Você está na página 1de 4

1

RESENHA CRÍTICA: ESPAÇO INTRA-URBANO NO BRASIL - Capítulos 1-4


Flávio Villaça - 2001

M1 - Planejamento Regional
UNIVALI - Universidade do Vale do Itajaí
Acadêmica: Ágatha Saraiva

O livro em epígrafe tem como objetivo geral analisar a relação entre as organizações
regionais de diferentes metrópoles, informar o que há em comum na sua estruturação e
funcionamento, bem como o que há de diferente entre as mesmas, fazendo paralelos
interdisciplinares.

Ao longo do estudo, é apontado constantemente a falta de estudos acerca dos


aspectos comuns aos espaços urbanos e as estruturas que os integram. Sendo de grande
ênfase a diferença entre o espaço intra-urbano, um termo redundante porém comumente
utilizado na área, e os espaços regionais. Esta distinção vem do poder estruturador dos
transportes e das comunicações e de sua importância em cada cenário. Enquanto a
estruturação do espaço regional leva em maior consideração o deslocamento das
informações, energia, capital e mercadorias no geral, o espaço intra-urbano se caracteriza
por levar as condições de deslocamento do ser humano como base principal em sua
estrutura. Se por um lado, em qualquer ponto intra-urbano ou intrametropolitano os custos
de energia e comunicações são relativamente homogêneos, o mesmo não pode ser dito em
relação aos transportes de seres humanos, que é, em suma, extremamente heterogêneo.

Encontra-se então a questão da localização urbana, apontada dentro da fala de


Harvey (idem, ibid.), que aponta que obtemos basicamente dois espaços, o dos objetos em
si que são produzidos pelo trabalho humano ou não e aquele espaço onde são consumidos e
produzidos tais objetos. Temos também outras duas definições de espaço apontadas pelos
autores, sendo estes: os que envolvem deslocamento e os que têm os objetos em si.

A localização urbana então é atribuída à sua acessibilidade e sua infra-estrutura


disponível, sendo a primeira mais vital na produção de localizações do que a segunda, uma
vez que mesmo tendo-se infra-estrutura para comportar as atividades urbanas, sem pessoas
e transações de passageiros a terra não pode ser considerada urbanizada. Dito isto, não
deve ser confundida com o espaço urbano, que é um conjunto de objetos urbanos que
dialogando com sua localização formam núcleos de vivência, seja comercial, residencial,
2

industrial e afins. O texto reforça, constantemente ao longo do livro, os pensamentos


descritos com perguntas em aberto, para que o leitor reflita a cada informação nova
apresentada, normalmente com a retórica: por quê nesse lugar? desse jeito? por quê não
em outro cenário? e assim torna a leitura dinâmica e interessante nesse primeiro momento.

Um ponto fortemente mencionado em diversas partes do livro é a importância de se falar de


segregação entre classes e em como acaba por moldar a organização espacial do meio
intra-urbano. Esta mudança ocorre notoriamente com a priorização das rodovias e do
automóvel como prioridade, fato que no Brasil ocorreu majoritariamente durante o governo
de Juscelino Kubitschek por volta dos anos 1960. Com essa nova corrente de pensamento, as
cidades passam por uma transformação de organização espacial, onde antes era priorizado
núcleos que obtiam trabalho, moradia e lazer próximos, começou-se a priorizar o
deslocamento de automóveis de forma diária, não sendo mais necessário proximidade física
entre os campos de vivência diários, e sim boa infra-estrutura. Porém, as classes baixas que
são desprovidas de automóveis particulares por conta da sua situação financeira são
obrigadas a se sujeitar aos meios de transporte públicos, que por não serem utilizados pela
classe mais abastada acaba por não ter prioridade de investimento por parte do poder
público.

A segregação acaba sendo mais discrepante a medida que é analisado que, não bastando a
dificuldade de deslocamento das classes mais baixas, as mesmas são normalmente jogadas
para a periferia dos núcleos urbanos, ficando longe dos grandes centros que possuem valor
de terra mais elevado e consequentemente tendem a ser ocupados pelas classes altas e/ou
pelo poder institucional e comércio de grande escala. Logo, além de serem afastados do
centro de atividade urbana, automaticamente são afastados do polo de empregos, que gera
diariamente o fluxo alto de trabalhadores saindo das periferias e se deslocando,
normalmente muitos km, até seus trabalhos. A rotina gerada pela malha urbana citada
acaba por tornar o trabalhador de classe baixa/média refém do ciclo trabalho, residência,
trabalho, e assim por diante. Torna então o lazer elitizado, sendo que o tempo acaba se
tornando a moeda de troca para conquistar o mesmo, tempo esse que a classe trabalhadora
acaba perdendo com a grande distância e falta de infra-estrutura de deslocamento público.

É abordado a diferença nas falas de Castells, que trata das cidades da Europa Ocidental, e do
Gottdiener, que estuda os espaços intra-urbanos na América do Norte. Ambos aparecem ao
longo de todo o livro, falando sobre seus respectivos estudos e observações, que acabam
dificilmente se aplicando ao Brasil, nem sempre agregando ao conteúdo do texto. Para nós,
diferentemente dos casos internacionais, a posição hierárquica da cidade e sua estruturação
passa pelas suas estratificações sociais, pela diferença absurda de poder econômico e
político entre as classes, sendo uma constante luta em torno das vantagens e desvantagens
do espaço construído.
3

Manifesta-se o fato de que no Brasil, se não em toda Latino-América, ocorre o processo


chamado de “decadência dos seus centros”, ligada pelo abandonamento, em certo
momento, dos centros pelas camadas de alta renda provocado pela mobilidade propiciada
pelo automóvel particular, como mencionado anteriormente. Em nossas metrópoles , por
exemplo, deu-se o oposto do que Gottdiener explica acerca das cidades norte-americanas:
nas décadas de 1950 e 1960 os pobres continuam a nutrir os subúrbios sub equipados, e a
classe média ocupou as vizinhanças do centro. Por quê? No Brasil, a entrada iníqua de
recursos acabou por privilegiar as áreas mais centrais. A força mais poderosa que age sobre
a estruturação do espaço intra-urbano tem origem na luta de classes pela apropriação
diferenciada das vantagens e desvantagens do espaço construído e na segregação espacial
que resulta da mesma.

No capítulo 3 é analisado a expansão espacial dos núcleos urbanos e suas contradições entre
as expansões e seus limites político-administrativos entre municípios. A conurbação (fusão
de áreas urbanas) e a absorção de núcleos urbanos entre si acaba crescendo ao longo da
história. O processo de conurbação ocorre quando uma cidade absorve centros urbanos em
sua volta, se encontrando ou não no mesmo município, de maneira orgânica. Já a absorção é
quando é desenvolvido intensa vinculação socioeconômica entre núcleos, assim como
Florianópolis e São José, por exemplo. O vínculo pode vir por conta do deslocamento
espacial humano recorrente e/ou comunicação. Isso significa que é consenso que os limites
político-administrativos não delimitam satisfatoriamente a cidade enquanto ente
socioeconômico e físico. A natureza orgânica e muitas vezes irracional torna esse processo
fascinantemente humano.

Inicia-se no capítulo 4, o último analisado, o estudo de algumas das 6 localizações


intra-urbanas escolhidas pelos autores. Com o intuito de comprovar e demonstrar a
hipótese que embora as vias regionais não tivessem sido construídas para oferecer
transporte intra-urbano, elas fornecem esse tipo de locomoção, e aquelas que
regionalmente são caracterizadas importantes nem sempre atraem expansão urbana ao
longo delas.

Mostra-se então uma nova fase de crescimento urbano, a expansão física das cidades e sua
íntima relação entre os tipos de transportes utilizados e suas vias de locomoção. Por
exemplo, enquanto as ferrovias favorecem o crescimento polarizado em torno de suas
estações, as rodovias provocam algo mais rarefeito e menos nucleado por ter diversos tipos
de acessibilidade em seu decorrer. A acessibilidade então entra novamente em questão,
variando de acordo com os veículos utilizados e seus meios de transição, influenciando não
somente o arranjo interno das cidades como a sua expansão urbana.

Ocorre então a fusão de acessibilidade, segregação e valorização de pontos da cidade, onde


é possível correlacionar os assuntos citados e seu papel para tornar um terreno
4

potencialmente urbano ou não. As vias acabam tendo papel crucial nessa análise, uma vez
que sua simples presença já significa melhoria de acesso, tanto interurbana quanto
intra-urbana, constituindo, principalmente em escala regional, um poderoso elemento na
atração da expansão urbana.

Outro ponto importante destacado é os obstáculos naturais que acabam por moldar a
morfologia da cidade fisicamente falando, um exemplo disso é a própria Florianópolis que,
por ser uma ilha, tem seu crescimento mais ligado ao mar e a posição estratégica do centro
da cidade em relação ao continente, onde há grande relação de mercado e fluxo humano.

Nota-se, observando a urbanização ao longo das orlas em metrópoles litorâneas, uma


grande tendência das camadas de alta renda serem atraídas pela proximidade à orla, não em
função, nesse caso, pela acessibilidade e sim em virtude de uma demanda da classe alta por
terras privilegiadas, atrativas e bem localizadas. Esse fascínio acaba por melhorar os acessos
à esses lugares, uma vez que tais melhorias trabalhado em consequência da preferência da
elite, como mencionado anteriormente.

Em suma, o livro aborda de forma geral, nos capítulos analisados, diversos temas em torno
da temática intra-urbanística e regional dentro do Brasil. O estudo se mostra importante e
extremamente interessante pela facilidade de nós, brasileiros, relacionarmos os casos e
características apontadas a lugares e vivências pessoais. Porém o texto em sua maioria é
extremamente repetitivo. Utilizando de perguntas para trabalhar em conjunto com o leitor,
torna-se uma boa tática de prender a atenção e deixar o texto dinâmico, porém o artifício é
utilizado diversas vezes, deixando o leitor exausto, muitas vezes frustrado, por nem sempre
obter respostas. Ocorre também confusão com os diversos autores referidos dentro do
texto, que são trazidos recorrentemente de forma a embasar análises pessoais que acabam
nem sempre casando com a citação mencionada. No geral o livro traz uma boa reflexão,
principalmente acerca da relação do urbanismo com a luta das classes sociais e seu espaço
na sociedade, física e filosoficamente falando. Contudo poderia ter sido melhor estruturado
para uma leitura mais dinâmica e de fácil digestão, uma vez que tornaria-o mais acessível
para compreensão de um público geral.

Você também pode gostar