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U ma sociedade cada como a grega, sustentada por , desenvolvida numa situacio geogrifica que facilitava 0 comércio entre © Oriente € 0 Ocidente, serviu de berco da cultura, da civilizagdo e da educagio ocidental. estratifi al. Os gregos tinham uma visio unive Comeg¢aram por perguntar-se 0 que € 0 homem. Duas cidades rivalizaram em suas respostas: Esparta e Atenas. Para a primeira o homem devia ser antes de mais nada o resultado de scu culto ao corpo — devia ser forte, desenvolvido em todos os seus sentidos, eficaz em todas as suas ages. Para os atenienses, a virtude principal de um homem devia ser a luta por sua liberdade. Além disso, precisava ser racional, falar bem, defender seus direitos, argumentar. Em Atenas, 0 ideal do homem educado era 0 orador. Esses is, bem entendido, eram reservados apenas aos homens livres. Na Grécia, havia dezessete escravos para cada homem livre. E ser livre significava nao ter Ppreocupagdes materiais ou com © comércio ¢ a guerra — atividades reservadas as classes inferiores. O carater de classe da educagao grega aparecia na exigéncia de que o ensino estimulasse a competi¢ao, as virtudes guerreiras, para assegurar a superioridade militar sobre as. classes submetidas e as regi das. O homem bem-educado tinha de ser capaz de mandar e de obedecer, A educagao ensinava uns poucos a governar. Se ensinasse todos a governar, talvez apontasse um caminho para a democracia, como enten- demos hoje. Entre iguais pode existir 0 didlogo e a liberdade de ensino; ja apenas entre os gregos livres. Assim, a Grécia atingiu o ideal mais avangado da educagao na Antiguidade: a paidéia, uma educacao integral, que consistia na integragao. entre a cultura da sociedade e a criagao individual de outra cultura numa influéncia reciproca, Os gregos criaram uma pedagogia da eficiéncia individual e, concomitantemente, da liberdade e da convivéncia social ¢ politica, Os gregos realizaram a sintese entre a educagao e a cultura: deram enorme valor a arte, a literatura, as ciéncias e a filosofia. A educagdo do homem integral consistia na formagao do corpo pela gindstica, na da mente pela filosofia e pelas ciéncias, e na da moral ¢ dos sentimentas pela muisica e pelas artes. Nos poemas de Homero, a “biblia do mundo heleno”, tudo se estudava: literatura, hist6ria, geografia, ciéncias, etc. Uma educagao Wo rica nado podia escapar as divergéncias. Entre os espartanos predominava a gindstica e a educagio moral, esta submetida ao poder do Estado; ja os atenienses, embora dessem enorme valor ao esporte, insistiam mais na preparagao te6rica para o exercicio da politica. Platao chegou mesmo a desenvolver um curriculo para preparar seus alunos a serem reis. E, de fato, vinte e trés dentre eles chegaram ao poder. Ele mesmo, Platao, queria ser rei O mundo grego foi muito rico em tendéncias pedagdégicas: 14) A de Pitagoras pretendia realizar na vida humana a ordem que se via no universo, a harmonia que a matematica demonstrava; 2") A de Isdcrates centrava 0 ato educativo nao tanto na reflexao, como queria Platao, mas na linguagem e na ret6rica; 38) A de Xenofontes foi a primeira a pensar na educacdo da mulher, embora restrita aos conhecimentos caseiros ¢ de interesse do esposo. Partia da idéia da dignidade humana, conforme ensinara Sécrates. Mas, de longe, Sécrates, Platéo e Arist6teles exerceram a maior influéncia no mundo grego. Os gregos eram educados através dos textos de Homero, que ensinavam as virtudes guerreiras, o cavalheirismo, o amor a gloria, a honra, a forea, a destreza e A valentia, O ideal homérico era ser sempre o melhor © conservar-se superior aos outros, Para isso, era preciso imitar os herdis, rivalizar. Ainda hoje, nossos veiculos de comunicacao, manifestando essa heranga, procuram glorificar sobretudo os herdis combatentes, dando sinal de que a educagao militar e civica repressiva ainda esta presente. Essa €tica patridtica foi exaltada sobretudo pelo nazismo e pelo fascismo. Essa educacao totalitdria sacrificava, principalmente em Esparta, todos os interesses ao interesse do Estado, que exigia devotamento até o sacrificio supremo. Uma sociedade guerreira como a espartana s6 podia exigir das mulheres que perdessem seus tracos femininos: tinham de ser mdes fecundas de filhos vigorosos. As mies possuiam corpos enrijecidos pelos exercicios fisicos. Por outro lado, se desenvolvia a atragao afetiva entre os homens: a pederastia era uma pratica amplamente difundida. O bumanismo ateniense pautava-se pela supremacia de outros valores, jd que em suas escolas, mesmo aristocriticas, as maiores disputas nao eram fisicas mas intelectuais — buscava-se o conhecimento da verdade, do belo e do bem. Platao sonhava com uma reptiblica amplamen- te democratica, dentro dos limites da concepgio de democracia de sua €poca, onde a educagao tinha um papel fundamental. E curioso saber que Platdo pretendia uma educacdo municipal, para evitar as pretensdes totalita: Assim, 0 ensino se submeteria ao controle 0 mais proximo. possivel da comunidade. Todo ensino deveria ser piiblico. A escola primdria destinava-se a ensinar os rudimentos: leitura do alfabeto, escrita e cOmputo. Os estudos secunddrios compreendiam a educagao fisica, a artistica, os estudos literarios e cientificos. A educagdo fisi compreendia principalmente a corrida a pé, o salto em distincia, o lan- ¢amento do disco e do dardo, a luta, o boxe, o pancricio e a gindstica. A educa¢dao antisticaincluia o desenho, o dominio instrumental da lira, ocanto ¢ 0 coral, a masica ¢ a danca. Os estudos literdrios compreendiam © estudo das obras classicas, principalmente de Homero, a filologia (leitura, recitagdo e interpretagdo do texto), a gramitica e os exercicios praticos de redacdo. Os estudos cientificos apresentavam a matemitica, a geometria, a aritmética, a astronomia. No ensino superior prevalecia o estudo da retérica e da filosofia. A ret6rica estudava as leis do bem falar, baseadas numa triplice operagao: a) procurar o que se vai dizer ou escrever; b) por em certa ordem as idéias assim encontradas; ©) procurar os termos mais apropriados para exprimir essas idéias. Dai 0 fato de a ret6rica dividir-se tradicionalmente em trés partes: a invengao, a disposicao e a alocucao. Os estudos da filosofia compreendiam, em geral, seis tratados: a logica, a cosmologia, a metafisica, a ética, a politica, a teodi ia. O ideal da cultura aristocritica grega nao inclufa a formagao para o trabalho: o espirito devia permanecer livre para criar. P _SOcRATes: A VIRTUDE PODE SER ENSINADA, SE AS IDEIAS SAO INATAS? SOCRATES (469-399 0.C.), filbsofo grego nascido em Atenas, foi considerodo o mais espan- ‘oso fendmeno pedagégico da histéria do Ociden- te. Sua preocupasio come educador, a0 contrério dos sofistas, no era a adaptasdo, a dialética tet6rica”, mas despertor e estimular o impulso paro a busca pessoal e proprio e escuto da voz b Nao 0 interessavam as honorérios dos aulas, ‘mas 0 didlogo vivo e amistoso com seus discipulos. ‘Sécrates acreditavo que o autoconhecimento 6 0 inicio do cominho pora o verdadeiro saber. Nao se aprende a andar nesse caminho com o recebimen- to possivo de conteddos oferecidos de fora, mas com a busca trabalhosa que coda qual realizo dentio de si. ‘Sécrates foi acusado de blasfemor contra os deuses e de corromper a juventude. Foi condenado a morte e, opesor da possibil- dode de fugir do prisio, permoneceu fiel a sie a ‘suo missio. ‘Nao deixou nada escrito. 0 que herdamas foi © festemunho de seus contempordineos, especiot mente o de seu discipulo mais importante, Platiio. ae AIMPOTENCIA DA EDUCACAO ~ Donde vem que tantos homens de méritos tenham filhos mediocres? Eu vou te explicar. A coisa nada tem de extraordindrio, se considerares 0 que ja disse antes com razio, que, nesta matéria, a virtude, para que uma cidade possa subsistir, consistiria em nao ter ignorantes. Se esta afirmacdo € verdadeira (e ela 0 é) no mais alto grau, considera, segundo teu parecer, qualquer outra matéria de exercicio ou de saber. Suponhamos que a cidade ndo pudesse subsistir a ndo ser que féssemos todos flautistas, cada um na medida em que fosse capaz; que esta arte fosse também ensinada por todos ¢ para todos publicamente e, em particular, que se castigasse quem tocasse mal, ¢ que nio se recusasse este ensinamento a ninguém, da mesma forma que hoje a justiga e as leis s: ensinadas a todos sem reserva ¢ sem mistério, diferentemente dos outros misteres — * dialética retorica técnica do poder ¢ da imposigio de opinioes. Porque nds nos prestamos servicos reciprocamente, imagino, por nosso respeito da justiga e da virtude, ¢ é por isto que todos estamos sempre prontos a revelar e a ensinar ajustica eas leis — bem, nestas condigdes, a supor que tivéssemos 0 empenho mais vivo de aprender ¢ de ensinar uns aos outros a arte de tocar flauta, crés, por acaso, Socrates, disse-me ele, que se veria freqiientemente os filhos de bons flautistas levarem vantagem sobre os dos maus? Quanto a mim ndo estou convencido, mas penso que aquele que tivesse filho melhor dotado para a flauta vé-lo-ia distinguir-se, enquanto que o filho mal dotado permaneceria obscuro; poderia acontecer, freqientemente, que 0 filho do bom flautista se revelasse mediocre e que o do mediocre viesse a ser bom flautista; mas, enfim, todos, indistintamente, teriam qualquer valor em comparagao aos profanos ¢ aos que sto. absolutamente ignorantes na arte de tocar flauta. Pensa desta forma, que hoje o homem que te parece mais injusto numa sociedade submetida as leis seria um justo e um artista nesta matéria, se o fOssemos comparar aos homens que nio tiveram nem educacdo, nem tribunais, nem leis, nem constrangimento de qualquer espécie para forgé-los alguma vez a tomar cuidado da virtude, homens que fossem verdadeiros selvagens (...) Todo o mundo ensina a virtude na proporgio do melhor que possa; ¢ te parece que no ha ninguém que a possa ensinar; € como se procurasses o mestre que nos ensinou a falar grego: tu ndo encontrarias; ¢ ndo te sairias melhor, imagino, se procurasses qual mestre poderia ensinar aos filhos de nossos artesios o trabalho de seu pai, quando se sabe que eles aprenderam este mister do proprio pai, na medida em que este Ihe podia ter ensinado, ¢ seus amigos ocupados no mesmo trabalho, de maneira que eles nao tém necessidade de um outro mestre. Segundo meu ponto de vista, ndo € facil, Sécrates, indicar um mestre para eles, enquanto seria facilimo para pessoas alheias a toda experiéncia; assim, também, da moralidade e de qualquer outra qualidade andloga. E 0 que acontece com a virtude ¢ tudo o mais: por pouco que um homem supere os outros na arte de nos conduzir para ela, devemos nos declarar satisfeitos, Creio ser um destes, ¢ poder melhor que qualquer outro prestar o servico de tomar os homens perfeitamente educados, ¢ merecer, por isto, o salério que pego, ou mais ainda, segundo a vontade de meus discipulos. Assim eu estabeleci da seguinte maneira a regulamentagao do meu salério; quando um discipulo acabou de receber minhas ligdes, ele me paga 0 preco pedido por mim, caso ele o deseje fazer, do contririo, ele declara num templo, sob a fé dum juramento, o prego que acha justo ao meu ensinamento, € nao me dari mais nada além. Eis af, S6crates, 0 mito e 0 discurso, segundo os quais cu desejei demonstrar que a virtude podia ser ensinada e que tal era a opinido dos atenienses, e que, por outro lado, nao era de nenhuma maneira estranho que um homem virtuoso tivesse filhos mediocres ‘ou que um pai mediocre tivesse filhos virtuosos: nao vemos que os filhos de Policleto, que tém a mesma idade que Xantipo e Paralos aqui presentes, nio estio a altura de seu pai, € que a mesma coisa acontece para muitos filhos de artistas? Quanto a estes jovens, nado devemos apressar-nos em condend-los; ainda nao deram tudo quanto prometem, porque sio jovens. ry od PLAIHO. Protos. Seo Pou, aa ANAUSE £ REFLEXAO 1. Para Séctates, qual era o inicio do verdadeiro saber? 2. Face uma pesquisa sobre o que significavam “ironic e maiévica” no método socratico AEDUCACAO CONTRA A ALI NA ALEGORIA DA CAVERNA PLATAO (427-347 0.C.), principal discipulo de | le, s6 com 0 cumprimento desso tora existe ‘Socrates © mestre de Arist6teles, foi um importan- | educagto, a Gnica coisa que o homem pode levar 18 filésofo. Nascido em Atenas, de uma fomilia | para a etemidode. Poro que se akonce esse nobre, astave em contato com as personalidedes | objetivo é necessério “converter” a almo, encarar mois importantes de sua poco. © educosio como “arte de conversio”, Enire as vorias obras que deixou destacomse Em suo ut6pico repoblica todas os mulheres Repéblica, Alegorio da covemo, Banquete, Sofista, | deveriam ser comuns 0 todos os homens. Para Leis. Mraves delos, formula a torefacentraldetoda | ele as cutoridedes do Estado deveriom decidir educagSo: reticar 0 “olho do espirito” enterrodo no | quem geraria filhos, quando, onde ¢ quantas grosseiro pantonal do mundo aparente, em cons- | vezes, tomte mutase, @ fazelo olhar pors o luz do Estas @ outras teses controversas do obra de verdadeiro ser, do divino; passar gradativamente | Platiio ndo conseguem obscurecer sua contribui- do percepsto lluséria dos sentidos para o com | 50 perene porac conceprio dohomem ockdental templogio da realidade pura e sem folsidade. Poro | © da educacio. ALEGORIA DA CAVERNA f 4 — Vamos imaginar — disse Sécrates — que existem pessoas morando numa cavema subterrinea. A abertura dessa caverna se abre em toda a sua largura ¢ por ela entra a luz. Os moradores estio ai desde sua infiincia, presos por correntes nas pernas © no pescogo, Assim, cles no conseguem mover-se nem virar a cabega para tris. S6 podem ver o que se passa sua frente, A luz que chega ao fundo da caverna vem de uma fogueira que fica sobre um monte atras dos prisioneiros, ld fora, Pois bem, entre esse fogo ¢ os moradores da caverna, imagine que existe um caminho situado num nivel mais elevado. Ao lado dessa passagem se ergue um pequeno muro, semelhante ao tabique atrés do qual os apresentadores de fantoches costumam se colocar para exibir seus bonecos ao ptiblico. — Estou vendo — disse Glauco. — Agora imagine que por esse caminho, ao longo do muro, as pessoas transportam sobre a cabeca objetos de todos os tipos. Levam estatuetas de figuras humanas e de animais, feitas de pedra, de madeira ou qualquer outro material, Naturalmente, os homens que as carregam vio conversando, — Acho tudo isso muito esquisito. Esses prisioneiros que vocé inventou sao muito estranhos — disse Glauco, — Pois eles se parecem conosco — comentou Sécrates. — Agora me diga: numa situagdo como esta, € possivel que as pessoas tenham observado, a seu proprio respeito e dos companheiros, outra coisa diferente das sombras que o fogo projeta na parede a sua frente? — De fato — disse Glauco —, com a cabega imobilizada por toda a vida s6 podem mesmo ver as sombras! —O que vocé acha — perguntou Sécrates — que aconteceria a respeito dos objetos que passam acima da altura do muro, do lado de fora? — A mesma coisa, ora! Os prisioneiros s6 conseguem conhecer suas sombras! — Se eles pudessem conversar entre si, iriam concordar que eram objetos reai sombras que estavam vendo, nao €? Além do mais, quando alguém falasse lé em cima, 0s prisioneiros iriam pensar que os sons, fazendo eco dentro da caverna, eram emitidos pelas sombras projetadas. Portanto — prosseguiu Sécrates — os moradores daquele lugar s6 podem achar que sao verdadeiras as sombras dos objetos fabricados. — EF claro. — Pense agora no que aconteceria se os homens fossem libertados das cadeias ¢ da ilusio em que vivem envolvidos. Se libertassem um dos presos € o forcassem imediatamente a se levantar ¢ a olhar para tras, a caminhar dentro da caverna e a olhar para a luz, Ofuscado, ele sofreria, nao conseguindo perceber os objetos dos quais s6 conhecera as sombras. Que comentiirio voce acha que ele faria, se Ihe fosse dito que tudo © que observara até aquele momento ndo passava de falsa aparéncia e que, a partir de agora, mais perto da realidade ¢ dos objetos reais, poderia ver com maior perfeigao? Nao Ihe parece que ficaria confuso se, depois de lhe apontarem cada uma das coisas que passam ao longo do muro, insistissem em que respondesse o que vem a ser cada um daqueles objetos? Vocé nao acha que ele diria que sao mais verdadeiras as visdes de antes do que as de agora? —Sim— disse Glauco—, o que ele vira antes lhe pareceria muito mais verdadeiro. — E se forgassem nosso libertado a encarar a propria luz? Vocé ndo acha que seus olhos doeriam e que, voltando as costas, ele fugiria para junto daquelas coisas que era capaz de olhar, pensando que elas sao mais reais do que os objetos que lhe estavam. mostrando? — Exatamente — concordou Glauco. ~~ Suponha entdio —continuou Sécrates — que o homem fosse empurrado para fora da caverna, forgado a escalar a subida escarpada e que s6 fosse solto quando chegasse aoar livre. Ele ficaria aflito ¢ irritado porque o arrastaram daquela maneira, no é mesmo? Ali em cima, ofuscado pela luz do Sol, vocé acha que ele conseguiria distinguir uma s6 das coisas que agora nés chamamos verdadeiras? — Nao conseguiria, pelo menos de imediato, — Penso que ele precisaria habituar-se para comegar a olhar as coisas que existem na regiao superior. A principio, veria melhor as sombras. Em seguida, refletida nas 4guas, perceberia a imagem dos homens e dos outros seres. $6 mais tarde é que conseguiria distinguir os proprios seres. Depois de passar por esta experiéncia, durante a noite ele teria condigdes de contemplar 0 céu, a luz dos corpos celestes ¢ a lua, com muito mais facilidade do que o sol e a luz do dia. — Nao poderia ser de outro jeito. — Acredito que, finalmente, ele seria capaz de olhar para o sol diretamente, ¢ no mais refletido na superficie da 4gua ou seus raios iluminando coisas distantes do proprio astro. Ele passaria a ver 0 sol, la no céu, tal como ele é. — Também acho — disse Glauco. — A partir dai, raciocinando, o homem libertado tiraria a conclusio de que é 0 sol que produz as estagdes ¢ os anos, que governa todas as coisas visiveis. Fle perceberia que, num certo sentido, o sol é a causa de tudo o que ele € seus companheiros viam na caverna. Vocé também nao acha que, lembrando-se da morada antiga, dos conhecimen- tos que la se produzem e dos scus antigos companheiros de prisdo, ele lamentaria a situagdo destes e se alegraria com a mudanga? — Decerto que sim. — Suponhamos que os prisioneiros concedessem honras ¢ elogios entre si. Eles atribuiriam recompensas para o mais esperto, aqucle que fosse capaz de prever a passagem das sombras, lembrando-se da seqiéncia em que elas costumam aparecer. Vocé acha, Glauco, que o homem libertado sentiria cidme dessas distingdes ¢ teria inveja dos prisioneiros que fossem mais honrados ¢ poderosos? Pelo contrario, como o personagem de Homero, ele nao preferiria “ser apenas um pedo de arado a servigo de um pobre lavrador”, ou sofrer tudo no mundo, a pensar como pensava antes e voltar a viver como vivera antes? — Da mesma forma que vocé, ele preferiria sofrer tudo a viver desta maneira. — Imagine entdo que o homem liberto voltasse 4 caverna ¢ se sentasse em seu antigo lugar. Ao retomar do sol, ele nao ficaria temporariamente cego em meio as trevas? — Sem davida. — Enquanto ainda estivesse com a vista confusa, ele nao provocaria risos dos companheiros que permaneceram presos na caverna se tivesse que entrar em compe- tigcdo com eles acerca da avaliagio das sombras? Os prisioneiros nao diriam que a subida para o mundo exterior lhe prejudicara a vista e que, portanto, nao valia a pena chegar até [4? Vocé nao acha que, se pudessem, eles matariam quem tentasse libert4-los e conduzi-los até 0 alto? — Com certeza. —Toda esta histéria, caro Glauco, é uma comparagio entre 0 que a vista nos revela normalmente eo que se vé na caverna; entre a luz do fogo que ilumina o interior da prisdo. €aagio do sol; entre a subida para o lado de fora da caverna, junto com a contemplagao do que lé existe, ¢ entre © caminho da alma em sua ascensio ao inteligivel. Eis a explicagao da alegoria: no Mundo das Idéias, a idéia do Bem é aquela que se vé por Ultimo e a muito custo. Mas, uma vez contemplada, esta idéia se apresenta ao raciocinio como sendo, em definitivo, a causa de toda a retidao € de toda a beleza. No mundo visivel, ela 6a geradora da luz e do soberano da luz. No Mundo das Idéias, a propria idéia do Bem é que da origem a verdade e 4 inteligéncia. Considero que é necessirio contempli-la, caso se queira agir com sabedoria, tanto na vida particular como na politica. RIBEIRO, Jorge iutio. Plato, sao wap. Sto Pu, Fi AWALUISE £ REFLEXAO 1. De acordo com Platéo, qual € a tarefa central de tode educacdo? 2. Explique o que Platéo pensave sobre a democracia. 3. Anole as principals conclusdes a que voc’ chegou lendo Alegoria da caverna e discutaas com seus companheiros. Bors AVIRTUDE ESTA NO MEIO-TERMO ARISTOTELES (384-322 0.C.) 6, com Platiio, | coisas, como sua prépria esséncia. € também reolista um dos mais geniais filésofos gregos e o maior | em sua concepsio educacional; expde tés fatores. sistematizodor de toda o Antiguidade. (principais que determinom o desenvolvimento espirity- Nascido na Macedénia, ingressa com 17 cnas | al do homem: “disposigo inata, habito # ensino”. no Academia de Atenas, onde permonece estudan- | Comisso, mastra-se favordvel a medidas educacionais do e ensinando durante 20 anos, até a morte de | “condicionantes” ocredito que homem pode ‘seu mestre, Platéo. ‘Tomor-se a ciatura mais nobre, como pode tomarsea Conbrio ao ideolismo de seu mest, Aistételes | pior de todas, que aprendemos fazendo, que nos prego de manera realsta que as idéias esto nas | tomomosjustos agindo justomente, ieee OS CARACTERES Carter dos jovens Os jovens, mercé do carater, so propensos aos desejos e capazes de fazer 0 que desejam. Entre os desejos do corpo, a principal inclinagao ¢ para os desejos amorosos, ¢ nao conseguem domina-los. Sdo inconstantes ¢ depressa se enfastiam do que desejaram; se desejam intensamente, depressa cessam de desejar. Suas vontades so violentas, mas sem duracdo, exatamente como os acessos de fome e de sede dos doentes. Sio coléticos, irritadigos e geralmente deixam-se arrastar por impulsos. Domina-os a fogosidade; porque sio ambiciosos, nao toleram ser desprezados, ¢ indignam-se quando se julgam vitimas de injustica. Gostam das honras, mais ainda da vitoria, pois a juventude € vida de superioridade, e a vit6ria constitui uma espécie de superioridade. (...) A indole deles é antes boa do que ma, por nao terem ainda presenciado muitas aces mis. Sio também crédulos, porque ndo foram todavia vitimas de muitos logros. Estao cheios de sorridentes esperancas; assemelham-se aos que beberam muito vinho, sentem calor como estes, mas por efeito de seu natural ¢ porque nao suportaram ainda muitos contratempos. Vivem, a maior parte do tempo, de esperanca, porque esta se refere a0 porvir, e a recordacao, ao passado; ¢ para a juventude o porvir é longoe o passado, curto. Nos primeiros momentos da vida, no nas recordamas de coisa alguma, mas podemos tudo esperar. E ficil enganar os jovens, pela razio que dissemos, pois esperam facilmente. Sio mais corajosos que nas outras idades, por serem mais prontos em se ‘encolerizarem e propensos a aguardar um éxito feliz de suas aventuras; a cOlera faz que ignorem 0 temor, ¢ a esperanga incute-Ihes confianga; com efeito, quando se esta encolerizado, nao se teme coisa alguma e o fato de esperar uma vantagem inspira confianga Sio igualmente levados a se envergonbar, pois nao suspeitam que haja algo de belo fora das prescrigdes da lei que foi a Gnica educadora deles. Sao magninimos, porque a vida ainda nao os envileceu nem tiveram a experiéncia das necessidades dla existéncia. Alids, julgar-se digno de altos feitos, esta é a magnanimidade, este 0 cariter de quem concebe amplas esperangas. Na agto preferem o belo ao atil, porque na vida deixam- se guiar mais por seu carater do que pelo clculo; ora, 0 cdlculo relaciona-se com o til, a virtude, com o belo. Mais do que acontece em outras idades, gostam dos amigos ¢ companheiros; porque sentem prazer em viver em sociedade e nao estio ainda habituados a julgar as coisas pelo critério do interesse, nem por conseguinte a avaliar os amigos pelo mesmo critério, Cometem faltas? Estas so mais graves ¢ mais violentas, (...) pois em tudo poem a nota do excesso; amam em excesso, odeiam em excesso, ¢ do mesmo modo se comportam em todas as outras ocasides. Pensam que sabem tudo e defendem com valentia suas opinides, o que é ainda uma das coisas de seus excessos em todas as coisas. As injustigas que cometem sao inspiradas pelo descomedimento, nao pela maldade. Sao compassivos, porque supdem que todos os homens sdo virtuosos e melhores do que realmente sao. Sua inocéncia serve-lhes de bitola para aferirem a inocéncia dos outros, imaginando sempre que estes recebem tratamento imerecido, Enfim, gostam de rir, e dai ‘0 serem levados a gracejar, porque 0 gracejo € uma espécie de insoléncia polida. Este € 0 cariter da juventude, Carter dos velhos Os velhos e aqueles que ultrapassaram a flor da idade ostentam geralmente caracteres quase opostos 20s dos jovens; como viveram muitos anos, € sofreram muitos desenganos, e cometeram nivitas faltas, e porque, via de regra, os negécios humanos sio malsucedidos, em tudo avangam com cautela ¢ revelam menos forga do que deveriam. ‘Tém opinides, mas nunca certezas. Irresolutos como sio, nunca deixam de acrescentar 40 que dizem: “talvez”, “provavelmente”. Assim se exprimem sempre, nada afirmam de modo categ6rico. Tém também mau cariter, pois sio desconfiados ¢ foi a experiéncia que Ihes inspirou essa desconfianga. Mostram-se remissos em suas afeigdes € Odios, € isso pelo mesmo motivo; (...) amam como se um dia devessem odiar e odeiam como _ se um dia devessem amar. Sao pusilinimes, porque a vida os abateu; ndo desejam coisa alguma de grande ou de extraordinario, mas unicamente o bastante para viver. S40 mesquinhos, porque os bens sao indispensiveis para viver, mas também porque a experiéncia Ihes ensinou todas as dificuldades em os adquirir e a facilidade com que se perdem. Sao timidos e tudo lhes é motivo de temor, porque suas disposicdes s4o contririas As dos jovens; estdo como que gelados pelos anos, a0 passo que os jovens sao ardentes. Porissoa velhice abre o caminhoa timidez, j4 que o temoré uma espécie de resfriamento. Esto apegados a vida, sobretudo quando a morte se aproxima, porque 0 desejo incide naquilo que nos falta ¢ o que nos falta € justamente o que mais desejamos. Sao excessivamente egoistas, 0 que é ainda sinal de pusilanimidade. Vivem procurando apenas o ttil,nd0.0 bem, e nisso mesmo dio provas de excesso, devido ao seu egoismo, uma vez que 0 (itil é o bem relativamente a nés mesmos; e o honesto, o bem em si Os velhos sdo mais inclinados ao cinismo do que 4 vergonha; como cuidam mais do honesto do que do Util, desprezam 0 que dirao os outros. S40 pouco propensos a esperar, em razio de sua experiéncia — pois a maior parte dos negécios humanos s6 acarretam desgostos ¢ muitos efetivamente sio malsucedidos — mas a timidez concorre igualmente para isso. Vivem de recordagdes mais que de esperangas, porque o que lhes resta de vida € pouca coisa em comparacao do muito que viveram; ora, a esperanca tem por objetivo o futuro; a recordagio, o passado. £ essa uma das razdes de serem tio faladores, passam o tempo repisando com palavras as lembrangas do passado; € esse 0 maior prazer que expertimentam. Irritam-se com facilidade, mas sem violéncia; quanto seus desejos, uns jd os abandonaram, outros sio desprovidos de vigor. Pelo que ja ndo estdo expostos aos desejos que cessaram de os estimular ¢ substituem-nos pelo amor do ganho. Dai a impressao que se tem de os velhos serem dotados de certa temperanga; na tealidade, seus desejos afrouxaram, mas estio escravizados pela cobiga. Em sua maneira de proceder, obedecem mais ao calculo do que a indole natural — dado que 0 calculo visa o util, ¢ a indole, a virtude. Quando cometem injustigas, fazem- no com o fim de prejudicar, ¢ nao de mostrar insoléncia. Se os velhos sio igualmente acessiveis 4 compaixao, os motivos sio diferentes dos da juventude; os jovens sio compassivos por humildade; os velhos, por fraqueza, pois pensam que todos os males estdo prestes a vir sobre eles e, como vimos, esta é uma das causas. da compaixao. Dai vem o andarem sempre lamuriando-se, e nao gostarem nem de gracejar, nem de rir; pois a disposigio para a lamiria é 0 contririo da jovialidade. Tais sio 0s caracteres dos jovens € dos velhos. Como todos 0s ouvintes escutam de bom grado os discursos conformes com seu cardter, nao resta diivida sobre a maneira como devemos falar, para, tanto nés, como nossas palavras, assumirem a aparéncia desejada. Carater da idade adulta Os homens, na idade adulta, terdo evidentemente um cariter intermédio entre os que acabamos de estudar, com a condigao de suprimir 0 excesso que ha nuns e noutros. Nao mostrarto nem confianga excessiva oriunda da temeridade, nem temores exagera- dos, mas manter-se-4o num justo meio relativamente a estes dois extremos. A confianga deles nao é geral, nem a desconfianga, € em seus juizos inspiram-se de preferéncia na verdade, Nao vivem exclusivamente para 0 belo, nem para o util, mas para um e outro igualmente. Nao se mostram sovinas nem esbanjadores, mas neste particular observam a justa medida. © mesmo se diga relativamente ao arrebatamento e ao desejo. Neles, a temperanca vai acompanhada de coragem e a coragem de temperanga, 20 passo que nos jovens e nos velhos estas qualidades sio separadas; pois a juventude € a um tempo corajosa € intemperante, ¢ a velhice temperante e timida. Numa palavra, todas as vantagens que ajuventude ea velhice possuem separadamente se encontram reunidas na idade adulta; onde os jovens e os velhos pecam por excesso ou por falta, a idade madura da mostras de medida justa e conveniente. A idade madura para o corpo vai de trinta a trinta e cinco anos; para a alma, situa-se 4 volta dos quarenta e nove anos®. Tais so os caracteres respectivos da juventude, da velhice e da idade adulta ARISTOTELES. Ate rettrica e one poética. Sdo Paulo, Difusto Ewoptio do Liro, 1951 ANAuse £ REFLEXAO 1. De que maneira Aristételes contrario © idealismo de seu mestre? 2. Explique por que Aristételes & considerado ‘ealisia em sua concepséo educacional 3. Faca um resumo das caracteristicas dos jovens, dos velhos e da idade adulta, segundo Aristoteles. * O ponto de maturidade (acme) é muito usado na cronologia dos gregos. Plato (Republica, VII, 540 a) situa nos cingienta anos © ponto mais elevado da atividade intelectual.

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