Você está na página 1de 14
1 A diferenciagao entre avaliagdo psicolégica e testagem psicoldgica: quest6es emergentes Josemberg Moura de Andrade Hemerson Fillipy Silva Sales Considerando o seu objeto de estudo, pode- -se assinalar que a Psicologia é uma ciéncia sus- ceptivel a mal-entendidos. Nas ciéneias da natu- reza, por exemplo, nao se questiona qual autor embasa uma medida de comprimento. © com- primento, tal como a massa, 0 tempo e a corren- te elétrica simplesmente possuem unidades-base especificas, a saber, quilograma, o segundo ¢ 0 ampere, respectivamente (Pasquali, 2013). J na Psicologia ~ cigncia que estuda o comportamen- to humano — nao € possivel identificar unidades- -base para avaliar, por exemplo, personalidade, inteligéncia, meméria, entre outros construtos. Neste contexto, é habitual que existam confu- ses de terminologias ¢ conceitos, bem como falta de esclarecimentos sobre as praticas profis- sionais dos psicélogos. Considerando essa pritica profissional, os termos “avaliagdo psicoldgica” ¢ “testagem psi- coldgica” so, muitas vezes, utilizados como sindnimos. Observa-se certa confusio mesmo entre os psicélogos jé atuantes no mercado de trabalho, © que pode sinalizar uma formacio académica deficiente dos cursos de graduacao em Psicologia, Como assinalam Cohen, Swerdlik ¢ Sturman (2014), € surpreendente que a distin- Gio entre avaliagdo psicolégica e testagem psi- colégica continue confusa até mesmo em alguns manuais publicados. A origem dessa confusio pode ser creditada & forma como se originou a avaliacdo psicolégica, tendo em vista que esta surgiu vinculada a uma de suas aplicacées préticas, a saber, o desenvol- vimento dos testes psicolégicos. Nao menos im- portante, é 0 fato de que, no passado, a avalia- io psicol6gica era limitada a utilizagao de testes isolados, nao sendo considerado seu contexto de aplicag4o, ou mesmo a necessidade de adaptacao das medidas as normas locais (Reppold, 2011). A. confusio se dé na medida em que o psicélogo, a partir da aplicagéo de um iinico teste ou alguns testes, objetiva fazer inferéncias ou prever com portamentos de forma descontextualizada, Deve- -se esclarecer, da forma mais explicita possivel, que a avaliacao psicolégica nfo se resume & apli- cagio e correcio dos testes psicolégicos. Por ou- ‘10 lado, os testes so agregados ao processo de avaliagéo psicolégica para se obter informagées sobre 0 psiquismo do individuo (Anache, 2011). Para dirimir algumas ciividas presentes na frea da avaliagao psicoldgica, no ano de 2013, 0 Conselho Federal de Psicologia (CEP), em par- ceria com os conselhos regionais, langou a “Car tilha de Avaliacdo Psicolégica”, a qual diferencia ‘os termos “avaliagao psicolégica” ¢ “testagem: psicolégica”. Na referida cartilha, a avaliagio psicolégica é entendida como um processo am- plo que envolve a integracio de informagées ee Josatrg Mourad Ana oHomeren provenientes de diversas fontes e técnicas psi- colégicas, dentre clas, testes, entrevistas, obser- vagdes € andlise de documentos. Nesse mesmo sentido, Alchieri ¢ Cruz (2010) assinalam que a “avaliagio psicol6gica se refere ao modo de conhecer fendmenos e pracessos psicol6gicos por meio de procedimentos de diagnéstico e rognéstico e, a0 mesmo tempo, aos proce: mentos de exame propriamente ditos para criar as condigdes de afericio ou dimensionamento dos fendmenos e processos psicolégicos conhe- cidos” (p. 24). A testagem psicolégica, por sua vex, & en- tendida como uma etapa especifica do proceso de avaliacio psicolégica, cuja principal fonte de informagao diz. respeito as informagées obtidas pela aplicagio dos testes psicol6gicos de diferen- tes tipos (CFP, 2013). Um teste, especificamen- te, € um meio padronizado para obtencéo de uma amostra de comportamentos (Allen & Yen, 2002), Em outras palavras, so considerados tes- tes psicolégicos os instrumentos ou a mensura- gio sistematizada que visa avaliar as caracterist cas psicolégicas dos individuos. Entre os diferen- tes tipos de testes ow instrumentos psicolégicos pode-se citar os testes e inventérios psicomé- tricos, técnicas projetivas e técnicas expressivas grificas, Ressalta-se que a avaliacio psicol6gica € uma pritica exclusiva do profissional de psico- logia e, a0 longo da sua historia, contribuiu para a insergao dos(as) psic6logos(as) em diferentes contextos, tais como o educacional, hospitalar, prisional, organizacional, transito etc. (Barroso, Scorsolini-Comin & Nascimento, 2015). Considerando a origem dos testes psicolé- gicos ¢ da avaliacdo psicolégica, suas raizes po- dem ser encontradas na Franca, nas primeiras décadas do século XX. Em 1905, Alfred Binet € ‘Theodore Simon publicaram a primeira versio da Escala Binet-Simon de Inteligéncia— um teste desenvolvido para identificar criangas com “re- tardo mental” (termo utilizado na época) e, as- sim, orientar a insercio dessas criancas em clas- ses apropriadas das escolas de Paris. No perfodo de uma década, uma versio do teste na lingua inglesa foi desenvolvida para ser utilizada em escolas dos Estados Unidos (Cohen et al.; 2014). Na primeira grande guerra mundial, em 1917, os Estados Unidos precisavam de uma maneira répida de selecionar grandes ntimeros de recrutas em relagao a problemas intelectuais © emocionais. Foi nesse momento que a testa- gem psicolégica foi empregada: a partir da apli- cacao de testes foram selecionados os recrutas mais aptos (Cohen et al., 2014). Aqui a testa- gem psicolégica foi empregada indistintamente como avaliagao psicolégica, Durante a segunda grande guerra mundial, os militares dos Estados Unidos também dependiam dos testes para se- legéo dos recrutas. Com o término da guerra, novos testes foram desenvolvidos néo apenas pata mensurar inteligéncia, mas também outros construtos como personalidade, desempenho no trabalho, funcionamento mental, entre outros (Cohen et al., 2014). Atualmente, alguns aspectos sustentam essa problemitica referente & diferenciacao entre avaliagéo psicolégica e testagem psicolégica. A formacio em Psicologia parece ser uma questéo central. Como assinalam Nunes et al. (2012), ‘esse problema jé advém da propria base de for- magdo dos estudantes de Psicologia que, muitas vezes, tem seu primeiro contato com a avaliaggo psicolégica por meio de um conjunto de disci- plinas com denominagdes distintas, que variam de acordo com a instituigéo formadora, mas que apresentam contetidos programaticos similares. Este capitulo, de caréter introdutério, se propée a discutir as diferencas entre a érea da avaliagao psicolégica ¢ a testagem psicolégica, lipy Siva Sales T j tis | 1 Adiferenciagao entre avaliagao psicolégica o festagom psicolégica: questdes emergentes ccsomenat considerando seus aspectos conceituais e ques- tes emergentes. Avaliagdo psicolégica A avaliaco esté presente em varias instan- cias da acdo humana (Mello et al., 2001). A avaliagéo psicolégica, especificamente, tem re- cebido grande atengio, sobretudo, no contexto internacional (Primi, 2005, 2010). No ambito nacional sio percebidos esforcos de pesquisado- res no sentido de sistematizar ¢ compilar os co- nhecimentos ja existentes, bem como de realizar estudos a fim de corroborar ou refutar pesquisas ptévias (Andrade, 2008). Como exemplos des- ses esforgos, pode-se citar as obras de Alchieri (2007), Ambiel, Rabelo, Pacanaro, Alves e Leme (2011), Hutz (2010, 2012), Noronha, Santos & Sisto (2006) e Santos, Sisto, Boruchovitch e Nas- cimento (2010), De acordo com a Resolugao do CFP n. 007/2003, a avaliagao psicoldgica deve ser com- preendida como um processo técnico-cientifico de coleta de dados, estudo e interpretagio de informagées a respeito dos fendmenos psico- légicos, que s4o resultantes da relagéo do indi- viduo com a sociedade. Para isso, 0 psic6logo deve utilizar determinadas estratégias, entre elas métodos, técnicas ¢ instrumentos, para realizar tarefas avaliativas, Os resultados dessa avaliagio devem considerar e analisar os condicionantes histéricos e sociais e seus efeitos no psiquismo (CFP, 2003). Varios aspectos chamam atengio nessa concepgio de avaliagéo psicolégica, en- tre eles, o entendimento da avaliagéo psicol6- ica enquanto proceso que deve ser dinamico tal como a psique humana. Também se destaca © carter integrador que deve permear a avalia- io psicol6gica, nma vez. que seu resultado deve refletir aspectos hist6ricos, sociais e culturais do individuo avaliado. Como ressaltam Gaudéncio, Andrade ¢ Gouveia (2013), 0 processo de ava- liagdo psicolégica deve servir como instrumento para atuar sobre os individuos, modificando as possiveis visées cristalizadas que venham preju- dicar estes individuos ou grupos, sendo necessé- rio levar em consideragéo os diferentes momen- tos do processo. Segundo a Cartitha de Avaliacao Psicol6gica, compete ao psicélogo planejar e realizar o pro- cesso avaliativo com base em aspects técnicos € teéricos. A selecio do niimero de sess6es para a sua realizagéo, das questées a serem respondi- das e quais instrumentos ou técnicas de avaliacao devem ser utilizados sera baseada nos seguintes elementos: (1) contexto no qual a avaliacdo psi- colégica se aplica; (2) propésitos da avaliagao psicolégica; (3) construtos psicolégicos a serem investigados; (4) adequacao das caracteristi- cas dos instrumentos/técnicas aos individuos grupos avaliados e; (5) condigdes técnicas, me- todolégicas ¢ operacionais do instrumento de avaliacdo. Ao final, também cabe ao psicélogo analisar os resultados obtidos de forma critica com 0 objetivo de verificar se estes forneceram elementos seguros ¢ suficientes para a tomada de decistio nos contextos de atnacio do psicélogo (CEP, 2013). Para Nunes et al. (2012), a avaliagdo psico- légica deve ser um componente curricular obri- gat6rio em qualquer curso de Psicologia, tendo em vista que esta € necessiria antes de toda e qualquer intervenco psicolégica. O CFP (2013) enumera 27 competéncias bdsicas em relagdo & avaliagdo psicoldgica que o estudante do curso de Psicologia deve desenvolver ao longo de sua formagéo. Tais capacidades remetem a conheci- mentos mais essenciais da avaliagao psicolégica como histérico do paciente, questées éticas ¢ legislagdo envolvida, bem como questées mais técnicas do processo de avaliagio como plane- jamento, entrevista, estabelecimento de rapport, fundamentacéo dos resultados, elaboracio de laudos, comunicacao dos resultados e realizagio ou sugestdo de intervencdes. Ter conhecimento dos testes (ex.: pardmetros psicométricos e fun- damentacio teérica) e saber administré-los (ex. corrigir, interpretar € redigir seus resultados) também sao competéncias fundamentais citadas. Siqueira ¢ Oliveira (2011) propéem que um processo de avaliacao psicolégica, independen- temente do tipo de avaliagdo desenvolvida e do campo de atuacio da Psicologia em que se reali- ze, seja caracterizado pelas seguintes etapas: (1) recebimento da demanda (solicitagio, queixa, pedido, motivo, entre outros)s (2) caracterizagéo do objeto de estudo (individuo, grupo ou organi- zaco); (3) andlise da demanda ~ esclarecimento sobre 0 fendmeno psicolégico a ser avaliado ¢ Jevantamento inicial das hipéteses; (4) definigéo do objeto da avaliacio; (5) definigao do tipo de avaliagio a ser utilizada; (6) elaboragio do pla- nejamento técnico, ou seja, estabelecimento de um método e escolha das estratégias mais ade- quadas a serem utilizadas. Estratégias so aqui entendidas como todo o referencial redrico de que 0 psicélogo dispée para o desenvolvimento de um procedimento de conhecimento: entrevis- ta, observacio, testes psicolégicos, dindmica de grupos etc,; (7) enquadramento/contrato de tra- balhos (8) aplicacao do piano estabelecido; (9) levantamento, andlise e interpretagao dos dados obtidos a partir das diferentes técnicas; (10) inte- gtagao dos resultados dos instrumentos ¢ técni- cas; (11) elaboragao de enquadramento teérico correlacionado aos resultados analisados; (12) elaboragio de sintese conclusiva do processo de Josemberg Moura de Andrade e Hemerson Filipy Siva Sales avaliagio ¢ elaboragao de documento conclusive de avaliagio realizada; (13) escolha de procedi- mentos adequados para a devolucao dos resulta- dos ¢; (14) devolucao dos resultados. As etapas elencadas por Siqueira e Oliveira (2011), de fato, caracterizam a avaliagao psico- légica enquanto um processo e nao como uma atividade isolada. Entre essas etapas destaca-se © fato de que uma avaliacdo psicolégica requer um planejamento prévio ¢ cuidadoso, conside- rando a demanda ¢ 0s objetivos aos quais se destina, Igualmente relevante é o fato de que os resultados obtidos a partir das diferentes técni- cas psicolégicas devem ser confrontados e inter- relacionados. Assim, os resultados obtidos dos inventérios psicométricos devem ser relaciona- dos, por exemplo, com as informagées obtidas na entrevista psicolégica e nas técnicas projeti: vas e expressivas. & de suma importancia que a avaliagio seja contextualizada, considerando os determinantes biopsicossociais dos individuos. Uma questio que também merece destaque €a elaboracio de documentos provenientes de avaliagdes psicoldgicas. A Resolugio do CFP n, 007/2003 institui o Manual de Elaboragio de Documentos Escritos produzidos pelo psicélo- 0, decorrentes de avaliacio psicolégica. O re- ferido manual dispde dos seguintes itens: princi- pios norteadores; modalidades de documentos; conceito/finalidade/estruturas validade dos do- cumentos; ¢ guarda dos documentos, Nos prin- cfpios técnicos € assinalado que os psicélogos, a0 produzirem documentos escritos, devem se bascar exclusivamente nas técnicas psicol6gicas {entrevistas, testes, observacées, dinamicas de grupo, escuta, intervengbes verbais) que possain subsidiar a coleta de dados, estudos e interpreta- ges de informagoes a respeito da pessoa ou gru- po avaliado. Destaca-se também o fato de que a 2 ee 1 Adlrendeto ante avaiato pila eestgom pole: ques emerseice lie iis aaa linguagem dos documentos produzidos deve ser precisa, clara, intelig(vel, concisa, apresentando total correo gramatical, O documento produ- ido pelo psicélogo deve restringir-se as infor- macées que se fizerem necessérias, recusando ‘qualquer tipo de consideragao que nio tenha re- Jago com a finalidade do documento especifico ¢ objetivo da avaliacao. Entre as modalidades de documentos tem-se a declaragao, atestado psico- légico, relat6rio ou laudo psicolgico e parecer psicolégico (CFP, 2003). Em relago aos aspectos éticos, € necessério que 0 psicélogo se mantenha atento a alguns principios bésicos que regem 0 uso da avalia- Gio psicologica, Entre eles, pode-se citar: (1) 0 psicdlogo deve atuar de forma responsavel, bus- cando 0 continuo aprimoramento profissional, para que, dessa forma, possa contribuir para o desenvolvimento da Psicologia enquanto ciéncia do conhecimento e pratica; (2) utilizar, no con- texto profissional, somente testes que tenham obtido parecer favorvel do CFB estando por isso, listados no Sistema de Avaliagio de Tes- tes Psicolégicos (SATEPSI); (3) utilizar apenas instrumentos psicolgicos para os quais tenha qualificacéo; (4) realizar a avaliagio psicolégica em ambientes adequados, com o objetivo de as- segurar a qualidade e 0 sigilo das informagdes obtidas; (5) guardar os documentos referentes 4 avaliagdo psicoldgica em arquivos seguros ¢ de acesso controlado; (6) disponibilizar as infor- magées da avaliagao psicolégica somente aque- les que tenham o direito de conhecé-las e; (7) proteger a integridade dos testes, buscando nao comercializé-los, divulgé-los ou ensiné-los Aque- les que nao sao psicélogos (CFP, 2013). A avaliagSo psicolégica é capaz de fornecer informagoes relevantes para o desenvolvimento de hipéteses e prognésticos, por parte dos psi- e6logos, que levem A compreensio das carac: teristicas psicolégicas da pessoa ou de um gru- po espectfico, Essas caracteristicas mencionadas podem se referir, por exemplo, & forma como as pessoas irdo desempenhar uma determinada atividade no contexto organizacional, & qualida- de das interagées interpessoais que clas apresen- tam, dentre outras. Em muitas situagdes busca-se prever comportamentos futuros. Dependendo dos objetivos da avaliagao psicolégica, a com- preensio poderd abranger aspectos psicolégicos de natureza diversa, Ressalta-se que a qualidade do conhecimento alcancado esta diretamente re- lacionada a escolha das técnicas ¢ instrumentos psicolégicos que maximizem a qualidade do pro- cesso de avaliacao psicol6gica (CFR 2013), Assim, é importante reafirmar a necessidade de integracio das diferentes técnicas psicol6gicas em um processo de avaliacao psicolégica. E co- mum o psicdlogo privilegiar um tipo de técnica em detrimento de outra. Por exemplo, nao é dicado utilizar apenas técnicas grficas expressi- vas ¢ desconsiderar os inventérios psicométricos, ou vice-versa, Por mais que o psicélogo sinta-se capacitado para utilizar exclusivamente um tipo de técnica, ele deve se capacitar para utilizar com adequada competéncia as técnicas que utili- za.com menor frequéncia, Isso fica evidente, por exemplo, por meio da Instrugio Normativa do Departamento de Policia Federal (DPF) n. 70 de 13/03/2013, Revogado pela Instrucao Normati- va DPF n. 78 de 10/02/2014, quando assinala que a bateria de instrumentos de avaliagio psico- 6gica utilizada na aferigao das caracteristicas de personalidade e habilidades especificas dos usué- rios de arma de fogo ¢ vigilantes deverd conter, no mfnimo: um (01) teste projetivo; um (01) teste expressivo; um (01) teste de meméria; um (01) teste de atencao difusa e concentrada; um (01) teste de questionario, inventario ou escalas ¢ uma (01) entrevista estruturada (CFP, 2013). Apesar de a avaliagio psicol6gica ser um pro- cedimento amplo de coleta de dados, cuja reali- zacio envolve métodos e téenicas padronizadas advindos de fontes de informagdes diversas, ressalta-se que esse processo tem um limite em relacdo ao que é possivel alcancar e prever (Go- doy & Noronha, 2005). Quando se fala em mél- tiplas fontes de informacio, faz-se mengio aos diferentes atores que se deve investigar em um processo de avaliacéo psicolégica. Por exemplo, nos casos de hipétese de Transtorno de Déficit de Atencio e Hiperatividade (TDAH), faz-se ne- cessdrio utilizar técnicas de avaliacao psicolégica ‘do apenas com a crianca, mas, sobretudo, deve- -se utilizar a entrevista psicolégica para obter informagées de professores, dos genitores ¢ dos familiares. Essas informacées obtidas devem ser inter-relacionadas a fim de se chegar a um diag- néstico € prognéstico mais fidedigno. Como 0 comportamento humano é multideterminado, 6 praticamente impossivel entender e considerar todas as nuangas e relagbes a ponto de preve- -lo deterministicamente e precisamente. Deve-se combater o pensamento de que por meio da ava- liagdo psicol6gica o psicélogo responders a qual- quer tipo de questionamento. Ressalta-se, no entanto, que avaliagées embasadas em métodos cientificamente sustentados chegam a respostas mais confidveis e vélidas do que opinides leigas no assunto (CFP, 2013). Testagem psicolégica DeacordocomaResolugao CFP n, 005/2012, os testes psicol6gicos sio procedimentos siste- miticos de observacdo e registro de amostras de Josemberg Moura de Andrade e Hemerson Filipy Silva Sales © objetivo de descrever e/ou mensurar caracte- tisticas € processos psicolégicos, compreendi- dos tradicionalmente nas areas de emogio/afeto, cognicio/inteligéncia, motivagio, personalidade, psicomotricidade, atengao, meméria, percepcio, dentre outras, nas suas mais diversas formas de expresso, segundo padrdes definidos pela cons- ttugio dos instrumentos (CEP, 2012). Nesse mesmo sentido, no livro Introduction to Measu- rement Theory, Allen e Yen (2002) assinalam que um teste é um meio para obter amostras do com- portamento individual, sendo os itens dos testes amostras de comportamento que sio utilizados para fazer inferéncias sobre construtos ~ fen6- ‘menos néo observados diretamente. Ressalta-se que na Psicologia e Educagio, construtos sio os atributos (caracteristicas) de individuos que sto avaliados por meio de testes de desempenho, inventérios ¢ observacio (Stenner, Smith III & Burdick, 1983). Os construtos séo caracterfsticas psicolégicas que nao podem ser observadas dire- tamente da mesma forma que os objetos fisicos. O uso dos testes tem se tornado muito co- mum em clinicas, escolas, organizacées e em uma mitiade de contextos, tais como, avaliagio para psicodiagnéstico, condugio de vefculos, manu- seio de arma de fogo, selecao de pessoal, orien- tagio profissional ete. E dificil imaginar alguém que nao tenha passado por um processo de testa- gem. Todavia, infelizmente, muitos testes sao ela- borados, administrados ¢ interpretados por pro- fissionais com formagéo académica deficiente. No Brasil isso nao é diferente. Em uma série de pesquisas (Noronha, 2002; Noroinha & Alchieri, 2004; Noronha, Baldo, Bardin & Freitas, 2003; Noronha, Nunes & Ambiel, 2007) tem sido dis- cutido 0 conhecimento dos estudantes de Psico- logia e psicélogos acerca da avaliacao psicolégica comportamentos e respostas de individuos com _e dos instrumentos psicol6gicos. Fica evidente a cas, | i sii falta de preparo para utilizaco de tais instrumen- tos psicolégicos, bem como o desconhecimento desses profissionais em relacdo aos processos de elaboracio, validacdo e interpretagao dos resulta dos. Como assinala Noronha (2002), € necessé- rio 0 estabelecimento de parametros especificos para a formacéo na 4rea de avaliacao psicol6gica. Mais do que isso, é necesséria uma conscientiza- ‘glo de que, quando utilizados de forma correra, 0s testes fornecem importantes informagGes que podem orientar as decisdes dos profissionais nos mais variados contextos. De acordo com o Standards for Educational and Psychological Testing (AERA/APA/NCME, 1999), 0 uso adequado dos testes psicoldgicos pode resultar em decisdes mais prudentes so- bre individuos, grupos ou programas. Por outro lado, o uso inapropriado dos testes pode causar danos considerdveis € muitas vezes irreversiveis na vida dos individuos avaliados ¢ outras partes envolvidas na testagem. £ assinalado que um tes- te € definido como um dispositivo avaliativo ou procedimento em que uma amostra de compor- tamento de um examinando em um dominio es- pecifico € obtido e, subsequentemente, represen- tado por meio de um escore. Para que isso seja possfvel é necessatia a utilizacéo do processo de normatizacao. Quando se fala em normatizacio faz-se referéncia as normas dos testes. Cohen et al. (2014) referem-se & normatizagao como uma forma de extrait significado dos escores dos tes- tes a partir da comparacio do escore bruto de um testando individual com os escores de um grupo de testandos — 0 grupo normativo. Essa comparaco é essencial para que o escore bruto obtido na aplicagéo dos testes nao soja um niime- ro sem nenhum significado. Ainda, no Standards for Educational and Psychological Testing (SERA/APA/NCME, 1999) 4 Aalferenciagao entre avaliagao pslcotigica ¢testagem psicoldgica: uestdes emergentes @itetasaaae saunas € assinalado que enquanto o termo teste € comu- mente utilizado para instrumentos cujas respostas so avaliadas como certas ou erradas, os termos escalas ou inventérios si0 comumente utilizados para a medigéo de atitudes, interesses e valores, cujas respostas no podem ser consideradas cer- tas ou erradas. Ressalta-se, no entanto, que, por instrumentos ou testes psicol6gicos, entendem-se tanto os testes quanto os inventarios ¢ escalas, bem como as técnicas projetivas e expressivas. Os testes podem diferir em relagio a varios aspectos: a forma ou material nos quais o tes- te é apresentado (lapis ¢ papel, administragéo oral, computadorizados, entre outros); 0 grau em que os materiais de estimulos so padroni- zados; ou mesmo o tipo do formato de respos- ta (cubjetiva ou objetiva; AERA/APA/NCME, 1999). Pasquali (2010), por exemplo, propoe uma nova taxonomia dos testes psicolégicos na qual utiliza como critério para diferencié-los as diferentes técnicas de construgio e formas de aferir seus pardmetros psicométricos. © mesmo diferencia os testes em seis tipos: (1) os testes referentes a critério, que sio medidas construi- das para diferenciar grupos distintos em relagio Aquilo que o teste pretende medir; (2) testes re- ferentes a construto, instrumentos que partem de teorias psicolégicas; (3) testes referentes a contetido, verificam se os sujeitos atingem ou no um dado critério previamente definido, néo visando discriminar sujeitos nem. mesmo me- dir tragos latentes; (4) testes comportamentais, que consideram exclusivamente comportamentos observaveis ¢ os estimulos ambientais; (5) levan- tamentos ou surveys, delineamento de pesquisa que objetiva coletar informagées variadas sobre 6s participantes; e (6) as novas tecnologias, que so formas de coleta de dados realizadas com 0 auxilio do computador. Ainda, em relacdo as diferentes taxonomias, Cohen et al. (2014) questionam até que ponto a dicotomia testes objetivos/psicométricos e testes projetivos/subjetivos & significativa. Os autores assinalam que testes objetivos, normalmente, possuem itens de resposta no qual a tarefa do avaliando é selecionar uma resposta das duas ou mais possiveis. Toda a pontuacio ¢ feita de acor- do com procedimentos estabelecidos envolvendo pouco ou nenhum julgamento da parte do ava- liador. Esta seria justamente uma das vantagens dos testes objetivos: independente do avaliador, 605 resultados de um avaliando em um teste de- vem ser sempre os mesmos. J4 um teste projeti- vo é aquele no qual o avaliando supostamente “projeta” em algum estimulo ambiguo suas pré- prias necessidades, seus medos, suas esperancas ¢ sua motivagio. O estimulo ambfguo, nesse caso, pode ser uma mancha de tinta, um desenho, uma fotografia ou outco tipo de estimulo. Talvez 0 mais conhecido de todos os testes projetivos seja © Rorschach, desenvolvido pelo psiquiatra suico Hermann Rorschach. As suposigdes inerentes a testagem projetiva so: (1) toda resposta fornece significado para a anélise da personalidade; (2) existe uma relagdo entre a forca de uma necessidade e sua manifes- taco em instrumentos projetivos; (3) os avalian- dos nao tém consciéncia do que estio revelando sobre si mesmos; ¢ (4) existe um paralelo entre ‘comportamento obtido em um instrumento pro- jetivo e comportamento exibido em situacées sociais. As criticas feitas aos testes projetivos s4o justamente a falta de estudos psicométricos mais robustos de fidedignidade e validade (Cohen et al., 2014), Ainda, como a interpretagiio dos re- sultados dos testes projetivos é subjetiva, eles no tém um alto grau de confiabilidade ou validade, uma vez que diferentes avaliadores podem che- Josemberg Moura de Andrade e Hemerson Filipy Siva Sales gar a diferentes conclusdes a partir de um mes- ‘mo protocolo (Friedman & Schustack, 2004). A capacitagio e treinamento dos avaliadores na interpretacéo dos resultados parece ser uma das solug6es para minimizar essa problematica. Os testes so utilizados como ferramentas em uma variedade de situagées de avaliacio, tais, como: mudangas de desenvolvimento no indivi- duo durante seu ciclo vital, eficdcia relativa de diferentes procedimentos educacionais, psico- tetapia, selecdo profissional, impacto de pro- gramas comunitdrios, influéncia das varidveis ambientais sobre o desempenho humano, entre outras (Anastasi & Urbina, 2000). Como assina- la Primi (2005), a eficdcia dos testes psicol6gicos esti diretamente relacionada a quantidade de informagées disponiveis sobre como interpreta- -los, resultante de pesquisa cientifica acumulada, No entanto, os dados de pesquisas, por si s6, no sto suficientes. As pesquisas precisam ser funda- mentadas teoricamente e apresentar resultados satisfatérios. Nesse contexto, ressalta-se a ne- cessidade de estudos normativos com amostras representativas de todo o Brasil. E uma prdtica recorrente os estudos de normatizagéo serem realizados com amostras de conveniéncias locais. Isso dificulta ou mesmo impossibilita compara- ‘gGes dos avaliandos com 0 grupo de referéncia normativo, A medida que novas pesquisas sio operacionalizadas, mais informag6es séo dispo- nibilizadas para a comunidade académica sobre as evidéncias de validade dos novos instrumen- tos. Importante destacar que as discussées das pesquisas referentes a tais instrumentos devem sempre levar em consideragdo o referencial te6- rico a partir do qual os instramentos psicol6gi- cos foram desenvolvidos. De acordocoma Resolugao CFP n. 002/2003, para que um teste psicolégico esteja em condicdes nes- 04), sna das ntas tais livi- ico- sr0- veis ntre ina- icos de ets ida, nao a scenes eaneea 4 Adlforenciagao entre avaliagao psicologica testagem psicoldgica: questoes emergentes Gime Eien | gmuuumas de uso, este deverd atender aos requisitos técni- cos e cientificos ¢ também a alguns requisitos éti- cos € de defesa dos direitos humanos. Sio eles: 1 — Considerar os principios e artigos previstos no Cédigo de Etica Profissional dos Psicélogos; Il ~ Considerar a perspectiva da integralidade dos fenémenos sociais, multifatoriais, culturais ¢ historicamente construidos; e Ill ~ Considerar os determinantes socioeconémicos que interfe- rem nas relagdes de trabalho € no proceso de exclusao social e desemprego (Redacao dada pela Resolugao CFP n. 005/2012). Conforme jé referido, para a escolha de um teste como instrumento de avaliacdo psicolégica, 6 fundamental que o psicélogo consulte o Siste- ma de Avaliacio de Testes Psicol6gicos (SATEP- SN), dispontvel no site do CFP (www.efp.org.br). Deve-se identificar se o instrumento foi aprova- do para uso em avaliacao psicolégica. Em caso afirmativo, ele deverd entio consultar 0 manual do referido teste, de modo a obter informacées adicionais acerca do construto psicolégico que ele pretende avaliar, identificando os contextos e propésitos para os quais sua utilizagao se mostra adequada. E importante ressaltar que a simples aprovacao no SATEPST nao significa que o teste possa ser usado em qualquer contexto ou para qualquer propésito (CFP, 2013). Assim, é indis- pensivel verificar se o teste escolhido é aplicavel a uma determinada amostra a qual o examinan- do se assemetha (Leite, 2011). Por exemplo, um teste elaborado e validado para o contexto de selegio de pessoal nio pode ser utilizado em contexto clinico, a ndo ser que novos estudos de validacdo sejam realizados. Similarmente, testes elaborados validados para aplicagao individual nao podem ser aplicados em grupo. A testagem psicolégica, em si, ndo permite inovagdes meto- dolégicas que nio estejam contidas nos respecti- vos manuais dos testes. Na Resolugo CFP n. 002/2003 foram des ctitos cinco propésitos mais comuns para 0 uso dos testes, sio eles: (1) descrigfo ~ analisar ou interpretar os resultados do instrumento para entender as forgas ¢ fraquezas de um individuo ‘ou grupo; (2) classificagao diagnéstica — analisar on descrever o resultado do instrumento em re Jagéo a um sistema taxonémico especifico para se chegar a um diagnéstico; (3) predigio — rela~ tar ou interpretar os resultados do teste consi- derando-os para prever outros aspectos ¢ carac~ teristicas do comportamento de individuos ou grupos; (4) planejamento de intervengées ~ uti- lizar os resultados do instrumento para avaliar quo apropriadas sio as diferentes intervengdes. ea sua eficacia para o pablico alvo em questo; ¢ (5) acompanhamento — usar os resultados do ins- trumento para monitorar caracteristicas psicol6- gicas ao longo do tempo. Além disso, também sdo mencionados os seguintes contextos de apli- cago: Psicologia Clinica, Psicologia da Satide e/ ou Hospitalar, Psicologia Escolar e Educacional, Neuropsicologia, Psicologia Forense, Psicologia do Trabalho e das Organizagées, Psicologia do Esporte, Social/Comunitéria, Psicologia do ‘Trén- sito, orientagdo ¢ ou aconselhamento vocacional e/on profissional, entre outras (CFB, 2003). Especificamente, a pratica de aplicagio de testes no contexto do transito 6 talvez a forma de empregar 0 uso de medidas em avaliacao psico- J6gica mais conhecida pela populacao em geral. Esta objetiva prever comportamentos inadequa- dos a partir de variéveis psicolégicas levantadas pelos testes. Estudos de validade de critério ‘mostra que as variaveis medidas nesses tes- tes podem prever comportamentos importantes nessa situagdo (CFP, 2013). Rueda (2011), fazen- do mengio A Resolucio n. 267 do CONTRAN, assinala que na pritica as caracterfsticas avalia~ das para a obtengéo da Carteira Nacional de Ha- bilitagéo (CNH) so a personalidade, a atencéo, a inteligéncia e a meméria. A entrevista psicolé- ica também deve ser realizada como parte in- tegrante do processo avaliativo, Os autores do presente capitulo consideram que a avaliagao psicolégica no transito, especificamente, é uma rea emergente que requer contribuig6es urgen- tes relacionadas & avaliagdo e testagem psicold- gica. Nesse caso, espera-se, a partir da avaliacao psicol6gica, reduzir comportamentos de risco no ‘transito que venham causar problemas para 2 so- ciedade como um todo. Consideragées finais Independente do seu campo de atuagéo ou abordagem tedrica € notadamente importan- te 0 psicélogo ter conhecimento de avaliagto psicol6gica (Siqueira & Oliveira, 2011), Assim € indispensdvel saber diferencié-la de suas téc- nicas, particularmente da testagem psicolégica que, como se péde perceber, é uma das etapas da avaliagio psicol6gica. A testagem psicol6gi- ca ndo é suficiente para avaliar um sujeito, uma vez que para isso deve-se levar em consideragao © contexto, ponderando inchisive os seus deter- minantes biopsicossociais (Reppold & Serafini, 2012). A avaliagao psicolégica, por sua vez, tam- bem depende da testagem, visto que sem esta, perder-se-ia 0 poder da objetividade. Dessa for- ma, pode-se assinalar que a testagem psicolégica € parte da avaliacdo psicolégica. Os autores do presente capitulo concordam com a ideia de que a avaliagio psicolégica 6 operacionalizada a par- tir de um tripé, que contempla a possibilidade de observacio ¢ dinamicas, entrevistas e testagem psicol6gica (incluindo testes projetivos, gréficos ¢ psicométricos). Josemberg Moura de Andrade e Hemerson Filipy Silva Sales Assim, tanto a testagem psicolégica quanto a avaliagio psicolégica so fundamentais para a Psicologia, sendo de extrema importncia 0 conhecimento das mesmas para que se possa utilizé-las de forma adequada. © problema da confuséo de terminologias apenas reflete a for- macio precéria proporcionada pelos cursos de Psicologia pelo pais (Nunes et al., 2012). Tais cursos de graduagio precisam disponibilizar aos graduandos oportunidades para se familiariza- rem com 08 testes psicolégicos, aprendendo a utilizé-los de forma correta e ética, Para isso, © graduando precisa, além de ser apresentado aos diferentes tipos de testes psicolégicos, ter nogées psicométricas de como se elabora um instrumento e saber analisar ¢ interpretar os re- sultados que 0 instrumento pode proporcionar. Esses conhecimentos permitem ao psicélogo tornar-se um consumidor consciente ¢ critico dos instrumentos de avaliacéo psicol6gica, ten- do maior seguranca no momento de escolher o teste mais adequado para cada caso em particu- lar (Lohr, 2011). £ comum alguns cursos de gra- duagio em Psicologia terem abolido a disciplina de estatistica de seus curriculos, dificultando a compreensio de conceitos bésicos tal como o de percentil, por exemplo. O psicélogo preci ber o que é um percentil para poder converter 108 escores brutos em pontos percentilicos a par- tir da amostra (grupo de referéncia) para qual 0 teste foi normatizado. sa ‘Além da necessidade de se apresentar os di- ferentes tipos de instrumentos psicolégicos (ob- jetivos, projetivos ¢ expressivos) e técnicas de avaliagio psicolégica em sala de aula, faz-se ne- cessirio explicitar que as informagoes oriundas desses instrumentos e técnicas precisam ser inter- -telacionados para que o processo de avaliagéo psicolégica possa ocorrer de fato (Siqueira & soe tea into para ia o ossa da for- s de Tais faa loa $80, ado ter um. ‘re ogo tico ten- ero lina ter =" i | acto 4 A diferenciagao entre avaiacao psicologica e testagem psicolégica: questées emergentes Oliveira, 2011). Como assinala Trevizan (2011), a formagio do psicélogo, sua habilidade em en- tender ¢ dar unicidade aos resultados de diferen- tes instrumentos e técnicas utilizadas e sua per- cepcio desenvolvida no treino da profissao é de suma importincia. Esses aspectos fardo com que © psicélogo possa coneluir e decidir sobre os re- sultados encontrados, considerando um contexto mais amplo. Noronha ¢ Reppold (2010), por exemplo, defendem que a formacio no Brasil deve ser re- pensada. As autoras sugerem que s6 deveria ser reservado 0 direito dessa pritica aos psicdlogos que, pela sua formagao, tiverem a capacidade de compreender a complexidade do processo ava- liativo, Em tal formagio, os psicélogos devem ter acesso aos recursos ¢ conhecimentos que Ihes possibilitem analisar em quais circunstancias uma avaliagéo deve ser realizada, quais os instrumen- tos de qualidade a utilizar em cada caso em parti- cular e como interpretar, de forma contextualiza- da, os dados obtidos por meio da avaliagao. No que diz respeito & psicometria, obviamen- te nao € da obrigago do psicélogo se tornar um psicometrista. No entanto, como jé mencionado, € imprescindivel que este tenha conhecimento suficiente sobre os pardmetros psicométricos dos testes, bem como de sua normatizagio, sendo esta inclusive uma de suas competéncias basicas como profissional (CFR, 2013). Ressalta-se que até mesmo as proprias editoras que comerciali- zam 0s testes deixam a desejar no que diz respe to a necessidade de relatar os parametros psico- métricos das medidas. Em um estudo realizado por Noronha (2004), por exemplo, observou-se que os manuais de 146 testes, comercializados no Brasil, por onze editoras distintas, somente 28,89 relataram estudos referentes a precisio, validade e padronizacao dos instrumentos. ‘Nesse contexto, Rueda (2011) questiona se © psicdlogo brasileiro tem o conhecimento sufi- ciente para poder decidir, de forma consciente e com suficiente embasamento técnico ¢ tedrico, o melhor teste psicolégico para utilizar em uma avaliagao psicolégica. A prinefpio, parece que a necessidade de existéncia do SATEPSI como norteador da pratica do psic6logo indica que a resposta & negativa. Ressalta-se, todavia, que mesmo entre os instrumentos aprovados pelo SATEPSI, o psicélogo precisa ter discernimen- to ¢ identificar os instramentos mais adequados Para o contexto especifico da sua avaliagio psi- colégica. Assinala-se que entre os instrumentos aprovados pelo SATEPSI nem todos, por exemn- plo, apresentam evidéncias de validade de cri- tério. Cabe ao usuario do teste identificar quais aspectos so mais importantes para a sua ava- liagio psicolégica, considerando 0 contexto em que ela se insere. ‘Nessa mesma diregao, Reppold (2011) afir- ‘ma que 0 SATEPSI eleva a qualidade dos instru- mentos de avaliagao psicolégica utilizados pelos psicélogos. Além disso, o SATEPSI prima pela atengio aos Direitos Humanos uma vez que nor- teia os critérios de avaliagio da qualidade dos testes em estudos baseados em evidéncias empi- ricas € normas atualizadas. A manutengio desse sistema é um incremento a qualificacéo da area, pois a administragéo de instrumentos antes no regulamentados poderia ferir os dircitos das pessoas avaliadas. A autora cita como exemplo, avaliagdes que poderiam resultar por excluir um candidato de um proceso seletivo piblico, caso 195 resultados fossem interpretados com base em normas estrangeiras, Como defende Primi (2003), a avaliagao psi- colégica funciona como um campo de integra- ao entre ciéncia e profissio, de modo que o avango da avaliac4o psicolégica nao é simples- mente um avanco da testagem, mas também das teorias explicativas do funcionamento psi- colégico. Para Primi (2003) e Reppold (2011), a avaliagio psicolégica ocuparé um Ingar cen- tral na Psicologia & medida que deixar de ser identificada apenas como uma area destinada & elaboragao e validagio de instrumentos ¢ técni- cas de avaliago. Essa mudanca de concepgao da Area também favorecerd a objetivacdo e opera- cionalizagao de teorias psicol6gicas. Noronha ¢ Referéncias Alchiet, J.C. 2007). Avaliagao psicolbgica: perspectivas ‘econtextos. So Paulo: Vetor Editora Psico-Pedagégica. Alchieri, J.C. & Cruz, RM. (2010). Avaliagéo psico- légica: conceito, métodos ¢ instrumentos. 4. ed. Sio Paulo: Casa do Psicélogo. Allen, M.J. & Yen, WIM, (2002). Introduction to mea surement theory. Ilinois: Waveland. Ambiel, R.A.M,, Rabelo, LS., Pacanaro, SV, Alves, GAS. & Leme, LEAS. (orgs.) (2011). Avaliagdo psi- coldgica: guia de consulta para estudantes ¢ profis- sionais de psicologia. Sao Paulo: Casa do Psicélogo. American Educational Research Association, American Psychological Association, National Council on ‘Measurement in Education (1999). Standards for eds- cational and psychological testing. Washington, D American Educational Research Association. Anache, A.A. (2011). Notas introdut6rias sobre os critérios de avaliagio psicol6gica na perspectiva dos direitos humanos. In: Conselho Federal de Psicologia. ‘Ano da avaliagao psicolégicas textos geradores (p. 17- 20). Brasilia: Conselho Federal de Psicologia. Anastasi, A. & Urbina, S. (2000), Testagem psicoldgi~ ca. 7. ed, Porto Alegre: Armed. Andrade, J.M. (2008). Evidéncias de validade do in- ventério dos cinco grandes fatores de personalidade Josemberg Moura de Andrade e Hemerson Filipy Silva Sales Reppold (2010) assinalam que dispor de instru- mentos vilidos e precisos auxilia na identifica- ao precoce de padrées de comportamentos dis- funcionais que podem evoluir para transtornos mentais na vida adulta. Além disso, a avaliagdo psicol6gica possibilita a avaliagao da eficdcia de novas intervengdes propostas. As vantagens da utilizagao do processo de avaliacao psicolégica parecem ser intimeras. Cabe aos profissionais se capacitarem para que essas vantagens possam ser alcangadas em toda sua amplitude. para o Brasil. Tese de Doutorado (n4o publicada). Carso de P6s-Graduagio em Psicologia Social, do Trabalho e das Organizagées. Brasilia: Universidade de Brasil Barroso, $.M., Scorsolini-Comin, F. & Nascimento, E. (orgs.) (2015). Avaliagdo psicolégica: da teoria as aplicagées. Petrépolis: Vozes. Cohen, RJ., Swerdlik, M.E. & Sturman, ED. (2014). ‘Testagem e avaliagao psicolégica: introdugdo a testes, medidas. 8. ed. Porto Alegre: AMGH. Conselho Federal de Psicologia (2003). Resolugdo CEP n. 07/2003. Consetho Federal de Psicologia (2012). Resoluedo CEP n. 005/2012 [Dispontvel em hetp:/site.cfp.org. br/wp-content/uploads/2012/03/Resolucao_CFP_ 005_12_1.pdfl. Conselho Federal de Psicologia (2013). Cartilha de Avaliagao Psicoldgica 2013. Brasflia: Conselho Federal de Psicologia. Friedman, H.S. & Schustack, M.W, (2004). Teorias da personalidade ~ Da toria cléssica 3 pesquisa mo- derna. 2. ed. Sa Paulo: Prentice Hall, Gaudéncio, CA, Andrade, JM. & Gouveia, VV. (2013). Avaliagio psicolégica na atualidade: processo, metodologia e areas de aplicacdo. In: N.T, Alves, J.M. de Andrade, LF. Rodrigues & J. Bastos da Costa (orgs.). srt icada), ial, do sidade mento, oria as 2014). testes 4 Adiferenciagéo entre avaliagao psicolégica e testagem psicalogica: questées emergentes Paicologia: reflexdes para ensino, pesquisa ¢ extenséio {p. 181-209), Jodo Pessoa: Editora Universitaria UFPB. Godoy, $.L. & Noronha, A.PP. (2005). Instrumentos pricoldgicos ulizados em selegto profssional. Revista do Departamento de Psicologia, 17 (1), 139-159. Hutz, CS. (Org) 2010), Avangos em avaliagao psi- coldgica e neuropsicoldgica de criancas e adolescentes, ‘Sio Paulo: Casa do Psicélogo. Hutz, CS. (0rg.) (2012). Avancos em avaliagio psi- coldgica e nenropsicolégica de criangas e Adolescentes Tl. Sao Paulo: Casa do Psicdlogo. Lohr, $.S. (2011). Avaliagio psicol6gica na forma- ao profissional da Psicologia, algumas reflexes. In: Conselho Federal de Psicologia. Ano da avaliacao paicoldgica: textos geradores (p. 143-149). Brasilia: Conselho Federal de Psicologia Leite, O.A. 2011), A medida no exame psicolégi- co: reflexes sobre 0 significado clinico da medida. In: Conselho Federal de Psicologia. Ano da avalia~ do psicolégica: textos geradores (p. 29-36). Brasilia: Consetho Federal de Psicologia. Noronha, A.BP. (2002) Os problemas mais graves fe mais frequentes no uso dos testes psicoldgicos. Paicologia: Reflexto e Critica, Porto Alegre, 15 (1), 135-142. Noronha, A.RR (2004), Parametros psicométricos: uma anilise de testes psicolégicos comercializados no Brasil, Psicologia Ciéncia e Profissao, 24 (4), 88-99. ‘Noronha, ARP & Alchieri, J.C. (2004). Conhecimento em Avaliagio Psicologica. Estudos de Psicologia, 21 (1), 43-52. Noronha, ARB, Baldo, C.R., Barbin, RE. & Freitas, J.V. (2003). Conhecimento em avaliagio.psicol6gi- ‘ca: um estudo com alunos de Psicologia. Psicologia: ‘Teoria e Pratica, 5 (2), 37-46. Noronha, ARP, Nunes, MO. & Ambiel, RAM. (2007). Importincia e dominios de avaliago psico- légica: um estudo com alunos de psicologia. Paideia, 17 @7), 231-244, Noronha, A.RP & Reppold, C.T. 2010). Consideragdes sobre a avaliagio psicolégica no Brasil. Psicologia: Ciéncia e Profisséo, 30 (n. esp.) 192-201. Noronha, A.RP, Santos, A.A.A. & Sisto, FE. (2006). Facetas do fazer em avaliacao psicolégica. Sao Paulo: ‘Vetor Editora Psico-Pedagogica. anes, M.R.O., Muniz, M., Reppold, C.T., Faiad, C., Bueno, J.M.H. & Noronha, A.RP. (2012). Diretrizes para o ensino de avaliacio psicolégica, Avaliago Psicolégica, 11 (2), 309-316. Pasquali L. (1997). Psicometria: tworia € aplicacées. Brasilia: UnB. Pasquali, L. (2007). Teoria de resposta ao item: teoria, procedimentos e aplicacoes. Brasilia: LabPAM/UnB. Pasquali, L. (2010). Taxonomia dos instrumentos psi- col6gicos. In: L. Pasquali. Instrummentagdo psicolégi- ca; fundamentos © pritica (p. 48-55). Porto Alegre: Artmed, Pasquali, L. (2013). Psicometria: Teoria dos Testes na psicologia e na educacio. 5. ed. Petr6polis: Vozes. Primi, R. (2003). Inceligéncia: avangos nos modelos teéricos e nos instrumentos de medida. Avaliagao Psicol6gica, 1, 66-67. Primi, R. (2005). Temas ent avaliacao psicoldgica. S40 Paulo: Casa do Psicdlogo. Primi, R. (2010). Avaliagéo psicolégica no Brasil: fundamentos, situagéo atual ¢ diregSes para o futuro. Psicologia: Teoria ¢ Pesquisa, 26 (n. esp.), 25-35. Reppold, C.T. (2011). Qualificagio da avaliagio psi- colégica: critérios de reconhecimento ¢ validagio a partir dos direitos humanos. In: Consetho Federal de Psicologia. Ano da avaliagao psicolégica: textos geradores (p. 21-28). Brasilia: Conselho Federal de Psicologia. Reppold, C.T. & Serafini, A.J. (2012). Avaliagio psicolégica, ética e direitos humanos. Relatério do ‘Ano Temdtico da Avaliagéo Psicolégica 2011/2012 [Disponivel em_http://site.cfp.org.br/wp-content/ uploads/2012/12/264tico-de-Avaliacao-Psicologica_ versao-final.pdf]. Rueda, FJ.M. (2011), Psicologia do trinsito ou ava- liagao psicolégica no transito: faz-se distingéo no Brasil? In: Conselho Federal de Psicologia. Auo da avaliacao psicoldgica: textos geradores (p. 103-113). Brasflia: Conselho Federal de Psicologia. Santos, A.A.A., Sisto, FR, Boruchovitch, E. & Nascimento, E. (orgs.) (2010). Perspectivas em ava- liagao psicologica. Sao Paulo: Casa do Psic6logo. Siqueira, ILM. & Oliveira, M.A.C. (2011), © pro- cesso de avaliacio psicolégica. In: Consetho Federal de Psicologia. Ano da avaliacdo psicol6gica: textos geradores (p. 43-48). Brasilia: Conselho Federal de Psicologia, Josemberg Moura de Andrade e Hemerson Filipy Silva Sales ‘Stenner, A.J., Smith II], M. & Burdick, D.S. (1983). Toward a theory of construct definition. Journal do Educational Measurement, 20 (4), 305-316. ‘Trevizan, MJ. (2011). Contextos em que a avaliagio. se insere. In: Conselho Federal de Psicologia. Ano da avaliacao psicalégica: textos geradores (p. 121-125). Brasilia: Conselho Federal de Psicologia.

Você também pode gostar