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1978 Sexualidade e Poder “Set to Keno” (Sexuslddee per’ conti na Universidade dT ‘qu, in 20 de abr de 1978, sega de un debate, Gena sala de {97a ps. 50-77 Gostaria primetramente de agradecer aos responsiveis| pela Universidade de Toquio que me permiram estar aqui € ‘eressa reunlao com voces, que eu desejaria que fosse um se- ‘minani durante o qual pudessemos discuti, fazer perguntas, tentar respondé-las ~ mats freqdentemente, alias, fazer per guntas do que respondé-las. Quero agradecer especialmente a0 Sr. Watanabe que aceitou, faz agora tantos anos, man- ter-se em contato comigo, manter-me ao corrente das coisas {do Japa, encontrar-se comige quando ele val a Franca. oct ppar-se de mim com um cuidado paternal ~ ow maternal — ‘quando estou no Japio, eeu nao saberia como The expressar {odo o meu reconheeimento pelo qu ele fez plo que ainda faz agora ‘Pensei que, nesta tarde, teriamos oportunidade de diseutir| em um pequeno grupo, em volta de uma mesa que chamamos {de redonda, embora ela seja as vezes quadrada ~ ou sea, uma, ‘mesa que permitisse relagdes de igualdade © trocas’con- ‘inuas. O grande namero de partcipantes ~ eu, certamente, 'me parabenizo por iss0~ tem 6 Inconveniente de me obrigar ‘omar essa posicao de mestre, essa posicao de distancia, eme fobriga tambem a Ihes falar de uma manera que sera um pote 0 continua, embora eu tente tornd-la o menos dogmatica possivel. De qualquer forma, nao gostaria de thes expor uma {eoria, uma doutrina nem mesmo o resultado de uma pesqi- sa, uma vez que, como o Sr. Watanabe lembrou. tive a oportu- nidade de ver a maioria dos meus livros e artigos tradusides fem Japones. Seria indecoroso e indelicado de minha parte re- 1978 Senuade e Fader 57 toma-1os ¢ descarrega-los em cima de voces como um dogma. Prefiraexplicar a voces em que ponto me encontro agora e que tupos de problemas me preocupam, submetendo-Ihes alg- mas hipéteses que me servem atuaimente para sustentar 0 tet trabalho, Fiearel certamente contente se, apos a minha texposicao - que, espero, durara em torno de 80 ou 45 minutos: e*puidermos discuti,e talvez nesse momento o lima esteja~ como dize-lo - mais descontraido, sendo mais fae trocarmos perguntas e respostas, E claro que voeés poderao fazer as Suas perguntas em japonés — ndo porque eu va compreen- ‘de-las mas sim porque clas serao traduzidas para mim: voces também podem fazé-las em inglés. Eu thes responderei em, lumdialeto qualquer e, mesmo assim, nos iraremos. Tentare, Juma vez que voces iveram a gentileza de vir agut para ouvir Juma conferéneta em frances. falar o mais claramente possivel, ‘se que, com 08 professares competentes que vooés tém, eu no teria multo com que me preocupar com o nivel lingastico de voces, mas, afinal, a polidez exige que eu tente me fazer entender: assim, se surgirem alguns problemas ou dificulda- des, se vooes nao me compreenderem ou mestno, muto si plesmente, surgir alguma questao na cabeca de vocés, et hes peeo, me interrompam, cologuem suas questoes, pois e3- ‘amos aqul, essencialmente, para estabelecer contatos, para digcutire tentar romper o mais possivel a forma habitual de ‘conferéncia (Gostaria de thes expor hoje a etapa, nao do meu trabalho, ‘mas das hipdteses do meu trabalho. Ocupo-me atualmente ‘com uma especie de historia da sexualldale, que, coma maior Imprudénela, prometi que teria seis volumes, Espero, na ver- dade, nig chegar a tanto, embora acredite ainda que meu tra balho continuara a girar em torno desse problema da historia dda sextalidade; ha um certo numero de questoes importantes ‘ou que poderiam ser importantes se fossem tratadas da ma- heira adequacda, Nao estou certo de que as tratarei do modo ‘adequado, mas talvez, apesar de tudo, apenas colocé-tas ja valha a pena. Por que escrever tuma historia da sexualidade? Para mim, {sso significava o seguinte: uma colsa me havia surpreendide: que Freud, a psicandlise tiveram como ponto historico de partida, como o seu ponto de partida, um fendmeno que, no fim do século XIX, Uta grande importancia na psiquiatria © 58 nel Fouenlt— Dios ¢ Estos net eo mate pt fer eect i tc Soe ti, ae tiaiea aioe tenascin Ena et cicada inland Pomc Rae ee iaeectngait ah he acer sigue ma olage ce maboetnanitaaontcnn ie ie ees a pennet te nin saunter areca pn cere eran teem Auda. nto, inclamente descents do sett des Soest cpuaeaeaeatngs a ial ar tees ‘Pena detonate etodeesininetice ata qsoats perro ied Toa peace acne Eilean ta eat eae eeaameat gi aafaan tate ic ahirares fen aa Seas nt en turheren enc Bon ete eee cee Ses eel ee Srocdtin cra tenance Ele Satan Sma ent aaah, ‘sexualidade. eebeet les Te rem ertnmennar a nat te te 1978- Semuaindee Peder 59 tante, que era, por um lado, um fendmeno geral mas apenas Situdvel no nivet das individuos, ou seja, 0 desconhecimento [pelo sujeito de seu praprio desejo~ e isso se manifestava espe- Gialmente na histeria ¢ 20 mesmo tempo, plo contrario. um fendmeno de supersaber cultural, socal, cienifco,tedrico da sentalidade. Estes dots fendmenos - de desconhecimento da ‘Sexualidade pelo proprio sujeito e de supersaber sobre a se- Sualidade na sociedade - nao s20 fendmenos contraditorios. Bles coestem efetivamente no Ocidente, e um dos problemas certamente saber de que modo, em uma sociedade como a hhossa,€ possivel haver essa produeao teorica, essa producio tespeculatva, essa produgao analitica sobre a sexualidade no plano cultural gerale, 20 mesmo tempo, um desconliecimento {do sujet a respeito de sua sexuaidade. ‘Voces sabem que a psicanalise nao respondeu diretamente essa questao, Nao ereio que se possa dizer legtimamente {que ela nao tena abordado exatamente esse problema, mas la tampouco de fato 0 ignorou: a psicanalise tenderia a dizer fque, no fund, essa produclo, essa superproducao teorica, ddiscursiva em relagao a sexualidade nas sociedades ociden- tais ¢ apenas o produto, 0 resultado de um desconhectmento da sextalidade que se produzia no nivel dos individuos e no proprio sujelto. Ou melhor, creio que a psicanlise dita: €pre- isamente porque os suites continuam a ignorar o que ¢ da frdem da sua sexualidade edo seu desejo que existe toda uma producdo social de discursos sobre a sexualidade, que era Eambem discursos erroneos,irracionals. afetivos, mitoldgicos Digamos que os pstcanalistas abordaram o saber sobre a se- >ualidade apenas por dias vias: seja tomando-o come ponto de partida, como exemplo, como matriz, de qualquer forma de ‘saber sobre a sextalidade, as famosas teorias que as erlancas inventam a respeito de seu nascimento, a respeito do fato de fas terem ou nao um sexo masculino, sobre a diferenca entre Imenino e mlenina, Fread tentou pensar saber sobre a sexua- Iidade a partir dessa producto fantasistica que encontramos nas erianicas, ot ainda tentou abordar o saber sobre a sexta lidade em psicanalise a partir dos grandes mitos da religiao ‘ocidental, mas ereio que jamais os psicanalistas levaramm mi {oa serio o problema da produgao de teorias sobre a sexual dade na soctedade ocidental 60 dca Foucault - Dios ¢ Esso ee psc des ca ae wna aa erat temps Spot ane pce a aii, de icra er tin, nga ete fats SoponePa caer mpc me tern dae Ena ao a ie ‘SStdantsge ae grmezac wa isc Sead merece perp shoes tinea ol de go aecree eae ee mana pens Ta percocet ee ee meat te i rn ets do SO rma leres oo Se rc SSnct eiarcern str area rot nace Sanaa Ea ge ‘eects oeeinemeteeonal ducer seagate meats se acuetr seca gu enantio cts tiple, Sere om Caio Sete oe pee cee once a a waco mi tivo sobre a sexualidade. : ace aegiacaerteees daa cece sore nc a ase ate Sram aerate cence. cultura ocidental manteve sobre a sexualidade é que | sedise can ipa cena ee Soeta nna tena ecm ao escent, cme god ar men a cone Som seatsmete siquiatria do século XIX. mas igualmente no que podemos ra page ae aon ae roe ipa ene ec ae me Dir ace Spears iit ee iecgctnctage coee eee craiae Site asa aitear ge peta gee ea funder tn ro Smee gio cacao ge enc 1978 Sexuaiadee Poder 61 ocidentats © pelo menos um certo numero de sociedades orfentais ‘Refiro-me aqu a uma anélise que tentei esbocar em um: primeiro volume dessa Histéria da sexualidade, que o Sr. Wa- fanabe teve a gentileza de traduzir e comentar em uma revis- ta. Bssa oposieao entre as sociedades que {entam sustentar jum discurso clentifica sabre a sexualidade, como fazemos no ‘Ocldente, eas sociedades em que o discurso sobre a sexuall- ‘dade ¢ igvalmente um discurso muito extenso, um discurso ‘muito abundante, um diseurso mutt difundido, mas que nao visa a instituir uma eféncia, e busca, pelo contrario, defini Juma arte uma arte que visaria a produzir através da relacio ‘Sexual ow com os érgios sexuals. um tipo de prazer que Se Dprocura tornar o mais intenso, 0 mais forte ou o mais dura ‘ouro possivel. Encontra-se, em multas sociedades orients, lassi como em Roma ona Grécia antiga, toda uma série de fiscursos muito numerosos sobre essa possibilidade, ou em todo caso sabre a busea dos métodos por meto dos quats se poder intensifiearo prazer sexual. O discurso que entcontra mos no Ocidente, pelo menos desde a Idade Média, € comple- ‘mente diferente dest, ‘No Ocidente, nao temos arte erdtiea. Em outras palavras, nao se ensina a fazer amor, a obter 0 prazer, a dar prazer 20s, outros, a maximizar, a intensiicar seu proprio prazer pelo Drazer dos outros, Nada disso ¢ ensinado no Ocidente, e no hha discurso ou iniciagao outra a essa arte erdtica senao a Glandestina e puramente interindividual. Em compensacao, femos ou tentamos ter uma clencia sexual ~ scienta sexuaiis~ Sobre a sexualidade das pessoas, e nao sobre o prazer delas, flguma coisa que nao seria como fazer para que o prazer seja ‘Omals intenso possivel, mas sim qual @a verdad dessa coisa {gue, no individu, ¢ sea sexo ox sua Sexualidade: verdade do ‘Sexo. e no intensidade do prazer. Penso que tems dois tipos ‘de andllse, dois tipos de pesquisa, dois tipos de discurso com- pletamente diferentes, e que serao encontrados em dois tipos fe sociedade muito diferentes. Abro novamente um pequend paréntese: evidentemente, adoraria discutir com pessoas cujo background cultural e histdrico ¢ diferente do meu, e gostaria pparticularmente de saber, pois ha muito pouco sobre isso no Dcidente, em que consiste, em sociedades como a de voces, ‘como a socledade chinesa, a arte erética, como ela se desen- (62 chet Poucault—Dios¢ Eaton ‘olve, a partir de que suber. Creio que, em to caso, seria Iuito interessante fazer um estudo tomparado ene are erouca nas socedaes orientais eo surgniento de una cn, Gia sexal no Octdent.. Voltemos, se voces qulserem, ao proprio Ocidente, 0 que sostaria de fazer nesse trabalho sobre a historia da seule dee precisamente a histria dessa cencia semua, desea sclet tia seals. nao para dizer quate fram calamente sets Aierentes conccton, teoras ou alttagdes = podesanen alias, fazer uma verdadelraenclclopéa sobre fssa, Pore, allo sobre o que me interrogo¢ por qc a sotedades oe dentais~ digamos, as saciedades europelas - vera tanta necessifade de uma eneinsexnal ou, em odo aso, porque Fazdo, por tates sectlos e ate hoje, se tenta consti wna ‘inca da sexaldade: ate, porque queremos nde 0 ropes eo qulsemos ha milénios saber de preerencla sobre a Verde de nosso sexo do que ating a intensidade do pr Zr? Para resolver essa questo ¢evdente que se enconta uh esquema, um esquema habitual, que a hipotese que vem imediatainente a eabeca, e que consste em dizer o segue Duis bem, no Oeident,¢ certamente agora gracns a cud desde Freud ~cigualmentea parr de toda wna serie de mo iments politics, socials, cituris aiversos,comegotr se pouco a pouco a itbertar « semaltdade dos griftes que a Drendiam. comcou-se a he permit falar, ei que ae eta {ina so, durante séculom,vtada a0 slenetoEstaros, st multaneamente, Uberando a propria sexualidade © erando Condigoes para poder tomar consciencia dela enguant, noe Seculos precedente 0 peso de ma moral bungie, por tin lado, eo de uma moral enst, por tr. a primera iemando de qualquer forma a diantera a contnuidade da segunda nos hava impedido, havi impetigo o Ociente deo ‘essa pela sexualidade. Em ots palavras. 0 esquema his- torico utizado se desenvotve eqaentenente x tie tempos, {nes termoo, trea priodos Frimeiro movimento: a Antghidade groga ¢ romana, na qual a sentalldade ea lve, se expressava sem aiiuldades tfetivamente se desenvlvs,sostentara em odo caso nds turso na forma de arte eres, Depois 0 cristianismo Inte ‘elo, estaniomo que tert ela primera vee nu hse do Oeidente.colocado uma grande interdict a sexualidade, que 178 Sexuliadee Poser 63 tera dt nao ao praze por almesma a sex. Esse nao essa thsbigh tera fevadoa um silencio sobre a sexvaldade ~ba- ‘fel csvenctalmente em proibgies mora, Porem a burge- Sia‘a yar do seculo XV encontrado se ea poste de Hegmonia, de dominagdo economies e de hegemonla cult Tat certs retomado de qualquer modo a seu ear, par ap Ehio"malsseveranent finda € com meios aida mals Sigorooa eee anctismo cristo, essa recs rst. da sexu IMdace Gonsequentemente a teria prolongado ato século Sik no qua nantes em seus tos anes, sri come Garo a vantaro ve com Pre so coquerna hstrco que ordinaramente € wlzado quan se fe uma historia da sexualidade no Ousdente, ov arse faz esa histriaetudando em primero lugar basta Tene os meanfsmos ta represso, da interdicao,daqullo uc jt, xc recisa, depots faendo recalr a espones- ‘tants dessa grande ecusaoedental da sexualidade sobre 0 tstanisme, Sera ocisantsmo que teria dla nao a sexual dade ‘reo que esse esquema bistro tradlonamente aceto nag ¢exato, que no Pode ser mario po eas razbes. Nolueo, do ual o Se Watanabe teve a gentesa de wade Sm capil, ne nterrogulsobretudo areapeto dos probe Sis de metodo e deose prvlego da iterdigaa e da nezacao Guano e lara historia da sesualdade. Tent ostar que ‘fa sem dvida mals interessante e mais io fer ahistoia {ia semualifade a panir do que a motivo e impulsionow do uc part daqutlo que pris Bf detemos iso de iMto’ Creo que't possvel Ler ao exquema tradicional, 20 (hslacabo deme eer: uma saga abjao, dla sobre- Ahad que gstara de ian objeqao nao de metodo, mas de {tte Besa objoro de fato nao so ex que a formuto, mas sim tehistriadores,sobretudowm histrador da Anigildadero tana que trabaina atuatmente na Franga chamado Pal Vey- te que esd faendo umaseriedeestudonsobreasexualidade no mundo romano antes do estaninmo- Ele descobriu uma one de euao importantes que precsamos levarem conta ‘oetsabem a, de modo geral, quand se quer caracter saan guna sea ene gr apna me ‘al pa, 4 moral grega ou romana, se propoem as segntes ‘ardelitica: en per lugar, iatanomo tera pos: 64 ice Foucault - Dios ¢ Esto to. sociedades antigas a regra da monogamia; em segundo, Oo cristianismo teria alrbuido como fangao, nao somente prt- ‘llegiada ou principal, mas como funcao exclusiva, como dni ‘a funcao da sexualidade, a reproducao ~somente fazer amor ‘com finalidade de ter fos. Finalmente, em terceiro agar ~ eu teria podido, alas, comecar por ai. ha uma desqualiiea ‘cto geral do prazer sexual. O prazer sexual € um mal ~ mal {que precisa ser evitado e ao qual, conseqdentement, € prec ‘0 atribuir a menor importaneia possivel. Atribuir ao prazer ‘Sexual apenas a menor parcela possivel de importancia. ape nas utlizar-se desse prazer, de qualquer forma a despeito dele ‘mesmo, para fazer flhos, eno fazer esses flhos, ou sla. ape- has praticar as relacbes sextais e encontrar nelas o prazer no casamento, no casamento legjtimo e monogfmico. Essas tres ‘caracteristicas defniriam o cristianisimo, Ora. os trabalhos de Paul Veyne mostram que esses trés grandes prineipios de mo- ralsexual existiam no mundo romano antes do surgimento do ‘ristianismo, e que toda uma moral -em geal deorigem esto ‘ca, bascada em estruturas socials, ideologicas do Império Romano ~ havia comecado, bem antes do cristanismo, a in- clear esses prineipios nos habitantes de mundo romano, ot ‘seja, nos habitantes do mundo existente do panto de vista dos feuropeus: nessa época, casar-se e respeltar sua muller. fazer amor com ela para te filhos, bertar-se 0 mais possivel das tiranias do desejo sexual ja era uma coisa aceita pelos cida- 0s, pelos habltantes do Império Romano antes do sur- fgimento do erstianismo, O eristianisme nao é, portanto, Fesponsavel por toda essa série de protbicdes, de desqualifica ‘bes, de limitagées da sexualidade freqientemente atrbuidas ‘cle. A poligamia, 0 prazer fora do casamento, a valorizacao {o prazer, a indiferenca em relacao aos filhos ja havia desapa- reeldo, no essencial, do mundo romano antes do cristiantsmo, fe somente havia uma pequena elite, uma pequena camad: Juma pequena casta social de privilegiados, de pessoas ricas ~ ricas, portanto livres ~ que nao praticavam esses principios, ‘mas bastcamente eles ja estavam incorporados. Tse0 significaria dizer que ocristantsmo nao desempenhou papel algum nessa historia da sexualidade? Creo que, de fato, © erstianismo desempenhou certamente um papel, porémm feste nao fol o de introcuzir novas ideias morals. Nao fo tn troduc20, oaporte, a injungao de novas interdicoes. Creio que 1978 Senuaude e Poder 65 aquilo que o eristianismo trouxe para essa historia da moral Sexual foram novas tgenieas. Novas téenicas para impor essa ‘moral ou, na verdade, um novo ou um conjunto de novos me- taanismos de poder para inculear esses novos imperativos mo- ‘als, ou melhor, esses imperativos morats que haviam deixado {de ser novos no momento em que ocristianismo penetrou no Impérie Romano e se tomou, muito rapidamente, a religiao do Estado, Portanto, ¢ mais do iado dos mecanismos de poder do ‘que do lado das idéias morals © das protbicoes éticas que € ‘preciso fazer a historia da sexualidade no mundo ocidentat Sesde o cristianismo, "A questo € eno: quals s20 0s novos mecanismos de po- der que 0 eristianisino introduziu no mundo romano, valor\- zando essas proibicoes que ja eram reconlhecidas e aceitas? Esse poder €o que chamaret~ ou melhor, eo que se chama = de pastorado, ou seja. a existencia dentro da sociedade de ‘uma categoria de individuos totalmente especifioos e singula- res, que nao se definiam intelramente por seu status, sa pro> fAssao nem por sia qualificacao individual, intelectual ow ‘moral, mas individues que desempenhavam, na sociedade ‘cristo papel de condutores, de pastores em relacao aos ou {ros indiidios que sao como suas ovelhas ou o seu rebanho. CCreio que a introdueao desse tipo de poder, desse tipo de de- pendéncla, desse tipo de dominagao no interior da sociedade Fomana, da sociedade antiga, fl um fendmeno muito impor- tante, ‘A primetra coisa que efetvamente ¢ preciso enfatizar a esse respeito € que jamais, na AntigOidade grega e romana, houve> fata idéla de que certos Individuos poderiam desempenhar, ‘em relagao aos outros, o papel de pastores, dulando-os ao lon fo de toda a sua vida, do nascimento & morte. Na literatura frec0-romana, Jamais os politicos foram definidos como con- {utores, pastores. Quando Platao se pergunta, na Politica, 0 {gue ¢ um rel, 0 que é um patrcio, o que é aquele que governa {uma cidade, ele nao fala de um pastor, mas sim de um tecelao ique agencla os diferentes individuos da sociedade como se {iossem 08 flos que ele tece para fabricar um belo tecido. O Estado, a Cidade ¢ um teedo, 0s cidadaos sa0 os fos desse te ‘ldo, Nao existe a ilela de rebanho nem de pastor. Em compensacio, encontramos a idéia de que o chefe, em relago aqueles que ele comanda, ¢ como um pastor em rela- (86 ice Foucault - Dios ¢ Bsr (20 20 seu rebanho, no no mundo romano, mas no mundo {do Mediterraneo oriental. Bla ¢ encontrada no Ei assim ‘como na Mesopotamia, na Assiria: encontramo-la sobretudo zha sociedade hebraica, na qual o tema do rebanho e do pastor ‘um tema absolutamente fundamental, tema religioso, politi- ‘co, morale social. Deus ¢ 0 pastor de seu povo. 0 povo de Jeo- ‘va'¢ um rebanho. Davi, o primero ret de Israel, recebe das znios de Deus a tarefa de se tomar o pastor de um povo que seria para ele 0 rebanho, ea salvacao do pove judeu seria con- seguida, garantida no dia em que o rebanho finalmente tives- se chegado a sua terra natal e tivesse sido conduzido ao seio {de Deus. Conseqdentemente, uma importaneia muito grande {do tema pastoral em toda uma série de sociedades do Mediter- ‘Hineo ortental, enquanto este nao existe nos gregos nem nos [Em que constste © como se define esse poder pastoral, tao esenwvolvido no Bgito, na Assia e nos hebreus? Podemos ca- racterizi-lo sucintamente dizendo que © poder pastoral se ‘opbe a um poder politic tradicional habitual, pelo fato de ele ‘nao se exereer sobre um territori: 0 pastor nao reina sobre jum termtori; ele reina sobre uma muliplicidade de indi- Viduos. Ble reina sobre ovelhas, bois, animais. Reina sobre ‘um rebanho, um rebanho em deslocamento. Reinar sobre ‘uma multiplicidade em deslocamento € 0 que earacteriza 0 pastor Esse sera o poder pastoral tipico. Sua principal funca ‘hao ¢ tanto assegurar a viOria, uma vez que ele nao se exerce sobre um teritorio. Sua manifestacao essencial nao é a con uista, ou ainda © montante de riquezas ou de escravos que é possivel conseguir na guerra. Em outras palavras, o poder pastoral nao tem por funcdo principal fazer mal aos tnimigos: ‘ua principal funcao fazer o bem em relagao aqueles de que ‘ida. Fazer o ber no sentido mais material do termo signi ce alimenti-o, garantir sua subsisténcia, oferecer-The um ‘pasio, conduzt-lo as fontes. permitir-Ihe beber, encontrar boas pradarias. Consequeentemente, o poder pastoral é um poder ‘que garante ao mesmo tempo a subsistencia dos individuos e a substaténcia do grupo, diferentemente do poder tradicional, {ue se manifesta essencialmente pelo triunfo sobre os domi- ‘ados. a0 € um poder triuntante, mas um poder benfazejo, “Terceira caracteristiea do poder pastoral que encontramos nas civiizagoes das quals eu falava: tendo por principal fun- 1978 Senate e Poser 67 ‘go garantir a subsistencia do rebanho, ele ¢ no fundo uma ‘ncumbeneia: sua caracteristica moral € ser essenciaimente devotado, sacrificar-se pelo bem de suai ovelhas. £0 que en ‘contramos em varios textos célebres da Biblia. freqgientemen- te retomados por seus comentadores: 0 bom condutor, 0 bors pastor ¢aquele que aceitasacrificar sua vida por suas ovelhas. No poder tradicional, esse mecanismo se inverte: 0 que carac- teriza um bom eidadao ¢ poder se sacrificar por ele diante da ‘ordem do magistrado ou aceitar morrer por Seu rel. Agu, €0 contro: €0 rel 0 pastor queaceita morrer para se sacrifcar. Finalmente ~ e talvez esta sea a caracteristica mais impor- tante -, 0 poder pastoral € um poder individualist, ou seja ‘enquanto orei ou o magistrado tem essenclalmente como fur ‘cao salvar a totalidade do Estado, o terrtori, a cidade, 08 ci- dadaos em sua totalidade, 0 bom condutor, o bom pastor € ‘apaz de cuidar dos individuos em particular, dos individuos tomados um a um. Nao se trata de um poder global. Beviden- te que o pastor deve garantir a salvacio do rebanko, porém ‘deve garantira salvacio de todos os individuos. Essa tematica ‘do pastor & encontrada freqientemente nos textos hebreus © fem um certo numero de textos egipelos ou asstrios, Portanto, lum poder que atua sobre uma muliplicidade - muliplieidade de individuos em deslocamento, indo de um ponto para outro poder oblativ, poder sacrificial poder individualista CCreio que o cristianismo, a partir do momento em que, no Interior do Império Romano, transformou-se em uma forea de organizacao politica e social, introduziu esse ipo de poder esse mundo que ainda 0 ignorava totalmente. Abstenho-me de falar sobre a maneira pela qual as colsas ocorreram conere- tamente, como o cristianismo se desenvolveu como tsma lgre- 4a, como, no interior de uma lgreja, os padres assumiram uma, ‘condiga0, um status particulares, como eles aceitaram a obri- ‘tagao de garantir um certo nimero de encargos, como efetiva- mente eles se tornaram os pastores da comunidade erista Creio que, através da organlzacao do pastorado na soctedade crista,apartirdo século IV d.C.,e mesmo do século Il, desen- volveu-se um mecanismo de poder muito importante para {oda a historia do Ocidente eristao e, paricularmente, para a historia da sexualidade. (88 ice! Fovenlt- Dose act ‘De modo geral 0 que signficava, para o homem ocidental, viver em uma sociedade em que existe um poder do tipo pastoral? Primeiramente: 0 fato de haver um pastor implica que, para todo individu, existe a obrigagao de obter a sua salva feo, Em outras palavras, a salvagao ¢ simultaneamente, 10 Gcidente crstao, um assunto individual - todos buscam sua salvaeao -, porém essa salvagao nao ¢ objeto de uma escolha. AA sociedade erista, a8 sociedades eristas nao dao liberdade para os sujetos livres dizerem: “Pois bem, eu nao quero bus- ‘car a minha salvagao.” Cada individuo einstado a buscar sua Salvagao: "Tu seras salvo, ou melhor, sera necessario que fi {25 tudo o que € preciso para seres salvo € nds te puniremos neste mundo caso nao fagas aquilo que é necessario para se ree salvo.” O poder do pastor consiste precisamente na sua futoridade para obrigar as pessoas a fazerem tudo 0 que Tor preciso para a sua salvacdo: salvagao obrigatora Em segundo lugar, essa salvagao ebrigatéria nao é procu- rada apenas pelo individuo. Seguramente, ¢ ele proprio quem ‘abusea, mas ela somente pode ser atingida caso acelte a au- Tordade de um outro. Acetar a autoridade de alguem significa ‘que cada uma das acoes que podera ser realizada devera ser ‘conhiecida ou, em todo caso, poderd ser conhecida pelo pastor, {que tem autoridade sobre 0 individuo e sobre varios indi ‘iduos, e que conseqdeentemente podera dizer sim ou nao em relacao a ela: a coisa esta bem feta desta forma, sabemos que la nao deve ser felta de outro modo. Ou sea, as antigas estru- tuuras jurdicas que todas as soctedacles contheciam ha multo tempo — isto é, havia um certo nomero de Tels comuns, cujas {nfracoes eram punidas ~ vem se aerescentar uma outta for ‘ma de analise do comportamento, uma outra forma de culpa- Dilizagao, um outro ipo de eondenacao muito mais refnado, ‘multo mais estrito, muito mais sustentado: aquele que € g ‘rantido pelo pastor. Pastor que pode obrigar as pessoas a faze trem tudo o que € preciso para a stiasalvagao e que esta em ‘posigio de vigiar, ou pelo menos de exercer sobre as pessoas {uma vigilincia e um controle continues. Em terceiro lugar: em uma sociedade crista, 0 pastor € aquele que pode exigir dos outros uma obediéneia absoluta ~ fenomeno muito importante e também bastante novo. As s0- cledades galo-romantcas conheciam, ¢ claro, a lel os juizes. 1978 Semualiade e Fader 69 Blas conheciam tm poder imperial que era absolutamente au- locratco. Porém, na AntigOidade greco-romana, jamais hou ve, na verdade, a idéia de exigit de alguem uma obediéncia tojal, absoluta,incondicional em relagao a quem quer que fos se. Ora, fss0 foro que efetiwamente ooorreu com 9 surgimento do pastor e do pastorado na sociedade crista. O pastor pode Impor aos individuos, e em funcao de sua propria decisio, ‘sem que houvesse mesmo regras gerals ou leis, sua vontade pols ~ isso ¢a colsa importante no eristianismo ~ nao se obe: Gece para alingir um certo resultado, nao se obedece, por ‘exemplo, para simplesmente adquirir um habito, uma aptdao fou mesmo tim mérito. No cristanismo 0 mérito absoluto € precisamente ser obediente. A obediéncia deve conduzir ao es- {ado de obediencia. Manter se obediente é a condicao funda ‘mental de todas as outras virtudes. Ser obediente em relacio ‘quem? Obedecer ao pastor. Estamos aqui em um sistema de ‘obediéneia generalizada, ¢ a famosa humildade crista ¢ ape- ras a forma, de qualquer modo interiorizada, dessa obedien- ‘ia, Sou humilde: isso significa que aceitarel as ordens de ‘qualquer um, a partir do momento em que elas me forem da- fdas e que eu puder reconhecer nessa vontade do outro ~ eu, {que sou o ultimo dos homens ~ a propria vontade de Deus. Finalmente, erelo que ha aqui alguma coisa que nos con- uzira ao nosso problema do inicio, ou seja, historia da se ‘ualidade: 0 pastorado trouxe consigo toda uma série de ‘enleas ¢ de procedimentos que concerniam a verdade € & ‘produgao da verdade. O pastor eristao ensina —e isso ele se Incl, certamente, na tradicao dos mestres de sabedoria ou dos mestres de verdad. que podiam ser, por exemplo, 0s Mlo~ ‘sofos antigos, 08 pedagogos. Ble ensina a verdade, eleensina a ccscritura, a moral, le ensina os mandamentos de Deus ¢ 08 wandamentos da igreja. Nisso ele € um mestre, porém 0 pas- tor eristao ¢ também um mestre de verdade em um outro sen- {dor por um lado, o pastor eristao, para exercer sua tarefa de pastor, deve saber, € claro, tudo 0 que fazer as suas ovelhas, fudo 0 que faz 0 seu rebanho e cada um dos membros do reba- ‘nho a cada instante, mas ele deve também conhecero interior fo que se passa na alma, no coracao, no mais profundo dos Ssegredos do individuo, Esse conhecimento da interloridade os individuos € absolutamente exigido para o exercicio do pastorado cristao, 70 mene! Foucault Doe © Esertoe © que sigaieaconhecer o interior ds indviduos?Sii- ca que o pastor dispora de meios de analine, de refiexto. de sce doe eps. aber qe cst sere Sbrigado a diter ao seu pastor tudo w que se passa no an desta alma: parielarmente cle sera obriga a secorer, do Ponto de wsta do sew pastor, a essa pates tao expeciien do Ertanimo: coniaao austin ¢ permanente, O cristo deve confessarincessantemente tudo o que se pasea ele a fem que eatara encaregado de dings eu conscinca, © toa conse exattvn val product de aim modo una ‘erdade, que nao em eotamente conticeida pelo pastor: mae {ue tampouco era cones plo propio sujet: € essa ver dade obida plo exame de consclnia,suaconfao, essa produga de verdade que se desenvolve durante a drecao de Conscencn. a dire das amas que ra, de qualquer modo, Constituir a igacto permanente d pastor cont oseurebanho € com cada tm doa membros Go sea Tebano, A verdade, a producan da verdade totrion a producto da verdade sujet ‘tam elemento fundamental no exeretce do pastor ‘hegamos preciaamente agora no problema ds sexual de. Come que se reacionavagcristaniomo quando ee se de- Senvoe partir do seewil ou Il? Hleweelactonava coma Setedade romana que hava incorporado mo essence sta tora, essa moral da monogamia, a sesualiade, da repro- dlugao, de que ies fle. alam dso, 0 catanemo nad Snte de tou melhor, a0 se ado, atts dele~tm modelo de ‘a religosainensa. que eran 20 monaquismo hind, ao ‘monaqulsmo budisa ea dos mone castios que haviam Se ‘pala por td o Onente medterraneo a partir do secule Itt retomando, em uina boa parte, ax pratcassscticas Entre tima sociedade ii que havi inonporado um certo mero de imperativos morals e eae Weal Ge astm Integral 0 Cristanismo sempre hesfow por umn lado, ee tenfow dom ‘ar ntertorear, mas contolando-o ease modelo de ascets- ‘no budlstae por outro, contolando-o para poder digi do Interior essa soetedade evi do pero Romano, "Através de que meio lao ooorrerd? Creo que fl a concep- coda carne — mito diel, lite muito obscira~ que servi, Che perm eatabeceer ea enpecie de equip entre un acelin, que recusava o mundo ewinasetedade ev que Gra wma sociedad late. Creio que ocristantamo encontfou 1978 Semsndade Poder 71 ‘um melo de instaurar um tipo de poder que controlava os ind viduos através de sua sexualidade, concebida como alguma ‘coisa da qual era preciso desconfar,alguma colsa que sempre introdizta no individuo possibilidades de tentacao e de queda. Porém, ao mesmo tempo, nao se tratava absolutamente ~ se ‘nao seeairia em tum ascetismo radical de recusar tudo o que ppudesse vir do corpo como nocivo, como sendo o mal. Bra pre iso poder fazer funcionar esse corpo, esses prazeres, essa Se~ xualidade, no interior de uma sociedade que tinha as suas necessidades, sua organizacao famliar, suas necessidades de ‘eprodugao, Portanto, uma concepeao no fundo relativamente ‘moderada quanto a sexualidade. que fazia com que a carne Crista jamats fosse concebida como 0 mal absoluto do qual era preciso desembaracar-se, mas sim como a perpetua fonte, dentro da subjetividade, dentro dos individuos, de uma tenta ‘que coria orisco de levar o individwo a ultrapassar as I~ ‘mitagoes impostas pela moral corrente, ou seja: o casamento, ‘amonogamia, a sexualidade para a reproducao e a limitagioe ‘a desqualificacao do prazer. Fol, portanto, uma moral moderada entre o ascetismo e a sociedade civil que 0 cristianismo estabeleceu e fez funcionar através de todo esse aparelho do pastorado, mas eujas pecas ‘essenciais bascavam-se em uum eonheelmento, simultanea ‘mente exterior e interior, tum conhecimento meticulosoe deta- Thado dos individuos por eles mesmos ¢ pelos outros. Bm ‘outras palavras, € pela constituicao de uma subjetividade, de luma consciencia de si perpetuamente alertada sobre suas proprias faquezas, suas proprias tentacoes. sua propria car- he € pela constitulcao dessa subjetividade que o erisuanismo ‘onsegult fazer funeionar easa moral, no fundo median, co- ‘mum, elativamente pouco interessante, entre oascetismoe a Sociedade civil. Creio que a téenica de interiorizagao. a técnica ‘detomada de consciéneia, a teenica do despertar de st sobre st ‘mesmo em relacao as suas fraquezas, a0 seu corpo, 2 sua ‘sexualidade, a sua carne, fi a contrtbuigao essencial do crs ‘Yanismo a historia da sexualidade. A carne é a propria subje lividade do corpo, a carne erista é a sexualidade presa no interior dessa suibjetividade, dessa sujelcao do ndividuo a ele ‘mesmo, e este foi o primeira efeito da introducao do poder pas toral na sociedade romana. Creio que € possivel ~ tudo i880 nao passa de uma série de hipoteses, @ claro ~ entender qual 72 mucet Poses Dios ¢ Estos {oo real papel do cristianismo na historia da sexualidade. 'Nao, portanto,interdigao e recusa, mas colocacao em acao de ‘um mecanismo de poder ede controle, que era 20 mesmo tem- ‘po um mecanismo de saber, de saber dos individuos, de saber Sobre os individuos, mas também de saber dos individuos s0- bre eles proprios e em relagio eles proprios, Tudo sso cons titui a marca especifica do eristlanismo, e erelo que é nessa ‘medida que se pode fazer ima historia da sexualidade nas 50- ledades ocidentais a partir de mecanismos de poder. Bis, multo esquematicamente esbocado, 0 quadro do tra- balho que iniciel. Sao hipoteses, nada ¢ certo, ¢ simplesmente ‘um esboco. Voces podem fazer suas observacoes sobre el ‘assim como tantas outras interrogacdes que Voces podem me fazer diretamente. Certamente, se voces tiverem questies a [propor - objepves, sugestoes,erticas, confirmagoes~ eu fea ia radiant, Debate 'S. Hasumt Formular perguntas para 0 Sr. Foucault nio é ‘uma tarefa facil, nao tanto por causa de minha ignorancia ‘nem ce minha Uimidez, Adiiculdade decorre precisamente da propria clareza de suia exposi¢a0. Estamos habituados com essa clareza, gracas aos seus escrito. Em todos 08 seus I+ ros, ele anuncia a cada vez, de uma maneira precisa, de que problema ele val tratar e qual sera o melo que wsara para ana lisa-lo, tentando defini em que condigoes e em que circuns- {tancias seu trabalho se tna necessario, eo que aeabamos de ouvir confirma essa clareza ¢ essa precisao. Ble tomou mais ‘uma vez a precaucao de responder previamente a todas as (questoes e mesmo de anular quase todas as abjecoes que se poderiam formular. Portanto. nao tenho quase nada pata the perguntar, mas, para animar as discussbes que se seguirao, fgostaria de Ihe perguntar apenas o seguinte ‘Na aula inaugural do College de France, crelo me recordar que o Senhor tratou da sexualidade s0b 0 angulo da repressao fu da exclusao: o diseurso da sextalidade era rarefeito, mat cado por interdigdes. Mas a partir de A vontade de saber. 0 se ‘hor trata o discurso da sexualidade nao mals como objeto de repressao, mas sobretudo come alguma coisa que prolifera no 1978- Seminiade «Poder 73 ambito lentifen. A este repo, falasefreqdentemente da mucanga de Michel Foucault. e alguns expernentm uma Cera saitafaho om esta tmidanca "i Pouca oultos que icaram mito descontentes comet "3 Hasunt Pessaimente, no acredito que a8 cosas se passaram dea forna, O sehr nao mio nao abandon “Totes da represeao, porem a questionou de mowo para or. Tula de mado verso a probleta do pode. 1 Foucnate Agradeo he essa questo, que de ft € portant c merecen sr coeeada, rei co Seon 410. Ena melhor mantra poste ‘rere que, exon anda recetes, meee sobre doa ina concepeao do per e dos mecanamos do poder qe tra ura concepeae de quaguer forma Jorden. At anaes Gc tuntl fae? "eo fe neo longe dio, a tenta fi as sto obvamenteandises parca rgmentaran. NSO be tata abelatamente de exabeecer ina teria do pote {ins era gral oper nem deer donde ee proven Ha ‘Solos, e mesmo ta milnioe,exsa guesino fol cloeada no ‘cident, © nao estou seguro de que aa respostan dada t- ‘Shon sido satis, tod cao, o que eno azeré-em tim ne empleo, tomar ao eolaa plo co. Nao: “De onde ‘emo poder, pars onde leva?» mas: or onde ele past, © ono loo ac pase, quale eo tas a rages de poe, de aque modo se podem fescreveralgumia das principal Tae Chen de poder exereidas cm nossa sociedad?” ‘ao entendo, portato, o per no sete do governa, no sentido do Bslada igo ente diferente pessoas ex ua fi Til em uma universade em um quae em om oop tim tna consulta media se extabocem rages de poder {Gals to can, a qu cla conden, como la gam os nl ‘ios, por que els sto suportada,¢ porque et ouros tos, elas nao o asc? Fapaoe, sevoesquiseem, ea nase pelo meio sociale uma ase cmpica, Este €0 primero nto, e ‘Segundo ponto: nao sou o primetro, longe disso, a ter ten- tado: On pecanalisia, Freud e tlfos de seus suceswores, ton parla toda uma ste de pessoas como Marese, Reich Cie tambm no fund tentaram, nao coloear questo dao ge do poder, do fundamento do poder, de sua legitndade 7A dene Fovealt- tose Exes fou de suas formas globais, mas, sim, verficar como isso se ppassava no psiquismo do individuo, no inconsciente do indiv- uo ou na economia de seu desejo, 0 que acorria com as rela ‘bes de poder. O que o pai. por exemplo, vem fazer no desejo {a individue? Como a interdicao, por exemplo, da masturba. ‘eo, ou como as relacdes pat-mae, a distnibuicao dos papeis ec, vem se inscrever no psiquismo das criancas? Portanto les também fazem certamente a analise dos mecanismos do poder, das relacoes de poder pelo meio e empiricamente, 'Porém, o que me surpreendeu é que essas analises sempre consideravam que e poder tinha por funcao e papel dizer nao, ‘nterditar, tmpedir, tracar um limite: consequentemente, 0 po: der Uinha como principal efeito todos esses fenomenos de ‘exclusio, de histericizagio, de obliteracao, de segredos, de ‘esquecimento ou, se voces quiserem. de constitulcae do in- ‘consciente. O inconsclente se constitu certamnente os psica nalistas dirao que estou indo muito répido, mas enfim...~ a ‘partir de uma relacao de poder. Creio que essa concep ott ‘essa idéia de que os mecanismos de poder sto sempre meca= ‘njsmos de proibieao era muito difundida. Basa idea tina, se (quiserem, politicamente, uma vantagem, uma vantagem ime- data e, por isso mesmo, um poueo perigosa, Ja que permitia Azer: "Suspendamos essas interdigoes e depois disso 0 poder ‘era desaparecido; seremos livres quando conseguirmos sus- pender essas interdicoes.” Talvez eja uma coisa que nos faca {rum pouco rapido demas, De qualquer forma, mud a respeito desse pont. Mudel a partir de um estudo preciso que tent fazer. que tentel tornar ‘mals preciso possivel, sobre a prisao e os sistemas de vigh- Tancia © de punicdo nas sociedades ocidentals nos séculos [XVIII e XIX, Sobretudo no final do séctlo XVIIL. Crelo que ve~ ‘mos se desenvolver, nas sociedades oeidentals ~ alas, a0 ‘mesmo tempo que o capitalismo -, toda tuma sérte de proved ‘mentos, toda uma série de teenicas para vigiar, controlar, encarregar do comportamento dos tndividuos, dos seus atos, desta maneira de fazer, de sua localizacao, de sua residéncia, fe suas aptidoes, mas esses mecanismos nao tinham como Fungao essencial proibir. Certamente, eles interditavam e puniam, mas.oobjetivoes- sencial dessas formas de poder ~o que conslitula sua eficacla ‘esolidez era permitr, obrigar os mdividuos a auumentar sa _ 1970- Sesunidad eer 75 eficdeia, suas forgas, suas aptiddes, em suma, tudo aquilo ‘que possibilitasse utiiza-los no aparelho de produgao da fnwvestir nos individuos, situa-los onde eles sa0 ‘mals Utels formé-los para que tenhiam esta ou aquela capaci dade: € seo que se tentou fazer no exéreito, a partir do seculo XVII, quando as grandes diseiplinas foram Impostas, 0 que ‘nao era felto outrora. Os exéreitos ocidentais ndo eram disci plinados ~ eles foram diseiplinados, soldados foram eonveca- os para se exercitar, para marchar em fla, para atirar com fuzis, para manipularo furll desta ou dagquela manera, defor" ‘ma que o exereito tenha o melhor rendimento possivel. Da ‘mesina maneira, voces tem todo tm adestramentto da classe operaria, ou melhor, do que nao era ainda a classe operara, mas trabalhadores capazes de trabalhar nas grandes oficinas, ‘ou simplesmente nas pequenas oficinas familiares ou artesa nals, eles foram habituados a morar em tal ou tal habitacao, a tert sua familia. Voces veem uma producao de individuos, {uma producto das capacidades dos individuos, da produtivt- ade dos individuos: tudo isso fot conseguido através de me- ccanismos de poder nos quais existiam as interdicoes, mas apenas existlam a titulo de instrumentos. O essencial de toda essa diseipinagao dos individuos nao era negativo. ‘Voces podem dizer e avaiar que ela era catastrica, podem colocar todos 08 adjetivos moras e politicos negativos que qui- ‘erem, mas o que quero dizer € que o mecanismo nao era es- Ssencialmente de interdieao, mas sim de producao, era, pelo Contrario, de intensifieacao e de mulliplicacao. A partir disso, ‘me pergunter: sera mesmo que, no fundo, nas sociedades em {ue viveros, o poder teve essenclalmente por forma e por f falidade interditare dizer nao? Os mecantsmos de poder mals fntensamente inseritos em nossas sociedades nao sto aqueles {que chegam a produzir alguma coisa, que conseguem se am pillar. se intensificar? Esta ¢ a hipotese que tento atualmente Aplicar 4 sextalidade, me dizendo: no fundo, a sexualidade € Aparentemente a coisa mals profbida que se pode imaginar ppassamos o tempo protbindo as eriancas de se masturbarem, bs adolescentes de fazer amor antes do casamento, 0s adultos de fazer amor desta ou daquela maneira. com tal ou tal pe ‘soa. O mundo da sexualidade é um mundo altamente sobre- carregado de interdicoes.. ‘Mas me parecen que, nas sociedades ocidentais, essas in terdigoes eram acompanhadas de toda uma produgao muito 76. che Foucault- Deo Escrito {ntensa, muito ampla, de discursos ~ discursos cientifcos discurs0s insttucionais~e, ao mesmo tempo, de uma preocu. pacao, de uma verdadeira obsessao em relagio a sexualidade ‘que aparece muito claramente na moral crista dos séculos XVI XVII. no periodo da Reforma e da Contra-reforma ~obsessao ‘que nao parou ate agora. © homem ocidental = nao set o que acontece na sociedade ‘de vocés ~ sempre considerou a sia sexualidade como a casa fessencial em sua vida. E isto cada vez mais, No século XVI. 0 pecado era por excelencia o pecado da carne. Entao, se a se ualidade era proibida, interdita, votada ao esquecimento, & Tecusa, & denegacao, como explicar um discurso deste tipo, luma tal proliferacao, que haja tal obsessao a respeito da ‘sexualidade? A hipdtese da qual procedem minkas analises ~ «que nao levarei a seu termo, Ja que ela pode ndo ser confirma {da~seria que. no fundo,o Oeidente nao é realmente urn nega dor da sexualidade ~ ele nao a exchui ~ mas sim que cle a {ntroduz, ele organiza, a partir dela, todo um dispositive com plexo no qual se trata da constituigda da individualidade, da ‘subjetividade, em suma, a maneira pela qual nos comporta ‘mos, tomamos consciéncia de nos mesmos. Em outras pala vras, no Ocidente, os homens, as pessoas se individualizam sgracas a um certo niimero de procedimentos,ecrelo que a se ualidade, muito mais do que um elemento do individu que seria excluido dele, ¢ constitutiva dessa Iigacao que obriga as pessoas a se assoclar com sua identidade na forma da subjeti. Nidade. Quanto a famosa clareza da qual falava o Sr. Hasums, tal- vez este seja o preco de querer ser claro... Nao gosto da obseu ridade, porque a considero uma espécie de despotismo: € preciso expor os seus erros: ¢ preciso arriscar a dizer coisas ‘ue, provavelmente. serzo difcels de expressar e-em relagao As quais nos confundimos, nos confunidimos um pouco. © temo ter Ihes dado a impressao de haver me confuncdide, Se ‘ots iveram essa impressao ¢ porque, de fato, me confundi! 1979 £ Inutil Revoltar-se? “ino revoir o¢? Le monde 10.961, 1-12de mao de 1979, p.2 “Para que o x se va. estamos prontos para morrer aos mi tharee", ditam os tranianos no verao passad, E o alata, recentemente: “Que o ra sangre, para que a revolugao se for taleca Eatranho eco entre essas frases que parecem se encadear CO horror da segunda condena a embriaguez da primeira? ‘As insurrelebesperencem historia Maa, de era forma, tne excapam. O movimento com que un so home. grupo, ‘ima minors ox tod im powo dls -Naoobedec male oeh ‘ht cara de wn poder que ele considera injustoo rico de a ‘ia esse movimento me parece redutive. Porque nenhm poder €capar de tornd-loabeoiatamente mposate:Varsova {era sempre aeu gucto aublevado e seus eagotos povoados de ‘nmirrectos. E porque o homem que se rebela€ em definitiv0 sem expieaga,¢ preciso um dlaceramento que nerrompa 0 fo da histria ¢ sas longas eadetas de raes, para que tm hhomem poss, “realmente prefer orisco da morte 8 certeza deter de obeicer ‘Todas as formas de Uerdade adquirdas ou reivindicadas toxon on rts exeridos, mesmo quando se trata da ols parentemente menos importantes, tem all sem didi tine panto de sustentagao, mals lide e mala peéxim do ‘ue os ‘dirltos naturals” Se as sociedades se mantemn e vi. ‘em, ito € se os seis poderes nao sto “absolutamente abso Titoo" € porgue, por tras de todas as acettagese coeroes thats ale das ameagas, volenciane persuasdes, ha poss Ide desse momento em que nada mals se permuta na vida, fem que os poderes nada mals podem e no qual, na presenga dos patibalose das metralhadoras, os homens se nsurgem:

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