trabalham com a leitura e a
interpretação crítica da tira. Já as questões D e E trabalham a relação dela com textos lidos
anteriormente pelos alunos e posicionamento crítico pela temática da tira, respectivamente.
No caso, a tira integra o rol de produções mais críticas e reflexivas da série, como
comentado anteriormente. A história procura olhar criticamente para uma presença maior de
violência em comparação com a igualdade social. Ambas são mostradas escritas em algo
semelhante a um minipalco, uma caixa ou um suporte. Acima, há itens em formato quadrado,
com uma espessura mediana. São esses itens, em maior volume, que indicam inicialmente a

88
prevalência do elemento violento. Na segunda cena, Armandinho muda os pesos de lugar,
reduzindo a relação com a desigualdade.

Figura 24 - Exemplo 9: tira 2

Fonte: Oliveira; Araújo (2018b, p. 162)

Novamente, mesmo sem mencionar explicitamente as competências e as habilidades


trabalhadas neste exercício, entendemos que sejam abordadas as seguintes habilidades:

(EF89LP02) Analisar diferentes práticas (curtir, compartilhar, comentar, curar etc.)


e textos pertencentes a diferentes gêneros da cultura digital (meme, gif, comentário,
charge digital etc.) envolvidos no trato com a informação e opinião, de forma a
possibilitar uma presença mais crítica e ética nas redes.

(EF67LP28) Ler, de forma autônoma, e compreender – selecionando


procedimentos e estratégias de leitura adequados a diferentes objetivos e levando
em conta características dos gêneros e suportes –, romances infanto-juvenis,
contos populares, contos de terror, lendas brasileiras, indígenas e africanas,
narrativas de aventuras, narrativas de enigma, mitos, crônicas, autobiografias,
histórias em quadrinhos, mangás, poemas de forma livre e fixa (como sonetos e
cordéis), vídeo-poemas, poemas visuais, dentre outros, expressando avaliação
sobre o texto lido e estabelecendo preferências por gêneros, temas, autores.

89
(BRASIL, 2017, p. 169, grifo nosso)

Depreende-se também que tenham sido mobilizadas as competências gerais


mencionadas no início do capítulo onde a tira se encontra:

3. Valorizar e fruir as diversas manifestações artísticas e culturais, das locais às


mundiais, e também participar de práticas diversificadas da produção
artístico-cultural;
6. Valorizar a diversidade de saberes e vivências culturais e apropriar-se de
conhecimentos e experiências que lhe possibilitem entender as relações próprias do
mundo do trabalho e fazer escolhas alinhadas ao exercício da cidadania e ao seu
projeto de vida, com liberdade, autonomia, consciência crítica e responsabilidade.
(BRASIL, 2017, p. 48)

Figura 25 - Exemplo 10: HQ longa

Fonte: Oliveira; Araújo (2018b, p. 192)

Neste exemplo de HQ selecionada no volume do 9º ano para análise, não há


atividades com questões para que os estudantes respondam, pois, a seção Ampliando
horizontes, como explicamos no quarto capítulo deste estudo, é direcionada à sugerir livros,

90
sites e/ou filmes para ampliar as leituras feitas no capítulo. No exemplo 9, o material faz uma
sugestão de leitura em quadrinhos de uma página em quadrinhos de Um músico
extraordinário, de Lima Barreto. Originalmente, trata-se de um conto, que foi adaptado para
HQ. O próprio material menciona tal fato e sugere que os estudantes procurem outras obras
que foram adaptadas para os quadrinhos. Dessa forma, as competências específicas 8 e 9 de
LP são trabalhadas:

8. Selecionar textos e livros para leitura integral, de acordo com objetivos,


interesses e projetos pessoais (estudo, formação pessoal, entretenimento, pesquisa,
trabalho etc.);

9. Envolver-se em práticas de leitura literária que possibilitem o desenvolvimento


do senso estético para fruição, valorizando a literatura e outras manifestações
artístico-culturais como formas de acesso às dimensões lúdicas, de imaginário e
encantamento, reconhecendo o potencial transformador e humanizador da
experiência com a literatura. (BRASIL, 2017, p. 48)

O último exemplo que selecionamos para analisar, trata-se de uma página da coleção
“Clássicos ilustrados Turma da Mônica”, que, como o próprio nome diz, são obras clássicas
da literatura que foram adaptadas para os quadrinhos por Mauricio de Sousa:

Figura 26 - Exemplo 11: página de HQ

91
Nesta coleção, os personagens dos clássicos da literatura são interpretados por Mônica
e seus amigos, como podemos observar na imagem acima, onde o personagem Cebolinha faz
o papel de príncipe que encontra o sapatinho de cristal da história de Cinderela. Esta
associação é o que a questão 1A (“A que obra literária a página acima nos remete?”) e 1B
(“Observando os elementos que compõem essa página, responda: de que modo Mauricio de
Sousa faz a releitura desse clássico?”) esperam que os estudantes façam baseados nos
aspectos visuais e verbais da página da HQ.
Uma vez mais, destacamos em vermelho o nome da seção Conversa entre textos e o
box onde encontramos as habilidades específicas relacionadas à leitura. Entendemos que a
questão 2 (“Que elemento há em comum entre o que essa página traz e o fragmento II do
romance “A pata da gazela” lido anteriormente?”) busca trabalhar a intertextualidade para
identificar um acontecimento em comum no romance e no conto de fadas. Apesar dessa
questão não solicitar um posicionamento crítico dos estudantes sobre os conteúdos e
informações que foram lidas em ambos os textos, compreendemos que ela é a que mais se
aproxima do que a habilidade EF69LP30 busca desenvolver:

“Comparar, com a ajuda do professor, conteúdos, dados e informações de


diferentes fontes, levando em conta seus contextos de produção e
referências, identificando coincidências, complementaridades e
contradições, de forma a poder identificar erros/imprecisões conceituais,
compreender e posicionar-se criticamente sobre os conteúdos e
informações em questão” (BRASIL, 2017, p. 169, grifos nossos).

Já na questão 3 (“Que importância esse elemento apresenta no enredo dessa obra


literária?”), espera que os estudantes mobilizem seus conhecimentos prévios e de mundo
sobre a história, já que, o sapatinho de cristal de Cinderela é um elemento essencial que a une
ao seu amado. Além disso, a partir da leitura prévia do romance A pata da gazela, é de se
esperar que os estudantes observem que nesta história a botina da personagem exerce um
papel de grande importância assim como no conto de fadas.
Dessa forma, compreendemos que o principal intuito desta atividade é aprimorar,
sobretudo, a habilidade de inferir e relacionar textos para que a competência leitora que
promove a intertextualidade se desenvolva. Entendemos, também, que a habilidade
EF89LP32 está diretamente ligada ao que pede a questão 3 ao relacionar um texto do campo

92
literário (o romance) e um texto vindo de outras manifestações artísticas (página de HQ)
como vimos acima:

“Analisar os efeitos de sentido decorrentes do uso de mecanismos de


intertextualidade (referências, alusões, retomadas) entre os textos
literários, entre esses textos literários e outras manifestações artísticas
(cinema, teatro, artes visuais e midiáticas, música), quanto aos temas,
personagens, estilos, autores etc., e entre o texto original e paródias,
paráfrases, pastiches, trailer honesto, vídeos-minuto, vidding, dentre outros”
(BRASIL, 2017, p. 169, grifos nossos).

Após a análise desses exemplos, podemos observar que grande parte das habilidades
mobilizadas nos exercícios com quadrinhos os estudantes já possuem, assim como suas
habilidades para ler, interpretar e identificar o humor ou crítica em uma charge, tira, cartum
ou HQ. O intuito não apenas da coleção, mas também da BNCC, é refinar as habilidades que
os alunos já possuem, desenvolver novas para que as competências gerais da Base e
específicas de LP sejam alcançadas contribuindo, assim, para a preparação do estudante para
a vida em sociedade, exercendo seus direitos e deveres como cidadão.

5.3 Comparação entre 6º e 9º anos

Entre os objetivos específicos desta pesquisa, tínhamos a proposta de observar, de


forma comparativa, como as atividades com quadrinhos foram trabalhadas, na mesma
coleção, entre o 6º e o 9º anos, os dois extremos do Ensino Fundamental II. Essa atenção em
relação a esse aspecto também tem como norte a BNCC. A base propõe que haja uma
progressão nas competências e nas habilidades leitoras dos alunos. A pergunta que se faz é se
isso, de fato, ocorreu nos dois livros analisados.
Inicialmente, iremos destacar algumas similaridades encontradas nos livros didáticos
do 6º e do 9º ano. Em ambas as séries, dentre os exemplos encontrados com os gêneros dos
quadrinhos nos dois LDLP, predominam as tiras cômicas (7 no 6º ano e 12 no 9º ano). Apesar
do número expressivo, poucas foram analisadas neste estudo. O motivo, como já explicado,
foi a dominância do eixo de análise linguística/semiótica nos exercícios com tiras (7 no 6º
ano e 9 no 9º ano). Esse aspecto foi outra semelhança encontrada entre as séries.
Um terceiro ponto em comum são as principais habilidades trabalhadas para
aprimorar competências específicas dos estudantes, como ler e compreender de forma

93
autônoma, reconhecer as características próprias do gênero e expressar sua avaliação/opinião
sobre o que leram. No decorrer da análise, notamos um padrão entre as duas séries no
desenvolvimento do trabalho com os gêneros dos quadrinhos ao mobilizarem os
conhecimentos linguísticos, textuais e de mundo dos estudantes.
Ao compararmos as atividades do eixo leitura nos LDLP do 6º e do 9º anos,
esperávamos, tendo em mente a proposta da BNCC, que os exercícios propostos do 9º ano
fossem mais avançados do que os do 6º ano. O que encontramos foram temáticas mais densas
e passíveis de discussões aprofundadas em sala de aula no livro do 9º ano. Isso ficou bastante
perceptível na temática abordada nos exercícios a partir dos exemplos de HQs selecionados.
Ao trabalharem temas como fake news (Figura 21), desemprego entre jovens (Figura
22, violência (Figura 23), empatia (Figura 24) e um conto adaptado para HQ (Figura 25), as
autoras da coleção entendem que os estudantes que estão concluindo os Anos Finais do
Ensino Fundamental tendem a possuir um nível maior de maturidade para ler, compreender e
expressar opiniões sobre determinados assuntos, diferentemente de alunos do 6º ano, com
temáticas como a relação com a própria aparência (figura 12), escolarização (figura 16) e
pequenos hábitos para melhorar o planeta (figura 18).
Outra diferença diz respeito à comparação entre textos. Dos seis exemplos analisados
do 9º ano, quatro deles (figuras 22, 24, 25 e 26) relacionam a temática da charge, tira ou da
HQ com textos lidos previamente pelos alunos, com o intuito de encontrar aspectos em
comum e propor uma reflexão sobre a temática trabalhada em ambos as produções
selecionadas, porém com pontos de vista diferentes. Não encontramos propostas de atividade
com essa densidade de informações e habilidades propostas nos exemplos do 6º ano.
Uma vez mais, entendemos que exercícios assim pressupõem o avanço, a maturidade
e o discernimento dos estudantes para lidar com determinados assuntos. Nesse sentido, os
dois livros da coleção atenderam a proposta de progressão das competências e das
habilidades leitoras, ao menos nas atividades que envolveram quadrinhos, em seus diferentes
gêneros.

94
CONSIDERAÇÕES FINAIS

Antes de nossos comentários finais e alguns esclarecimentos, retomamos nossa


trajetória de pesquisa, na qual buscamos compreender como as competências e as habilidades
relacionadas à leitura prescritas pela BNCC foram trabalhadas por meio de atividades com
HQs e se as características próprias das HQs foram ou não trabalhadas nos exercícios de
leitura nos LDLP do 6º e do 9º ano.
Para responder às nossas questões de pesquisa, buscamos no PNLD mais recente dado
o ingresso no Programa de Pós-Graduação em Letras, no ano de 2020, as coleções de LP
selecionadas para os Anos Finais do Ensino Fundamental. Um primeiro passo metodológico
foi dado ao selecionar apenas os volumes do 6º e do 9º ano, por representarem o início e o
fim do ciclo dos Anos Finais. Mesmo assim, ainda tínhamos 12 volumes a serem analisados e
o segundo passo metodológico dado foi selecionar apenas as três coleções mais compradas
pelo PNLD 2020: Se liga na língua, Português: conexão e uso e Tecendo linguagens.
Após a realização de nosso exame de qualificação, optamos pela coleção que foi
adquirida em maior número pelo Programa no ano de 2020, segundo consta no site do MEC,
a Tecendo linguagens. Desse modo, estudamos dois volumes desta coleção para alcançarmos
nossos objetivos gerais e específicos de pesquisa.
Para tal, estudamos os conceitos de HQ e de seus gêneros de Ramos (2009), sobre a
leitura, incluindo textos multimodais, acionamos os estudos de Dionísio e Vasconcelos
(2012), Rojo e Moura (2012), Koch (2004), Koch e Elias (2017) e Marcuschi (2008). No que
diz respeito ao termo competências, utilizamos como base a análise de Holanda (2009) e
Branco, Iwasse e Zanatta (2019).
Procuramos compreender o caminho que as HQs percorreram até chegarem aos
materiais didáticos, os conceitos que definem os quadrinhos como um hipergênero com
características comuns e outras específicas dos gêneros que o compõem. Ademais, buscamos
ampliar nosso conhecimento no que diz respeito às competências e às habilidades da BNCC,
fazendo um breve retrospecto sobre o termo competências e sua implantação, além da
concepção de leitura segundo a LT e seu diálogo com a definição de texto multimodal.
Refletimos, uma vez mais, sobre as múltiplas formas de interação dos estudantes, dentro e
fora da escola, em contato com o mundo tecnológico-digital e a relevância de formar leitores
críticos e autônomos para viver em sociedade.

95
A partir das análises das atividades encontradas nos volumes do 6º e do 9º ano,
constatamos que, ao partilhar suas opiniões, sentimentos e visões de mundo nas atividades de
interação oral ou pelo simples ato de ler uma HQ, compreender sua temática principal e efeito
de humor ou crítica, o estudante já domina habilidades pressupostas pela Base. Acreditamos
que a verdadeira proposta seja aprimorar habilidades que o estudante já possui com o intuito
de torná-lo um sujeito que mobiliza diferentes conhecimentos para ler, interpretar e opinar
criticamente sobre temáticas e gêneros variados.
Como diz Garcia (2018, p. 116), os “textos não precisam simplesmente ser lidos ou
compreendidos em suas superficialidades, mas refletidos, discutidos e problematizados por
alunos que estão se preparando para serem cidadãos críticos. E essa é uma das funções da
escola”. As competências e as habilidades listadas pela Base nada mais são do que uma forma
de estabelecer metas e expectativas sobre o sujeito autônomo em desenvolvimento ao
percorrer cada etapa da Educação Básica até finalizá-la no Ensino Médio.
Um questionamento que perdurou durante toda nossa análise foi: “Qual é o desafio
para se trabalhar com HQ na escola a partir desta coleção de livros didáticos?”. Para achar
um caminho de resposta, retornamos à premissa feita pelas próprias autoras do material “é
importante ressaltar que os gêneros apresentados na obra não são pretexto para o ensino de
determinado conteúdo, mas, eles mesmos, objetos de ensino” (OLIVEIRA; ARAÚJO, 2018a,
p. 31). Ora, se as autoras afirmam que todos os gêneros na coleção são objetos de ensino por
eles mesmos, por que encontramos as HQs à serviço de outro tema? Por que os quadrinhos e
seus gêneros aparecem no material em seções cujo os objetivos são colocar em prática
conceitos e/ou temáticas já estudadas como Conversa entre textos, Aplicando conhecimentos,
Ampliando horizontes e Preparando-se para o próximo capítulo?
Oliveira e Araújo (2018), colocam os quadrinhos no mesmo patamar dos outros
gêneros encontrados na coleção, entretanto, constatamos que não estão, pelo contrário, apesar
de reconhecerem as características únicas dos quadrinhos e essenciais para desenvolverem
determinadas habilidades prescritas pela Base, as autoras ainda colocam as HQs e seus
gêneros como pretexto e/ou recurso ilustrativo para o ensino de conteúdos “privilegiados” por
ambas nos LDLP da coleção Tecendo linguagens.
Entendemos que este material não é o primeiro e não será o último a desenvolver o
trabalho com as HQs dessa forma, contudo, se há um programa responsável por selecionar e
analisar materiais didáticos que serão distribuídos para escolas de diferentes regiões do país,
fica evidente a necessidade de se atentar a detalhes como este e estabelecer critérios de

96
seleção que permitam que todos os gêneros sejam estudados com uma abordagem
equiparada.

Para finalizar, podemos afirmar que nossos objetivos de pesquisa foram alcançados,
pois conseguimos quantificar os exercícios com HQs que contemplam o eixo de leitura,
discutimos e refletimos sobre como a coleção Tecendo linguagens trabalhou as competências
e habilidades leitoras exigidas pela Base, comparamos as propostas de atividades do 6º e do
9º ano para compreender a evolução na complexidade das temáticas a depender da série e se
as características próprias e específicas dos gêneros dos quadrinhos foram trabalhadas.
Ler os balões de fala, as imagens, compreender a temática, identificar o desfecho
cômico e associar o quadrinho com seu contexto social para obter suas próprias conclusões
e/ou opiniões prova que um estudante desenvolve constantemente múltiplas habilidades e,
desse modo, torna-se “competente” para atuar em situações vivenciadas dentro e fora da
escola.
Ressaltamos que a análise proposta nesta pesquisa não está acabada. Assim como as
diversas competências e habilidades que um estudante pode desenvolver ao longo dos Anos
Finais do Ensino Fundamental, nossa análise é passível de modificações e ajustes
dependendo do olhar aplicado sobre o objeto de estudo.
Optamos por analisar apenas uma das seis coleções de LDLP selecionadas pelo PNLD
2020 e reconhecemos que um estudo feito com as demais coleções poderia ampliar o trabalho
com o eixo leitura e até encontrar diferentes aspectos dos quais encontramos nesta pesquisa.
É algo ainda a ser investigado.

97
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Universidade Federal de São Paulo. Guarulhos, SP: 2018. Disponível em:
<https://repositorio.unifesp.br/handle/11600/52207>.Acesso em: 20 jan. 2022.

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ANEXO

Habilidades do eixo leitura do 6º e do 9º ano18

18
Fonte: OLIVEIRA, T. A. Tecendo linguagens: língua portuguesa: 6º ano. 5. ed. São Paulo: Barueri: IBEP,
2018, p. 46-50

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