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Universidade do Estado do Rio de Janeiro

Centro de Educação e Humanidades


Instituto de Letras

Fernanda Soares da Silva Torres

Estudo de crenças e preconceito linguístico em alunos do sexto ano de uma


escola do município de Paracambi (RJ)

Rio de Janeiro
2014
Fernanda Soares da Silva Torres

Estudo de crenças e preconceito linguístico em alunos do sexto ano de uma escola do


município de Paracambi (RJ)

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para a obtenção do título de
Mestre, ao Programa de Pós-Graduação
em Letras, da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Área de concentração:
Linguística.

Orientador: Prof. Dr. Ricardo Joseh Lima

Rio de Janeiro
2014
CATALOGAÇÃO NA FONTE
UERJ/REDE SIRIUS/CEHB

T693 Torres, Fernanda Soares da Silva.


Estudo de crenças e preconceito linguístico em alunos do
sexto ano de uma escola do município de Paracambi (RJ) /
Fernanda Soares da Silva Torres. – 2014.
89 f.: il.

Orientador: Ricardo Joseh Lima.


Dissertação (mestrado) – Universidade do Estado do Rio
de Janeiro, Instituto de Letras.

1. Sociolinguística – Teses. 2. Linguagem e educação –


Teses. 3. Língua portuguesa – Gramática – Teses. 4. Língua
portuguesa – Estudo e ensino – Paracambi (RJ) – Teses. 5.
Linguagem e línguas - Teses. 6. Preconceitos – Teses. I.
Augusto, Marina Rosa Ana. II. Universidade do Estado do Rio
de Janeiro. Instituto de Letras. III. Título.

CDU 801

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta
dissertação desde que citada a fonte

__________________________ __________________
Assinatura Data
Fernanda Soares da Silva Torres

Estudo de crenças e preconceito linguístico em alunos do sexto ano de uma escola do


município de Paracambi (RJ)

Dissertação apresentada, como requisito


parcial para a obtenção do título de
Mestre, ao Programa de Pós-Graduação
em Letras, da Universidade do Estado do
Rio de Janeiro. Área de concentração:
Linguística.

Aprovada em 21 de março de 2014.


Banca examinadora:
______________________________________________
Prof. Dr. Ricardo Joseh Lima (Orientador)
Instituto de Letras - UERJ

______________________________________________
Profª. Dra. Lucia Cyranka
Universidade Federal de Juiz de Fora

______________________________________________
Profª. Dra. Silvia Rodrigues Vieira
Universidade Federal do Rio de Janeiro

Rio de Janeiro
2014
AGRADECIMENTOS

Agradeço, primeiramente, ao Grandioso Criador do Universo, Jeová Deus, por me


proporcionar a possibilidade de adorá-lo e servi-lo. Sem ele, eu não seria capaz de realizar
nada na vida, nem de ter a esperança de louvá-lo futura e eternamente nesta Terra, em
condições perfeitas.
Ao Fernando, meu amado marido e constante companheiro, agradeço a compreensão
nos momentos em que precisei ausentar-me devido a este curso. Além disso, seu apoio
contínuo e a certeza de que eu conseguiria finalizar o mestrado fizeram com que eu tivesse
mais força nos momentos mais difíceis. Espero que, assim como esse amado rapaz sempre me
aconselhou, eu tenha conseguido “encarar o mestrado como um trabalho”.
Aos meus pais, Adauto e Elisabete, que sempre (ou quase sempre) apoiaram minhas
escolhas acadêmicas, mas desejando o melhor para mim.
À Suzana, minha única irmã, que, desde minha infância, acreditou em meu potencial.
À Carol, minha companheira de graduação, que traduziu o resumo deste trabalho para
o inglês. Aproveito para agradecê-la o apoio durante o período em que dela precisei.
Aos alunos que fizeram parte do PLCD, entre os anos de 2008 e 2013, companheiros
sempre dispostos a ajudar quando foi necessário.
A todos os professores do mestrado, em especial, Tânia Câmara, com quem aprendi a
ser uma profissional melhor.
A todos os professores da graduação, em especial Teresa Tedesco, Teresa Gonçalves e
Adriana Freitas, que fizeram com que eu tivesse mais o desejo de lecionar.
Aos funcionários da secretaria da Pós-Graduação, que, sempre que possível, me
ajudaram.
À diretora Sônia, do Colégio Municipal Boa Esperança, que, desde o início, colaborou
com esta pesquisa.
Ao Ricardo, meu orientador desde 2008, que, ainda quando eu cursava o terceiro
período da Graduação, acreditou que eu poderia entrar na área de pesquisa. Agradeço-o ainda
por apoiar-me quando as circunstâncias mudaram, ao começar a trabalhar como professora.
Nesse momento, achei que não conseguiria concluir o mestrado e ele disse que isso
certamente ocorreria.
A CAPES por subsidiar, por um período, esta pesquisa.
À UERJ por ter me mantido em seu corpo discente.
RESUMO

TORRES, Fernanda Soares da Silva. Estudo de crenças e preconceito linguístico em alunos


do sexto ano de uma escola do município de Paracambi (RJ). 2014. 89 f. Dissertação
(Mestrado em Linguística) - Instituto de Letras, Universidade do Estado do Rio de Janeiro,
Rio de Janeiro, 2014.

A necessidade de basear as aulas de Língua Portuguesa na gramática normativa é


muito defendida no ambiente escolar. As universidades, por outro lado, aceitam a ideia de
que os princípios da Sociolinguística laboviana devem ser introduzidos na educação básica.
Dessa maneira, há uma lacuna entre o que se aprende na teoria pedagógica e o que, de fato,
ocorre em sala de aula. Buscando encurtar a distância existente entre a teoria linguística e a
prática pedagógica, esta pesquisa teve como objetivo apresentar um roteiro de atividades que
se relacionam à reflexão por parte dos alunos no que tange a suas crenças linguísticas,
principalmente as que apresentam uma vertente preconceituosa. Para isso, foi aplicado um
teste de crenças linguísticas com alunos do sexto ano do ensino fundamental de uma escola
pública, localizada no município de Paracambi, RJ. Depois foram ministradas quatro aulas a
fim de demonstrar aos alunos que a norma popular apresenta uma regularidade, portanto, não
é linguisticamente inferior à norma de prestígio. Para finalizar, o mesmo teste de crenças
linguísticas foi aplicado nos mesmos alunos. Essa pesquisa, baseada em Cyranka (2007),
verificou a viabilidade de um trabalho com a Sociolinguística na escola, procurando avaliar a
capacidade de os alunos refletirem sociolinguisticamente.

Palavras-chave: Preconceito linguístico. Teste de crenças linguísticas. Sociolinguística.


Norma popular. Escola.
ABSTRACT

TORRES, Fernanda Soares da Silva. Study beliefs and linguistic bias sixth graders from a
school in the municipality of Paracambi (RJ). 2014. 89 f. Dissertação (Mestrado em
Linguística) - Instituto de Letras, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2014.

The need to base classes in Portuguese language normative grammar is much


advocated in the school environment. The universities, on the other hand, accept the idea that
principles of Labovian Sociolinguistics be introduced into the basic education. Thus, there is a
gap between what is learned in pedagogical theory and what actually occurs in the classroom.
Seeking to shorten the gap between linguistic theory and pedagogical practice, this research
aimed to present a roadmap of activities that relate to reflection by students with respect to
their language beliefs, especially those with a bias prejudiced. For this, we applied a test of
linguistic beliefs with sixth graders of elementary education at a public school located
in the municipality of Paracambi, RJ. Four classes were taught to show students that non-
standard Brazilian Portuguese presents a regularity, therefore, is not linguistically inferior to
the prestige norm. Finally, the same test was applied non-standard Brazilian Portuguese in the
same students. This research, based on Cyranka (2007), examined the feasibility of a with the
Sociolinguistics in school, attempting to assess the ability of students to think
sociolinguistically.

Keywords: Linguistic Prejudice. Test of language beliefs. Sociolinguistics. Popular standard.


School.

 
LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 - Dados referentes à assertiva “O bom professor deve sempre falar de


acordo com as regras gramaticais” ............................................................ 69

Gráfico 2- Dados referentes à assertiva “Na minha opinião, o bom professor deve
corrigir os seus alunos quando eles falam errado” .................................... 70

Gráfico 3- Dados referentes à assertiva “Eu acho que as pessoas que têm estudo
(como médicos e advogados) devem falar corretamente” ......................... 71

Gráfico 4- Dados referentes à assertiva “Há só um jeito certo de escrever”. ............. 73

Gráfico 5- Dados referentes à assertiva “Para eu escrever bem, é necessário que eu


fale de forma certa”................................................................................... 74

Gráfico 6- Dados referentes à assertiva “As pessoas que falam errado sofrem
preconceito” ............................................................................................... 75

Gráfico 7- Dados referentes à assertiva “Eu acho feio quando as pessoas falam
errado.” ...................................................................................................... 76

Gráfico 8- Dados referentes à assertiva “As pessoas já riram de mim quando eu


falei alguma coisa errada” ......................................................................... 78

Gráfico 9- Dados referentes à assertiva “A escola só deve ensinar o jeito certo de


falar”. ......................................................................................................... 79

Gráfico 10- Dados referentes à assertiva “O português é uma língua muito difícil” .... 80

Gráfico 11- Dados referentes à assertiva “A escrita é mais importante do que a fala”. 82

Gráfico 12- Dados referentes à assertiva “Eu acho que escrever é mais difícil que
falar” .......................................................................................................... 83
LISTA DE TABELAS

Tabela 1- Resultado da aplicação do teste piloto........................................................ 44

Tabela 2- Questões baseadas em Cyranka (2007) ..................................................... 49

Tabela 3- Ordem em que as assertivas apareceram na primeira lista......................... 50

Tabela 4- Ordem em que as assertivas apareceram na segunda lista.......................... 52

Tabela 5- Resultado da primeira aplicação – LISTA 1 ............................................. 55

Tabela 6- Resultado da primeira aplicação – LISTA 2 ............................................. 57

Tabela 7- Soma das duas listas – Primeira aplicação................................................. 58

Tabela 8- Dados da segunda aplicação do teste de crenças linguísticas – LISTA 1.. 63

Tabela 9- Dados da segunda aplicação do teste de crenças linguísticas – LISTA 2 . 64

Tabela 10- Soma das duas listas – Segunda aplicação................................................. 65


LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1 - Teste de atitudes linguísticas utilizado por Cyranka (2007, p.95) ............... 19

Figura 2 - Informações relativas aos entrevistados para a composição do teste de


atitudes linguísticas de Cyranka (2007, p.70).............................................. 20

Figura 3 - Teste de crenças linguísticas elaborado por Cyranka (2007, p.141 e 142) .. 21

Figura 4 - Teste de crenças linguísticas aplicado nos alunos do sexto ano .................. 48
SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ................................................................................................. 12

1 REVISÃO DE LITERATURA ........................................................................ 15

1.1 Sociolinguística: uma breve introdução .......................................................... 15

1.2 Sociolinguística na escola: alguns caminhos ................................................... 16

1.3 Exemplos de Sociolinguística na escola ........................................................... 18

1.3.1 Uma pesquisa sociolinguística em escola - Cyranka (2007) ............................. 18

1.3.2 Sociolinguística em ação – crenças linguísticas em sala de aula ........................ 23

2 METODOLOGIA ............................................................................................. 27

2.1 A escola ............................................................................................................... 28

2.2 A turma .............................................................................................................. 29

2.3 Registro da primeira aula de Sociolinguística ................................................ 30

2.3.1 Objetivos ............................................................................................................. 30

2.3.2 Conteúdo ............................................................................................................. 31

2.3.3 Reação da turma .................................................................................................. 31

2.4 Registro da segunda aula de Sociolinguística ................................................. 32

2.4.1 Objetivos ............................................................................................................. 32

2.4.2 Conteúdos ............................................................................................................ 33

2.4.3 Reação da turma .................................................................................................. 36

2.5 Registro da terceira aula de Sociolinguística .................................................. 36

2.5.1 Objetivos da aula ................................................................................................. 37

2.5.2 Conteúdos ............................................................................................................ 37


2.5.3 Reação da turma .................................................................................................. 39

2.6 Registro da quarta aula de Sociolinguística.................................................... 40

2.6.1 Objetivos da aula ................................................................................................. 41

2.6.2 Conteúdos ............................................................................................................ 41

2.6.3 Reação da turma .................................................................................................. 42

2.7 O teste de crenças linguísticas .......................................................................... 42

2.7.1 Composição do teste de crenças linguísticas ...................................................... 42

2.7.2 A aplicação do teste de crenças linguísticas ....................................................... 50

3 ANÁLISE DOS RESULTADOS ...................................................................... 55

3.1 A primeira aplicação do teste de crenças linguísticas .................................... 55

3.2 A segunda aplicação do teste de crenças linguísticas .................................... 62

3.2.1 Análise de perfil .................................................................................................. 83

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................... 85

REFERÊNCIAS ................................................................................................ 88
12 
 

INTRODUÇÃO

Esta dissertação tem como objetivo apresentar um roteiro de atividades realizadas com
alunos do sexto ano do ensino fundamental de uma escola pública no município de
Paracambi, localizado no estado do Rio de Janeiro, cuja intenção é verificar a viabilidade de
abordar o tema Sociolinguística no ambiente escolar. Assim, deseja-se perceber como os
alunos encaram a norma culta1 da língua portuguesa bem como a norma popular2 da mesma.
Isso é necessário para se problematizar a questão do preconceito linguístico na escola e para
que se possibilite um trabalho de desconstrução de um ensino de língua materna voltado
principalmente para o âmbito das gramáticas descritiva e normativa. O ensino baseado na
tradição gramatical não permite que o aluno aprenda sobre as construções de sua variedade
linguística, mas o força a aprender a norma gramatical3. Dessa maneira, o aluno passa a ser
um ser passivo, que tem apenas a aprender e não é dada a oportunidade ao mesmo de trocar
experiências. Dessa maneira, no presente estudo, pretende-se diminuir a distância existente
entre a teoria linguística e a prática pedagógica.
Essa é uma discussão pertinente, tendo em vista que os próprios Parâmetros
Curriculares Nacionais ressaltam a importância de respeitar diversidades regionais, culturais e
políticas que existem no país. Visto que a língua faz parte da aquisição cultural de um povo, a
diversidade da mesma deve ser respeitada. É função da escola, portanto, não apenas respeitar

_____________________
1
Conforme assinala FARACO (2008), “a norma- padrão não é propriamente uma variedade da língua, mas (...)
um construto sócio-histórico que serve de referência para estimular um processo de uniformização.” Já a norma
culta, que o autor chama também de comum ou standard “é a variedade que os letrados usam corretamente em
suas práticas mais monitoradas de fala e escrita (...) é a expressão viva de certos segmentos sociais em
determinadas situações". (p.73) Isso indica que a norma-padrão se trata de uma abstração, uma referência
extraída do uso real, utilizada como tentativa de uniformizar a língua, já a norma culta refere-se aos usos reais
utilizados por falantes escolarizados em situações monitoradas de fala. Dessa forma, diferente do que muitos
pensam, norma-padrão e norma culta não são sinônimos. Por isso, quando se tratar, neste trabalho, da variedade
linguística utilizada pelos falantes letrados em situações monitoradas, utilizaremos o termo norma culta. Vale
salientar que, quando se menciona, neste estudo, norma culta não se está afirmando que apenas os falantes que
tiveram acesso à educação não tenham cultura, refere-se apenas a uma escolha terminológica, apoiada no autor
supracitado.
2
Conforme assinala FARACO (2008), “norma é o termo que usamos, nos estudos linguísticos, para designar os
fatos de língua usuais, comuns, correntes numa determinada comunidade de fala.”(p.40) Quando for citado o
termo norma popular, neste trabalho, será uma referência a variedades linguísticas desprestigiadas ou até mesmo
estigmatizadas.
3
Norma gramatical, para Faraco (2008), é “o conjunto de fenômenos apresentados como cultos, comuns,
standard” pelos gramáticos.
13 
 

a variedade linguística trazida pelo aluno, mas utilizar a mesma para ensinar, inclusive, a
norma culta, como forma de enriquecimento cultural de todos.
Por conta disso, nesta pesquisa, foi realizado um teste de crenças linguísticas, cujos
participantes foram alunos do sexto ano do ensino fundamental. Essa metodologia foi baseada
no trabalho de Cyranka (2007). Após, foram ministradas aulas de Sociolinguística a fim de
conscientizar os alunos sobre o caráter preconceituoso de algumas de suas crenças
linguísticas. Por fim, o teste de crenças linguísticas foi reaplicado nos alunos da mesma turma
a fim de verificar se as aulas contribuíram para que houvesse uma reflexão linguística por
parte dos alunos.
O objetivo geral desta pesquisa é introduzir os pressupostos teóricos da
Sociolinguística na prática pedagógica. Como objetivo específico, vale citar a intenção de
apresentar um roteiro de atividades que foram realizadas com a intenção de fazer com que os
alunos refletissem em suas crenças linguísticas para que o preconceito deles fosse
minimizado. Para alcançar tais metas, aplicou-se o teste de crenças linguísticas antes e depois
das aulas de Sociolinguística, ministradas pela pesquisadora. Espera-se que esta pesquisa
contribua para a difusão da teoria em análise no ambiente escolar.
Esta dissertação apresenta quatro capítulos. No capítulo 1, será feita uma revisão da
literatura visando a indicar de que forma esta pesquisa se enquadra no quadro teórico da
Sociolinguística variacionista. Para isso, será feita uma breve introdução que remontará aos
pressupostos básicos dessa corrente de pesquisa linguística.
A seguir, serão apresentados argumentos que indicam o motivo pelo qual a
Sociolinguística deve ser considerada nas aulas de língua materna da educação básica. Por
último, serão citadas algumas pesquisas que buscaram unir a teoria sociolinguística à prática
pedagógica, por meio do estudo de crenças linguísticas.
No capítulo 2, será descrita a metodologia utilizada, que inclui as aulas ministradas
aos alunos e o teste de crenças linguísticas. Primeiro, será feita uma descrição da escola
selecionada para receber esta pesquisa. A seguir, o perfil da turma será analisado e, por fim,
será indicado como as aulas foram ministradas. Para cada aula, serão feitas análises dos
seguintes tópicos: objetivos da aula, conteúdos trabalhados e reação da turma. Em seguida,
far-se-á uma apresentação do teste.
O capítulo 3 será destinado à análise dos resultados. Serão discutidos os resultados de
ambas as aplicações do teste de crenças linguísticas. Essa parte é fundamental, pois indica as
diferenças que as aulas ministradas propiciaram em relação às crenças linguísticas dos alunos.
14 
 

Na conclusão, serão retomados os principais pontos deste estudo. Podem-se citar como
exemplo o que a segunda aplicação do teste de crenças linguísticas revelou em relação à
capacidade de os alunos refletirem sobre temas sociolinguísticos. Além disso, serão incluídas
projeções para futuras pesquisas, como a possibilidade de se trabalhar com os resultados desta
pesquisa com o objetivo de contribuir para que os professores sejam capazes de trabalhar com
a Sociolinguística na sala de aula.
15 
 

1 REVISÃO DE LITERATURA

O objetivo deste capítulo é indicar os principais estudos que serviram de base a esta
dissertação. Essa parte do trabalho será mais curta, visto que o objetivo principal é relatar as
aulas a fim de verificar a viabilidade de um trabalho com a Sociolinguística na escola,
procurando avaliar a capacidade de os alunos refletirem sociolinguisticamente. Assim, na
seção 1.1, serão analisados brevemente os conceitos da Sociolinguística que foram utilizados
nesta pesquisa. Na seção 1.2, serão mencionadas pesquisas realizadas em salas de aula que
também consideram a variação linguística. Por fim, a seção 1.3 apresentará dois estudos que
se relacionam à Sociolinguística no ambiente escolar e ao estudo de crenças linguísticas.
Seguir-se-á esta ordem a fim de que sejam destacados três aspectos que são relevantes
nesta dissertação: o primeiro refere-se à teoria geral que embasa toda a dissertação, que
consiste na Sociolinguística; o segundo relaciona-se à introdução dessa teoria na sala de aula;
e o terceiro engloba o estudo de crenças linguísticas como meio de descobrir o que os alunos
pensam a respeito de assuntos relacionados à língua, com o intuito de fazê-los refletir sobre a
legitimidade de suas crenças preconceituosas.

1.1 Sociolinguística: uma breve introdução

Esse trabalho baseia-se na teoria sociolinguística de Labov (2006), pois trata da


variação linguística. Essa área da Linguística analisa a língua em situação de uso e investiga
os aspectos linguísticos e sociais da realidade da fala. Ela busca analisar a heterogeneidade
das línguas e encontrar regularidade na variação linguística. Isso ocorre, pois a variação
demonstra o caráter que a língua possui de adaptar-se na comunicação, por isso ela não é
assistemática. Conforme assinalam Weinreich, Labov e Herzog (2006),

Para Paul tanto quanto para Saussurre, a variabilidade e a sistematicidade se


excluíam mutuamente. Seus sucessores, que passaram a postular mãos e mais
sistematicidade na língua, ficaram ainda mais profundamente comprometidos com
uma concepção simplista do idioleto homogêneo (...) No entanto, a maioria dos
linguistas reconhece a evidência que demonstra que a mudança linguística é um
processo contínuo e subproduto inevitável da interação linguística. (p.87)
16 
 

Assim, para a Sociolinguística, a língua é uma instituição social e não pode ser
estudada como estrutura autônoma e uma análise linguística deve considerar o contexto
situacional, a cultura e a história dos falantes. Essa é uma área dos estudos da linguagem que é
direcionada à análise da língua em seu uso real; portanto, não são consideradas apenas as
estruturas linguísticas, mas sua relação com os aspectos sociais e culturais da expressão
linguística. Além disso, a variação e a mudança são processos inerentes às línguas, segundo os
preceitos dessa corrente teórica.
Outro fator que precisa ser salientado é a relação entre esta dissertação e o problema
da avaliação, apresentado por Weinreich, Labov e Herzog (2006) como um dos cinco
fundamentos empíricos para o estudo da teoria da mudança linguística. Os autores citam o
problema dos fatores condicionantes, o problema da transição, o problema do encaixamento, o
problema da implementação e o problema da avaliação. Sobre este, Weinreich, Labov e
Herzog (2006) salientam:

A teoria de mudança linguística deve estabelecer empiricamente os correlatos


subjetivos dos diferentes estratos e variáveis numa estrutura heterogênea. Esses
correlatos subjetivos das avaliações não podem ser deduzidos a partir do lugar das
variáveis dentro da estrutura linguística. Além disso, o nível de consciência social é
uma propriedade importante da mudança linguística que tem de ser determinada
diretamente. (p.124)

Por conta disso, o estudo das crenças linguísticas, que se relaciona ao que o falante
pensa em relação à variedade utilizada por ele em seu meio social e por outros em diferentes
contextos discursivos, contribui para a discussão do problema da avaliação linguística
laboviano.

1.2 Sociolinguística na escola: alguns caminhos

O objetivo deste trabalho relaciona-se ao caráter de apresentar a regularidade que


existe na heterogeneidade da língua, isto é, demonstrar que mesmo a norma popular da língua
possui certas “regras”, que são conhecidas pelos falantes dessa variedade, mesmo de forma
inconsciente. Na realidade, muitos dos “erros” produzidos pelos alunos que “têm acesso
muito limitado à norma culta em seu ambiente social (...) são sistemáticos e previsíveis
17 
 

quando são consideradas as características dos dialetos em questão” (Bortoni-Ricardo, 2011,


p.53) Por isso, cabe ao professor não apenas conhecer e aceitar essa regularidade na norma
popular, mas também utilizá-la para ensinar a norma gramatical, conforme foi realizado na
aula de sociolinguística descrita na seção 2.4.
Conforme assinala FARACO (2008), “toda norma tem uma organização estrutural”,
ou “uma gramática” (...) “Se um enunciado é previsto por uma norma, não se pode condená-lo
como erro com base na organização estrutural de uma outra norma.” (p.36) Assim, se um
falante que não domina a norma culta, em sua comunidade de fala, diz Framengo, por
exemplo, não está incorreto. Há uma explicação científica para esse fenômeno existir na
norma popular: a língua portuguesa apresenta uma natural tendência rotacizante. Assim, não
se pode dizer que está errada tal expressão de fala seguindo critérios adotados para jular a
norma culta, pois se trata de uma outra norma, a popular.
O fato de a educação linguística se iniciar no início da vida de um indivíduo, quando,
“em suas interações com a família e a comunidade, adquire sua língua materna e, junto com
ela, progressivamente, toda uma cultura de linguagem característica em seu meio social”
(Bagno & Rangel, 2005, p.64) deve ser levado em consideração pelos docentes. No entanto,
no cotidiano escolar, essa prática não é recorrente. Em muitos casos, os professores nem
mesmo conhecem a organização das normas populares, o que faz com que eles tenham
preconceito com relação à variedade utilizada pelo seu aluno.
Assim, o papel da escola de conhecer a variedade linguística trazida pelo aluno e não
estigmatizá-la acaba não sendo desempenhado. Tendo em vista que a escola é um lugar no
qual deve ocorrer a socialização dos alunos e o respeito entre as diferenças, torna-se
necessário que os professores aceitem as diferentes variedades. E aos alunos, cabe
compreender as diferentes modalidades na qual a língua pode existir, bem como reconhecer as
diversas variedades para usar a mais adequada a cada situação.
Não está sendo afirmado aqui que a escola deva ensinar as normas populares, todavia,
ela não deve ignorar as diferenças sociolinguísticas. Segundo Bortoni-Ricardo (2011),

o aluno que chega à escola falando “nós cheguemu”,”abrido” e “drome”, por


exemplo, têm que ser respeitados e ver valorizadas as suas peculiaridades
linguísticos-culturais, mas têm o direito inalienável de aprender as variantes do
prestígio dessas expressões. Não lhes pode negar esse conhecimento, sob pena de se
fecharem para ele as portas, já estreitas, da ascensão social. (p.15)
18 
 

Isso indica que é papel da escola ensinar a norma gramatical. Por esse motivo, “os
professores e, por meio deles, os alunos têm que estar bem conscientes de que existem duas
ou mais maneiras de dizer a mesma coisa”. (Bortoni-Ricardo, 2006, p.15) Assim, o professor
precisa ser capaz de compreender as diferentes normas utilizadas pelos alunos.

1.3 Exemplos de Sociolinguística na escola

Serão apresentados nesta seção exemplos de estudos realizados em unidades escolares que
foram embasados nos princípios da Sociolinguística e utilizaram o conceito de crenças
linguísticas. Para isso serão analisadas três pesquisas realizadas por Cyranka (2007 e 2011).

1.3.1 Uma pesquisa sociolinguística em escola - Cyranka (2007)

Os testes de crenças linguísticas que serviram de base para a realização desta


dissertação são baseados no que foi registrado na tese de doutorado de Cyranka (2007), cujo
título é Atitudes linguísticas de alunos de escolas públicas de Juiz de Fora – MG. O objetivo
principal de Cyranka (2007) foi investigar o julgamento de alunos em relação a três
variedades do contínuo rural-urbano.
Cyranka (2007) utilizou nesta pesquisa testes de medida direta – um questionário, que
consistiu no teste de crenças, com questões fechadas - e indireta – o teste de atitudes. Foram
selecionados aleatoriamente 30 alunos de 8ª série de quatro escolas e de outra escola, por
haver apenas 15 alunos nessa série, foi este número que participou da pesquisa, perfazendo
um total de 135 alunos.
Segundo Cyranka (2007), o estudo das atitudes linguísticas está relacionado ao da
avaliação linguística, isto é, ao exame dos julgamentos dos falantes em relação à língua ou ao
dialeto utilizado por seu interlocutor, estando aí subentendidas mudanças implementadas, ou
em implementação na língua, em relação à variedade considerada padrão. (p.20) Quanto às
crenças, a autora apresenta visões de diferentes autores e salienta que é difícil se chegar “a
uma conceituação categórica sobre crenças.” (p.21).
19 
 

O teste de atitudes linguísticas foi realizado em alunos da oitava série em cinco escolas
diferentes, sendo quatro da rede pública de ensino e uma da rede privada. Os alunos ouviram
as falas de três representantes de diferentes variedades linguísticas, sendo elas: urbana culta,
rural e rurbana (intermediária) para a realização dos experimentos. Esse continuo refere-se ao
que foi proposto por Bortoni-Ricardo (2004), que será melhor explicado na próxima seção. A
cada participante foi apresentada uma relação de seis atributos, sendo três relacionados à
dimensão de poder (inteligente, competente, rico) e três à de solidariedade (honesto,
simpático e boa pessoa). Havia, ao lado de cada atributo, sete traços horizontais para os quais
o aluno deveria dar uma nota entre 1 e 7. Abaixo há um exemplo do que correspondeu ao teste
de

atitudes linguísticas.
Figura 1- Teste de atitudes linguísticas utilizado por Cyranka (2007, p.95)

O corpus do teste de atitudes linguísticas foi formado por três fragmentos de


entrevistas gravadas por moradores de um bairro e de um distrito de Juiz de Fora, além de
uma funcionária da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Juiz de Fora. Todas
as entrevistas foram realizadas no mês de outubro de 2006 e as únicas variáveis controladas
foram assunto e sexo. Tomou-se o cuidado de selecionar trechos que não fornecessem pistas
diretas sobre a situação sócio-econômico-cultural do falante, pois essas informações poderiam
interferir no julgamento feito pelos alunos. Cada excerto apresentava um minuto de duração,
totalizando três minutos o total do corpus e a ordem de apresentação dos mesmos foi
20 
 

aleatória. Seguem, abaixo, as informações sobre cada entrevistada. Vale salientar que os
nomes que constam no quadro são fictícios.

Figura 2 - Informações relativas aos entrevistados para a composição do teste de atitudes linguísticas de
Cyranka (2007, p.70).

O teste de crenças apresentava 25 assertivas sobre a língua e seu ensino na escola. As


questões deveriam ser respondidas como falsas ou verdadeiras, com exceção da última que
tinha uma resposta aberta. Participaram desse teste os 135 alunos que participaram do teste de
atitudes linguísticas, além de 22 professores das respectivas escolas e 33 formandos da
Universidade Federal de Juiz de Fora, o que totaliza 190 participantes. Segue abaixo o
questionário utilizado nessa etapa da pesquisa.
21 
 

Figura 3- Teste de crenças linguísticas elaborado por Cyranka (2007, p.141 e 142.)

A pesquisadora explicou aos alunos que não havia uma resposta certa e outra errada
para cada uma das questões; portanto, não seria interessante que os alunos dessem as mesmas
22 
 

respostas. Foi aplicado primeiramente o teste de atitudes linguísticas, a fim de propor uma
reflexão sobre a linguagem. Cada gravação foi ouvida duas vezes e os alunos teriam alguns
minutos para atribuírem uma nota. Para o teste de crenças, não foi necessário dar orientação,
pois as questões eram fechadas. O total de tempo utilizado para a realização dos testes foi de
aproximadamente cinquenta minutos.
Os resultados dos testes revelaram alunos em conflito entre a aprovação da variedade
linguística utilizada por eles mesmos (testes de atitudes) e a declaração de que não sabem ler,
nem escrever bem (teste de crenças). Esse é um dado importante, tendo em vista que os
falantes que dominam a norma culta são aqueles que possuem um maior nível de escolaridade
associado, em geral, a um nível socioeconômico mais elevado. Por isso, essa norma é vista
com maior prestígio social do que as demais presentes no cotidiano da sociedade, sendo estas
consideradas, então, como variedades estigmatizadas. Entretanto, não se pode reduzir a
23 
 

língua, que é intrinsecamente heterogênea, à possibilidade de assumir uma só forma: a do uso


correto da língua, conforme efetua a gramática tradicional. (PETTER, 2011, p.10) Cabe então
à escola aceitar a variedade que o aluno utiliza e não assumir uma atitude preconceituosa
referente a ela.

1.3.2 Sociolinguística em ação – crenças linguísticas em sala de aula

Em Uma perspectiva sociolinguística no trabalho escolar com a língua materna,


Cyranka (2011) relata um trabalho piloto, realizado em duas turmas: uma de quinto e outra de
sexto ano do ensino fundamental. Este foi a primeira parte de uma pesquisa-ação que seria
desenvolvida, por dois anos letivos, a partir de 2009. Desta preliminar participaram, além do
pesquisador, quatro alunos do curso de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora. Em
todas as aulas, havia, pelo menos, dois universitários que participaram nela, ora fazendo
anotações, ora desenvolvendo atividades ou atuando no lugar do pesquisador. As aulas foram
realizadas às quartas-feiras, durante cinquenta minutos, em ambas as turmas, sendo que as
aulas eram subsequentes. A pesquisadora e os observadores assumiam a turma durante esse
tempo. Além disso, foi desenvolvido o mesmo plano de aula nas duas turmas a fim de que
fosse possível perceber as diferenças em relação às crenças e atitudes linguísticas propostas na
pesquisa.
Neste artigo, a autora destaca duas seções que explicam a parte inicial do projeto,
sendo estas: Sobre a consciência da legitimidade das variedades dialetais e Sobre o
conhecimento/ reconhecimento de variantes dialetais nas dimensões sexo/idade e cortesia.
Na primeira seção, Cyranka (2011) cita que foi realizada uma entrevista
semiestruturada, que incluiu a participação de todos os alunos. Sobre o tema A língua que
falamos, foram construídas, a partir da entrevista, as seguintes categorias para análise: 1.
Consciência do falante sobre a identidade da língua, 2.Consciência da existência de outras
línguas, 3. Consciência sobre a existência de dialetos do português brasileiro e da presença
de falantes de outras línguas no Brasil, 4. Crenças positivas do falante em relação à sua
própria competência do uso da língua e 5. Utilidade da disciplina Português na escola. Por
meio de uma análise dos resultados das três primeiras categorias, pode-se notar que os alunos
de ambos os anos tinham a mesma consciência linguística, visto que a pesquisa revela o
conhecimento, nos alunos de quinto e sexto anos, das duas primeiras categorias e o
24 
 

desconhecimento da terceira. Já na quarta categoria, referente às crenças linguísticas positivas


dos alunos, houve uma diferença. Ao passo que os alunos do quinto ano demonstraram
encarar de forma positiva o seu jeito de falar, os alunos do sexto ano consideraram, em sua
maioria, que não eram bons falantes de seu idioma materno. O mesmo ocorreu com a quinta
categoria, porque os alunos do quinto ano indicaram que a disciplina Português servia “para
aprender o que é diferente e escrever” e os alunos do sexto ano demonstraram acreditar no
fato de ela servir “para falarem e escrever direito” (p.134). Assim, é possível perceber que os
alunos do sexto ano começam a ter uma visão preconceituosa, o que não ocorre ainda no
quinto ano. A autora afirma que é possível encontrar uma relevante diferença “já no intervalo
de um ano letivo que medeia a vida escolar dos alunos do 5° e do 6° anos (...) no que diz
respeito à construção de suas crenças sobre sua competência como falantes nativos da língua
portuguesa.” (p. 134)
Na segunda seção do artigo, Sobre o conhecimento/ reconhecimento de variantes
dialetais nas dimensões sexo/idade e cortesia, Cyranka (2011) apresenta duas categorias de
análise que foram utilizadas para analisar os resultados do trabalho com as variantes dialetais,
sendo estas: Presença de reconhecimento das variantes de sexo e idade e Ausência de
recursos para variantes de polidez . 88,8% dos alunos do quinto ano e 95,8% dos alunos do
sexto ano conseguiram reconhecer as variantes de sexo e idade, mas apenas 35% dos alunos
de quinto ano e 33% dos alunos de sexto ano não conseguiram empregar adequadamente
variantes de polidez. Como exemplo, Cyranka menciona o fato de nenhum aluno estar
familiarizado com a expressão “por obséquio”.
O que se notou nesta etapa preliminar foi a necessidade de serem adotadas estratégias
pedagógicas que auxiliassem os alunos no aprendizado da variedade culta sem que tenham
sido dispensados os conhecimentos linguísticos aos quais os alunos têm acesso em sua
comunidade linguística, mesmo antes de iniciar seus estudos formais.
Escolheu-se incluir esse artigo, pois aponta para o fato de que apenas no sexto ano do
ensino fundamental os alunos começam a ter algumas crenças linguísticas estigmatizadas. O
mesmo foi percebido na pesquisa realizada com os alunos de Paracambi, conforme é revelado
na seção 3.1. Vale salientar a continuação deste estudo referente, publicada no artigo A
Sociolinguística no ensino fundamental: resultados de uma pesquisa-ação (Cyranka,2011,
p.143-158). Cyranka (2011) inicia o artigo indicando a metodologia utilizada: pesquisa-ação.
O objetivo deste estudo foi “[...] verificar a viabilidade da adoção de uma perspectiva
sociolinguística nos procedimentos didáticos desse segmento [segundo segmento Ensino
25 
 

Fundamental], para o ensino/aprendizagem das variedades urbanas prestigiadas do português


do Brasil...”. (p.143)
Essa pesquisa-ação foi realizada no ano letivo de 2009 em três turmas do ensino
fundamental, sendo uma do quinto ano e duas do sexto. No final da pesquisa, foi feita uma
análise contrastiva com outra turma de sexto ano que não tinha sido alvo das intervenções.
Participaram da pesquisa dois alunos bolsistas do curso de Letras da UFJF, uma voluntária, as
professoras regentes da turma, que decidiram ficar na sala de forma espontânea, e a
pesquisadora. As ações ocorreram às sextas-feiras, por um período de uma hora.
Foi escolhida como proposta metodológica o contínuo rural/urbano, proposto por
Bortoni-Ricardo (2004). No polo rural do contínuo, encontram-se as construções
estigmatizadas, que apresentam traços descontínuos, pois seu uso não é comum em áreas
urbanas. No polo urbano, “estão as variedades urbanas que receberam a maior influência dos
processos de padronização da língua” (Bortoni-Ricardo, 2004, p.52). Na zona rurbana, espaço
entre os dois contínuos, estão os falantes de origem rurais e interioranos que foram
influenciados por núcleos linguísticos urbanos.
Multilinguismo e as diferenças dialetais foi o tema das primeiras intervenções. Foram
discutidos os aspectos diastráticos, diafásicos e diatópicos. Para trabalhar o contínuo
rural/urbano, foram utilizadas a poesia Sabiá e gavião, de Patativa do Assaré e O pássaro
cativo, de Olavo Bilac. Primeiro, foi feita a leitura dos poemas, a seguir, discutida a temática
deles e, por fim, concentrou-se na maneira como cada poeta se expressa.
Cyranka (2011) relata que um dos alunos mencionou o fato de a poesia de Patativa do
Assaré parecer estar em outra língua. Um aluno disse que era fala de jeca. A pesquisadora
perguntou se os alunos sabiam falar daquele jeito e um dos alunos respondeu “Eu sei, porque
eu vim da roça”. Essa tomada de consciência da variedade rural foi muito importante,
conforme salientado no artigo, pois permitiu uma reflexão sobre as diferenças entre a
variedade rural e a urbana, incluindo a parte fonológica, que mais chamou a atenção dos
alunos. Foi trazida à atenção também a diferença morfossintática, no que concerne à
concordância verbal e nominal. Os alunos conseguiram perceber de forma clara os traços
fonéticos e morfossintáticos tanto do contínuo rural quanto do contínuo urbano. Notaram,
inclusive, um falar “misturado”, que se refere à parte rurbana do contínuo.
Houve também uma sessão de contar de histórias. Foram utilizados três contos, entre
eles, O fogão de ferro, de Irmãos Grimm. Os alunos perceberam que a linguagem do conto se
aproximava da variedade urbana e citaram traços que o aproximavam disso.
26 
 

Percebeu-se, então, que era o momento de levar os alunos a uma tomada de decisão
mais radical, que consistia em apresentar a eles o contínuo rural/urbano. Para isso, a
pesquisadora ensinou aos alunos o que era um sistema gráfico de representações e, então,
relacionou esse conceito às variedades rural e urbana, nomes que eles já conheciam bem. Os
alunos foram levados a situarem textos e falantes que representavam bem cada uma dessas
variedades. Foram citados Patativa do Assaré e Chico Bento como falantes rurais e Olavo
Bilac, autores de livros didáticos, professores como falantes urbanos, sendo, portanto,
situados, no outro extremo do contínuo. Aos poucos, os alunos citaram conhecidos e parentes,
até chegarem à mídia.
A autora indica que os alunos chegaram ao significado da palavra rurbano por
dedução. Segundo ela, isso ocorreu a partir da comparação de outras palavras formadas pelo
processo de composição, como a palavra planalto, que surge da composição de plano + alto.
Ao serem indagados sobre em qual ponto do contínuo estavam, os alunos se sentiram
intimidados. Tendo em vista que a variedade urbana é a legitimada pela escola, a
possibilidade de se reconhecer distanciado dessa variedade fez com que os alunos ficassem,
inicialmente, em silêncio. A seguir, uma aluna identificou sua avó no falar rurbano. A
pesquisadora, então, perguntou em que ponto do contínuo ela estava e um aluno disse
“rurbano”. A partir do momento em que a pesquisadora escreveu seu nome nessa parte do
contínuo e escreveu o nome das professoras e das bolsistas, os alunos foram se situando em
diferentes pontos do contínuo. Os alunos se reconheceram como falantes rurbanos e
justificaram sua resposta com características de sua fala.
Para que os alunos percebessem o papel da escola em ampliar suas competências
linguísticas, foi escrito o vocábulo escola ao lado de urbano/culto no contínuo. Além disso, o
trabalho não foi realizado apenas em sala de aula, mas em espaços complementares.
Foram realizadas também entrevistas semiestruturadas com as professoras regentes,
que reconheceram a relevância do trabalho para a tomada de consciência por parte dos alunos
do papel que a escola desempenha no que tange à ampliação dos conhecimentos linguísticos
dos alunos. Além disso, a partir dessa pesquisa-ação, os alunos participantes conseguiram
reconhecer a heterogeneidade linguística, o que pode fazer com que eles percebam que cada
uma das variedades estudadas é legítima, de acordo com o contexto em que estão inseridos.
27 
 

2 METODOLOGIA

O objetivo deste capítulo é descrever a metodologia utilizada na elaboração desta


pesquisa. Buscou-se uma análise qualitativa dos dados, visto que nesse tipo de pesquisa, de
base interpretativista, “os pesquisadores estão mais interessados no processo do que no
produto.” (BORTONI-RICARDO, 2011, p. 41) Assim, foi pensado mais nas aulas, como
parte do processo de ensino-aprendizagem do que nos resultados obtidos em ambas as
aplicações do teste de crenças linguísticas. Por conta dessa intenção, a questão da extensão
universitária foi pensada; assim, nesta seção, será feito um relatório das aulas a fim de que
professores interessados utilizem o que foi abordado nesta pesquisa a fim de disseminar a
sociolinguística em sua prática pedagógica.
Sabe-se que a universidade é responsável por produzir conhecimento científico. Em
tese, seu papel incluiria deixar a sociedade a par do que ocorre nesse campo. Entretanto, essa
não é a realidade que se observa atualmente. O saber acadêmico tem se restringido aos muros
das universidades e, em muitos casos, esse espaço tem sido utilizado apenas para se obter
conhecimento e produzir artigos científicos, teses, relatórios de pesquisa e similares.
Talvez por conta dessa realidade, pouco se fale nas universidades sobre o princípio da
indissociabilidade entre pesquisa, ensino e extensão, que deveria permear todas as atividades
que ocorrem nesse ambiente. A troca entre pesquisadores e sociedade que deveria ser
fundamental para a produção científica, na maioria das vezes, é deixada de lado. Conforme
assinala DIAS (2009), essa não é uma questão de escolha pessoal do pesquisador, pois o
princípio da indissociabilidade existe e deveria ser observado, pois foi consagrado, juntamente
com o princípio da autonomia universitária (didático-científica, administrativa e de gestão
financeira e patrimonial), na Constituição Federal de 1988, nos termos do artigo 207. (p.38)
Levar a sociolinguística para fora da universidade configurou um dos objetivos
principais dessa pesquisa. Por isso, não se bastou apenas apresentar os dados coletados e
interpretá-los, mas esse estudo centraliza-se em propor uma ação, ou seja, uma mudança de
status quo. Apresentar aos alunos a variação linguística como natural, simétrica e, portanto,
previsível em todo e qualquer sistema linguístico, constituiu o tema central dessa dissertação.
Assim, essa pesquisa procurou avaliar se é possível que essa discussão se constitua como uma
tarefa regular na escola.
Além das aulas, foi aplicado um teste de crenças linguísticas em alunos do sexto
ano do ensino fundamental de uma escola pública do município de Paracambi (RJ), conforme
28 
 

será demonstrado na seção 2.7. O resultado da aplicação inicial desse teste serviu de base para
a seleção das questões a serem desenvolvidas nas aulas de Sociolinguística. Em seguida,
foram ministradas as aulas. Por fim, os alunos refizeram o mesmo teste de crenças. O objetivo
desta segunda etapa foi verificar se as aulas fizeram com que os alunos refletissem sobre as
suas crenças linguísticas apresentadas na primeira aplicação.
Neste capítulo, haverá três seções. A seção 2.1 apresentará a escola que cedeu
espaço para que esse trabalho acontecesse. Na seção 2.2, será feita uma análise da turma que
participou da pesquisa. Em seguida, as seções 2.3 a 2.6. servirão para detalhar as aulas. Para
cada aula descrita, serão citados os objetivos que foram traçados, os conteúdos ministrados e a
reação da turma diante deles. Em relação à linguagem, deve-se mencionar o fato de, apenas
nas seções que descrevem a turma e cada uma das aulas – seções 2.2, 2.3, 2.4, 2.5 e 2.6 - estar
sendo utilizada a primeira pessoa do discurso.
Como material, foram utilizados giz branco e colorido, quadro-negro, folhas
impressas com as informações a serem analisadas com os alunos. Utilizou-se um celular com
gravador de voz a fim de que a pesquisadora tivesse acesso posterior à reação que os alunos
tiveram ao assistir a cada aula. Isso possibilitou uma análise mais minuciosa da própria aula
ministrada pela professora.

2.1 A escola

As aulas de Sociolinguística foram ministradas no sexto ano do ensino fundamental de


uma escola pública, localizada no bairro de Lages, município de Paracambi (RJ). No ano
letivo de 2013, quando a pesquisa foi realizada, havia catorze turmas na escola, todas do
ensino fundamental (primeiro e segundo segmentos), e, aproximadamente, 380 alunos
matriculados. As aulas eram ministradas no turno da manhã e no turno da tarde, sendo sete
turmas de manhã e sete turmas à tarde.
A escola é bem pequena e não possui boa infraestrutura. Há apenas seis salas,
proporcionalmente pequenas em relação ao número de alunos. Além disso, às vezes, faltam
carteiras para os alunos se sentarem, o que faz com que os próprios discentes tenham de ir a
outras salas para procurar um assento. Não há nem mesmo sala de professores, assim os
docentes ficam, no intervalo e no horário de planejamento, no refeitório ou no pátio da escola.
29 
 

Não há biblioteca, apesar de haver uma funcionária responsável pelos livros, que ficam
em uma sala, ocupada por uma turma no turno da manhã, e apenas os alunos do turno da tarde
têm acesso aos livros. Essa situação faz com que poucos alunos se interessem pela leitura de
textos literários.

2.2 A turma

A turma com a qual eu trabalhei era composta por 36 alunos, sendo 19 meninas e 17
meninos. Há alguns alunos que apresentam distorção série/idade, portanto, há significativa
diferença entre a idade desses alunos e a faixa etária da maioria da turma, que é , em média,
de onze anos e oito meses. Os alunos pertencem à classe baixa, no que se refere à questão
econômica, alguns alunos da turma até mesmo recebem benefícios do Governo Federal que
são concedidos a famílias que apresentam baixa renda.
Foi escolhido o sexto ano do ensino fundamental a fim de que os alunos comecem a
construir a noção adequada de língua na época certa, tendo em vista que, conforme assinalado
na seção 1.3.2., segundo Cyranka (2011) , alunos de quinto ano demonstraram segurança em
relação à sua competência linguística, já no sexto ano, os alunos apresentaram uma visão
preconceituosa em relação à sua própria fala.
É importante citar os contínuos propostos por Bortoni-Ricardo (2004), contínuo de
urbanização, contínuo de oralidade- letramento e contínuo de monitoração estilística, a fim de
situar em qual grau do contínuo de urbanização os alunos do município de Paracambi se
encontram. Conforme salienta a autora,
os grupos rurbanos são formados pelos migrantes de origem rural que preservam
muito de seus antecedentes culturais, principalmente no seu repertório linguístico, e
as comunidades interioranas residentes em distritos ou núcleos semirrurais, que
estão submetidas à influência urbana. (BORTONI-RICARDO, 2004,p. 52)

Os alunos estão, portanto, entre o contínuo rural e o urbano, o que é caracterizado pela
zona rurbana do contínuo proposto pela autora supracitada.
Participaram do teste de crenças inicial 33 alunos e, ao mencionar cada aula, citarei os
números de alunos presentes em cada uma. As aulas duraram, em média, trinta minutos.
30 
 

Fui a professora regente dessa turma. Iniciei meu trabalho nesta escola em fevereiro de
2013, no início do ano letivo, e ministro as disciplinas de Língua Portuguesa e Produção de
Texto para a turma com a qual trabalhei nesta pesquisa. No total, tenho cinco tempos com
essa turma. As aulas são realizadas às segundas-feiras das 7h10 às 8h50 e das 10h50 às 11h40
e às quintas-feiras no horário das 7h10 às 8h50. O horário que eu selecionei para a realização
das aulas foi o último tempo das segundas-feiras. Essa escolha se deve ao fato de alguns
alunos chegarem à aula bem atrasados e, no último horário, não haveria retardatários. Além
disso, o fato de esse tempo de aula ser separado facilitou a organização dos alunos. Eu já
chegava à sala de aula e pedia que os alunos guardassem o material para nós conversarmos.
Essas conversas foram tão significativas no início deste ano letivo que, no decorrer do ano, os
alunos pediam que nós voltássemos a conversar sobre “a língua do povo” e “a língua da
escola”.
O teste de crenças linguísticas foi realizado, pela primeira vez, no dia 15 de abril e a
reaplicação aconteceu no dia 3 de junho, após a realização das aulas. As aulas de
Sociolinguística ocorreram nos dias 6, 13, 20 e 27 de maio de 2013. As aulas foram,
predominantemente, expositivas, mas ocorreu intensa participação dos alunos.

2.3 Registro da primeira aula de Sociolinguística

Nesta seção, serão analisados os objetivos, os conteúdos e a reação da turma na primeira


aula, que consistiu no primeiro contato que os alunos tiveram com o tema em análise. Muitos
alunos, pela primeira vez na vida, pensaram na possibilidade de existirem conceitos que
podem ser socialmente encarados como certos ou errados, ou seja, deixaram de ver algumas
ideias como dicotômicas . Esse registro é importante para que se acompanhe o andamento do
que foi planejado no que se refere a todas as aulas, que buscaram contribuir para a mudança
de crenças linguísticas por parte dos alunos.

2.3.1 Objetivos da aula


31 
 

A primeira aula de Sociolinguística ocorreu no dia 6 de maio de 2013, em uma turma


de sexto ano. Dela participaram 29 alunos. As outras três aulas foram ministradas na mesma
turma, que, conforme já foi mencionado, é composta por 36 alunos. Nem todos os alunos
assistiram a todas as aulas. Sou professora regente dessa turma, o que pode ter facilitado a
aplicação dos testes e a realização das aulas. O objetivo específico da primeira aula foi fazer
os alunos refletirem sobre o conceito de certo e errado e perceberem que esses são flexíveis,
na maioria dos casos.

2.3.2 Conteúdo

Para atingir os objetivos traçados na seção 2.3.1, comecei a aula, escrevendo no


quadro as palavras CERTO e ERRADO e perguntei o que significava cada uma delas. Citei
também uma aluna que estava comendo salgadinho de milho bem cedo. A seguir, perguntei se
tudo que existe na vida poderia ser enquadrado no conceito de “certo” ou “errado”, isto é, se
algo pode ser certo e errado, ao mesmo tempo. Nesse momento, os alunos tiveram dificuldade
em responder, o que fez com que eu perguntasse “Uma coisa pode ser certa para um e errada
para outro? Por quê?”. Os alunos ainda assim hesitaram em responder. Por conta disso, como
exemplo, eu citei que alguns alunos na turma acham que comer doces e salgadinhos de manhã
é certo, visto que essa é uma prática comum durante a aula. Eu disse que, para mim, comer
esse tipo de alimento pela manhã não é certo, ou seja, é errado. Acrescentei, ainda, que, para
grande parte dos pais, provavelmente isso também não é certo. Citei outros exemplos, como
colar nas provas e cabular aulas, que são corretos para a maioria dos alunos e errados para a
maioria dos genitores.
Terminei a aula dizendo que na vida há situações, ideias e conceitos que são errados
para uma pessoa, mas para outra são certos, mas e na língua? Será que o mesmo acontece? A
escolha dessa pergunta foi feita a fim de que os alunos ficassem curiosos para a aula seguinte
e esperassem esse momento como um ponto alto da semana.

2.3.3 Reação da turma


32 
 

Os alunos estavam bem dispostos a participar dessa aula. Quando eu pedia a opinião
deles, todos queriam falar ao mesmo tempo. Era nítida a vontade da maioria dos alunos
participar.
Ao escrever no quadro as palavras CERTO e ERRADO, perguntei se havia situações
em que esses conceitos eram flexíveis, um aluno citou o fato de, no Brasil, a maconha ser
ilegal e em outros países ser legal. Outro aluno disse que cada um tem sua escolha; por isso,
algo que é errado sob o ponto de vista de uma pessoa pode ser certo para outra.
Quando falei sobre os diferentes pontos de vista dos pais e dos próprios alunos, em
relação a assuntos como cabular aula, colar nas provas e estudar, eles descreveram situações
cotidianas em que a diferença de opiniões é gritante. Uma aluna chegou a dizer “Se os pais
ouvirem a opinião dos filhos, tudo estaria certo”.

2.4 Registro da segunda aula de Sociolinguística

O objetivo desta seção é descrever a segunda aula de Sociolinguística ministrada na


turma pesquisada, da qual 32 alunos participaram. Essa ocorreu no dia 13 de maio de 2013,
após a aula de Língua Portuguesa sobre flexão do substantivo. O cronograma de aulas de
língua materna do segundo bimestre foi elaborado tendo em vista as aulas de Sociolinguística.
Assim, visto que, na segunda aula de Sociolinguística, seria demonstrada a organização do
plural da norma popular, pareceu necessário colocar a aula de flexão do substantivo anterior
àquela.
Dessa forma, os alunos perceberiam que a norma popular, assim como a norma
gramatical, possui regras e a variação é sistemática. Foram mostradas, portanto, aos alunos as
regras da flexão de número propostas pela norma gramatical, que se refere à concordância
entre artigo e substantivo, e a lógica da norma popular, que consiste na flexão de número
apenas do artigo e não do substantivo.

2.4.1 Objetivos
33 
 

Para que o aluno consiga aceitar as diferentes variedades com as quais tem contato, ele
deve entender que a língua é heterogênea e variável. Dessa forma, o objetivo desta aula foi
demonstrar aos alunos que as variedades desprestigiadas possuem regras e que as variações
presentes nelas, em relação à variedade culta, são sistemáticas. Essa consciência pode fazer
com que os alunos não tenham preconceito contra a fala dos outros nem com respeito à sua
própria fala.
Sabe-se que é papel da escola conhecer a variedade linguística trazida pelo aluno e não
estigmatizá-la; pelo contrário, ela deve utilizar sua estrutura para ensinar a norma gramatical.
E aos alunos cabe compreender as diferentes modalidades na qual a língua pode existir – fala
e escrita - , bem como reconhecer as diversas variedades para usar a mais adequada a cada
situação. Entretanto, não é isso o que ocorre muitas vezes. Sabe-se que o preconceito
linguístico existe em várias entidades sociais. Por conta disso, a fim de fazê-los refletir sobre a
validade dessa visão estigmatizada, foi trazida à tona essa questão da regularidade da norma
popular.

2.4.2 Conteúdos

Foram distribuídas folhas com os seguintes textos:

TEXTO I
(...) A vida não me chegava nem pelos jornais nem pelos livros
Vinda da boca do povo na língua errada do povo
Língua certa do povo
Porque ele é que fala gostoso o português do Brasil
(...)
(Manuel Bandeira)

TEXTO II
A linguagem
na ponta da língua,
tão fácil de falar
34 
 

e de entender.

A linguagem
Na superfície estrelada das letras,
sabe lá o que ela quer dizer.
(...)
(Carlos Drummond de Andrade)

Sobre o texto I foi feita a seguinte pergunta: “A qual língua o eu lírico tinha acesso?”.
Precisei ensinar aos alunos o conceito de eu lírico, pois eles não conheciam o significado
dessa palavra. A seguir, os alunos responderam que era à língua do povo. Eu perguntei se essa
língua, que é a utilizada pelos falantes em geral, era igual à aprendida na escola. Um aluno
respondeu que era diferente, pois, na rua, se aprende a falar errado e na escola se aprende a
falar certo. Nesse momento, deixei que os alunos falassem o que quisessem, a fim de
estimulá-los a expressar suas opiniões durante as aulas. Um aluno disse: “Já viu mineiro,
como que fala?”. Nesse momento, a turma começou a se sentir à vontade para expressar sua
opinião. Contudo, deixar o assunto variação sem restringi-lo ao campo sociocultural fez com
que os alunos mencionassem a variação diatópica, que não é objeto desta pesquisa. Apesar
disso, não foram ignoradas as observações, pois o objetivo era não reprimi-los, até porque eles
demonstraram estranhar, no início, aquela conversa em uma aula de Língua Portuguesa.
Após os alunos se expressarem, voltei a analisar o texto com eles. Levei-os a pensar
no significado do primeiro texto, que consiste no fato de a vida chegar para o poeta pelo falar
popular. Assim, para que o poeta vivesse, não foi necessário que ele soubesse a língua da
escola, mas seu saber, que se refere à língua materna, ao falar a que teve acesso, foi suficiente
para ele. O objetivo dessa reflexão foi levar os alunos a pensarem sobre a importância da
norma popular, ou “da língua errada do povo”, conforme salienta o poeta.
Comentei ainda sobre Manuel Bandeira mencionar que a norma culta é de acesso
restrito, tendo em vista que está presente ‘nos jornais e nos livros’. Comecei uma discussão no
que se refere a esse fato. Alguns alunos apontaram o fato de conhecerem pessoas que não
tiveram a oportunidade nem mesmo de aprender a ler, como vizinhos ou parentes, sendo,
portanto, exemplos de falantes que não têm acesso à norma culta.
O texto II fez com que discutíssemos sobre a facilidade da “língua do povo”, que é
espontânea, natural e não monitorada, e a língua proposta pela escola, que é artificial, forçada
35 
 

e monitorada. Essa diferença levou-nos a analisar a imposição que, muitas vezes, a escola faz
das normas urbanas de prestígio.
Além disso, levei os alunos a se perguntarem: por que essa língua seria errada? Para
quem ela seria errada? Será que há possibilidade de ela ser certa para alguém? Levar os
alunos a fazerem uma reflexão sobre esse assunto foi o objetivo principal da análise desses
textos.
Após discutir a temática dos textos, foram mostradas aos alunos as diferenças entre a
norma popular, a que chamamos, na aula, de língua do povo. Optou-se por chamar a norma
popular de língua do povo e a norma gramatical de língua da escola, devido ao fato de a
discussão desse tema por parte dos alunos ser bem nova. Essa foi a primeira vez em que
ouviram falar disso, até porque, em muitos professores não mesmo conhecem a organização
das variedades desprestigiadas, o que faz com que ocorra o preconceito com relação à
variedade utilizada pelo seu aluno. Além disso, essa foi a expressão utilizada no texto I.
Entretanto, no final da aula, foi dito que a língua que aprendemos na escola recebe o nome de
norma gramatical e a língua do povo é chamada de norma popular.
Foram, então, apresentados os seguintes exemplos: o menino- os meninos, o pastel –
os pastéis, o cidadão – os cidadãos, o jornal –os jornais. Visto que havíamos estudado, no
mesmo dia, sobre a flexão do substantivo, os próprios alunos disseram quais regras eram
aplicadas em cada um dos exemplos citados. Os alunos perceberam, então, que a norma
gramatical, a que se aprende na escola, tem regras. De forma similar, foram apresentados
exemplos que indicavam que a norma popular, ou língua do povo, também apresenta regras.
Foi, então, citado o fato de, na norma popular, apenas o artigo ser flexionado.
Para efeito de comparação, foi mencionado o seguinte exemplo da língua inglesa: the
book- the books. A seguir, foi dito que, em inglês, só muda o substantivo no plural, o artigo
continua no singular. Portanto, o inglês pareceria um pouco com a “língua do povo”. Com
base nisso, perguntei se poderíamos dizer que a língua do povo é errada. Os alunos
responderam que não.
Apontei ainda o fato de uma sentença como * “o meninos” ser agramatical. Fiz isso
por anotar a sentença no quadro e perguntar aos alunos se eles já haviam ouvido uma
construção como essa. Imediatamente, disseram que não. Isso foi importante para que eles
percebessem que a norma popular apresenta regularidades e não é desordenada, como muitos
pensavam.
Ao final da aula, foi trazida a atenção à situacionalidade discursiva. Ao perguntar qual
das duas formas normas era a certa, os alunos tiveram dúvidas para responder e ficaram bem
36 
 

divididos em relação à resposta. Fiz, então, as seguintes perguntas: “Ir para a praia de vestido
longo é certo? E para um casamento de Havaianas?” O objetivo foi mostrar aos alunos que,
assim como a situação indica a roupa que vamos usar, o contexto determinará o “tipo” de
língua que deve ser utilizado. Não se deve, portanto, pensar em certo e errado, mas em
adequado e inadequado.

2.4.3 Reação da turma

Foi perceptível a visão que os alunos têm de si mesmos como pessoas que falam a
língua portuguesa de forma errada. O estigma social está presente na turma, o que faz com
que o preconceito social também ocorra. Frases como “A língua do povo tem muitas gírias”,
“Eu falo errado” e “Eu falo os cana.” foram recorrentes.
No final da aula, todavia, alguns alunos expressaram as seguintes frases “Cada um tem
a sua opinião.”,“ O povo é preguiçoso.”, “O povo não fala de maneira errada a gente que vê
de maneira errada.” e “Eu entendi que cada pessoa tem um modo diferente de falar.” Essas
afirmativas parecem apontar para o fato de os alunos terem entendido que as construções da
norma popular não são assistemáticas e nem indicam que as pessoas que as usam são menos
inteligentes que as demais. Na verdade, toda variedade linguística apresenta regras e os
falantes precisam aprender a utilizar a variedade que melhor se encaixa ao contexto em que
está inserido. Além disso, as manifestações dos alunos indicaram uma aparente mudança em
suas crenças linguísticas.

2.5 Registro da terceira aula de Sociolinguística

Nesta seção, serão apresentados o objetivo da terceira aula, a metodologia utilizada em


sua composição, os conteúdos apresentados nela e a reação da turma diante dela. Esta aula foi
realizada no dia 20 de maio e 33 alunos estavam presentes nela. A terceira aula apresentou-se
como continuação da segunda, pois destacou outros argumentos que apoiam os pressupostos
teóricos da Sociolinguística em relação à heterogeneidade linguística.
37 
 

2.5.1 Objetivos da aula

O objetivo desta aula foi explicar aos alunos algumas regras da norma popular a fim
de comprovar o que foi estudado na segunda aula, que não apenas a norma gramatical tem
regras.
Essa aula torna-se relevante ao se pensar no fato de que o aluno que não domina a
norma culta tende a ser estigmatizado. Isso pode fazer com que ele não se sinta confortável
para se expressar e, pior, ache que não consegue falar corretamente. A consequência disso é
baixa autoestima e a visão dicotômica de que a língua só tem um uso certo e os demais são
errados e que ele e outros falantes de sua comunidade não precisam ser respeitados.
Todavia, essa não é uma verdade. Conforme assinala Bortoni-Ricardo (2011), a
variação linguística cumpre duas finalidades essenciais: a primeira é ampliar a eficácia da
comunicação e a segunda refere-se à marcação da identidade social do falante ou do grupo a
que ele pertence. Sendo assim, rejeitar a variedade linguística utilizada pelo aluno envolve
rejeitar sua identidade ou a do grupo ao qual o indivíduo pertence. Isso pode fazer com que o
aluno se sinta excluído e tenha dificuldade em compreender a relevância de aprender a norma
gramatical, o que tende a desanimá-lo nesse processo.

2.5.2 Conteúdos

Foram colocadas no quadro as seguintes construções: “O Framengo é melhor do que o


Fruminense.”, “O bejo do rapaz é doce.”, “Você vai trabaiá hoje?” e “A cuié caiu.”. A seguir,
foram retomados alguns aspectos da aula anterior, como o fato de muitos falantes utilizarem
a norma popular, que apresenta uma lógica. Foram, assim, discutidas com os alunos as
estruturas assinaladas no quadro.
Apresentei, então, os versos abaixo:

“E não de agreste avena, ou frauta ruda” (canto I, verso 5)


“Doenças, frechas, e trovões ardentes” (X, 46)
“Era este Ingrês potente, e militara” (VI,47)
38 
 

“Nas ilhas de Maldiva nasce a pranta ”(X, 136)


“Pruma no gorro, um pouco declinada”(II, 98)
“Onde o poeta jaz, que a lei pubrica” (VII, 34)
(BAGNO, p.45, 2011)

O objetivo de apresentar esses versos de Luís de Camões, publicados no livro Os


Lusíadas, em 1572, foi demonstrar aos alunos que a língua portuguesa possui uma tendência
rotacizante. Foram, assim, apresentadas formas como ”frauta”, “frechas”, ”ingrês”, “pranta”,
“pruma” e “pubrica” a fim de indicar que essas palavras, que antigamente eram vistas como
corretas e, atualmente, são formas estigmatizadas, pois não são aceitas pela norma culta. Isso
indica que a norma popular não é irregular, mas apresenta regras. Visando a comprovar a
tendência rotacizante do português foram apresentadas algumas palavras em latim, português,
francês e espanhol. Foram utilizadas as seguintes palavras: “ecclesia”, “eglise”, “iglesia”,
“igreja”, “sclavu”, “esclave”, “sclavo” e “escravo”. Percebe-se, nesses casos, que das três
línguas modernas apresentadas, apenas o português não manteve, nos encontros consonantais
, o “l” latino .
Sobre a transformação de lh em i, foram citadas as palavras “colher”, “trabalho”,
“batalha” e “abelha” em francês. As formas “cuiller”, “travailler”, “bataille” e “abeille, apesar
de serem escritas com “ll”, são pronunciadas com “i”, das seguintes maneiras: (“küyér”,
“travayê”, “batáye” e “abéy”). Conforme assinala Bagno (2011, p. 58), “hoje, se
compararmos algumas palavras do português padrão, do francês-padrão e do português não
padrão, vamos ver que essas duas últimas têm pronúncias bem próximas.” Essa questão foi
inserida na aula para que os alunos percebessem que a norma popular, assim como o francês e
o norma gramatical, veio do latim. Se, em francês, a pronúncia de “ll” é indicada pelo som
“y”, não haveria motivos para estranhar o fato de o mesmo processo ter acontecido com a
norma popular.
Para finalizar essa questão, foram apresentadas as explicações sobre a redução do
ditongo presente em palavras como “beijo”, em que há a redução do ditongo “ei” em “e”. Por
questões fonéticas, isso ocorre apenas quando o ditongo “ei” aparece diante das consoantes
“j”, “x” e “r”. “Isso indica que o português não padrão não é caótico, desorganizado ou
ilógico. Se fosse assim, qualquer ditongo “ei” seria reduzido a “e”, o que, de fato, não ocorre.
Para facilitar a percepção dos erros e verificar o modo como os alunos enxergavam-
nos, foram utilizados, inicialmente, traços descontínuos. Esses traços, “recebem a maior carga
de avaliação negativa nas comunidades urbanas”, pois “seu uso é ‘descontinuado’ nas áreas
39 
 

urbanas”, como “frauta” e “abêia”, por exemplo. Em seguida, foram utilizados traços
graduais, ou seja, “presentes na fala de todos os brasileiros e, portanto, se distribuem ao longo
de todo o contínuo [rural-urbano]”. (BORTONI-RICARDO, 2004, p.53)
A reflexão proposta nesta aula objetivou induzir os alunos a perceber que o
preconceito linguístico tem uma raiz social e não linguística, pois a noção de erro não é
confirmada por uma análise científica de construções pertencentes à norma gramatical.
Conforme assinala FARACO (2008),
Do ponto de vista estritamente gramatical, as variedades (ou normas) se equivalem,
isto é, todas são igualmente organizadas, todas são igualmente complexas. Isso não
significa que todas as variedades se equivalham socialmente. Há uma diferenciação
valorativa que hierarquiza as variedades. (...) O importante é entender que as
valorações não são ‘naturais’, não são puramente linguísticas, mas resultam do
modo como se constituem as relações entre os grupos sociais.(p.72)

No final da aula, foi discutida a questão de a língua ser utilizada como instrumento de
poder. Salientei o fato de cada pessoa ter o seu jeito de falar, de acordo com fatores sociais,
familiares, escolares e culturais, o que faz com que as pessoas não tenham o direito de ter
preconceito. Além disso, o que é visto como “erro” pela norma gramatical apresenta
regularidades e uma lógica estrutural, inclusive se comparada a outras línguas.

2.5.3 Reação da turma

Os alunos foram, então, perguntados se as estruturas escritas no quadro estavam


corretas. Imediatamente se manifestaram e muitos disseram que conheciam pessoas que
falavam daquela forma. A maioria dos alunos disse que a construção estava errada. Um aluno,
porém, salientou: “Ninguém fala errado. Cada um tem o seu jeito de falar”.
Ao revisar o que havíamos aprendido na aula anterior, eu reforcei o fato de que
existem pessoas que falam conforme estava escrito no quadro. Um aluno logo disse que
estava errado. Nesse momento, eu disse que fatores como tempo de estudo, local onde mora,
pessoas com quem convive influenciam o modo de uma pessoa falar. Isso não significa que,
se ela não estudou, falará de forma errada. Citei novamente que até mesmo a norma popular
possui regras, como ocorre na construção “os menino”.
Citei Luís de Camões para embasar meu argumento de que não existe certo e errado
no que tange uma análise puramente linguística. Ao perguntar se alguém já tinha ouvido falar
40 
 

em Camões, descobri que nenhum aluno o conhecia. Eu disse, então, que ele foi um poeta que
viveu no século XVI, em Portugal. A seguir, li os versos citados na subseção anterior a essa.
Ao citar palavras que são consideradas erradas pela norma culta, como “croro”, “frecha” e
“pranta”, perguntei por que estavam escritas daquele jeito. Os alunos me disseram que
Camões devia ser analfabeto. Eu disse que não, que ele sabia ler e escrever, era um inteligente
poeta. Outro aluno me perguntou por que, então, Camões falava dessa maneira. Expliquei
que, naquela época, essas palavras eram vistas como certas. Falar flecha , por exemplo, era
visto como errado. De tanto o povo falar flecha, essa palavra atualmente é considerada certa.
Levei os alunos a pensarem no fato de a língua portuguesa ter uma tendência de transformar o
“l” em “r”. Nesse momento, um aluno mencionou que o português era igual ao Cascão,
personagem dos quadrinhos de Maurício de Sousa.
Analisei o quadro com as palavras em latim, francês, espanhol e português. Depois
disse que quando as pessoas falam “Quero um litro de croro” no lugar de “Quero um litro de
cloro”, não é porque elas são burras. Um aluno me interrompeu, dizendo que essas pessoas
fazem isso porque são latinas. Precisei corrigi-lo e indicar que tais indivíduos são brasileiros e
estão seguindo a tendência do português; por isso, seu modo de falar tem uma lógica.
Ao fazer um paralelo entre algumas palavras do francês e da norma popular, os alunos
citaram alguns parentes que falam de forma estigmatizada, como cuié, por exemplo. Perguntei
se o francês estava errado, pois lá eles falam desse jeito. Um aluno disse: “Não, é o jeito
deles. É a língua deles.”
No final da aula, mencionei que alguns sujeitos utilizam a língua como instrumento de
dominação. Salientei ainda o fato de que cada um tem o seu jeito de falar e não há motivo
para ter preconceito em relação ao modo como alguém fala. Perguntei, então, quem já tinha
sofrido preconceito ao deixar de utilizar a norma culta, ou seja, sido vítima de preconceito
linguístico. Muitos alunos disseram que já haviam presenciado e sido vítimas desse estigma.
Citaram, inclusive, alunos na sala de aula que costumam ser preconceituosos em relação a
isso.

2.6 Registro da quarta aula de Sociolinguística

O objetivo desta seção é relatar o que ocorreu na última aula de Sociolinguística,


realizada no dia 3 de junho de 2013. Assistiram a ela 30 alunos. Nessa aula, indiquei aos
41 
 

alunos a importância de aprender a norma gramatical. Conforme assinala Possenti (1996,


p.12), o

objetivo da escola é ensinar o português padrão , ou, talvez mais exatamente, o de


criar condições para que ele seja aprendido. Qualquer outra hipótese é um equívoco
político e pedagógico. A tese de que não se deve ensinar ou exigir o domínio do
dialeto padrão dos alunos que conhecem e usam dialetos não padrões baseia-se em
parte no preconceito segundo o qual seria difícil aprender o padrão.

Isso indica que, na escola, o indivíduo deve ter acesso à norma gramatical e cabe aos
componentes do setor pedagógico, o que inclui o professor de língua materna, elaborar
mecanismos para que os alunos aprendam essa variedade linguística. Além disso, privar os
alunos menos favorecidos socialmente de dominar a norma culta constitui segregação. Por
esse motivo, julgou-se necessário, nesta pesquisa, salientar aos alunos que a norma gramatical
deve ser ensinada nas aulas de língua materna.

2.6.1 Objetivos da aula

Essa aula foi elaborada para revisar os conteúdos aprendidos nas aulas anteriores e
indicar a importância da norma gramatical não apenas no contexto educacional, mas na
sociedade de forma geral. Conforme assinala POSSENTI (2000, p.13), deve-se ensinar a
norma gramatical nas escolas, pois pensar que os alunos que não a dominam não devem ou
não conseguem entendê-la é um equívoco.

2.6.2 Conteúdos

Tendo em vista que esta foi uma aula de revisão, foram apontados os principais
aspectos trabalhados em cada uma das aulas: não existe erro em uma análise puramente
linguística dos fenômenos de variação linguística, a norma popular apresenta variações
42 
 

sistemáticas e o falante precisa ser capaz de utilizar a variedade linguística que melhor se
adapta a cada contexto em que está inserido.
Após a revisão, foi passado que o papel da escola é ensinar a norma gramatical, o que
não significa impor ao aluno uma forma como certa. Foi mencionado ainda que a norma culta
é essencial em determinados contextos, principalmente no que tange à escrita, por isso
precisamos aprendê-la. Isso não significa que precisamos sempre falar de acordo com o que
aprendemos na escola, pois o contexto que indicará a variedade que devemos utilizar.

2.6.3 Reação da turma

Os alunos pareceram compreender o que foi dito, pois disseram que a “língua da
escola” era para ser usada na escola, quando fizessem provas e trabalhos, e a “língua do povo”
em outros lugares, como em casa e com os amigos. Perceber que diferentes variedades
linguísticas podem – e devem – ser utilizadas de acordo com a situação sociodiscursiva teve
um efeito positivo sobre os alunos. Foi possível notar ainda que os alunos apreciaram saber
que não falavam errado, mas precisavam aprender em que contexto utilizar cada modo de
falar.

2.7 O teste de crenças linguísticas

Nesta seção, será explicada como ocorreu a elaboração e a aplicação do teste de crenças
linguísticas, que foi parte da metodologia desta dissertação. Como já mencionado, o estudo
que embasou esta dissertação foi de Cyranka (2008); entretanto, houve significativas
diferenças na presente pesquisa. A subseção 2.7.1 descreverá como ocorreu a elaboração do
teste de crenças. Além disso, na subseção 2.7.2, será explicada a metodologia utilizada em
ambas as aplicações do teste de crenças linguísticas.

2.7.1 Composição do teste de crenças linguísticas


43 
 

A seguir, serão relatadas as etapas pelas quais passou a elaboração do teste de crenças
linguísticas que constitui parte do corpus desta pesquisa. Essa subseção servirá de justificativa
para o teste que foi elaborado e para o entendimento de sua relevância no contexto desta
pesquisa.
Antes de ser realizado o teste de crenças linguísticas com os alunos do ensino
fundamental, foi apresentada uma versão preliminar a três adultos. Objetivou-se, neste teste
piloto, verificar a consistência da relação entre as crenças e atitudes linguísticas. A primeira
parte consistiu em apresentar dez sentenças – cinco pares de crenças e atitudes linguísticas a
três informantes adultos, sendo dois homens e uma mulher de diferentes níveis de
escolaridade – ensino fundamental e médio. Entre as crenças e as atitudes linguísticas havia
uma relação de causa e efeito – as crenças levavam a atitudes. As atitudes apresentadas
relacionavam-se a cultura, amigos e parentes, escola e falantes escolarizados. A seguir, serão
citadas as crenças linguísticas apresentadas e as atitudes a elas relacionadas:

1. CRENÇA  O bom professor deve sempre falar de acordo com as regras gramaticais
(ou “corretamente”)
ATITUDE Se eu ouvisse algum professor dizer “Odeio chicrete de hortelã”, eu
acharia que ele ensina a matéria de forma errada, por isso eu nem prestaria atenção na
aula dele.

2. CRENÇA  As pessoas escolarizadas devem falar corretamente.


ATITUDE  Caso meu médico dissesse: “Você precisa comer abóbra”, eu não iria
acatar a orientação, porque, se ele nem sabe falar, então não é capaz de ser um bom
profissional.

3. CRENÇA  As pessoas que falam errado sofrem preconceito.


ATITUDE  Se um colega de classe diz “Agente fomos pro baile”, eu deixo de andar
com ele para que as pessoas não pensem que eu sou burra.

4. CRENÇA  Eu acho feio quando as pessoas falam errado.


44 
 

ATITUDE  Quando algum parente meu fala errado, como por exemplo, “O
Framengo é melhor que o Botafogo”, eu corrijo.

5. CRENÇA  O Português é uma língua muito difícil.


ATITUDE  Eu não presto atenção nas aulas de Português.

Seguem os resultados da aplicação deste teste piloto:

CN/AN INFORMANTE 1 INFORMANTE 2 INFORMANTE 3

CRENÇA 1 F F F

ATITUDE 1 V F F

CRENÇA 2 V F F

ATITUDE 2 F F F

CRENÇA 3 V V V

F F F
ATITUDE 3

CRENÇA 4 V V V

ATITUDE 4 V V V

CRENÇA 5 V V V

ATITUDE 5 F F V

Tabela 1- Resultado da aplicação do teste piloto.

A fim de verificar se o teste que seria aplicado nos alunos poderia ser apresentado
dessa forma, também foi feita uma entrevista com uma formanda do curso de Bacharelado em
45 
 

Letras da UFRJ. Foram apresentadas à graduanda as questões acima relacionadas e a relação


de causa e efeito pretendida. Os exemplos 1, 3 e 5 continham, para a estudante, total relação.
Já no exemplo 2, a atitude “Caso meu médico dissesse: ‘Você precisa comer abóbra’, eu não
iria acatar a orientação, porque, se ele nem sabe falar, então não é capaz de ser um bom
profissional.” foi citada como passível de ser melhorada, e ela sugeriu que o vocábulo abóbra
fosse substituído por uma palavra mais estigmatizada. Em relação ao quarto par, a estudante
disse que, se um indivíduo visse um colega falando de forma estigmatizada não se sentiria,
necessariamente, movido a deixar de andar com este. As modificações propostas pela
estudante, bem como suas colocações, foram levadas em consideração para a aplicação da
versão final do teste de crenças linguísticas.
Os resultados desta fase preliminar indicaram uma inconsistência entre as crenças e as
atitudes linguísticas relacionadas a elas. Os comentários da formanda e os dados presentes na
tabela demonstram isso. Conforme se nota na tabela, apenas a crença e a atitude 4
apresentaram um resultado compatível ao que era esperado. Por conta disso e de mudança de
disponibilidade da pesquisadora2, o teste no formato da versão preliminar foi descartado.
Partiu-se, então, para o planejamento de um teste de crenças linguísticas no formato de
Cyranka (2007).
Serão relatados a seguir os passos utilizados na elaboração do teste de crenças que
serviu de base a essa dissertação. Teve-se como base o teste de crenças linguísticas aplicado
por Cyranka (2007). Pelo fato de apenas as crenças linguísticas se relacionarem ao objeto
deste estudo, o teste de atitudes de Cyranka (2007) não está sendo levado em consideração.
Em Cyranka (2007), foram apresentadas 25 questões, sendo 24 fechadas e uma com
mais de uma possibilidade de resposta (“Há outras FALAS mais bonitas que a de Minas
Gerais, exemplo, a de ___________________”). Oito dessas assertivas fechadas eram de teor
subjetivo e dezesseis apresentavam um viés neutro, apesar de a autora não ter feito distinção
entre esses tipos. Entende-se aqui como questões subjetivas as que se relacionam à opinião do
sujeito em relação a determinada sentença; por isso, essas assertivas iniciam-se com
expressões como “Eu acho” e “Na minha opinião”. As questões neutras se referem à opinião
do sujeito sem se incluir na sentença. Uma diferença salientada pela autora refere-se ao tipo

___________________
4
Devido a compromissos de trabalho, que assumi no ano de 2013, o tempo que pude dedicar à dissertação foi
drasticamente reduzido. No primeiro ano de mestrado, fui bolsista, portanto, havia planejado elaborar uma
pesquisa mais extensa, o que acabou não acontecendo.
46 
 

de relação estabelecida entre sujeito, fala e escrita. Seis assertivas indicavam a relação do
sujeito com a escrita, dez do sujeito com a fala e oito entre fala e escrita. Observa-se, portanto,
um ponto de vista com pouco equilíbrio. Há, no teste, oito assertivas subjetivas e dezesseis
neutras.
No que se refere ao estudo realizado em Paracambi, vale ressaltar o fato de, no teste de
crenças linguísticas, ter-se tentado equilibrar o número de sentenças subjetivas e neutras.
Além disso, foram utilizados três grandes grupos de crenças linguísticas: em relação à escrita
e à fala e no que diz respeito ao preconceito linguístico. Para cada um desses grupos,
foram elaboradas duas sentenças neutras e duas subjetivas. O teste de crenças linguísticas
apresentou, portanto, dezesseis assertivas. Esse número se justifica devido à faixa etária dos
alunos participantes. Se o teste apresentasse 24 assertivas, tornaria cansativo para os
participantes. Isso foi confirmado pela reação de alguns alunos, que ressaltaram o fato de o
teste estar extenso. Por outro lado, caso o teste apresentasse oito frases, seria pouco para a
distribuição em cada item – escrita, fala e preconceito linguístico - , pois cada item contaria
apenas com uma questão objetiva e uma neutra. Veja, abaixo, o teste aplicado:
47 
 
48 
 

Figura 4- Teste de crenças linguísticas aplicado nos alunos do sexto ano.


Fonte: O autor, 2014
49 
 

Na tabela a seguir, estão incluídas as questões utilizadas no teste que foram baseadas
em Cyranka (2007).

Tabela 2- Questões baseadas em Cyranka (2007).


Fonte: O autor, 2014.

Baseada na sentença de
SENTENÇAS
Cyranka (2007):
O bom professor deve sempre O bom professor de Português
falar de acordo com as regras FALA sempre de acordo com
gramaticais. as regras de gramática.
A escrita é mais importante do A língua ESCRITA é mais
que a fala. importante do que a
FALADA.

Para eu escrever bem, é Para ESCREVER direito,


necessário que eu fale de forma deve-se melhorar o jeito de
correta. FALAR.

O grande diferencial em relação ao teste realizado por Cyranka (2007) diz respeito à
inclusão da temática do preconceito linguístico no teste de crenças. Outra diferença em
relação ao estudo supracitado refere-se à inserção de elementos distratores, procedimento
comum empregado a fim de que os participantes não percebam o objetivo do teste. O objetivo
de incluir estas sentenças foi verificar a atenção que os alunos concederam ao teste; erros em
sentenças distratoras revelam um teste que não foi realizado bem por parte do aluno e é
passível de ser descartado. Foram utilizadas as seguintes frases distratoras: “ Escrever é muito
fácil porque a gente já nasce sabendo.”, “As pessoas do nordeste falam igual às pessoas do
Rio.”, “O português é bem diferente do japonês.” e “As pessoas de idades diferentes falam de
formas diferentes.”, com o objetivo de verificar a atenção que os alunos concederam ao teste.
50 
 

2.7.2 A aplicação do teste de crenças linguísticas

O teste de crenças linguísticas foi realizado duas vezes com os alunos do sexto ano de
escolaridade de uma escola municipal, localizada em Paracambi, RJ. A primeira aplicação
ocorreu no dia 15 de abril de 2013 e teve como objetivo verificar as crenças linguísticas dos
alunos em relação à fala, à escrita e ao preconceito linguístico. Após esta etapa, foram
ministradas as quatro aulas de Sociolinguística a fim de fazer com que os alunos refletissem
em suas crenças linguísticas que apresentassem um viés preconceituoso. Essas aulas foram
realizadas nos dias 6, 13, 20 e 27 de maio de 2013. Por fim, foram aplicadas, novamente, as
assertivas do teste de crenças para verificar até que ponto os alunos haviam absorvido o
conteúdo das aulas, tendo em vista que este foi o primeiro contato dos participantes com o
tema. Esta segunda aplicação ocorreu no dia 03 de junho de 2013.
Foram apresentadas duas listas, com o objetivo de verificar se a mudança de ordem de
apresentação das sentenças interferiria na resposta dos alunos. A lista 1 seguiu esta ordem de
apresentação das sentenças: escrita neutra, fala neutra, preconceito neutra, distratora, escrita
subjetiva, fala subjetiva, preconceito subjetiva, distratora, escrita neutra, fala neutra,
preconceito neutra, distratora, escrita subjetiva, fala subjetiva, preconceito subjetiva e
distratora. A lista 2 seguiu a ordem inversa, sendo apresentada, portanto, da seguinte forma:
distratora, preconceito subjetiva, fala subjetiva, escrita subjetiva, distratora, preconceito
neutra, fala neutra, escrita neutra, distratora, preconceito subjetiva, fala subjetiva, escrita
subjetiva, distratora, preconceito neutra, fala neutra e escrita neutra. Veja, a seguir, duas
tabelas que indicam a ordem em que assertivas apareceram em cada lista. A tabela 3 indica a
ordem de apresentação da lista 1. Na tabela 4, encontram-se as sentenças ordenadas tal como
foram incluídas na lista 2.

Tabela 3- Ordem em que as assertivas apareceram na primeira lista.


Fonte: O autor, 2014.

CLASSIFICAÇÃO DAS
ASSERTIVAS ASSERTIVAS
51 
 

A escrita é mais importante do


ESCRITA – NEUTRA
que a fala .

O bom professor deve sempre


falar de acordo com as regras FALA – NEUTRA
gramaticais.

As pessoas que falam errado


PRECONCEITO –NEUTRA
sofrem preconceito.

O português é bem diferente do


DISTRATORA
japonês.
LISTA 1
Para eu escrever bem, é
necessário que eu fale de forma ESCRITA – SUBJETIVA
certa.
Eu acho que as pessoas que
têm estudo (como médicos e
FALA – SUBJETIVA
advogados) devem falar
corretamente.

Eu acho feio quando as pessoas PRECONCEITO –


falam errado. SUBJETIVA

As pessoas do nordeste falam


DISTRATORA
igual às pessoas do Rio.

Há só um jeito certo de
ESCRITA – NEUTRA
escrever.

O Português é uma língua


FALA – NEUTRA
muito difícil.
52 
 

A escola só deve ensinar o


PRECONCEITO –NEUTRA
jeito certo de falar.

Escrever é muito fácil porque a


DISTRATORA
gente já nasce sabendo.

Eu acho que escrever é mais


ESCRITA – SUBJETIVA
difícil que falar.

Na minha opinião, o bom


professor deve corrigir os seus
FALA – SUBJETIVA
alunos quando eles falam
errado.
As pessoas já riram de mim
PRECONCEITO –
quando eu falei alguma coisa
SUBJETIVA
errada.

As pessoas de idades diferentes


DISTRATORA
falam de formas diferentes.

Tabela 4- Ordem em que as assertivas apareceram na segunda lista.


Fonte: O autor, 2014.

CLASSIFICAÇÃO DAS
ASSERTIVAS ASSERTIVAS

As pessoas de idades diferentes


LISTA 2 DISTRATORA
falam de formas diferentes.

As pessoas já riram de mim


PRECONCEITO –
quando eu falei alguma coisa
SUBJETIVA
errada.
53 
 

Na minha opinião, o bom


professor deve corrigir os seus
FALA – SUBJETIVA
alunos quando eles falam
errado.

Eu acho que escrever é mais


ESCRITA – SUBJETIVA
difícil que falar.

Escrever é muito fácil porque a


DISTRATORA
gente já nasce sabendo.

A escola só deve ensinar o


PRECONCEITO –NEUTRA
jeito certo de falar.

O Português é uma língua


FALA – NEUTRA
muito difícil.

Há só um jeito certo de
ESCRITA – NEUTRA
escrever.

As pessoas do nordeste falam


DISTRATORA
igual às pessoas do Rio.

Eu acho feio quando as pessoas PRECONCEITO –


falam errado. SUBJETIVA

Eu acho que as pessoas que


têm estudo (como médicos e
FALA – SUBJETIVA
advogados) devem falar
corretamente.
Para eu escrever bem, é
necessário que eu fale de forma ESCRITA – SUBJETIVA
certa.
54 
 

O português é bem diferente do


DISTRATORA
japonês.

As pessoas que falam errado


PRECONCEITO –NEUTRA
sofrem preconceito.

O bom professor deve sempre


falar de acordo com as regras FALA – NEUTRA
gramaticais.

A escrita é mais importante do


ESCRITA – NEUTRA
que a fala .

.
Na primeira aplicação, estavam presentes 33 alunos. A professora regente da turma
entregou aos alunos o teste de crenças linguísticas, que consistia em dezesseis questões
divididas em duas folhas de papel A-4. Ela disse aos discentes que eles deveriam responder às
questões de acordo com o que achavam, pois não havia resposta certa ou errada para nenhuma
das questões. Com o título Atividade de Português, a professora ressaltou o fato de não ser
atribuída nenhuma nota ao exercício feito. Outro pedido foi que todas as questões fossem
respondidas e que nenhuma folha apresentasse o nome do aluno que a marcou.
À segunda aplicação compareceram trinta alunos. O mesmo procedimento adotado na
primeira aplicação foi utilizado na reaplicação do teste.
Em ambas as aplicações, os alunos compreenderam bem os comandos e realizaram a
tarefa pedida. Houve alunos que deixaram de responder a alguma pergunta; isso pode ter
acontecido por falta de atenção ou pelo fato de não estarem acostumados a fazer esse tipo de
atividade. Os alunos levaram, em média, vinte minutos para realizar o teste.
55 
 

3 ANÁLISE DOS RESULTADOS

Neste capítulo, será apresentada a análise dos resultados do teste de crenças


linguísticas. Na seção 3.1, serão apresentados os dados que foram coletados a partir da
primeira aplicação do teste de crenças linguísticas. Deve-se relembrar que o teste foi aplicado
pela primeira vez, depois, foram ministradas aulas de sociolinguística e, por fim, o mesmo
teste foi reaplicado na mesma turma. Os resultados desta aplicação serão discutidos na seção
3.2. Em seguida, na seção 3.2.1 será feita uma análise de perfil sociolinguístico em relação às
respostas obtidas a partir da segunda aplicação do teste de crenças linguísticas.

3.1 A primeira aplicação do teste de crenças linguísticas

Conforme já mencionado, na primeira aplicação, realizada no dia 30 de abril de 2013,


foram apresentadas duas listas aos participantes. Abaixo, encontram-se os resultados obtidos
nesta primeira aplicação. A tabela 5 apresenta os dados coletados na aplicação da lista 1, que
seguiu esta ordem de apresentação das assertivas: escrita neutra, fala neutra, preconceito
neutra, distratora, escrita subjetiva, fala subjetiva, preconceito subjetiva, distratora, escrita
neutra, fala neutra, preconceito neutra, distratora, escrita subjetiva, fala subjetiva, preconceito
subjetiva e distratora.

Tabela 5- Resultado da primeira aplicação – LISTA 1


Fonte: O autor, 2014.

“NÃO
SENTENÇAS “CONCORDO”
CONCORDO”

A escrita é mais importante do que a fala. 9 = 64,3% 5 = 35,7%

O bom professor deve sempre falar de 8=57,1% 6=42,9%


acordo com as regras gramaticais.

As pessoas que falam errado sofrem 9=64,3% 5=35,7%


preconceito.
56 
 

O português é bem diferente do japonês. 14 = 100% 0=0%

Para eu escrever bem, é necessário que


8=57,1% 6=42,9%
eu fale de forma certa.
Eu acho que as pessoas que têm estudo
(como médicos e advogados) devem 9= 64,3% 5= 35,7%
falar corretamente.
Eu acho feio quando as pessoas falam
5= 35,7% 9= 64,3%
errado.

As pessoas do nordeste falam igual às 0=0% 14 = 100%


pessoas do Rio.

Há só um jeito certo de escrever. 8=57,1% 6=42,9%

O Português é uma língua muito difícil. 4= 28,6% 10=71,4%

A escola só deve ensinar o jeito certo de


5= 35,7% 9= 64,3%
falar.
Escrever é muito fácil porque a gente já
0=0% 14 = 100%
nasce sabendo.

Eu acho que escrever é mais difícil que 8=57,1% 6=42,9%


falar.
Na minha opinião, o bom professor deve
corrigir os seus alunos quando eles falam 13=92,9% 1=7,1%
errado.
As pessoas já riram de mim quando eu 5= 35,7%
9= 64,3%
falei alguma coisa errada.

As pessoas de idades diferentes falam de 6=42,9% 8=57,1%


formas diferentes.

Na tabela 6, seguem os resultados obtidos na aplicação da lista 2. É importante citar


que se refere à primeira aplicação, que ocorreu antes das aulas de Sociolinguística. A lista 2
seguiu a ordem inversa de apresentação da lista 1, que consistiu no seguinte parâmetro:
distratora, preconceito subjetiva, fala subjetiva, escrita subjetiva, distratora, preconceito
57 
 

neutra, fala neutra, escrita neutra, distratora, preconceito subjetiva, fala subjetiva, escrita
subjetiva, distratora, preconceito neutra, fala neutra e escrita neutra.

Tabela 6- Resultado da primeira aplicação – LISTA 2


Fonte: O autor, 2014.

“NÃO
SENTENÇAS “CONCORDO”
CONCORDO”

As pessoas de idades diferentes 7= 63,6% 4= 36,4%


falam de formas diferentes.
As pessoas já riram de mim quando
9=81,9% 2=18,1%
eu falei alguma coisa errada.
Na minha opinião, o bom professor
deve corrigir os seus alunos quando 11=100% 0= 0%
eles falam errado.
Eu acho que escrever é mais difícil 3=27,2% 8=72,8%
que falar.

Escrever é muito fácil porque a 0= 0% 11=100%


gente já nasce sabendo.

A escola só deve ensinar o jeito 6=54,5% 5=45,5%


certo de falar.
O Português é uma língua muito
1= 9,1% 10=90,9%
difícil.

Há só um jeito certo de escrever. 1= 9,1% 10=90,9%

As pessoas do nordeste falam igual


0= 0% 11=100%
às pessoas do Rio.

Eu acho feio quando as pessoas 5=45,5% 6=54,5%


falam errado.
Eu acho que as pessoas que têm
estudo (como médicos e advogados) 8=72,8% 3=27,2%
devem falar corretamente.
Para eu escrever bem, é necessário
11=100% 0= 0%
que eu fale de forma certa.
58 
 

O português é bem diferente do 11=100% 0= 0%


japonês.
As pessoas que falam errado sofrem
9=81,9% 2=18,1%
preconceito.

O bom professor deve sempre falar 8=72,8% 3=27,2%


de acordo com as regras gramaticais.

A escrita é mais importante do que a 4= 36,4% 7= 63,6%


fala .

A tabela 7 apresenta os resultados finais da primeira aplicação do teste de crenças


linguísticas, visto que ela contém os resultados obtidos na aplicação das listas 1 e 2, ou seja,
de todas as possibilidades apresentadas na aplicação dessa metodologia.

Tabela 7- Soma das duas listas – Primeira aplicação.


Fonte: O autor, 2014.

“NÃO
SENTENÇAS “CONCORDO”
CONCORDO”
As pessoas de idades
diferentes falam de
13= 52% 12=48%
formas diferentes.

Escrever é muito fácil


porque a gente já nasce
0= 0% 25= 100%
DISTRATORAS sabendo.

As pessoas do nordeste
falam igual às pessoas do 0=0% 25= 100%
Rio.
O português é bem
25= 100% 0=0%
diferente do japonês.
O bom professor deve
FALA – NEUTRA 16= 64% 9= 36%
sempre falar de acordo
59 
 

com as regras gramaticais.


O Português é uma língua
muito difícil. 5=20% 20=80%

Na minha opinião, o bom


professor deve corrigir os
24=96% 1= 4%
seus alunos quando eles
falam errado.
FALA –
Eu acho que as pessoas
SUBJETIVA
que têm estudo (como
médicos e advogados) 17= 68% 8= 32%
devem falar corretamente.

A escrita é mais
importante do que a fala. 13=52% 12= 48%
ESCRITA –
NEUTRA Há só um jeito certo de
escrever. 9= 36% 16= 64%

Eu acho que escrever é


mais difícil que falar. 11=44% 14=56%
ESCRITA –
SUBJETIVA Para eu escrever bem, é
necessário que eu fale de 19= 76% 6= 24%
forma certa.
A escola só deve ensinar
o jeito certo de falar. 11=44% 14=56%
PRECONCEITO
– OBJETIVO As pessoas que falam
errado sofrem
18=72% 7=28%
preconceito.

PRECONCEITO Eu acho feio quando as 10= 40% 15= 60%


60 
 

–SUBJETIVO pessoas falam errado.

As pessoas já riram de
mim quando eu falei
18=72% 7=28%
alguma coisa errada.

Estavam presentes a essa aplicação 33 alunos. No entanto, apenas 25 foram


contabilizados. Três participantes deixaram de responder a uma pergunta e cinco forneceram
respostas incorretas a algumas assertivas distratoras, o que parece indicar que não deram a
devida atenção ao teste.
Foram utilizadas as seguintes sentenças distratoras como parâmetro de corte dos
alunos: “O português é bem diferente do japonês”, “As pessoas do nordeste falam igual às
pessoas do Rio” e “Escrever é muito fácil porque a gente já nasce sabendo”. Esperava-se
obter, respectivamente, as respostas “concordo”, “concordo” e “não concordo” às sentenças
citadas. Não foi escolhida como parâmetro de corte a assertiva “Pessoas de idades diferentes
falam de formas diferentes”, pois os alunos marcaram diferentes respostas em relação a essa
pergunta. Conforme pode ser observado na tabela 3, 52% dos participantes concordaram e
48% não, o que indica falta de homogeneidade nas respostas. Esse fato aponta para a
possibilidade de os alunos da faixa estudada, que está na média de onze anos e oito meses,
não terem a percepção linguística e social de que isso é de fato real.
Tendo em vista que, em geral, na escola básica é feita uma análise puramente
normativa dos aspectos linguísticos, esperava-se que os alunos apresentassem uma visão mais
preconceituosa, voltada para a possibilidade de haver única e exclusivamente uma maneira
certa de falar. Diferente disso, foi detectado um número reduzido de alunos com uma visão
preconceituosa em relação à língua, como demonstra o resultado em relação à crença “Eu
acho feio quando as pessoas falam errado.”, visto que apenas 40% dos alunos concordou com
essa assertiva. Isso talvez se deva ao fato de essa visão acerca da língua começar a surgir a
partir do sexto ano, conforme assinalado por Cyranka (2011). Pelo fato de esta pesquisa ter
sido feita no primeiro semestre do sexto ano e a professora dessa turma ter formação
sociolinguística, a ideia de que, em se tratando de estudos científicos de língua, existe “certo”
e “errado” ainda não estava completamente formada nos estudantes.
61 
 

Para confirmar o que foi mencionado acima, devem-se observar os resultados das
sentenças “O Português é uma língua muito difícil”, “A escrita é mais importante do que a
fala”, “Há só um jeito certo de escrever” e “Eu acho que escrever é mais difícil que falar. e “A
escola só deve ensinar o jeito certo de falar”. Apenas 20% dos alunos consideraram a
primeira sentença verdadeira, o que indica um número muito reduzido em relação ao total de
alunos. Essa crença, de que a língua portuguesa é muito difícil, é muito propagada nos
ambientes escolares, incluindo professores que ministram aulas de língua materna.1 Apesar
disso, os alunos que participaram desta pesquisa não demonstraram concordar com esse mito
linguístico. A ideia de que escrever é mais importante que falar, apresentada na segunda
assertiva, em geral, também é difundida na escola. Poucos são os professores que apresentam
aos alunos a importância dos gêneros orais e escritos, além de indicarem a relevância de cada
um dentro do contexto em que o autor deste está inserido. Indicar que a fala tem o seu papel e
é mais importante, em determinadas situações comunicativas, do que a escrita é um fato que
muitos alunos desconhecem. Mesmo assim, 48% dos alunos, quase a metade dos
participantes, indicaram que não concordavam com a ideia de que a escrita é superior à fala.
A terceira crença linguística, de que há apenas uma forma correta de escrever, teve 64% de
discordância, o que se relaciona à justificativa sobre a crença anterior. 56% dos participantes
informaram que não concordam com estas assertivas: “Eu acho que escrever é mais difícil que
falar” e “A escola só deve ensinar o jeito certo de falar”. Esse dado aponta para um olhar mais
flexível em relação ao papel da escola enquanto ambiente educador e coloca a escrita no
mesmo patamar de dificuldade da fala.
Apesar do aparente avanço em relação ao preconceito linguístico, há outros dados que
merecem ser destacados, como os que serão apontados a seguir. Deve-se salientar que 96%
dos alunos concordaram com a sentença “Na minha opinião, o bom professor deve corrigir os
seus alunos quando eles falam errado.” Isso pode se relacionar à visão que os alunos de sexto
ano têm do professor, como figura que representa o ensinar; portanto, a ele caberia corrigir os
erros dos alunos. Com a assertiva “Para eu escrever bem, é necessário que eu fale de forma
certa”, 76% dos alunos concordaram, indicando que creem que a fala de acordo com as regras
gramaticais é necessária para que um indivíduo escreva corretamente. Outro fator que chama

_______________________
5
Uma análise detalhada dessa crença, que não se confirma ao se analisar dados científicos, pode ser encontrada
em Bagno (2011, p.51). No livro, há a explicação para dez mitos linguísticos, mas nem todos constituem crenças
linguísticas.
62 
 

a atenção se refere a 72% responderem que concordavam com as sentenças: “As pessoas que
falam errado sofrem preconceito” e “As pessoas já riram de mim quando eu falei alguma
coisa errada”. Essas crenças se relacionam entre si, pois, pelo fato de uma parte desses jovens
que foram objeto desta pesquisa já ter sido vítima do preconceito linguístico, eles chegaram à
conclusão de que esse tipo de estigma existe.

3.2 A segunda aplicação do teste de crenças linguísticas

Assim como foi feito na primeira aplicação, na segunda, foram utilizadas duas listas
diferentes. Esta aplicação, que ocorreu no dia 3 de junho de 2013, após as quatro aulas de
Sociolinguística, seguiu os mesmos critérios de análise da primeira. A seguir, será possível
verificar que, em relação à seção anterior, que apresentou os dados referentes apenas à
primeira aplicação. Nesta seção, não serão apenas apresentados dados da segunda aplicação,
mas, sempre que necessário, será feita uma comparação entre ambas as aplicações.
Trinta alunos participaram desta segunda aplicação e sete deles foram retirados da
contagem final pelos mesmos critérios adotados na análise dos resultados da primeira
aplicação. Por isso, seguem os resultados nas tabelas abaixo, que contam com um total de 23
participantes, onze que responderam à lista 1 e doze que responderam à lista 2.
Vale salientar a importância dessa segunda aplicação para que o objetivo proposto
neste trabalho seja alcançado. Visou-se, nesta pesquisa, verificar, inicialmente quais eram as
crenças linguísticas dos alunos, por meio do teste de crenças. Em seguida, foram ministradas
as aulas de Sociolinguística, pois se desejava que os alunos refletissem sobre o que foi
ministrado nas aulas, como a estrutura de variedades estigmatizadas, bem como os usos
adequados de diferentes normas linguísticas, de acordo com o contexto. Como forma de
verificar até que ponto os objetivos haviam sido atingidos, aplicou-se posteriormente o teste
de crenças nos alunos.
Na tabela 8, seguem os dados obtidos na segunda aplicação da lista 1 do teste de
crenças linguísticas. Vale relembrar que a lista 1 seguiu esta ordem de apresentação das
sentenças: escrita neutra, fala neutra, preconceito neutra, distratora, escrita subjetiva, fala
subjetiva, preconceito subjetiva, distratora, escrita neutra, fala neutra, preconceito neutra,
distratora, escrita subjetiva, fala subjetiva, preconceito subjetiva e distratora.
63 
 

Tabela 8- Dados da segunda aplicação do teste de crenças linguísticas – LISTA 1


Fonte: O autor, 2014.

“NÃO
SENTENÇAS “CONCORDO”
CONCORDO”

A escrita é mais importante do que a 9=81,8% 2=18,2%


fala.

O bom professor deve sempre falar de 3=27,3% 8=72,7%


acordo com as regras gramaticais.

As pessoas que falam errado sofrem 8=72,7% 3=27,3%


preconceito.

O português é bem diferente do 11= 100% 0= 0 %


japonês.
Para eu escrever bem, é necessário
2= 18,2% 9= 81,8%
que eu fale de forma certa.
Eu acho que as pessoas que têm
estudo (como médicos e advogados) 6=54,5% 5= 45,6%
devem falar corretamente.
Eu acho feio quando as pessoas falam
0= 0 % 11= 100%
errado.

As pessoas do nordeste falam igual às 4= 36,4% 7= 63,6%


pessoas do Rio.

Há só um jeito certo de escrever. 2= 18,2% 9=81,8%

O Português é uma língua muito 0= 0 % 11= 100%


difícil.
A escola só deve ensinar o jeito certo
5= 45,6% 6=54,5%
de falar.
Escrever é muito fácil porque a gente
0= 0 % 11= 100%
já nasce sabendo.

Eu acho que escrever é mais difícil 11= 100% 0= 0 %


que falar.
64 
 

Na minha opinião, o bom professor


deve corrigir os seus alunos quando 4= 36,4% 7= 63,6%
eles falam errado.
As pessoas já riram de mim quando eu
9=81,8% 2=18,2%
falei alguma coisa errada.

As pessoas de idades diferentes falam 4= 36,4% 7= 63,6%


de formas diferentes.

A tabela abaixo, de número 9, apresenta os resultados obtidos na aplicação da segunda


lista 2. Esta lista seguiu esta ordem: distratora, preconceito subjetiva, fala subjetiva, escrita
subjetiva, distratora, preconceito neutra, fala neutra, escrita neutra, distratora, preconceito
subjetiva, fala subjetiva, escrita subjetiva, distratora, preconceito neutra, fala neutra e escrita
neutra.

Tabela 9- Dados da segunda aplicação do teste de crenças linguísticas – LISTA 2


Fonte: O autor, 2014.

“NÃO
SENTENÇAS “CONCORDO”
CONCORDO”

As pessoas de idades diferentes 6= 50% 6= 50%


falam de formas diferentes.
As pessoas já riram de mim quando
9=75% 3= 25%
eu falei alguma coisa errada.
Na minha opinião, o bom professor
deve corrigir os seus alunos quando 7= 58,3% 5= 41,7%
eles falam errado.
Eu acho que escrever é mais difícil 6= 50% 6= 50%
que falar.
Escrever é muito fácil porque a
gente já nasce sabendo. 0=0% 12=100%

A escola só deve ensinar o jeito 7= 58,3% 5= 41,7%


certo de falar.
O Português é uma língua muito
6= 50% 6= 50%
difícil.
65 
 

Há só um jeito certo de escrever. 3= 25% 9=75%

As pessoas do nordeste falam igual 11= 91,7%


1= 8,3%
às pessoas do Rio.

Eu acho feio quando as pessoas 5= 41,7% 7= 58,3%


falam errado.
Eu acho que as pessoas que têm
estudo (como médicos e
9=75% 3= 25%
advogados) devem falar
corretamente.
Para eu escrever bem, é necessário
10= 83,3% 2= 16,7%
que eu fale de forma certa.

O português é bem diferente do 12=100% 0=0%


japonês.
As pessoas que falam errado
12=100% 0=0%
sofrem preconceito.
O bom professor deve sempre falar
de acordo com as regras 8=66,7% 4= 33,3%
gramaticais.
A escrita é mais importante do que 6= 50% 6= 50%
a fala .

A tabela 10 apresenta os dados finais da segunda aplicação do teste de crenças


linguísticas, pois inclui os resultados de ambas as listas.

Tabela 10- Soma das duas listas – Segunda aplicação.


Fonte: O autor, 2014.

“NÃO
“CONCOR
SENTENÇAS CONCORD
DO”
O”
As pessoas de idades diferentes
DISTRATORAS 10=43,5% 13=56,5%
falam de formas diferentes.
66 
 

Escrever é muito fácil porque a


gente já nasce sabendo. 0= 0 % 23= 100%

As pessoas do nordeste falam


5= 21,7% 18= 78,3%
igual às pessoas do Rio.
O português é bem diferente do
23= 100% 0=0%
japonês.
O bom professor deve sempre
falar de acordo com as regras 11= 47,8% 12=52,2%
gramaticais.
FALA – NEUTRA
O Português é uma língua muito
difícil. 6= 26,1 17= 73,9%

Na minha opinião, o bom


professor deve corrigir os seus 11= 47,8% 12=52,2%
alunos quando eles falam errado.
Eu acho que as pessoas que têm
FALA – SUBJETIVA
estudo (como médicos e
advogados) devem falar 15= 65,2% 8= 34,8%
corretamente.

A escrita é mais importante do


que a fala. 15= 65,2% 8= 34,8%
ESCRITA – NEUTRA
Há só um jeito certo de escrever.
5= 21,7% 18= 78,3%

Eu acho que escrever é mais


difícil que falar. 17= 73,9% 6= 26,1
ESCRITA –
SUBJETIVA
Para eu escrever bem, é 12=52,2% 11= 47,8%
necessário que eu fale de forma
67 
 

certa.

A escola só deve ensinar o jeito


certo de falar. 12=52,2% 11= 47,8%
PRECONCEITO –
NEUTRA
As pessoas que falam errado
sofrem preconceito. 20 = 87 % 3 = 13%

Eu acho feio quando as pessoas


falam errado. 5= 21,7% 18= 78,3%

PRECONCEITO –
As pessoas já riram de mim
SUBJETIVO
quando eu falei alguma coisa
18= 78,3% 5= 21,7%
errada.

De forma geral, percebe-se um avanço significativo em relação a uma visão linguística


menos preconceituosa por parte dos alunos. Como dados relevantes, valem ser citadas as
sentenças que apresentam mudanças nas crenças linguísticas dos alunos. De doze assertivas
que eram objeto desta pesquisa, oito refletiram alguma mudança nas crenças dos alunos.
A seguir, serão citadas as assertivas que compuseram o teste de crenças linguísticas,
visando a comparar os resultados de ambas as aplicações. Em todos os gráficos, “primeira
aplicação” refere-se aos resultados obtidos a partir da aplicação dos testes antes das aulas de
Sociolinguística e “segunda aplicação” refere-se à aplicação realizada após as aulas.

a. “O bom professor deve sempre falar de acordo com as regras gramaticais.”

Na primeira aplicação, 36% dos alunos não concordaram com essa assertiva, resultado
um pouco inferior ao da segunda aplicação – 52,2%. Isso parece indicar que, pelo menos,
parte dos alunos compreendeu que até mesmo o seu professor, em determinados contextos,
falará de acordo com a norma popular, o que não fará com que ele seja um mau profissional.
Pelo contrário, saber utilizar diferentes variedades linguísticas de acordo com a situação
68 
 

comunicativa em que se encontra aponta para o fato de ele ser um falante com vasto
conhecimento da língua materna. Reconhecer que, em determinadas situações comunicativas,
utilizar a norma gramatical seria inadequado é um avanço significativo.
Esses dados, apesar de representarem que as aulas de Sociolinguísticas surtiram efeito
nas crenças linguísticas dos alunos, apontam a necessidade que uma parcela dos alunos –
47,8% - sente de ver seu professor falar de acordo com a norma culta. Isso pode indicar que
esses discentes remeteram a assertiva ao ambiente escolar, pensando que a sala de aula seria o
ambiente adequado para o professor utilizar a norma culta. O fato de a sentença apresentar a
palavra “professor” pode ter feito com essa associação do profissional em seu ambiente de
trabalho elaborada pelos alunos. Se a frase fosse mais específica como “O bom professor deve
falar de acordo com as regras gramaticais, inclusive em ambientes particulares, como em casa
e com os amigos”, o resultado poderia ter sido diferente. É importante relembrar que os
alunos estão cursando ainda o sexto ano de escolaridade e, provavelmente, tiveram o primeiro
contato com o tema variação linguística em aulas de língua materna por meio desta pesquisa.
O gráfico abaixo indica percentualmente o quanto foram modificadas as crenças linguísticas
dos discentes participantes.
69 
 

100%

90%

80%

70%

60%

50% "Concordo"
"Não concordo"
40%

30%

20%

10%

0%
Primeira aplicação Segunda aplicação

Gráfico 1- Dados referentes à assertiva “O bom professor deve sempre falar de acordo com as regras
gramaticais”.

b. “Na minha opinião, o bom professor deve corrigir os seus alunos quando eles
falam errado.”

Na primeira aplicação do teste de crenças linguísticas, 96% dos alunos concordaram


com essa assertiva. Já na segunda aplicação, ela foi marcada por apenas 47, 8% dos
participantes como correta. Isso sugere que um grande número de participantes mudou sua
opinião em relação à crença de que o professor precisa corrigir os erros. Deve-se salientar que
o número de alunos que concordou com essa crença não chegou a 50%, talvez pelo fato de
pensarem que o papel do professor seja corrigir, mesmo que não corrija a fala não monitorada
dos alunos. Pode ser que eles tenham pensado em situações comunicativas em que os gêneros
orais são prestigiados, portanto, seria papel do professor monitorar essa fala.
70 
 

Se a sentença em análise estivesse mais específica, indicando que o professor não


deve corrigir a fala que apresenta construções da norma popular, o resultado poderia ter sido
diferente. A visão que os alunos dessa faixa etária apresentam em relação ao professor, que é
apoiada por muitos educadores e, muitas vezes, pela própria escola, como sendo o detentor do
saber, pode ter feito com que alguns alunos assinalassem ainda essa resposta como verdadeira.
A seguir, há um gráfico para facilitar a visualização da mudança das crenças linguísticas dos
alunos, sinalizada pelo resultado da segunda aplicação do teste.

100%

90%

80%

70%

60%

50% "Concordo"
"Não concordo"
40%

30%

20%

10%

0%
Primeira aplicação Segunda aplicação

Gráfico 2- Dados referentes à assertiva “Na minha opinião, o bom professor deve corrigir os seus alunos quando
eles falam errado”.

c. “Eu acho que as pessoas que têm estudo (como médicos e advogados) devem falar
corretamente.”
71 
 

Por mais que não tenha havido uma grande mudança na opinião dos alunos em relação
a essa crença linguística, ela deve ser mencionada, pois houve um pequeno decréscimo em
relação às crenças que remetem ao preconceito linguístico, pois, na primeira aplicação, 68%
das pessoas concordaram com ela e, na segunda aplicação, esse número foi reduzido a 65,2%,
conforme observado no gráfico 3. Nas aulas ministradas, os alunos aprenderam que a norma
popular é utilizada como instrumento de poder, talvez por isso tenham pensado que médicos e
advogados, por exemplo, devem falar corretamente, considerando os contextos em que esses
profissionais se encontram.
Talvez se houvesse uma restrição da fala desses profissionais em ambientes
descontraídos, com amigos ou parentes, os alunos teriam modificado a marcação. Explicitar
os contextos comunicativos em que os profissionais deveriam utilizar a norma culta parece
ter apontado este resultado.

100%

90%

80%

70%

60%

50% "Concordo"
"Não concordo"
40%

30%

20%

10%

0%
Primeira aplicação Segunda aplicação
72 
 

Gráfico 3 - Dados referentes à assertiva “Eu acho que as pessoas que têm estudo (como médicos e advogados)
devem falar corretamente”.

d. “Há só um jeito certo de escrever”

Em relação à sentença “Há só um jeito certo de escrever”, 36% dos alunos acreditaram
ser verdadeira, na primeira aplicação, mas esse número foi reduzido, depois das aulas de
Sociolinguística, para 21,7%. É importante citar que uma parte dos alunos talvez tenha
continuado a apresentar essa crença linguística por ter sido mencionado nas aulas o fato de a
norma gramatical estar relacionada à escrita. Nas aulas, foi indicado que a língua ensinada na
escola deveria ser utilizada nos testes, nas provas e em outras ocasiões em que a modalidade
escrita era requerida. Assim, os alunos podem ter relacionado a norma gramatical à
modalidade escrita da língua.
Apesar disso, a pesquisa aponta que parte dos alunos reconheceu que, independente da
modalidade escolhida para elaborar um discurso, o falante precisa considerar o gênero textual
a ser utilizado e a situação discursiva em que está inserido. O gráfico abaixo contribui para
uma visualização mais clara da diferença entre ambas as aplicações, no que se refere à
assertiva em análise.
73 
 

100%

90%

80%

70%

60%

50% "Concordo"
"Não concordo"
40%

30%

20%

10%

0%
Primeira aplicação Segunda aplicação

Gráfico 4- Dados referentes à assertiva “Há só um jeito certo de escrever”.

e. “Para eu escrever bem, é necessário que eu fale de forma certa”

Na primeira aplicação, apenas 24% dos alunos não concordaram com a assertiva “Para
eu escrever bem, é necessário que eu fale de forma certa”; na segunda aplicação, 47,8%
discordaram desta crença. Parte dos alunos parece ter entendido que a escrita e a fala são
diferentes processos com complexidades distintas e com graus de importância diferentes, de
acordo com o contexto em que o emissor da mensagem se encontra. Talvez a reflexão a que
as aulas de Sociolinguística levaram tenha feito com que alguns alunos percebessem que
falantes cultos da língua podem utilizar, e provavelmente utilizarão, construções da norma
popular em suas falas não monitoradas, o que não vai indicar que este não domine ambas as
variedades. Apesar de não se tratar nem da metade dos alunos que discordou da assertiva em
análise, pode-se perceber que houve um aumento significativo, conforme se nota no gráfico
74 
 

que se segue. Esse é um avanço, tendo em vista que os alunos tiveram o primeiro contato com
a Sociolinguística nesta pesquisa.

100%

90%

80%

70%

60%

50% "Concordo"
"Não concordo"
40%

30%

20%

10%

0%
Primeira aplicação Segunda aplicação

Gráfico 5- Dados referentes à assertiva “Para eu escrever bem, é necessário que eu fale de forma certa”.

f. “As pessoas que falam errado sofrem preconceito.”

O número de alunos que concordou com a assertiva assinalada acima aumentou de


72% para 87%, como pode ser verificado na observação do gráfico 6. Apesar de causar
estranhamento o fato de os alunos terem marcado essa assertiva como correta, devido à
expressão “falar errado”, isso talvez se deva, pois os alunos podem ter tomado a consciência
de que as pessoas que não falam de acordo com a norma culta sofrem preconceito.
75 
 

Foi muito destacado, nas aulas, que o preconceito linguístico não deve existir, pois a
norma popular tem regras e cada indivíduo é exposto a diferentes contextos, o que pode ter
contribuído para que os participantes pensassem mais sobre o tema e percebessem que o
preconceito linguístico existe, apesar de não ser algo correto.

100%

90%

80%

70%

60%

50% "Concordo"
"Não concordo"
40%

30%

20%

10%

0%
Primeira aplicação  Segunda aplicação

Gráfico 6- Dados referentes à assertiva “As pessoas que falam errado sofrem preconceito.”

g. “Eu acho feio quando as pessoas falam errado.”

Na primeira aplicação do teste de crenças linguísticas, 40% dos alunos indicaram


achar feio quando ouviam alguém falar errado – esse número caiu para 21,7%, conforme
indica o gráfico 7. Esse resultado indica que os alunos parecem ter entendido que uma análise
linguística da norma popular não corrobora a existência do preconceito. Compreender que o
preconceito linguístico tem um viés socioeconômico pode ter contribuído para esse resultado
76 
 

significativo. Entender que, caso eles não dominem ainda a norma culta e sofra preconceito,
pode ter feito com que refletissem melhor sobre a “beleza” das construções que evidenciam o
domínio das normas de prestígio. Além disso, a percepção de que as construções da norma
popular são tão válidas, linguisticamente, quanto às da norma culta pode ter induzido os
alunos a perceber que, em se tratando de análise linguística, não existe “feio” ou “bonito”,
mas sim “adequado” e “inadequado”.
Pode ser que alguns alunos tenham concordado com essa assertiva por associarem o
falar errado a expressões linguísticas em desacordo a determinados contextos
comunicacionais e não às construções que se aproximam da norma popular. Pelo fato de as
aulas apresentarem objetivos que se relacionassem à mudança de crenças preconceituosas, e
não especificamente às crenças apontadas no teste, pode ter contribuído para este resultado.
Foi feito dessa forma, pois objetivou-se não apenas mudar os números obtidos na primeira
aplicação do teste, mas conscientizar os alunos da necessidade de respeitar o modo de todas as
pessoas falarem.

100%

90%

80%

70%

60%

50% "Concordo"
"Não concordo"
40%

30%

20%

10%

0%
Primeira aplicação Segunda aplicação
77 
 

Gráfico 7- Dados referentes à assertiva “Eu acho feio quando as pessoas falam errado.”

h. “As pessoas já riram de mim quando eu falei alguma coisa errada”.

Pelo que foi salientado no tópico anterior, os alunos parecem ter se sentido mais à
vontade para dizer que já foram vítimas de preconceito linguístico, pois esse número
aumentou de 72% para 78,3%, como indica o gráfico 8. Perceber que o erro é de quem tem
preconceito linguístico, pois não conhece, em muitos casos, a estrutura da norma popular
parece ter feito com que os alunos vissem que eles não estão errados, tampouco são culpados,
por não obedecerem a todas as regras da norma gramatical em suas falas espontâneas.
Esse resultado é relevante pelo fato de os alunos tratarem esse assunto com mais
naturalidade. Conforme mencionado, nas aulas, após a professora conversar sobre o tema
“Preconceito linguístico”, antes da segunda aplicação do teste de crenças linguísticas, os
alunos já haviam indicado que sofreram preconceito.
78 
 

100%

90%

80%

70%

60%

50% "Concordo"
"Não concordo"
40%

30%

20%

10%

0%
Primeira aplicação Segunda aplicação

Gráfico 8- Dados referentes à assertiva “As pessoas já riram de mim quando eu falei alguma coisa errada”.

i. “A escola só deve ensinar o jeito certo de falar”.

Um dado inesperado nesta pesquisa foi relativo à sentença acima relacionada. Na


segunda aplicação do teste de crenças linguísticas, 44% dos alunos concordou que a escola
deveria ensinar apenas o jeito certo de falar, ou a norma gramatical. Na primeira aplicação,
esse número aumentou para 52,2%. Mencionou-se ser inesperado, pois as aulas ministradas
indicaram que é papel da escola aceitar a norma linguística que os alunos dominam, sem se
posicionar de forma preconceituosa frente a ela.
Além disso, em vários momentos das aulas, a norma gramatical foi relacionada à
língua da escola, como referência ao que a escola ensina como correto. Isso não objetivou
fazer com que os alunos pensassem que a escola deveria condenar todas as outras variedades.
Entretanto, apesar de reconhecer que todas as variedades são linguisticamente válidas,
79 
 

ressaltou-se o papel social da escola de ensinar a norma gramatical, o que pode ter feito com
que os resultados do gráfico 9 fossem apresentados.

100%

90%

80%

70%

60%

50% "Concordo"
"Não concordo"
40%

30%

20%

10%

0%
Primeira aplicação Segunda aplicação

Gráfico 9- Dados referentes à assertiva “A escola só deve ensinar o jeito certo de falar”.

j. “O Português é uma língua muito difícil”.

Em “O Português é uma língua muito difícil”, houve um aumento não esperado no


número de pessoas que com esta assertiva concordavam – 20% na primeira aplicação e 26,1%
na segunda. O fato de os alunos terem raciocinado sobre questões linguísticas nunca antes
vistas pode ter feito com que eles tenham começado a pensar na língua materna como algo
mais complexo. Afinal, é mais difícil empregar a norma correta de acordo com a situação em
que o falante se encontra do que decorar formas verbais e fazer análise sintática. Entender
80 
 

algumas construções das variantes estigmatizadas é mais difícil do que decorar as regras de
flexão dos substantivos.
Pensar no Português como uma entidade homogênea é mais fácil do que pensá-lo em
uma língua; portanto, passível de sofrer variação e mudança. Debater sobre os diferentes
modos de se falar de acordo com as questões socioeconômicas e até regionais, citadas pelos
alunos nas aulas- apesar de não ser objeto deste estudo – pode ter feito com que mais alunos
concordassem com a assertiva em análise. Aceitar a ideia de que existem, em geral, duas ou
mais possibilidades de expressar as mesmas ideias pode ter feito com que os alunos
pensassem na Língua Portuguesa como um complexo objeto de estudo, como é possível
perceber a partir da análise do gráfico abaixo.

100%

90%

80%

70%

60%

50% "Concordo"
Não concordo
40%

30%

20%

10%

0%
Primeira aplicação Segunda aplicação

Gráfico 10- Dados referentes à assertiva “O português é uma língua muito difícil”.

l. “A escrita é mais importante do que a fala”.


81 
 

Nas aulas de Sociolinguística, foi citado o fato de que a escrita é, em geral,


monitorada, portanto, deve ser realizada com cuidado. Isso foi mencionado pensando na
importância de os alunos assistirem às aulas de Língua Portuguesa e Produção de Texto com
atenção, pensando na relevância dos conteúdos ministrados em sala de aula para a
composição de gêneros escritos monitorados. Isso pode ter feito com que os alunos pensassem
que essa modalidade é mais importante do que a falada, conforme indicam os estes dados:
52% dos alunos concordaram com a assertiva em análise, na primeira aplicação, e, na
segunda, 65,2%.
Esse, entretanto, não foi o único aspecto considerado nas aulas. Induziram-se os
alunos a verificar que a elaboração de textos orais e escritos necessita obedecer às regras
propostas pela gramática normativa. Isso, porém, não parece ter sido o que mais se destacou
para a maioria dos alunos. O fato de o sistema de escola vigente valorizar a elaboração de
gêneros escritos pode ter feito com que os alunos pensassem que a escrita é mais importante
do que a modalidade oral. A seguir, há um gráfico com os resultados de ambas as aplicações
do teste de crenças linguísticas.
82 
 

100%

90%

80%

70%

60%

50% "Concordo
"Não concordo"
40%

30%

20%

10%

0%
Primeira aplicação Segunda aplicação
Gráfico 11- Dados referentes à assertiva “A escrita é mais importante do que a fala”.

m. “Eu acho que escrever é mais difícil que falar”.

Em relação à assertiva em análise, vale salientar os pontos considerados no item l. O


número de alunos que concordou com essa afirmação foi, na primeira aplicação, 44% e, na
segunda aplicação, 73,9%. Pensar que a modalidade escrita é monitorada, portanto, mais
importante, acrescido do preconceito que os alunos têm em relação à sua própria fala pode ter
feito com que esse resultado fosse obtido.
83 
 

100%

90%

80%

70%

60%

50% "Concordo"
"Não concordo"
40%

30%

20%

10%

0%
Primeira aplicação Segunda aplicação

Gráfico 12- Dados referentes à assertiva “Eu acho que escrever é mais difícil que falar”.

3.2.1 Análise de perfil

Além da análise dos resultados da segunda aplicação teste de crenças linguísticas,


tentou-se verificar se havia alunos com uma visão preconceituosa em relação à língua. Para
isso, foi traçado um perfil, segundo o qual os alunos que responderam “concordo” às questões
“ O bom professor deve sempre falar de acordo com as regras gramaticais.” , “Para eu
escrever bem, é necessário que eu fale de forma certa.”, Eu acho que as pessoas que têm
estudo (como médicos e advogados) devem falar corretamente.” , “Eu acho feio quando as
pessoas falam errado.”, “Há só um jeito certo de falar.”, “A escola só deve ensinar o jeito’
certo de falar” e “Na minha opinião, o bom professor deve corrigir os seus alunos quando eles
falam errado”. demonstraram apresentar um conceito preconceituoso, mesmo que
inconsciente, em relação à língua. Os alunos que concordaram com essas assertivas indicaram
84 
 

acreditar que a língua apresenta um caráter homogêneo, ou seja, pareceu não ter entendido ou
aceitado o que foi trabalhado nas aulas de Sociolinguística. O perfil inverso, que consistiu nas
pessoas que responderam “não” a essas mesmas questões também foi traçado.
Na primeira aplicação, apenas um informante marcou que concordava com as questões
acima assinaladas, sendo o único componente do perfil de aluno que tinha uma visão
preconceituosa em relação à língua. É importante citar que esse aluno, que respondeu
“concordo” a todas as questões indicadas acima foi descartado na contagem de todos os dados
desta pesquisa, por responder "concordo" à frase" As pessoas do nordeste falam igual às do
Rio", que era uma distratora que, estava incorreta.
Na segunda aplicação, realizada após as aulas de Sociolinguística, um participante
respondeu “concordo” a todas as questões que formavam o perfil em questão. Vale salientar
que esse aluno, apesar de ter tido suas respostas contabilizadas na pesquisa – por não se
encaixar em nenhum parâmetro de corte – parece não ter fornecido a devida atenção ao teste,
pois marcou "concordo" em quase todas as questões, com exceção de três. Além disso, dois
alunos responderam “não concordo” a todas as questões que formavam o perfil.
Esses dados apontam para o fato de ter havido uma receptividade por parte dos alunos
em relação ao tema Sociolinguística. É possível relatar que, na segunda aplicação, dois
participantes indicaram não apresentar nenhuma crença preconceituosa em relação à língua,
pois as questões que formavam o perfil são as que se relacionam a esse tema.
Pode-se perceber que, apesar de significativos, os resultados são preliminares. Uma
justificativa para esse fato se deve à realidade em que os estudos sociolinguísticos estão
expostos na educação básica no país. É bem provável que os alunos nunca tenham tido
contato com esse tipo de informação. A visão de que uma aula de português deve ser
ministrada apenas com uma gramática normativa e um dicionário ainda é aceita por muitas
escolas, seja por falta de acesso às descobertas acadêmicas, seja pelo fato de muitos não as
aceitarem, por existir uma ideia ainda muito preconceituosa em relação à língua. Assim, por
se tratar de um primeiro contato dos alunos com o tema Sociolinguística, consideram-se
promissores os resultados obtidos nesta pesquisa. Isso não indica que os recursos ou temas
que se relacionam à Sociolinguística a serem trabalhados nas escolas se esgotam aqui, mas,
este estudo pode servir de base a posteriores pesquisas e trabalhos, tendo em vista que indicou
a viabilidade de trabalhar com esse tema em sala de aula.
85 
 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ensinar a língua materna, sem dúvida, não é uma tarefa fácil, principalmente quando
se consideram fatores como condições socioeconômicas e culturais do atual cenário brasileiro.
Essa afirmação não se refere apenas ao contexto da rede pública de ensino, mas em muitos
casos na rede privada. Esse não é o foco deste estudo analisar as condições políticas do país,
contudo, o que foi mencionado relaciona-se ao âmbito social, estando, portanto relacionado, à
teoria de análise adotada nesta pesquisa: a Sociolinguística. Foram citados alguns problemas
que permeiam o sistema educacional brasileiro a fim de sugerir uma reflexão sobre o papel do
professor de Língua Portuguesa diante deles.
Apesar disso, ao se formar e decidir ser professor de Português, o profissional se lança
em uma incrível jornada. Ensinar “a gramática”, as técnicas de escrita e a periodização da
literatura brasileira é o obstáculo colocado à frente desse professor. A palavra “obstáculos”
refere-se aqui às limitações impostas pelo sistema educacional que, na maioria das vezes, não
permite que o aluno aprenda o que deveria aprender.
Pode-se fazer tal afirmação, pois, em cada área de todo o conhecimento científico há
críticas a serem feitas. Não seria diferente com o professor de Língua Portuguesa que, em
apenas quatro, cinco ou, no máximo seis tempos semanais precisa dar conta de um imenso
conteúdo programático – e ainda assim ensinar os alunos a ter uma visão crítica do que
aprendem. Somar todas as atribuições citadas à tarefa de utilizar a norma popular como
instrumento de construção do conhecimento de normas gramaticais pode parecer impossível.
Um dos objetivos desta dissertação é mostrar aos professores da educação básica que essa
tarefa é muito difícil, mas é possível.
Fala-se em ensinar a norma gramatical como se fosse teorema, fórmula física, como
se, para aprendê-la bastasse decorar regras. Em muitos contextos educacionais, o ensino da
gramática é desvinculado de sua aplicação em situações discursivas. Assim, ao se formar no
curso de Licenciatura em Letras, o profissional tende a sair com várias ideias e sugestões
metodológicas a serem aplicadas em sala de aula, mas se depara com outra realidade. A
cobrança no que se refere a ensinar a língua portuguesa como se ela se restringisse apenas à
gramática é recorrente. Por isso, esse estudo pretendeu “encurtar” a distância entre o que se
aprende nas Universidades e o que realmente ocorre nas aulas de língua materna.
Ensinar aos alunos que a língua varia e está em constante mudança pode fazer com
que eles tenham uma visão mais positiva das aulas de língua materna. Se, sempre que
86 
 

possível, o professor de língua materna se propuser a demonstrar a heterogeneidade


linguística, os alunos já tenderão a aceitar esse achado científico. Contribuir para que o
estigma linguístico seja minimizado no ambiente escolar é uma tarefa pela qual os educadores
deveriam se empenhar.
Nem todos os professores de língua materna sabem como as variedades
desprestigiadas do português brasileiro são organizadas. Entretanto, muitos professores a
conhecem, mas não se importam em utilizá-las em suas aulas. Sabendo-se que a escola deve
aceitar a variedade linguística a que o aluno tem acesso, cabe aos educadores não tratar
falantes de normas populares de forma estigmatizada, mas ajudá-los a aprender a norma culta
da língua, utilizando como elemento de ligação o conhecimento linguístico que aquele possui.
Isso indica que ensinar a norma gramatical é necessário, mas não é o bastante.
É importante aplicar a Sociolinguística em sala de aula, pois se os alunos não
conseguirem perceber que a língua varia e sofre mudança, eles terão em mente que a língua é
um sistema fechado, pronto e homogêneo. Isso poderá fazer com que eles pensem que não são
capazes de aprender nas aulas de língua portuguesa, tendo em vista que o que eles aprendem,
em geral, se refere ao sistema de regras e não ao uso do mesmo. Assim, há certa distância
entre a língua que o aluno aprende na escola e a que ele fala e ouve em sua comunidade. Isso
faz com que ele se sinta, muitas vezes, deslocado nas aulas.
Alguns resultados podem não parecer tão relevantes, pois indicam uma pequena
mudança de crenças linguísticas dos alunos. Entretanto, deve-se considerar que esse foi o
primeiro contato que os alunos tiveram com a Sociolinguística. Além disso, o fato de os
alunos terem percebido, de maneira geral, que a língua é viva, dinâmica, sofre, portanto,
variação foi uma grande conquista. Essa é uma questão relevante, tendo em vista que muitos
alunos e até mesmo professores de língua portuguesa disseminam a ideia dicotômica de que
existe o certo e o errado na língua, o que provoca, em muitos casos, o preconceito linguístico.
O fato de a situacionalidade discursiva ter sido indicada como fator relevante para a escolha
de qual variedade utilizar também pode ser considerado um ganho, nesta pesquisa.
Este estudo pode servir de base a posteriores pesquisas que se refiram ao tema que está
sendo analisado. Vale salientar que não se esgotam aqui os recursos para se estudar a relação
entre crenças linguísticas e preconceito linguístico no ambiente escolar. Assim, pesquisas que
se preocupem em encurtar a distância entre a teoria linguística e a prática pedagógica, com
ênfase em alunos, em professores ou até mesmo em alunos do Curso de Letras poderão
ampliar o conhecimento construído a partir desta pesquisa. Há ainda outras questões que, se
trabalhadas, enriquecerão o arcabouço teórico em análise, como o estudo de crenças
87 
 

linguísticas relacionado a gêneros literários orais ou de que maneira a Sociolinguística pode


facilitar as relações escolares e favorecer a aprendizagem de língua materna.
Espera-se que, mesmo que de forma experimental, esta pesquisa possa ter contribuído
para que os professores da educação básica que ministram Língua Portuguesa possam utilizar
os princípios da Sociolinguística variacionista em suas aulas. Não há aqui a pretensão de que
todas as aulas sejam baseadas na língua que o aluno traz à escola, aquela que ele utiliza em
seu meio social e já domina antes de frequentar a escola, pois, com todas as atribuições acima
mencionadas, que já são concedidas ao professor de língua materna, isso dificilmente
acontecerá. Objetiva-se, entretanto, que os educadores consigam reconhecer a variedade
linguística que seu aluno domina como intrinsecamente relacionada à identidade do mesmo.
Portanto, condená-la sem motivos ou deixar de considerá-la, quando possível, pode atrapalhar
o processo de aprendizagem do aluno e fazer com que todo nosso esforço de ensinar-lhe não
seja alcançado.
88

REFERÊNCIAS

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