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CAMPINAS
2019
THAIS CRISTINA MONTANARI
CAMPINAS
2019
Ficha catalográfica
Universidade Estadual de Campinas
Biblioteca do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas
Cecília Maria Jorge Nicolau - CRB 8/3387
1. Capela de São Miguel Arcanjo, São Paulo (SP). 2. Arte - História. 3. Arte
colonial. 4. Patrimônio cultural. 5. Relações culturais. 6. São Paulo (SP) - História. 7.
Arquitetura colonial. I. Migliaccio, Luciano. II. Martins, Renata Maria de Almeida. III.
Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Filosofia e Ciências Humanas. IV.
Título.
Título em outro idioma: The São Miguel Chapel in São Miguel Paulista : a document of
architecture and art
Palavras-chave em inglês:
Art - History
Colonial art Cultural
heritage Cultural
relations
São Paulo (SP) - History
Colonial architecture
Área de concentração: História da Arte
Titulação: Mestra em História
Banca examinadora:
Luciano Migliaccio [Orientador]
Leandro Karnal
Renato Cymbalista
Data de defesa: 26-03-2019
Programa de Pós-Graduação: História
Dizem que fazer uma pós-graduação e escrever uma dissertação de mestrado é tarefa
dura e solitária. Pois eu digo que eu tive a sorte, o privilégio e a felicidade de ter ao meu lado,
e de ter cruzado com pessoas que tanto me apoiaram e me ajudaram de alguma forma, e da
forma que puderam durante a minha jornada.
Sou grata à Professora Renata Martins e ao Professor Luciano Migliaccio com a
certeza de que não poderia ter tido melhor orientação. Agradeço pela orientação,
compreensão, ética e amizade. Por terem acreditado e confiado em mim e neste projeto, por
sempre me apoiarem e sempre terem as palavras certas nos momentos certos para que eu
seguisse sempre em frente.
Agradeço ao Professor André Tavares Pereira e ao Professor Leandro Karnal pela
participação na banca de qualificação, pelas preciosas observações, críticas e indicações
bibliográficas, as quais orientaram e enriqueceram esta dissertação. Agradeço ao Professor
Renato Cymbalista e novamente ao Professor Leandro Karnal pela participação e pelas
considerações da defesa desta dissertação de mestrado.
Agradeço ao Júlio Moraes por tão gentilmente ceder a documentação produzida
durante os trabalhos de restauro. Sem esta documentação esta pesquisa não teria sido possível.
Agradeço aos trabalhadores e trabalhadoras de todos os estabelecimentos de pesquisa
que visitei, pela atenção e solicitude. Ao Leandro e ao Daniel da secretaria de pós-graduação
do IFCH; e à Juliana Pessoa, da Associação Cultural Beato José de Anchieta, responsável pela
Capela de São Miguel.
Agradeço à Angélica Brito pela grande ajuda e solicitude com referências documentais
e bibliográficas, e outras questões sobre a igreja Nossa Senhora do Rosário do Embu e Museu
de Arte Sacra dos Jesuítas.
Agradeço aos amigos queridos que de alguma forma me ajudaram e me apoiaram
durante o mestrado: Isabela de Oliveira Salinas, Francislei Lima da Silva, Carlos Lima Junior,
Samuel Mendes Vieira e João Vitor Brancato; e aos colegas do grupo de pesquisa Barroco
cifrado: pluralidade cultural na arte e na arquitetura das missões jesuíticas no estado de São
Paulo (1549-1759) da FAU-USP.
Agradeço principalmente a meus pais, Edson e Elisabeth, por terem me apoiado
durante todo esse percurso acadêmico. Por terem me levado a sério quando disse, ainda
jovenzinha, que queria fazer do estudo o meu trabalho. Por sempre vibrarem a cada conquista,
pelo apoio financeiro, pela compreensão e por continuarem me incentivando a seguir este
caminho.
Agradeço especialmente ao Vitor pela contribuição mais importante que eu poderia ter
nesta jornada: pelo apoio, carinho e compreensão. Por me acompanhar a cada viagem: de
campo, de reuniões, de congressos, sempre que possível. Por vibrar junto comigo a cada
conquista e por ser meu porto seguro nos momentos de desolação. Pelas leituras ponderadas,
pelas críticas, traduções e revisões textuais. Por ser meu melhor amigo e meu amor.
Por fim, agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior-
CAPES (Edital PROEX- 0487. Processo nº 1684412), pelo apoio financeiro sem o qual esta
pesquisa teria sido muito mais árdua.
Coração americano
Acordei de um sonho estranho
Um gosto, vidro e corte
Um sabor de chocolate
No corpo e na cidade
Um sabor de vida e morte
Coração americano
Um sabor de vidro e corte.
Milton Nascimento
Reconstruída em 1622, a Capela de São Miguel fazia parte de uma antiga rede de aldeamentos
estabelecidos pelos missionários jesuítas, ainda no século XVI na Capitania de São Vicente.
Sendo uma das obras artísticas e arquitetônicas mais importantes do período colonial paulista,
tornou-se um dos primeiros bens tombados e restaurados pelo Instituto do Patrimônio
Artístico Nacional (IPHAN) entre 1938 e 1941. Apesar de ter passado por diversas obras de
manutenção e de restauro ao longo dos séculos, a capela ainda preserva, além de sua
construção em taipa de pilão, parte da sua decoração do período colonial, especialmente as
pinturas murais encontradas embaixo dos altares laterais em madeira, durante o último
trabalho de restauro, em 2007. Assim, abrangendo um arco temporal que remonta desde o
século XVI até o século XXI, o presente estudo propõe uma reflexão acerca da historicidade
da Capela de São Miguel, aprofundando os estudos e as análises sobre manifestações
artísticas e arquitetônicas, especialmente as pinturas parietais e demais ornamentos da Capela;
abrangendo também a questão da sua patrimonialização. Haja vista a possibilidade do
emprego de mão-de-obra indígena e mestiça na construção e decoração da Capela de São
Miguel, faz-se necessária a análise das relações interculturais entre as tradições europeia e
ameríndia, considerando as suas especificidades locais e referências globais.
Palavras Chave: Interculturalidade; Arte colonial; Arquitetura Colonial; São Paulo colonial;
Patrimônio Cultural.
ABSTRACT
The São Miguel Chapel is a small church located in the outskirts of the Greater São Paulo
region. The Chapel that exists today was built to replace another preexistent church in 1622. It
has been protected by Brazil‘s national heritage institute IPHAN since 1938-41, and though it
has been through many maintenance and restoration interventions over the centuries it
remains a valuable source of information about the makings of religious art during Brazil‘s
colonization process. The Chapel preserves, to this day, its rammed earth structure, part of its
decorations from the colonial period, and, most importantly, the exquisite mural paintings that
were found hiding behind the church‘s side altars during the last major restoration procedure
in 2007. Hereby, this study aims to investigate the history of the São Miguel Chapel by
piecing together events and data recorded from the XVI to the XXI centuries, deepening our
understanding of the Chapel‘s artistic and architectural elements, especially the mural
paintings and ornaments. Finally, since the chronology of its making indicates the presence of
indigenous and mestizo labor and craftsmanship, the study of the São Miguel Chapel requires
the analysis of the specific context in which the relationship between european and indigenous
cultures took place, taking into serious account local specificities as well as global reference
systems.
Keywords: Intercultural exchange; Colonial Art; Colonial Architecture; Colonial São Paulo;
Cultural Heritage.
LISTA DE FIGURAS
ACSP - Atas da Câmara da Vila de São Paulo. São Paulo, Prefeitura Municipal, 1914-.
CONDEPHAAT - Conselho de defesa do patrimônio histórico, artístico, arqueológico e
turístico do Estado de São Paulo.
DI - Publicação oficial de Documentos Interessantes para a História e Costumes de São
Paulo, 1894-1991. 96 vols.
DPH - Departamento do Patrimônio Histórico da Prefeitura Municipal de São Paulo.
FAUUSP- Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.
HCJB - LEITE, Antonio Serafim, S. J., História da Companhia de Jesus no Brasil, Belo
Horizonte: Itatiaia, 2000. 10 v.
IEB - Instituto de Estudos Brasileiros, Universidade de São Paulo.
IFCH - Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Estadual de Campinas.
IHGSP - Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.
IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
MAS - Museu de Arte Sacra de São Paulo.
MPA - Movimento Popular de Arte.
RGSP - Registro Geral da Câmara da Vila de São Paulo. São Paulo, Prefeitura Municipal,
1917-1923. 20 vols.
RIHGB - Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro.
RIHGSP - Revista do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo.
SPHAN - antigo Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (de 1937 até 1946) e
Secretaria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (de 1979 até 1990).
UNICAMP- Universidade Estadual de Campinas.
Observações:
● As passagens documentais reproduzidas ao longo do trabalho foram transcritas com as grafias
conforme o documento original, incluindo nomes próprios e abreviaturas. Apenas
acrescentamos observações entre [ ] quando necessário para melhor compreensão.
● As citações de textos estrangeiros foram traduzidas para a língua portuguesa e são
acompanhadas, em notas de rodapé, pela reprodução dos trechos citados na língua original.
● Adotamos sempre a referência ―IPHAN‖, vigente desde 1994, ao invés de seguir as diferentes
denominações que o órgão teve ao longo dos anos, por não nos atermos sempre a uma
sequência cronológica progressiva dos fatos.
● O presente trabalho foi realizado com apoio da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal
de Nível Superior - Brasil (CAPES) - Código de Financiamento 001. Edital PROEX- 0487.
Processo nº 1684412.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO…………………………………………………………………....... 17
INTRODUÇÃO
Construída em taipa de pilão por volta de 1622, a Capela de São Miguel Arcanjo ou
―Capela dos índios‖, como é conhecida popularmente pelos moradores do bairro de São
Miguel Paulista, fazia parte de uma antiga rede de aldeamentos estabelecidos pelos padres da
Companhia de Jesus, no período colonial. O último restauro realizado na Capela, promovido
pela Diocese de São Miguel Paulista e pela Associação Cultural Beato José de Anchieta
(ACBJA), trouxe à tona diversas questões em relação ao ―fazer artístico‖ na Capela de São
Miguel, e na região de São Paulo. Este restauro teve início no ano de 2006, e, em agosto de
2007, durante os trabalhos, foram encontradas as pinturas parietais embaixo dos altares
laterais em madeira; além de vestígios de policromia por toda a igreja, levantando a hipótese
de que a Capela deve ter sido inteiramente pintada no período colonial.
As pinturas parietais da Capela de São Miguel, até então desconhecidas tanto pela
equipe de restauro, quanto por estudiosos e pela comunidade local, foram uma grande e
surpreendente descoberta. Trata-se de uma tentativa de reprodução pintada de um altar de
talha, recorrente nas obras do barroco português. O uso da taipa como suporte para estas
pinturas, os motivos celestes do sol, lua e estrelas, e as cores vermelho, preto e branco
conferem sua peculiaridade, e suscitam diversas hipóteses que foram levantadas por
historiadores da arte e antropólogos. Enquanto grande parte dos retábulos de talha sofreram
diversas intervenções ao longo dos séculos, as pinturas da Capela de São Miguel, por sua vez,
preservam um modelo de retábulo praticamente intocado, tal como havia sido pensado no
século XVII.
Por se tratar de uma Capela localizada em um antigo aldeamento de índios, é muito
provável que tanto a construção quanto a ornamentação da Capela de São Miguel Arcanjo
tenha sido realizada por mãos indígenas e/ou mestiças. Considerando o uso da mão-de-obra
local, treinada em ofícios diversos para reproduzir um repertório artístico com referências
iconográficas da tradição europeia, faz-se necessário o estudo e aprofundamento dos
intercâmbios culturais realizados no contexto dos aldeamentos estabelecidos no século XVI
pelos religiosos da Companhia de Jesus em São Paulo.
No entanto, a falta de documentação precisa acerca da construção e ornamentação da
Capela de São Miguel Paulista, a dificuldade imposta em se acessar alguns arquivos, e as
inúmeras lacunas temporais constatadas ao iniciar nosso estudo foram algns dos maiores
desafios desta pesquisa. Ademais, dada a escassez de estudos sobre a Capela, e a novidade
imprevista da descoberta das pinturas parietais – que ressignifica a história da Capela e abre
novos caminhos para analisar a produção da arte religiosa no contexto de colonização –,
19
1
Número do Processo: 0180-T-38; Livro Belas Artes: Nº inscr. 219, vol. 1, f. 038, 21/10/1938; Livro Histórico:
Nº inscr. 109, vol. 1, f. 020, 21/10/1938.
2
BURY, John. ―A Arquitetura Jesuítica no Brasil‖ In: OLIVEIRA, Miriam Ribeiro de (Org.). Arquitetura e Arte
no Brasil Colonial: John Bury. Brasília, DF: IPHAN / Monumenta, 2006. p. 64.
20
poderemos fazer avançar a compreensão das relações entre jesuítas e indígenas, arte europeia
e arte ameríndia, e dos fazeres artísticos na Capela de São Miguel Arcanjo – antes na aldeia
de São Miguel de Ururaí, no território da Vila de São Paulo de Piratininga e, em seguida
como parte da cidade, da metrópole e da conturbação de São Paulo.
Isto posto, o presente estudo propõe um percurso para a melhor análise da história da
Capela de São Miguel, percorrendo os processos que vão desde as relações que permearam o
fazer artístico no contexto dos aldeamentos estabelecidos pela Companhia de Jesus em São
Paulo no século XVI, até os debates acerca da patrimonialização e da visualidade permanente
das pinturas parietais da Capela de São Miguel, no século XXI.
Os estudos que tratam sobre a Capela de São Miguel Paulista sempre privilegiaram os
aspectos arquitetônicos da Capela e/ou a questão do restauro realizado pelo IPHAN em 1939,
muitas vezes sem contextualizar historicamente o Monumento em sua gênese. Por outro lado,
apesar de existirem muitos trabalhos sobre os aldeamentos jesuíticos, estes estudos não
costumam abordar as questões das artes e ofícios e da sua história dentro deste contexto
peculiar. Assim, constatando a necessidade de esclarecer estas relações para oferecer aos
leitores uma melhor compreensão de nosso estudo, no Capítulo 1, intitulado Aldeamentos em
São Paulo: Índios, Jesuítas e Colonos, contextualizamos historicamente a fundação dos
aldeamentos paulistas e suas relações dentro do contexto colonial; a partir da análise
historiográfica e documental. Abordamos a questão das Missões Jesuíticas em São Paulo, a
organização social e espacial dos aldeamentos paulistas, passando também pela questão da
liberdade indígena e a expulsão dos inacianos da Capitania de São Vicente em 1640, a
questão do bandeirantismo, e das relações entre São Paulo e a América Hispânica. Neste
capítulo também buscamos compreender as relações entre os atores sociais presentes nos
aldeamentos estabelecidos no território atual da cidade de São Paulo durante a época colonial,
especialmente as relações entre jesuítas, indígenas e colonos.
No Capítulo 2, intitulado Da Aldeia de Ururaí ao Bairro de São Miguel Paulista,
começamos a adentrar mais especificamente no nosso objeto de estudo, procurando relatar as
diversas opiniões surgidas do debate historiográfico, e coordenando informações encontradas
nas fontes documentais e historiográficas. Neste capítulo, tratamos da fundação do
aldeamento de São Miguel e da (re)construção de sua Capela; da questão das terras dos índios
deste aldeamento e as possíveis relações com a decoração da Capela de São Miguel; da
questão da transferência da administração temporal e espiritual do aldeamento de São Miguel
para os franciscanos; e das possíveis redes de artes e ofícios as quais São Miguel integrava.
21
CAPÍTULO 1
ALDEAMENTOS EM SÃO PAULO: ÍNDIOS, JESUÍTAS E COLONOS
3
Considerando as recomendações do Concílio de Trento, a construção de um templo era o que daria início ao
seu estabelecimento nas Missões. ―O centro do aldeamento é o que poderia ser denominado largo da igreja.
Realmente, o verdadeiro centro do aldeamento é o templo. Naqueles originados pela ação jesuíta, o templo foi
sempre o primeiro edifício a ser erguido. (...)‖. PETRONE, Pasquale. Aldeamentos paulistas. São Paulo, SP:
EDUSP, 1995. p. 227
4
BOMTEMPI, Sylvio. O bairro de São Miguel Paulista: a aldeia de São Miguel de Ururaí na história de São
Paulo. São Paulo, SP: Secretaria de Educação e Cultura, 1970. A obra de Bomtempi integra a série de
monografias intituladas ―História dos Bairros de São Paulo‖, escolhidas em concurso público e premiadas pelo
Departamento de Cultura da Secretaria de Educação de Cultura da Prefeitura do Município de São Paulo.
5
Tais como as publicações oficiais das Atas da Câmara da Vila de São Paulo (doravante: ACSP), a coleção de
Documentos Interessantes para a História e Costumes de São Paulo (doravante: DI), Registro Geral da Câmara
de São Paulo (doravante: RGSP), Inventários e Testamentos (doravante: IT), entre outras.
6
Como os estudos de Frei Gaspar da Madre de Deus, José Arouche de Toledo Rendon, Manuel Eufrásio de
Azevedo Marques, fontes as quais nós também utilizamos ao longo desta pesquisa. Bomtempi também usa dados
de fontes secundárias como Serafim Leite, e Sérgio Buarque de Holanda, que também abordaremos.
7
―Quem teria promovido a reconstrução? Não há elementos seguros, abundantes e definitivos sobre este ponto.
Do documentário conhecido tem-se colhido referências que ora indicam o Padre João Álvares, ora Fernão
Munhoz, podendo-se atribuir a ambos a ação reconstrutora, opinião a que nos inclinamos, com fundamento em
papéis oficiais, interpretados pelos doutos.‖ BOMTEMPI, S. Op. cit. p. 59. Sobre a construção e reconstrução da
Capela de São Miguel, discutiremos com vagar ao longo desta pesquisa.
8
Comissão instituída por: Affonso A. de Freitas (relator), Dr. José de Paula Leite de Barros, Mons. Ezechias
Galvão da Fontoura, Dr. José Torres de Oliveira, Dr. Edmundo Krug, Dr. José Henrique de Sampaio e Felix
Soares de Mello.
23
9
Revista do Instituto Histórico e Geográfico De São Paulo. v. 23 . São Paulo, SP: Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo. 1925. p. 314. (Doravante: RIHGSP).
10
Notadamente, com a criação do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (SPHAN, atual IPHAN)
em 1937, dado o crescente interesse pela salvaguarda do patrimônio histórico e artístico nacional. Cf.
GONÇALVES, Cristiane Souza. Restauração Arquitetônica: a experiência do SPHAN em São Paulo, 1937-
1975. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2007. p.26.
11
COSTA, Lúcio. A arquitetura jesuítica no Brasil. In: Revista do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional.
Rio de Janeiro: MES, v. 5, 1941, p. 09-104.
12
HOLANDA, Sérgio Buarque de. Capelas antigas de São Paulo. In: Revista do Serviço de Patrimônio Histórico
Nacional, Rio de Janeiro, v. 5, 1941. p. 105-120.
13
AMARAL, Aracy Abreu. A Hispanidade em São Paulo: da casa rural à Capela de Santo Antônio. São Paulo:
Nobel/ Ed. Da Universidade de São Paulo, 1981.; ARROYO, Leonardo. Igrejas de São Paulo: introdução ao
estudo dos templos mais característicos de São Paulo nas suas relações com a crônica da cidade. 2. ed. rev. e
atual. São Paulo, SP: Comp. Ed. Nacional, 1966. ; BAZIN, Germain. A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil.
Rio de Janeiro: Record, 1983, 2 v.; BURY, John, Arquitetura e Arte no Brasil Colonial. São Paulo: Nobel, 1991.
24
o presente estudo, ajudando a elucidar e também elaborar as primeiras das muitas questões e
hipóteses suscitadas ao longo desta pesquisa, e também a identificar as principais fontes
históricas acerca da Capela de São Miguel. Deste modo, ao longo deste capítulo, trataremos
da história do aldeamento de São Miguel no contexto das Missões jesuíticas no planalto de
Piratininga, seus processos de formação e estabelecimento, bem como as relações sociais,
econômicas e culturais que ali se estabeleceram, especialmente aquelas entre os indígenas, os
jesuítas e os colonos.
14
LEITE, Antônio Serafim S.J. História da Companhia de Jesus no Brasil (1938). Belo Horizonte: Itatiaia,
2000. t. VI. p. 228. (Doravante: HCJB). Instrumento laico e administrativo trazido pelo primeiro governador-
geral do Brasil, Tomé de Souza, ao chegar à Bahia em março de 1549, acompanhado por funcionário da Corte e
pelos padres da Companhia de Jesus sob a liderança de Manoel da Nóbrega. Segundo Carlos Alberto Zeron, ―é o
primeiro texto normativo estabelecido pela Coroa portuguesa no tocante à administração colonial, em particular
à gestão das relações entre europeus e ameríndios‖. ZERON, Carlos Alberto de Moura Ribeiro. Linha de fé: a
companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade colonial (Brasil, séculos XVI e XVII).
São Paulo, SP: Edusp, 2011. p. 317. Mais adiante, Zeron lista as prioridades da Coroa portuguesa contidos no
Regimento de Tomé de Souza: ―(a) a evangelização dos aborígenes; (b) a exploração econômica de suas terras,
com o concurso da força de trabalho dos índios legitimamente reduzidos à escravidão e com respaldo militar dos
grupos aliados; (c ) a preservação da liberdade dos índios e a luta contra as nações inimigas; (d) a instalação dos
indígenas em aldeamentos localizados perto dos colonos portugueses, a fim de induzir e facilitar sua conversão e
civilização‖. ZERON, 2011,. p. 323-324.
15
―[...] Como Aldeias de El-Rei dependiam directamente do Governador Geral do Brasil, que para elas nomeava
os Institutos Religiosos, que tinham as Missões como vocação própria e lhe pareciam idóneos, quando não eram
directamente indicados pela Coroa. E os Missionários eram delegados dos Governadores Gerais ou
Governadores da Repartição do Sul, ou Capitães-mores. As aldeias de El-Rei ficavam fora da alçada imediata
das Câmaras locais, e os Missionários eram indicados directamente pelos Reitores dos Colégios ou Provinciais,
com os poderes que lhes doavam as Leis, os Reis e Governadores, com que ficavam em cada Aldeia com os
poderes de pároco e simultâneamente de regente secular ou civil. [...]‖ HCJB, Op. cit., p. 228-229.
16
BOMTEMPI, 1970. p. 38.
17
Entretanto, vale ressaltar que em momento algum o Regimento de Tomé de Souza faz menção a qualquer
ordem religiosa, ou a Santa Sé ou ao papa. Como observa Eunícia Fernandes, ―O teor religioso [do Regimento de
Tomé de Souza] se expressa nas alusões diretas a Deus e à cristandade, ou melhor, à necessidade de cristianizar‖.
FERNANDES, Eunícia. Futuros outros: homens e espaços: os aldeamentos jesuíticos e a colonização na
América portuguesa. Rio de Janeiro: Contra Capa. 2015. p. 145.
25
das populações indígenas, o que pode ser atribuído a motivações diversas.18 A fixação e a
catequização destas povoações indígenas faziam parte dos objetivos dos Regimes das
Missões19 que estabeleceram os aldeamentos, buscando torná-los cada vez mais produtivos e
eficazes.
As primeiras Missões jesuíticas em São Paulo teriam ocorrido em aldeias indígenas
preexistentes, a exemplo da aldeia do conhecido líder indígena Tibiriçá, 20 situada nos
arredores do Colégio dos jesuítas de São Paulo de Piratininga, e as aldeias chefiadas por seus
irmãos, Caiubi (aldeia de Jurubatuba, atual região de Santo Amaro), e Piquerobi (aldeia de
Ururaí, atual São Miguel Paulista).21 A fundação dos primeiros aldeamentos22 paulistas estaria
diretamente ligada à fundação da vila de São Paulo de Piratininga, quando o Governador
Geral Mem de Sá, persuadido pelo Padre Manuel da Nóbrega, ordenou a extinção da vila de
Santo André da Borda do Campo, e a transferência de seus moradores para Piratininga, em
1560, promovendo sua povoação.23
Apesar de comumente administrados pelos inacianos, é preciso diferenciarmos estes
primeiros aldeamentos dos estabelecimentos fundados e administrados pela Companhia de
Jesus em São Paulo. De maneira geral, os Colégios jesuíticos estabelecidos na colônia, além
18
―[...] Na região planáltica, os primeiros jesuítas alegavam que tais mudanças ocorriam a cada três ou quatro
anos, enquanto outros relatos sugerem um espaçamento maior, de doze ou mesmo vinte anos. [...] Diversos
motivos podiam contribuir para o deslocamento de uma aldeia: o desgaste do solo, a diminuição das reservas de
caça, a atração de um líder carismático, uma disputa interna entre facções ou a morte de um chefe. Contudo,
qualquer que fosse a razão, a repetida criação de novas unidades de povoamento constituía evento importante,
envolvendo a reprodução das bases principais da organização social indígena. [...]‖ MONTEIRO, John Manuel.
Negros da terra: índios e bandeirantes nas origens de São Paulo. São Paulo, SP: Companhia das Letras, 1994.
p. 22.
19
―(...) verificada com a chegada do Governador Mem de Sá, regime que teve seus primeiros passos orientados
por Nóbrega e Anchieta, e que ‗consistia no estabelecimento de centros de concentração onde os índios eram
localizados, instruídos na religião e em rudimentos de agricultura e iniciados na prática de um trabalho regular‘.
Usufruindo na prática de uma investidura oficial no sentido de catequizar os indígenas, aldeando-os quando
necessário [...]‖. PETRONE, 1995. p. 113
20
―[...] Tibiriçá (‗vigilante da terra‘) era o mais influente líder indígena da região de Piratininga, onde
prevaleciam os tupiniquins (tronco tupi) que ali coexistiam e guerreavam com os guaianases (tronco jê), grupo
nômade que vivia da caça e da coleta. Era chefe da aldeia de Inhapuambuçu, também chamada de Piratininga, a
mais numerosa região, com a qual rivalizavam as de Jerubatuba e de Ururaí. [...] Foi através da aliança com
Tibiriçá, mediada por [João] Ramalho, que os portugueses se assentaram na região, fundando São Vicente,
depois São Paulo, dando início ao tráfico de escravos nativos. [...] converteu-se ao catolicismo, tornando-se
Martim Afonso Tibiriçá, em 1554, mesmo ano em que se fundou o colégio de São Paulo de Piratininga. [...]‖
―Tibiriçá‖ In: DICIONÁRIO do Brasil Colonial: 1500-1808. Coautoria de Ronaldo Vainfas. Rio de Janeiro, RJ:
Objetiva, c2000. p. 547-549
21
MONTEIRO, 1994, p. 21-22.
22
Adotamos a mesma terminologia utilizada por Pasquale Petrone para se tratar de aldeias e de aldeamentos.
Deste modo, aldeia se refere aos aglomerados ―tipicamente espontâneos‖, propriamente indígenas, como as
tabas e aldeias indígenas. Aldeamento, por sua vez, se refere aos núcleos criados consciente e objetivamente, no
fenômeno e no contexto da colonização. Cf. PETRONE, Op. cit., p. 105. No entanto, na documentação
frequentemente aparece a genérica denominação ―aldeia‖ para ambos os sentidos, a qual deve ser interpretada de
acordo com o contexto apresentado.
23
MADRE DE DEUS, Gaspar. Memórias para a história da capitania de S. Vicente hoje chamada de S. Paulo.
São Paulo, SP: Martins, 1953. p. 125
26
24
LEITE, Antônio Serafim S.J., Fazendas e engenhos, p. 204. apud ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios Jesuíticos.
São Paulo: Edusp, 2009. p. 239.
25
―Segundo as Constituições da Companhia de Jesus, os colégios poderiam tornar-se proprietários, nomeando
para sua administração um reitor que teria como responsabilidade a ‗conservação e administração dos bens
temporais‘.‖. ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios Jesuíticos. São Paulo: Edusp, 2009. p. 239. Sobre a
administração dos bens temporais da Companhia de Jesus, Cf. Ibid., passim.
26
RENDON, José Arouche de Toledo. Memória sobre as aldeias de índios da província de S. Paulo, segundo as
observações feitas no ano de 1798 - Opinião do autor sobre sua civilização. In: Obras. São Paulo, SP: Governo
do Estado, 1978. p. 38-39.
27
Sobre as fazendas jesuíticas de São Paulo, especialmente a de Mboy, ver: SILVA, Angélica Brito. O
Aldeamento Jesuítico de Mboy: administração temporal (séc. XVII - XVIII). Dissertação (Mestrado em História
Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018,
Capítulo 3.
28
PETRONE, 1995, p. 165.
29
Em especial até a expulsão da ordem da Capitania de São Vicente em 1640. Ibid., loc.cit.
30
HCJB, t. VI, p. 229.
31
É preciso termos em conta que, na vila de São Paulo, a Câmara representava os interesses dos colonos.
32
Nos aldeamentos dos colonos, os indígenas eram administrados, ou da administração, permanecendo sob a
tutela de um morador (administrador). Nesta situação, ao dito administrador era permitido a captura e
exploração de mão-de-obra indígena, desde que se comprometesse a alimentá-los, vesti-los e catequizá-los em
troca de seus serviços. Aos administradores ficava proibido a venda dos administrados ou mesmo dá-los em
27
pagamentos de dívidas. Sobre índios administrados Cf. PETRONE, 1995, p. 83-95.; MONTEIRO, 1994. p. 147-
153. Sobre as legislações que permitiam o apresamento dos indígenas pelos colonos Cf: ZERON, 2011. p. 316-
370.
33
FLEXOR, Maria Helena Ochi. ―Os terreiros das aldeias indígenas jesuíticas‖. In: Antigos aldeamentos
jesuíticos: a companhia de Jesus e os aldeamentos indígenas. Organização de Gabriel Frade. São Paulo: Edições
Loyola, 2016. p. 88.
34
FLEXOR, loc. cit.
35
Ibid., p. 96.
36
Ocaras seria os centros das tabas. Apesar de estabelecerem tal relação, não é aprofundada pelos autores.
PETRONE, 1995. p. 230.
37
MONTEIRO, 1994. p. 47.
38
FLEXOR, 2016., p. 99.
39
FLEXOR, 2016, p. 89.; FERNANDES, Eunícia, 2015. p. 66.
40
FLEXOR, loc. cit.
28
41
A exemplo da manutenção dos padrões de cultivo de roça das aldeias, geralmente em sítios, áreas exteriores
aos aldeamentos. Ibidem.
42
MONTEIRO, 1994. p. 47.
43
―[...] mulheres e crianças executavam as funções ligadas ao plantio e à colheita, o que, aliás, seguia a divisão
sexual do trabalho presente em muitas sociedades indígenas. Esta divisão, no contexto colonial, implicava
vantagem adicional para os colonos, liberando os cativos adultos masculinos para outras funções especializadas,
tais como o transporte de cargas e a participação em expedições de apresamento. No entanto, ao longo do século
XVII, o desenvolvimento do sistema escravista acarretou importantes modificações nesta divisão, que caminhou
para o distanciamento do trabalho indígena de seus antecedentes pré-coloniais. Ao mesmo tempo, porém, a
introdução acentuada de cativos femininos e infantis rompia definitivamente com os padrões pré-coloniais de
cativeiro, quando a vasta maioria de cativos, tomados em escaramuças, era composta de guerreiros‖.
MONTEIRO, op.cit., p. 67-68
44
Ibid., p. 47., Sobre a questão do tempo produtivo, Cf. BENCI, Jorge. Economia Cristã dos Senhores no
Governo dos Escravos (1700). São Paulo: Grijalbo, 1977.
45
Cf. VELLOSO, Gustavo. Ociosos e sedicionários: populações indígenas e os tempos do trabalho nos Campos
de Piratininga (século XVII). 2016. Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016., p. 191-192.
46
―O aldeamento foi, antes de mais nada, fruto de um processo de catequese e a serviço desta é que trabalharam
os jesuítas. Compreende-se, por isso mesmo, que a organização inicial desses núcleos tenha obedecido à função
para a qual foram criados‖. PETRONE, 1995. p. 159.
47
―Certamente visava a Coroa, ao promover a doutrinação dos índios e os aldeamentos, cumprir os deveres
inerentes ao Padroado, atribuído que lhe fôra pelo Papa Leão X pela Bula de 1514, instituição que atingiu a
plenitude de seus efeitos quando Adriano VI investiu D. João III, em 1522, na dignidade de Grão-Mestre da
Ordem de Cristo, a cujo encargo estava a doutrinação dos povos revelados à Europa pelas navegações marítimas.
Com isso, D João III vinha a enfeixar na soma dos seus poderes temporais atribuições de chefe eclesiástico e,
assim, a propagação da fé assumiu o caráter de dever estatal. Fundiram-se Estado e Igreja e D. João III procurou
cumprir à linha o dúplice papel de Rei e Prelado. Daí, aquelas normas a respeito da catequização dos gentios
contidas no Regimento de Tomé de Souza e o caráter precipuamente religioso dos aldeamentos dos índios
reduzidos à fé, elevados à categoria de aldeias do Padroado Real.‖ BOMTEMPI, 1970. p. 12-13.
29
48
PETRONE, op.cit., p. 201.
49
Provisão de El-Rei de 8 de julho de 1604, para que ninguém roce as terras dos Índios de S. Paulo, sob pena de
degrêdo para o Rio Grande [do Norte]. Com vários cumpra-se, desde 1607 a 1622 e registrado em S. Paulo, no
Livro dos Registros, a 26 de Agôsto de 1622. RGSP. v. I, 358-359. HCJB. t. VI. p. 230 (nota 1).
50
MONTEIRO, John Manuel. São Paulo in the Seventeenth Century: Economy and Society. 2 v. Department of
History. The University of Chicago, Illinois, 1985. p. 48.
51
Como veremos adiante, além de motivos outros, a prosperidade dos empreendimentos jesuíticos também foi
pretexto para conflitos, sobretudo em relação aos colonos, que resultou na expulsão da Ordem da Capitania de
São Vicente em 1640.
52
HCJB. t. VI., p. 86.
53
KOK, Glória. A presença indígena nas capelas da Capitania de São Vicente (Século XVII). Espaço Ameríndio,
Porto Alegre, v. 5, n. 2, p. 45- 73, out. 2011. p. 49. Disponível em:
<http://seer.ufrgs.br/index.php/EspacoAmerindio/article/view/19732/13847>. Acesso em: 06 set. 2015.
54
Como explicita a carta do Governador Geral do Brasil, Afonso Furtado de Castro do Rio de Mendonça aos
oficiais da Câmara da Vila de S. Paulo, da Baía, 7 de Outubro de 1671, ―a razão de ser destas Aldeias dos Índios
era ‗para Sua Alteza os ter assim prontos a seu real serviço, que é o fim de elas se perpetuarem‘.‖. Doc. Hist, VI,
188. apud HCJB. t. VI., p. 229 (nota 1).
30
55
Sobre o trabalho indígena nos aldeamentos paulistas, Cf. VELLOSO, 2016. p. 167.
56
Cf. ZERON, 2011, p. 17-21.
57
Cf. MAMIANI, Luigi Vicenzo. Memorial sobre o governo temporal do Colégio de São Paulo. Transcrito em:
ZERON, Carlos; VELLOSO, Gustavo. Economia cristã e religiosa política: o ―Memorial sobre governo
temporal do colégio de São Paulo‖, de Luigi Mamiani. História Unisinos. 19 (2), Maio/ Agosto 2015, p. 120-
137.
58
VELLOSO, 2016, p. 167.
59
ASSUNÇÃO, Paulo de. Negócios Jesuíticos. São Paulo: Edusp, 2009. p. 168.
60
Os meios pelos quais tanto colonos e jesuítas se utilizavam ―abrangiam desde a persuasão ou atração pacífica
até os meios mais violentos de coação‖. MONTEIRO, 1994. p. 40.
61
De acordo com o Regimento de Tomé de Souza, uma das condições prévias para a conversão dos índios ao
cristianismo era a sua liberdade (em conformidade com a bula de 1537). No entanto, como elucida Carlos Zeron,
―(...) a condição para a conversão é a liberdade de consciência, e não a liberdade corporal -, justifica-se
exatamente pela rejeição que ele supõe de qualquer justificação dos índios à escravidão como preço a pagar pela
salvação de sua alma:‖ ZERON, 2011, p. 324 [grifo nosso].
31
62
MONTEIRO, 1994. p. 40
63
Ibid., pp. 40-41.
64
―As causas legítimas de guerra justa seriam a recusa à conversão ou o impedimento da propagação da Fé, a
prática de hostilidades contra vassalos e aliados dos portugueses (especialmente a violência contra pregadores,
ligada à primeira causa) e a quebra de pactos celebrados. Como precursor da doutrina da guerra justa em
Portugal é sempre citado o franciscano Álvaro Pais que, no século XIV, a havia definido em função de vários
fatores: só haveria guerra justa se preexistisse uma injustiça do adversário, se fosse conduzida com boas
intenções (não seria justa a guerra movida por ambição, ódio ou vingança), se fosse declarada por uma
autoridade competente (um príncipe ou a Igreja) (cf. Merea, 1917: 351-3). A mera recusa à aceitação da fé não
parece ter sido reconhecida legalmente como motivo de guerra justa (...).‖ PERRONE-MOISÉS, Beatriz. Índios
Livres e índios escravos os princípios da legislação indigenista no período colonial (séculos XVI a XVIII) In:
HISTÓRIA dos índios no Brasil. Coautoria de Manuela Carneiro da Cunha. São Paulo, SP: FAPESP: Companhia
das Letras, 1992. p. 123. MONTEIRO, Op. cit., p. 41. Sobre as posições tomadas por Nóbrega e outros jesuítas,
Cf. ZERON, 2011. pp. 57-158.
65
MONTEIRO, Op. cit.,. p. 41. Sobre a lei, Cf. ZERON, Op. cit., p. 327-332.
66
Lembramos que neste momento o descimento e exploração do trabalho indígena nas administrações
particulares era permitida. MONTEIRO, Op. cit., p. 42.
67
MONTEIRO, 1994. p. 44.
32
68
MONTEIRO, 1994, p.45.
69
As condições para a contratação dos serviços aldeados, segundo este sistema, seriam: ―pagar indenizações
diárias, dar um tratamento humano aos índios e incumbir-se de seu doutrinamento‖. ZERON, Carlos Alberto de
Moura Ribeiro. Linha de fé: a companhia de Jesus e a escravidão no processo de formação da sociedade
colonial (Brasil, séculos XVI e XVII). São Paulo, SP: Edusp, 2011. p. 339.
70
MONTEIRO, Op. cit., p. 46
71
ACSP. v. 2 p. 314.; MONTEIRO, op.cit., p. 46
72
MONTEIRO, Op. cit., p. 43.
73
ALMEIDA, Maria Regina Celestino de. Metamorfoses indígenas: identidade e cultura nas aldeias coloniais
do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, RJ: Arquivo Nacional, 2003. p. 102.
33
74
Tal introdução realizada por volta da década de 1560, seria devido à alta taxa de mortalidade indígena,
certamente em razão da epidemia de varíola em 1563.
75
MONTEIRO, 1994, p. 47.
76
Ibid. p. 49.
77
Ibid p. 51.
78
Ibid., Loc. cit.
79
Ibid., Loc. cit.
80
―Apenas dois postos de responsabilidade não cabem à ordem: para a inspeção da legislação régia preveem-se
as funções de procurador dos índios, que tem um papel apenas consultivo; este é secundado por um juiz especial,
denominado juiz dos índios, a que incumbem as decisões legais nos casos de disputas litigiosas entre colonos e
indígenas. (...)‖. ZERON, 2011. p. 347-348.
34
81
Teremos a oportunidade de discorrer sobre a questão do bandeirantismo ao longo desta pesquisa.
82
ZERON, 2011, p. 349.
83
Ibid., pp. 353-355; 357.
84
Ibid., p. 360.
85
Ibid., p. 357.
86
Ibid., p. 358.
87
Ibid., p. 361.
88
Ibid., p. 357.
35
tutela dos índios e administravam os aldeamentos, eles já recebiam esmolas do rei para mantê-
las.89
As ameaças de banimento sofrida pela Companhia de Jesus do Brasil fez com que
estes recuassem em relação à lei de 1609, fazendo concessões que contrariavam a própria lei,
como a autorização de cativeiro dos índios pelo colonos.90 As negociações locais entre
colonos e jesuítas fizeram com que, mais uma vez, se alterasse a política indigenista, em que o
rei reconsiderou as posições das leis anteriores (1570, 1595-1596, e 1609), promulgando uma
nova lei em 10 de setembro de 1611. Novamente, a liberdade dos índios se restringia pela
noção de guerra justa (expressa na lei de 1570), e pela noção de resgate dos índios
condenados à morte nos rituais de antropofagia. Assim, se autorizava a retomada de uma parte
da gestão dos aldeamentos por colonos qualificados, e a organização de campanhas ao sertão
em busca de cativos.91 A gestão espiritual pelos jesuítas era conservada, porém, a gestão
temporal se tornava exclusiva dos portugueses.
Ainda em relação à liberdade dos índios, a lei de 1611 também previa que, para entrar
em vigor, todos os índios feitos cativos antes da promulgação e divulgação de seu texto
deveriam ser considerados livres.92 No entanto, de acordo com Carlos Zeron, essa restrição,
bem como aquela referente a gestão temporal dos aldeamentos foi de curta repercussão, visto
que, desde a promulgação da lei de 1609, ―o próprio provincial dos jesuítas compunha com a
comunidade local para que não se aplicasse semelhante cláusula‖. 93 Em vista dessas
negociações entre os jesuítas e os colonos, era assegurado aos jesuítas — a despeito da lei —
a gestão espiritual e temporal dos aldeamentos.94 Carlos Zeron nos leva a crer que o
reconhecimento dos jesuítas como importantes interlocutores das relações econômicas entre
índios e colonos teria se dado, em parte, devido ao apelo dos indígenas para que os padres não
os abandonassem, sob ameaça de motins.95 Além disso, neste mesmo início do século XVII,
os jesuítas começaram a assumir a gestão de alguns grandes engenhos e fazendas recebidos
89
―sob a forma de exonerações de impostos, de doações diretas em dinheiro ou em terras etc.‖ ZERON, 2011., p.
358.
90
Cf. Carta do provincial Henrique Gomes ao geral da Companhia de Jesus, Claudio Aquaviva, datada de 5 de
julho de 1610, na qual relata as ameaças sofridas na Bahia, em que os moradores diziam para que os padres não
tirassem deles seus índios cativos. In: ZERON, Op. cit., p. 361-362.
91
Ibid., pp. 364-365.
92
Ibid., p. 366.
93
Ibid., loc. cit.
94
Ibid., p. 369.
95
ver Carta do Provincial Henrique Gomes datada de 16 de junho de 1614, apud HCJB, 5, p. 23. In: ZERON,
2011, p. 369. Cf. reprodução em HCJB. t. V, livro I, capítulo I, p. 21-24.
36
96
Zeron elenca brevemente alguns exemplos: Mamõ (1601), Camamu (1604), Sergipe do Conde (1618), Santana
dos Ilhéus (1618) e Pitanga (1642). ZERON, 2011., p. 369. Mencionamos também, em São Paulo a doação do
aldeamento de Carapicuíba em 1615.
97
―Os escravos negros apareceram pela primeira vez em São Paulo no fim do século XVI, mas seu alto custo
restringiu o número dos importados. Baseado em inventários coloniais, Ellis calculou a proporção entre
trabalhadores negros e índios como 1:34 para toda a era bandeirante. Os negros tornaram-se gradativamente mais
numerosos nas bandeiras e, no século XVIII, foram utilizados extensivamente na mineração.‖ MORSE, Richard
M. (Richard McGee). Formação histórica de São Paulo (de comunidade a metrópole). São Paulo, SP: Difusão
Européia do Livro, 1970. p. 32
98
MONTEIRO, 1994. p. 141.
99
LEME, Pedro Taques de Almeida Paes. ―NOTÍCIA Histórica da Expulsão dos Jesuítas do Colégio de São
Paulo‖. RIHGB, v. 12. Rio de Janeiro: Tipografia Universal Maemmert, 1849. p. 172.
100
Ibid., p. 173.;
37
jesuítas possuíam grande domínio sobre os indígenas, e que era necessário que se colocassem
capitães nas aldeias, conforme mandava Sua Majestade.101
Como já abordado anteriormente, em 1611, a lei vigente declarava que a gestão
temporal era destinada aos colonos, enquanto a gestão espiritual ficava a cargo dos jesuítas.
Entretanto, as negociações locais entre as duas partes asseguraram a gestão temporal e
espiritual dos aldeamentos aos jesuítas, a exemplo do relatado pelo provincial Henrique
Gomes ao geral da Companhia de Jesus, na Bahia em 1610.102 Logo, é possível que em São
Paulo tenha ocorrido da mesma maneira, dado que os padres não permitiam intervenção
secular sobre seus administrados, e teriam instituído um regimento próprio nos aldeamentos.
Visto que o requerimento dos paulistas junto à Câmara em agosto de 1611 não obteve o
sucesso esperado, os atritos entre as partes tomaram proporções maiores. Em 10 de junho de
1612, voltavam os paulistas a requerer junto à Câmara, índios para levar para a lavoura e para
as minas do sertão, alegando que não achavam índios nas aldeias, ou os que achavam e
seguiam com eles, não cumpriam os termos do aluguel, desrespeitando a lei. Alegavam os
paulistas que a causa disto era por não haver capitão e nem justiça nas aldeias. Ademais,
seguia um rumor entre os indígenas dizendo que eles
não conheciam senão aos padres dizendo publicamente que as ditas aldeias
eram suas, que eram senhores no espiritual e temporal e que era o papa a sua
cabeça; e por ser cousa nova e desacostumada, e nunca até hoje tal domínio
nem posse aos ditos padres da companhia depois que esta capitania se
fundou até hoje, havendo-a pretendido os ditos padres por muitas vias e
modos, e só se lhes consentiu a administração espiritual (...).103
101
ACSP. v. 2, p. 294. Vale lembrar que na documentação, ao se utilizar ao termo aldeia, pode se referir a
aldeamento ou a aldeias indígenas não convertidas. Cabe à interpretação o sentido correto a ser aplicado.
102
Vide nota 90.
103
LEME, 1849. p. 176.; ACSP. v. 2. p. 314.
38
104
Atas de 12 de março; 18 de junho e 20 de agosto de 1633. ACSP, v. 4, p. 160; 171-173.
105
Assim como Monteiro, vale ressaltar que os aldeamentos de São Miguel, Conceição dos Guarulhos e
Pinheiros, ― (…) haviam sido estabelecidos pelos inacianos no século XVI, e os colonos — na sua maioria, pelo
menos — reconheciam os direitos da Companhia de Jesus sobre estes aldeamentos‖. MONTEIRO, 1994. p. 144.
106
Ibid., loc. cit.
107
ACSP, v. 4, p. 172.
108
MONTEIRO, op.cit., p. 144.
109
Cf. MONTEIRO, John Manuel. São Paulo in the Seventeenth Century: Economy and Society. 2 v.
Department of History. The University of Chicago, Illinois, 1985.
39
Os jesuítas desejavam garantir acesso exclusivo aos índios do sertão. Apesar do apelo
feito à Coroa ter sido pouco satisfatório, provavelmente ―por força dos iminentes conflitos
que se iriam desencadear em torno da Restauração de 1640‖, 111 o apelo ao papa, por sua vez,
configurou decisão contundente com a publicação do breve de 3 de dezembro de 1639. O
breve Comissium Nobis promulgado pelo papa Urbano VIII, reforçava a bula papal de 1537
do papa Paulo III, ao declarar a liberdade dos índios das Américas e proibir o cativeiro destes
pelos brancos, sob pena de excomunhão.112 A divulgação deste breve pelos jesuítas gerou
graves conflitos em São Paulo, Santos e Rio de Janeiro.
Em junho de 1640, os representantes das Câmaras da Capitania de São Vicente se
reuniram para discutir as providências a serem tomadas em relação ao breve e os decorrentes
motins dos indígenas. Nesta mesma sessão de 25 de junho de 1640, ainda se sugere como
fundamento para a expulsão dos jesuítas o suposto apoio destes ao sebastianismo em Portugal
e a disseminação entre os indígenas.
[os jesuítas] se tem feito tão poderosos que querem que tudo se faça a seu
querer, e vontade, tanto assim que qualquer Ministro que lha não faz, o
procuram logo caluniar para que os outros com medo de semelhante
exemplo não saiam fora de suas ordens, como a experiência ordinariamente
nos mostra, tanto assim que publicamente dizem, e mostram por Cartas que
dizem ser de outro- Padres da sua Religião afirmativamente, e ainda com
juramentos, que temos outro Rei vivo, dizendo que é Dom Sebastião que
Deus tem, persuadindo isto a [m]uita grande parte destas Vilas, e porque
alguns homens de pouco saber, e entendimento se pode temer alguma dúvida
antes disto vir a mais (...).113
Assim, é possível associar a expulsão dos jesuítas à Restauração dos Bragança, como
sugere John Monteiro.114 Mesmo sendo a questão indígena aparentemente a motivação
primária, vale ressaltar que o confronto em São Paulo não se deu de maneira isolada,
ocorrendo semelhantes embates em Salvador, Rio de Janeiro e Maranhão, e, neste último,
110
MONTEIRO, 1994, p.144.
111
Ibid., p. 145.
112
Uma tradução do texto do breve papal se encontra em HCJB, t. VI. p. 569-571.
113
RIHGSP, 1898, v. 3, p. 66.
114
Cf. MONTEIRO, Op. cit., p. 251-252 (nota 34).
40
115
Cf. MONTEIRO, John M. Escravidão indígena e despovoamento: São Paulo e Maranhão no século XVII. In:
Brasil nas vésperas do mundo moderno. Org. |Jill Dias. Lisboa, Comissão dos Descobrimentos Portugueses,
1992.
116
Cf. MELIÀ, Bartolomeu, S. J. ―Las siete expulsiones‖. In: El Guaraní conquistado y reducido. 2ª ed.
Assunção, Universidad Católica, 1988. p. 220-234.
117
O documento na íntegra está transcrito em RIHGSP, 1898, v. 3 p. 67-71
118
LEME, 1849. p. 178.
119
Ibid., p. 197.
120
Ibid., p. 198-199.
41
religiosos poderiam retornar. Assim, era acordado que os jesuítas: desistissem de todas as
queixas, ações, apelações contra os paulistas, bem como de qualquer indenização pelos danos
sofridos pela expulsão; abdicar do breve papal de 1639 ou qualquer outro documento que
defendesse a liberdade indígena; não recolher nem amparar os índios que fugissem dos
moradores ou abrigá-los em suas fazendas e colégio.121 Em contrapartida, os paulistas se
comprometeram a ajudar na reforma do Colégio.122
Apesar de restituídos à vila de São Paulo, os padres da Companhia já não possuíam
tanto poder e influência, sobretudo em relação à questão da escravidão indígena e o domínio
dos aldeamentos. No entanto, suas propriedades foram mantidas, como as fazendas de Embu,
Carapicuíba, e as posteriores doações da fazenda Santana e Araçariguama, as quais figuravam
como grandes empreendimentos de produção agrícola.
Cabe uma última observação em relação a este episódio da expulsão dos jesuítas da
vila de São Paulo. Um documento de 1649, apontado por John Monteiro, lista oito Causas
que os moradores de São Paulo apontam da expulsão dos padres da Companhia de Jesus.123
Seriam elas:
―1) Os jesuítas estavam ficando ricos e poderosos demais; 2) Os jesuítas
forçaram os herdeiros de Afonso Sardinha, Gonçalo Pires e Francisco de
Proença a fazer enormes concessões, provavelmente em terras e índios; 3)
Arrancaram terras dos lavradores pobres através de litígios; 4) Perseguiram,
também por meio da justiça, Antonio Raposo Tavares e Paulo do Amaral,
provavelmente por causa das atividades sertanistas destes; 5) Ganhavam
todas as suas causas litigiosas em decorrência de sua enorme base material;
6) ‗Que se servem dos Indios melhor que os moradores em suas searas,
engenhos, moinhos, e até carregam nas costas…‘; 7) ‗Que se aproveitam das
terras e datas dos Indios trocando-as e vendendo-as; e trazendo nelas seus
gados‘; 8) Os índios por eles doutrinados mostraram-se rebeldes e sediciosos
em Cabo Frio, Espírito Santo, Rio de Janeiro e, sobretudo, Pernambuco.‖124
A partir deste documento, fica evidente que, para os paulistas, a questão do cativeiro
indígena e o poder temporal dos jesuítas nos aldeamentos era secundário, em comparação ao
poder econômico e político dos padres da Companhia de Jesus. Ainda que o enriquecimento
fosse justamente, devido ao exercício temporal dos jesuítas nos aldeamentos. Lembremos que
o projeto jesuítico das Missões não era desvinculado do projeto colonizador. Desta forma, o
colono (enquanto categoria, portanto, jesuíta ou português) que detivesse o monopólio de
propriedade e produção, tornava viável a geração de riquezas. Os jesuítas detinham o
121
LEME, 1849, p. 202-203.; ACSP, v. 6 p. 24-26., RIHGSP v. 3 pp. 112-114.
122
Realizado em 1671.
123
O documento original se encontra na Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro: BNRJ II 35.21.53, doc. 2.
124
MONTEIRO, 1994, p. 146.
42
125
Autores consagrados como Afonso Taunay, Alcântara Machado, Washington Luiz e Alfredo Ellis Jr.
126
VILARDAGA, José Carlos. São Paulo na órbita do Império dos Felipes: conexões castelhanas de uma vila da
América Portuguesa durante a União Ibérica (1580-1640). 2010. Tese (Doutorado em História Social) -
Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2011, p. 190.
127
Ibid., p. 191.
128
Ibid., p. 198.
129
Ibid., p. 197.
130
Trata-se da região conhecida como Guairá. loc.cit.
131
AMANTINO, Marcia. ―A Companhia de Jesus e o comércio na Ibero-América (Rio de Janeiro e região do
Rio da Prata, séculos XVI - XVIII). In: A Companhia de Jesus na América por seus colégios e fazendas.
AMANTINO, Márcia; FLECK, Eliane C. D.; ENGEMANN, Carlos. Rio de Janeiro: Garamond, 2015, p. 14. Tal
43
português, estabeleceu relações com o padre provincial do Peru, Pe. Piñas, e o provincial do
Brasil, o Pe. Cristóvão Gouveia. Desse modo, de acordo com Márcia Amantino, ―além de
propiciar a entrada dos religiosos da Companhia de Jesus na região, Frei Francisco de Victória
também foi um dos responsáveis pela introdução do comércio, clandestino ou não, entre a
América portuguesa e a região do Rio da Prata‖. 132 José Carlos Vilardaga vai além, e afirma
que:
a abertura da rota platina, via Buenos Aires, articulou a costa brasileira aos
interiores da América espanhola através do porto de Buenos Aires. Até
mesmo São Paulo, como já demonstrado, participou, em parte, deste
intercâmbio, haja vista as relações mantidas com Buenos Aires por Afonso
Sardinha, ainda no século XVI, e por Antônio Pedroso Alvarenga, na década
de 1630. [...] Mesmo que efetivamente os benefícios deste comércio
atingissem especialmente o Rio de Janeiro, onde Salvador Correia de Sá
havia aberto as comunicações, sem dúvida, a capitania de São Vicente
também pegava certa carona nestas transações comerciais.133
Neste contexto, o porto de Buenos Aires teria atraído interesses das províncias do
interior, da região do Alto Peru e do Atlântico, como afirma Lía Quarleri. Ainda segundo a
autora, teria ocorrido um ―forte incremento populacional com portugueses, espanhóis, criollos
e mestiços, sem falar é claro, nos escravos, índios e negros‖, produzindo, desse modo,
intensos intercâmbios comerciais, ―fazendo com que o porto de Buenos Aires se
transformasse numa rota alternativa àquela da Espanha com Lima‖. 134 As principais rotas do
comércio Atlântico foram: a que ligava Buenos Aires ao Alto Peru, através de Córdoba,
Santiago del Estero, Tucumán, Salta e Jujuy; a que vinculava Assunção ao Rio da Prata por
via fluvial; e a que ligava o litoral paulista ao Paraguai por antigos caminhos indígenas,
considerado o mais breve.135 A partir da intensificação do tráfego comercial junto ao porto de
Buenos Aires, Assunção estaria alheia às rotas comerciais, até mesmo para o contrabando.136
Em 1618, a província do Rio da Prata e do Paraguai foram separadas, cada uma com quatro
cidades. Aquelas nas cercanias do Guairá (Assunção, Villa Rica, Ciudad Real e Santiago de
característica se daria pelo chamado ―quarto voto‖ feito pelos jesuítas, que professa obediência ao papa, além
dos tradicionais votos de pobreza, castidade e obediência. O ―quarto voto‖, de acordo com Amantino,
representava ―também o compromisso de mobilidade em direção às terras ocupadas por populações que
precisavam ser trazidas para a cristandade‖. EISENBERG, 2000, p. 36. apud AMANTINO, 2015, p. 13.
132
Ibid., p. 16.
133
VILARDAGA, 2011, p. 219.
134
QUARLERI, 2009, p. 75 apud AMANTINO , 2015, p. 19.
135
VILARDAGA,2011, p. 220.
136
Ibid. p. 215. Sobre o contrabando no porto de Buenos Aires, ver: CANABRAVA, Alice Piffer. O comércio
luso-brasileiro lícito e de contrabando no Vice-Reino do Peru (1602-1623). In: CANABRAVA, Alice Piffer. O
comércio português no Rio da Prata (1580-1640). Belo Horizonte, MG; São Paulo, SP: Editora Itatiaia: Edusp,
1984. pp. 63 - 138.
44
Jerez), ficaram com o Paraguai. Apesar disso, de acordo com Vilardaga, com o acesso
irrestrito a Buenos Aires dificultado, e o desmembramento das populações indígenas, teria
agravado a situação periférica de Assunção.
Vilardaga conclui que São Paulo ainda pode ser considerada como ―periferia‖ do
sistema econômico centrado em Potosí.137 No entanto, a vila teria se beneficiado
economicamente do comércio ilegal que passava entre Rio de Janeiro e São Vicente até o
porto de Buenos Aires, bem como das rotas terrestres que atravessavam o Guairá e o Paraguai
até o altiplano boliviano.138 Não obstante seu limites econômicos, São Paulo teria feito parte
de ―circuitos regionais de trocas e circulação de produtos [que] aconteciam para além, ou
aquém, das grandes rotas que convergiam para Potosí‖,139 tendo em vista a prata peruana.
Ademais, a produção paulista teria se intensificado com o desenvolvimento agrícola e o
apresamento de mão-de-obra indígena, contribuindo para a estabilização da ocupação do
planalto paulista.
Com o fim da União Ibérica, entre 1640 e 1680, os colonos da américa portuguesa
tentavam junto ao Conselho Ultramarino, as melhores formas de se ter acesso ao território
espanhol da região do Rio da Prata. De acordo com Márcia Amantino, ―os moradores da
colônia lusa percebiam que era importante ocupar aquelas terras não só para tentar retomar o
comércio com o porto de Buenos Aires, mas também para criarem gado a fim de obterem
carnes e couros‖.140 Desse modo, sobretudo com a fundação portuguesa da Colônia de
Sacramento em 1680,141 o contrabando se intensificava. Ainda segundo a autora, no auge da
guerra entre Portugal e Espanha em 1648, em razão do fim da união das Coroas Ibéricas, o
domínio do Rio da Prata pela América portuguesa era defendida pelo padre jesuíta Antônio
Vieira, para o qual ―tal área deveria ser conquistada pelos lusos a fim de manter não só o
fornecimento de prata em moedas que circulavam nas praças da América portuguesa, mas
137
―A cidade de Potosí havia sido criada a mais de seis mil metros de altitude, numa região inóspita em 1545. A
base de sua economia era a exploração da prata, e a cada ano a cidade recebia mais e mais pessoas em busca de
enriquecimento. Por volta de 1546 sua população já beirava 14.000 habitantes; entre 1569 e 1581 já havia
atingido 120.000 pessoas. Em 1611 foi estimada em 114.000 indivíduos e em meados do século XVI havia um
total de 160.000 pessoas‖. CANABRAVA, 1984. p. 35.
138
De acordo com John Monteiro, ―No período da União Ibérica (1580-1640), apesar da proibição do comércio
entre as Américas espanhola e portuguesa, os membros da Câmara Municipal de São Paulo aprovaram a abertura
de um caminho para o Paraguai: ‗Pareceu bem a todos pelo proveito que se esperava deste caminho se abrir e
termos comércio e amizade por sermos todos cristãos e de um rei comum‘.‖ MONTEIRO, 1994, p. 69.
139
VILARDAGA, op.cit., p. 278.
140
AMANTINO, 2015, p. 20.
141
Fundada em 1680 por Manoel Lobo, capitão-mor da Capitania do Rio de Janeiro, ao norte do Rio da Prata. A
Companhia de Jesus também fundou uma casa nesta colônia, a qual estava sob a administração do Colégio do
Rio de Janeiro.
45
142
AMANTINO, Op. cit., p. 12.
143
MONTEIRO, 1994. p. 51.
144
Ibid., p. 57.
145
Ibid., p. 130.
146
Ibid., p. 131.
147
Ibid., p. 96.
148
Expressão utilizada pelo Pe. Antônio Vieira. Ibid., p. 96.
46
modo, a fim de aumentar sua base produtiva, e também para a manutenção desta, se
introduziu levas crescentes de indígenas de diferentes e distantes localidades.149 A
necessidade da escravidão indígena era moralmente fundamentada na dominação pela fé,
principalmente os ditos índios ―bravos‖ que atacavam os colonos pelo ódio que tinham dos
índios ―mansos‖, tidos como aliados.150 Os brancos atacados pelos índios viam-se incumbidos
da necessidade de dominá-los, aderindo, assim, ao princípio da guerra justa, meio legítimo de
se cativar índios com respaldo da Coroa e da Igreja:
A escravidão indígena era portanto, cada vez mais afirmada pelos paulistas ao longo
do século XVII, sendo preciso superar obstáculos além da oposição jesuítica. Os paulistas,
juntamente com a Câmara municipal buscavam o direito de administrar os aldeamentos e por
conseguinte, ter domínio sobre a mão-de-obra indígena. Por outro lado, para os jesuítas, os
indígenas ―descidos‖ dos sertões deveriam seguir para os aldeamentos para depois servirem
em trabalhos periódicos para os colonos. Se para os paulistas os jesuítas eram tidos como um
obstáculo para a obtenção de mão-de-obra indígena, para os jesuítas, os paulistas também
eram tidos como um obstáculo para a catequização indígena.
Um viés pouco explorado pela historiografia ao tratar dos aldeamentos, é a questão da
relação entre os pressupostos da existência dos aldeamentos e das práticas do dito ―gentio‖,
que, como afirma Eunícia Fernandes, permitiriam um diálogo cultural.152 Ao abordar os
descimentos feitos pelos jesuítas, a autora observa que estes deslocamentos eram favorecidos
por serem um elemento cultural dos indígenas. Fernandes chama de colonialidade esse
encontro cultural que passa a ser compartilhado entre jesuítas e indígenas num ambiente em
comum. Assim, para Fernandes:
149
Visto que ―os aldeamentos jamais se reproduziram biologicamente‖, necessitando assim de abastecimento
externo por meio dos descimentos. CUNHA, Manuela Carneiro da. História dos índios do Brasil. apud
FERNANDES, 2015,. p. 211 (nota. 243).
150
MONTEIRO, Op. cit., p. 134.
151
Ibid., p. 135.
152
FERNANDES, 2015, p. 210.
47
jesuítas e indígenas numa vivência comum que passava a fazer parte de suas
referências. [...] O que conduzia os religiosos a se embrenharem nas matas e
convencerem os índios a retornarem com eles para o litoral, fixando-se em
―novas aldeias‖, certamente era diferente do que conduzia os indígenas a
seguirem os padres a se instalarem no novo local, mas o encontro acontecia e
eles passavam a compartilhar aquela experiência que, pelo convívio, iria se
recobrindo de novos significados que poderiam ser acionados por todos na
continuidade do contato.153
153
FERNANDES, 2015, p. 210..
154
A exemplo das entradas jesuíticas pelos rios Amazonas e São Francisco. Ibid., p. 209.
155
Ibid., p. 210.
156
A busca por metais e pedras preciosas legitimava a intenção real dos colonos em expandir suas posses de
escravos. Monteiro aponta a defesa dos interesses dos colonos pela Câmara Municipal de São Paulo na ocasião
do pedido da autorização ao governador para a expedição de Nicolau Barreto, alegou ―a finalidade de recapturar
índios supostamente fugidos‖. MONTEIRO, 1994. p. 61. Cf. ACSP, v. 2. p. 112-115.
157
A participação ativa dos indígenas era portanto fundamental por estes saberem abrir caminhos, roças,
servirem de transportadores de cargas, além de conhecerem os animais e as plantas que poderiam ser
consumidos, entre outros conhecimentos.
158
A região do sertão dos Patos, localizado no interior do atual Estado de Santa Catarina, então habitado por
grupos guarani denominados Carijó, Araxá e Patos. E o sertão dos Carijó, que seria provavelmente o Guairá,
habitado por grupos Guarani e Jê na região entre os rios Paranapanema, Paraná e Iguaçu. MONTEIRO, 1994, p.
61.
48
159
MONTEIRO, 1994, p. 62.
160
Ibid., p. 63.
161
O mesmo tipo de aliança também seria feita entre os Guarani e os espanhóis já no século XVI, a exemplo dos
viajantes europeus, como Aleixo Garcia (1524), Cabeza de Vaca (1542), e Mencia Calderón (1554), que
comandaram expedições saídas do litoral atlântico com o objetivo de chegar ao Paraguai, usando caminhos
indígenas chamados Peabiru. PARELLADA, Claudia Inês. Arte em missões jesuíticas no Guairá (1610-1631):
entrelaçando arqueologia, antropologia e arquitetura. In: CONGRESSO INTERNACIONAL DE
AMERICANISTAS, 2018, Salamanca, Memoria Del 56.º Congreso Internacional De Americanistas v. 3 Arte.
Salamanca: Ediciones Universidad Salamanca, 2018. p. 370
162
ANÔNIMO apud. MONTEIRO, op.cit., p. 64
163
MONTEIRO, 1994, p. 65.
164
―[...] os paulistas fornecendo artigos de procedência europeia e até escravos africanos em troca de escravos
índios e prata,‖ malgrado a proibição do comércio entre as Américas no período da união das Coroas ibéricas
(1580-1640). Ibid., p. 69.
49
população guarani era crescente em São Paulo, trazidos daquela região. 165 Ao mesmo tempo,
enquanto instrumento de aquisição de cativos, as alianças e os intercâmbios luso-guarani eram
substituídas pela crescente violência, muitas vezes sendo reduzidos os próprios aliados em
cativos pelos paulistas.
De acordo com John Monteiro, as relações amigáveis entre paulistas e paraguaios
eram desestabilizadas pelos jesuítas instalados na região do Guairá em 1609, com as primeiras
reduções. Semelhantes aos aldeamentos estabelecidos no Brasil, ―o termo reducciones estava
vinculado à noção de que os grupos não cristãos teriam de ser ‗reduzidos‘ à obediência das
leis civis e eclesiásticas, dignas de uma sociedade cristã (...)‖.166 Entre os anos de 1610 e
1628, foram fixadas quinze missões jesuíticas no Guairá: Nuestra Señora de Loreto, San
Ignacio Mini, San Francisco Xavier, San Joseph, Nuestra Señora de Encarnación, Santa
Maria, San Pablo del Iniaí, Santo Antônio, Los Angeles, San Miguel, San Pedro, Concepción
de Nuestra Señora de Guañaños, San Thomas, Ermida de Nuestra Señora de Copacabana, e
Jesus-Maria, sendo a maioria destas missões criadas com índios Guarani, e interligadas pela
rede de caminhos Peabiru aberto pelos indígenas.167
A situação dos jesuítas no Guairá e em São Paulo na primeira década do século XVII
eram praticamente opostas: enquanto no primeiro as aldeias estavam isoladas e eram
autosubsistentes e dependentes do trabalho Guarani; no segundo elas se localizavam ao redor
de vilas e cidades e serviam ao desenvolvimento da economia colonial. Assim, Rafael Ruiz
conclui que, para a Coroa, a posição geográfica, defensiva e de desenvolvimento econômico e
demográfico de São Paulo ou das demais províncias paraguaias ―eram muito diferentes‖.168 A
vulnerável economia colonial paraguaia se via ameaçada pela presença da Companhia de
Jesus, visto que os padres ―poderiam retirar de circulação um sem-número de cativos
guarani‖.169 Desse modo, os espanhóis lançaram uma forte campanha de oposição à presença
jesuítica na região, apoiados pelas autoridades eclesiásticas e civis.170 Entretanto, convém
destacarmos que até a década de 1620, a população indígena reduzida pelas missões era muito
menor do que a população não-reduzida.
165
MONTEIRO, 1994, p. 69.
166
LUGON, C. apud MONTEIRO, 1994, p. 237 (nota 30).
167
As missões de Santo Antonio e San Miguel foram fundadas com indígenas Camperos, do grupo da família
linguística Jê, e as missões de Concepción de Nuestra Señora de Guañaños e San Pedro com indígenas
Gualachos. PARELLADA, 2018, p. 372.
168
RUIZ, Rafael. São Paulo na monarquia hispânica. São Paulo, SP: Instituto Brasileiro de Filosofia e Ciência
"Raimundo Lulio" (Ramon Llull), 2004. p. 143.
169
MONTEIRO, Op. cit., p. 69.
170
Ibid., Loc. cit. Lembrando que os jesuítas chegaram na América Hispânica por volta de 1570, onde já haviam
missionários franciscanos, dominicanos, agostinianos, entre outros.
50
171
E portanto, ―melhor condicionada para o ritmo de trabalho exigido nos engenhos do Brasil‖, embora John
Monteiro destaque a pouca importância dada por historiadores em relação à agricultura tradicionalmente
praticada pelos povos Guarani. MONTEIRO, 1994, p. 71.
172
situadas no atual território do Estado do Rio Grande do Sul.
173
A Província do Itatim está localizada na margem oriental do rio Paraguai, entre os rios Taquari, ao norte, e
Apa, ao sul. CORTESÃO, Jaime (org.). Jesuítas e Bandeirantes do Itatim. Rio de Janeiro: Biblioteca Nacional,
1951. p. 3. Ou seja, situada em uma parte do território correspondente ao atual Estado do Mato Grosso do Sul.
174
MONTEIRO, Op. cit., p. 73; ―O padre Antonio Ruiz de Montoya afirmou que os paulistas haviam destruído
onze missões, cada qual com uma população de 3 mil a 5 mil almas, o que significaria o apresamento de 33 mil a
55 mil cativos, caso todos tivessem sido escravizados‖. MONTEIRO, Op. cit., p. 74.
175
Não obstante as restrições legais do cativeiro, lembrando a política indigenista que previa poder cativar
apenas o indígenas tomados em guerras justas. Ademais, além de índios transferidos para o Nordeste brasileiro,
também era frequente o tráfico de indígenas para Portugal.
176
Lembrando que em 1640 houve a restauração das Coroas, e o comércio entre as Américas espanhola e
portuguesa foram dificultados.
177
MONTEIRO, Op. cit., p. 83.
178
Cf.―Capítulo 5 - Senhores e índios‖. MONTEIRO, op.cit., p. 85.
51
Muitos dos indígenas trazidos pelos paulistas das missões jesuíticas da América
hispânica eram versados em ofícios, com destaque para os Guarani do Guairá. Entre estes
índios apresados, estariam índios músicos, carpinteiros, escultores, pintores, entre outros
ofícios aprendidos nas oficinas jesuíticas estabelecidas nas Missões. Desse modo, ao trazerem
consigo estes saberes, fundidos com suas tradições, assimilando e recriando suas identidades
frente a uma nova e adversa realidade, sua atuação nos aldeamentos e a produção das
primeiras construções e ornamentações do século XVII carregarão consigo estas relações. Ao
longo dos seiscentos, a sociedade colonial paulista se constituiu pelos intercâmbios entre os
colonos portugueses e espanhóis, paulistas e paraguaios, e as diversas etnias indígenas
trazidas de uma região à outra. Consequentemente, as relações entre estes diversos grupos
sociais também constituíram uma sociedade etnicamente e culturalmente miscigenada. É neste
contexto apresentado até aqui, que a Capela de São Miguel Arcanjo, do aldeamento de São
Miguel é (re)construída.
Figura 1- Aldeamentos estabelecidos pelos jesuítas a Capitania de São Vicente. Fonte: HCJB, 2000, t.
VI, p. 381.
52
CAPÍTULO 2
DA ALDEIA DE URURAÍ AO BAIRRO DE SÃO MIGUEL PAULISTA
Junto desta vila, ao princípio havia 12 aldeias, não muito grandes, de Indios,
a uma, duas e três léguas por agua e por terra, as quais eram continuamente
visitadas pelos Padres e se ganharam muitas almas pelo batismo e outros
sacramentos. Agora estão quasi juntas todos em duas: uma está uma legua da
vila, outra duas, cada uma das quais tem igreja e é visitada dos nossos como
acima se disse. As fazendas dos Portugueses tambêm estão da mesma
maneira espalhadas a duas e três leguas e acodem os domingos e dias santos
á missa.180
As aldeias as quais Anchieta faz referência seriam, justamente, Pinheiros e São Miguel
(Ururaí), estabelecidas como aldeias do Padroado Real, de acordo com o Regimento de Tomé
de Souza, sob a tutela dos jesuítas. Vamos nos ater ao aldeamento de São Miguel, por ser de
maior interesse desta pesquisa.
Manuel Eufrásio de Azevedo Marques, em seus Apontamentos históricos, dedica um
verbete a Ururaí, no qual indica ter sido o local em que Piquerobi, chefe dos índios
Guaianases se estabeleceu nos campos de Piratininga.181 Muito pouco se sabe sobre Ururaí
enquanto aldeia indígena pré-jesuítas. Nos mesmos Apontamentos históricos, ao tratar de São
Miguel, Azevedo Marques afirma que se iniciou ―por aldeamento de índios domesticados
emigrados da aldeia de Itaquaquecetuba em 1623, por acordo tomado pelos oficiais da
179
MADRE DE DEUS, 1953, p. 125.; RENDON, 1978. p. 38.
180
ANCHIETA, José de. Cartas, fragmentos históricos e sermões, 1554-1594. Rio de Janeiro, RJ: Civilização
Brasileira, 1933. p. 321. [grifo nosso].
181
MARQUES, Manuel Eufrásio de Azevedo. Apontamentos históricos, geográficos, biográficos, estatísticos e
noticiosos da Província de São Paulo: seguidos da Cronologia dos acontecimentos mais notáveis desde a
fundação da Capitania de São Vicente até o ano de 1876. Belo Horizonte, MG; São Paulo, SP: Editora Itatiaia:
Editora da USP, 1980. v. 2. p. 296.
53
Câmara de São Paulo a 21 de setembro de 1622‖.182 Por muito tempo foi aceita pela
historiografia a data de fundação do aldeamento os anos de 1622 ou 1623, tendo por
referência os Apontamentos históricos, e/ou a data inscrita na verga da porta de entrada da
Capela de São Miguel. De acordo com o relatório feito pela comissão do Instituto Histórico e
Geográfico de São Paulo (IHGSP) em 1925, para chegar a tal conclusão, Azevedo Marques
teria se baseado na correspondência do reitor do Colégio de São Paulo, Pe. Lourenço
Craveiro, que em 15 de julho de 1674, determinou ao Pe. Francisco de Moraes, que se
certificasse o que sabia
182
MARQUES, 1980,. p. 237.
183
CRAVEIRO, Pe. Lourenço apud RIHGSP v. 23, p. 304.
184
HOLANDA, 1941, p. 107.
185
Como apontado por Sérgio Buarque de Holanda, esta mesma conclusão teria sido elaborada pelos
representantes do Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo em relatório de 1925. HOLANDA,1941,p. 105.;
RIHGSP v. 23. 1925. p. 303- 317.
54
margem esquerda do rio Tietê.186 Sendo Piquerobi irmão de Tibiriçá, sabidamente líder
indígena aliado aos jesuítas portugueses, é possível que Piquerobi e seus índios tenham
aceitado a aliança com o jesuítas, se estabelecendo como aldeamento em troca da proteção
dos padres e da Coroa, contra ataques de outras tribos indígenas e de colonos. Não se sabe
muito do que tenha ocorrido neste aldeamento entre o período de 1560 e 1580, década a partir
da qual começamos e ter maior referência documental.
Em 12 de outubro de 1580, o então capitão-mor loco-tenente Jerônimo Leitão,
concedeu terras aos índios de São Miguel e de Pinheiros, em uma só Sesmaria,187 em resposta
ao pedido dos índios de São Miguel por terras próximas a Ururaí, como se pode ser lido no
Registro Geral da Câmara de São Paulo:
Jeronymo Leitão capitão desta capitania de São Vicente pelo senhor Pedro
Lopes de Sousa capitão e governador della por el-rei nosso senhor etc. façi a
saber a todos os juizes e justiças officiaes e pessoas desta capitania que esta
minha carta de dada de terras de sesmarias de hoje para todo sempre virem
em como a mim enviraram a dizer os indios de Piratininga da aldeia dos
Pinheiros e da aldeia de Ururai por sua petição que os indios dos Pinheiros
até agora lavraram nas terras dos padres por serem indios christãos e as ditas
terras se vão acabando elles descendo esperam por outros do sertão e haviam
mister quantidade de terras para se poderem sustentar [...] pelo que me
pediram que antes que as ditas terras se acabassem de dar houvese respeito
serem elles naturaes da mesma terra e lhes desse de sesmarias seis leguas de
terras em quadra onde chamam Carapicuiba ao longo do rio de uma parte e
da outra começando donde acabarem as dadas de Domingos Luiz e Antonio
Preto e para os da aldeia de Ururay outras seis leguas em quadra começando
donde se acabam as terras que se deram a João Ramalho e Antonio de
Macedo que dizem que eram até onde chamam Juaguapore..ba
[Jaquaporessuba] e por serem muitos e cada vez mais pediam tanta terra no
que receberiam mercê o que …. mandei o tabellião que passasse …… aos
taes indios e vendo sua petição e as razões que nella allegam serem justas e
outrosim a maior parte delles serem christãos e terem suas igrejas estarem
sempre prestes para ajudarem a defender a terra e a sustental-a o que fizeram
assim em meu tempo como dos capitães passados [...] dou seis leguas em
quadra ao longo do rio Ururay para os indios da aldeia do dito Ururay as
quaes começarão a partir adonde acabar a dada de João Ramalho e de seus
filhos e vão pelo dito rio correndo tanto de uma parte como da outra e até se
acabem as ditas seis leguas em quadra as quaes dou aos moradores da dita
aldeias que agora são e pelo tempo em diante forem com as condições de
sesmaria [...].188
186
RIHGSP v. 23. p. 311.
187
MADRE DE DEUS, 1953, p. 125; MARQUES, 1980. v. 2, p. 341; PETRONE, 1995. p. 296 ; HOLANDA,
1941, p. 106 ;
188
RGSP, v. 1. p. 354-357.
55
povoado e o possível estado ruinoso da capela, iniciou-se a reconstrução desta por volta de
1620, sabendo-se com segurança terem terminado os trabalhos a 16 de julho de 1622, data
então inscrita na verga da porta da frontaria‖.193 É plausível que o primeiro templo religioso
do aldeamento de São Miguel fosse construído de forma mais simples, a exemplo da primeira
construção do Colégio jesuítico de São Paulo em 1554, como relata José de Anchieta em carta
do mesmo ano:
Tal hipótese é reforçada pelo requerimento de Alonso Perez junto à Câmara de São
Paulo em 26 de Setembro de 1592, em que os índios de São Miguel e de outras aldeias se
queixavam contra a falta de assistência espiritual e material, indicando o possível estado de
abandono o qual se encontravam os aldeamentos:
Apesar de não ficar explícito o motivo de tal abandono, as atas anteriores levam a crer
que o assolamento dos aldeamentos era devido, tanto às guerras entre índios de diferentes
193
Na verdade, a data correta inscrita na verga da porta é 18 de julho de 1622, e não 16 de julho. BOMTEMPI,
1970. p. 56-58.
194
ANCHIETA, José de. Carta Quadrimestre de Maio a Setembro de 1554, de Piratininga. In: ANCHIETA,
1933, p. 43.
195
ACSP, v. 1. p. 449.
57
aldeias não cristianizadas, quanto às guerras entre índios e colonos disputando por terras e
mão-de-obra indígena.196 De qualquer forma, não restam dúvidas de que existia uma igreja no
aldeamento de São Miguel antes de 1622, e que ela era assistida pelos padres jesuítas.
Sylvio Bomtempi afirma que é muito provável que a primeira igreja do aldeamento de
São Miguel datada do século XVI, tenha sido reconstruída e não reformada.197 O relatório da
pesquisa arqueológica feita na Capela de São Miguel em 2007 conclui que os materiais mais
antigos apresentados nas camadas de aterro, datam dos séculos XVII e XVIII. 198 Assim, a
questão do local e a reconstrução da capela são postos em dúvida com a conclusão deste
relatório, embora a documentação e a historiografia não façam menção à uma possível
mudança de local da capela, sustentando ser o mesmo desde o seu estabelecimento no final do
século XVI.199 No entanto a localização do aldeamento, como já abordamos, seria a mesma
desde o início.
A construção da Capela de São Miguel é atribuída por Azevedo Marques ao colono
espanhol Fernão Munhoz e ao padre secular João Álvares. Embora não façamos aqui juízo de
valor da idoneidade deste historiador, seus apontamentos em relação à São Miguel são
equivocados em algumas questões.200 Visto que não se conhece a existência de documentação
segura e definitiva sobre a construção da Capela, tal atribuição é assim repetida
sistematicamente ao longo dos estudos feitos sobre a Capela de São Miguel ao longo dos
anos.
196
Várias sessões das Atas da Câmara entre os anos de 1590 e 1592 fazem menção a guerras e a entradas de
apresamento de indígenas nos sertões. Na ata anterior, de 20 de Setembro de 1592, é assinada uma provisão
entregando a posse das aldeias aos padres da Companhia de Jesus, na qual o padre Lourenço Dias ―(...) disse que
em toda a costa do Brasil que os reverendos padres ensinam aos índios e que da mesma maneira o faziam nesta
vila de São Paulo sem ninguém lho impedir até o dia de hoje [...] e que da maneira que os tinham e os
doutrinavam havia quarenta anos que dessa própria maneira estivesse e que quanto a real posse ele sentia por
estar a terra de guerra não ser tempo para se lhe dar porquanto os índios sentiam mal e o assinou aqui os
sobreditos oficiais e mais povo (...)‖. ACSP, v. 1. p. 446-448.
197
―Não se tratou, pois, de mera reforma, em que se mantivesse a capela do século XVI, acrescentando-se-lhe
alguns melhoramentos. Basta considerar que a própria igreja da vila ia pouco além de choça, e seria conjeturar
no absurdo que àquele mesmo tempo um simples aldeamento de índios tivesse capela maior e construída com
todos os elementos que a tornaram exemplo da arquitetura jesuítica e colonial. Quanto ao local da reconstrução,
não há fortes motivos para se crer não tenha sido o mesmo sítio primitivo‖. BOMTEMPI, 1970, p. 59.
198
JULIANI, Lúcia. Relatório Final. Pesquisa arqueológica na Capela de São Miguel Paulista. 2007, p. 199.
Agradecemos à diretoria do Sítio Morrinhos por nos disponibilizar este trabalho para a realização de nossa
pesquisa.
199
Embora o relatório não faça nenhuma menção a esta questão, neste trabalho não é relatado a ocorrência de
vestígios arqueológicos anteriores ao século XVII. Pode se tratar de uma questão metodológica de não ter
alcançado camadas mais profundas por razões diversas, ou simplesmente não ocorrer vestígios mais antigos.
200
Como já vimos em relação ao ano de fundação do aldeamento de São Miguel, atribuída pelo historiador como
sendo o ano de 1623, baseado na transferência de indígenas do aldeamento de Itaquaquecetuba em 1622.
MARQUES, 1980, p. 237.
58
Não se sabe muito sobre estas duas figuras responsáveis pela construção da Capela,
mas a documentação nos assegura que Fernão Munhoz era carpinteiro em 1620,201 e que
recebeu terras dos indígenas situadas entre o Jacuí e o rio Itaquera, em pagamento pela
construção da capela de São Miguel entre outras obras, como consta de seu testamento escrito
em 1673:
Assim como afirma Sérgio Buarque de Holanda, foi deste documento que Azevedo
Marques teria baseado sua atribuição da construção da capela de São Miguel também ao
padre João Álvares. Contudo, como bem observa o historiador, o texto do inventário e
testamento de Fernão Munhoz não faz menção alguma ao padre.203 Tal atribuição ao Pe. João
Álvares enquanto promotor da reconstrução da Capela não se sustenta totalmente com a
documentação com a qual trabalhamos nesta pesquisa. O que a justifica são as importantes
relações deste padre e sua presença no aldeamento de São Miguel.
De acordo com Gabriel Frade, João Álvares, teria sido ordenado padre secular entre
1594 e 1599, e atuou como vigário da vila de São Paulo entre 1605 e 1607. 204 Nascido
provavelmente em 1570 ―era natural da vila de São Paulo, filho e neto de conquistadores‖,
assim se justifica a participação direta e indireta deste padre nas bandeiras de Nicolau Barreto
entre 1602 e 1604; e na bandeira chefiada por Antônio Raposo Tavares entre 1628 e 1629. Em
1610, teria adquirido terras em Itaquaquecetuba por meio de sesmaria, onde mais tarde, em
1624 teria mandado erigir uma capela dedicada à Nossa Senhora da Ajuda. Há informações
que em 1628 ele seria novamente vigário em São Paulo e que por volta de 1640 ainda estaria
201
Em 9 de Agosto de 1620, Fernão Munhoz, carpinteiro, é nomeado quadrilheiro. ACSP, v. 2. p. 438. Os
quadrilheiros eram oficiais de justiça, ordenados pela Câmara para servir por três anos, equivalente aos policiais.
Cf. BELMONTE. Os ―Quadrilheiros‖. In: BELMONTE. No tempo dos bandeirantes. 3.ed. São Paulo, SP:
Melhoramentos, [19--?]. p. 135- 142.
202
―Inventários e testamento de Fernando Munhoz (1675)‖, In: RIHGSP, v. 34. p.265.; BOMTEMPI, 1970. p.
61-62.
203
―Sucede que no texto do testamento de Fernão Munhoz, [...] não há referência à participação de João Álvares
na construção da capela. Se essa referência existiu deve estar ilegível‖. HOLANDA, 1941, p. 108.
204
FRADE, Gabriel. A aldeia da capela: Elementos para a história do aldeamento jesuítico de Itaquaquecetuba-
SP. In: Antigos aldeamentos jesuíticos: a companhia de Jesus e os aldeamentos indígenas. Gabriel Frade (org.).
São Paulo: Edições Loyola, 2016. p. 145.
59
vivo.205 Gabriel Frade também menciona a participação do padre João Álvares na construção
da capela de São Miguel em 1622, onde à época se encontravam índios transferidos de
Itaquaquecetuba.
Não sabemos as razões para ter ocorrido tal transferência de indígenas, visto que este
ponto não é explicitado nem pela documentação e nem pela historiografia. Contudo, podemos
trabalhar com a hipótese da escassez da mão-de-obra indígena na região pelas já mencionadas
epidemias, guerras intertribais e entre indígenas e colonos, além das expedições para os
sertões, que levavam indígenas consigo. De qualquer forma, estes indígenas se integraram à
população do aldeamento de São Miguel e muito provavelmente foram empregados como
construtores da Capela.
É preciso também abrirmos um parênteses para discutirmos brevemente a atuação do
Pe. João Álvares nas bandeiras do século XVII. Conforme já mencionado, existem
informações da participação direta e indireta do Pe. João Álvares nas bandeiras de Nicolau
Barreto e de Raposo Tavares. Na primeira, o dito padre teria atuado como capelão e redigido
o testamento de Afonso Sardinha, o moço, em 1604.206 Já na bandeira de Antônio Raposo
Tavares, ocorrida entre 1628 e 1629, sua atuação teria sido indireta. Como já discutimos
brevemente, a bandeira de Raposo Tavares foi marcada pelo seu violento ataque às reduções
jesuíticas do Guairá, trazendo para o planalto paulista um contingente de indígenas guarani.
Affonso E. Taunay, em sua História das Bandeiras paulistas, afirma que nesta bandeira, um
dos chefes de expedição era ―(...) um tal Francisco, tupi, escravo do vigário João Álvares e
homem de negócio de seu amo‖.207 De acordo com Gabriel Frade, ―o Pe. João Álvares, dentro
das dificuldades econômicas vigentes na São Paulo colonial, buscava seu sustento através do
comércio e uso de escravos‖.208 Desse modo, fica evidente que a participação do vigário se
baseava, provavelmente, no interesse pela mão-de-obra indígena, financiando e participando
de expedições de apresamento, utilizando e comercializando escravos. Em razão disso, é
atribuído o legado de sua propriedade de Itaquaquecetuba aos padres da Companhia de Jesus
na ocasião de sua morte, ―talvez para aquietar a consciência, como era usual na época,‖ a
título de reparação.209
Voltando à questão da construção da Capela de São Miguel, apesar das atribuições ao
padre João Álvares e ao carpinteiro e bandeirante Fernão Munhoz, a mão-de-obra utilizada na
205
FRADE, 2016, p. 144-146.
206
Ibid., p. 144.
207
TAUNAY, Affonso de E. História Geral das Bandeiras Paulistas. São Paulo: Typ. Ideal, Tomo I, 1924. p.
52.
208
FRADE, op.cit., p. 147.
209
FRADE, 2016, p. 148; HCJB, t. VI, p. 362.
60
210
―É de relembrar-se que ao tempo da reconstrução da capela já não era São Miguel mero aldeamento de índios.
Assumia a aparência de povoado de brancos, em concorrência com os aldeados (...).‖ BOMTEMPI, 1970, p. 64.
211
É esta a interpretação feita pelos diversos historiadores que se dedicaram ao estudo da Capela de São Miguel.
212
Embora a legislação vigente na época determinasse que a administração temporal não era dos jesuítas, como
já discutimos anteriormente, eram recorrentes as negociações entre os jesuítas e os colonos em todas as
capitanias. Além disso, a indefinição jurídica dos aldeamentos régios de São Paulo que se encontravam sob o
controle dos jesuítas, serviu de pretexto para a campanha dos paulistas contra dos padres da Companhia de Jesus.
61
Figura 2- Detalhe da verga da porta de entrada indica o ano de 1622: “Aos 18 de Julho de 1622 S.
Miguel”. Foto: Alexandre Galvão e Natália Moriyama. Fonte: http://capeladesaomiguel.org. Acesso
em: 1 mar. 2018.
Dom Filippe rei de Portugal e dos Algarves [...] a quem esta provisão for
apresentada faço-vos saber que os indios fôrros das aldeias de Piratininga
213
De acordo com Alcântara Machado, sobre os indígenas dos serviços obrigatórios: ―Eram inalienáveis as peças
serviçais e a justiça não permitia que fossem avaliadas, sequestradas, vendidas ou arrematadas em hasta pública.
Nenhum testador se esquecia de acentuar que se tratava de índios forros e livres de seu nascimento, de seu
natural, de sua natureza conforme a lei de Sua Majestade, e de proibir que os vendessem, trocassem,
transpassassem por trato ou contrato algum, ou separassem da família. A manda vinha reforçada às vezes pela
ameaça: e sendo caso que vendam alguma se lhe tirarão as outras… sob pena de minha maldição. A
inalienabilidade restringe, mas não exclui, o direito que tem o senhor de tratar o gentio como coisa própria,
debaixo de seu domínio. [...]‖ MACHADO, Alcântara. Vida e morte do bandeirante. São Paulo, SP: Imprensa
Oficial, 2006. p. 183.
214
Aqui se referem aos aldeamentos de Pinheiros, Barueri, Conceição dos Guarulhos e São Miguel.
MONTEIRO, 1994, p. 202.
215
Ibid., loc. cit.
62
dessa dita capitania a mim e ao meu ouvidor geral com alçada e provedor
mór de minha fazenda em todo o estado do Brasil fizeram a petição escripta
nesta meia folha [...] mandeis notificar e notifiquem a todas e quaesquer
pessoas que contra vontade dos ditos indios lavrarem ou lavrarem nas terras
conteudas nesta sua petição atrás que com pena [...] lh‘as larguem logo e
deixem livres e desembargadas e sem impedimento para que os ditos indios
as cultivem sem a isso lhe ser posto nenhuma duvida [...].216
Os índios dos aldeamentos cultivavam suas roças para sua subsistência, como pode se
observar o exemplo do requerimento da Câmara de São Paulo em outubro de 1623, o qual
―era ẽformado q‘ os moradores de são miguel cõ seus gados e criasõis destruião as prantas e
sementeras dos indios‖.217 No entanto, com a expulsão dos jesuítas, reafirmamos, os colonos
não tinham quem os impedissem de não permitir que os indígenas cultivassem as próprias
terras, preferindo submetê-los ao serviço particular. Com isto, as fugas dos indígenas se
tornaram frequentes, o que fez que a Câmara determinasse que os oficiais os devolvessem
para seus respectivos aldeamentos.218 Em maio de 1651, Simão da Costa, em nome dos índios
de São Miguel entrou com requerimento na Câmara, reclamando que certos colonos
estavam rosando nas terras dos ditos indios e botandoos fora dela
fazendolhes grandes danos com suas criações asim gado vacum e
cavalgaduras lhe faziam grandes danos e danificaçam de suas lavouras e
prantas por cuja cauza estava todo o gentio devidido e fora da aldea e por os
grandes apertos e molestias que resebiam dos moradores desta villa com os
espulsarem fora de suas terras pelo que lhe requeria as suas merçes lhe
mandace paçar mandado pª que fosem notificados os sobreditos despejaçem
logo as ditas terras e mandaçem por as ditas criações fora dellas e os ditos
ofiçiaes asim o mandarão [...].219
216
RGSP, v. 1 p. 357- 359.
217
―Vereação de 21 de outubro de 1623‖. ACSP, v. 3. p. 56.
218
Como se determina na vereação de 16 de março de 1649: ―[...] proveu mais o ditto dezembargador q‘ prqto
esta imformado que mtos mres desta dita vila e seu distritto tinhão das aldeas delle mtos indios e indias em suas
cazas donde os cazavão e aos seus filhos e filhas o q‘ era cauza das ditas aldeas todas fraudarem e despovoarem
e algus q‘ ficavão nellas se alomgarem e meterem pellos matos dellas pellos ditos mres lhe tomarem suas terras e
lhe não deixarem lavrar nellas tudo tanto contra o servilo de sua magde el rei ordenava e mandava q‘ os dittos
officiais da camara fosem as dittas aldeas tomar posse na forma costumada e fizessem por nella os dittos indios e
indias e despegarlhe as dittas terras fazendolhe reformar as dittas cazas das aldeas e pondo viverão nellas
ordenandolhe seus capitães e clerigos q‘ nellas asistão com penna de duzemtos cruzados e de dpos annos de
degredo p o Ruº de angola o q‘ comprirão os dittos officiais da camara sob a mesma penna. [...]‖. ACSP, v. 5 p.
367.
219
ACSP,v. 5 p. 468-469.
63
os índios para seu serviço, jornadas do sertão, tratando-os como escravos seus e ocasionando
não só muito detrimento ao serviço de Sua Alteza, mas a ruína das mesmas aldeias". 220 De
fato, após 1640, houve um declínio da população indígena dos aldeamentos.221
Entre 1652 e 1653, houve tentativas de se transferir alguns aldeamentos, incluso São
Miguel para o litoral. Em 1652, por meio de Provisão do governador-geral se determinava que
se transferissem os índios de São Miguel ―pera a villa de santos na paragem chamada
bretioga‖.222 Os índios, representados por oficiais da Câmara de São Paulo, não consentiram a
este pedido, alegando que:
No ano seguinte, Pedro de Souza Pereira, Provedor da Fazenda Real do Rio de Janeiro
e Administrador das Minas da Companhia tentou a mudança dos aldeamentos de São Miguel,
Barueri e Pinheiros para a zona do Paranaguá para defesa das fortificações.224 A Câmara de
São Paulo fez forte oposição a este pedido, se colocando ao lado dos índios, porém não sem a
intenção de manterem seus interesses na mão-de-obra indígena, como fica evidente na carta
de 2 de junho de 1653 dos oficiais da Câmara de São Paulo para a Coroa, alegando:
[...] que estes indios são de muita utilidade e de grande prestimo nesta
paragem assim para os moradores como para o serviço real, por que estes são
os que acodem de continuo a rebates que se dão, por razão do inimigo que
infesta esta costa que está povoada ha mais de cem annos com muitas igrejas
conventos cada de moeda e quintos reaes e alfandega alem de que estes
indios sao os de que se servem no serviço commum da republica os
ministros e capitães em todas as ocasiões necessarias [...] parece justo não
bulir com elles nem tiral-os de suas aldeias onde têm igrejas em que são
doutrinados pelos padres e sacerdotes que lhe assistem e onde vivem
contentes e se conservam, [...]‖.225
220
Carta patente a Antonio [sic] Ribeiro Baião, 5/10/1671, BNRJ 1.2.9, nº 140. apud MONTEIRO, 1994, p. 205.
221
―Num parecer apresentado ao Conselho Ultramarino, Salvador Correia de Sá expressou tal declínio em
termos numéricos, relatando que em 1640 havia 2800 "casais" nos aldeamentos, uma cifra que havia diminuído
para 290 em 1679, data do parecer. Barueri, o maior aldeamento, havia declinado de mil casais a 120; São
Miguel, de setecentos a oitenta; Conceição, de oitocentos a setenta: e em Pinheiros permaneceram apenas vinte
casais dos trezentos que antes habitavam o aldeamento‖. MONTEIRO, 1994, p. 204.
222
ACSP, v. 5. p. 531-532.
223
ACSP, v. 5. p. 531-532.
224
RGSP, v. 2. p. 368-71.
225
RGSP, v. 2. p. 377-379.
64
transferência dos aldeamentos, tais apelações não foram o suficiente para impedir a saída
massiva de indígenas para as minas de Paranaguá.226 O curioso das duas apelações da câmara
contra tais transferências é a referência à cristandade dos indígenas, ressaltando possuírem
suas igrejas nos aldeamentos. Assim, igualmente se evidencia a importância destas
construções para os índios aldeados enquanto integrantes da sociedade colonial.
Na década de 1660, a Câmara municipal de São Paulo, sendo ela administradora dos
aldeamentos desde a expulsão dos jesuítas em 1640, passou a autorizar a espoliação em
grande escala de terras indígenas. Assim, estas terras foram transferidas para particulares,
constando como aforamentos, embora, como observa John Monteiro, ―nenhum foro fosse
arrecadado antes de 1679, quando da correção judiciária do ouvidor Rocha Pita‖. 227 No
mesmo ano, na vereação de 1 de julho, é ordenado pelo procurador do conselho aos oficiais
da câmara que se mandasse ―buscar os treslados no L.º do tombo das datas de terras que se
derão aos Indios das Aldeas de Sam Miguel, e da comcepção, e Marueri, as coais terras se am
de aforar comforme as hordẽs do sendicante p.ª o que se am de medir as ditas terras [...]‖.228
Na década de 1680, são recorrentes os registros de índios fugidos encontrados pelas
propriedades rurais da região,229 bem como os registros de aforamento das terras dos índios de
São Miguel.230
Os aforamentos das terras dos índios de São Miguel também serviram de pretexto para
o termo feito pelo conselheiro Diogo Barbosa Rego junto à Câmara de São Paulo em 23 de
setembro de 1691, no qual foi requerido:
Assim, ao requerer que se utilizassem os foros para os reparos das igrejas de São
226
PETRONE, 1995. p. 211.
227
MONTEIRO, 1994. p. 205. Cf.Provimento de 8 de maio de 1679 em ACSP, v. 7 p. 26-29.
228
ACSP, v. 7 p. 31.
229
Cf. ACSP, v. 7 p. 67-68; 308.
230
Cf. RGSP v. 3.
231
ACSP, v. 7 p. 407.
65
Miguel e de Conceição dos Guarulhos, temos registrado o pedido do que seria a primeira
reforma realizada da Capela de São Miguel. No entanto, não encontramos nenhuma
informação documental que ateste sobre esta reforma, se de fato ela foi realizada, ou o que
teria sido reparado. Teria sido feito algo além dos consertos nos telhados? O alpendre teria
sido construído nesta reforma? E quanto à decoração, as pinturas parietais de nosso estudo já
existiriam, ou seriam realizadas neste momento? Dificilmente saberemos responder com
certeza. O que se encontra documentado é que em 1678, no registro feito para Coroa sobre os
aldeamentos, se afirma:
Que cada qual destas quatro aldeias [Barueri, Pinheiros, São Miguel e
Conceição dos Guarulhos] tem suas igrejas com todo o necessario para se
celebrarem os sacramentos, que á custa do serviço dos mesmo indios as
sustentam; e apenas nos dias do orago de cada aldeia são assistidos, e
confessados, e as mais vezes pelos padres da Companhia, que por caridade
acodem a estes sacramentos, sendo chamados sem terem esta obrigação
[...].232
Ainda assim, não sabemos precisar quais elementos arquitetônicos e ornamentais estas
igrejas, sobretudo São Miguel, possuíam ou não neste período. Este documento também nos
traz informações importantes em relação à assistência espiritual nos aldeamentos, além de
outras questões sobre as relações entre os indígenas e os colonos, principalmente aquelas
relativas à utilização da mão-de-obra indígena, como veremos mais adiante.
232
RGSP, v. III, p. 169. [grifo nosso].
―Tombo G., I fls 70‖ apud. ROWËR, 1957, Frei Basílio. Páginas de História Franciscana no Brasil. Ed.
233
Câmara de São Paulo. Se um dia tal cláusula realmente foi acordada pelos jesuítas em seu
retorno à Capitania de São Vicente, não teria sido efetivamente cumprida pelos padres da
Companhia.
Desde a expulsão dos jesuítas em 1640, a administração temporal dos aldeamentos
passou a ser responsabilidade da Câmara de São Paulo, e assim parece ter permanecido desde
então. Já a administração espiritual, como já apontamos, parece ter sido deixada à sorte dos
índios cristãos. Após a readmissão dos jesuítas em São Paulo, malgrado o acordo firmado
com a Câmara de São Paulo, alguns registros demonstram que eles continuaram atuando nos
aldeamentos, ainda que extra-oficialmente e de forma esporádica. Conforme já mencionamos,
o registro feito sobre os aldeamentos para a Coroa em 1678, traz informações importantes
sobre as relações entre os jesuítas, os indígenas e os colonos. No trecho destacado
anteriormente, lemos que nos dias do orago de cada aldeamento, em sua continuação, os
jesuítas as visitavam, prestando assistência religiosa e realizando sacramentos,
[...] sendo chamados sem terem esta obrigação mais que a do serviço de
Deus, e em todo o mais tempo do anno se não celebra nellas, em razão de
serem levados os ditos indios e espalhados por casas dos moradores a servir
sem terem assistencia das ditas aldeias, levando-os ás mais capitanias; com
que vivendo sem quem os governe despovoam as aldeias, porque nellas não
podem fazer suas roças, nem pôr mantimentos por não terem premio para
sua conservação, perecendo muitos á necessidade e em suas doenças. e
males, sendo menos tratados á conta de não serem escravos proprios
daquelles moradores.234
Ao que parece, nos demais dias do ano, os jesuítas não assistiam nestes aldeamentos,
os quais se despovoavam. Já discutimos brevemente sobre as frequentes fugas dos indígenas
dos aldeamentos neste período e dos foros de suas terras pelos colonos. A questão que
levantamos agora, é a da assistência dos jesuítas nestes aldeamentos após sua readmissão,
visto que na década de 1680, era eminente o risco de uma nova expulsão dos padres da
Companhia, em razão dos conflitos de interesses entre colonos e jesuítas (ainda) em relação
ao uso da mão-de-obra indígena e o direito de trazer índios do sertão. Em 1685, se registra na
Câmara de São Paulo o termo das negociações entre as autoridades régias e o provincial do
jesuítas Alexandre de Gusmão, dados os rumores que corriam entre os colonos, que receavam
não mais poderem se utilizar dos indígenas.235 Os paulistas reforçam a necessidade da mão-
de-obra cativa e reafirmam seu direito de se apresar índios nos sertões, ao passo que o
234
RGSP, v. III, p. 169.
235
ACSP, v. 7 p. 275-276.
67
provincial dos jesuítas propõe se encarregar de solicitar em Roma a concessão de que pudesse
ir ao sertão, ―e por este modo se poderia seguir sem remorso a possessão, e venda do dito
gentio entre os mesmos moradores‖.236 Apesar do tom conciliatório e apaziguador desta
negociação, fica evidente que a desconfiança dos paulistas para com os padres da Companhia
de Jesus, assim como as divergências em relação ao trabalho indígena era perene.
Os jesuítas jamais tiveram novamente o direito de administrar temporal ou
espiritualmente os aldeamentos régios. Suas responsabilidades eram exclusivas às fazendas
jesuíticas: Mboy, Carapicuíba, Itapecerica, Itaquaquecetuba e São José, enquanto os demais
aldeamentos estavam sujeitos a administradores particulares, designados pela Câmara
municipal. Em 1698, Artur de Sá e Menezes, Governador do Rio de Janeiro que esteve em
São Paulo por mandado do Rei no ano anterior, informou que os ―Superiores dos Beneditinos,
Franciscanos e Carmelitas lhe haviam prometido dar-lhe missionários para os índios‖.237
Baseado nesta informação, Frei Basílio Rowër afirma que neste período o aldeamento de São
Miguel teria sido entregue aos Franciscanos, provavelmente por acordo verbal, visto não
conhecer documento algum que ateste esta transferência.238 E de fato, não se conhece
documento com semelhante informação. Encontramos no volume 5 do Boletim do
Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo um pedido feito por volta de 1720 pelo
Frei Francisco de Santa Rosa, administrador do aldeamento de São Miguel junto aos demais
religiosos da ordem de São Francisco, por uma certidão que
Contudo, não consta nos Boletins ter havido alguma resposta deste pedido de certidão.
Os estudos que abordam esta questão da transferência da administração temporal e espiritual
aos franciscanos se baseiam nas afirmações de Rowër, como Serafim Leite em sua História
da Companhia de Jesus no Brasil,240 entre outros. José Arouche de Toledo Rendon, em sua
Memória sobre as aldeias de índios da província de S. Paulo, escrito a partir de observações
feitas em 1798, também afirma não ter conhecimento de documento que certifique o tempo
236
ACSP, v. 7 p. 275-276.
237
ROWËR, 1957. p. 508.
238
Ibid., p. 508.
239
DEP. DO ARQUIVO DO ESTADO. Boletim do Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo, São
Paulo: Arquivo do Estado, 1945, v. 5. p. 62.
240
HCJB, t. VI, p. 230.
68
em de São Miguel teria sido entregue aos franciscanos,241 mas afirma que ―é certo que já no
ano de 1716 S. Miguel era dos Capuchos‖.242 Entretanto, Rendon não especifica qual
documento ou fato baseia esta afirmação, também recorrente nos estudos sobre o assunto.
Encontramos tal referência somente no breve panorama histórico escrito por Rendon por volta
de 1802, anexado ao Plano em que se propoem o Melhoramento da sorte dos Indios,
reduzindo-se a Freguezia as Suas Aldeas etc.,243 no qual informa que a data de 1716 consta da
Pastoral do Bispo do Rio de Janeiro.244 Sérgio Buarque de Holanda em seu estudo sobre as
Capelas antigas de São Paulo, faz menção à resolução régia contida na Nobiliarquia
Paulistana de Pedro Taques de Almeida Paes Leme, a qual teria dado ―um missionário a cada
uma das aldeias do real padroado como o título de superior e funções paroquiais‖,245 como
consequência de uma representação do administrador do capitão-mor Pedro Taques de
Almeida, designando os Beneditinos para o aldeamento de Pinheiros, os Carmelitas para
Barueri, e os Franciscanos para São Miguel e Nossa Senhora da Escada.
É possível que a transferência do aldeamento de São Miguel tenha ocorrido pouco
antes de 1716, mas certamente, não entre 1697 e 1698. Em 3 de julho de 1701, dois índios,
juntamente com o capitão e o sargento mor de São Miguel foram à Câmara de São Paulo pedir
um sacerdote para assistir a aldeia:
[...] por eles ambos foi Requerido q‘ elles estavão promtos pª o serviço de
sua Magde q‘ ds gde porem q‘ nesesitavão de hũ sacerdote pª os comfesar e
doutrinar e q‘ estavão morendo sem comfisão sem sacramto algum como
animaes como agora esprementavão com a emfestada …. q‘ na dita Aldea
tinhão de sarampo e por q‘ o procurador faltava a obrigação do seu regimto
se recorrião a esta camera como seus administradores queixandose de seu
descuido nos pedirão tratasemos pello amor de deus com algum saserdote
quizese asestirlhe em suas nesesidades pª o q‘ se obrigavão a pagarlhe os
ditos Indios aquilo em q‘ se comsertase com o dito saserdote o q‘ tudo isto
nos emcarregavão a nosa despusição e avião por bem feito todo o trato que
fizesemos com o saserdote he elles se obrigavão a satisfasão do que lhe
tocase de seu ordenado na forma do comserto de q‘ de tudo mandamos
estemder este Requerimen.to [...].246
Neste requerimento fica esclarecido que até aquele momento, em 1701, o aldeamento
241
RENDON, 1978, p. 44.
242
Ibid., loc. cit.
243
DI, v. 95 p. 92-107.
244
―A 27 de Março de 1716 publicou o Bispo do Rio huma Pastoral fulminando Excomunhão contra os que
tirassem de S. Miguel Indios Caribócas, e Mamalucos p.ª levar p.ª Minas sem licença do P.e Superior, ou
induzisse, para os ter em Suas Cazas. Existe o Original na Aldea de S. Miguel. [...].‖ DI, v. 95. p. 95 nota do §13.
Apesar de indicar a existência do documento original em São Miguel, tal documento não foi localizado por nós.
245
HOLANDA, 1941, p. 109.
246
ACSP, v. 8 p. 17-18.
69
de São Miguel se encontrava sem assistência espiritual, indicando que ainda não haviam
chegado os franciscanos àquele local. Também pode se apreender deste documento que o
aldeamento se encontrava assolado pela epidemia de sarampo, fato que pode justificar a
necessidade dos índios cristãos receberem os sacramentos. O fato dos indígenas se
apresentarem ―prontos para o serviço de sua majestade‖ também indica que os aldeamentos
continuavam atuando como reserva de mão-de-obra indígena a serviço do empreendimento
colonial. Temos a informação de uma carta do rei Dom João V, datada de 13 de Novembro
1710, na qual ordena que se retire a administração das aldeias de Pedro Taques de Almeida e
se passe aos religiosos. Tal ordem se daria em razão das queixas de que o então administrador
das aldeias estava se utilizando dos indígenas aldeados no serviço de suas fazendas e de
demais parentes e amigos, além de agir com rigor e impedir a administração dos sacramentos
pelos párocos.247 Assim, se evidencia o quanto os indígenas eram subjugados aos
administradores, os forçando a prestar serviços a particulares. Além disso, seria a partir desta
carta que os religiosos passaram a ter jurisdição temporal nos aldeamentos, além da espiritual,
que era de sua obrigação.248
Sob a administração dos franciscanos, São Miguel, assim como os demais
aldeamentos régios, recebia côngrua de 25$000 réis anuais, e eram sustentados pelo trabalho
indígena.249 No ano de 1730, Frei Apolinário da Conceição descrevia em sua Epítome250 a
vida cotidiana dos aldeamentos sob a administração dos franciscanos. Sobre São Miguel são
feitas as seguintes considerações:
247
Revista do Arquivo Municipal de São Paulo nº 7, 1934. p. 71.
248
―Mepareçeo ordenarvos Suspendais ao dito Pedro Taques de Almeida, da administração que tem os Indios
Aldeados, eo notifiqueis, q. della não Vze emquanto Senão desCarregar das queixas que Contra elle se fazem, e
Se justificão perante my, pello meu Conçelho Vltramarino, éentanto contereis á administração dimporal á Cada
hum dos frades na Sua Aldea, ou Seantes de Sedar á administração ao dito Pedro Taques os Indios vivião Sem
administrador, assim deixeis ficar namesma forma, e de tudo o que ôbrardes neste particular medarei Conta [...]‖
CARTA para que Setire á administração das Aldeas a Pedro Taques, e Sedê aos Religiozos de 13 de Novembro
de 1710. Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, nº 7. São Paulo, SP: Prefeitura do Município de São Paulo,
Divisão do Arquivo Histórico, 1934. p. 71.
249
RENDON, 1978, p. 44.
250
De acordo com Frei Gentil Titon, ao fazer a transcrição da Epítome Da Província Franciscana da Imaculada
Conceição do Brasil, impressa no volume 296 da Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (1972),
afirma que na verdade, Frei Apolinário da Conceição era apenas um compilador, ―reunindo em seus livros dados
recolhidos em crônicas, outros livros impressos e documentos dos arquivos.‖ (p. 70-71). Assim, a Epítome
reunia dados referentes aos conventos, hospícios e missões dos franciscanos no Brasil. ―Os primeiros parágrafos
tratam da fundação da Ordem, da vinda dos primeiros franciscanos ao brasil e da fundação das duas Províncias
brasileiras. Em seguida, o A. trata sistematicamente casa por casa, dando uma descrição da cidade em que está
fundada, história da fundação, descrição da casa e da igreja, frades de virtude que nela viveram ou se acham
sepultados.‖ (p. 72-73). FREI APOLINÁRIO DA CONCEIÇÃO. Epítome Da Província Franciscana da
Imaculada Conceição do Brasil. In: RIHGB, Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1972, v. 296,
68- 165.
70
Trata-se do único registro que conhecemos do período colonial que trata do papel da
igreja no cotidiano do aldeamento de São Miguel. Com sua descrição, ainda que superficial, é
possível apreendermos que nas primeiras décadas do século XVIII, a Capela de São Miguel já
possuía um hospício contíguo à igreja, que por sua vez, se conservava ―com maior auge que
antigamente‖ apresentando a imagem do orago no altar-mor. Já existiriam as pinturas parietais
nos altares laterais? O documento não atesta, mas é possível que sim. Também apreendemos a
existência de oficinas e confrarias. Mais adiante, é mencionado que nos aldeamentos os
religiosos possuíam jurisdição no espiritual e no temporal, podendo, neste último, eleger
juízes, alcaides e capitão mor.252 A Capela de São Miguel teria talvez alcançado o seu ―auge‖
e esplendor descrito no trecho acima da Epítome de Frei Apolinário por volta de 1714, quando
temos a informação de um pedido de ornamentos e sino requeridos pelos índios, concedidos
pelo rei Dom João V:
Mando aVos ouvir Geral da Capitania de São Paulo imformeis com Vosso
parecer em o Requerimento., que o Ministro da Aldeia de Sam Miguel em
Carta Vinda na frota do anno passado fes em nome dos Indios da mesma
Aldeia em que pede hum Sino, e dous ordenamentos, para dous Altares,
pellos não terem Capazes se Sepoder nelles SeLevrar os offiçios divinos,
nem os Indios terem posses para os mandarem fazer por estarem pobriçimos
eo Sino Ser Ser [sic] muito nessecario para os chamar para ouvirem Missa,
por Viverem algúns diastante damissa digo, da Igreja, epor falta de Sino
chegarem tarde e não ouVirem missa; CumpRio aSim, El Rey nosso Senhor
[...].253
251
PETRONE, 1995. p. 331.; ROWËR, 1957, p. 510-511.; RIHGB, 1972, v. 296, p. 151.
252
RIHGB, v. 296, p. 151 -152.
253
PARA INFFORMAR sobre os ornamentos e Sino quepedem os Indios de São Miguel de 19 de Janeiro de
1714. Revista do Arquivo Municipal de São Paulo, nº 7. São Paulo, SP: Prefeitura do Município de São Paulo,
Divisão do Arquivo Histórico, 1934. p. 86.
71
254
Conforme registrado na carta de 12 de novembro de 1781, escrita pelo Governador da Capitania de São
Paulo, Martin Lopes Lobo de Saldana, na qual afirmava que Frei Mariano da Conceição Veloso era superior da
aldeia de São Miguel há algum tempo, e que não poderia assumir como Comissário dos Terceiros da vila de Itú
por precisar ―completar o grande serviço q.‘ tem feito na referida aldeia, reedificando-a, arruando-a, e findar a
obra da Igreja‖. DI, v. 43, p. 390.
255
DI. v. 44. p. 113-116; e DI, v. 95. p. 92- 107.
256
DI v. 44 p. 114-115.; BOMTEMPI, 1970, p. 124.
257
DI, v. 44 p. 116.
258
―[...] deo no Requerimento do Rvdo Pe. Superior e Vigario da Freguezia de S. Miguel, a impossibilidade
d‘elle alli poder existir com a insignificante porção q. os moradores oferecerão p.ª a sua subsistência, e não
devendo obrigalos a contribuir com mais pela nimia pobreza a que se veem reduzidos; me ordena avize a Vmce.
para fazer sciente ao dito Religsiozo, q. attendendo o referido, e a incerteza de haver delles esse mesmo pouco
72
O Plano para transformar as aldeias em freguesias não teria sido totalmente executado,
permanecendo o sistema de aldeamentos, porém sem a figura dos Diretores de aldeias. Não
obstante, de acordo com Sylvio Bomtempi, desde o início do século XIX, o aldeamento de
São Miguel ―vinha perdendo tôdas as características de aldeia, dispersando-se os índios,
inteiramente abandonados à própria sorte‖.259 Por algum tempo, São Miguel teve o
predicamento de Paróquia, anexada à Penha até o ano de 1832.260 Somente na década de 1850
os aldeamentos paulistas foram oficialmente extintos pelas leis e ordens imperiais,261
mandando que se incorporassem as terras dos índios ao patrimônio nacional.
me prometerão, tome a rezolução q. milhor lhe convier, recolhendo-se se lhe parecer ao seu convento; o q. da
parte do mesmo Snr. lhe participo para q. assim o execute [...].‖ DI v. 55 p. 153-154.
259
BOMTEMPI, 1970, p. 125.
260
Ibid., p. 129.
261
Lei nº 601 de 18 de setembro de 1850; Aviso de 21 de outubro de 1850, Ordem nº 44 de 21 de janeiro de
18556 e Aviso de 21 de julho de 1858.
262
LEITE, Antonio Serafim S. J., Artes e Ofícios dos Jesuítas no Brasil: 1549- 1760. Lisboa/ Rio de Janeiro:
Broteria/ Livros de Portugal, 1953, p. 37-108.
73
ofícios no Brasil, enfatizando, desse modo, o papel pioneiro dos jesuítas na formação de
profissionais especializados na Colônia.
O levantamento feito por Serafim Leite enfatiza que os trabalhos exercidos pela
Companhia de Jesus no Brasil eram importantes, tanto para os religiosos e seu projeto de
missionação, quanto para a sociedade civil. De acordo com Paulo Assunção, ―o ofício era o
primeiro passo dado no sentido da conversão para o sistema de trabalho tido pelos religiosos
como o modelo civilizador a ser inserido no universo colonial (...) sendo que à proporção que
crescia a catequização, aumentava a necessidade de reforçar o modelo cristão de trabalho e a
diversificação de suas atividades‖.263 Considerando que os rendimentos dos colégios eram
pouco significativos, ainda segundo Assunção, ―a produção de gêneros para o consumo
interno e/ou para a venda justificava-se pela ajuda que esta fornecia à subsistência dos
religiosos e dos estudantes que atuariam na propagação da fé católica nas aldeias, bem como
auxiliava com recursos para a construção de capelas, igrejas e demais obras.‖. 264 Assim, a
instrução e o emprego da mão-de-obra indígena nos ofícios destas obras religiosas deixaram
vestígios artísticos nestas edificações. Algumas ainda hoje preservadas, como o caso de São
Miguel, que será aprofundado no Capítulo 3.
O Colégio de São Paulo atuava como núcleo para as Missões na região. Era nele que
os padres abrigavam e desenvolviam a Ordem. Sabe-se que, a princípio, os Colégios
estabelecidos pelos jesuítas, tanto na Europa, quanto nas Missões, eram destinados à formação
dos religiosos, lecionando aulas de latim, filosofia e artes.265 No entanto, no contexto das
Missões, além de escolas de ler, escrever e catequizar, os Colégios também eram local de
moradia, com seus quartos, cozinha, além da igreja, e por vezes, também possuíam oficinas de
trabalho para suprir tanto necessidades internas, como da comunidade.266 Por exemplo, as
boticas dos colégios da Companhia de Jesus forneciam remédio às demais farmácias da
cidade, aos aldeamentos e às fazendas jesuíticas.267 Eunícia Fernandes recorda que por vezes,
os aldeamentos também possuíam suas boticas, e pela associação ao caráter místico, ―criou
similitudes importantes com os pajés, franqueando acessos junto aos índios‖.268 Eliane Fleck e
Roberto Poletto, coautores de um estudo sobre os colégios e boticas da Companhia de Jesus
263
ASSUNÇÃO, 2009, p. 253
264
Ibid., loc. cit.
265
FERNANDES, 2015, p. 54.
266
CARVALHO, José Antônio. O Colégio e as Residências dos Jesuítas no Espírito Santo. Rio de Janeiro:
Expressão e Cultura. 1982. p. 20.
267
FERNANDES, 2015, p. 57.
268
Ibid., p. 68.
74
269
FLECK, Eliane C. Deckmann; POLETTO, Roberto. ―Os colégios e boticas da Companhia de Jesus como
centros de formação intelectual e de difusão da cultura científica na América platina setecentista‖ In: A
Companhia de Jesus na América por seus colégios e fazendas. Organização de Marcia Amantino, Eliane Cristina
Deckmann Fleck e Carlos Engemann. Rio de Janeiro: Garamond, 2015. p. 143-181.
270
Ibid., p. 148-149.
271
Ibid., p. 149 (nota 103).
272
―Estâncias‖ se referem aos estabelecimentos particulares da Companhia de Jesus, como as ―Fazendas‖
jesuíticas da América portuguesa.
273
FLECK; POLETTO, op.cit., p. 159.
274
―Sabe-se que a primeira botica no território do Rio da Prata foi instalada em Córdoba, na terceira década do
século XVII, pelos jesuítas[...].‖ Ibid., p. 149. nota 102.
275
FLECK; POLETTO, 2015, p. 171. Também encontrado como marmellón ou bermellón em espanhol.
276
Ibid., Loc. cit.
75
277
FERNANDES, 2015, p. 70.
278
Já informava Anchieta em 1585 que os jesuítas de São Paulo ―se sustentam de esmolas muito bem por a terra
ser abastada, exceto que o vestido, vinho, azeite e farinha para hostias lhes dá o Colégio do Rio‖. ANCHIETA,
José de. Informação da Província do Brasil para Nosso Padre — 1585. In: ANCHIETA, 1933, p. 424.
279
Ibid., loc. cit.
280
Ibid., loc. cit.
281
FERNANDES, 2015, p. 57. A presença indígena, como veremos mais adiante, também se dava enquanto
mão-de-obra para os estabelecimentos jesuíticos a serviço dos religiosos, e para os demais colonos, além de
aprendizes de ofícios.
282
Ibid., p. 58.
283
FERNANDES, 2015, p. 58.
284
CARVALHO, 1982, p. 20.
76
visita, servia também de escola‖.285 Esse era o caso dos aldeamentos de São Miguel e
Pinheiros entre os séculos XVI e XVII.286 Como apontado por Maria Regina Celestino de
Almeida, nos aldeamentos, ―os padres escolhiam os índios mais talentosos para treiná-los em
diferentes profissões necessárias à comunidade‖.287 O dito ―talento‖ dos índios é facilmente
perceptível nas ornamentações e construções de templos religiosos, algumas delas ainda hoje
existentes, como a capela de São Miguel, a capela de Carapicuíba, e a igreja do Embu, para
citar alguns exemplos. Aracy Amaral em seu estudo sobre A hispanidade em São Paulo, ao
estudar a talha da capela de Santo Antônio em São Roque, afirma que ―o curioso desses
retábulos é que se possa apontar em seu artífice a mão do profissional treinado pelos jesuítas.
A confirmar esta assertiva estão certos motivos que regularmente comparecem nas obras de
talha jesuíticas e que aqui se fazem representar‖.288
Embora existam poucas referências, os ofícios especializados também integravam as
relações culturais e sociais nos aldeamentos. É preciso termos em conta que os aldeamentos,
além de configurarem um local de relações entre indígenas e jesuítas, ―foram também um
espaço indígena, no qual os índios encontraram possibilidades de se adaptar à colônia,
recriando suas tradições e identidades‖.289 Dada a carência de mão-de-obra em São Paulo, os
indígenas versados em ofícios eram muito valorizados pelos jesuítas e pelos colonos.
Conforme mencionamos anteriormente, com as incursões dos paulistas nas missões jesuíticas
do Guairá, ao retornarem ao planalto traziam consigo índios músicos,290 carpinteiros,
escultores, pintores, entre outros ofícios aprendidos nas oficinas jesuíticas estabelecidas nas
Missões. Estas habilidades aprendidas com os jesuítas, juntamente com suas tradições pré-
coloniais, estabeleceram relações de um intenso intercâmbio entre as culturas europeia e
ameríndia, observáveis na cultura material, nas construções e na talha retabular.
285
CARVALHO, 1982, p. 20.
286
Conforme fica explícito na carta de José de Anchieta, Informação do Brasil e de suas Capitanias (1584):
―Junto desta vila, ao princípio havia 12 aldeias, não muito grandes, de Indios, a uma, duas e três léguas por agua
e por terra, as quais eram continuamente visitadas pelos Padres e se ganharam muitas almas pelo batismo e
outros sacramentos (...).‖ ANCHIETA, 1933, p.321. [grifo nosso].
287
ALMEIDA, 2003, p. 204.
288
AMARAL, 1981. p. 95.
289
ALMEIDA, Op. cit., p. 102.
290
―Nas missões jesuíticas, no Guairá, havia a orientação para que os padres ensinassem aos indígenas além da
doutrina cristã, outros elementos coloniais: a leitura, a escrita, o canto e a música sacra com influência barroca,
utilizando especialmente a flauta (mimby) e os tambores (angu’a)‖. PARELLADA, 2018, p. 373. Sobre a música
e as relações entre jesuítas e indígenas, ver: WITTMANN, Luisa Tombini. Flautas e maracás: música nas aldeias
jesuíticas da América Portuguesa (séculos XVI e XVII). 2011. 266 p. Tese (doutorado) - Universidade Estadual
de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, SP. Disponível em:
<http://www.repositorio.unicamp.br/handle/REPOSIP/280441>. Acesso em: 8 fev. 2019.; e HOLLER, Marcos
Tadeu. Os jesuítas e a música no Brasil colonial. Campinas, SP: Editora da Unicamp, 2010.
77
Em seu estudo sobre as artes das Missões jesuíticas no Guairá, a arqueóloga Cláudia
Parellada aborda as relações sociais, os aspectos arquitetônicos e a análise da cultura material,
em uma perspectiva que abrange a arqueologia, a antropologia e a arquitetura. Ao analisar as
cerâmicas produzidas pelas índias291 das reduções guairenhas, Parellada observa que, apesar
de produzidas pelos Guarani, muitos artefatos cerâmicos (geralmente vasilhas) apresentam
influência europeia, como ―motivos florais, incisões com detalhes barrocos a associação de
vários tipos decorativos, tais como pinturas, incisões e variados tratamentos de superfície,
como o ungulado, digitado, além da marcação dos lábios das vasilhas‖, 292 sendo recorrente
também os grafismos das pinturas corporais, reproduzidos nas cerâmicas com as cores
vermelho, preto e branco.293 Assim, de acordo com a arqueóloga, ―O conhecimento de novas
línguas e a possibilidade de diálogo entre povos diferentes permitiu amplas trocas de
informações, desde mitos e histórias, até o uso de armas de fogo pelos índios, e [o uso] dos
indígenas pelos europeus‖.294
Os estudos arqueológicos nos são muito pertinentes para analisarmos estas relações de
trocas culturais. Em sua tese de doutoramento, Paulo Zanettini faz um estudo arqueológico
sobre as casas bandeiristas de São Paulo. Os sítios arqueológicos analisados neste estudo
localizam-se predominantemente ao longo da margem esquerda do vale do Alto Tietê, na
zona periférica da cidade de São Paulo, antigamente chamada de ―cinturão de
aldeamentos‖,295 entre os quais, é analisado o casarão do Sítio Mirim, localizado em São
Miguel Paulista, já em estado de ruína. Zanettini propõe novas funções e significados para
estas construções, a partir das dinâmicas sociais e comerciais, examinando componentes
construtivos e materiais arqueológicos encontrados nestas edificações. Assim, adotando um
enfoque regional, ao comparar qualitativamente os artefatos cerâmicos encontrados nestes
sítios, o arqueólogo identifica a existência de redes de produção e de distribuição destes
artefatos:
291
―A cerâmica Guarani era feita geralmente pela mulher, somente a coleta da argila era tarefa masculina‖.
PARELLADA, 2018, p. 374.
292
Ibid., p. 374.
293
Ibid., loc.cit.
294
Ibid., p. 375.
295
Cf. PETRONE, 1995. p. 353-379. O arqueólogo aponta que, do ponto de vista arqueológico, desde o final do
século XIX até hoje, vários achados indígenas pré-coloniais e coloniais, se deram ―em regiões próximas ou
muito próximas às aldeias históricas de Inhapambuçu (diversos artefatos líticos e cerâmicos encontrados no
antigo morro dos Lázaros, Luz, em 1885), Jerubatuba (urna funerária do Brooklin, c.1960), Ururaí (urnas da
Mooca (1896 e 1960), urna e outros vestígios localizados na Penha (1920 e 2004) e a urna da Vila Maria,
c.1960)‖. ZANETTINI, 2006, p. 52.
78
―o que for costume e ordêns reais p.ª a fabrica da Igr.ª da sua Aldeya, e o mais q. lhe ficar
deve ser p.ª se vistir o d.º Indio e sua familia [...]‖;301 a §9, que determina que ―se mandem
ensinar os officios das Artes Mecanicas [...]‖;302 e a §13, que determina que os índios órfãos
―q. forem varoes em tendo idade competente devem entregarsce aos Mestres de officios p.ª os
ensinar no tempo q. se ajustar como se declara na cap.º 9.º deste regimento‖. 303 Ao
analisarmos os Documentos interessantes para a história e costumes de São Paulo, notamos a
recorrência de pedidos de índios oleiros do aldeamento de São Miguel para trabalharem nas
obras da fortaleza de São Sebastião no ano de 1767.304 Assim, temos a evidência de que os
aldeamentos continuaram atuando como centros provedores de mão-de-obra indígena para os
mais diversos serviços e ofícios até a sua extinção.
Conforme discorremos até aqui, vários foram os contextos que constituem a história
do aldeamento de São Miguel e sua capela. Os jesuítas e seus aldeamentos passaram por
diversas vicissitudes, porém, não mais do que os povos indígenas e suas aldeias. Não
buscamos aqui relativizar ou amenizar o jugo sob os quais os indígenas estiveram durante
todo o período colonial, mas é preciso fazermos menção à sua atuação e contribuição na
constituição de uma cultura e de uma sociedade colonial miscigenada e complexa.
A gênese da administração dos aldeamentos paulistas se pautou nas atividades
exercidas pela Companhia de Jesus, sendo o Colégio o seu núcleo. Os aldeamentos exerceram
importante papel no projeto de colonização portuguesa no Brasil, não podendo, no entanto,
desconsiderar a participação dos indígenas na construção destes espaços que, afinal, também
eram deles.305 Como apontado por Maria Regina Celestino de Almeida, ao se referir às
populações indígenas integradas ao sistema colonial, é constante na historiografia, tratá-las
301
DEP. DO ARQUIVO DO ESTADO. Boletim do Departamento do Arquivo do Estado de São Paulo, São
Paulo: Arquivo do Estado, 1947, v. 7, p. 107.
302
Ibid., pp. 107-108.
303
Ibid., p. 109.
304
DI, v. 65. pp. 128; 130; 195.
305
―assim foram por eles considerados, como sugerem as lutas que empreenderam por sua manutenção, até o
início do século XIX‖. ALMEIDA, 2003, p. 119.
80
Além disso, é preciso considerar que ―as tradições e culturas indígenas não são
estáticas, mas constroem-se e reconstroem-se continuamente em situações históricas
definidas‖,310 sendo os jesuítas em parte os responsáveis por promoverem tais re/construções,
ao ensinarem novas práticas, crenças e ofícios, ao mesmo tempo em que faziam concessões
aos indígenas em relação a manutenção de certos aspectos sociais, tradições e cultura,
passando a se articular com estas novas práticas.311 Isto posto, podemos fazer um paralelo
com que apresentamos ao longo deste capítulo, relacionando com as artes e ofícios exercidos
pelos indígenas aldeados, como será melhor desenvolvido no capítulo a seguir.
Os jesuítas, assim como os indígenas, souberam se adaptar à nova realidade colonial, e
se desenvolveram enquanto força econômica, proprietários e produtores a serviço do
empreendimento colonial, sem desconsiderar seu projeto global de missionação. Ademais, a
306
ALMEIDA, 2003, p. 119.
307
A condição subordinada, o trabalho compulsório, a mistura com outros grupos étnicos e sociais, a separação
das famílias, a perda de suas terras tradicionais, a mortandade por epidemias, guerras intertribais, castigos
físicos, maus tratos, tudo isto pode se configurar como ―perdas‖ para os povos indígenas.
308
ALMEIDA, Op. cit., p. 119.
309
Ibid., p. 119.
310
Ibid., p. 136.
311
―Os inacianos souberam recuar em seus dogmas, fazendo inúmeras concessões aos índios. Não faltam
exemplos de desavenças entre os bispos e os jesuítas por conta das tolerâncias destes para com os índios,
incluindo, as confissões por intérprete. Tais tolerâncias, deve-se ressaltar, não eram gratuitas, mas conquistadas
pelos índios, que, sujeitos ativos desse seu processo de metamorfose, não necessariamente transformavam-se
tanto quanto teriam desejado os padres, nem tampouco os moldes traçados por eles‖. Ibid., p. 137.
81
312
FERNANDES, 2015, p. 71.
313
Tal visão, consolidada pela historiografia tradicional paulista, tem sido questionada, relativizada e até mesmo,
em grande medida, superada pelos estudos historiográficos mais recentes. Destacamos aqui o trabalho de
Rodrigo Silva, que trata sobre estas narrativas construídas sobre o passado de São Paulo desde o século XVIII e
reforçadas ao longo dos séculos XIX e XX. Cf. SILVA, Rodrigo. Sobre Taipas e textos: um estudo sobre as
narrativas a respeito da cidade de São Paulo. São Paulo: Alameda, 2013.
82
CAPÍTULO 3
PINTURAS PARIETAIS E INTERCULTURALIDADE
Figura 3- Aspecto da pintura parietal atrás do altar em madeira. Lado da epístola. Arquivo ACBJA, 2007.
314
MIOTTO, Tânia Cristina Bordon. Capela de São Miguel Paulista: O projeto de intervenção como ferramenta
de entendimento das novas linguagens do patrimônio. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo. 2011. p. 123.
83
XVIII: o jesuítico, representado pelas pinturas, e demais complementos ditos mais antigos,315
e a franciscana, representada pelos retábulos em madeira — atribuídos a este período —, e
pela espacialidade atual da capela.316 Foram apresentadas diversas soluções possíveis pelos
técnicos do restauro, porém o IPHAN não acatou nenhuma proposta, fechando as pinturas e
reposicionando os altares em madeira.317
A partir da descoberta destas pinturas, muitos questionamentos e muitas hipóteses
foram levantadas, tanto pelos profissionais do restauro, quanto por estudiosos das artes,
arquitetos, historiadores e antropólogos. Porém, nem todas as hipóteses estariam bem
fundamentadas, como discutiremos ao longo deste capítulo. Isso se daria, provavelmente, à
urgência destas análises para que se pudesse deliberar juntamente ao IPHAN a melhor solução
para o tratamento destas pinturas. De qualquer forma, até o momento, muito pouco foi
estudado sobre a Capela de São Miguel, em especial sobre as pinturas descobertas. A grande
maioria dos estudos se limitam a breves parágrafos ou menções sobre a edificação —
especialmente pela sua antiguidade, questões arquitetônicas e preservação —, sempre
limitados a uma análise estilística formal, sem considerar o objeto em sua complexidade.318
Diferentes termos foram utilizados para as pinturas descobertas em São Miguel:
―pinturas murais‖, ―pinturas parietais‖, ―pintura de perspectiva‖, ―pintura de arquitetura‖ e até
mesmo ―afrescos‖. O termo ―fresco‖ ou ―afresco‖, amplamente encontrado na historiografia
portuguesa, não pode ser aplicado a este caso por uma questão técnica: a pintura a fresco é
feita a partir de pigmentos dissolvidos na água, sobre o revestimento mural ainda fresco,
composto impreterivelmente por cal e areia, pó de mármore, pó de tijolo, ou a mistura de
vários destes componentes, ou mesmo, uma mistura de cal e gesso.319 Na Capela de São
315
A Capela de São Miguel Arcanjo ainda preserva outros elementos artísticos e arquitetônicos atribuídos ao
período jesuítico. São eles: algumas imagens, a pia batismal, armário e altar da sacristia, o alpendre em L, as
pinturas do forro da capela lateral, e a grade de comunhão com imagens antropomorfas talhadas em jacarandá.
316
É preciso levarmos em conta que, os estudos realizados até então sobre a Capela de São Miguel, não teve
muita cautela ao atribuir ao período franciscano (século XVIII), todo e qualquer elemento ―não-jesuítico‖ (ou
aparentemente não tão antigo) presente na Capela.
317
Esta questão da não-visibilidade das pinturas parietais será discutida no Capítulo 4- Omissão e Memória.
318
Entres os quais: BAZIN, Germain. A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de Janeiro: Record, 1983,
2 v.; AMARAL, Aracy. A Hispanidade em São Paulo: da casa rural à Capela de Santo Antônio. São Paulo:
Nobel/ Ed. Da Universidade de São Paulo, 1981.; ETZEL, Eduardo. O Barroco no Brasil: psicologia -
remanescentes em São Paulo,Goiás, Mato Grosso, Paraná, Santa Catarina, Rio Grande do Sul. 2. ed. São
Paulo, SP: Melhoramentos, 1974.; TIRAPELI, Percival. Igrejas Paulistas: Barroco e Rococó. São Paulo: Editora
UNESP e Imprensa Oficial do Estado, 2003.; TIRAPELI, Percival (Org.) Barroco Memória Viva. Arte Sacra
Colonial. São Paulo: Ed. Unesp / Imprensa Oficial, 2005.; TOLEDO, Benedito Lima de. ―Do século XVI ao
início do século XIX: maneirismo, barroco e rococó‖. In: ZANINI, Walter (Org.). História Geral da Arte no
Brasil. São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983, v. 1.
319
CAETANO, Joaquim Inácio. A pintura a fresco e as suas características técnicas. - O caso dos exemplares do
séculos XV e XVI no Norte de Portugal e sua conservação. In: Revista de Guimarães. Volume III, 2001.
84
Miguel Arcanjo, temos uma pintura ―a seco‖,320 sendo a parede de taipa o seu suporte. Não se
trataria necessariamente de uma pintura de qualidade e técnica inferiores a um afresco.
Diferentes estudiosos já enfatizaram, com efeito, a ―simplicidade‖ ou ―ingenuidade‖ destas
pinturas. Contudo, seu valor plástico, formal e técnico deve ser reconhecido. É preciso termos
em conta que estas pinturas têm pelo menos quatrocentos anos de existência, e foram
descobertas em bom estado de preservação. Seus danos estão muito mais relacionados com as
condições ambientais, força mecânica dos altares modernos em madeira, e intervenções na
edificação, do que com a qualidade de seu suporte ou de suas tintas.
O termo ―pintura de perspectiva‖, utilizada pelo historiador da arte Percival Tirapeli,
não é de todo incorreta. No entanto, apesar de estar mais ligada ao caso dos jesuítas, este
termo nos remete aos modelos dos tratados de Andrea Pozzo,321 usados na igreja de Santo
Inácio, e também no Brasil, por exemplo, no teto da biblioteca dos jesuítas na Catedral de
Salvador pelo pintor ―não- jesuíta‖ Antônio Simões Ribeiro, também autor de uma "pintura de
perspectiva" na Biblioteca Joanina da Universidade de Coimbra. Assim, por tratarmos da
representação de um retábulo com suas colunas, camarim, capitéis; e sendo o retábulo
―elemento artístico por excelência num espaço arquitetônico religioso‖, 322 o termo ―pintura de
arquitetura‖ é o mais adequado para o nosso caso.
Por não se conhecer até o momento exemplares de pinturas semelhantes em outros
templos religiosos em São Paulo com tais especificidades, o estudo das pinturas parietais da
Capela de São Miguel nos oferece a oportunidade de ingressar em um terreno em grande
medida inédito no âmbito da historiografia da arte colonial em São Paulo e no Brasil.
Enquanto grande parte dos retábulos de talha sofreram diversas intervenções ao longo dos
séculos, as pinturas da Capela de São Miguel, por sua vez, preservam um modelo de retábulo
praticamente intocado, tal como havia sido pensado no século XVII. Lançamos mão, contudo,
das contribuições da historiografia da arte portuguesa e iberoamericana que provém
fundamentos e referências para o nosso trabalho.
320
Geralmente, e muito provavelmente usada na Capela de São Miguel Arcanjo, a técnica da têmpera. Na
têmpera os pigmentos são misturados a um aglutinante, podendo ser gema de ovo, uma mistura de ovo inteiro e
óleo, ou caseína, em uma emulsão de água. Atualmente também existem opções sintéticas como a têmpera
acrílica e a têmpera vinílica.
321
Cf. POZZO, Andrea. Perspectiva Pictorum et Architectorum.
322
SERRÃO, Vítor. A Pintura Protobarroca em Portugal, 1612-1657. O Triunfo do Naturalismo e do
Tenebrismo. Lisboa: Edições Colibri, 2000. p. 308.
85
Seja pela técnica do afresco, ou pela têmpera, a pintura mural se fez presente de forma
simbiótica com a arquitetura, ornamentando diversos tipos de edificações civis e religiosas, e
nos mais variados contextos. As representações e composições também se dão de forma
bastante variada. Em relação aos edifícios religiosos, é preciso considerar sua inerente
intenção evangelizadora. Esta especificidade religiosa, no entanto, não é apenas em relação ao
contexto euro cristão, sendo observável desde a antiguidade e também em culturas pré-
hispânicas,323 em cujos templos se encontram, por exemplo, representações de seus deuses,
cenas da vida cotidiana, e cenas de guerra. No entanto, trataremos o que nos é mais
diretamente relevante: as pinturas de arquitetura no contexto religioso, à luz do que foi
produzido tanto na Europa quanto nas Américas coloniais.
Nos edifícios religiosos, encontramos desde a decoração de frisos, colunas, arcos,
tetos, portas e janelas, até a majoritária representação divina: deuses no contexto pré-
hispânico, santos e ciclos temáticos no contexto cristão. No contexto cristão, tanto na Europa
quanto na América colonial, não raro estas representações estariam acompanhadas de
composições decorativas, imitando aparatos decorativos e litúrgicos, tais como tecidos,
mármores, dosséis, e também retábulos. Além da decoração, também se buscava a integração
aos espaços arquitetônicos e o preenchimento de espaços adjacentes. Assim, sobretudo nas
pinturas portuguesas do final do século XV e do século XVI, é recorrente o preenchimento
destes espaços, seja pintando molduras ao enquadrar as figuras representadas, seja por meio
de ―figuras soltas‖ como flores, grotescas e arabescos.
De acordo com o historiador português Joaquim Inácio Caetano, a pintura a fresco
teria aparecido em Portugal somente no final do século XV, tendo alcançado no século
seguinte a sua melhor expressão pictórica, tanto em relação à sua qualidade quanto em relação
à quantidade,324 embora não tenha se restringido apenas a esta técnica, sendo a têmpera
também bastante recorrente. Por conseguinte, teria sido neste período expressivo que também
teriam surgido na região norte de Portugal, as primeiras representações de retábulos pintados,
ou ―retábulos fingidos‖, como denomina a historiografia portuguesa. No entanto, nesta
referida época e região, ainda não se apresentariam os elementos formais de um retábulo, mas
323
―(...) como lo encontramos en las zonas arqueológicas de Teotihuacán, Bonampak, Cacaxtla, Cholula, Huaca
de la Luna, en Perú.‖ MAGAÑA, Rodolfo Vallín. La Pintura Mural en Hispanoamérica. In: GUTIÉRREZ,
Ramón (Coaut.). Pintura, Escultura y Artes Útiles en Iberoamérica, 1500- 1825. Madri: Manuales Cátedra, 199,
p. 189.
324
CAETANO, Joaquim Inácio. Retábulos fingidos na pintura mural portuguesa. Lisboa: o autor, 2016. p. 1.
Disponível em:
<https://www.academia.edu/21697216/Ret%C3%A1bulos_fingidos_na_pintura_mural_portuguesa_vers%C3%
A3o_n%C3%A3o_publicada_com_todas_as_imagens_dos_ret%C3%A1bulos_referidos_> Acesso em: 2 abr.
2018.
86
sim figuras ou cenas organizadas em um esquema retabular, juntamente com outros elementos
decorativos, imitando padrões de tecidos.325 No período correspondente ao segundo quartel do
século XVI, a produção dos retábulos fingidos seguia uma estética de composição estrutural
renascentista, ao abandonar elementos de grotescos e elementos fantásticos, passando-se a
representar apenas os elementos estruturais do retábulo, com suas pilastras, entablamentos e
frontões.326 No período seguinte, entre o último quartel do século XVI e a primeira metade do
século XVII, continuamos a encontrar este tipo de estrutura, porém com uma linguagem mais
maneirista com todos seus elementos clássicos.327 Após meados do século XVII, se seguiu um
período de declínio devido a introdução dos retábulos de talha lavrada do ―estilo nacional‖.328
O uso do dito ―retábulo fingido‖, sugerindo a ilusão de um altar fixo de talha com suas
colunas, mísulas e arcos de coroamento, semelhante ao que encontramos na Capela de São
Miguel Arcanjo, seria devido ao baixo custo para sua execução. A diferença de preço de um
retábulo fingido em relação ao preço de um retábulo de talha era notável:
Somado à questão do preço, de acordo com Vítor Serrão, o tempo para a execução de
um retábulo fingido também seria muito inferior ao da talha, além da garantia de durabilidade
―por motivos de adequada ambientação climatéria‖.330 Por outro lado, Joaquim Inácio
Caetano não atribui a existência dos retábulos fingidos somente à questão financeira, mas
também à importância que a pintura mural exerceu desde finais do século XV enquanto opção
decorativa nos espaços religiosos, podendo substituir de forma imitativa todo e qualquer
material construtivo e elemento decorativo, por uma questão de moda e de um gosto
325
CAETANO, 2016, p. 3.
326
Ibid. p. 14.
327
―como as colunas estriadas em dois terços, entablamentos rectos encimados por frontões triangulares ou com
um segundo registo de representação, aletas e volutas, frisos decorativos com ornatos em forma de canais, óvulos
e dardos, denteados, querubins e restantes elementos da gramática maneirista.‖ Ibid. p. 19.
328
SERRÃO, 2000. p. 39.
329
Ibid., p. 350-351.
330
Ibid., p. 351.
87
331
CAETANO, 2016. p. 29.
332
História dos Mosteiros, Conventos e Casas religiosas de Lisboa, I vol., p. 420. apud SERRÃO, Vítor;
LAMEIRA, Francisco. ―O Retábulo protobarroco‖. Revista Promontoria. Vol.1 2002/2003. p. 68. Disponível
em: < https://sapientia.ualg.pt/bitstream/10400.1/7025/1/05%20Texto%20Serr%C3%A3o%20Lameira.pdf >
Acesso em: 26 mar. 2018.
333
CAETANO, op.cit.. p. 29.
334
TIRAPELI, Percival. Pinturas Jesuíticas em São Miguel Paulista. In: TIRAPELI, Percival (Org.). Patrimônio
Sacro na América Latina. Arquitetura / Arte / Cultura. São Paulo: Arte Integrada, 2015, p. 335.
88
335
CAETANO, 2016. p. 29.
336
Ibid., loc. cit.
89
cortinados, brutescos337 e florais em torno de altares de talha mais simples, tanto como adorno
quanto como complemento retabular, como por exemplo, apenas o coroamento pintado.
Retábulos pintados em perspectiva com a técnica trompe l’oeil ou quadratura também são
bastante recorrentes, especialmente nas obras do século XVIII. As capelas inteiramente
pintadas, como também veremos a ocorrência na América hispânica, possuíam seus retábulos
fingidos, com nichos para as imagens ou com a pintura dos santos. Na cidade de Liétor, na
região de Albacete, na Espanha, temos a ermida de Nuestra Señora de Belén, cuja construção
teria se iniciado ainda no século XVI, com seus alicerces em pedra, as paredes de taipa e o
teto em madeira. Esta ermida foi declarada Monumento Histórico e Artístico da Espanha em
1976, em razão de sua antiguidade e de suas pinturas multicoloridas, realizadas entre 1734 e
1735, encobrindo todo o seu interior com retábulos, cortinas, arquiteturas ilusórias,
ornamentos de brutescos, florais, colunas salomônicas, ―retratos‖ de santos e alegorias, às
vezes acompanhada de motes ou versos bíblicos. Consideradas de ―estética popular‖, 338 suas
pinturas são muito semelhantes àquelas das igrejas inteiramente pintadas da América
hispânica, especialmente nos Andes. Um de seus retábulos fingidos, dedicado à Santo
Antônio, possui estrutura muito semelhante aos retábulos pintados da Capela de São Miguel,
com suas colunas salomônicas, cachos de uvas e brutescos; exceto pelos escritos e pela
imagem pintada do santo ao invés de um nicho para abrigá-lo, como era o caso em São
Miguel; além de seu coroamento, que faz referência a modelos mais antigos do século XVI,
de gosto maneirista. Contudo, não conhecemos o coroamento dos altares de São Miguel, por
ter sido encoberto pelo encamisamento de tijolos, como será discutido mais adiante.
337
A pintura de brutesco se baseia numa composição de uma sequência de formas vegetalizadas, geralmente
folhas de acanto enroladas ou delgadas, a partir de um elemento central, podendo ter a ocorrência de flores,
festões, mascarões ou outros elementos zoomorfos de forma harmônica e simétrica. Sobre a pintura de
―brutescos‖, Cf. SERRÃO, Vitor. A Pintura Protobarroca em Portugal, 1612-1657. O Triunfo do Naturalismo e
do Tenebrismo. Lisboa: Edições Colibri, 2000, p. 356-367.
338
AYUNTAMIENTO DE LIÉTOR. Ermita de Nuestra Señora de Liétor. Disponível em:
http://www.lietor.es/index.php?option=com_content&view=article&id=75:ermita-de-nuestra-senora-de-
belen&catid=47:lugares-interes&Itemid=81. Acesso em: 27 jan. 2019.
90
339
MAGAÑA, 1995. p. 198.
340
MAGAÑA, loc. cit.
91
341
MAGAÑA, 1995, p. 201.
342
Ibid. p. 189.
343
PLÁ, Josefina. El Barroco Hispano-Guaraní. Assunção: Universidad Católica Nuestra Señora de la
Assunción / Editora Intercontinental, s/d, p. 166.
344
BAILEY, Gauvin Alexander. Idols and Altars Missions and Country Churches. In: Art of Colonial Latin
America. Londres: Phaidon, 2005. p. 248-249.
345
BAILEY, loc. cit.
346
MAGAÑA, 1995. p. 192.
347
Ibid., p. 195.
348
MAGAÑA, 1995, p. 195.
92
cavalete, quanto nas pinturas murais. Logo, chegavam as modas, as iconografias e os estilos
europeus de cada época, por vezes figurando conjuntamente com fundos de decoração ao
imitar os padrões tradicionais têxteis andinos pré coloniais,349 de certa forma atestando a
persistência das formas e concepções artísticas indígenas.
A pintura de ―retábulos fingidos‖ também seria recorrente na América espanhola. No
entanto, uma das especificidades da pintura mural nesta região — sobretudo a Ruta de la
Plata — nos séculos XVII e XVIII, são as capelas inteiramente pintadas, semelhante ao
exemplo da ermida de Nuestra Señora de Belén, em Liétor, na Espanha; porém, apresentando
um repertório iconográfico narrativo específico e catequético, como o juízo final, entre outros,
representando por exemplo, os sacramentos, a paixão de Cristo, vida dos santos, e
representações do céu e do inferno.350 As pinturas com padrões têxteis também são
recorrentes, bem como a mistura de ambos os repertórios. Entre as igrejas desta região que
ainda preservam suas pinturas em fragmentos ou integralmente, podemos citar as igrejas de
San José de Soracachi, Santiago de Curahuara de Carangas, e Copacabana de Andamarca, no
atual território da Bolívia; San Andrés de Pachama e Natividad de Parinacota, no atual
território do Chile.351 No atual território do Peru, especialmente nas regiões de Cusco e de
Arequipa, também encontramos numerosos exemplares, como as igrejas de San Juan de
Pitumarca, San Pedro Apóstol de Andahuaylillas, San Pablo de Cacha, e Huaro, para citar
alguns exemplos.352
Assim, estas pinturas serviam de ferramenta para a catequização e fixação da doutrina
cristã entre os neófitos, sobretudo nas localidades menos centrais em que a presença religiosa
era esporádica.353 Esta é uma hipótese a ser considerada em relação às pinturas da Capela de
São Miguel Paulista, dado que nesta localidade, por muito tempo, os padres que assistiam o
aldeamento eram apenas visitadores, sem residência fixa. A isto soma-se as rotas comerciais
entre São Paulo e a América espanhola após o descobrimento de prata em Potosí,
349
Cf. BAILEY, 2005. p. 252; MAGAÑA, 1995. p. 198.
350
Sobre as representações do céu e do inferno na pintura mural andina, Cf. COHEN-APONTE, Ananda.
Heaven, Hell, and Everything in Between. Murals of the Colonial Andes. Austin: University of Texas Press.
2016.
351
As três primeiras se encontravam no território da arquidiocese de la Plata, enquanto Pachama e Parinacota
correspondiam à jurisdição da diocese de Arequipa. GUZMÁN,Fernando; CORTI, Paola; PEREIRA,
Magdalena. Política eclesiástica y circulación de ideas tras las pinturas murales realizadas durante el siglo XVIII
en las iglesias de la Ruta de la Plata. In: HISTORIA Nº 50, vol. II, julio-diciembre 2017. p. 525-554. Disponível
em: http://revistahistoria.uc.cl/index.php/rhis/article/view/164 . Acesso em: 25 jan. 2019. p. 528.
352
Cf. COHEN-SUAREZ, Ananda. ―Painting Beyond the Frame: Religious Murals of Colonial Peru.‖
Collection. In Conversations: An Online Journal of the Center for the Study of Material and Visual Cultures of
Religion (2016), doi:10.22332/con.coll.2016.1.
353
CORTI, Paola; GUZMÁN, Fernando; PEREIRA, Magdalena. La Pintura Mural de Parinacota en el Último
Bofedal de la Ruta de la Plata. Arica: Edición de Fundación Altiplano Monseñor Salas Valdés y Centro de
Estudios del Patrimonio Universidad Adolfo Ibañez. 2013. p. 27.
93
possibilitando também trânsitos culturais entre estas regiões, dado que as pinturas da capela
de São Miguel Arcanjo também apresentam certas semelhanças com as daquela região
andina.354
Tais semelhanças entre as pinturas da Capela de São Miguel e as das igrejas da região
da Ruta de la Plata, não residem apenas no possível uso de mão-de-obra local, e no aspecto
simbólico das iconografias e suas funções catequéticas; mas também em relação aos
pigmentos utilizados nestas pinturas. Como veremos com maior atenção mais adiante,
segundo o relatório das análises laboratoriais dos pigmentos encontrados nos fragmentos das
pinturas da Capela de São Miguel durante os trabalhos de restauro, concluiu-se que os
pigmentos preto e vermelho seriam derivados, respectivamente, de carbono, e de mercúrio,
354
Cf. KOK, Glória, 2011; AMARAL, 1981.; e TIRAPELI, 2015.
94
355
RÚA, Carlos et al. ―Raman Identification of Pigments in Wall Paintings of the Colonial Period from Bolivian
Churches in the Ruta De La Plata. Conservation Science in Cultural Heritage,‖ [S.l.], v. 17, p. 117-137, mar.
2018. ISSN 1973-9494. Disponível em: <https://conservation-science.unibo.it/article/view/7945>. Acesso em:
25 jan. 2019. doi:https://doi.org/10.6092/issn.1973-9494/7945. e TOMASINI, Eugenia et al. ―Characterization of
pigments and binders in a mural painting from the Andean church of San Andrés de Pachama (northernmost of
Chile),‖ Heritage Science (2018) 6:61. Disponível em:
<https://heritagesciencejournal.springeropen.com/articles/10.1186/s40494-018-0226-x>. Acesso em 25 jan.
2019.
356
“The source of cinnabar in America were the Huancavelica mines in Peru, which were already exhausted in
the eighteenth century, but other mines near Guamanga in Peru and in the Quindío Mountains in Colombia were
also exploited”. TOMASINI, op.cit., p. 7.
95
Figura 9 (esquerda)- Pinturas murais na nave da igreja de San Andres de Pachama, século XVIII, Chile. .
Figura 10 (direita)- Pinturas imitando motivos têxteis andinos da sacristia da igreja de San Andres de
Pachama. Foto:Ananda Cohen. Disponível em: https://mavcor.yale.edu/material-objects/mural-paintings-
church-pachama. Acesso em: 25 jan. 2019.
Figura 11 (esquerda)- Pinturas murais imitando retábulos da Igreja de Pitumarca, século XVIII, Cuzco,
Bolívia. Figura 12 (direita)- Pintura mural imitando um retábulo da Igreja de Sotoca, século XVIII, Chile.
Notar as colunas torsas. Fotos: Ananda Cohen. Fonte: COHEN-SUAREZ, Ananda. “Painting Beyond the
Frame: Religious Murals of Colonial Peru.” Collection. In Conversations: An Online Journal of the Center for
the Study of Material and Visual Cultures of Religion (2016) Disponível em:
https://mavcor.yale.edu/conversations/collections/painting-beyond-frame-religious-murals-colonial-peru.
Acesso em: 25 jan. 2019.
Acreditamos que estas semelhanças entre estas igrejas andinas e a Capela de São
Miguel não se tratam de simples coincidências, podendo se estabelecer diversas relações entre
96
estas regiões e levantar hipóteses. Uma das relações, reafirmamos, podem ser ao menos
parcialmente compreendidas analisando as rotas comerciais. De acordo com Guzmán, Corti e
Pereira, o descobrimento de prata em Potosí em 1545, ativou uma grande rota comercial que
aproveitou os antigos caminhos pré-hispânicos:
século XVIII ou XIX. Este seria o caso, apontado por Bazin, do altar falso da igreja do Carmo
de Olinda, que teria reaparecido na ocasião de seu restauro, ao se retirar o altar-mor rococó.
Embora ligeiramente apagado, segundo Bazin,
Outro exemplo de ―retábulo fingido‖ no Brasil, seria o altar-mor da igreja de São João
Batista em Belém do Pará, desenvolvido pelo arquiteto italiano Antônio Joseph Landi. Trata-
se de uma pintura de quadratura, executada por volta do segundo quartel do século XVIII, que
por muitos anos também esteve encoberta por um retábulo em estilo neogótico, até ser
descoberto em um restauro em 1996. Caso semelhante ao da igreja de Nossa Senhora da
Assunção, no município de Anchieta no Estado de Espírito Santo, antigo aldeamento de
Reritiba fundado em 1587 pelo Padre José de Anchieta; onde, em 1997 durante os trabalhos
de restauro, foram encontradas atrás do altar-mor, pinturas parietais imitando ornamentação
semelhante à de azulejos com adamascados, nas cores branco, azul e amarelo. Desejando-se
buscar a visualidade primitiva da igreja, e tendo em vista que o altar-mor tinha sido alterado
anteriormente, optou-se pela remoção do retábulo, expondo as pinturas encontradas.
360
BAZIN, 1983, p. 285.
98
Seja por questão de moda, por questão financeira e provisória, o curioso sobre estas
pinturas parietais é que muitas vezes não se deram ao trabalho de apagá-las ao se instalarem
os retábulos de talha. Desse modo, é muito provável que esta prática tenha sido frequente no
Brasil colônia.
Figura 15(esquerda)- Altar-mor da igreja de São João Batista (Belém- PA) desenhado pelo arquiteto Antônio
José Landi. século XVIII. Fonte: TIRAPELI, Percival. Igrejas Barrocas do Brasil. Baroque Churches of Brazil.
São Paulo. Metalivros, 2008. Disponível em: http://acervodigital.unesp.br/handle/123456789/65844. Acesso em:
13 fev. 2018. Figura 16 (direita)- Pinturas encontradas no altar-mor da igreja de Nossa Senhora da Assunção,
em Anchieta-ES. Notar o padrão que imita azulejos, nas cores azul, branco e amarelo. Foto: BELLOTTI, Lívia.
Disponível em: https://www.caixadeviagens.com/2017/11/14/santuario-nacional-sao-jose-de-anchieta/. Acesso
em: 30 jan. 2019
361
Descripción de la doctrina de Belén, 1787, en Archivo Arzobispal de Arequipa, legajo Arica-Belén 1694-
1856, f .1. apud GUZMÁN; CORTI; PEREIRA, 2017, p. 541.
99
362
―La primera explicación de este silencio radica en el hecho de que los inventarios dan cuenta principalmente
de bienes muebles y de rasgos muy generales de los edificios, de modo que el carácter inmueble de los murales
haría innecesario su registro. La segunda razón de su ausencia en los documentos podría encontrarse en el
carácter popular de su factura, lo que influiría en una valoración menor de estos trabajos respecto de la pintura
sobre lienzo; de este modo, la presencia de pintura mural no sería algo que una comunidad, un cura o un
visitador, quisieran destacar en forma especial en un informe. En síntesis, ni las necesidades administrativas, ni
el interés por dar cuenta de algo notable, impulsaron a registrar por escrito la existencia de pinturas murales en
las iglesias‖. Ibid., p. 542. [Tradução nossa].
100
Figura 17 (esquerda)- Altar lateral (lado da epístola) da Capela de São Miguel Arcanjo com o retábulo em
madeira (estado atual). Foto: Thais Montanari De.z. 2017.
Figura 18 (direita)- O mesmo altar, durante os trabalhos de restauro com as pinturas aparentes. Fonte:
Associação Devotos de Fátima. s/d.
Análise estilística
Na Capela de São Miguel Paulista, no altar lateral do lado da epístola (lado direito),
mediante a remoção do tabuado ao fundo da camarinha do altar, foi possível ter acesso às
pinturas com a policromia exposta e perfeitamente legíveis. Afirma-se que foi graças ao altar
em madeira que se tornou possível a preservação quase completa destas pinturas. Assim, com
a remoção deste altar, temos um nicho ou camarim em forma de arco no qual ao fundo temos
a pintura de um resplendor em forma de sol — comumente encontrado em obras retabulares
—, pintado em vermelho e os contornos em preto. Na parte interna do arco do camarim,
temos, do lado esquerdo a pintura de um sol com rosto, cujos contornos e desenhos de olhos,
nariz e boca são em cor preta, e os raios em cor vermelha. Do lado esquerdo da parte interna
do arco do camarim, temos a pintura de uma meia lua com rosto em perfil para o lado
esquerdo, apresentando os contornos e desenho dos olhos em preto, e apenas o detalhe da
boca em vermelho. Para este desenho da lua, utilizou-se pigmento branco para maior destaque
da figura. Ao centro do arco do nicho interno, temos um desenho de uma estrela de oito
101
pontas em vermelho, rodeada por figuras de nuvens espirais em preto e vermelho, por todos
os espaços adjacentes da parte interior do nicho.
Figura 19- Detalhe da parte interna do camarim com as pinturas do sol, lua, estrela e nuvens espirais. Foto:
Alexandre Galvão e Natália Moriyama. Arquivo ACBJA
Na parte exterior, a pintura faz a imitação de colunas torsas, sendo duas de cada lado,
apresentando ornatos fitomórficos (folhagens e de cachos de videiras), em branco sob o fundo
em vermelho. Entre as duas colunas, temos a decoração da pilastra, seguindo um padrão
circular, também em branco sobre o fundo em vermelho. Acima das colunas em ambos os
lados, temos pinturas de capitéis com volutas, e em todo o espaço adjacente da pintura
retabular, temos pinturas em padrões próximos às pinturas de brutescos, predominando os
desenhos em branco com contornos em preto sob o fundo em vermelho. Tanto a pintura
quanto o nicho foram feitos sobre a parede de taipa de pilão. Do lado do evangelho (lado
esquerdo) encontramos praticamente o mesmo programa pictórico, não podendo, contudo,
afirmar com certeza, uma vez que, de acordo com os relatórios técnicos do restauro, o
retábulo do lado do evangelho foi desmontado apenas parcialmente, na medida mais
estritamente necessária para a avaliação de sua condição estrutural, o exame da sua
interferência na parede e o exame das pinturas. Devido à sua identidade quase total com o
altar ao lado da epístola, a sua manutenção também serviria como referência para os estudos
posteriores.
102
Figura 20- Aspecto completo da pintura retabular, reconstituída por edição de imagem. Foto e fotomontagem:
Victor Hugo Mori, 2007. Fonte: LEMOS, 2008, p. 310.
Poderia-se afirmar que pela presença das colunas torsas, tratar-se-ia de uma pintura
que imita um retábulo em estilo nacional-português (ou ―barroco português‖ ou apenas ―estilo
nacional‖ conforme nomenclatura mais recente), cujos primeiros exemplares teriam surgido
em Portugal por volta de 1675, de acordo com Robert Smith.363 No entanto, temos dois
problemas em relação a esta afirmação. O primeiro deles é a falta de consenso nas datações
para as pinturas da Capela de São Miguel Paulista, para as quais já se sugeriu as datas de
1622,364 1640,365 ou mesmo 1670.366 Por motivos que analisaremos com vagar adiante, a
última destas datas deve ser tida como a mais plausível para a fatura destas pinturas. O
segundo problema se refere ao fato do programa pictórico destas pinturas estar incompleto,
pela falta do coroamento da pintura retabular, e das pinturas do barrado, encobertas por
argamassa de restauros anteriores. Desse modo, em todo o trecho superior das paredes, acima
da altura das paredes em taipa em que se encontram as pinturas, onde deveríamos encontrar o
coroamento da pintura retabular, temos todo um trecho de alvenaria de tijolos e adobes. Isto
363
SMITH, Robert. A Talha em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 1962, p. 69.
364
JULIO MORAES CONSERVAÇÃO E RESTAURO. Proposta Técnica de Conservação e Restauro. Pinturas
Murais da Capela de São Miguel Arcanjo - São Paulo -SP. São Paulo, 29 de abril de 2011. p. 5. Documentação
original cedida à autora pelo Restaurador Júlio Moraes em Dezembro de 2016.
365
ASSOCIAÇÃO CULTURAL BEATO JOSÉ DE ANCHIETA (Org.). Folheto Capela de São Miguel Arcanjo:
fé, arte e história. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, 2011.
366
TIRAPELI, 2015. p. 335.
103
367
TIRAPELI, 2015. p. 329.
104
368
JULIO MORAES CONSERVAÇÃO E RESTAURO., 2011. p. 5.
105
Figura 22 (esquerda)- Vestígios da pintura do barrado com vista de uma cidade, encontrada durante o último
restauro. Fonte: Arquivo ACBJA.
Figura 23 (direita)- Foto da pintura do barrado, tirada na ocasião do primeiro restauro feito pelo IPHAN sob
coordenação de Luís Saia. Foto: Arquivo do IPHAN/ São Paulo Fonte: Arquivo de Júlio Moraes.
Esta pintura foi identificada no último trabalho de restauro, porém sendo difícil a sua
leitura, dado o estado de conservação. Também foram identificadas pinturas no nicho na
parede de taipa, pouco acima desta pintura na parede lateral, além de uma outra pintura
identificada no barrado dos altares, se tratando de uma sobreposição de três pinturas, sendo as
duas primeiras de caiação branca. A terceira camada seria uma pintura de padrões
geométricos, nas cores preto e vermelho, que se encontra em mau estado de preservação, e
que se encaixa perfeitamente sob o retábulo em madeira existente, o que pode indicar ser esta
posterior às outras pinturas parietais de retábulos fingidos. Esta pintura geométrica apresenta
marcações, formas e altura semelhantes à marcação encontrada, anos atrás,369 na Capela do
sítio Santo Antônio em São Roque (interior de São Paulo), gravado na argamassa ainda mole,
porém sem vestígio de policromia, supondo, na ocasião, se tratar de alguma decoração
ensaiada mas nunca concluída.370 Assim, é levantada a hipótese da contemporaneidade entre
os murais de ambas as Capelas, evidenciada pelas formas semelhantes, e reforçada pela
semelhança entre as pinturas dos forros de madeira da nave e da sacristia da Capela do sítio
Santo Antônio, e da capela lateral da Capela de São Miguel.
369
O relatório não especifica quanto tempo.
370
JULIO MORAES CONSERVAÇÃO E RESTAURO. Proposta Técnica de Restauro Pinturas Murais da
Capela de São Miguel Arcanjo – São Paulo - SP, 2007, não paginado.
106
371
Agradecemos a Júlio Moraes e equipe pelos documentos gentilmente cedidos para esta pesquisa.
372
JULIO MORAES CONSERVAÇÃO E RESTAURO. Restauro das Pinturas Murais Sobre Taipa de Pilão da
Capela de São Miguel Arcanjo - Documentário Técnico Complementar nº1. São Paulo, 20 de novembro de 2011.
p. 12.
107
encontrados verdes, brancos esverdeados e amarelo ocre, indicando ser malaquita ou verdete,
ambos usados desde a antiguidade até o séc. XIX, e ambos contendo os mesmos elementos Cu
(cobre), C (carbono), O (oxigênio) e H (hidrogênio) em sua composição, não sendo possível
definir qual dos dois seria a partir desta análise de elementos químicos.373 Concluiu-se
também que o ligante utilizado para formar a tinta a partir desses pigmentos é de origem
protéica, porém não sendo possível determinar sua origem exata.374
Com base no relatório da Dra. Márcia Rizzo, notamos um dado interessante: os
pigmentos vermelhos e verdes são derivados de materiais nobres e raros. O sulfeto de
mercúrio, dito vermelhão é um pigmento conhecido e utilizado desde a antiguidade.
Atualmente, porém, sua utilização é muito rara, devido à toxicidade do mercúrio, assim como
o tetróxido de chumbo, dito vermelho de chumbo, igualmente tóxico, apesar de conhecido e
utilizado desde a antiguidade. O vermelhão é um pigmento que em sua forma natural é
derivada do cinábrio, mineral inexistente no território brasileiro, porém conhecido e utilizado
pelos indígenas desde antes da colonização, e largamente utilizado na pintura andina no
período colonial.375
Já em relação à malaquita, um mineral do grupo dos carbonatos de cobre, do qual
deriva o pigmento verde, interpretou-se que este pigmento pode ter sido utilizado como
secante para as pinturas por ter sido encontrado em muito pouca quantidade e sem conferir cor
à pintura.376 Este é também um procedimento prescrito e recomendado em tratados de pintura
portugueses e espanhóis dos séculos XVII e XVIII,377 sendo também referenciado no livro
Cennino Cennini Il libro dell'arte,378 escrito entre fins do século XIV e início do século XV.
Assim como o vermelhão, a malaquita também foi utilizada na pintura andina no período
colonial.
Como mencionamos no Capítulo 2, o mercúrio também esteve presente nos
inventários das boticas dos colégios jesuíticos, notadamente, o Colégio de Córdoba, sob a
373
RIZZO, 2011. apud JULIO MORAES CONSERVAÇÃO E RESTAURO. Restauro das Pinturas Murais
Sobre Taipa de Pilão da Capela de São Miguel Arcanjo - Documentário Técnico Complementar nº1. São Paulo,
20 de novembro de 2011. p. 14.
374
RIZZO, 2011. apud JULIO MORAES CONSERVAÇÃO E RESTAURO. Restauro das Pinturas Murais
Sobre Taipa de Pilão da Capela de São Miguel Arcanjo - Documentário Técnico Complementar nº1. São Paulo,
20 de novembro de 2011. p. 14.
375
Cf. SIRACUSANO, Gabriela. El poder de los colores: de lo material a lo simbólico en las prácticas
cuturales andinas : siglos XVI-XVIII. Buenos Aires, Argentina: Fondo de Cultura Economica, 2005.
376
RIZZO, 2011. apud JULIO MORAES CONSERVAÇÃO E RESTAURO. Restauro das Pinturas Murais
Sobre Taipa de Pilão da Capela de São Miguel Arcanjo - Documentário Técnico Complementar nº1. São Paulo,
20 de novembro de 2011. p. 14.
377
Cf. NUNES, F. Arte da Pintura, Symmetria e Perspectiva., Lisboa, 1615. p. 54.
378
Cf. CENNINI, Cennino. Capítulo LII- Della natura d'un verde che si chiama verde azzurro. In: CENNINI,
Cennino. Il libro dell'arte. Coautoria de Franco Brunello. 2a ed. Vicenza: N. Pozza, c. 1982.
108
Ademais, como apontado por Ana Lúcia Schaefer, de acordo com Manoel Fernand,
em seu trabalho sobre o retábulo do altar-mor da catedral de Sevilha, foi constatada a
presença de azurita e malaquita, branco de chumbo, negro de carbono e cinábrio
acompanhado de corante orgânico, ―exatamente como foi encontrado nas amostras do
Embu‖.380 Isto posto, a igreja de Nossa Senhora do Rosário no Embu e a Capela de São
Miguel teriam em comum a presença do vermelhão (HgS), do vermelho de chumbo (Pb3O4)
enquanto pigmentos utilizados nas pinturas de seus altares, além da questão estilística, como
será examinado mais adiante.
A partir das conclusões do relatório de análise dos pigmentos da Capela de São
Miguel, algumas hipóteses de análise das pinturas passam a ser fortemente contestadas, como,
por exemplo, a de que a cor vermelha seria derivada do ferro, ou de que as tintas utilizadas
nas pinturas parietais seriam advindas de vegetais, ou de que seriam as mesmas utilizadas
pelos indígenas na decoração cerâmica. A partir dessas conclusões técnicas, devemos voltar
nossa atenção, novamente, à datação provável destas pinturas, que ainda levantam
questionamentos e precisa ser analisada de maneira mais minuciosa.
379
SCHAEFER, 2000, p. 130-131.
380
Ibid., p. 131.
109
Datação provável
Não sendo possível a realização de exames por ―datação por radiocarbono‖ — o único
método seguro para este tipo de material analisado —, dado que tais amostras não poderiam
nos trazer resultados confiáveis por possuir menos de 500 anos, a partir de dados excludentes,
traçou-se uma data- limite para sua fatura. Desse modo, de acordo com a ―Proposta Técnica
de Conservação e Restauro Pinturas Murais da Capela de São Miguel Arcanjo‖ apresentada
pela equipe de restauro de Júlio Moraes, a data limite inicial para a existência das pinturas
parietais seria o ano de 1560, ano aproximado de estabelecimento do aldeamento na região da
Vila de São Paulo de Piratininga pelos padres da Companhia de Jesus. Já a data-limite final
para a exposição das pinturas parietais seria por volta de 1780 e 1790, data aproximada da
reforma promovida pelo Frei Mariano da Conceição Veloso, à qual se atribui o alteamento da
nave e o estabelecimento dos retábulos em madeira que encobrem as pinturas parietais dos
altares laterais, além do altar-mor e a construção da capela lateral.
A equipe de restauro faz uma relação material entre estas datas e a altura do
alteamento da nave, situando a fatura das pinturas como anteriores à esta intervenção, e seu
encobrimento a partir ou após esta intervenção. Em vista disso, não se encontra pinturas na
altura acima da taipa, assim como só se encontraram pinturas em áreas que estavam
encobertas pelos retábulos em madeira, apesar de terem sido constatadas repinturas com
material esbranquiçado, uma mistura de mica e caulim. Porém, seria necessário especificar
definitivamente a data em que as obras de alteamento ocorreram, uma vez que provavelmente
implicaria o fim do período de exposição das pinturas parietais. Em relação à possível data
inicial estimada pela equipe, ―tanto pode ser ainda no século XVI, quando da construção da
capela ou durante alguma reforma sem registro, como pode ser a suposta reforma ocorrida em
1622, consignada no pórtico de entrada‖.381 Ao se considerar apenas este aspecto do
alteamento para se estimar uma possível datação para estas pinturas, temos diversos fatores
importantes deixados de lado, os quais seriam decisivos para um melhor entendimento e
estimativa de datação destas pinturas. Ignorar seu estilo por exemplo, seria um deles.
Temos portanto, três datas possíveis, estimadas por diferentes especialistas que se
voltaram para estas pinturas assim que divulgada sua descoberta: 1622, 1640 e 1670. A
primeira data, como acabamos de esclarecer, seria a estimada pela equipe de restauro tendo
em vista o alteamento das paredes da nave, e a data da reconstrução da Capela, documentada
381
JULIO MORAES CONSERVAÇÃO E RESTAURO. Proposta Técnica de Conservação e Restauro. Pinturas
Murais da Capela de São Miguel Arcanjo - São Paulo -SP. São Paulo, 29 de abril de 2011, p. 9. Como discutido
no Capítulo 2, é importante ressaltar que em 1622, não se tratou de uma reforma no templo, mas sim de sua
reconstrução.
110
382
ASSOCIAÇÃO CULTURAL BEATO JOSÉ DE ANCHIETA (Org.). Folheto Capela de São Miguel Arcanjo:
fé, arte e história. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, s/d. [Grifo nosso].
383
―A revolução que se operou, divorciando-a em grande parte da espanhola e dando-lhe um caráter nacional, foi
o produto de uma longa transição, durante a qual surgiram em Portugal várias tendências na ornamentação de
retábulos e outros gêneros de talha destinados a florescer depois de 1675.[...] ―A cronologia do novo estilo, que
por várias razões merece ser chamado estilo nacional, é ainda obscura, por falta de exemplares datáveis. Obras
de transição, como as capelas das relíquias de Alcobaça e de Sta. Gertrudes de Tibães, parece terem existido
antes de 1675‖. SMITH, 1962, p. 69.
384
TIRAPELI, 2015. p. 335
385
Ibid., loc. cit.
386
Ibid. p. 336.
111
de instabilidade. Como vimos nos Capítulos 1 e 2, trata-se de um período com muitas lacunas
abertas em relação à atuação espiritual neste aldeamento e as queixas dos indígenas pela falta
de assistência espiritual eram recorrentes. Ademais, Tirapeli talvez desconheça uma
informação importante, ainda não amplamente documentada: a reforma ocorrida em 1691 por
determinação do conselheiro Diogo Barbosa Rego. Ainda não se sabe muito sobre esta
reforma, apenas que em 23 de setembro de 1691, Diogo Barbosa Rego requereu junto à
Câmara de São Paulo, a respeito das igrejas de São Miguel e Nossa Senhora da Conceição de
Guarulhos, "Q. visto estarem aforandose as terras dos índios era justo q. o foro se aplicasse
pa. reparo das Igrejas daquellas aldeias por que estavão faltas de tudo e principalmente, de
telhas".387 Nos questionamos portanto, se se trataria de uma reforma que também tivera
intervenções em relação à decoração da Capela, de modo a assinalar o aforamento das terras
indígenas, ou se tratou apenas de reparos estruturais; ou, ainda, se teria ocorrido até mesmo o
alteamento da nave nesta reforma e não na reforma de 1780, visto que não foi possível
determinar precisamente a data desta intervenção.
A menos que a documentação primária nos aponte dados precisos em relação às obras
estruturais e decorativas da Capela de São Miguel Arcanjo, não é nosso objetivo definir uma
data precisa, mas apontar as lacunas abertas nos discursos feitos até o momento sobre uma
data definitiva ou estimada pelos estudiosos. Contudo, nossas análises feitas até aqui nos
fazem levantar a hipótese de que estas pinturas tenham sido feitas, ou pouco antes de 1678,
quando, segundo consta da documentação, as igrejas dos aldeamentos de Barueri, Pinheiros
Conceição dos Guarulhos e São Miguel tinham ―todo o necessario para se celebrarem os
sacramentos‖;388 ou ainda por volta de 1691, quando foi requerido junto à Câmara Municipal
para que se aplicasse o foro das terras dos índios para reparos das igrejas de São Miguel e de
Nossa Senhora da Conceição de Guarulhos, visto que ―estavão faltas de tudo e primcipalm.te
de telha‖;389 porém certamente antes de 1714, quando o rei Dom João V concedeu ornamentos
para os altares laterais — muito provavelmente os retábulos fingidos de nosso estudo — e um
sino requisitados pelos índios para Capela de São Miguel; alcançando, desse modo, o ―auge‖
de seu esplendor como constatado na Epítome de Frei Apolinário da Conceição.390 Assim,
nossa hipótese é a de que as pinturas parietais tenham sido feitas entre 1678 e 1714, ou entre
1691 e 1714.
387
ARROYO, 1966. p. 46
388
RGSP, v. III, p. 169.
389
ACSP, v. 7, p. 407.
390
FREI APOLINÁRIO DA CONCEIÇÃO. Epítome Da Província Franciscana da Imaculada Conceição do
Brasil. In: RIHGB, Rio de Janeiro: Departamento de Imprensa Nacional, 1972, v. 296, p. 151.
112
391
Como sugerido por Percival Tirapeli em: TIRAPELI, 2015, pp. 325-338..
392
Para citar alguns exemplos: BAZIN, Germain. A Arquitetura Religiosa Barroca no Brasil. Rio de Janeiro:
Record, 1983, 2 v.; BURY, John, Arquitetura e Arte no Brasil Colonial. São Paulo: Nobel, 1991.; ETZEL,
Eduardo. O Barroco no Brasil: psicologia - remanescentes em São Paulo,Goiás, Mato Grosso, Paraná, Santa
Catarina, Rio Grande do Sul. 2. ed. São Paulo, SP: Melhoramentos, 1974.; TIRAPELI, Percival. Igrejas
Paulistas: Barroco e Rococó. São Paulo: Editora UNESP e Imprensa Oficial do Estado, 2003.; TIRAPELI,
Percival (Org.) Barroco Memória Viva. Arte Sacra Colonial. São Paulo: Ed. Unesp / Imprensa Oficial, 2005.;
TOLEDO, Benedito Lima de. ―Do século XVI ao início do século XIX: maneirismo, barroco e rococó‖. In:
ZANINI, Walter (Org.). História Geral da Arte no Brasil. São Paulo: Instituto Walter Moreira Salles, 1983, v. 1.
393
Cf. SMITH, Robert C. A Talha em Portugal. Lisboa: Livros Horizonte, 1962. p. 69-80.
394
Sobre o aldeamento jesuítico de Mboy (Embu) e a construção da igreja de Nossa Senhora do Rosário e
residência anexa, ver: SILVA, Angélica Brito. O Aldeamento Jesuítico de Mboy: administração temporal (séc.
113
XVII - XVIII). Dissertação (Mestrado em História Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018.
395
Existia uma Capela nessas terras, anterior à atual.
396
HCJB, t. VI, p. 359.
397
―(...) E bem poderia ser que os Jesuítas transferissem para ali altares e imagens da Capela Velha do Rosário,
que era ‗muito bem paramentada‘, ou de outra Aldeia vizinha, por exemplo Carapicuíba, na sua primeira fase, a
da Igreja que existia nela antes da de S. João Baptista, ou, talvez, até da própria Igreja do Colégio de S. Paulo,
nalguma das suas remodelações.‖ HCJB, t. VI, p. 362.
398
Bazin, Germain. apud ETZEL, Eduardo. Op. cit. 1974., p. 169.
399
ETZEL, 1974. p. 169.
400
BAZIN, 1983. p. 292.
401
―(...) é possível que, no caso em apreço, ainda corresponda, efetivamente, ao domínio espanhol – aos últimos
anos, pois, pelo estilo, os retábulos não podem ser muito anteriores a 1640.‖ COSTA, Lúcio. A arquitetura dos
jesuítas no Brasil. ARS (São Paulo) [online]. 2010, vol.8, n.16, p.127-195. ISSN 1678-5320.
http://dx.doi.org/10.1590/S1678-53202010000200009. [Texto originalmente publicado na Revista do Serviço do
Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 5, p. 105-169, 1941.] p. 161
402
BAZIN, 1983. p. 292. Esta mesma hipótese é sugerida por Serafim Leite em HCJB, t. VI, p. 362.
403
Ibid., loc.cit..
114
do Bom Jesus, ou igreja do Colégio dos Jesuítas de São Paulo, foi construída em 1556, e
reconstruída em 1680, com ampliação da planta. Tanto o Colégio quanto a igreja dos jesuítas
passaram por diversas vicissitudes em sua arquitetura e administração entre os séculos XVII e
XIX, tendo como consequência sua demolição em 1896. Funcionando atualmente como um
complexo histórico-cultural-religioso — o Museu Anchieta do Patteo do Collegio —, a
edificação atual, construída entre 1964 e 1979, após restituição do sítio histórico à Companhia
em 1954, é inspirada naquela do século XVII, e possui fragmentos de uma parede de 1585,
remanescente do antigo colégio dos jesuítas.
Figura 24 (esquerda)- Um dos altares laterais da igreja do Bom Jesus do antigo Colégio dos Jesuítas de São
Paulo. Fonte: COSTA, 2010, p. 180.
Figura 25 (direita)- Altar lateral lado da epístola da igreja de Nossa Senhora do Rosário do Embu. Foto:
Mateus Rosada, 2015. Fonte: MASJ
Por meio de fotografias anteriores à demolição do Colégio, podemos ter uma noção de
como seriam estes retábulos em seu meio arquitetônico. Os altares do antigo Colégio dos
Jesuítas de São Paulo, eram desenhados em estilo nacional — assim como os do Embu —,
com duas colunas torsas de cada lado, ornamentados com cachos de uvas, pássaros, e
pouquíssimas folhas de acanto. De acordo com Serafim Leite, ―O altar-mor, de ‗talha antiga‘;
e os seus colaterais, [se encontravam] metidos em capelas, com grades de madeira. Dêstes
altares, quatro também de obra antiga, doirados (os de 1707); dois de obra mais moderna, sem
115
doirado‖.404 Assim, além do altar-mor, mais quatro retábulos teriam douramento, como
também atesta menção destacada por Bazin, feita em 1701, em que ―a igreja é mencionada
como ‗digna de se ver pela sua obra de talha dourada‘‖, e em 1707 de “quattuor menores
arae auro illuminatae”.405
Em 1896, as peças identificadas com valor histórico e religioso foram recolhidas, feito
seu levantamento e dispersão para diferentes igrejas e locais responsáveis pela preservação de
objetos históricos e religiosos no Estado de São Paulo, como por exemplo, a Catedral da Sé e
o Museu Paulista. No entanto, boa parte destes objetos, imagens, relíquias e até mesmo
materiais construtivos, se perderam ou foram destruídos.406 Germain Bazin, em obra já citada,
lamenta que os altares do Colégio de São Paulo não tenham sido conservados intactos. 407 O
antigo altar-mor teria sido transferido e readaptado à igreja do Imaculado Coração de Maria
(Rua Jaguaribe, São Paulo). De acordo com Renata Martins, em 1979, na reconstrução desta
igreja, o altar foi desmembrado e recomposto de maneira aleatória e equivocada, sem a
policromia e o douramento originais.408 Em julho de 2009 o altar foi novamente desmontado,
e hoje se encontra no Museu Anchieta do Patteo do Colégio, onde se encontram expostas duas
das colunas antigas, enquanto outras se encontram na sala da administração, e as demais
partes guardadas na reserva técnica.409
É possível que estes retábulos, tanto os de Embu, quanto os do Colégio dos Jesuítas,
tenham servido de modelo para outros retábulos paulistas, inclusive de outras ordens
religiosas. Na historiografia da arte colonial brasileira, os ditos ―retábulos dos jesuítas‖, ou ―a
talha jesuítica‖ costumam aparecer como um tópico à parte ao se tratar da arte retabular. Este
destaque se dá por alguns fatores, tais como a erudição dos padres da Companhia de Jesus e a
antiguidade de suas obras de talha e construções, sobretudo no Estado de São Paulo.
Benedito Lima de Toledo destaca a disciplina de desenhos renascentistas derivados de
tratados como os de Serlio e Vignola nos retábulos da dita primeira fase (fins do século XVI e
primeiros decênios do século XVII), de caráter mais maneirista, ou protobarroco. Desse
modo, ―o desenho erudito serviu primordialmente de ponto de partida para manifestações
ricas de intervenção, tributáveis, antes, a uma arte popular, ansiosa por encontrar um veículo
404
HCJB, t. VI, p. 387.
405
BAZIN, 1983. p. 292.
406
Cf. MORAES, Geraldo Dutra de. A Igreja e o Colégio dos Jesuítas de São Paulo. São Paulo, SP: Prefeitura do
Município, 1979.
407
BAZIN, op.cit.. p. 292.
408
MARTINS, Renata Maria de Almeida. ―Vestigios cifrados: Destrucción, dispersión y reconstitución del
patrimonio jesuítico en los Estados de Rio de Janeiro y São Paulo‖. H-ART. Revista de historia, teoría y crítica
de arte, nº 3 (2018): 215-252. http://dx.doi.org/10.25025/hart03.2018.09, p. 235.
409
Ibid., loc. cit.
116
de expansão‖,410 ao contrário de uma ideia de uma evolução autóctone de um estilo dito mais
―severo‖ e linear para formas mais livres e movimentadas. No Estado de São Paulo, sendo os
jesuítas os fundadores da Vila de São Paulo de Piratininga, os exemplares de talha mais
antigos aqui encontrados serão — geralmente — os provenientes de igrejas e capelas
jesuíticas, executados sob sua orientação. Isto posto, a generalização de um determinado estilo
que transitavam entre o maneirista e o nacional-português, considerado por Lúcio Costa ―o
estilo seiscentista por excelência‖,411 pode atestar a predominância da atuação jesuítica na arte
retabular paulista além de situar o Estado de São Paulo entre os centros produtores e difusores
de arte no período colonial.
Assim, vemos nos altares laterais da igreja da Nossa Senhora da Conceição, a matriz
de Itanhaém (litoral de São Paulo), uma interessante semelhança com os altares das igrejas
jesuíticas de Embu e da antiga igreja do Colégio, e também com a estrutura dos altares
pintados da Capela de São Miguel Arcanjo. Em Itanhaém, com a expulsão dos jesuítas da
capitania de São Vicente em 1640, e sua consequente ausência, foi fundado um Convento de
Franciscanos em 1654,412 na antiga ermida de Nossa Senhora da Conceição, onde se localiza a
igreja matriz até os dias de hoje. Os altares laterais ali existentes teriam sido construídos ou
reconstruídos na mesma época da Reforma desta igreja, ocorrida por volta de 1714.413 Trata-
se de dois altares de talha, em estilo semelhante ao nacional adotado pelos jesuítas em São
Paulo. Estes retábulos apresentam apenas uma coluna torsa de cada lado, com ornamentos de
cachos e folhas de uvas. No camarim em forma de arco temos um desenho entalhado em
formas de nuvens espirais que cobrem todo o nicho, semelhante aos da pintura retabular de
São Miguel Arcanjo. Os capitéis e entablamento são simples e geométricos, e o coroamento
apresenta apenas uma arquivolta. O curioso destes altares é o coroamento sobre um plano de
fundo retangular, além do desenho entalhado na mesa do altar que remete aos brutescos.
Apresenta vestígios de douramento e certamente possuía policromia.414 Apesar de se tratar
muito provavelmente de uma obra franciscana, o passado jesuítico do aldeamento de
410
TOLEDO, Benedito Lima de. Esplendor do barroco luso-brasileiro. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2012. p. 145
411
COSTA, Lúcio. A arquitetura dos jesuítas no Brasil. ARS (São Paulo) [online]. 2010, vol.8, n.16, p.127-195.
ISSN 1678-5320. http://dx.doi.org/10.1590/S1678-53202010000200009. [Texto originalmente publicado na
Revista do Serviço do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, Rio de Janeiro, n. 5, p. 105-169, 1941.] p. 152.
412
HCJB, t. VI, p. 434.
413
CERQUEIRA, Carlos Gutiérrez.‖História de um monumento: Igreja Matriz de Itanhaém‖. São Paulo: o autor,
2014. Disponível em: https://patrimoniovaledoribeira.files.wordpress.com/2014/03/histc3b3ria-de-um-
monumento-igreja-matriz-de-itanhac3a9m-1c2aa-parte.pdf. Acesso em: 4 abr. 2018.
414
―E há que se imaginar esses altares exatamente como eram, com suas cores e douramentos originais‖.
CERQUEIRA, op.cit., passim.
117
Itanhaém, sobretudo em relação aos indígenas ali aldeados, pode ter exercido alguma
influência em relação à estrutura e ornamentação destes altares.
Ainda no Estado de São Paulo, o antigo altar da fazenda Piraí, em Itú, hoje parte do
acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo, apesar de ser de talha plana como os retábulos
laterais da capela do Sítio Santo Antônio em São Roque, também apresenta uma certa
semelhança em relação às pinturas parietais da Capela de São Miguel, por apresentar
habilidade pictórica muito próximas; além de provavelmente serem contemporâneos. Datado
do século XVII, este altar de talha em forma de arco do triunfo, com douramento, florais e
cabeças de putti, apresenta no fundo do nicho, a pintura de resplendor em forma de sol, muito
parecido com o dos altares pintados da Capela de São Miguel, tanto na forma, quanto nas
cores. Contudo, o resplendor do altar da antiga fazenda Piraí apresenta um inusual rosto
pintado, encontrado durante as prospecções no último restauro realizado nesta peça.
Figura 26 (esquerda)- Altar lateral lado do evangelho do Convento da Conceição de Itanhaém. Foto: Renata
Martins, set. 2017.; Figura 27 (direita)- Altar da antiga Fazenda Piraí, Itu, hoje parte do acervo do Museu de
Arte Sacra de São Paulo. Notar o resplendor em forma de sol, semelhante ao das pinturas da Capela de São
Miguel. Foto: Thais Montanari, jun. 2017.
Paulo, a não concordância entre o estilo dos retábulos e suas respectivas épocas ao fazer a
relação de acordo com as classificações estilísticas feitas por Lúcio Costa e Germain Bazin,
seria devido ao fato de que ―(...) nosso acanhado meio artístico colonial não propiciou as
tertúlias entre artistas ou intelectuais, que propulsionam a evolução artística. Aqui seriam de
se esperar mais cópias e repetições do que arroubos artísticos de maior fôlego. Não havia,
para estes, clima econômico e social. (...)‖.415 Notamos nesta análise de Etzel, além de uma
visão eurocêntrica, a reprodução das narrativas historiográficas construídas entre os séculos
XVIII e XX sobre São Paulo. Ademais, Etzel desconsidera a determinante atuação das ordens
religiosas, sobretudo a Companhia de Jesus, na difusão do repertório ornamental dos retábulos
paulistas, .
Como discutido no Capítulo 1, a chamada ―historiografia paulista‖ produzida dentro
de um contexto específico das décadas de 1920 e 1930,416 elaborou uma imagem de São Paulo
enquanto vila ―rústica‖, pobre e isolada econômica e geograficamente no planalto. Desta
forma, nos estudos sobre arte e arquitetura paulista deste período, este suposto isolamento da
vila de São Paulo é comumente tido como o fator determinante de uma certa ―simplicidade‖,
―pobreza‖ e até mesmo inferioridade nas obras artísticas e arquitetônicas religiosas do Estado
de São Paulo.417 Reafirmamos, contudo, que apesar de ainda ser possível identificar uma certa
condição periférica de São Paulo em relação à estrutura colonial, 418 a historiografia mais
recente relativiza e questiona a pobreza e o isolamento paulista presente nas narrativas
historiográficas consolidadas,419 e a sua inserção nos circuitos comerciais intracoloniais e
atlânticos. Em relação aos circuitos artísticos, Aracy Amaral em sua obra A Hispanidade em
São Paulo, ressalta o ―intenso intercâmbio‖ entre São Paulo e Santos, Bahia e Paraguai,
destacando este último como centro fornecedor de indígenas na região do Guairá, ―até então
povoada por castellanos e jesuítas‖. Assim, de acordo com Amaral, especialmente durante o
período de união das Coroas Ibéricas (1580-1640), parte desta população hispânica teria
migrado e se fixado no planalto paulista, trazendo consigo artesãos qualificados. 420 Como
415
ETZEL, 1974., p. 146.
416
Autores consagrados como Afonso Taunay, Alcântara Machado, Washington Luiz e Alfredo Ellis Jr.
417
Como Luís Saia e Paulo Prado. Cf. AMARAL, 1981., p. 51.
418
VILARDAGA, 2010, p. 191.
419
―Em tempos mais recentes também a ênfase na suposta pobreza paulista tem sido posta em xeque, ainda que
os trabalhos publicados não tenham avançado nos ―porquês‖ dessa construção historiográfica. Ou seja, inúmeros
aspectos da vida paulista e paulistana nos séculos XVII a XIX vêm sendo revisados, demonstrando isoladamente,
ou decorrentemente, uma imensa obra de construção da memória paulista. Contudo, seja por não ser o objeto
principal da investigação ou por se ater apenas a um aspecto (o bandeirante, a pobreza, a paisagem, etc.), as
pesquisas não identificam a dimensão essencial que une todos esses elementos esparsos‖. SILVA, 2013, p. 120-
121.
420
AMARAL, 1981., p. 51.
119
discutido anteriormente, no final do século XVII, São Paulo possuía grande número de
indígenas Guarani, muitos deles provenientes das reduções jesuíticas do Guairá, destruídas na
bandeira liderada por Antônio Raposo Tavares.
Podemos notar uma evidência da circulação de modelos e repertórios ornamentais e
artísticos nos retábulos paulistas, como ocorrido nos grandes centros artísticos da colônia,
como Salvador, Olinda e Recife, dada as devidas proporções.421 No caso de São Paulo, tal
circulação e difusão artística seria em grande medida, devido à atuação dos padres da
Companhia de Jesus, sobretudo, por meio das oficinas.
Germain Bazin reconhece que o recorrente tema eucarístico, encontrado na
ornamentação entalhada das colunas torsas dos retábulos, de desenhos de folhas e cachos de
uvas e pássaros, seriam elementos que distinguiam as obras provenientes da oficina do
Colégio de São Paulo,422 das demais ordens. Além dos retábulos mencionado acima, também
encontramos o mesmo repertório ornamental das colunas torsas, no sacrário da igreja de
Nossa Senhora da Conceição de Guarulhos, hoje parte do acervo do Museu de Arte Sacra de
São Paulo, datado do século XVII. Lembrando que Guarulhos também se iniciou como
aldeamento jesuítico no final do século XVI, e em 1691 foi requerida sua reforma junto com a
Capela de São Miguel junto à Câmara municipal de São Paulo. Indo um pouco mais além,
ainda na região sudeste do Brasil, na igreja e residência dos Reis Magos, em Nova Almeida,
no Espírito Santo — igualmente antigo aldeamento jesuítico fundado no final do século XVI
—, também encontramos o retábulo do altar-mor com solução ornamental semelhante. O
retábulo de talha apresenta quatro colunas torsas, com cachos de uvas e folhagens, além de
elementos zoomorfos como felinos e cobras coroadas; dois nichos para os santos e ao centro,
um painel dos Reis Magos, pintado sobre madeira. José Antônio de Carvalho levanta a
hipótese de que este retábulo tenha sido executado por mãos indígenas,423 embora seja
possível que, tanto o retábulo quanto o seu painel pintado tenha sido encomendado da Europa,
visto que a igreja possui material importado em sua construção, como a pedra de lioz para as
portas principal, lateral, do coro e seus respectivos degraus; e para as três janelas do coro.
Material que, segundo o autor, ―parece ter sido usado apenas nessa igreja, dentre as
construções erguidas pelos jesuítas‖ no Espírito Santo.424
421
BONAZZI DA COSTA, Mozart Alberto. ―A Talha Dourada na Antiga Província de São Paulo: Exemplos de
Ornamentação Barroca e Rococó‖. In: TIRAPELI (Org.), 2005. pp. 77-78.
422
BAZIN, 1983. p. 292.
423
CARVALHO, 1982, p. 121.
424
CARVALHO, 192, p. 82.
120
Outro fator de distinção das obras feitas nas oficinas dos jesuítas é a evidente mão
indígena, africana ou mestiça, muitas vezes notada por especialistas pela diferença técnica
entre uma talha supostamente executada por mão-de-obra local, e uma executada por mão-de-
obra especializada dos oficiais reinóis.425 Como observado por Mozart Bonazzi da Costa e
também por Eduardo Etzel, na antiga Vila de São Paulo de Piratininga, a presença de oficiais
qualificados era rara. De acordo com Etzel, Frei Adalberto Ortman teria indicado que em
1737, haveria apenas um entalhador em São Paulo, aparentemente português. 426 Assim, é
muito provável que grande parte das obras religiosas de São Paulo do período colonial tenham
sido executadas por artistas da terra orientados pelos jesuítas.
Não é apenas nos retábulos que se nota a mão-de-obra local em São Paulo. Como
vimos no Capítulo 2, nos aldeamentos jesuíticos, os índios eram empregados como
construtores,427 sobretudo das capelas, sendo também os responsáveis pela conservação e
melhoria destas, havendo exceção somente em relação aos projetos,428 uma vez que desde o
século XVI, estes deveriam teoricamente passar pela aprovação da Ordem dos jesuítas em
Roma.429 Os indígenas também teriam sido empregados como artífices, sobretudo de
carpintaria,430 ofício certamente aprendido nas oficinas jesuíticas.
Há exemplos documentados da presença de escultores índios na oficina do Colégio de
São Luís do Maranhão no século XVII (Francisco, índio do Maranhão), e na oficina do
Colégio de Belém do Grão-Pará no século XVIII (Manuel, Ângelo e Faustino, índios da
aldeia de Gibirié),431 os quais comprovadamente entalharam os púlpitos e os anjos tocheiros
da Igreja de São Francisco Xavier do Colégio de Santo Alexandre no Pará. Por sua vez, o
inventário do Colégio de São Luís do Maranhão, realizado após a expulsão dos jesuítas
(1760), revela a existência de um ambiente denominado Pinturía, que seria uma grande sala
onde se pintavam as imagens provenientes das oficinas de carpintaria; e onde trabalhava
―Victorio pintor‖, um ex-escravo (o inventário não informa se índio ou negro) 432.
425
BONAZZI DA COSTA, 2005, p. 76.
426
ETZEL, 1974, p.142.
427
Cf. AMARAL, 1981. p. 49.
428
―Uma vez levantada a igreja a conservação e melhoria, desde que não dissesse respeito à planta, seguia a
cargo dos índios‖ PLÁ, apud AMARAL,1981,. p. 74.
429
Cf. MARTINS, Renata M. de Almeida. Tintas da terra tintas do reino : arquitetura e arte nas Missões
Jesuíticas do Grão-Pará (1653-1759) [doi:10.11606/T.16.2009.tde-28042010-115311]. São Paulo : Faculdade
de Arquitetura e Urbanismo, Universidade de São Paulo, 2009. Tese de Doutorado em História e Fundamentos
da Arquitetura e do Urbanismo. [acesso 2019-01-30].
430
Cf. KOK, Glória. Índios de ofícios e índios ‗encapelados‘ da Capitania de S. Vicente no século XVII. In:
FERNANDES, Eunícia (Org.). A Companhia de Jesus e os Índios. Curitiba: Editora Prismas, 2016, p.272
431
Cf. MARTINS, 2009. p. 230-239.
432
MARTINS, 2009, p. 310.
121
433
Pode-se dizer que foram feitas com o torno.
434
―(...) Depois fomos a S. Miguel, mas o dia chuvoso impediu fotar por fora. 1622. Só fotei do interior
(inteiramente refeito) um detalhe antigo da grade de comunhão. (...).‖ ANDRADE, Mário de. Mário de Andrade:
cartas de trabalho : correspondência com Rodrigo Mello Franco de Andrade (1936-1945). Rio de Janeiro, RJ:
MEC ; SPHAN p.77.
435
COSTA, 2010, p. 159.
122
Figuras 28 e 29- Cariátides da grade de comunhão. Entalhadas e com vestígio de policromia.; Figura 30-
Detalhe de um dos entalhes de grotesca do batente da porta da Capela lateral. Foto: Thais Montanari, dez.
2017.
Figura 31 (esquerda)- Altar-mor da Capela de São Miguel Arcanjo. Foto: Thais Montanari. dez. 2017.
Figura 32 (direita)- Altar-mor da Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso de Guarulhos. Foto: Mateus Rosada,
2014. Fonte: ROSADA, 2016, p. 195.
438
TIRAPELI, 2003. p. 40.
439
ROSADA, Mateus. Igrejas Paulistas da Colônia e do Império: Arquitetura e Ornamentação. 2016. Tese
(Doutorado em Teoria e História da Arquitetura e do Urbanismo) - Instituto de Arquitetura e Urbanismo,
Universidade de São Paulo, São Carlos, 2016. doi:10.11606/T.102.2016.tde-30062016-112001. Acesso em:
2018-04-17. p. 195.
124
industrial da madeira no final do século XIX.440 Tal fato reforça a hipótese de se tratar de uma
remontagem moderna, provavelmente a mesma do altar-mor da Capela de São Miguel.
No período colonial paulista, a circulação e difusão de modelos artísticos, não se
restringia tão somente aos retábulos. É possível se observar um determinado estilo derivado
de brutescos nas pinturas de tetos e de objetos como os armários de sacristia em algumas
capelas contemporâneas à de São Miguel na região de São Paulo, como a de São João em
Carapicuíba (São Paulo), e a Santo Antônio em São Roque (interior de São Paulo)
estabelecendo algumas relações interessantes entre elas. A pintura de brutesco se baseia numa
composição de uma sequência de formas vegetalizadas, geralmente folhas de acanto enroladas
ou delgadas, a partir de um elemento central, podendo ter a ocorrência de flores, festões,
mascarões ou outros elementos zoomorfos de forma harmônica e simétrica.
Na capela lateral da Capela de São Miguel, temos as pinturas do teto do altar com
folhas de acanto, flores e anjos em tons de verde, vermelho, preto e branco. O mesmo estilo e
cores também podem ser vistas — porém de forma mais erudita — na sacristia e no altar-mor
da igreja de Nossa Senhora do Rosário do Embu; na pintura do teto da nave e da sacristia da
Capela de Santo Antônio, e no forro da desaparecida capela do sítio Querubim, 441 ambas em
São Roque, interior de São Paulo. Este mesmo estilo e cores podem igualmente ser
observados na ornamentação do armário da sacristia, da Capela de São Miguel, assim como
nos armários da sacristia da Capela de Carapicuíba, no armário da sacristia da igreja de Nossa
Senhora da Escada de Guararema, e também na tábua pintada do altar da igreja de Caçapava
Velha (São Paulo).442 Além de serem obras que datam entre fins do século XVII e início do
século XVIII, são capelas pertencentes a antigos núcleos de aldeamentos jesuíticos. Ademais,
o mesmo estilo pictórico também está presente nas igrejas da Ruta de la Plata, da Espanha e
de Portugal, como complementos de áreas adjacentes, a exemplo da igreja de Pitumarca, no
Peru e a da ermida de Belén, em Liétor, na Espanha, cujas pinturas seriam do século XVIII.
440
ROSADA, 2016, p. 196
441
Como pode ser observada pelas fotos de 1944, no arquivo do IPHAN/SP. A antiga casa bandeirista do sítio
Querubim, datada do século XVII, possuía uma pequena capela interna. O seu forro de madeira com as pinturas
teria sido salva pelo IPHAN. A grande diferença entre estas pinturas, as de São Miguel e as do sítio Santo
Antônio, é que em vez de vermelho, temos a cor ocre, podendo se tratar, contudo, de deterioração do pigmento;
o que só poderia ser determinado a partir de análises laboratoriais. JULIO MORAES CONSERVAÇÃO E
RESTAURO. Relatório Técnico Parcial de Conservação e Restauro nº 1. Elementos Artísticos integrados.
Capela de São Miguel Paulista - São Paulo- SP. São Paulo, 29 de setembro de 2006. não paginado.
442
ETZEL, 1974, p. 140.
125
A capela lateral da Capela de São Miguel Arcanjo seria uma construção feita mais
tardiamente, atribuída à reforma de 1780 quando a aldeia já se encontrava sob administração
franciscana. Pode-se tratar de uma capela de Ordem Terceira, recorrente em templos
franciscanos.443 Acredita-se que o altar da capela lateral seria original de outra capela, ou até
mesmo que este seria o altar-mor antes da construção da capela lateral. Tal hipótese se deve às
adaptações em sua estrutura, possivelmente para a sua instalação no local em que se encontra.
As pinturas do teto deste altar seriam um pouco mais elaboradas em comparação às pinturas
do nicho da sacristia e às pinturas parietais dos altares laterais. No restauro mais recente,
encontrou-se vestígios destas pinturas em todo o altar. No entanto, pelo péssimo estado de
preservação causado pelo uso indevido de óleo queimado, além de fatores ambientais, não foi
possível recuperá-las em sua totalidade. As pinturas em forma de brutesco, como já
analisamos brevemente acima, seriam uma solução ornamental recorrente tanto na metrópole,
quanto nas colônias portuguesas444 e espanholas, como já observamos.
443
ROSADA, 2016. p. 96.
444
SERRÃO, 2000. p. 356.
126
Figura 36- Altar da Capela Lateral d Capela de São Miguel Arcanjo. Notar os vestígios de pintura entre o teto e
a estrutura (esquerda). Foto: Thais Montanari. Dez. 2017.
Figura 37- Detalhe da pintura do forro do altar da capela lateral da Capela de São Miguel Arcanjo. Foto:
Thais Montanari, dez. 2017.; Figura 38- Pintura do teto do altar da Capela de Santo Antônio do Sítio Santo
Antônio, São Roque/ SP. Foto: Thais Montanari, maio, 2017.
127
Teríamos portanto, como uma das especificidades da arte colonial paulista — como
também das artes das Missões—, a recorrente mão-de-obra local (indígena, africana, mestiça)
orientada pelos missionários445 a partir de modelos europeus. Contudo, é importante
destacarmos que não se trata apenas de uma simples recepção de um modelo europeu, como
veremos mais adiante. Como destaca Rodolfo Vallín Magaña:
445
Não apenas pelos jesuítas. Lembremos que em 1640, com a expulsão da Companhia da Capitania de São
Vicente, o aldeamento de São Miguel passou a ser administrado pela Câmara, além da presença de franciscanos,
e, provavelmente também de artífices mestiços de formação local.
446
―(...) El arte es representación y como tal responde siempre a elementos de carácter subjetivo, modificados
por factores individuales y sociales. La forma como aparecen los diversos factores reales depende de la ideología
del grupo que realiza la representación, que puede variar de acuerdo con el medio ambiente. La presencia de un
conjunto de factores que influyen sobre la realización de una obra de arte, su aspecto formal y su contenido,
hacen que se convierta en una variada fuente de información. Está presente la representación del mundo que, al
margen de su mayor o menor objectividad, permite la recuperación de elementos reales, reflejando concepciones
globales de la sociedad del momento; respondiendo directamente a condiciones de valoración de factores locales
y regionales como medio de autoafirmación, que va evolucionando a medida que el sistema colonial va
perdiendo fuerza.‖ MAGAÑA, 1995. p. 190. [Tradução nossa]
128
447
KOK, 2011, p. 54. e KOK, 2016, p. 216-231.
448
Ibid., p. 54.
449
MAGAÑA, 1995. p. 189.
129
450
ASSOCIAÇÃO CULTURAL BEATO JOSÉ DE ANCHIETA (Org.). Folheto Capela de São Miguel
Arcanjo: fé, arte e história. São Paulo: Governo do Estado de São Paulo, s/d.
451
SEBASTIAN, Santiago. Contrarreforma y barroco: lecturas iconográficas e iconológicas. Madrid: Alianza,
c1989. p. 17.
452
Ibid., p. 18.
453
SEBASTIAN, 1989, p.17.
454
Ibid., loc. cit.
455
PFEIFFER, Heinrich SJ. ―La Iconografía‖. In: Giovanni Sale S.J (Ed.), Ignacio y el Arte de los Jesuitas.
Bilbao: Ediciones Mensajero, 2003, p. 169-206. p. 171.
456
―el sol de la justicia en el libro de Malaquías (cfr. 3, 20)‖. [Tradução nossa]. PFEIFFER, loc.cit.
457
Ibid., loc.cit.
130
Exercícios Espirituais (1549) de Santo Inácio, e também na identificação das obras literárias e
artísticas da Companhia ao redor do mundo.458 Descritos como ―raios triangulares e retos, em
alternância com outros ondulados‖, de acordo com Renata Martins, estes seriam semelhantes
àqueles encontrados nas pinturas parietais da Capela de São Miguel Arcanjo, os quais figuram
no fundo dos nichos, em forma de resplendores que emolduram as imagens dos santos.459
Deste modo, como conclui Pfeiffer sobre os selos da Companhia, "(...) o selo significava que
a Companhia de Jesus refletia de alguma forma toda a Igreja; e que a verdadeira Companhia é
a da igreja triunfante no céu, onde Jesus é o verdadeiro sol, Maria a verdadeira lua e os santos
as estrelas ".460
Como bem observa Renata Martins,461 os desenhos do sol, lua e estrelas são bastante
recorrentes nas artes das Missões jesuíticas e na arte colonial latino-americana em geral,
aparecendo na ornamentação das igrejas, nas pinturas dos tetos de sacristias e também de
retábulos. Estes motivos astrais, de acordo com a autora, faziam parte do repertório artístico e
simbólico da Companhia, didática e moralmente presentes na produção literária jesuítica e
eclesiástica, bem como nas cortes do período, sobretudo, através dos livros de emblemas; não
significando, porém, que os modelos tenham ou devam ter sido copiados fielmente destes. As
formas de emprego destes motivos varia caso a caso.462 Além das pinturas parietais da Capela
de São Miguel, a autora também destaca a presença deste programa pictórico nos tetos das
sacristias das igrejas dos colégios de Belém e de Vigia no Pará (século XVIII), assim como no
retábulo da antiga igreja jesuítica de Nossa Senhora da Luz (século XVII), que teria sido
desenhado pelo luxemburguês João Felipe Bettendorff, e entalhado por um português, Manoel
Mansos, e por um índio do Maranhão de nome Francisco.463 Assim, a mão indígena se faz
presente neste trabalho orientado pela Companhia de Jesus, comprovada por meio da
documentação.464
458
MARTINS, Renata Maria de Almeida. Imagens de corpos celestes e a arte dos emblemas na decoração de
espaços jesuíticos da Amazônia à Argentina. In: Boletin de Estudios y Investigaciones del Instituto de Teoría y
História del Arte Júlio Payró de la Facultad de Filosofia y Letras de la Universidad de Buenos Aires, Buenos
Aires (no prelo).
459
MARTINS, Renata Maria de Almeida. ―Veredas de Luz. A imagem do sol, da lua e das estrelas e a arte dos
emblemas nas Missões Jesuíticas, da Amazônia à Argentina‖. IN: MELLO, Magno (Org.), Belo Horizonte, Ed.
UFMG (no prelo).
460
―(...) el sello quería decir que la Compañía de Jesús reflejaba de alguna manera toda la Iglesia; y que la
verdadera Compañía es la de la Iglesia triunfante en el cielo, donde Jesús es el verdadero sol, María la verdadera
luna y los santos las estrellas.‖ [Tradução nossa]. PFEIFFER, Henrich SJ. Op. cit. 2003. p. 171.
461
MARTINS, Renata Maria de Almeida. ―Veredas de Luz…‖. (no prelo).
462
Ibid.
463
Ibid..
464
Cf. MARTINS, 2009. p. 316.
131
Trocas Culturais
Nas artes das Missões jesuíticas na América Espanhola, sobretudo na região dos
Andes, eram frequentes as conexões estabelecidas entre o cristianismo e o mito e a religião
indígenas, mesmo emprestando os nomes de deuses indígenas para figuras cristãs, o que
poderia denotar, de acordo com Gauvin Alexander Bailey, ―uma notável sensibilidade às
formas indígenas em sua tentativa de proselitismo‖472 na estratégia da conversão. Assim, ao
fazer concessões à cultura indígena, os missionários seriam bem-sucedidos em sua empreitada
de persuasão e captura dos indígenas para suas reduções. Sabe-se, a partir de textos como os
465
BAILEY, Gauvin Alexander. The New Plant of the Primitive Church: The Jesuit Reductions among the
Guaraní in Paraguay, 1609- 1768.‖ In: BAILEY, Gauvin Alexander. Art on the jesuit Missions in Asia and Latin
America (1542- 1773). Toronto/ Buffalo/ London: University of Toronto Press, 2001. p. 160.
466
MARTINS, Renata Maria de Almeida. ―Veredas de Luz…‖. (no prelo).
467
PLÁ, s/d. p. 149.
468
Ibid., loc.cit.
469
PLÁ, s/d, p.149. [Tradução nossa.]
470
PFEIFFER, 2003. p. 205.
471
MARTINS, Renata Maria de Almeida. ―Veredas de Luz…‖. (no prelo).
472
BAILEY, Gauvin Alexander. ―Idols and Altars…‖, 2005. p. 212
132
do cronista Guamán Poma de Ayala, que dentre as práticas ditas ―idólatras‖ que os
missionários buscaram erradicar figurava a crença nos astros. 473 Desse modo, o emprego das
imagens de constelações, do sol e da lua tornaria o trabalho de evangelização menos penoso,
dadas as coincidências entre o imaginário católico com as crenças indígenas pré-coloniais;474
estas imagens já seriam conhecidas e carregadas de significados para a cultura indígena.
A representação dos astros nas missões jesuíticas na América Espanhola, sobretudo na
região dos Andes, foi primorosamente trabalhada pela historiadora boliviana Teresa Gisbert
em sua obra Iconografía y mitos indígenas en el arte. Gisbert demonstra que, diferentemente
das outras ordens, os jesuítas teriam optado por uma representação racionalizada em que o Sol
e as estrelas são criaturas sujeitas a um Deus criador.475 Este tipo de relação em que o Sol
seria representado como um servo de Deus, remontaria às tradições mais antigas dos povos
indígenas.476 Assim, de acordo com Gisbert, a representação do sol era uma das mais usadas
nas decorações internas e externas das igrejas andinas, podendo frequentemente aparecer
juntamente com as figuras de estrelas, Lua, e também sereias, como pode ser visto em
portadas, retábulos, coberturas e abóbadas.477 Nas pinturas, estas imagens dos astros
figuravam sobretudo na representação da Santíssima Trindade.478 Desse modo, se faz evidente
o duplo signo das imagens celestes para a cultura cristã europeia e para as culturas
ameríndias.
Através da reinterpretação e reelaboração dos modelos europeus pelos indígenas —
muitas vezes se utilizando de outras técnicas e materiais —, estas trocas culturais poderiam ter
resultado, com efeito, numa forma de ―cultura mestiça‖.479 É preciso salientar que não se trata
de uma simples recepção por parte dos indígenas, mas sim de um sistema de trocas muito
mais complexo do que alguns estudiosos sustentaram durante décadas. Assim, na
historiografia da arte colonial latino-americana, uma leitura tradicional das transferências
473
―(...) sabemos por las crónicas, y en particular por la de Guamán Poma de Ayala, que los indios practicaban la
astrología; por otra parte, el Concilio de Lima de 1613 trató de atajar el problema, pero no se logró extirparlo
porque la idolatría pervivió en el siglo XVII mezclada con la hechicería y la astrología.‖ SEBASTIÁN, c. 1989,
p. 20.
474
PLÁ, op.cit., p. 43.
475
Os dominicanos, por exemplo, proibiram este tipo de representação, enquanto os agostinianos faziam uma
substituição mais direta entre a imagem do Sol com a imagem de Deus. GISBERT, Teresa. Iconografías y mitos
indígenas en el arte. La Paz, Editorial Gisbert y Cia, 2008. p. 30.
476
GISBERT, 2008. p. 30.
477
Gisbert aponta para o templos de Potosí, San Lorenzo, Salinas de Yocalla, Manquiri, Cayara, entre outros.
Ibid., p.31.
478
Ibid., p. 30
479
Embora historicamente ligado a categorização racial de um fenômeno étnico, Serge Gruzinski utiliza o termo
―mestiçagem‖ enquanto referência às ―misturas em solo americano no século XVI entre seres humanos,
imaginários e formas de vida, vindos dos quatro continentes — América, Europa, África e Ásia‖. GRUZINSKI,
2001, p. 62.
133
480
Ángel Guido em sua obra Fusión hispano indígena de 1924 define dois aspectos: primeiro, o caráter da
―mestiçagem‖ artística, como processo de integração ou fusão (não somatória) da cultura indígena com a
espanhola, em que o termo ―mestiço‖ -usado para indicar o processo de síntese cultural entre o europeu e o
indígena, jamais para indicar ―raça‖-, foi centro de polêmica e debates entre 1955 e 1975; e o segundo seria a
formulação do meticuloso sistema de classificação de ornamentos americanos (zoomorfos, fitomorfos, descrições
de elementos nativos da fauna, flora e elementos de tradições indígenas) que igualmente suscitou debates entre
estudiosos durante décadas.
481
MARTINS, 2009, p. 35.
482
BAILEY, Gauvin Alexander “Le style jèsuit n’existe pas: Jesuit Corporate Culture and the Visual Arts”. In:
O‘MALLEY, John W. S.J.; BAILEY, Alexander G.; HARRIS, Steven J.; KENNEDY, Frank S.J. (Org.). The
Jesuits: Cultures, Sciences, and the Arts: 1540- 1773. Toronto: University of Toronto Press, 2000, p. 38-89. p. 73.
483
―As ‗reduções‘ eram núcleos urbanos onde se reduziam os indígenas de parcialidades afins que viviam
dispersos em áreas rurais. Sua finalidade essencial estava em assegurar a concentração de maneira a possibilitar
uma aprendizagem eficaz da doutrina e um rigoroso controle tributário‖. GUTIÉRREZ, Ramón. As Missões
Jesuíticas dos Guaranis. [Paris]: UNESCO, c1987.
134
484
PLÁ, s/d. p. 43.
485
BAILEY, 2005, p. 71-72
486
PLÁ, Op. cit., p. 50.
487
Ibid. Loc. cit.
488
Ibid., p. 51.
489
BAILEY, Gauvin Alexander. Eyeing the Other The Indigenous Response. In: BAILEY, 2005. p. 74. É
bastante recorrente encontrarmos igrejas e capelas cuja construção data do século XVI ou XVII, enquanto a sua
decoração pintada data do século XVIII.
490
Ibid., Loc. cit.
135
Missões, construir e decorar igrejas era um meio para se evitar impostos e era uma alternativa
vista como mais ―humanitária‖ do que o trabalho forçado, visto que estas atividades
promovidas pelos padres também permitiam a construção e organização de seu próprio
ambiente de vida.491 Assim, nas Reduções do Paraguai, por exemplo, os próprios Guaranis
eram responsáveis pela produção artística,492 tendo isto ocorrido também ao longo de toda a
América hispânica e América portuguesa; processo este que permite constatar as
peculiaridades da mão do artista indígena ou mestiço em cada local.
As atividades artísticas realizadas nas oficinas jesuíticas das Missões eram pautadas
primordialmente pelo propósito do catecismo, seguido pela dignidade e esplendor do culto.493
No caso particular das Missões nas reduções guaranis, o sistema de trabalho nas oficinas
artísticas jesuíticas eram fundamentados pela cópia, ou seja, os indígenas realizavam trabalhos
previamente determinados, instruídos pelos mestres. A ―extraordinária aptidão‖ dos guaranis
para as belas artes é largamente destacado por historiadores da arte, 494 e teria até mesmo
espantado espectadores contemporâneos.495
Assim, como aponta Bailey, a cultura Guarani, antes mesmo do contato com os
europeus, se interessava por padrões, combinando uma variedade abstrata e estilizada de
motivos animais e vegetais como o jaguar e a flor de maracujá arranjadas simétrica e
ritmadamente.496 Tais elementos e formas eram consideradas decorativas pelos europeus,
posto que, para os missionários, a imagem figural era a característica de maior importância e
portanto, de maior foco para seus trabalhos artísticos.497 Os artistas indígenas assimilaram a
iconografia cristã interpretando-a de modo a refletir suas próprias preferências artísticas e de
visão de mundo, resultando em peças altamente expressivas.498
Dado o fato de serem as tradições artísticas dos indígenas muito diferentes daquelas
conhecidas pelos missionários, perpetuou-se uma visão por parte dos europeus de que os
indígenas eram incapazes de pensar de forma abstrata e criativa, preservando assim uma visão
de que os ameríndios eram ―racionais como crianças‖ e portanto tábula rasa para a
conversão.499 Essa visão de certa forma ajudou a perpetuar um tratamento condescendente e
491
BAILEY, 2005, p. 74.
492
Ibid., p. 160.
493
PLÁ, op.cit., p. 58.
494
Cf. PLÁ, s/d.; BAILEY, 2001; BAILEY,, 2005; e AMARAL, 1981.
495
BAILEY, 2001. p. 160.
496
Ibid., p. 144.
497
Ibid., loc. cit.
498
PLÁ, s/d. p. 71.
499
BAILEY, op.cit. 2001, p. 32.
136
legitimador da custódia dos missionários sobre eles.500 Isto posto, a fundamentação dos
trabalhos nas oficinas através da cópia, somada a essa visão do indígena neófito e ingênuo,
teria ajudado a perpetuar mitos e topoi a respeito das artes das missões, que de acordo com
Bailey ―foram muito prejudiciais à avaliação desta arte nos estudos históricos". 501 O primeiro
tópos ao qual Bailey se refere é o do copista servil, que reproduz as noções sobre os indígenas
acima descritas e que também eram reproduzidas tanto por missionários franciscanos quanto
por missionários jesuítas também em relação aos nativos nas Missões do Japão, China, e
Índia. Esta perspectiva pressupõe que, pela falta de capacidade de imaginação ou
originalidade, estes aprendizes se limitavam a fazer cópias exatas, mas derivadas de gravuras
e pinturas européias. ―Se eles são deixados sem supervisão, ou se afastar tão pouco de seus
modelos, eles caem em erro‖.502 O segundo tópos apontado por Bailey descreveria o ―Rubens
da selva‖, em que nestes mesmos relatórios dos missionários, também figuravam afirmações
extravagantes sobre as habilidades técnicas desses artistas. De acordo com Bailey:
Estes mitos e topoi podem ser facilmente contestados ao analisarmos tanto as obras
feitas nas Missões, quanto as relações de trocas culturais entre europeus e indígenas e as
interpretações e reelaborações realizadas por estes.
Lembremos que apesar da maioria dos instrutores serem europeus, grande parte dos
artistas e construtores eram indígenas. E assim como os jesuítas conservaram algumas
tradições políticas, econômicas e rituais dos indígenas ao fundarem as reduções, eles
tacitamente permitiram que as tradições técnicas, ou o uso de símbolos indígenas permeassem
as artes ali produzidas.504 Por conseguinte, é importante termos em conta que nas artes das
Missões, tanto a retórica e a linhagem do mestre europeu, quanto a mão indígena, se põem em
500
BAILEY, 2001, p. 32.
501
Ibid., p. 34.
502
Ibid. Loc. cit. [tradução nossa].
503
―Jesuit and other sources recount the miraculous abilities of these natural men to ape the work of
Michelangelo, Rubens, or even Apelles himself. The ultimate test of indigenous aptitude, according to these
writers, is to place their work against the originals of those great masters (by which they usually mean
engravings), a test which they performed with remarkable regularity from the Japanese castle of Sawa to the
Paraguayan mission at Yapeyú.‖ [Tradução nossa]. Ibid. Loc. cit.
504
Ibid., p. 144.
137
relação no interior de uma mesma oficina, de um mesmo ambiente e circunstância. 505 Dadas
as especificidades deste processo, era recorrente o recurso a trabalhadores previamente
instruídos ou com experiência em Missões anteriores na organização das oficinas recém-
fundadas ou reconstituídas, o que se configura como um sistema de ―matrizes‖ de Missões.
Buscando uma maior eficiência e economia de tempo e energia, era frequente ainda a
transferência de trabalhadores, mestres e indígenas, de uma Missão a outra, de acordo com a
quantidade e importância que os trabalhos exigiam.506
De acordo com Josefina Plá, a escassez de mestres versados em belas artes também
fez com que os poucos jesuítas habilidosos nessa ou naquela disciplinas — arquitetura,
pintura, escultura — mudassem constantemente de uma Missão a outra, ensinando ou
dirigindo obras em cada uma delas, constituindo o que poderia ser chamado de ―cátedra
itinerante‖.507 Assim se teria sucedido com vários mestres jesuítas reconhecidos de diversas
nacionalidades, como Verger, Primoli, Brassanelli, Grimau, entre outros; e na América
Portuguesa, o arquiteto Francisco Dias ainda no século XVI, João Felipe Bettendorff no
século XVII, e João Xavier Traer, no século XVIII. Especialmente nos últimos anos das
Missões, abundaram jesuítas de origem da Europa Central — boêmios, húngaros, poloneses,
regiões de forte tradição artística; como por exemplo, no caso do antigo Estado do Maranhão
e Grão-Pará, o jesuíta tirolês João Xavier Traer, escultor procedente do Colégio jesuítico de
Viena, que chegou a São Luís do Maranhão em 1703, e foi chefe da oficina do colégio do
Pará de 1705 a 1737, ano de sua morte.508
A organização nas oficinas jesuíticas das Missões era semelhante às das oficinas
europeias do período. Os artistas indígenas trabalhavam em grupos de oito a dez como
aprendizes de um mestre europeu ou indígena (no caso das Missões do Paraguai geralmente
era um nobre Guarani), usualmente no segundo pátio ao lado da igreja, onde eram
supervisionados periodicamente pelos padres jesuítas.509 Assim, de acordo com suas aptidões
e nível técnico, os artistas e artesãos das Missões faziam esculturas, retábulos, móveis, objetos
de ouro e prata, instrumentos musicais, sinos, cerâmicas, bordados e artesanatos de chifres de
animais.510 O indígena indubitavelmente contribuiu para o trabalho artístico das Missões com
uma soma de conhecimentos empíricos: ele conhecia melhor do que ninguém os materiais
505
PLÁ, s/d. p. 110.
506
Ibid. p. 77.
507
Ibid. Loc. cit.
508
Cf. MARTINS, Renata Maria de Almeida. Artistas Indígenas e Jesuítas. A Talha e a Imaginária Produzida
nas Oficinas dos Colégios do Estado do Maranhão e Grão-Pará. In: BONAZZI, Mozart; SPITERI, Maria José
(Org.). Anais do IX Congresso do Centro de Estudos de Imaginária Brasileira (no prelo).
509
BAILEY, 2005. p. 256-257
510
Ibid. Loc. cit.
138
locais e onde obtê-los; as qualidades de certas madeiras ou águas, etc.511 Por conseguinte, os
jesuítas se utilizaram destes conhecimentos para obterem materiais para suas construções,
além da fabricação das tintas por meio dos materiais vegetais e minerais, abraçando, desse
modo, uma variedade de soluções e técnicas indígenas.
511
PLÁ, s/d., p. 127.
512
―poco son los colores que acá llegan sin alterar, por lo que son muertas las pinturas, e luego pierden su
viveza.‖ [Tradução nossa]. Francisco Jarque S.J., apud PLÁ, s/d, p. 82.
513
Ibid., Loc. cit.
514
MARTINS, 2009. p. 253
515
Neste documento escrito entre 1757 e 1776, João Daniel relata o período em que viveu no antigo Estado do
Maranhão e Grão-Pará, entre os anos 1741 e 1757. Ibid., p. 245.
516
MARTINS, Renata Maria de Almeida. ―Uma cartela multicolor: objetos, práticas artísticas dos indígenas e
intercâmbios culturais nas Missões jesuíticas da Amazônia colonial‖. In: Caiana. Revista de Historia del Arte y
Cultura Visual del Centro Argentino de Investigadores de Arte (CAIA).No 8 | Primer semestre 2016, p. 70-84.
Disponível em: <http://caiana.caia.org.ar/template/caiana.php?pag=articles/article_2.php&obj=233&vol=8>
Acesso em 4 abr. 2018.
517
Ibid., loc. cit.
518
MARTINS, Renata Maria de Almeida. Cuias, cachimbos, muiraquitãs: a arqueologia amazônica e as artes do
período colonial ao modernismo. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi. Ciências Humanas, v. 12, n. 2, p.
403-426, maio-ago. 2017. DOI: http://dx.doi.org/10.1590/1981.
139
mercúrio utilizado na produção do vermelhão das pinturas da Capela de São Miguel, bem
como nos altares da igreja de Nossa Senhora do Rosário do Embu, tenha sido importado da
América espanhola, podendo ele ter sido manipulado localmente ou importado já na forma de
pigmento.
De acordo com Gabriela Siracusano, todos os pigmentos identificados nas pinturas
coloniais andinas: vermelhão, azurita, ocre vermelho, malaquita — que também está presente
como secante na pintura da Capela de São Miguel—, eram processados por mãos indígenas
aprendizes em pedras ou tacanas.521 E assim, para os indígenas,
*
Após analisarmos brevemente algumas questões acerca das Missões na América
espanhola, em especial as reduções Guaranis, e a organização das oficinas jesuíticas neste
território, tornam-se mais evidentes as pontes que podem ser estabelecidas entre as artes
521
SIRACUSANO, 2005. p. 157.
522
―las búsquedas experimentales, los conocimientos compartidos con otras prácticas y la presencia de una
tradición indígena ligada al uso de colorantes y pigmentos pueden haber tenido una presencia tal vez no tan
expuesta como la creatividad iconográfica que dio origen a lo que se ha dado en llamar ‗arte mestizo‘, pero
igualmente digna de ser tenida en cuenta para comprender los procesos creadores que intervenían en el ámbito
del taller.‖ [Tradução nossa]. Ibid., p. 161.
523
Ibid. p. 214
524
Ibid. p. 304.
141
dessas Missões, e as artes feitas na região da antiga Vila de São Paulo de Piratininga,
especialmente no aldeamento de São Miguel.
De acordo com os indícios de que dispomos, o uso do vermelhão, ainda que não
integrasse o rol de conhecimentos ancestrais dos índios deste aldeamento — visto que não
existem jazidas de cinábrio no Brasil —,525 era, com efeito, parte integrante de uma rede de
circulação de materiais e técnicas; rede esta alimentada, como vimos, pelo movimento de
mestres e aprendizes entre as missões e as regiões mineiras da América espanhola, bem como
por colonos e as rotas comerciais. Esta circulação permitia, além do suprimento da demanda
por mão-de-obra, o intercâmbio de conhecimentos e de interpretações particulares do fazer
artístico.
Os padrões das pinturas parietais da Capela de São Miguel Arcanjo apresentam
aspectos do estilo português seiscentista, sobretudo, em relação à estrutura e ornamentação
retabular. O modelo nacional-português com desenhos do sol, lua e estrelas, é facilmente
encontrado em Portugal, como por exemplo, na igreja do Espírito Santo do Colégio jesuítico
de Évora, o qual também figuram entalhados os motivos celestes. Estes motivos aparecem em
diversos altares dedicados à Virgem Maria,526 por vezes de forma solta, sem molduras ou
inscrições. Este repertório simbólico dos astros foi largamente usado pela cultura cristã e de
corte em geral, por meio dos livros de emblemas presentes em suas bibliotecas, os quais
carregavam também aspectos moralizantes e didáticos. No caso do retábulo pintado da Capela
de São Miguel, o altar do lado da epístola também apresenta em sua parte interior além do sol,
lua, estrela e nuvens; a pintura do sol como um resplendor, que pode ser relacionado à Jesus
Cristo, segundo a tradição euro cristã, e ao mesmo tempo, às entidades das crenças indígenas,
na visão dos aldeados. O altar do lado do evangelho (que não foi completamente desmontado,
como vimos anteriormente), apresentaria um programa pictórico muito semelhante, também
com motivos celestes dedicado à figura da Virgem, encontrando correspondência com os
emblemas marianos, amplamente adotados em Portugal e na América Portuguesa. 527 A
difusão destes símbolos na Europa e nas Américas, portanto, teria em grande medida se dado
por estes livros, quer pelo ensinamento moral, quer pelas imagens, servindo ou não como
modelos artísticos formais.
525
O mercúrio não é minerado no Brasil, sendo desconhecida a existência de depósitos. Não sendo um produtor
por meio da mineração primária, o Brasil importa toda a quantidade consumida de mercúrio. O cinábrio é
abundante no leste europeu, Espanha, México e Argélia. Fonte: Segurança Química- Mercúrio. BRASIL.
Ministério do Meio Ambiente. Disponível em: http://www.mma.gov.br/perguntasfrequentes?catid=28. Acesso
em: 4 abr. 2018.
526
Os altares do lado do evangelho (lado esquerdo de quem está de frente à entrada da nave) geralmente são
dedicados à imagem da Virgem.
527
Cf. MARTINS, Renata Maria de Almeida. ―Veredas de Luz…‖, (no prelo).
142
528
De acordo com Bailey, o termo ―transculturação‖ tem sido utilizado para acomodar a natureza recíproca do
intercâmbio cultural. ―Transculturation allows influence to run in two directions, each side experiencing partial
loss and partial gain as they forge a new, third culture. Scholars such as TIcio Escobar recognize that such
changes should not be seen as condemnable, nor they destroy ethnic identity - they merely reorganize it, and can
have a reinvigorating effect‖. BAILEY, 2001, p. 22.
143
CAPÍTULO 4
OMISSÃO E MEMÓRIA
529
MIOTTO, Tânia Cristina Bordon. Capela de São Miguel Paulista: O projeto de intervenção como ferramenta
de entendimento das novas linguagens do patrimônio. Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação
em Arquitetura e Urbanismo da Universidade Presbiteriana Mackenzie. São Paulo. 2011.
144
século XX. Contudo, seu uso em São Paulo é justificado indevidamente por parte da
historiografia como expressão da pobreza paulista e seu isolamento que, como já vimos, não
foi absoluto, mesmo nos séculos XVII e XVIII, antes da expansão do café pelo Estado.
Mesmo assim, ao se tratar da Capela de São Miguel, os estudos de arte e arquitetura
realizados até aqui destacam sua condição de ―humildade‖ e ―singeleza‖, se utilizando de
expressões carregadas de pesar.532 Apenas sua construção em taipa, seu alpendre e sua talha
da grade de comunhão eram dignas de nota.
O reconhecimento da Capela de São Miguel, enquanto patrimônio nacional a ser
preservado a nível federal pelo IPHAN no final da década de 1930, teria se dado muito mais
pelo seu valor histórico do que pelo seu valor artístico e arquitetônico. Sobre os primeiros
trabalhos do órgão em São Paulo e o restauro realizado na Capela de São Miguel, será tratado
com maior atenção ao longo deste capítulo, porém achamos conveniente pontuar alguns
aspectos relativos à construção histórica e ideológica diretamente relacionado ao processo de
restauro realizado em São Miguel em 1939. As pesquisas sobre os monumentos a serem
tombados e restaurados, realizadas pela equipe do IPHAN formaram a base da historiografia
da arte e da arquitetura brasileira. Como aponta Lia Mayumi, havia um duplo objetivo:
se opõe à tese de Gilberto Freyre, que atribui a presença do alpendre nas construções
religiosas à uma assimilação das características das casas-grandes.534 Saia levanta a hipótese
de que a presença do alpendre nas capelas, remete a tradição ―que teria vindo para o Brasil já
plenamente desenvolvida, e se teria infiltrado, tanto aqui como na península ibérica, nas zonas
rurais. De fato, já na península ibérica se encontra a capela alpendrada, quer em cidades, quer
nas zonas rurais‖.535 Saia então menciona a existência de um modelo extremamente parecido
com o da Capela de São Miguel com alpendre de uma só água, na província de Salamanca, na
Espanha, infelizmente sem mencionar qual seria.536
Muito já foi discutido sobre a função social do alpendre na arquitetura religiosa. Saia
sugere que, assim como a presença do alpendre nas capelas brasileiras remete a uma solução
ibérica, a sua função também poderia ter se transplantada para cá. Recorrendo ao exemplo da
basílica romana com seu adro inteiramente alpendrado, de acordo com Saia, ―o
aproveitamento desta peça da basílica estava condicionado não só à divisão e separação de
castas, como também a certas características da disciplina eclesiástica da época‖. 537 Assim,
uma razão que justifica a construção do alpendre é a restrição do acesso ao interior do templo
a pessoas de determinadas condições.538 No caso das capelas de propriedades rurais, o
alpendre teria a função de abrigar os escravos, separando-os dos senhores na nave principal.539
Com efeito, o espaço insuficiente da nave, e a necessidade de se abrigar o grande número de
fiéis por ocasião das romarias teria justificado o acréscimo do alpendre nos templos
religiosos, independentemente da influência arquitetônica das casas-grandes.540 Ademais, a
presença de pia batismal móvel, como a da Capela de São Miguel e a da Capela do Sítio Santo
534
―Se a casa-grande absorveu das igrejas e conventos valores e recursos de técnica, também as igrejas
assimilaram caracteres da casa-grande : o copiar, por exemplo. Nada mais interessante que certas igrejas do
interior do Brasil com alpendre na frente ou dos lados como qualquer casa de residência. Conheço várias — em
Pernambuco, na Paraíba, em São Paulo. Bem característica é a de São Roque de Serinhaém. Ainda mais: a
capela do engenho Caieiras, em Sergipe, cuja fisionomia é inteiramente doméstica. E em São Paulo, a igrejinha
de São Miguel, ainda dos tempos coloniais‖. FREYRE, Gilberto. Casa grande & senzala: formação da família
brasileira sob o regime da economia patriarcal. 51. ed. Rio de Janeiro, RJ: Global, 2006. p. 37-38.
535
SAIA, Luís. O Alpendre nas Capelas Brasileiras. In: CAMPOFIORITO, Ítalo (Org.). Revista do Patrimônio.
60 anos: a Revista. Rio de Janeiro: IPHAN, 1997, p. 63. Disponível em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/RevPat26_m.pdf. Acesso em: 30 jan. 2019.
536
―Na província de Salamanca existia (existirá ainda?) uma extremamente parecida com a de São Miguel
(Estado de São Paulo), sobretudo na solução do copiar‖. Ibid., p. 63.
537
Ibid., p. 62.
538
―Os energúmenos, os endemoniados, os que vinha ‗bestemirare Iddio‘ ou invocar dos sacerdotes o exorcismo
libertador, os mendigos, os leprosos e os penitentes ocupavam as diferentes partes do adro. [...] Dentro do
templo, só aqueles que estivessem de bem com Deus e com os padres. Com o tempo, o adro assim disposto foi-
se transformando e diminuindo até a porta se abrir diretamente para a rua‖. Ibid., p. 62-63.
539
Esta mesma hipótese já era levantada por Belmonte: ―A verdade, contudo, é que os alpendres, nas igrejas
como nas Câmaras, tinham, entre outros, um objetivo social, pois serviam para separar os senhores dos servos.
Enquanto aqueles se instalavam dentro do edificio, êstes se amontoavam do lado de fora, sob o telheiro‖.
BELMONTE, [19--], p. 299.
540
SAIA, 1997, p. 67.
147
Antônio em São Roque (SP), pode reforçar tal tese. Como aponta Carlos Gutiérrez Cerqueira
em seu artigo Capelas Rurais Paulistas, a presença de ―recursos móveis‖ que permitem fácil
transporte para fora da capela, como a pia batismal e o confessionário móvel,
541
CERQUEIRA,Carlos Gutierrez. Capelas Rurais Paulistas dos séculos XVII e XVIII. In: Revista da ASBRAP,
n.º 22, 2015, p.81. Disponível em:
http://www.asbrap.org.br/areavip/arquivos/Capelas%20Rurais%20Paulistas%20dos%20s%C3%A9culos%20XV
II%20e%20XVIII.pdf. Acesso em: 30 jan. 2019.
542
SAIA, Luis. Notas sobre a arquitetura rural do segundo século. In: Revista do SPHAN. Rio de Janeiro:
SPHAN, número 8, 1944. p. 211- 275. Disponíve em:
http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/RevPat08.pdf. Acesso em: 31 jan. 2019.
543
MAYUMI, 2008, p. 30.
544
SAIA, 1997, p. 60.
545
MAYUMI, Op. cit., p. 33.
148
546
MAYUMI, 2008., p. 32-33.
547
Ibid., p. 61. A exemplo da introdução de esqueletos de concreto armado e de placas de concreto junto às
paredes de taipa, realizadas pela primeira vez nos restauros da igreja do Rosário e residência anexa do Embu, e
da Capela de São, ambos realizados entre 1939 e 1940.
548
Ibid., p. 35.
549
Nobiliarquia paulistana histórica e genealógica (1769-74).
550
Memórias para a história da Capitania de São Vicente (1797).
149
551
Cf. ABUD, Katia Maria. O sangue intimorato e as nobilíssimas tradições (a construção de um símbolo
paulista: o bandeirante). São Paulo, 1985. Tese de doutorado - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências
Humanas, Universidade de São Paulo.
552
SCHWARCZ. Lilia K. Moritz. Os guardiões da nossa história oficial: os institutos históricos e geográficos
brasileiros. São Paulo, Idesp - Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo, 1989.
553
Sobre as narrativas construída neste período, citamos, novamente, o estudo de Rodrigo Silva. Cf. SILVA,
Rodrigo. Sobre Taipas e textos: um estudo sobre as narrativas a respeito da cidade de São Paulo. São Paulo:
Alameda, 2013.
554
Ao menos nunca encontramos referência alguma sobre estas reformas em nossa bibliografia, as quais sempre
destacam o restauro promovido pelo SPHAN após seu tombamento em 1938. Exceção feita a Leonardo Arroyo,
que a menciona brevemente.
150
Em 23 de março de 1925, o jornal O Estado de São Paulo publicou uma matéria sobre
a ―Egreja [sic] de São Miguel‖, em tom de denúncia sobre o seu estado de ―ruína‖ e
abandono. A matéria cita a existência de
A matéria também cita que os moradores do bairro já haviam comunicado ao IHGSP o estado
o qual a Capela de São Miguel se encontrava, em busca de providências.
De fato, o apelo dos moradores de São Miguel, juntamente com a possível pressão
causada pela matéria publicada n‘O Estado de São Paulo, surtiu efeito positivo, e em 12 de
maio de 1925, uma comissão do IHGSP fez sua primeira visita à Capela de São Miguel, como
consta o relatório datado do dia 20 de maio do mesmo ano.556 Neste relatório, primeiramente
se faz uma breve análise documental e historiográfica sobre a construção da Capela, e em
seguida se relata a visita e suas considerações. Ao adentrarem a Capela, destacava-se o
púlpito à esquerda, o orago sobre o altar-mor e a imagem da ―Senhora de Biacica‖, que teria
sido transferida para São Miguel, ―após o desapparecimento de seu templo‖.557 Sobre a
edificação, segundo o relatório, estaria ainda em bom estado de conservação, com exceção ao
telhado, cujo encaibramento exigia sua substituição com urgência, a fim de evitar seu
desabamento iminente. As paredes externas de taipa de pilão estariam em perfeita
conservação, ―sem indicios de se terem resentido da acção do tempo, mostrando-se capazes
555
EGREJA de São Miguel. O Estado de São Paulo, São Paulo. 23 março de 1925.
556
RIHGSP, v. 23, 1925, p. 302 - 317.
557
RIHGSP, v. 23, 1925. p. 314. Biacica, derivado de ―Imbiacica‖, nome derivado dos termos tupi-guaranis
―imbé‖ e ―cica‖, cipó resinoso da classe dos arum asum, era frequentemente usado como pincel pelos artífices
indígenas. Trata-se da antiga Capela de Nossa Senhora de Biacica da fazenda Biacica, edificada por volta de
1687, nas terras que foram de Domingos de Góes (sesmarias em 1610), e que também pertenceram a Lopo Dias,
e transferidas aos religiosos Carmelitas em 1621; hoje correspondente à área do Itaim Paulista. Na verdade, a
Capela de Biacica não havia desaparecido, assim como não desapareceu ainda hoje. Como consta da posterior
visita feita pela Comissão do IHGSP em junho de 1925 após a contestação feita por um dos proprietários da
fazenda naquela época, Dr. Estanislau Camargo Seabra, em vista da publicação do relatório da visita da
Comissão do IHGSP à Capela de São Miguel na edição de 23 de maio de 1925 do jornal O Estado de São Paulo.
Em sua réplica, Estanislau Seabra esclarece que havia intenção de restaurar a Capela da fazenda Biacica,
preservando seu altar e sino, que eram antigos, e que havia sinais de uma sepultura no solo da capela. Cf.
RIHGSP, v. 23, 1925, p. 321-327. Em 2017, a fazenda Biacica e sua capela estavam em processo de restauro
para integrar o Parque Várzeas do Tietê, localizado no Jardim Helena, na região do Itaim Paulista, zona leste de
São Paulo. De acordo com o Departamento de Águas e Energia Elétrica (DAEE), este seria o maior parque linear
do mundo, com 75 quilômetros de extensão e 107 quilômetros quadrados de área. O núcleo Itaim Biacica foi
entregue à população em abril de 2018. Fonte:
http://www.daee.sp.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=370:parque-varzeas-do-tiete-o-
maior-parque-linear-do-mundo. Acesso em: 11 fev. 2019.
151
de, incolumes, atravessarem mais tres seculos‖.558 O alpendre também ganhou destaque: ―A
varanda que lhe occupa a frontaria, com suas columnas de supporte e balaustrada toscamente
trabalhadas, com os seus bancos de terra apiloada que a transforma verdadeiramente em
parlatorio, completa-lhe aquella feição architectonica‖.559 Desse modo, o relatório conclui
que, procedendo uma série de reparos evidentemente necessários, estaria garantida sua
preservação contra a devastação do tempo. Ressalta-se a necessidade de se respeitar o ―estilo
primitivo‖ da construção, e de ―um trabalho methodico e intelligente de polimento em
satisfacção aos preceitos da esthetica, das obras de carpintaria; supprimindo, o quanto
necessario, a falta de habilidade dos humiildes artifices guayanás [...]‖.560A exaltação da dita
―falta de habilidade‖ dos artífices indígenas manifesta nas obras de carpintaria da Capela de
São Miguel, demonstra o desdém dos membros do IHGSP pelas manifestações artísticas
mestiças, tidas como inferiores. Assim, podemos questionar se houve alguma intervenção, por
exemplo, na grade de comunhão da capela, visto que os balaústres aparentam ser peças mais
modernas do que as cariátides, como expomos no Capítulo 3.
Em 30 de outubro de 1926, foi realizada uma reunião, cuja ata foi publicada no jornal
Correio Paulistano do dia 3 de Novembro do mesmo ano.561 Entre os muitos presentes nesta
reunião, destacamos: o padre Nicolau Simon, vigário de São Miguel; Julio Rodrigues, redator
do jornal O Estado de São Paulo; Affonso A. de Freitas, presidente do IHGSP; Affonso
d‘Escragnole Taunay, diretor do Museu Paulista; o arquiteto Ricardo Severo; o pintor Wasth
Rodrigues; e Ismael Bresser,562 o encarregado de empreender as obras da Capela de São
Miguel. Naquela época, a Capela servia de matriz da paróquia de São Miguel, assim, Bresser
destacou a necessidade de se fazer uma audiência com o arcebispo metropolitano, d. Duarte
Leopoldo, com que todos concordaram.
Em relação à obra a ser empreendida na Capela, Bresser acrescentou que já havia
―trocado ideias‖ com o arquiteto Ricardo Severo, que tomou a seu cargo o projeto da obra, e
também com o pintor Wasth Rodrigues, que prometeu auxiliar em relação à sua competência
artística para a obra projetada. Manuel Lopes, um morador do bairro, cedeu uma faixa de
terreno de sua propriedade, ―para fins de isolar os muros da egreja de futura construcção,
558
RIHGSP v. 23. 1925. p. 316.
559
Ibid., loc.cit.
560
Ibid., loc.cit.
561
CAPELLA de S. Miguel - Restauração do historico templo que evoca saudosas recordações. Correio
Paulistano. São Paulo. Edição 22732. 3 novembro 1926. p. 6.
562
Ismael Bresser era médico e católico fervoroso. Sua família é de uma linhagem rica e influente na cidade de
São Paulo, cujo avô, Carlos Abrão Bresser era engenheiro, e veio da Alemanha em 1838 a convite de d. Pedro I.
ver: BRESSER, Diva; UNZELTE, Celso. A Família Bresser na História de São Paulo. São Paulo: Editora
Saraiva. 2003.
152
como tambem o mesmo sr. se promptificou a offerecer toda a ajuda que for necessaria ás
obras a realizar-se‖.563 Todo o texto é carregado de adjetivações exaltando o patriotismo e o
heroísmo daqueles que se dispuseram a participar direta ou indiretamente desta empreitada. É
importante observamos este aspecto, pois também nos revela como se deu a construção de
uma noção de patrimônio naquele período em que ainda se engatinhava em relação às
políticas patrimoniais, que só seriam institucionalmente definidas uma década mais tarde, com
o Estado Novo de Getúlio Vargas e a criação do IPHAN, como veremos mais adiante.
No dia 25 de Novembro de 1926, é publicado na edição 22755 do Correio Paulistano,
o Parecer das comissões de Finanças, Obras e Justiça, favorável à aprovação de verba da
Prefeitura Municipal de São Paulo, para a reforma da Capela de São Miguel. 564 Não temos
mais informações detalhadas sobre como teria corrido todo o processo das obras executadas
na Capela de São Miguel, no entanto, sabemos que a proposta para a execução das obras
deveria seguir as linhas características de sua arquitetura, cujos ―trabalhos de consolidação a
se procederem deveriam de se revestir essencialmente do caracter de uma severa
reconstituição histórica‖,565 e que seriam iniciadas após aprovação e acordo com o arcebispo
metropolitano D. Duarte Leopoldo.
Em junho do ano seguinte, as obras já estariam concluídas, conforme o parecer da
Comissão do IHGSP de 6 de junho de 1927.566 Este parecer nos revela quais trabalhos foram
realizados na Capela de São Miguel:
563
CAPELLA de S. Miguel - Restauração do historico templo que evoca saudosas recordações. Correio
Paulistano. São Paulo. Edição 22732. 3 novembro 1926. p. 6.
564
PARECER N. SS das Comissões Reunidas de Justiça e Finanças. Correio Paulistano, São Paulo, n. 22755. 25
novembro 1926, p. 9.
565
RIHGSP, v. 34. p. 744.
566
Ibid., p. 742-745.
567
Ibid., Loc. cit.
153
O Parecer ainda destaca que ―[...] a comissão tem o summo prazer de assignalar o
escrupulo, o criterio com que o sr. dr. Ismael Bresser está levando a termo a restauração do
templo guayaná sem lhe alterar uma linha siquer da sua feição architectonica primitiva‖. 568
Este aspecto também é exaltado no pequeno artigo escrito por Affonso E. Taunay, publicado
na edição 22924 do dia 4 de junho de 1927 no jornal Correio Paulistano, destacando-se,
novamente, um discurso de exaltação nacionalista.569
Assim, sabemos que, nesta obra chamada de ―Restituição‖ pela Comissão do IHGSP,
a maior preocupação teria sido com os aspectos estruturais da Capela de São Miguel,
sobretudo o telhado e as taipas. Contrariando o primeiro relatório feito pela Comissão, o qual
dizia que as paredes de taipa se encontravam em perfeito estado, o relatório final revela que as
paredes foram inteiramente revestidas e reforçadas com alvenaria de tijolos, como será
constatado pouco mais de uma década depois, no restauro feito pelo então SPHAN
coordenado por Luis Saia. Não sabemos se nesta obra de ―Restituição‖ houve alguma
preocupação em relação aos retábulos, apesar de se afirmar que ―as obras de talhe executadas
pela arte incipiente dos primitivos aldeados foram respeitadas religiosamente‖.570 No entanto,
como podemos constar após a recente descoberta das pinturas parietais, o encamisamento de
tijolos feito na parede sob as pinturas teria encoberto a parte do seu coroamento. Embora não
possamos afirmar o conhecimento destas pinturas pelos responsáveis pela obra de
―Restituição‖, é pouco provável que elas não tenham sido vistas, em razão da provável
remoção dos altares laterais, exigidos para a execução do encamisamento de tijolos
encontrado acima das pinturas.
Desta forma, as consequências da execução da dita obra de ―Restituição‖ foram
constatadas anos mais tarde, no restauro coordenado por Luis Saia, que encontrará diversos
problemas decorrentes desta reforma. Contudo, é preciso termos em conta que as primeiras
cartas patrimoniais, as Cartas de Atenas, foram redigidas apenas no início da década de
1930,571. Portanto, à época desta obra de ―Restituição‖, ainda não haviam diretrizes
568
RIHGSP, v. 34, p. 745.
569
―Está salvo, consolidado para muitos annos, restaurado e sobretudo não desfigurado, o que é essencial. Acha-
se integro [...]. Com notável critério e singular modestia procurou o dr. Bresser apoiar-se nos conselhos dos
profissionaes e dos tradicionalistas ferventes e eruditos, á primeira linha dos quaes se acha J. Wasth Rodrigues,
com seu senso profundo das nossas velhas cousas. [...] E assim se apruma novamente o igrejó do Archanjo. Não
é architectonicamente bonito, mas é formidavelmente paulista! É formidavelmente brasileiro! Para nós que
mais?‖. TAUNAY, Affonso d‘Escragnole. A igreja de S. Miguel restaurada. Correio Paulistano, São Paulo, n.
22924. 4 junho 1927, p.4.
570
RIHGSP, v. 34. p. 745.
571
A primeira, em 1931, e a segunda em 1933, redigidas em Atenas após a reunião de especialistas da área de
preservação, organizada pela Sociedade das Nações, para discutir a questão da preservação no âmbito mundial, e
determinar algumas normas para a preservação e restauro dos patrimônios históricos e artísticos.
154
572
GONÇALVES, Cristiane Souza. Restauração Arquitetônica: a experiência do SPHAN em São Paulo, 1937-
1975. São Paulo: Annablume; Fapesp, 2007. p.26.
573
―A primeira fase da repartição é frequentemente referida como a fase ‗heróica‘. ‗Heróica‘ por conta do
‗romantismo‘ das viagens para desvendar a realidade brasileira tão exótica e desconhecida no próprio país; pela
escassez de recursos e número de funcionários para a hercúlea tarefa de classificar e tomar conta dos bens em
todo o território nacional. [...]‖ CAVALCANTI (1996:114). apud GONÇALVES, op.cit, p. 37 (nota 11).
574
GONÇALVES, op.cit., p. 37.
575
―[...] entre eles a Igreja de São Miguel, em São Paulo; a Capela de Santo Antônio, em São Roque; a Matriz de
São Luis do paraitinga e a de Santana do Parnaíba; a Capela do Pilar, em taubaté [...]‖. GONÇALVES p. 53.
155
Nesta carta, ficam evidentes os critérios que passariam a ser adotados pelo IPHAN
naquela época em São Paulo: prezar pela historicidade do monumento, mais do que pela sua
beleza e estética. No Primeiro Relatório enviado ao diretor nacional do IPHAN, Rodrigo
Melo Franco de Andrade em 16 de outubro de 1937, Mário de Andrade inclui, juntamente
com a documentação fotográfica e ensaio de ficha de tombamento, a lista dos monumentos
significativos do Estado de São Paulo, entre os quais figuram a Capela de São Miguel,
visitada por Mário de Andrade e equipe em setembro do mesmo ano. A Capela é descrita
como ―uma das relíquias históricas do Estado‖ e
576
GONÇALVES, 2007. p. 52-53.
577
TIRAPELI, 2003. p.19.
578
ANDRADE, Mário de. Mário de Andrade: Cartas de trabalho : correspondência com Rodrigo Mello Franco
de Andrade (1936-1945). Rio de Janeiro, RJ: MEC ; SPHAN.
579
Ibid., p.69.
156
reformada em 1927, reforçando-se lhe a taipa com uma esteira de lajes de Itu.
Já não se poderá dizer o mesmo quanto à pintura interna, que foi desastrosa.
[...] Situada na localidade de S. Miguel, à beira da estrada de rodagem Rio - S.
Paulo, esta igrejinha valiosíssima sofreu recentemente a perda duma cômoda
antiquíssima e da porta entalhada da sacristia, vendidas pelo padre que dela
tomava conta. Esta igreja já foi fotografada por este Serviço. Envia-se como
anexo (foto nº 1) apenas o entalhe da mesa de comunhão que bem prova sua
antiguidade. [...] Ve-se-á na foto da fachada a data de 1622.580
Figura 40- Detalhe de uma das cariátides da grade de comunhão, fotografadas durante o trabalho de restauro.
Fonte: Arquivo Fotográfico- IPHAN/SP
580
ANDRADE, p. 82.
581
Ibid., p.80
157
O tombamento da Capela de São Miguel foi efetivado em 1938 582, inscrito nos livros
do tombo histórico e de belas-artes. Assim como a igreja do Rosário e residência anexa do
Embu, os primeiros bens tombados em São Paulo, o restauro de ambas se iniciou no ano
seguinte.
Sob a coordenação do engenheiro-arquiteto Luís Saia, o primeiro restauro da Capela
de São Miguel realizado pelo IPHAN teria sido dividida em duas etapas distintas. A primeira,
entre os anos de 1939 e 1941, teria buscado reconstituir minuciosamente as características
primitivas da capela, que se encontrava em péssimo estado de preservação e descaracterizada
pelas intervenções ocorridas nos dois séculos anteriores. A segunda etapa do restauro, entre os
anos de 1958 e 1961, concentrou-se na área circundante do bem tombado, realizando-se o
desvio da antiga estrada de rodagem Rio - São Paulo, assim como a realização de um trabalho
paisagístico na praça Padre Aleixo Monteiro Mafra, onde se situa a Capela, com a remoção de
construções contíguas à edificação.583 Por considerarmos mais relevante para o nosso estudo,
vamos nos ater, à primeira etapa.
Figura 41- Aspecto da fachada da Capela de São Miguel antes do início dos trabalhos de restauro realizado
pelo IPHAN. Foto: Germano Graeser, nov. 1937. Fonte: Arquivo Fotográfico- IPHAN/SP.
582
Processo n. 0180-T-38. Arquivo central do IPHAN (ANS/RJ).
583
GONÇALVES, 2007, p. 69.
158
Luís Saia e Mário de Andrade — este enquanto responsável pelo direcionamento das equipes
nas pesquisas de campo e nas pesquisas documentais —, atentaram-se à necessária leitura das
técnicas construtivas, e dados transmitidos pelo próprio vigário responsável pela Capela, e em
observações colhidas no local,584 registros orais de antigos moradores do bairro, além da
investigação das características técnicas e estilísticas da construção e seu ornamentos para
chegar aos traços primitivos, dada a falta de documentação precisa e fontes iconográficas em
relação à Capela de São Miguel. Contudo, Gonçalves aponta uma fonte iconográfica
significativa, encontrada por Luis Saia: a aquarela do pintor austríaco Thomas Ender, que
teria percorrido terras paulistas por volta de 1817, ―retratando a igreja de São Miguel com
uma torre, alpendre frontal com pilares de bases salientes, e corpo lateral com pequenas
aberturas retangulares.585 É observada a estranha proporção de alguns elementos, como a
presença de torre contígua à nave principal e alpendre frontal deslocado, consideravelmente
distintos da situação real encontrada. Gonçalves acredita que esta aquarela tenha sido o único
documento iconográfico de apoio às análises preliminares, no entanto, como afirma Luis Saia,
reservas são necessárias, ―pois ‗muitos desses desenhos e gravuras [eram] compostos na
Europa, com base em indicações e notas colhidas in loco‘ (SAIA, 1995: 19), o que parece ser
o caso desta aquarela, dadas as imprecisões encontradas‖.586
Figura 42- Detalhe da aquarela de Thomas Ender, que supostamente representa a Capela de São Miguel Arcanjo.
Fonte: Viagem ao Brasil – Rio de Janeiro e São Paulo nas aquarelas de Thomas Ender, 1817-1818, 2003
584
GONÇALVES, 2007, p. 67.
585
Ibid., p. 73.
586
GONÇALVES, 2007, p. 73.
159
587
GONÇALVES, 2007, p.98.
588
MAYUMI, 2008, p. 67.
160
Figura 44- Encamisamento de tijolos por toda a nave Figura 45- Porta da capela lateral. Notar o
da Capela-mor. Notar que o púlpito ficara encaixado encamisamento de tijolos de alvenaria. Foto: SPHAN,
na camisa de tijolos, que foi retirada nos trabalhos de 4. dez. 1939. Fonte: Arquivo Fotográfico- IPHAN/SP.
restauro. Fonte: Arquivo Fotográfico- IPHAN/SP.
Constatados estes resultados no altar-mor, foi feita a prospecção nos altares laterais da
nave e no altar da sacristia. Na carta de 1 de abril de 1940, direcionada a Rodrigo Mello
Franco de Andrade, Saia levanta a questão e pede a opinião do Diretor do IPHAN sobre qual
critério adotar em relação aos altares: conservar ou restaurar?
589
SAIA, Luis. [Correspondência]. Destinatário: Rodrigo Mello Franco de Andrade. São Paulo, 1 abr. 1940. f. 1.
Arquivo- IPHAN/SP. O que Luis Saia chama de ―panos‖, na verdade se trata dos desenhos fitomórficos dos
brutescos.
162
590
SAIA, Luis. [Correspondência]. Destinatário: Rodrigo Mello Franco de Andrade. São Paulo, 1 abr. 1940. f. 3.
Arquivo- IPHAN/SP.
591
SAIA, Luis. [Correspondência]. Destinatário: Rodrigo Mello Franco de Andrade. São Paulo, 26 maio 1940. 2
f. Arquivo - IPHAN/SP.
163
Figura 48- Detalhe da grade de comunhão e aspecto do altar-mor e altar lateral lado
da epístola. Foto: Germano Graeser, out. 1939. Fonte: Arquivo fotográfico- IPHAN/SP.
Figura 49- Aspecto da fachada da Capela de São Miguel após os trabalhos de restauro.
Foto: Germano Graeser, set. 1940. Fonte: Arquivo fotográfico- IPHAN/ SP.
constatadas ao longo do século XX. Portanto, é possível que muito mais deva ter sido
espoliado entre o final do século XVIII e início do XX.
Na edição de 11 de junho de 1937 do jornal O Estado de São Paulo, Paulo Duarte,
deputado pelo Estado de São Paulo àquela época, publicou um artigo intitulado ―Contra o
Vandalismo e o Extermínio‖,592 em que relata uma série de visitas feitas juntamente com
Mário de Andrade a localidades da região paulista, em busca de monumentos históricos.593
Neste artigo, Paulo Duarte relata sua visita, lamenta e denuncia o estado deplorável o qual se
encontravam diversos monumentos paulistas tais como Carapicuíba, Itapecerica, São Roque,
Mboy e São Miguel:
Fomos a Mboy e a São Miguel e, nesses velhos lugares, não fizemos outra
coisa senão engrossar a nossa desilusão. Iamos mais ou menos maguados,
desde Carapicuiba velha, onde, para chegar, nem geito existe, tal mau estado
do caminho estreito que liga o antigo aldeamento á estrada de Cotia. O
quadrado do casario, sempre o mesmo das antigas aldeias que necessitavam
defender-se contra o indio, a mór parte em ruina ou devastado [...].594
De acordo com Paulo Duarte, ―o mau espirito destruidor que paira sobre os nosssos
pobres monumentos historicos‖,595 também não teria poupado a Capela de São Miguel.
Duarte então denuncia o ―atentado‖ e a ―mutilação‖ que a Capela teria sofrido:
a porta da sacristia, uma pesada porta de coice, toda ela trabalhada a mão,
documento da tôsca, ingênua, suave, deliciosa escultura antiga; uma grande
commoda em que, em mil seiscentos e poucos, se guardavam os paramentos
dos jesuítas; dos capuchos, depois de mil e setecentos e guardam, desde o
século XVII, um pouco da tradição paulista, também esta velha commoda de
madeira de lei, trabalhada, juntamente com a enorme porta da sacristia e
mais ainda um precioso sacrário da igreja, acabam de ser vendidos [...].596
592
DUARTE, Paulo. Contra o Vandalismo e o Extermínio. O Estado de São Paulo, São Paulo, 11 junho 1937. p.
5. Após a publicação deste artigo que também serviu de manifesto, se seguiram uma série de escritos de apoio
por parte de personalidades como Mário de Andrade, Oswald de Andrade, Affonso d‘Escragnole Taunay,
igualmente publicados no jornal O Estado de São Paulo sob o mesmo ―título-manifesto‖, ao longo do ano de
1937. Tal campanha teria sido assumida posteriormente pelo IHGSP, e os textos foram reunidos e publicados no
ano seguinte pelo Departamento de Cultura de São Paulo.
593
Mário de Andrade havia sido recentemente nomeado delegado em São Paulo para o tombamento de
monumentos históricos pelo Ministério da Educação. Assim, Mário de Andrade convidou Paulo Duarte naquela
ocasião para acompanhá-lo na viagem, com o objetivo de encontrar e inventariar alguns monumentos para serem
posteriormente tombados.
594
DUARTE, Paulo. Contra o Vandalismo e o Extermínio. O Estado de São Paulo, São Paulo, 11 junho 1937. p.
5.
595
Ibid., loc.cit.
596
Ibid., loc.cit.
165
Segundo informações dos moradores, estes objetos teriam sido vendidos pelo próprio
vigário da paróquia de São Miguel, que era um padre estrangeiro. Além disso, Duarte também
relata ter encontrado na Capela imagens antigas ―quebradas, amontoadas, cobertas de pó e de
sujeira, debaixo de um movel qualquer a um canto da sacristia!‖.597 Mais do que um caso de
desleixo, para Duarte, este era um ―caso de polícia‖ cujas providências deveriam ser tomadas,
cobrando, inclusive, um posicionamento do arcebispo metropolitano de São Paulo. Ademais,
era necessário o reconhecimento por parte dos paulistas, da importância daquele patrimônio:
―Aqueles pedaços magnificos da capela de São Miguel não pertenciam ao padre que os teria
vendido, porque a igreja histórica, com todas as suas minucias, não é propriedade de ninguem,
é patrimonio de São Paulo‖.598
Leonardo Arroyo em sua obra sobre as Igrejas Paulistas, narra o desfecho deste
episódio: o então superior dos padres de São Miguel, enviou uma carta à Paulo Duarte
justificando a venda, e revelando que os padres teriam previamente consultado várias pessoas
daquela paróquia, ―que acharam até ser um benefício vender êsses objetos para substituí-los
por melhores‖,599 visto que a casa paroquial se encontrava arruinada e precisando de dinheiro
para se manter. O superior também teria tentado recuperar tais objetos, porém foram
informados que o aquisitor destes objetos, o Dr. Leven Vampré, ―tinha o fito de restituí-los a
São Miguel‖,600 o que foi feito, segundo Arroyo.
Apesar do feliz desfecho, nesta conjuntura de meados do século XX, quando a
construção de uma identidade nacional, bem como de políticas patrimoniais, ainda estavam
sendo definidas, os objetos da Capela de São Miguel continuaram sendo alvo de espoliação.
Ainda que a intenção fosse das melhores, em 1939, o IHGSP — um dos órgãos cujo dever era
o de zelar pelo patrimônio cultural —, doou diversas peças da Capela de São Miguel para o
Museu da Cúria Metropolitana, como consta do ofício:
597
DUARTE, Paulo. Contra o Vandalismo e o Extermínio. O Estado de São Paulo, São Paulo, 11 junho 1937. p.
5.
598
Ibid., loc.cit.
599
DUARTE, Paulo. Contra o vandalismo e o extermínio. São Paulo: Departamento de Cultura de São Paulo,
1938. p. 21. apud ARROYO, 1966, p. 51.
600
Ibid., loc.cit.
166
601
DOAÇÃO feita á Curia Metropolitana. Correio Paulistano, São Paulo, n. 25665, 4 novembro 1939. Instituto
Histórico e Geographico de São Paulo, p. 9.
602
SAIA, Luis. [Correspondência]. Destinatário: Rodrigo Mello Franco de Andrade. São Paulo, 12 out. 1939. 2
f. Arquivo-IPHAN/ SP.
603
VISITA ao Sr. Arcebispo Metropolitano. Correio Paulistano, São Paulo, n. 25681, 23 novembro 1939.
Instituto Historico e Geographico de São Paulo, p. 12. Disponível em:
http://memoria.bn.br/docreader/090972_08/31776. Acesso em: 31 jan 2019.
167
Miguel, certamente nem todos foram devolvidos ao seu local de origem, haja vista o toalheiro
de talha ainda hoje exposto no Museu de Arte Sacra de São Paulo.604
No primeiro relatório feito pelo IHGSP referente à primeira visita feita pela Comissão
do Instituto em maio de 1925, é mencionada a perda e questionado o paradeiro de um antigo
missal que teria sido doado à Capela de São Miguel em 1622, e que ainda seria usado até
alguns anos antes. No lugar deste antigo missal do do século XVII, estaria um exemplar de
uma edição de 1775 do Missale Romanum, ―vulgaríssima‖.605 Ao que constatamos, hoje a
Capela de São Miguel não possui este missal do século XVIII, sendo possível que esta peça
tenha sido doada para a Cúria, vendida ou furtada em algum momento anterior, ou tenha sido
guardado por algum responsável pela Capela.
Dos objetos que restaram na Capela de São Miguel, quatro imagens antigas sofreram
danos — alguns irreparáveis —, na ocasião de um ato de vandalismo. Em 23 junho de 1952,
uma pessoa não identificada adentrou a Capela e atirou as imagens e alfaias ao chão. O fato
foi comunicado à polícia local e ao IPHAN, que por sua vez fez a vistoria e recolhimento de
informações e documentação. As imagens danificadas foram: um São Miguel em terracota e
tecido masseado, um São Francisco em madeira, uma N. Sra. da Piedade em terracota, e uma
N. Sra. da Conceição, também em terracota. Estas duas últimas foram as mais danificadas, e,
visto que a possibilidade de recuperação destas imagens era apenas parcial, Luis Saia
aconselhou o recolhimento destas imagens no Museu da Cúria, ou na própria Capela de São
Miguel, ficando fora do uso religioso.606 Após este fatídico episódio, as imagens da Capela de
de São Miguel, danificadas ou não, foram todas transferidas para o depósito do IPHAN de
São Paulo, e lá permaneceram aguardando a oportunidade de serem restauradas e enfim
restituídas ao seu local de origem. Apenas no último trabalho de restauro realizado elas
finalmente foram restauradas, restituídas e integradas ao circuito museal da Capela de São
Miguel.
604
Infelizmente, não conseguimos ter acesso à documentação do Museu de Arte Sacra de São Paulo, e nem da
Cúria Metropolitana de São Paulo.
605
RIHGSP, v. 23, p. 315-316.
606
SAIA, Luis. [Correspondência]. Destinatário: Rodrigo Mello Franco de Andrade. Danificação do [sic]
imagens na capela de S. Miguel. São Paulo 17 jul. 1952. 1 f. Arquivo - IPHAN/SP
168
Figura 50- Porta-toalhas de sacristia, procedentes da Capela de São Miguel Arcanjo, hoje no acervo
do Museu de Arte Sacra de São Paulo. Madeira, barro e ferro, século XVIII (atribuição). Foto: Thais
Montanari, jun. 2017.
O restauro de 2006-2010
Em 2006, se iniciou um novo trabalho de restauro na Capela de São Miguel,
promovido pela Diocese de São Miguel Paulista e pela Associação Cultural Beato José de
Anchieta (ACBJA). Além da salvaguarda do Bem, de acordo com Tânia Miotto,607 este
trabalho tinha como objetivo, ―a reinserção do Monumento no cotidiano da cidade, na
expectativa de gerar usos diários‖,608 por meio da implementação de um projeto
museográfico, como veremos com vagar mais adiante. Este último trabalho de restauro foi de
grande importância pelos dados materiais encontrados que atestam a antiguidade e o valor da
edificação, e também por revelar diversos elementos artísticos e ornamentais que por muitos
séculos haviam permanecido escondidos, a exemplo das pinturas parietais encontradas na
nave principal embaixo dos altares laterais em madeira, além de vestígios de policromia por
toda a igreja, levantando a hipótese de que a Capela deve ter sido originalmente inteira
pintada.
Foram realizadas prospecções arqueológicas precedentes ao início do restauro,
traçando o perfil histórico-arqueológico da Capela e seu entorno. Tal trabalho não tinha como
objetivo a ―escavação exaustiva do sítio, mas apenas prospecções orientadas‖,609 buscando ―as
relações entre o espaço construído e seu uso, com base no refugo coletado no interior e nas
adjacências do imóvel‖,610 e também para avaliar seu potencial arqueológico de estudo. Foi
então realizada a estratigrafia de pisos existentes sob o piso de varvito, e avaliado o grau de
preservação da matriz arqueológica, dadas as intervenções sofridas nas diversas reformas e
607
Uma das arquitetas responsáveis pelo projeto de restauro realizado.
608
MIOTTO, 2011, p. 181.
609
JULIANI, Lúcia, 2007. p. 6
610
Ibid., loc.cit.
169
restauros anteriores. Esta pesquisa arqueológica possibilitou o exame das características das
antigas reformas e restaurações executadas anteriormente, bem como os estudos dos costumes
e culturas dos agentes sociais que ali viveram em diferentes épocas, por meio dos fragmentos
materiais, com base nas fontes primárias que orientaram a pesquisa preliminar.611
Em relação aos resultados obtidos das prospecções arqueológicas, é afirmado que o
sítio apresenta alto potencial científico, posto que o solo apresentou uma boa capacidade de
preservação de vestígios arqueológicos. Foram encontrados sepultamentos na sacristia,
apresentando bom estado de conservação, e também na capela lateral. 612 Também foram
encontrados objetos cerâmicos de uso utilitário doméstico, especialmente na área externa, no
entorno imediato da Capela. Reafirmamos a importância e a pertinência destes estudos
arqueológicos para analisarmos as relações de trocas culturais no contexto do aldeamento de
São Miguel, apesar das dificuldades em se determinar as dinâmicas das redes de distribuição,
troca e/ou comércio no contexto paulista, haja vista a insuficiência de informações que
permitam distinguir estas redes com clareza.613
Todo o material arqueológico coletado durante as prospecções, passaram por curadoria
(lavagem, numeração, separação por tipologia de material) e análise. 614 Cada peça teria sua
ficha de códigos numéricos com as seguintes informações: número da peça, localização, nível,
tamanho, tipo de material, técnica e construção, queima, sinais de uso, decoração, etc.;
visando a construção de um banco de dados para as análises quantitativas posteriores. Após a
limpeza e numeração, os fragmentos de cerâmica indígena coletados foram separados em
categorias. As peças consideradas ―diagnósticas‖, tais como bordas, bases, fragmentos
decorados, entre outros, foram agrupadas por semelhanças, como a presença de engobo
(vermelho, branco ou ausente); coloração das peças; tipo de queima; outras formas e
decorações plásticas. Já os materiais de louça foram separadas em categorias: faiança, 615
611
―Foram consultados os cadernos de campo do arquiteto Luís Saia, sua correspondência com detalhes de
orçamentos e do andamento da obra, e o arquivo da Cúria Metropolitana‖. Ibid., p. 8.
612
O encontro de sepultamentos na Capela de São Miguel já eram esperados, visto que alguns constavam na
documentação analisada pela equipe de arqueólogos.
613
ZANETTINI, Paulo Eduardo. Maloqueiros e seus palácios de barro: o cotidiano doméstico na Casa
Bandeirista. Tese (Doutorado em Arqueologia) - Museu de Arqueologia e Etnologia, Universidade de São Paulo,
São Paulo, 2006. p. 249.
614
JULIANI, Op. cit., p. 124.
615
―A faiança pode ser considerada como uma cerâmica vitrificada, elaborada a partir da combinação de seis
pares de argila plástica (barro) e quatro partes de cálcio (caulim). Numa primeira etapa a peça é confeccionada
em torno e levada ao forno para uma primeira fase de vitrificação com banho de sal marinho e areia. Após essa
queima, a peça recebe decoração e um banho a base de óxido de estanho ou chumbo e retorna ao forno para o
cozimento que vai ressaltar a cor branca do vitrificado‖. JULIANI, 2003, p.119. apud JULIANI, 2007, p. 165.
170
faiança fina,616 porcelana617 e grés618. Dentro destas categorias, também foi selecionado
material diagnóstico, de acordo com características como pasta, esmalte, técnica decorativa,
cor, motivo, fabricante e datas de produção.619 As peças de louça, especialmente, revelam sua
origem diversa, com a identificação de fabricantes nacionais, inglesas, francesas e
holandesas,620 datadas, em sua maioria, dos séculos XIX e XX. Já as peças de cerâmica
indígena, seriam as mais antigas, entre os séculos XVII e XIX, predominando peças com
engobo vermelho e branco. No entanto, estas peças necessitam de um estudo mais
aprofundado.
Em conclusão aos trabalhos arqueológicos, foi levantada a hipótese de que o sítio
encontrado na área da Capela de São Miguel abrange uma área ainda maior, tendo em vista
que, de acordo com a bibliografia e a documentação primária consultada, o aldeamento
ocupava uma área de 6 léguas quadradas. Desse modo, é possível que haja objetos
subsistentes do sítio sob as construções de grande parte do bairro. Os materiais arqueológicos
coletados apresentam duas datações bem definidas: a mais antiga, dos séculos XVII e XVIII,
relacionadas ao aldeamento; e a segunda, variando entre o final do século XIX e início do
XX, relacionado ao casario que existia no entorno imediato da Capela.621 Como cada cômodo
da Capela apresentou diferenças na formatação do piso, cada local deveria ser analisado
separadamente, para a escolha dos procedimentos a serem realizados da forma mais
conveniente. Recomendou-se, portanto, que nenhuma intervenção deveria ser executada no
piso da capela, de modo a colocar em risco ou destruir o contexto de deposição preservado.622
616
―A faiança fina é uma louça branca com pasta permeável, porosa, opaca, de textura granular e quebra
irregular que, para se tornar impermeável, é coberta com um esmalte. Frequentemente apresenta decoração
aplicada, sob ou sobre o esmalte (JULIANI, 2003). Segundo Brancante (1981), a faiança fina surgiu do ‗esforço
dos oleiros ingleses na busca de novos processos para substituir a faiança clássica e alcançar a porcelana no
Ocidente‘‖. JULIANI, op.cit.. p. 168.
617
―A porcelana é uma louça branca, vitrificada e translúcida que foi descoberta na China durante a dinastia
Tang (618-906 d.C.) (JULIANI, 2003; SYMANSKI, 1998) e foi amplamente difundida no mercado europeu a
partir do séc. XVI. Chegando ao Brasil por intermédio dos colonizadores‖. Ibid., p. 175.
618
―No Brasil o grés é conhecido a partir do contato com o colonizador e, como o restante dos produtos
europeus, tem sua importação intensificada com a política de abertura dos portos e a posterior vinda da família
real para o Brasil, no início do século XIX. Inseridos em um universo material diverso e numeroso que foi
despejado no Brasil em tal período, os artigos em grés vinham da Alemanha e Holanda e tinham como finalidade
o armazenamento de cerveja, vinho, azeite, tinta, etc, com predominância do primeiro‖. Ibid., p. 179.
619
Ibid;, p. 164; ―As tintas usadas para a decoração têm as seguintes características: o azul – obtido do óxido de
cobalto; o vinhoso através de óxido de manganês; o verde, a partir do óxido de cobre; o vermelho, a partir do
óxido de ferro e o amarelo, a partir do óxido de antimônio‖ ALBUQUERQUE, 2001, p.23. apud JULIANI
op.cit., p. 165.
620
JULIANI, op.cit., p. 173.
621
JULIANI, 2007, p. 201.
622
Ibid., loc.cit.
171
624
MIOTTO, 2011, p. 114.
625
CARRILHO, Marcos (Arquiteto). [Correspondência]. Destinatário: Victor Hugo Mori (Superintendente
Regional). São Paulo, 20 maio. 2008. 2 f. Arquivo -IPHAN/SP.
173
―o resultado final foram pinturas figurativas, sombreamentos que permitiram ao olho humano
recuperar formatos, na sua cor, sem a informação por inteiro‖.626 Verificou-se outros
elementos com a presença de policromia oculta por sobrepintura, a saber: as mesas dos
altares, a grade de comunhão, a pia batismal e o púlpito; sendo estes três últimos apresentados
em condições mais estáveis.
Em relação às onze imagens sacras da Capela de São Miguel, foi realizado
procedimento semelhante ao descrito acima, porém, estas foram separadas em quatro grupos,
dadas as diferenças temporais e de necessidade de intervenção. O primeiro grupo, composto
pelas imagens de N. Sra. do Rosário e de N. Sra. dos Prazeres, trazidas diretamente da Capela
de São Miguel, tinham passado por intervenção mais recente, em 1996 e estavam em bom
estado estrutural. O segundo grupo, de imagens repintadas com possibilidade de recuperação
volumétrica e pictórica, era composto pelas imagens: Santa não identificada (cerâmica
policromada, séculos XVII/XVIII), Sagrado Coração de Jesus (madeira policromada e
dourada, séculos XIX/XX), São Benedito em cerâmica (séculos XVII/XVIII), São Benedito
em madeira (séculos XVII/XVIII), São Francisco (madeira policromada, séculos XVI/XVII),
N. Sra. da Piedade (cerâmica policromada, séculos XVII/XVIII) e São Miguel Arcanjo
(cerâmica policromada, séculos XVI/XVII). O terceiro grupo, composto por apenas uma
imagem de N. Sra. da Conceição em cerâmica (cerâmica policromada e dourada, séculos
XVII/XVIII), possuía repintura, com possibilidades de remoção, sem danos sobre a existência
e policromia primitiva. O quarto grupo, também composto por uma imagem de N. Sra. da
Conceição em técnica mista (madeira, tecido gessado, douração e policromia, século XVIII) ,
sem intervenção anterior. Assim, de um modo geral, foi feita a remoção de camadas de
repintura de forma paulatina, e feito o ensaio de reintegração cromática.
Em 1952, após um ato de vandalismo ocorrido na Capela de São Miguel naquele ano,
as quatro imagens danificadas nesta ocasião, foram transferidas para o depósito do IPHAN de
São Paulo, juntamente com as demais imagens da Capela, e lá permaneceram até então.
Destacamos aqui a imagem de N. Sra da Conceição, que foi uma das mais danificadas pelo
ato ocorrido em 1952, fragmentada em várias partes que permaneceram presas ao conjunto,
exceto da cabeça. Esta imagem, aparentemente, não passou por nenhuma intervenção anterior,
como as demais. Após a limpeza superficial de sujidade acumulada nestes anos todos de
deterioração, foi iniciada a obturação das camadas de preparação para pintura e douração.
Como não foi possível a recuperação do rosto, optou-se por deixá-la apenas com a estrutura
626
MIOTTO, 2011, p. 117.
174
da cabeça. Esta imagem, hoje exposta no circuito de visitação da Capela de São Miguel causa
certo desconforto em alguns visitantes por se apresentar neste estado fragmentado. Também é
preciso fazermos menção à outra imagem de Nossa Senhora da Conceição em cerâmica
policromada, cujo restauro revelou se tratar de uma imagem de autoria de frei Agostinho de
Jesus,627 com a retirada das diversas camadas de pintura, que descaracterizavam a peça.628
As pinturas parietais foram (re)descobertas durante o trabalho de restauro, em agosto
de 2007. Diante do encontro destas pinturas, efetuaram-se prospecções em diversos pontos da
Capela, que continham revestimentos antigos. Desse modo, foram encontrados vestígios de
policromia nos seguintes pontos: a) paredes traseira e lateral direita sob o retábulo (atrás da
mesa) do altar colateral do lado da epístola, após remoção de revestimento mais novo; b)
parede lateral esquerda sob o retábulo (atrás da mesa) do altar colateral do lado do evangelho,
após remoção de revestimento mais novo; c) parede lateral do lado do evangelho da nave,
após remoção de revestimento mais novo; d) pequenos fragmentos em todas as paredes e área
mais expressiva na parede esquerda da sacristia; e) fragmentos muito pequenos e esparsos, na
parede do arco-cruzeiro da Capela-mor.
627
Frei Agostinho de Jesus (1600 - 1661), ceramista sacro carioca, foi discípulo de frei Agostinho da Piedade,
português e escultor sacro. Em São Paulo, Agostinho de Jesus morou na capital, em Santos e em Santana de
Parnaíba. Das obras dele no País, quatro estão no mosteiro e na Igreja de São Bento, na região central da capital
paulista.
628
REINA, Eduardo. Restauro revela imagem de 400 anos - Trabalho anterior desfigurou imagem de terracota
que pode ser de mestre sacro. Estadão, São Paulo, 26 julho 2010. Disponível em: https://sao-
paulo.estadao.com.br/noticias/geral,restauro-revela-imagem-de-400-anos-imp-,586060. Acesso em: 17 jan. 2019.
175
Figura 51- Nossa Senhora da Conceição, após o ato Figura 52- Nossa Senhora da Conceição em seu
de vandalismo. Foto: Germano Graeser, ago. aspecto atual, sem rosto, integrada ao espaço de
1953.Fonte: Arquivo fotográfico- IPHAN/SP. exposição da Capela de São Miguel. Foto: Thais
Montanari, dez. 2017.
Como as pinturas parietais não estavam previstas no projeto, e visto que seu estudo e
conservação eram necessárias, foi feito o comunicado ao IPHAN, e elaborado um novo
projeto a ser analisado junto ao órgão, para os trabalhos a serem executados nos altares. Com
a aprovação do projeto e viabilizado financeiramente, uma nova etapa dos trabalhos de
restauro foi iniciada. Os altares em madeira foram então desmontados, e realizada a limpeza e
a consolidação das pinturas parietais.
Então foi posta a questão: deveriam estas pinturas serem recobertas pelos altares em
madeira tal como foram encontradas? Ou deveriam ser expostas permanentemente, tal como
foi designada sua função nos séculos XVII e XVIII? De qualquer forma, a possibilidade de
expô-la permanentemente na Capela de São Miguel dependia de um projeto a ser previamente
176
analisado. Para se encontrar a melhor solução, era preciso fomentar o debate entre os órgãos
de preservação (especialmente o IPHAN e o Condephaat), a comunidade local, e os
profissionais e acadêmicos da área de arquitetura, artes, história e restauro.
629
Esta mesma informação é confirmada por Victor Hugo Mori, superintendente do IPHAN em São Paulo, na
ocasião do ―I Encontro Arte e Patrimônio: Pinturas jesuíticas na Capela de São Miguel: um tesouro revelado‖,
ocorrido na Capela de São Miguel em setembro de 2011.
630
TIRAPELI. 2015. p. 329.
177
631
IPHAN (São Paulo). Ofício nº 283/2012. Projeto de Restauro de Pinturas Murais sobre Taipa de Pilão da
Capela de São Miguel Arcanjo. Processo IPHAN nº 01506.003794/ 12-87. São Paulo, 7 maio 2012. Arquivo
ACBJA- Capela de São Miguel.
178
São Miguel. Os vídeos com os profissionais envolvidos no restauro foram feitos, no entanto,
até o momento não foram integrados no circuito da Capela por motivos estruturais. O que
encontramos hoje neste local em relação às pinturas são materiais impressos de divulgação,
sendo um folder para os visitantes, e um grande painel com um texto informativo sobre as
pinturas, de autoria de Percival Tirapeli, contemplando sua descoberta, os trabalhos de
consolidação, sua iconografia e função naquele espaço religioso; além de algumas fotos das
pinturas e do trabalho de consolidação realizado. Contudo, isto não é o suficiente para sanar a
curiosidade do público que adentra a Capela esperando encontrar tais pinturas, tão divulgadas
na sua entrada, bem como nas publicações especializadas e nas redes sociais. Alguns
visitantes se sentem frustrados e vítimas de ―propaganda enganosa‖ por verem as pinturas
somente em um pedaço de papel impresso.
632
Tal episódio foi veiculado por diversos jornais na época. Ver: IGREJA virou casa de mendigos. Jornal da
tarde. São Paulo, 15 junho 1967; DELES será o reino do céu. Diário da noite. São Paulo, 15 junho 1967;
PATRIMÔNIO histórico entra em briga pela igreja de S. Miguel. Diário da noite. São Paulo, 17 junho 1967;
RECOLHIMENTO aloja ocupantes de igreja histórica em São Miguel. Diário da noite, São Paulo, 27 junho
1967. Arquivo- IPHAN/SP.
180
633
MENDIGOS abrigados na igreja de São Miguel. Jornal da tarde, São Paulo, 15 junho 1967. Arquivo-
IPHAN/SP.
634
RECOLHIMENTO aloja ocupantes de igreja histórica em São Miguel. Diário da noite, São Paulo, 27 junho
1967. Arquivo- IPHAN/ SP.
635
No entanto, como pode-se apreender ao longo da análise da documentação do arquivo do IPHAN/SP, a Cúria
não deixou de ser proprietária da Capela de São Miguel, talvez devido ao fato deste projeto não ter sido bem
sucedido.
181
639
ARANTES p. 161. Deixamos claro também que, neste contexto, a Capela de São Miguel foi fechada
novamente em razão das obras de reparo e conservação que se iniciariam naquela edificação, especialmente em
relação ao telhado, concluída somente em 1981.
640
IPHAN (São Paulo). Capela de São Miguel - Projeto de Revitalização. Relatório de Atualização e Proposta
Preliminar de Uso. 23 dez. 1980. 8 f. Arquivo - IPHAN/ SP.
641
―Preferencialmente, composta por elementos da própria área eleitos em assembleia por um período de tempo
a ser definido [...] caberia, como funções básicas, a administração financeira da entidade, organização do
cronograma, divulgação e implantação das atividades [...]‖. IPHAN (São Paulo). Capela de São Miguel - Projeto
de Revitalização. Relatório de Atualização e Proposta Preliminar de Uso. 23 dez. 1980. 8 f. Arquivo - IPHAN/
SP.
642
―O Conselho Consultivo seria composto por cinco membros representativos de cada uma das entidades
relacionadas com a Capela -SPHAN / DPH, Condephaat, Cúria e AR-ME. Sua função básica seria a aprovação
do cronograma de atividades e, talvez, do balanço financeiro‖. IPHAN (São Paulo). Capela de São Miguel -
Projeto de Revitalização. Relatório de Atualização e Proposta Preliminar de Uso. 23 dez. 1980. 8 f. Arquivo -
IPHAN/ SP.
183
seriam utilizados. Contudo, este projeto não foi levado adiante, visto que, em 1983, em um
seminário organizado pelo CONDEPHAAT, ao ser questionado do porquê não ter se
efetivado as propostas do projeto de revitalização da Capela de São Miguel, o que teria
causado este entrave, e qual foi a resposta dos órgãos competentes em relação a isso, Antônio
Arantes responde:
643
ARANTES, 1984, p.167.
644
CAPELA desocupada. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 janeiro 1986.Memória Paulistana, p. 5. Arquivo -
IPHAN/SP.
645
PATRIMÔNIO histórico invadido e depredado. São Paulo Leste, São Paulo, 26 agosto 1986. Arquivo -
IPHAN/SP.
646
PATRIMÔNIO histórico invadido e depredado. São Paulo Leste, São Paulo, 26 agosto 1986. Arquivo -
IPHAN/SP.
184
professores e empresários locais, que formaram uma comissão para tombar a Capela de São
Miguel; ao que constataram no Condephaat, que a Capela já era tombada por este órgão
estadual desde 23 de novembro de 1973.647 Ainda assim, até aquele momento, o Condephaat
não tinha homologado qualquer tipo de divisão ou utilização da Capela. Assim, visto que a
Capela de São Miguel era propriedade da Cúria Metropolitana de São Paulo, a providência
tomada pela comissão foi a de conversar pessoalmente com o bispo D. Angélico Sândalo
Bernardino, ―solicitando a retirada de ‗entulhos‘, para que o templo volte a ser o que era‖. 648
Não encontramos mais nenhuma informação sobre o desfecho deste episódio, porém,
podemos deduzir que a proposta de ―Revitalização‖ da Capela de São Miguel formulada após
a pesquisa realizada por Antônio Arantes, no final do ano de 1980, não saiu do papel.
Em 1999, a Capela de São Miguel abrigou algumas exposições artísticas e
fotográficas, como a mostra ―São Paulo em três tempos‖, a qual teria apresentado entre os
meses de janeiro e fevereiro de 1999, 23 cadernos com 69 fotografias, além de dois mapas
antigos da cidade São Paulo, provenientes da coleção de Militão Augusto de Azevedo, um dos
pioneiros da fotografia no Brasil.649 No entanto, a exposição foi transferida para a
Universidade Cruzeiro do Sul, devido à um episódio de depredação sofrida durante um
concerto musical pelas comemorações dos 445 anos de fundação da cidade, que ocorreu na
praça Padre Aleixo Monteiro, onde se encontra a Capela. O público presente neste concerto
musical excedeu as expectativas da organização, e algumas pessoas pularam as grades que
cercam a edificação e utilizaram o telhado da Capela como arquibancada. O resultado foi
aproximadamente mil telhas quebradas, e o interior da Capela exposto às intempéries.
A valorização dos aspectos primitivos e a reinserção da Capela de São Miguel no
cotidiano da cidade eram alguns dos objetivos visados pelo trabalho de restauro executado
mais recentemente.650 De acordo com a arquiteta Tânia Miotto, uma das responsáveis pelo
projeto de restauro, desde 2006 o projeto já contemplava uma proposta de uso para a Capela
de São Miguel.651 Tal uso deveria contemplar seu aspecto religioso, e ao mesmo tempo
reconhecer que as características da Capela fazem dela um Bem de grande importância
artística e arquitetônica, além de histórica. Considerando estes aspectos, foi elaborado um
roteiro de visitação da Capela, baseado nos principais temas relacionados a ela a fim de se
647
Processo de homologação do tombamento nº 00368 - inserido no Livro do Tombo Histórico apenas em 6 de
maio de 1975.
648
PATRIMÔNIO histórico invadido e depredado. São Paulo Leste, São Paulo, 26 agosto 1986. Arquivo -
IPHAN/SP.
649
GODOY, Carlos. Exposição retrata o Centro há 100 anos. Diário do Comércio, São Paulo, 22, 23, 24 e 25
janeiro 1999. Arquivo -IPHAN/SP.
650
MIOTTO, 2011, p. 181.
651
Ibid., Loc. cit.
185
652
MIOTTO, 2011, p. 188.
186
A Capela estava fechada há uns dez anos mais ou menos, sem atividade
constante. Para eles [os moradores do bairro], aquele era uma espaço vazio
187
653
ARANTES, 1984, p. 155.
188
Figura 56- Fachada da Capela de São Miguel Arcanjo, com as grades em seu entorno. Zona Leste de São
Paulo. Foto: Thais Montanari. Dez. 2017.
189
CONSIDERAÇÕES FINAIS
654
Registro Geral da Câmara de São Paulo, v. III, p. 169.
655
Atas da Câmara da Villa de São Paulo, v. 7, p. 407.
656
Frei Apolinário da Conceição. Epítome Da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil. In:
RIHGB v. 296 p. 151.
193
problemas decorrentes da obra anterior, empreendida pelo IHGSP. A busca pelo aspecto
primitivo da Capela, a qual permeou os demais restauros empreendidos por Saia e o IPHAN
naquele período, também revela um aspecto ideológico de que somente aquelas construções
tidas como genuinamente coloniais mereciam ser preservadas. Neste restauro também foram
realizadas intervenções nos altares da nave e da sacristia, e possivelmente também foram
encontradas as pinturas parietais, embora não saibamos se foram vistas em sua totalidade, ou
somente a pintura do barrado, a qual foi fotografada.
Constatamos também o espólio dos bens móveis da Capela de São Miguel ao longo do
século XX, muitos deles carregados de valor histórico e artístico. Destacamos, sobretudo, as
vendas de bens móveis pelos zeladores da Capela, e a doação feita pelo IHGSP à Cúria
Metropolitana de São Paulo no final de 1939. Embora o IPHAN na época tenha solicitado a
devolução para o local de origem, aparentemente, esta devolução não foi efetivada.
Desde o final da década de 1960, diversos projetos para a ocupação da Capela de São
Miguel foram feitos, visando sua melhor preservação. Contudo, não passaram de projetos que
ficaram no papel. Por diversas vezes a Capela se encontrou em estado de abandono e
depredação, evidenciando o descaso histórico para com este monumento e a sua relação com a
população local. O último restauro empreendido na Capela também buscou a implementação
de um circuito museológico, sem implicar sua dessacralização.657 Até o momento este projeto
tem se mostrado bem-sucedido, especialmente em razão dos esforços empenhados pela atual
gestão, que busca semanalmente trazer a população local para dentro da Capela, ocupando
aquele espaço que por anos foi negado a eles. Mesmo com recursos financeiros limitados, a
gestão busca promover oficinas artísticas, clubes de leitura, cursos, palestras, e outros eventos
em datas comemorativas, além do engajamento por meio das redes sociais.
A não-visibilidade permanente das pinturas parietais na Capela de São Miguel é uma
questão delicada e contraditória. Mesmo tendo sido debatido entre a comunidade acadêmica e
a comunidade local, chegando a um consenso a favor da visibilidade das pinturas; e mesmo
tendo sido proposto um projeto de retábulo móvel que permitiria tanto a visibilidade das
pinturas, quanto a conservação dos retábulos em madeira, a decisão negativa do IPHAN foi
soberana. Esta decisão de privar o acesso a uma informação histórica e artística para
privilegiar uma feição arquitetônica tida como característica da Capela de São Miguel,
inegavelmente prejudica uma melhor compreensão histórica deste Monumento. O maior pesar
desta pesquisa é justamente não ter tido a oportunidade de visualizar pessoalmente estas
657
A Capela de São Miguel Arcanjo ainda realiza missas aos sábados, além de casamentos e batizados com
agendamento.
195
pinturas e como estas se integram ao aspecto arquitetônico da Capela de São Miguel. Mesmo
se integradas de forma virtual ao circuito da Capela, ainda não são suficientes para satisfazer a
curiosidade do público que adentra o espaço museal, e nem mesmo para promover sua
sensibilização buscando despertar a consciência da importância de se preservar este
monumento histórico e artístico nacional.
É preciso pontuar que, a decisão tomada pelo IPHAN em relação ao ocultamento das
pinturas parietais da Capela de São Miguel Arcanjo não se tratou de um fato episódico ou
casual. Já se tornou característico dos restauros dos interiores das capelas coloniais realizados
pelo IPHAN, a supressão de todos os vestígios de decoração pintada, predominando as
paredes totalmente brancas. Tal aparência é frequentemente obtida pelo uso de tintas
modernas que supostamente substituem o branco de cal originário, porém, sem o mesmo
efeito. Isso não apenas é discutível do ponto de vista da metodologia do restauro, mas revela
uma vontade institucional de apagar os vestígios de manifestações artísticas populares,
consideradas inferiores por se tratarem de expressões mestiças, e portanto, inadequadas para
os cânones formais da arquitetura profissional.
Por fim, a não-visibilidade das pinturas parietais pode ser entendida como um apego
conservador a um aspecto visual formal, e uma evidência de que talvez ainda não saibamos
lidar com descobertas que possam romper com os paradigmas até então consolidados.
196
ARQUIVOS
Arquivo do IPHAN/SP
● CAPELA desocupada. Folha de São Paulo, São Paulo, 10 janeiro 1986.Memória
Paulistana, p. 5.
● CARRILHO, Marcos (Arquiteto). [Correspondência]. Destinatário: Victor Hugo Mori
(Superintendente Regional). São Paulo, 20 maio. 2008. 2 f.
● DELES será o reino do céu. Diário da noite. São Paulo, 15 junho 1967.
● GODOY, Carlos. Exposição retrata o Centro há 100 anos. Diário do Comércio, São
Paulo, 22, 23, 24 e 25 janeiro 1999.
● IGREJA virou casa de mendigos. Jornal da tarde. São Paulo, 15 junho 1967.
● IPHAN (São Paulo). Capela de São Miguel - Projeto de Revitalização. Relatório de
Atualização e Proposta Preliminar de Uso. 23 dez. 1980. 8 f.
● IPHAN (São Paulo). Histórico Igreja de São Miguel. [198-?]. 4f.
● MENDIGOS abrigados na igreja de São Miguel. Jornal da tarde, São Paulo, 15 junho
1967.
● MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E CULTURA. Diretoria do Patrimônio Histórico e
Artístico Nacional. Minuta de Convênio. 1969. 3 f.
● NISHIDA, Milton. Relatório c/ desenhos e fotos. Dispositivo para os altares de São
Miguel Paulista. Projeto/ Estudo Preliminar. 14 out. 2011. 15 f.
● PATRIMÔNIO histórico entra em briga pela igreja de S. Miguel. Diário da noite. São
Paulo, 17 junho 1967.
● PATRIMÔNIO histórico invadido e depredado. São Paulo Leste, São Paulo, 26 agosto
1986.
● RECOLHIMENTO aloja ocupantes de igreja histórica em São Miguel. Diário da
noite, São Paulo, 27 junho 1967.
● SAIA, Luis. [Correspondência]. Destinatário: Rodrigo Mello Franco de Andrade. São
Paulo, 12 out. 1939. 2 f.
● SAIA, Luis. [Correspondência]. Destinatário: Rodrigo Mello Franco de Andrade. São
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● SAIA, Luis. [Correspondência]. Destinatário: Rodrigo Mello Franco de Andrade. São
Paulo, 1 abr. 1940. 4 f.
● SAIA, Luis. [Correspondência]. Destinatário: Rodrigo Mello Franco de Andrade. São
Paulo, 26 maio 1940. 2 f.
● SAIA, Luis. [Correspondência]. Destinatário: Rodrigo Mello Franco de Andrade.
Danificação do [sic] imagens na capela de S. Miguel. São Paulo 17 jul. 1952. 1 f.
● SÃO PAULO. Prefeitura do Município de São Paulo. Grupo de Assessoria do Prefeito
(G.A.P.). Ofício nº 18/ 69- GAP. Sâo Paulo, 13 jun. 1969. 3 f.
● SÃO PAULO. Prefeitura do Município de São Paulo. Departamento do Patrimônio
Histórico- Diretoria. Ofício nº 34/ 79. São Paulo, 9 mar. 1979. 2 f.
● SERVIÇO PÚBLICO FEDERAL. Capela de S. Miguel. Utilização. Declaração de
recebimento do ofício nº 602/ 80 de 17 dez. 1980. 18 dez. 1980. 2 f.
Sítio Morrinhos
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211
APÊNDICE
APÊNDICE
Mapa Mental das redes de artes e ofícios interligadas à Capela de São Miguel Arcanjo