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11/04/2023, 22:39 Projetos independentes, plataformas digitais e ações em rede redefinem o jornalismo no Nordeste | Observatório da Imprensa

Tuesday, 11 de April de 2023


ISSN 1519-7670 - Ano 23 - nº 1233 

Atlas da Notícia
Atlas da Notícia 3.0

Projetos independentes, plataformas


digitais e ações em rede redefinem o
jornalismo no Nordeste
Edição 1067
por Mariama Correia
10 de dezembro de 2019

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Na segunda região mais populosa do país (mais de 27% da população brasileira, segundo o IBGE), o jornalismo resiste e
se multiplica com a força das rádios e das ferramentas digitais, assumindo novos contornos para se aproximar do seu
público. O Nordeste é responsável por 1.722 dos veículos jornalísticos mapeados nesta terceira edição do Atlas da
Notícia. Isso representa 15% do total do levantamento.

O mapeamento da região apresentou resultados mais robustos nesta edição da pesquisa. No ano passado, 109 novos
veículos foram somados à base de dados Nordeste do Atlas da Notícia. Neste ano, foram 195 novos registros. Com isso,
o total de veículos mapeados nos nove estados nordestinos chegou a 922 rádios, 395 veículos online, 202 impressos e
203 televisões.

É importante observar que esse crescimento não significa necessariamente que novos veículos foram criados, mas que
aumentamos a capilaridade do levantamento. Isso quer dizer que, a cada edição da pesquisa, conseguimos ter um olhar
mais amplo sobre o jornalismo local.

Com maior número de habitantes da região, a Bahia foi o estado onde encontramos mais veículos jornalísticos: 458 no
total, sendo 246 rádios, 110 online, 71 impressos e 31 TVs. Também foi o estado com o maior número de veículos por
habitantes (4,41 a cada 100 mil). A presença marcante das rádios e dos veículos digitais observada no território baiano,
assim como nos dados gerais do Nordeste, aponta para a reconfiguração do mercado de notícias locais.

Partes desses movimentos já foram observados desde a edição anterior do Atlas. A crise dos impressos e os desafios
financeiros enfrentados pelas grandes empresas estão provocando mudanças agudas no mercado de comunicação.
Alguns dos desafios impostos por essa nova realidade fizeram de 2019 um ano especialmente desafiador para o
jornalismo no Nordeste.

Os desertos de notícias
Região historicamente invisibilizada pela mídia de abrangência nacional, centralizada na região Sudeste, o Nordeste
ainda produz um jornalismo concentrado nas capitais. Em termos de volume de veículos jornalísticos registrados nas
cidades da região, Fortaleza (CE) ficou em primeiro lugar, com 72 veículos, seguida por Salvador (BA), Recife (PE), Maceió
(AL), São Luís (MA), Teresina (PI), João Pessoa (PB), Natal (RN) e Aracaju (SE).

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Essa distribuição desnivelada da cobertura jornalística amplia os vazios de notícias. Nesta edição da pesquisa, 1.318 dos

1.794 municípios nordestinos foram classificados como desertos de notícias, ou seja, lugares que não contam com meios
de jornalismo local. O dado é alarmante. Significa dizer que em 73,5% dos municípios da região não há cobertura
jornalística da vida cívica.

A proporção aumentou em relação ao levantamento passado, quando 64% dos municípios nordestinos foram apontados
como desertos noticiosos. Uma explicação possível está no próprio refinamento dos dados do Atlas, com mais veículos
identificados como não-jornalísticos este ano, segundo os critérios estabelecidos pelo mapeamento. A maior
desertificação, entretanto, também tem relação com o enfraquecimento da cobertura regional, como veremos.

Considerando a quantidade de municípios, o estado com maior proporção de desertos de notícias é Sergipe (85,6%),
seguido pelo Rio Grande do Norte (83%) e pelo Piauí (81,6%).
Os desertos de notícias não estão apenas nos recantos mais longínquos. Muitos municípios das regiões metropolitanas
das capitais são desertos de notícias. É o caso de Nossa Senhora do Socorro (SE), Camaragibe (PE) e Maranguape (CE).
Mais próximas dos grandes centros urbanos, essas localidades são impactadas pela zona de influência dos veículos
tradicionais consolidados, embora, na maioria das vezes, não recebam uma cobertura sistemática por parte desses
veículos.

Internet abre caminho para novos modelos de negócio


Alguns casos emblemáticos ajudam a entender os desafios do jornalismo no Nordeste e como o mercado está se
reconfigurando. Maior jornal diário do estado, o quase centenário Gazeta de Alagoas, que pertence à família do senador
Fernando Collor de Mello (Pros-AL), já havia anunciado o fim de sua edição diária no ano passado. A mudança resultou
na demissão de trinta dos 45 profissionais da redação e deixou uma lacuna na cobertura local.

Este ano, o periódico retomou edições diárias na internet apostando em novos formatos. As notícias podem ser
acessadas pelo aplicativo do jornal, inclusive em versão de áudio. O app também inclui podcasts e vídeos. A versão
impressa ficou restrita a uma edição semanal, que circula nos fins de semana e também é disponibilizada em versão flip
no portal.

As plataformas digitais abrem caminhos para os negócios das grandes empresas de mídia, mas também para projetos
independentes. Em dificuldades financeiras, este ano, as três maiores empresas de comunicação de Alagoas – Pajuçara
Sistema de Comunicação (TV Pajuçara), Organização Arnon de Mello (TV Gazeta, TV Mar, G1 Al e Gazetaweb) e Sistema
Opinião de Comunicação (TV Ponta Verde e Portal OP9) – propuseram a redução do piso salarial dos jornalistas.

Os profissionais iniciaram uma greve geral que ganhou repercussão nacional, com a hashtag #LuteComoUmJornalista
chegando ao primeiro lugar dos trending topics do Twitter no Brasil. A crise reverberou na produção de notícias. Dois
dos principais programas jornalísticos da TV Pajuçara não foram ao ar por falta de conteúdo e mão de obra na noite de
25 de julho, dia da deflagração do movimento.

Depois de nove dias de paralisação, a Justiça decidiu vetar a redução salarial e conceder reajuste de 3% para os
jornalistas. Mas as retaliações vieram nos meses seguintes, com a demissão de vários profissionais que aderiram à greve.
Depois disso, alguns dos jornalistas demitidos se uniram para criar novos veículos independentes, aproveitando a
liberdade das plataformas digitais. Alguns exemplos são o canal de notícias no YouTube Acta, do Mídia Caeté e da TV
Liberdade.

De fato, projetos de jornalismo independente em plataformas digitais têm proliferado no Nordeste. Entre as novas
iniciativas, o coletivo independente de mídia Retruco (PE) entrou no ar este ano, reforçando esse novo ecossistema
midiático. São exemplos de iniciativas já existentes na região a Agência Tatu de Jornalismo de Dados (AL), a Marco Zero

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Conteúdo (PE) e a agência Saiba Mais (RN). Interessante também observar a aposta no jornalismo comunitário feita por

veículos como a Central Popular de Comunicação, no sertão pernambucano, que é digital, e a Agência de Notícia das
Favelas, fundada no Rio de Janeiro, que iniciou edições impressas este ano em Salvador (BA) e no Recife (PE).

Colaboração como alternativa


A colaboração pode ser uma saída para a sustentabilidade dos jornais nordestinos. Exemplo disso é a Rede Nordeste,
formada pelos periódicos O Povo (Fortaleza-CE), Jornal do Commercio (Recife -PE) e Correio (Salvador -Bahia), que
completou um ano em maio de 2019. O principal objetivo da iniciativa de colaboração é a troca de conteúdo para dar
amplitude à cobertura regional. Esse tipo de interação também surge como alternativa para reforçar a capacidade de
produção e enfrentar a realidade de cortes nas redações.

A força do jornalismo de proximidade


No Maranhão, a TV Mirante, afiliada da TV Globo e pertencente à família Sarney, fechou escritórios no interior do estado
nos últimos três anos, restringindo sua produção regional. O recuo de veículos consolidados das coberturas regionais,
visto no fechamento de sucursais nos municípios mais afastados das capitais e no enxugamento das equipes, tem
aprofundado os desertos noticiosos em todo o Nordeste.

Nos municípios do interior, as lacunas deixadas pela grande mídia estão sendo preenchidas pelas rádios e pelos blogs. A
cobertura produzida por esses veículos é mais próxima da realidade da população, com destaque para assuntos por
vezes desprezados pelos critérios de noticiabilidade das redações nos grandes centros urbanos. Não por acaso, as rádios
e os blogs locais se tornam, muitas vezes, as principais fontes de informação em regiões desassistidas pela mídia
tradicional.

O noticiário policial e o político são predominantes. A pesquisa do Atlas da Notícia observou que muitos dos blogs
noticiosos do Nordeste são mantidos apenas por uma pessoa, com forte tendência à personificação dos projetos. Foram
mapeadas 27 iniciativas individuais em plataformas digitais no Nordeste, do total de 395 veículos online. Nem sempre foi
possível identificar se o autor do blog tinha formação como jornalista. Um ponto que vale observar é a baixa participação
das mulheres nesses veículos, massivamente comandados por homens.

Redes sociais como o Facebook, além de grupos e listas de transmissão no WhatsApp, são as ferramentas digitais mais
utilizadas para a propagação de noticias pelos blogs mapeados. O WhatsApp é uma via de mão dupla, porque também é
usado como um canal direto entre o produtor de conteúdo e os leitores, incentivados a fazer denúncias pelo aplicativo
de troca de mensagens.

Em termos de conteúdo, a influência de políticos é marcante. Essa característica fica evidente na recorrência com a qual
certos deputados, vereadores e outros políticos de influência na região dos blogs aparecem nas publicações. Também é
comum encontrar repasses de gabinetes de políticos para esses veículos, como pagamentos para divulgação de
conteúdos. Há casos em que a plataforma de comunicação também pode servir de trampolim para que o próprio
blogueiro se lance em uma carreira na política institucional. Exemplo disso foi o anúncio da pré-candidatura a vereador
de Romero Moraes, dono do blog Mais Pajeú, que também tem uma web TV e uma web rádio.

O desafio de mapear o Nordeste


O mapeamento do Atlas da Notícia é feito com a participação de voluntários nos estados brasileiros. No Nordeste, a
pesquisa contou com a participação de estudantes das universidades federais de Pernambuco, Piauí e Bahia, além da
Universidade Estadual da Paraíba, das Faculdades Integradas Barros Melo (Pernambuco), da Universidade Católica de
Pernambuco e de profissionais voluntários.

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Como nem todos os estados mobilizaram equipes de pesquisa, para cobrir toda a região foi preciso distribuir o território

entre os participantes. Além desse desfalque, as dificuldades no acesso a informações básicas sobre os veículos,
sobretudo os blogs noticiosos, também foram entraves para a pesquisa no Nordeste. Poucos projetos se preocupam
com a transparência de informações, como a propriedade do veículo e o número de colaboradores. Em alguns casos, é
difícil conseguir até os dados para contato.

Contudo, diante da velocidade com a qual os veículos digitais estão proliferando e de todos os movimentos que
reconfiguram os negócios de comunicação, sabemos que a relevância da cobertura local está em ascensão na região. Os
desafios que enfrentamos no mapeamento dessas iniciativas apenas nos mostram que ainda temos muito espaço para
avançar na compreensão do jornalismo feito no Nordeste.

Colaboradores
O Atlas da Notícia é um projeto de pesquisa colaborativo que contou com a participação das seguintes pessoas no
Nordeste:

Ana Júlia Moreira dos Anjos Almeida


Anderson Luis Bispo Dos Santos
Andressa Franco dos Santos Lima
Camila Xavier de Barros e Souza
Débora Natacha Guedes de Oliveira
Everton Ruan Amorim da Silva
Géssika Aline Lima da Costa
Gláucia Campos Santana
Isadora Sarno de Lima
Ivanise Hilbig de Andrade
Jaciela Nayara Cordeiro de Arruda
João Claudio de Santana Guerra
João Vítor Pinto Delfino Sena
Jordana Fonseca Barros
Leonardo Almeida Rangel
Luan Ribeiro Pugliesi Lessa
Lucas Eduardo Vilas Boas Bulhosa Reis Santos
Maria Eduarda de Santana Gomes
Raianne de Almeida Romão
Rakeche Rayza Santos Nascimento
Sara Cristina Simas Couto

E com o apoio das seguintes instituições:

Faculdades Integradas Barros Melo


Universidade Católica de Pernambuco (Unicap)
Universidade Estadual da Paraíba (UEPB)
Universidade Federal da Bahia (UFBA)
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE)
Universidade Federal do Piauí (UFPI)
***

Mariama Correia é jornalista formada pela Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e pós-graduada pela
Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Repórter do coletivo de jornalismo investigativo e independente Marco

Zero Conteúdo, com passagem pela editoria de Economia do jornal Folha de Pernambuco. Já assinou matérias no The
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Intercept Brasil, em publicações da Editora Abril e no Jornal do Commercio. Contribuiu com o projeto de fact-checking

“Truco nos Estados”, da Agência Pública, durante as eleições de 2018. Tem curso de Jornalismo de Dados pela Associação
Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) e de Mídias Digitais na Kings (UK).

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