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ps ARTIGOS ORIGINAIS Ansiedade de Separagao: Relato de Caso* Genario Alves Barbosa** & Hermano Jose Falcone de Almeida*** Ansiedade de separacao faz parte do desenvolvimento normal dacrianga, RESUMO comegando a surgir aproximadamente entre oitoe dez meses e decaindo aos Extucano um caso eco ezoito meses, podendo persistir de forma suave até os cinco ou seis anos eo or clog com FREUD, citado por KUINOED, 1993, abordou o toma sob o rogistro da ean care ete ane 4D angistia de separagao e perda do objeto em "luto ¢ melancolia'(1917) © aes i ee "ibigao, sintoma e anguistia” (1926), tendo, a partir de entio, servido como flan aaa ho Sosa ness referencial teérico para outros autores psicanalistas que aprofundaram 0 ind aes assunto, SPITZ (1962) deu uma grande contribuigdo para o estudo da dinmica na separagio, dentro da diade mfc-bebs, além de ter estudado a angistia de separagao como um dos organizadores no proeesso de formagio da consténeia objetal da crianga, com surgimonto evolutiva aos oito meses. UNITERMOS ‘Mediante o estudo do processo de separacio-individuagio, dividido em ‘nsecade de Sopra, Pia nt Fee te ears de ealdedee ice on sraeerci MABLER tof oc ame corinne signee aro Sich ae epargts ele ne lens wee Ser aT Goa cette mes tnt do pee, nindo sean cat anus cates ees ataiend posal a erat a, cnparaniees ae betes alee me ei fas LASS WOLKMAN 109) usados cone fees ora saan oot tenec ts aintrniadeachensscm apt tar uma resposta pratica que a leve de volta para a mae. Quanto mais Sea een, avcrioaua, cxstoaerinia bets ecco Penegpeneeainenas | pele ico de eames Coury iseaenates Cons ptlenio eee See etncesote wasn devostiole erehatar nm ded,“ Eagie sow mara om BARBOSA, GA. & ALMBIDA, H.-F. Anssdade de Separagde Rev, Neuropsia, da Tnfancia e Adolescéncta 2(3) 11-14, 1994 elata de Caso 12 dos em ansiedade de separagao, transtornos de excesso de ansiedade e de evitagao, continuando a mesma divisdo no DSM-ILR, em 1987. Com a publicagao da CID-X em 1993, a ansiedade de separagao foi inserida no item referente a "transtornos emocionais, com inicio especifico na infancia. De acordo com a CID-X 0 transtorno de ansiedade de separacao deve ser diagnosticado apenas quando o medo da sepa- ragio constitui o foco da ansiedade e quando tal ansieda- de surge durante os primeiros anos. Deve ser diferencia da da ansiedade de separacao normal que faz parte do procosso de desenvolvimento. Ossintomas provocam perturbagbes adaptativas para erianga em casa e na escola, a ponto de despertar a atengao de pais e professores. Deve ter a duracao de, no ‘mfnimo, duas semanas, ‘A ansiodade de separacdo surgida primariamente na adolescéncia nao deve ser codificada neste item, a menos que constitua uma continuagio anormal da ansiedade de separagao na infineia. Nas diretrizes diagnésticas da CID-X, consideramos principalmente a ansiedade focada ce excessiva concernente a separagao daqueles individuos fa que a crianga esté vinculada (usualmente pais ou outros membros da familia), tratando de diferenciar de outros tipos de ansiedade associadas a outros contextos (transtorno de ansiedade febica, social, etc) ‘Segundo a CID-X, a ansiedade de soparacao se apre senta sob a forma de ‘9 Uma preocupagao irrealista e aflitiva sobre um. possivel dano, acontecendo para as importantes, figuras de vinculagao ou um medo de que elas iro embora e nao voltarao. © Uma preocupacaio irrealista e aflitiva em que algum acontecimento desfavordvel, tal como a crianga perdendo-se, sendo raptada, o hospital ou sendo morta, iré separé-la de uma importante figura de vinculagio. (© Reluténeia ou recusa persistente para ir a esco- la, por causa de medo de separago (mais do que por outras razdes, tais como medo de aconteci- ‘mentos na escola), © Relutaneia cu recusa persistente para ir dor- mir, sem estar perto de uma importante figura de vineulagao. © Medo persistente © inapropriado de ficar sozi- ha ou, de alguma maneira, sem a importante figura de vincalagio em easa, durante o dia. © Pesadelos repetidos sobre separacao, © Ocorréncia repetida de sintomas fisicos (nat seas, dor de estémago, dor de cabeca, vimitos etc) em ceasides que envolvem separacao de ‘uma importante figura de vinculayao, tais como sair de casa para ir a escola, 9 Angustia excessiva e recorrente (como mostra- da por ansiedade, choro, acessos de raiva, sofri- ‘mento, apatia ou retraimento social), em ante- cipagao, durante ou imodiatamente apés a se- paragdo de importante figura do vinculagao. Com relagio a epidemiologia, o transtorno tende a ‘ocorrer em familias, sendo a populacdo por sexo igual ou levemente predominante em mulheres com idade de aparecimento entre einco ¢ oito anos (BERNSTEIN, 1992), De acordo com POPPER, citado por TALBOTT, HA- LES E WUDOFSKY, (1992), "mais de 92% das eriangas ‘com transtorno de ansiedade de separagio t@m outros transtornos de ansiedade e/ou humor, 0 que dificulta bastante o diagndstico. O absentetsmo escolar esta dire- tamente ligado a ansiedade de separacao. Para BERNS- ‘TEIN (1992), entre 60% e 80% das criangas com fobia escolar, existe ansiedade de separacao, especialmente emeriangas menores, que tém uma recusa escolar aguda, de curta duragio. Come fator etiol6gico é enfatizada, principalmente, a interagao entre fatores genéticos, constitucionais e am- bientais, KAPLAN e SADOCK (1993) citam as transa- {goes entre a crianga.e um dos pais cu ambos com conflitos de separagio, como fator importante do desenvolvimento do problema. Segundo estes autores, alguns pais ensinam seus fithos a serem ansiosos, eriando padroes de interagées nocivos, que geram modelos defeituosos de resposta, inclusive no que se refere ao apego-dependéncia-indivi- duagao, ‘Um trabalho realizado por BERNSTEIN & GARFIN- KEL, em 1986, utilizando-se a escala geral da medida de avaliagio familiar, apontou o seguinte problema: pais de criangas com ansiedade de separacao apresentam disfun- ges nas dreas de desempenho de papéis, comunicagao, expressio afetiva o controle. ‘Com relagao ao curso e ao progndstico, ha uma ten- dencia para a cronificagao com exacerbagao, acarretada por pessoas, acidentes, mudangas de local e doengas fisicas. A evasto escolar pode produzir conduta disrupta ce agressiva. f frequente a evolucio para agorafobia com fou sem distirbio de pAnico, depressdo e somatizacao patologica. ( diagnéstico diferencial pode ser feito com transtor- no de conduta que apresenta recusa escolar, mentira, furtos, no se observando estas caracteristicas na ansie- dade de separacso. Com relacao & depressao maior ou distimia, hd uma sobreposigdo de sintomas, sendo neces- sério fazer, em muitos easos, os dois diagndsticos. Nos ‘outros transtornos de ansiedade, nao existe o medo foca- Iizado na separagao. Os transtornos globais de desenvol- vvimento (pervasive) manifestam ansiedade de aniquili- BARBOSA, G.A. & ALMBIDA, HIP. -Ansiedade de Seporagie: Relat de Caso Rev, Neuropsig. da Infancia e Adolescéneta 23): 11-14, 1994 13 so acontuada, decorrente do quadro de desagregacio Com relagao a terapéutica, a maioria dos autores preconizam © uso de antidepressivos trietlicos, como Inipramina e amitriptiina, associados a psioterapia, sendo a cognitiv-comportamental a mais indicada. Es- tudos realtzados por BLAGG E YULE (1984) tentam mostrar que a terapia condutual @ a mais eficaz na Tesolugio de sintomas, mas, em nossa experiéncia, 80 tomos ainda easuistica para corroborar a supremacia de ima técnica sobre as demais Relato do Caso Dados PS, seis anos, branca, sexo feminino, catélica, proce- dente de Joao Pessoa. Data da primeira entrevista 5/8/1993. Queixa Principal Accrianga é muito medrosa, principalmente na ausén- cia dos pais, Dorme na eama destes, nao consogue ficar sozinha e tem acessos de birra. HDA. Relata a mae que, aos cinco anos, a erianga comegou ‘a apresentar o comportamento de birra, de forma acen- ‘tuada na auséncia dos pais, principalmente da mae, na escola e em casa. Comega a chorar, espernear, vomitar, provocando mal-estar em todas a3 pessoas presentes, ‘Durante todo ane de 1992, teve a companhia da mena ‘escola, tendo queda acentuada no desempenho, quando esta nao ficava com a crianga, Durante todo este periodo, acrianga realizava atividade inclusive de lazer, somente com a mie. Com muita dificuldade, néo perdeu o ano lotivo. Em casa dorme com os pais na mesma cama e, quando lhe é negado este hébito, urina, defeca e chora bastante, E muito agressiva e arredia, principalmente quando os pais amoacam sair de casa. A mae afirma que ‘a erianga tem medo de que os pais morram na rua e que ‘um bicho a pegue. Apresenta, ainda, dor de eabeea, tem ‘muitos amigos, 6 socidvel e apresenta desempenho ade- quado para a idade. Antecedentes Pessoais ‘Aos cito meses, apresentou o primeiro acesso de birra ligado a separagao da mae. Este comportamento se acen- ‘uou, prineipalmente quando tinha um ano e meio. Apre- sentou melhora apés os dois anos. Reaparccendo aos, cinco, com o infeio da vida escolar. Sempre foi uma crianga inteligente, socidvel sadia (sic). E a terceira filha de uma prole de trés. Nasceu de parto normal sem intereorréncias. A gestagio foi normal. Desenvolvimento neuropsicomotor compativel com a idade, Teve rubéola ¢ caxumba entre dois e trés anos. Nega quadro canvalsivo ¢ intercorréncias cirtrgicas. Foi amamentada durante ‘um ano e sempre foi dependente da companhia dos pais, prineipalmente da mae. Para habitos quotidianos, tipo vestir roupa, alimentar-se ete. é independente. Relacio- nave bem com o8 irmAios e com outros familiares. Antecedentes Familiares Pais casados no eivil e no religioso. A Mae tem qua- renta e um anos, tem um filho de uma uniao anterior, ¢ fanciondria piblica e goza de boa saiide. O pai tem trinta oito anos, com boa sauide ¢ ¢ bancério, sendo este 0 seu primeiro casamento. A crianca em questao tem dois irmaos, tendo o mais velho dozessete anos, da primeira unio, 60 segundo tem nove. Ambos gozam de boa satide, ‘Negam-se doencas mentais na familia. O avo materno faleceu de cAncer no estimago. As avés ¢ 0 avé paterno sho saudaveis. A mie realiza psicoterapia, hd trés anos, e é extremamente ansiosa, Exame Fisico ‘Nada digno de nota. ‘Sumdrio do Exame Mental Crianga bem vestida, com aspecto higiénico bom, manteve com 0 examinador atitude hostil em algum momento, mostrando-se pouco solicita, Apresentou-se Iicida, orientada auto e alopsfquica, atencao normal, linguagem e pensamento sem alteragbes, inteligéncia acompanhando o desenvolvimento normal (fase pré-ope- ratéria, entrando na fase de operagdes concretas), humor inst4vel, com irritabilidade e ansiedade na auséncia dos pais. Diagnéstico ‘Transtorno de Ansiedade de Separacao na Infancia (CID: F93.0 Conduta Terapéutica Prescrevemos amitriptilina (meio comprimido de 25 mg uma ver. ao dia). Solicitamos avaliagao psicolégica para aplicago do T.A‘T, Teste da familia de Corman, contos de Madaleine Thomas e fébulas de Duss. Thiciamos, na semana subsequente, 0 processo ludo- terépico, com realizagio de duas sessées por semana, Optamos por Iudoterapia associada a téenicas condu- tuais, Além disso, fizemos um trabalho de crientagdo familiar, onde foram detectados problemas de ansiedade ‘em ambes, principalmente na mae, que é muito ansiosa © com tragos obsessivos (o que dificultou bastante 0 trabalho ludoterdpieo ¢ torapeutico). (0 laudo psicodingnéstico verificou caracteristicas eli- nicas que foram confirmadas ao longo do contato com a paciente, A crianga apareceu como muito ansiosa, de- pendente emocionalmente, com medo de ser rejeitada, BARBOSA, GA & ALMEIDA, H.LP. -Ansiadade de Separate Relatade Caso Rev, Newropsig. da Infanela e Adoleseénela 2(3) 11 14 fato observado durante o procesto de anélise, quando interrogava até quando deveria ser acompanhada, de- ‘mostrando assim ¢ medo de ser abandonada. F muito frégil, do ponto de vista egéico, porém com ambigoes, demonstrando produtividade e vitalidade naquilo que faz, Nao existiram dificuldades de rapport: no entanto demonstrou dificuldades de separacdo, no final da apli- cagio dos testes. A mie mostrou-se muito ansiosa, prin- cipalmente apés o término do psieodiagnéstico da filha, Concluséo A paciente apresenta ansiedade de separagao na in- fincia, F93.0 da CID-X, associada a episédio depressivo leve, com sintomas sométicos, F32.1, Dentre os itens das diretrizes de diagndstico, com relagdo & ansiedade de separacdo, a paciente apresentou, no infcio, os aspectos encontrados nos itens A,C,D,E,G e H. Os testes psicol6- ‘gicos confirmando tudo isso, ajudaram na elucidagao do dingnéatico. ‘A Ludoterapia ¢ o uso da amitriptilina ajudaram na remissao completa da sintomatologia depressiva e con- tribuiram para a remissao de alguns sintomas da ansie- dade de separacao, principalmente dificuldade escolar, somatizacio e dependéncia dos pais. Os conflitos ds pais, principalmente os da mae, que apresenta ansiedade acentuada, dificultoua resolugaodo problema da filha, que ainda continua apegada & mae, dormindo no quarto desta. Os pais foram encaminhados para terapia familiar sistémica, Os modelos etiolégicos enfatizam a interagio familiar complicada, com dificuldades ao nivel da individuagao e dependéncia, devendo estas ser mais bem estudadas, porquanto, de acordo com a nossa experiéncia estas ex plicagses sao compativeis com a realidade dos fatos. ‘Ao nivel da oficdcia terapéutica, descontextualizando a erianga do meio familiar, o tratamento passa a ser apenas paliativo e sintomatico. Este ¢ 0 principal alerta Endorco para correspondtncla: ‘Goraro Alves Barboes (Cara Postal $008 - CEP 58.031.870 ‘Joie Peosoa - PB Fax (083) 222.0002 ‘que devemos dar aos profissionais que lidam com ansie- dade de separagdo na infancia. ‘SUMMARY By means ofa cinical ase study in separation anietycsordorin sya ‘ld cdr and using the ICO-X as te dagnoste erm, fe authors Folate therapeute expeionces with hietherapy and the use of ant-de- ‘restarts, and evaluta the efiency of tose Kinds of Intervention ft {he pathology in question KEY WORDS ‘Soparation AniotyDisordor, Child Paya. Bibliografias 11. BERNSTEIN GA, GARFINKEL 20, AUGUST Gu - Vieual analogue ‘seal for anwaty, eveed. IN: Sclontie procedings fr the aru ‘meeting. American Academics of Childand Adolescent Payehya- try 2, 1088, 2. BLAGG NR, YULE W The behavioral treatment of school esa. ‘comparative study. Behavr0s. Ther. 22:112-127, 1084 3. Cassificarao de Transtomos Mentals © de Comportamento - (GIO, Edtora Aros Médicas, 1983. “4. 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