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PARANAVAÍ
2017
PEDRO ARTHUR PASSOS DA SILVA
PARANAVAÍ
2017
Dedico este trabalho a meus pais e a todos aqueles que assim como eu, sonham com
uma sociedade mais justa, igualitária e condizente com os ideais dos direitos humanos
AGRADECIMENTOS
Aos meus pais, por toda a estrutura e incentivo para continuar desenvolvendo na rica área dos
direitos humanos, da justiça e igualdade. O apoio direto e/ou indireto de vocês, o custeio das
diversas viagens em palestras foi fundamental para a concepção e sucesso deste trabalho.
À Carol Passos, minha irmã consanguínea, pelo apoio às minhas pesquisas e por me acalmar e
aconselhar quando ninguém mais podia. Obrigado pelas noites de conversas, pelas críticas às
estruturas sociais de nossa religião e por acreditar, assim como eu, em uma sociedade mais
justa e igualitária para todo e qualquer ser humano. Eu te amo, minha irmã! Vamos à luta.
Aos meus amigos, colegas de sala, e principalmente ao quinteto fantástico: Luana, Karina,
Luiz e Thiago. É com emoção que este quinto elemento cita vocês neste trabalho. Serei grato
eternamente por todas as risadas, choros, tristezas, alegrias, brigas, abraços, apertos de mão,
aprendizagens plenas e insuficientes que partilhamos. Estarão para sempre no meu coração.
À minha grande e eterna orientadora, professora Luana Molina, que me fez enxergar a
sociedade desumana que enfrentamos nos dias atuais e que de forma excepcional me conduziu
durante o desenvolvimento deste trabalho. Obrigado por me tornar mais humano e por
secretar em mim por meio de seus ensinamentos o árduo desejo de militar pelos direitos das
minorias e de defender os que são tão ofendidos na sociedade. Também, à sua esposa e seus
cinco filhinhos, sempre muito receptivos e abertos a me ajudar. Amo todos vocês.
Ao meu orientador, professor Lucas de Melo Andrade, que aceitou a missão de prosseguir a
minha pesquisa, orientando-me na ausência da professora Luana e tornou-se imprescindível
para o êxito deste trabalho, desenvolvimento do tema e apoio amigo para a finalização.
À professora Mary Neide Damico Figueiró, ao professor Ricardo Desidério, à psicóloga Ana
Cláudia Paranzini e a todos os demais, conhecidos por intermédio da professora Luana
Molina que serviram de combustível incentivando-me na luta pela defesa dos direitos
humanos, da igualdade entre cidadãos e a educação sexual.
À ONG Dignidade e à Aliança Nacional LGBT, presididas por Toni Reis, que garantiram a
apresentação, desenvolvimento e concepção deste trabalho oferecendo-me assistência jurídica
e psicológica que se fizessem necessários nos enfrentamentos por uma sociedade mais justa.
The present work seeks to expose and analyze the experiences of Rudolf Brazda, a
homosexual prisoner in the Buchenwald concentration camp in Nazi Germany. It is known
that from the conception of eugenic movements - influenced by social Darwinism -
segregation, racism, homophobia, persecution and intolerance gained a scientific bias and, in
this way, made possible the development of public policies that disseminated the prejudice
and the criminalization of those involved. In this context, Brazda had his civil liberty violated
by Hitler's totalitarian regime due to paragraph 175 of the German Penal Code, which
determined male homosexuality and bestiality as lust, liable to condemnation and loss of civil
rights. Brazda was therefore forced to remain for about 32 months imprisoned in an
environment of pure exposition of the totalitarian ideals embodied in the Nazi government.
Finally, it is intended to portray the extent to which the Nazi experiences of the Third Reich
influenced the emergence of international policies for the defense of human rights, such as the
Universal Declaration of Human Rights, with the objective of adjusting guarantees and duties
essential for exaltation, preservation of individuals and diplomatic recognition of their dignity.
.
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 11
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 51
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 54
11
1. INTRODUÇÃO
1
Vale ressaltar que, além da Alemanha, outros países da Europa viviam a experiência totalitária e de influência
nazista, como, por exemplo, a Espanha com Francisco Franco, Portugal com Francisco Salazar e a Itália com
Benito Mussolini. Dessa forma, cabe salientar que a Europa vivia o clima do temor e da violência entre os anos
de 1930, também considerados como os anos da ascensão totalitária.
2
Em um primeiro momento, deve-se salientar que a Organização das Nações Unidas contava com a participação
de 58 países apenas, no período. Os países que se abstiveram na votação foram: África do Sul, Arábia Saudita,
12
como o antecessor Pacto da Sociedade das Nações, de 1919, buscava assegurar os direitos
civis, políticos, econômicos, sociais e culturais dos cidadãos, promovendo um marco de
natureza jurídica que poderia ser referência para a concepção de futuras constituições e
documentações legais, reforçando a importância e a dignidade do ser humano.
O objetivo deste trabalho, portanto, é propor um paralelo entre os enfrentamentos dos
presos homossexuais nos campos de concentração durante o Terceiro Reich - a partir da
narrativa das experiências de Rudolf Brazda -, abordando a específica violação dos direitos
humanos relacionados à sexualidade, e a crescente busca pela ressignificação da dignidade
humana e da concepção dos direitos inerentes ao homem, como forma de valorização e
preservação destes perante a desigualdade, a violência e o preconceito nos dias atuais. Dessa
forma, busca-se apresentar uma pesquisa que exponha de forma contundente as vivências que
resultaram do Nazismo de Hitler, dada em um período considerado como o mais distante da
valorização do ser humano, contrastando com as conquistas do mundo moderno possibilitada
pelos acordos e pactos internacionais de proteção aos seres humanos promovido pela ONU.
Para atingir aos objetivos retratados anteriormente, durante um período de sete meses
– a contar de junho de 2017 – realizou-se levantamento bibliográfico, produzindo como
alicerce metodológico a revisão bibliográfica de artigos, livros, monografias e códigos
jurídicos, como o Código Penal Alemão – em vigor desde a Constituição de Weimar, dada no
período inicial da trajetória de Rudolf Brazda – e a Declaração Universal dos Direitos
Humanos, com o propósito de contextualizar sua importância para a discussão sobre os
direitos humanos e os direitos sexuais. Além disso, a pesquisa embasou-se na obra biográfica
Triângulo Rosa: um homossexual no campo de concentração nazista, escrita por Jean-Luc
Schwab em 2011, abordando a trajetória do biografado Rudolf Brazda.
O interesse pessoal pela pesquisa se dá principalmente pela maneira que o regime
totalitário de Hitler se comporta perante o campo da diversidade sexual, interferindo
diretamente nos direitos da livre orientação sexual de uma determinada população, os
homossexuais. Embora deste episódio fatídico tenha-se resultado a completa perda dos
direitos civis dos homens homossexuais na Alemanha, proporcionando experiências-limite
nos campos de concentração, pode-se perceber que tais interferências do Estado em questões
da esfera privada de seus cidadãos não se afasta de nossos dias atuais, como no Brasil, por
exemplo, em que a religiosidade adquire ascendente autonomia perante os poderes executivo
e legislativo com bancadas religiosas, influenciando diretamente a sociedade brasileira e seus
Belarus, Iugoslávia, Polônia, Tchecoslováquia, Ucrânia e União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Por sua vez, os Estados ausentes foram: Honduras e Iêmen.
13
3
Para analisar tais perspectivas relativas ao posicionamento dogmático religioso em relação à sexualidade,
recomenda-se a leitura do artigo Dogmas e prazeres: o discurso moral religioso em torno da vivência da
sexualidade no ocidente medieval, redigido por Santana, V. C. e Benevento, C. T.
14
inserido em estruturas, papéis e funções sociais (AVELAR apud LE GOFF, 2010, p. 161).
Partindo de tal premissa, o movimento biográfico tornou-se legítimo objeto de
aprofundamento de estudo para os historiadores e cientistas sociais de forma geral, de forma
que o testemunho originado nas construções biográficas foi determinante para fomentar a
humanização da história, ou seja, reforçar a presença dos testemunhos individuais nos
estudos históricos, até então retratados apenas pela perspectiva econômica e organizacional.
Outro importante pesquisador acerca da utilização metodológica das biografias, Pierre
Bordieu (1986), por meio de seu texto A ilusão biográfica nos possibilita complementar que a
trajetória de um determinado indivíduo só é proveitosa para o âmbito científico no que
concerne aos espaços e esferas sociais dos quais este está inserido na historicidade. Dessa
forma, é ilusório relacionar a biografia à uma trajetória linear, unidirecional e
relacionada/induzida a todos, conforme o senso comum (BORDIEU, 1986, p. 183).
Por fim, é possível analisar que a justificativa e importância centrais para a utilização
das biografias enquanto metodologia da História, se dá pela constante necessidade de
humanização dos eventos relatados pelos historiadores, acrescidos de testemunhos que
valorizam a feição humana nos processos históricos, na mesma medida que, a importância de
tais testemunhos se origina do destaque direcionado aos espaços e esferas sociais aos quais
este indivíduo se encontra. Dessa forma, Rudolf Brazda que será analisado nesta pesquisa,
adquire grande notoriedade a partir da esfera social do medo e da tortura em que se encontra,
conforme relatado durante os eventos que se iniciaram com a ascensão do nazismo alemão.
4
Embora citado no texto como o último detentor do triângulo rosa vivo, cabe salientar que esta atribuição era
utilizada na obra de Schwab, meses após a morte de Rudolf Brazda, em 2011. As análises para a concepção da
biografia de Rudolf iniciaram-se em 2009, enquanto o mesmo ainda estava vivo, acrescidos de contribuições
posteriores de suas sobrinhas - em sua ausência – e de documentos e arquivos relacionados ao ambiente social.
16
francês. A partir de então, por incentivo de algumas sobrinhas de Rudolf, o mesmo iniciou a
corajosa jornada de narrar sua história para o jornalista que posteriormente tornou-se seu
biógrafo oficial e principal ativista em uma Organização Não-Governamental francesa que
possui por intuito a proteção das famílias dos prisioneiros do governo nazista.
Rudolf Brazda nasceu em 26 de junho de 1913 no pequeno vilarejo de Brossen,
administrativamente ligada à Meuselwitz, no estado alemão da Saxônia. Filho caçula de Emil
Adam Brazda e Anna Erkener, ambos imigrantes da Boêmia5, tornou-se órfão de pai aos seis
anos de idade, quando Adam - como preferia ser chamado para não ser confundido com o
filho primogênito - retornou de uma missão militar nos arredores de Písek, no oeste boêmio e
poucos meses depois, em 21 de janeiro de 1920, foi dizimado por um acidente de trabalho na
mineradora de carvão Phoenix, onde o mesmo trabalhava.
Após a morte do pai, o garoto foi criado pela mãe, junto com seus outros sete irmãos,
sendo eles cinco mulheres e dois homens. Nada o difere das demais crianças de sua idade,
exceto pela facilidade que tem com os afazeres domésticos e com a costura, ofício ensinado
por sua irmã, que o torna um aficionado pelas artes da moda. Aos 14 anos de idade, sonhava
com a possibilidade de “tornar-se vendedor e decorador em uma loja de confecções
masculinas” (SCHWAB, 2011, p. 21).
Em pouco tempo, aos seus 17 anos, passa pela transitória fase das alterações
biológicas e fisiológicas advindas da puberdade, tornando-se um jovem rapaz que “mede
pouco mais de um metro e sessenta, tem belos cabelos castanho-claros, meticulosamente
ondulados, e um rosto rosado, no qual brilham belos olhos azuis; ele pode parecer um
pouquinho afeminado” (SCHWAB, 2011, p. 23). Desde muito jovem, Rudolf Brazda demarca
posicionamento favorável e aceitação em relação à sua orientação sexual: a
homossexualidade, admitindo que, embora tenha afinidade com as mulheres, é certo que “sua
atração vai em outra direção” (SCHWAB, 2011, p. 23). Sua família reage de maneira ímpar,
aceitando-o, embora abrindo precedentes para o preconceito ao afirmar que “aceitam de bom
grado que o caçula não faça parte dos ‘normais’” (SCHWAB, 2011, p. 26).
A homossexualidade, do grego homos - igual, trata-se da qualidade de um ser vivo
atrair-se física, emocional, estética e espiritualmente por indivíduos do mesmo sexo, podendo
ser identificada entre indivíduos dos gêneros cis e trans. Neste sentido, como pontua a
historiadora e educadora sexual Molina (2010), a homossexualidade trata-se da possibilidade
de “amar alguém do mesmo sexo, entregar-se à dor e à delícia de sentir-se apaixonado como
5
A Boêmia era uma região administrativa independente fronteiriça à Alemanha. Atualmente, é parte do território
da República Tcheca.
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6
Esta busca por dinheiro advinda da classe operária alemã, se deve ao fato de que os mesmos recebiam
baixíssimos salários, além da grave crise econômica existente na região no final dos anos 1920, sendo utilizada a
prostituição em banheiros públicos como vetor de manutenção da subsistência.
18
(DIAS, 2011, p. 1)
- existem homens que se sentem bem como homens e gostam de ser homens;
- há os que vivem como homens, não rejeitam seu órgão sexual, mas em
alguns momentos, sentem necessidade de se travestir de mulher;
- há os que sentem necessidade de estar sempre travestidos de mulher e
muitos até mudam seu corpo, por exemplo, com silicone - são as travestis;
- há os que não se sentem homens, de forma alguma, que até rejeitam o seu
órgão sexual e desejam fortemente alterar seu sexo biológico 8 - são os
transexuais.
(FIGUEIRÓ, 2007, p. 9)
7
Para fins práticos, será utilizado apenas a conceituação de gênero masculina, podendo ser igualmente entendida
como a feminina. Para ver mais sobre o tema, recomenda-se a leitura da obra de Mary Neide Damico Figueiró
publicada em 2007, intitulada Homossexualidade e Educação Sexual: construindo respeito à diversidade.
8
A rejeição do órgão sexual não se trata de uma constante para os/as transexuais. Em exemplo disso, podemos
citar a série produzida pela Universidade de São Paulo, com o intuito de retratar a diversidade sexual de
seus/suas estudantes, denominada “Perfil Diversidade”, demonstrando a narrativa da história de Guilherme. Esta,
nascida com o sexo biológico masculino, sempre se identificou como mulher e possui a aparência feminina,
embora a mesma não se sinta incomodada ao ser tratada como homem, utilizando inclusive seu nome de batismo
e rejeitando a intervenção cirúrgica de redesignação sexual (TV USP, ep. 2, 2012).
19
9
Muito embora o cristianismo possua as divisões tradicional e libertadora, sendo esta última que valoriza a
discussão e reinterpretação de dogmas e preceitos religiosos, o campo da sexualidade dos fiéis cristãos encontra-
se na área da ética religiosa, e existe um certo consenso entre os religiosos acerca dos desvios sexuais: necrofilia,
zoofilia, estupro, prostituição, pedofilia, fornicação, incesto, masturbação, aborto, sadismo, masoquismo, e o
homossexualismo (homossexualidade), todos estes encontram reprovação na ética cristã (ALVES, 2009, p. 10).
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10
Para avaliar os procedimentos e as proporções de nascimento apresentadas na Inglaterra, recomenda-se a
leitura do artigo de Valdeir del Cont produzido em 2008, intitulado Francis Galton: eugenia e hereditariedade.
21
eugenia passou a ser vista como ciência prestigiosa11 e conceito médico legítimo, disseminada
por meio de livros didáticos e instituições de instrução eugenista” (GUERRA, 2006, p. 5). O
êxito dos estudos de Charles Davenport deu origem a diversas comissões, congressos e
pesquisas direcionadas ao tema em todo o mundo, como o Congresso Internacional de
Eugenia e o Comitê Internacional de Eugenia. Posteriormente, ambos deram origem à
Federação Internacional das Organizações Eugenistas, esta última com amplitude mundial.
A instituição supracitada contou com o apoio direto de cerca de 13 países, que se
tornaram posteriores signatários e filiados, durante os anos de 1921 a 1932, sendo eles:
Alemanha, Brasil12, Canadá, Cuba, Dinamarca, Estados Unidos, França, Grã-Bretanha, Japão,
México, Noruega, Rússia, Suécia e diversas outras nações, com pouca participação efetiva
(LEUNG, 2014, p. 1). Presidida até 1925 por Davenport, a Federação possuía como política
de atuação “organizar as numerosas sociedades eugênicas nacionais, oriundas dos países
signatários da organização, de modo que a informação pudesse ser trocada entre nações, bem
como uma maior cooperação no planejamento de legislação, reuniões, pesquisa e propaganda
da eugenia” (LEUNG, 2014, p. 3).
A Alemanha, enquanto nação filiada à organização, permitiu com que políticos
ultranacionalistas incorporassem tais conceitos e os utilizassem como método de governo,
adotando-os para a estratégia política do Estado. É neste contexto de apropriação de teorias
segregacionistas que as estratégias e normas de conduta do austríaco Adolf Hitler conquistam
espaço político na República Alemã.
Adolf Hitler nasceu em 1889, no pequeno município austríaco de Braunau am Inn,
localizado na divisa do país com a Alemanha, ambos Estados Imperiais até então 13. Ainda
muito jovem, julgava seu local de nascimento como fator determinante para o mesmo
enfrentar uma grande missão: determinar a população alemã pura, denominada ariana.
Os arianos, na concepção de Hitler, conforme demonstrado em sua obra
autobiográfica Mein Kampf, eram a população advinda das regiões germânicas e nórdicas
11
Isto se deve ao fato da ciência eugênica ser utilizada como justificativa para que as sociedades/Estados
mantivessem sobre sua população determinada segregação, intolerância ou preconceito (MACIEL, 1999, p.121).
12
Este período era considerado como fase de transição da Primeira República Brasileira - que findou em 1930
com a Era Vargas -, somando cerca de 14 chefes de Estado, com destaque para Epitácio Pessoa, Artur Bernardes
e Washington Luís, que partilhavam dos ideais da Federação Internacional das Organizações Eugenistas,
inserindo tais conceitos na recém-formada nação, a República dos Estados Unidos do Brasil (LEUNG, 2014).
13
No contexto histórico aqui citado, o território em que Hitler nasceu era pertencente ao Império Austro-
Húngaro, tornando-se posteriormente em 1933 de domínio da Alemanha Nazista - esta composta por 13 países,
incluindo a Áustria -, que perdurou até 1945 com o fim da Segunda Guerra Mundial.
22
europeias, sendo estes positivamente definidos como indivíduos com “genialidade e talento,
enquanto dotes inatos da população de sangue ariano” (HITLER, 1985, p. 191).
Desencantado com a cidade de Viena, “que abrigava cidadãos de todo o mundo, os
não-alemães que tomavam os lugares dos alemães”, Hitler apropriava-se dos conceitos
advindos dos cientistas eugenistas, com forte apropriação ideológica do posicionamento de
Davenport - para manter seu inegável desejo por uma sociedade germânica livre de
miscigenações, fossem elas culturais, étnicas ou raciais, dessa forma preocupando-se em:
(GUERRA, 2014, p. 5)
de seus ideais. O primeiro decreto de Hitler no poder, abriu precedentes para obtenção de
“plenos poderes” e dessa forma, o mesmo passou a herdar os poderes políticos concedidos aos
presidenciáveis, sendo que, consequentemente conquistou a nomenclatura de führer - líder,
em tradução livre - (CAETANO, 2010, p. 3).
Um ano após o início da gestão de Hitler, o presidente Paul von Hindemburg morre,
em 1934, garantindo ao führer a consolidação de sua autonomia plena sob o governo e o
parlamento alemão. O nazismo passou a ganhar força com rapidez avassaladora, sob o
discurso de honra, glória e de novos tempos de sucesso para a sociedade alemã. Esta, sofrendo
com os reflexos da Primeira Guerra Mundial, “apoiou o movimento, unindo-se ao corpo
representativo de ‘as chamas que não iluminam o final de uma era, mas lançam suas luzes
sobre a nova’” (CAETANO apud GOEBBELS et. al., 1994, p. 29). Além disso, cabe pontuar
que tais discursos revolucionários foram bem aceitos devido à situação político-econômica da
Alemanha. Em relação à isso, cabe pontuar que:
Como nos aponta Caetano (2010), o novo líder alemão Adolf Hitler, trouxe para os
seus discursos oratórias convidativas ao povo alemão, sendo que:
(CAETANO, 2010, p. 4)
24
Dessa forma, Hitler não só cativava a população adulta como também os jovens
alemães, que eram declarados como “os grandes vetores de suas iniciativas” (BAN apud
REES, 2008, p. 8). Isto se deve principalmente pela forte retórica nacionalista que impregnava
suas oratórias. Com o passar dos anos, seus discursos passaram a trazer progressivamente
discussões relacionadas à segregação dos judeus e à cultura de ódio para com as minorias. Tal
afirmação também pode ser verificada a partir de sua obra autobiográfica, Mein Kampf, em
que o líder expõe que sabia “muito bem que se conquistam adeptos menos pela palavra escrita
do que pela palavra falada e que, neste mundo, as grandes causas devem seu desenvolvimento
não aos grandes escritores, mas aos grandes oradores” (HITLER, 1983, p. 4), referenciando
todo o potencial influenciador dos seus discursos e oratórias.
O nazismo, portanto, passa transitoriamente de uma política nova que reluz sobre o
futuro da nação, ou seja, “uma experiência única, um movimento cujos fundamentos
exprimem conjuntamente grande originalidade” - fomentando a reconstrução da cultura
germânica -, para um movimento político cuja síntese encontra-se no “nacionalismo
extremado, autoritarismo, racismo, anti-semitismo, belicismo, anticomunismo, antiliberalismo
e antiparlamentarismo” (CAETANO, 2010, p. 4).
Tal ideologia nazista, que como retratado, pregava “o extermínio dos judeus e outros
grupos étnicos”, justificando que tal posicionamento “tratava-se de uma política médica e
pseudocientífica” (GUERRA, 2006, p. 4), culminou inicialmente no método de emigração dos
cidadãos judeus, esquerdistas, homossexuais, crianças e jovens, tal política sugerida por um
dos oficiais de Hitler, Reinhard Heydrich -, retratando que “a emigração como solução
possível deveria ser suplantada pelo plano de eliminação dos judeus” e de que este possuía
“aprovação prévia do führer Adolf Hitler” (BAN apud LONGERICH, 2008, p. 21).
Por sua vez, a perseguição contra os homossexuais se deve, principalmente, à
militância destes por direitos na sociedade alemã do período e à cultura heteronormativa
impregnada nos ideais do governo nazista. A Alemanha teve pioneirismo em consideráveis
contribuições para a comunidade LGBTI. Desde o início dos anos 1910, Berlim já era
considerada uma das cidades mais acolhedoras para a comunidade gay de toda a Europa, com
centenas de bares e livrarias destinadas à essa parcela da população. Dessa forma, “a vida na
Alemanha para os homossexuais era muito mais fácil do que no resto da Europa, ou até
mesmo no resto do mundo” (SETTERINGTON, 2017, p. 13).
Pouco tempo depois, em 1919, surgiu o Instituto de Pesquisas Sexuais, liderada pelo
médico alemão Magnus Hirschfeld, que trouxe incontáveis pesquisas e contribuições acerca
da transexualidade - inclusive o cunho do termo -, sendo um dos pioneiros no procedimento
cirúrgico de redesignação sexual. Hirschfeld também foi coadjuvante e coautor do filme
Anders als die Andern (Diferente dos Outros), considerado o primeiro filme de temática
LGBT do mundo, gravado na Alemanha em 1920. Pouco tempo depois, tal organização deu
origem ao Comitê Científico-Humanitário, que possuía como missão a concepção da “justiça
por meio da ciência”, lutando sempre por direitos iguais para as minorias. Além disso,
diversos jornais e revistas da época eram destinados para essa parcela da população, como por
exemplo os semanais “Menschenrecht (Direitos Humanos), Die Insel (A Ilha) e Der Eigene
(A Si Próprio) para homens; e Ledige Frauen (Mulheres Solteiras), Frauenliebe (Amor
Feminino) e Die Freundin (A Namorada) para mulheres” (SETTERINGTON, 2017, p. 13).
26
14
Vale ressaltar que o Código Penal Alemão estava em vigência desde 1871 com o início do Segundo Reich,
entretanto, o mesmo era aplicado com uma penalidade mais branda, com prejuízo menor sobre a reputação do
indivíduo detido. O governo nazista, entretanto, ampliou a aplicação desta penalidade prevista em Lei, em que
determinou seis meses mínimos de detenção, além de que, em casos reincidentes, estes deveriam ser
encaminhados aos campos de concentração por um período entre quatro a oito anos.
15
Heinrich Himmler era comandante da Schutzstaffel, a polícia secreta da Alemanha Nazista, e responsável pelo
comando das investigações contra a população homossexual, em conjunto com as forças militares nazistas.
27
apreendidas, acabassem por denunciar de forma induzida outras semelhantes, levando a uma
amplitude ainda maior de detenções (SCHWAB, 2011, p. 39).
Em pouco tempo depois, Werner – namorado de Rudolf - acaba sendo convocado para
prestar o serviço militar na região de Naumburg, em 1936, e Rudolf Brazda se afasta,
deixando a pacata Meuselwitz e seguindo para a metrópole do estado da Saxônia, Leipzig.
Neste período, o mesmo já têm ciência que as investidas dos policiais nazistas da Gestapo e
Schutzstaffel na investigação contra os homossexuais estavam cada vez mais rígidas. Os
métodos de investigação levavam à rápida denúncia e instauração de novos inquéritos,
conforme denúncias eram realizadas e provas colhidas. Em abril de 1937, os policiais
encontram Rudolf e o conduzem coercitivamente até o distrito policial do foro de Altenburg.
Na delegacia, os investigadores utilizam de vários artífices para chegar à confissão da
homossexualidade de Rudolf, do suposto envolvimento amoroso dele com Werner e da coleta
de provas sobre os amigos do pequeno grupo de homossexuais que o alemão possuía em
Meuselwitz. Com o objetivo de proteger seu amado, o mesmo fornece informações
desencontradas e atesta firmemente que ambos tinham apenas se conhecido “vagamente antes
de se mudar para a Weinbergstrasse16”. Além disso, Rudolf afirma veementemente não
conhecer os demais amigos investigados, justificando as cartas recebidas por ele advindas de
uma mulher, que morava em Wilhelmshaven, pela qual o mesmo utiliza o viés explicativo de
que “só se sente atraído sexualmente por mulheres e não possui nenhuma atração por
homens” (SCHWAB, 2011, p. 41).
Entretanto, nenhuma destas afirmações bastaram, e Rudolf acabou sendo sentenciado
em primeira instância por luxúria em 14 de maio de 1937, baseando-se nos parâmetros
regimentais do parágrafo/artigo 175 do Código Penal Alemão. A sentença do juiz de
liberdades se embasa em duas atmosferas, como nos pontua Schwab (2011):
16
Trata-se do endereço da pensão de Helene Mahrenholz, lar de Rudolf e Werner entre os anos de 1933 a 1936.
28
17
Em tradução livre, de forma filosófica e política, o modelo rizomático presta-se a demonstrar que a estrutura
convencional das disciplinas epistemológicas não reflete simplesmente a estrutura da natureza, mas sim um
resultado da distribuição de poder e autoridade no corpo social.
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18
Esse impresso serve para dar parte dos homossexuais como objeto de queixa ao Escritório Central da Polícia
Criminal do Reich, cuja sede, em um prédio administrativo da avenida Werderscher Markt, abrigava a Central do
Reich de Repressão à Homossexualidade e ao Aborto, entre outras repartições (SCHWAB, 2011, p. 90).
32
três homens, que também são observados pela sede policial em Berlim, embasando-se na
possibilidade de que “os acusados continuem a se entregar ao seu vício, que tentem
desaparecer com as provas ou, pior ainda, que tentem avisar outras pessoas que também
podem ficar alarmadas com a ação policial” (SCHWAB, 2011, p. 91).
Em 26 de maio de 1941, Rudolf e os outros dois homens são transferidos para a prisão
de Eger. Os mesmos são sentenciados em tribunal na região de Pilsen, na Tchecoslováquia, no
dia 5 de setembro de 1941, sendo que Rudolf é sentenciado ao maior período de reclusão, 14
meses em regime fechado, pelos crimes de luxúria e masturbação mútua entre homens,
sentença inclusive justificada pelos juízes de primeira instância Egermann, Nowoczek e
Messerschmied pontuando que “não somente a luxúria entre homens representa um delito
extremamente repugnante e abominável como também as práticas sexuais lascivas entre
pessoas do mesmo sexo, e sobretudo entre homens, mostram-se muito perigosas no quadro
político e social” (SCHWAB, 2011, p. 99) . Raimund e Josef recebem penas menores, tendo
em vista a reincidência de Brazda, que acabou retornando à prisão apenas 6 meses depois de
sua primeira detenção em seu estado de origem (SCHWAB, 2011, p. 99).
Neste período recluso, Rudolf relembra com desgosto de todos os eventos que se
passaram no interior da penitenciária de Eger, sendo que esta era comandada por um diretor
assumidamente homofóbico e que exclamava abertamente que odiava os homossexuais. Em
relação a isso, em tom de desabafo, Brazda relembra de suas experiências em sua segunda
reclusão advinda pelo parágrafo/artigo 175:
Fico revoltado quando recordo meus anos de cativeiro impostos por esses
crápulas nazistas! E tudo isso por quê? Por causa dos atos considerados
‘antinaturais’. O que eles sabem da natureza? E da minha natureza, aquela
que não escolhi?
Tais presos passam um período em Eger, mas acabam sendo transferidos pouco a
pouco para outras unidades. Rudolf é o último deles a ser transferido - o que acontece apenas
em 5 de junho de 1942 -, para o presídio de Zwickau, no leste alemão, onde deveria passar os
últimos quatro meses de sua pena e enfim, poder encontrar liberdade. Entretanto, conforme o
governo alemão assumiu o poder, em meados de 1933, várias medidas/resoluções/artigos do
Código Penal Alemão, herdado da antiga Constituição de Weimar foram reforçados e
tornaram-se mais severos. Neste sentido, em julho de 1940, o general da Schutzstaffel
Heydrich Himmler expediu uma diretriz que complementava a ação e amplitude do parágrafo
33
Ele [Rudolf] sabia da existência dos campos e sabia que os judeus eram
enviados para Auschwitz Birkenau a fim de serem exterminados. Mas não
acreditava que os homossexuais também pudessem ser mandados para o
extermínio [...] o homossexualismo era reprimido pelos nazistas. Mas jamais
imaginou que o mesmo fosse vítima de um crime contra a humanidade.
19
Cabe citar aqui que, durante o período em que o governo nazista permaneceu no território alemão, isto é, de
1933 a 1945, eclodiu a grande Segunda Guerra Mundial, travada entre os países do Eixo (Alemanha, Itália e
Japão) e os países Aliados (França, Inglaterra, Estados Unidos e URSS) durante seis anos, entre 1939 a 1945.
34
Após realizar o processo, Rudolf recebe seu uniforme, de matrícula 7952 e o mesmo
fica confinado em um dos barracões/blocos, de número 02, que eram organizados conforme a
necessidade/especificidade da detenção. As organização hierárquica é fortemente reivindicada
e presente, e dessa forma, Brazda passa a acatar ordens do Blockältester20 de seu bloco.
Para analisar inicialmente as experiências no interior de Buchenwald, cabe salientar
algumas informações importantes, que se dividem entre os termos Holocausto e a Shoah. O
primeiro deles, referencia à experiência de sacrifício ou entrega à determinada divindade, ou
seja, “significa totalmente queimado, dizendo respeito aos sacrifícios de animais que se
faziam aos deuses, logo, um ato voluntário dedicado ao Sagrado” (MAGALHÃES, 2001, p.
3). Já o Shoah, termo de origem abraâmica, diz respeito ao “extermínio, catástrofe,
devastação, pressupondo um castigo” (MAGALHÃES, 2001, p. 3). A própria origem do
termo, permite-nos relacionar à ideia de castigo divino, tendo como base umas das citações
bíblicas que divulga “que fareis vós no dia do castigo, quando de longe virá o shoah?”
(MAGALHÃES apud AGAMBEM, 1999, p. 37). Neste sentido, é possível analisar as
intenções nazistas em relação ao aprisionamento dos considerados indesejáveis, inseridos no
20
Nomenclatura utilizada no interior dos campos de concentração para se referir ao prisioneiro mais antigo no
bloco de dormitórios designado.
35
21
Em tradução livre, refere-se aos “poluidores da raça” - os transgressores das leis raciais de 1935, as quais
proibiam certos tipos de relacionamento entre arianos e não arianos, em função da ascendência pessoal
(SCHWAB, 2011, p. 116).
36
impede de vivenciar as experiências proporcionadas pelos nazistas aos detentos dos campos
de concentração, e em relação a isso, Rudolf nos contribui que:
22
Dora era o nome de uma unidade de alojamento satélite do campo de Buchenwald, localizada a
aproximadamente 80 km da unidade principal. O local era considerado um Kommando de morte. Entre dezembro
de 1943 e março de 1944, as mortes nesse local representaram cerca de dois terços dos 3.122 detentos mortos no
campo de Buchenwald e em seus satélites.
38
Dora era sinal eminente de morte. A estrutura de trabalho era ainda mais árdua e
penosa, sendo que poucos sobreviviam ao período de punição no alojamento-satélite. Por
sorte e por intercessão de seu superior, Gustav, Rudolf não foi convocado na lista de
prisioneiros enviados à Dora no dia seguinte ao ocorrido, o que demonstra que “seus contatos
na rede comunista de resistência dentro do campo devem ter tido participação no fato”,
livrando-o de uma possível condenação (SCHWAB, 2011, p. 132).
A postura passiva dos prisioneiros dos campos de concentração em relação ao
autoritaritarismo e tirania dos policiais e generais da SS denuncia a atmosfera opressora que
envolvia tais localidades de detenção. Em relação a isso, Marion Magalhães (2001),
complementa relacionando que “[...] nos campos de concentração, ninguém exigia que os
prisioneiros falassem, confessassem alguma verdade. Pelo contrário, a ordem era que
sofressem em silêncio” (MAGALHÃES, 2001, p. 65). Tal sofrimento, em uma linguagem
metafórica, referenciava ao objetivo nazista de aproveitar tal postura dos prisioneiros para
controlá-los ao bel prazer dos governantes. Hannah Arendt (1996), associa tal período à um
laboratório humano, verificando que:
Os campos são um Laboratório vivo que revelam que tudo é possível, que os
humanos podem criar e habitar um mundo onde as distinções entre vida e
morte, verdade e falsidade, aparência e realidade, corpo e alma, e até vítima
e algoz são constantemente confundidas [...], os campos apresentam,
primeiro, a morte jurídica; depois a destruição moral e finalmente que a
individualidade do ser tem de ser esmagada.
Além do controle dos prisioneiros, a prática da arbitrária tortura e violência física nos
campos de concentração, servia de reforço ao entusiasmo nutrido pelo chefe carismático ou
pela restauração da ordem, lógica presente nas origens das estruturas dos regimes autoritários.
O historiador Pierre Ansart (1983), relacionou tais métodos de disciplina e obediência
impostos pelos nazistas aos prisioneiros, possibilitando interpretar que:
1933 853
1934 948
1935 2.106
1936 5.320
1937 8.271
1938 8.562
1939 7.614
1940 3.773
1941 3.735
1942 3.963
Tabela 1 - Censo alemão em relação à prisão de homossexuais pelos nazistas. Fonte: Setterington, 2017, p. 49.
Pelos alto-falantes, ele [o preso] anuncia que o campo está sob o controle do
Comitê Internacional. Pede aos prisioneiros que mantenham a calma e a
disciplina. Mas, quando escutam a notícia e veem pela primeira vez a porta
principal totalmente aberta, centenas de presos se precipitam para fora dos
barracões, em que estavam confinados desde a manhã. A energia elétrica é
cortada. A cerca de arame farpado do Schutzhaftlager não está mais
eletrificada; o relógio da entrada principal para. São 15 horas e 15 minutos.
[...] após algumas explicações, um dos presos armados e um belga, são
engolfados por uma multidão de deportados, que explodem de alegria.
Até a chegada dos reforços militares americanos, a guarda dos prisioneiros fica sob
total responsabilidade de Hans Eiden - o prisioneiro que anunciou a tomada de Buchenwald -,
e alguns soldados responsáveis pela invasão. Eiden também foi o responsável por hastear a
bandeira branca no pátio central e decretar a liberdade dos prisioneiros. Rudolf, que se
escondeu durante a troca de tiros, não presenciou o histórico momento da invasão americana
de Buchenwald, e após certo tempo de silêncio no campo, ele decidiu sair do esconderijo
prudentemente. E, dessa forma, “do lado de fora, volta a ser um homem livre” e o ambiente
era “[...] de euforia - da libertação e dos reencontros. Enfim, eles poderão reaprender a viver.
E, sobretudo, sair de Buchenwald” (SCHWAB, 2011, p. 149).
Em 19 de abril de 1945, na praça de chamada do campo, ocorreu uma reunião e vigília
em nome das vítimas da imposição nazista, organizada pelo Comitê Internacional, com o
apoio dos militares americanos. O discurso é cativante, leva os antigos prisioneiros à euforia e
à tristeza por perder diversos amigos e conhecidos na barbárie nazista. Rudolf Brazda jamais
43
23
Para mais informações sobre o princípio da dignidade humana e sua contextualização histórica, ler Afirmação
Histórica dos Direitos Humanos, desenvolvida em 2010 pelo professor e jurista Fábio Konder Comparato.
45
das sanções aos países perdedores em relação ao armistício da Primeira Guerra - e criou a
Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1946.
Neste sentido, sabe-se a necessidade de criação de documentos jurídicos ou
declarações que visem garantir e/ou influenciar na concepção dos direitos ao homem, de
forma que valorize a permanência e a proteção destes na sociedade. É certo que a Declaração
Universal dos Direitos Humanos, assim como o Pacto da Liga das Nações, possuía artigos
importantíssimos para a concepção dos direitos humanos. Este último, com o artigo 23º
propunha aos Estados signatários a responsabilidade diplomática por garantir condições de
trabalho equidárias para homens e mulheres; garantir acompanhamento à população indígena
residente no país; corrigir os crimes de tráfico de mulheres e crianças; combater o tráfico de
drogas; e garantir o livre comércio internamente e entre países.
Tais garantias se configuram como essenciais para a manutenção do bem-estar dos
cidadãos. Entretanto, embasando-se na discussão deste trabalho, aqui nos cabe a reflexão: o
direito ao exercício da sexualidade e da livre orientação sexual, aqui interpretados como
direitos sexuais, também podem ser considerados direitos humanos?
O debate em torno dos direitos sexuais não é uma construção recente. De acordo com
Roger Raupp Rios (2011), perante o campo jurídico os direitos sexuais foram inicialmente
suprimidos pelo conservadorismo envolto na comunidade do setor. Neste sentido, “o Direito
foi produzido como instrumento de reforço e conservação dos padrões morais sexuais
majoritários e dominantes” propiciando a valorização “da família nuclear pequeno-burguesa,
as atribuições de direitos e deveres sexuais entre os cônjuges e a criminalização de atos
homossexuais” (RIOS, 2011, p. 291).
Com a ascendente representatividade política dos movimentos sociais, surgiram as
demandas em torno do reconhecimento dos novos arranjos familiares e, consequentemente
levantaram a discussão da defesa dos direitos sexuais, especialmente dos direitos à população
LGBTI, ou seja, destinados às Lésbicas, Gays, Bissexuais, Transexuais e Intersexos 24. Em
relação à isso, Rios (2011) complementa que:
24
Os intersexos são os indivíduos que nasceram com ambos os órgãos genitais anatômicos masculino e
feminino. Trata-se de uma nomenclatura recente, em substituição ao antigo termo hermafrodita.
46
Além disso, de acordo com a jurista Maria Berenice Dias (2011), como citado no
início deste trabalho, “ninguém pode realizar-se enquanto ser humano se não tiver assegurado
o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende a liberdade sexual,
albergando a liberdade da livre orientação sexual” (DIAS, 2011, p. 1).
Baseando-se nestas afirmações, é possível considerar alguns fatores. Dentre eles, a
característica humana do desenvolvimento da sexualidade, utilizando-se da interpretação
construtivista de afloramento da orientação sexual, que define a orientação sexual humana
como resultado de um construto social, que herda influências do núcleo familiar, de entes
próximos e de circunstâncias culturais. Além disso, é certo que o exercício da livre orientação
sexual é um direito nato a todo ser humano, imutável e não se trata de uma escolha. Partindo
desta premissa, podemos avaliar as consequências das experiências nos campos de
concentração para os homossexuais. O próprio Código Penal Alemão, herdado desde a
Constituição de Weimar em 1919, constituiu o princípio de repressão aos homossexuais,
entendidos como praticantes de luxúria, muito embora, o país também fosse considerado
pioneiro nos estudos da sexualidade com o apoio do médico e pesquisador Magnus
Hirschfeld, configurando Berlim como a capital homossexual da Europa. Tais artigos
propostos eram dificilmente respeitados, exceto em casos envolvendo homossexualidade entre
menores de idade e a pederastia. A nova redação do artigo/parágrafo 175 surgiu a partir da
gestão nazista, que procurou reforçar as punições aos casos homossexuais e acrescentar
sanções em casos de masturbação mútua ou de toque entre homens, indo muito além do coito.
Essa política pública de repressão às minorias acabou por influenciar diretamente no
exercício da sexualidade dos alemães, fazendo com que milhares destes acabassem presos e
expostos à vergonha do julgamento arbitrário e humilhante dos juristas alemães. Expor estes
indivíduos a tortura e a longos julgamentos fere não apenas a concepção dos direitos sexuais,
mas também o princípio dos direitos humanos, que já eram garantidos por meio do Pacto da
Liga das Nações com o artigo 23, ao tratar dos direitos equitativos, ou seja, de igualdade e
reforçados por meio da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
47
25
Em relação à tal tema, recomenda-se a leitura do artigo Frente Parlamentar Evangélica e Homossexualidade:
a presença do religioso no legislativo e a luta pela defesa de direitos da população homoafetivas na sociedade
brasileira, de autoria de Pedro Arthur Passos da Silva e Luana Pagano Peres Molina, divulgado em 2017.
49
nova família. Entretanto, uma fatalidade ocorre na construção e Edi acaba caindo do telhado
da casa, ferindo a coluna vertebral permanentemente e ficando paraplégico. Mas isso não
impede que a relação entre os dois se solidifique e que permaneçam para sempre juntos. Em
relação à essa união, Jean-Luc Schwab (2011) testemunha que:
Alguns anos se passam, e uma grave doença respiratória acaba por levar Edmund à
falência múltipla dos órgãos, no início dos anos 2000. O biógrafo Jean-Luc Schwab conclui a
biografia do refugiado dos campos de concentração nos elucidando sobre o singelo e
reconfortante sentimento de amor de Rudolf para com o marido:
Rudolf e Edi não oficializaram sua relação por meio do pacto civil. Mesmo
que a possibilidade existisse desde 1999, eles se bastavam a si mesmos [...].
Os problemas de saúde de Edi vão se agravando e ele morre na manhã de 25
de novembro de 2003. Tinha 73 anos. Rudolf, fiel até o fim, estava ao lado
dele
Rudolf Brazda uniu-se ao seu amado oito anos depois, em 3 de agosto de 2011,
deixando familiares, amigos e toda uma comunidade, assim como eu, encantada com a sua
humanidade e sensibilidade ao aceitar tratar de um tema tão delicado quanto às amarras que a
sociedade alemã e o regime autoritário nazista lhe impuseram durante a sua juventude.
51
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A herança dos conceitos advindos dos estudos eugênicos foi determinante para a
apropriação do nazismo proposto por Hitler, que pretendia expandir a intolerância, homofobia
e o desrespeito aos seres humanos. A Alemanha no período, vivia em franco desenvolvimento
da ciência da sexualidade, com contribuições inestimáveis propostas por Magnus Hirschfeld,
pioneiro no estudo da transexualidade e que trouxe melhorias significativas para boa parte da
população alemã. Berlim, por sua vez, era considerada uma cidade homossexual: era o berço
dos estudos, assim como acolhia boa parte do entretenimento destinado a esse público, com
bares, lanchonetes, cinemas, revistas e diários destinados aos LGBTI. Encaminhava-se para
uma cidade cosmopolita, diversa e acolhedora. Porém, com a consolidação do nazismo no
poder - não de forma democrática, como prevista com a Constituição de Weimar, mas devido
a pressões internas advindas do partido de Hitler – o espaço para o debate e a defesa das
minorias foi radicalmente comprometido e comumente proibido.
Instaurou-se um ambiente do medo, em que o diferente era combatido e, dessa forma,
a população LGBTI passou a sofrer os efeitos do novo governante alemão. O autoritarismo foi
uma das marcas do nazismo, e dessa forma, estes se preocuparam em reforçar o código
constitucional vigente no país no período, o Código Penal Alemão, que já existia desde a CW.
A área de maior interesse dos nazistas era com relação aos judeus – devido ao contraste e
instinto de preservação em relação à população ariana -, homossexuais – devido à
preocupação do governo com relação à reprodução da população, que deveria atender aos
preceitos maritais impostos em 1935, realizando casamentos apenas entre arianos ou não-
arianos heterossexuais -, crianças e adolescentes judeus – também submetidos à tortura e aos
campos de extermínios – e os partidários de esquerda, também considerados como comunistas
– que, segundo a perspectiva nazista, poderiam ameaçar à continuidade do regime.
Pouco a pouco os homossexuais, tratados no enfoque deste trabalho a partir do
testemunho biográfico de Rudolf Brazda, foram sendo enviados para as prisões. Expostos às
mais variadas torturas, interrogatórios que duravam horas e induzidos a denunciar amigos,
familiares e conhecidos homossexuais, foram consolidando a gama de presos por
homossexualidade e luxúria no Reich. Estima-se que cerca de 45 mil homossexuais foram
presos devido ao artigo 175 do Código Penal Alemão, que criminalizava diretamente o
contato físico-sexual entre homossexuais masculinos ou entre homens e diferentes espécies,
caracterizando a zoofilia. Deste número, a avassaladora maioria destes seguiu para outras
regiões fora do território alemão, se transformaram em desertores da pátria – também tratados
52
como personas non gratas – e tiveram de deixar amigos, familiares e estruturas mínimas de
sobrevivência. Uma outra minoria - incluindo o biografado Rudolf Brazda -, acabou sendo
presa reincidentemente e assinalando sua tortura ao ser transferida para os campos de
concentração, como no caso de Brazda em Buchenwald.
É possível analisar que Rudolf sempre narra sua trajetória por uma perspectiva
coadjuvante de constante testemunho de outrem, muito embora também tenha sofrido as
mesmas punições que os demais prisioneiros na mesma situação. Uma das medidas punitivas
dos nazistas, como a teoria da reversão da polaridade sexual, proposta por Vaernet, levou
cerca de 55% dos prisioneiros homossexuais de Buchenwald à morte, devido ao
posicionamento homofóbico dos nazistas, que enxergavam os homossexuais perante a
perspectiva da heteronormatividade e da interpretação médica enquanto desvio mental.
Além disso, Rudolf foi testemunha na série de dizimações dos militares das tropas
contrárias na guerra, que ao serem capturadas, eram trazidas aos campos de concentração e
fuzilados um a um. O tratamento também era administrado aos prisioneiros indisciplinados,
que acabam sendo mortos no próprio campo de concentração ao qual cumpriam suas penas,
ao invés de serem encaminhados aos campos de extermínio, como no caso dos judeus.
O presente trabalho possuía como enfoque discutir sobre as experiências dos
homossexuais nos campos de concentração e buscar responder ao seguinte questionamento:
em que medida as experiências totalitárias enfrentadas na Alemanha durante o nazismo, com
a presença dos campos de concentração, influenciou na conquista de direitos e na discussão
dos direitos humanos enquanto natos a todo e qualquer ser humano?
Em relação a isso, é possível afirmar que as experiências totalitárias e/ou nazistas
enfrentadas na Alemanha, com a presença dos campos de concentração e a forte
representatividade de conceitos eugenistas, foi determinante para que a criminalização da
homossexualidade fosse instaurada no território alemão. A presença destes nos campos de
concentração denunciaram a existência do preconceito, intolerância e da crueldade humanas,
onde ocorre uma perfeita cisão entre corpo e mente, um abismo entre a voz do sofrimento e o
silêncio tão impetrado por meio dos generais e soldados do regime nazista.
É certo que os comandantes da Schutzstaffel assim como os generais da SS, possuíam
ambições e determinações políticas em jogo quando admitiram os planos de Hitler para a
conduta das forças armadas do país. Aos demais subordinados de ambas as instituições de
segurança, cabe-nos a interpretação de que ocorria um fenômeno de paixão política, onde
nada mais importava do que atender às necessidades e pedidos do chefe carismático – carisma
este conquistado por meio dos discursos de honra e gloria à população alemã, em virtude dos
53
eventos da Primeira Guerra Mundial, que acabou dizimando estruturalmente o país -, este
então passa a ser responsável por manter a ordem ou a organização política da nação.
Os campos de concentração, também podem ser apresentados como um estado de
subvida, onde permeiam eventos e experiências de destruição da humanidade. Em primeiro
grau, ao serem presos nos campos de concentração, determina-se a morte jurídica, sendo esta
a total ausência de direitos e de garantia da preservação da vida dos indivíduos, instaurando-se
um pânico moral e na mesma medida, a total presença de deveres. Em segunda instância, as
circunstâncias da destruição moral, no qual a morte, a tortura e os eventos de humilhação
acabam por passar desapercebidos pelos prisioneiros, que, mediante apresentação de tais
eventos rotineiramente, acabam por desenvolver uma visão apática do ambiente em que se
encontram. E por fim, a individualidade tem seu fim decretado. Os indivíduos, de diferentes
origens e motivos para condenação, acabam por permanecer durante meses no mesmo
ambiente e, dessa forma, criam vínculos que os unem e torna-se determinante para
permanecerem vivos em um ambiente no qual a propensão é a morte.
Com o fim da Segunda Guerra e a invasão estadunidense nos campos de concentração
e no território alemão, tais prisioneiros foram libertados e seguiram a trajetória de suas vidas.
Entretanto, o estigma de ter sofrido tais experiências dura por todo o fim da vida de tais
prisioneiros. A lembrança sobre os eventos é uma constante. Muitos deles encontraram
refúgio e esperanças durante o período de cumprimento de pena devido ao pensamento de
que, algum dia, seriam testemunhas deste tortuoso evento, que acabou por dizimar 34% da
população judia mundial, assinalando como um dos maiores genocídios da história humana.
É certo que tais eventos e experiências aterrorizantes vivenciadas durante a gestão de
Hitler, assim como as vivências dos prisioneiros dos campos de concentração foram não só
importantes, como também essenciais para a discussão e a implementação de direitos
igualitários natos ao homem. O campo dos direitos humanos surgiu como uma resposta a todo
antissemitismo, homofobia, racismo e a intolerância disseminados pelos discursos
ultranacionalistas de Adolf Hitler. Atender à população marginalizada e propensa à violência
é uma das marcas da Declaração Universal dos Direitos Humanos, que ganhou outras
interpretações jurídicas, como no Brasil, em que as políticas públicas da ONU são tratadas
como a base do direito novo, onde as ciências jurídicas nacionais e internacionais distanciam-
se das esferas externas ao homem e passam a analisar perspectivas natas a toda e qualquer
pessoa, garantindo direitos fundamentais de liberdade, segurança e proteção individual.
54
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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BORDIEU, P. A ilusão biográfica. Usos e abusos da história oral. São Paulo: FGV, 1996.
MACIEL, M. E. S. A Eugenia no Brasil. Revista Anos 90. Porto Alegre, v. 1, n. 11, p. 121-
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