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PA N D E M I A E

MULHERES
VOLUME 02

CARLA ESTELA RODRIGUES


EZILDA MELO
MARIA JULIA POLETINE
(ORGANIZADORAS)

STUDIO SALA DE AULA


Copyright © 2020 Studio Sala de Aula

Todos os direitos reservados à Studio Sala de Aula

Categoria: Direitos Humanos, Direitos das Mulheres Aos enlutados pela Pandemia do Coronavírus

Produção Editorial: Studio Sala de Aula


Revisão: Ezilda Melo
Arte colagem: Lia Testa
Capa: Derivaldo Amorim

ISBN: 9798675181605
A Studio Sala de Aula não se responsabiliza pelas opiniões emitidas nesta
obra por cada autor (a).

CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
_____________________________________________
Pandemia e Mulheres - Volume 02 - Organizadoras: Carla Estela
Rodrigues, Ezilda Melo, Maria Júlia Poletine - 1ª edição - Salvador: Studio
Sala de Aula, 2020.

1. Direitos das Mulheres. 2. Impactos da pandemia na vida das mulheres


brasileiras 3. Interseccionalidades e marcadores de vulnerabilidade 4.
Violências contra as mulheres 5. Políticas públicas para mulheres
CONTENTS

Title Page 1
Copyright 2
Dedication 3
SUMÁRIO 11
APRESENTAÇÃO 18
SOBRE AS AUTORAS E AUTORES: 40
YABÁS INVISIBILIZADAS E O COVID-19: UMA CARTA- 53
DENÚNCIA EM DEFESA DAS MULHERES QUILOMBOLAS DO
ESTADO
A PANDEMIA INVISÍVEL: UM OLHAR SOBRE A
VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTRA MULHERES MIGRANTES E
REFUGIADAS EM
MULHERES, RACISMO E PANDEMIA: PERSPECTIVAS 78
SOBRE DIREITOS HUMANOS EM UM CONTEXTO DE CRISE
PANDEMIA, A MULHER E SEU DUPLO ISOLAMENTO 90
O AUMENTO DO NÚMERO DE CASOS DE VIOLÊNCIA 102
DOMÉSTICA:
A COVID-19 NO BRASIL E AS MULHERES: UMA 106
PANDEMIA SEXISTA, CLASSISTA E RACIALIZADA
ANÁLISE DE NORMAS JURÍDICAS RELACIONADAS À 113
MULHER DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19 NO BRASIL
OS DESAFIOS DO CUIDAR E SER CUIDADA - 137
ESTRATÉGIAS DE ACOLHIMENTO DAS MULHERES TRANS DESAMPARO POLÍTI
DURANTE A PANDEM A PANDEMIA DAS MULHERES NAS ATIVIDADES 274
O ADEUS PRECOCE: A MORTE DE MULHERES 146 LEGISLATIVAS DO CONGRESSO NACIONAL EM CONTEXTO
GRÁVIDAS E PUÉRPERAS COMO VIOLAÇÃO DE DIREITOS DE COVID-19
HUMANOS E PRÁTIC “ESTAMOS TODOS NO MESMO BARCO?”: 297
ISOLAMENTO SOCIAL, QUARENTENA, LOCKDOWN 156 PERSPECTIVAS DE GÊNERO SOBRE A PANDEMIA
E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA? UMA ANÁLISE SOBRE O TRABALHADORAS DOMÉSTICAS NO CENÁRIO 308
AUMENTO DE CASOS BRASILEIRO DE PANDEMIA
O ENCONTRO DAS PANDEMIAS: COMO O PERÍODO DE 163 MULHERES E MULHERES NA PANDEMIA: OS 319
ISOLAMENTO SOCIAL DEU LUZ À INTENSIFICAÇÃO DA DIFERENTES SENTIDOS DE "FICAR EM CASA"
VIOLÊNCIA
HIPERENCARCERAMENTO FEMININO EM TEMPOS 330
A PROTEÇÃO DA GESTANTE TRABALHADORA E O 174 DE PANDEMIA
ENFRENTAMENTO AO COVID-19: ENTRE A PROTEÇÃO E O
TRABALHO DOMÉSTICO E DESPROTEÇÃO 343
DESAMPARO SO
PREVIDENCIÁRIA: NECESSIDADE DE UM OLHAR
A ATUAÇÃO ESTATAL NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À 185 INTERSECCIONAL
SAÚDE DA GESTANTE E DA CRIANÇA DURANTE O SARS-
FLEXIBILIZAÇÃO DA QUARENTENA: OS REFLEXOS 356
COV-2
DA ECONOMIA CAPITALISTA NA MATERNIDADE SOLO
BREVES REFLEXÕES SOBRE “A CONFISSÃO DE 201
A CONFERÊNCIA DE PEQUIM E A PROTEÇÃO DAS 368
LEONTINA”: A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER COMO
MULHERES DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19
“UMA EPIDEMIA” 
ATUAÇÃO DA CLÍNICA DE DIREITOS HUMANOS DA 378
FENOMENOLOGIA DO CUIDADO: REFLEXÕES SOBRE 213
UESB NA TUTELA DE DIREITOS DAS GESTANTES NA
E A CONDIÇÃO HUMANA NO CENÁRIO DE PANDEMIA
PANDEMIA
COVID-19
A RESTRIÇÃO AO DIREITO À PRESENÇA DE 387
ENTRE SÍMBOLOS E RETRIBUIÇÕES: SOBRE AS 222
ACOMPANHANTE NO PARTO ANTE A PANDEMIA DA
TENSÕES POLÍTICAS NO ENFRENTAMENTO AOS DELITOS
COVID-19: UMA VIOLAÇÃO
MOTIVADOS PEL
A COVID-19 E O QUE AS AULAS REMOTAS, 397
GARANTIA DE RENDA E FORMAS DE AUTONOMIA 238
REMONTAM PARA PROFESSORAS DO ENSINO
PARA MULHERES DURANTE E DEPOIS DA PANDEMIA
FUNDAMENTAL EM CAMPINA GRAN
DESIGUALDADE DE GÊNERO EM TEMPOS DE 252
AS GESTÕES FEMINISTAS NA PREFEITURA DE SANTO 407
PANDEMIA: UMA DISPUTA PELOS SENTIDOS DA
ANDRÉ ENTRE 1989 E 2016: A PERSPECTIVA DE GÊNERO NA
CONSTITUIÇÃO
POL
MULHERES NA LINHA DE FRENTE DURANTE A 263
GÊNERO E RAÇA ANTE A PANDEMIA DA COVID-19: A 428
PANDEMIA: O ABALROAMENTO DE FUNÇÕES FRENTE AO
PANDEMIA E MULHERES

FLEXIBILIZAÇÃO DO DIREITO À VIDA EM TEMPOS DE CRISE


ANTIGONAS DA PANDEMIA 439
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: MEDIDAS PROTETIVAS DE 450
URGÊNCIA, ACESSO À JUSTIÇA E SUBNOTIFICAÇÃO NO
CONTEXTO P
MUITO ALÉM DO VÍRUS: A LEI MARIA DA PENHA E AS 465
PANDEMIA E MULHERES – volume 02
MÚLTIPLAS VULNERABILIDADES ENFRENTADAS POR
Carla Estela Rodrigues
MULHERES T Ezilda Melo
ATRÁS DAS MÁSCARA: MULHERES NA LINHA DE 476 Maria Júlia Poletine
FRENTE DA COVID – 19
(Organizadoras)
AUMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA MULHER A 481
PARTIR DO INÍCIO DA PANDEMIA DO COVID-19: PROPOSTAS
DE ENFRENTA
O DIREITO À SAÚDE DAS PACIENTES NO BRASIL NO 494
CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19
MÃES DE TODOS, SUJEITOS DE NINGUÉM: ANÁLISE 503
DAS EMPREGADAS DOMÉSTICAS BRASILEIRAS SOB A ÓTICA
DA MAT
PANDEMIA, PATRIARCADO E ESTÉTICA: UMA 516
ABORDAGEM HISTÓRICO-FILOSÓFICA DO "SER MULHER"
NUM PARALELO EN
A MULHER NEGRA EM TEMPOS DE PANDEMIA 530
A CONCESSÃO E FISCALIZAÇÃO DAS MEDIDAS 540
PROTETIVAS DE URGÊNCIA DURANTE A PANDEMIA
CAUSADA PELO COVID-
ANEXOS 553
About The Author 647
PANDEMIA E MULHERES 649

9
SUMÁRIO

APRESENTAÇÃO
SOBRE AS AUTORAS E AUTORES
1.     YABÁS INVISIBILIZADAS E O COVID-19: UMA CARTA-
DENÚNCIA EM DEFESA DAS MULHERES QUILOMBOLAS
DO ESTADO DA BAHIA
Andreza Rodrigues
Bruna Galvão Severo
Carla Estela Rodrigues
Maísa Conceição Lobo

2. A PANDEMIA INVISÍVEL: UM OLHAR SOBRE A VIOLÊN-


CIA DE GÊNERO CONTRA MULHERES MIGRANTES E
REFUGIADAS EM TEMPOS DE COVID-19 A PARTIR DA
EXPERIÊNCIA DE UM PROJETO DE EXTENSÃO UNIVER-
SITÁRIA
Elaine Cristina Schmitt Ragnini
Isbeline Theodorice
Julya Naara
Manuela Busato
Nara Veiga Borges
Priscila Ferreira Fortini
Taís Vella Cruz
Tania Savariego
Tatyana Scheila Friedrich
Victória De Biassio Klepa

3.     MULHERES, RACISMO E PANDEMIA: PERSPECTIVAS


SOBRE DIREITOS HUMANOS EM UM CONTEXTO DE
CRISE
Elita Isabella Morais Dorvillé de Araújo
Mariana Candido dos santos
Mayara Alessandra dos Santos Barros

4. PANDEMIA, A MULHER E SEU DUPLO ISOLAMENTO


Elton Dias Xavier
Kristianne Veloso

11
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

5.     O AUMENTO DO NÚMERO DE CASOS DE VIOLÊNCIA 13. A ATUAÇÃO ESTATAL NA EFETIVAÇÃO DO DIREITO À
DOMÉSTICA: EFEITO DELETÉRIO DA QUARENTENA SAÚDE DA GESTANTE E DA CRIANÇA DURANTE O SARS-
Érika Thomaka COV-2
Maíra Fernandes Hemily Samila da Silva Saraiva
Rebeca de Souza Barbalho
6.    A COVID-19 NO BRASIL E AS MULHERES: UMA

PANDEMIA SEXISTA, CLASSISTA E RACIALIZADA


Ezilda Melo 14. BREVES REFLEXÕES SOBRE “A CONFISSÃO DE LEON-
TINA”: A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER COMO “UMA
7.     ANÁLISE DE NORMAS JURÍDICAS RELACIONADAS EPIDEMIA”
À MULHER DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19 NO Hilda Helena Soares Bentes
BRASIL
Ezilda Melo 15. FENOMENOLOGIA DO CUIDADO: REFLEXÕES SOBRE
8. OS DESAFIOS DO CUIDAR E SER CUIDADA - ESTRATÉ- E A CONDIÇÃO HUMANA NO CENÁRIO DE PANDEMIA
GIAS DE ACOLHIMENTO DAS MULHERES TRANS DUR- COVID-19
ANTE A PANDEMIA Hizadora Constanza Medina D’Ambros
Fe Maidel Izabela Medina D’Ambros
Rachel Macedo Rocha Patrícia Medina

9. O ADEUS PRECOCE: A MORTE DE MULHERES


   
16. ENTRE SÍMBOLOS E RETRIBUIÇÕES: SOBRE AS TEN-
GRÁVIDAS E PUÉRPERAS COMO VIOLAÇÃO DE DIREI- SÕES POLÍTICAS NO ENFRENTAMENTO AOS DELITOS
TOS HUMANOS E PRÁTICA DA NECROPOLÍTICA NO ES- MOTIVADOS PELO GÊNERO
TADO BRASILEIRO Izabella Barros-Melo
Fernanda Abreu de Oliveira 17. GARANTIA DE RENDA E FORMAS DE AUTONOMIA
10. ISOLAMENTO SOCIAL, QUARENTENA, LOCKDOWN E PARA MULHERES DURANTE E DEPOIS DA PANDEMIA
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA? UMA ANÁLISE SOBRE O AU- Isadora Petronila Cavalcanti Silva Ramos
MENTO DE CASOS DE AGRESSÕES CONTRA A MULHER Raissa Lustosa Coelho Ramos
EM TEMPOS DE PANDEMIA 18. DESIGUALDADE DE GÊNERO EM TEMPOS DE
Francisca Nayana Dantas Duarte PANDEMIA: UMA DISPUTA PELOS SENTIDOS DA CON-
11. O ENCONTRO DAS PANDEMIAS: COMO O PERÍODO DE STITUIÇÃO
ISOLAMENTO SOCIAL DEU LUZ À INTENSIFICAÇÃO DA Jessica Holl
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA Raquel Cristina Possolo Gonçalves
Gisele Meneses do Vale Rayann Kettuly Massahud de Carvalho
Júlia Helena Sousa

12. A PROTEÇÃO DA GESTANTE TRABALHADORA E O EN- 19. MULHERES NA LINHA DE FRENTE DURANTE A
FRENTAMENTO AO COVID-19: ENTRE A PROTEÇÃO E O PANDEMIA: O ABALROAMENTO DE FUNÇÕES FRENTE
DESAMPARO SOCIAL AO DESAMPARO POLÍTICO-SOCIAL
Heloísa Helena Silva Pancotti Joanna Victória Amaral Mendonça
Renato Bernardi Patrícia Verônica Nunes Carvalho Sobral de Souza

12 13
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Rebeca Jamilly Costa Souza


28. ATUAÇÃO DA CLÍNICA DE DIREITOS HUMANOS DA
20. A PANDEMIA DAS MULHERES NAS ATIVIDADES LEGIS- UESB NA TUTELA DE DIREITOS DAS GESTANTES NA
LATIVAS DO CONGRESSO NACIONAL EM CONTEXTO DE PANDEMIA
COVID-19 Lidiane Lima Silva
João Paulo Allain Teixeira Luciana Santos Silva
Katherine Lages Contasti

21. “ESTAMOS TODOS NO MESMO BARCO?”: PERSPEC- 29. A RESTRIÇÃO AO DIREITO DE ACOMPANHANTE
TIVAS DE GÊNERO SOBRE A PANDEMIA NO PARTO ANTE A PANDEMIA DO COVID-19: UMA
Júlia Tormen Fusinato VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA MULHER OU UMA PRO-
Laura Gigante Albuquerque TEÇÃO NECESSÁRIA?
Luíza Trindade Freire
22. TRABALHADORAS DOMÉSTICAS NO CENÁRIO BRA- Rhayssa Ferreira Gonçalves Santos
SILEIRO DE PANDEMIA
Karen Graciella Gonçalves da Silva 30. A COVID-19 E O QUE AS AULAS REMOTAS, REMON-
TAM PARA PROFESSORAS DO ENSINO FUNDAMENTAL
23. MULHERES E MULHERES NA PANDEMIA: OS DIFER- EM CAMPINA GRANDE, PB
ENTES SENTIDOS DE “FICAR EM CASA” Maria Aparecida Figueirêdo Pereira
Kátia Alexsandra dos Santos Verônica Figueirêdo Pereira
Michele da Rocha Cervo
31. RELENDO A CIDADE SOB A PERSPECTIVA DE GÊNERO:
24. HIPERENCACERAMENTO FEMININO EM TEMPOS DE
AS GESTÕES FEMINISTAS NA PREFEITURA DE SANTO
PANDEMIA
ANDRÉ ENTRE 1989 E 2016
Katie Silene Cáceres Arguello
Maria Cristina P. Pechtoll
25. TRABALHO DOMÉSTICO E DESPROTEÇÃO PREVI- Silmara Conchão
DENCIÁRIA: NECESSIDADE DE UM OLHAR INTERSEC- Sonia Alves Calió
CIONAL
Larissa Rahmeier De Souza 32. GÊNERO E RAÇA ANTE A PANDEMIA DA COVID-19: A
Letícia Maria Gonçalves Santos FLEXIBILIZAÇÃO DO DIREITO À VIDA EM TEMPOS DE
CRISE
26. FLEXIBILIZAÇÃO DA QUARENTENA: OS REFLEXOS DA Maria Eduarda Gobbo Andrades
ECONOMIA CAPITALISTA NA MATERNIDADE SOLO Maria Júlia Lima Pereira
Laura Marconi Bastos Natália da Silva Lima
Maria Luiza Prestes Magatti
33. ANTIGONAS DA PANDEMIA
Maria Helena Franca Neves
27. A CONFERÊNCIA DE PEQUIM E A PROTEÇÃO DAS MUL-
HERES DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19 34. VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: MEDIDAS PROTETIVAS DE
Laura Souza Lima e Brito URGÊNCIA, ACESSO À JUSTIÇA E SUBNOTIFCAÇÃO NO
Luiza Nobre Maziviero CONTEXTO PANDÊMICO
Luma Cavaleiro De Macêdo Scaŀ Maria Júlia Poletine Advincula

14 15
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

SADA PELO COVID-19


35. MUITO ALÉM DO VÍRUS: A LEI MARIA DA PENHA Tássia Louise de Moraes Oliveira
E AS MÚLTIPLAS VULNERABILIDADES ENFRENTADAS
POR MULHERES TRANSEXUAIS NO CONTEXTO DA
PANDEMIA
Maria Júlia Poletine Advincula
Túlio Vinícius Andrade Souza

36. ATRÁS DAS MÁSCARA: MULHERES NA LINHA DE


FRENTE DA COVID – 19
Marly Perreli

37. AUMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA MULHER A PARTIR


DO INÍCIO DA PANDEMIA DO COVID-19: PROPOSTAS DE
ENFRENTAMENTO
Mayana Sales Moreira
Samyle Regina Matos Oliveira
Selma Pereira de Santana

38. O DIREITO À SAÚDE DAS PACIENTES NO BRASIL NO


CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19
Patrícia Verônica Nunes Carvalho Sobral de Souza
Sirley Meclaine da Graça Melo
Thiago de Menezes Ramos

39. MÃES DE TODOS, SUJEITOS DE NINGUÉM: ANÁLISE


DAS EMPREGADAS DOMÉSTICAS BRASILEIRAS SOB A
ÓTICA DA MATERNAGEM E DESIGUALDADE RACIAL
Renato Bernardi
Sandy dos Reis Silva

40. PANDEMIA, PATRIARCADO E ESTÉTICA: UMA ABORD-


AGEM HISTÓRICO-FILOSÓFICA DO “SER MULHER” NUM
PARALELO ENTRE GILDA DE MELLO E SOUZA E CLARICE
LISPECTOR
Rachel Pereira Dias Calegario

41. A MULHER NEGRA EM TEMPOS DE PANDEMIA


Romilda Maria De Jesus
Susilene Ferreira De Oliveira

42. A CONCESSÃO E FISCALIZAÇÃO DAS MEDIDAS PRO-


TETIVAS DE URGÊNCIA DURANTE A PANDEMIA CAU-

16 17
PANDEMIA E MULHERES

própria pandemia, que já foi chamada até de “gripezinha”


pelo Presidente da República. A doença é grave e urgente é
APRESENTAÇÃO a articulação dos entes federados para controle adequado
da COVID-19. De acordo com Emilio Sant'Anna, em ma-
Em continuidade aos volumes da Coleção “Pandemia
téria para a Folha de S. Paulo, neste momento da Pandemia,
e Mulheres”, trazemos essa coletânea a público com a cer-
o Brasil ca atrás apenas dos Estados Unidos (160 mil)
teza de que pode contribuir para a construção de políticas
em número de óbitos. Ao considerarmos que a população
públicas.A gestão do coronavírus é o cenário que se mostra.
dos EUA é 57% maior (330 milhões ante 210 milhões),
os índices chegam a ser similares. Apenas 5% dos 5.570
Os números ociais apontam que de março para cá, municípiosbrasileiros, de acordo com o IBGE (Instituto Bra-
agosto de 2020, morreram no Brasil mais de 100 mil pessoas sileiro de Geograa e Estatística), têm mais habitantes do
vítimas da COVOD-19 e mais de 3 milhões de casos foram que essamultidão de mortos que o coronavírus formou. E só
conrmados. Sabemos que esse número está camuado em 92 delas ainda não tinham, até primeira semana de agosto de
razão das subnoticações. A quantidade de brasileiros mor- 2020 nenhum caso registrado de COVID-19.
tos, tudo leva a crer, é bem maior. É um número tão expres-
sivo, comparativamente à outra doença que também não É como se um estádio como o Maracanã totalmente
tem vacina e é viral, que equivale à quantidade de pessoas lotado e mais 22 mil pessoas na la, morressem de uma
que morreram vítimas da AIDS em nove anos aqui no Brasil. vez. Essas pessoas não compõem apenas uma lista tétrica:
A velocidade com que estamos perdendo nosso povo se mos- são familiares que agora sofrem em luto, são uma centena
tra estarrecedora. Em cinco meses o estrago tem repercussão de milhares de vidas e histórias que se foram, muitas na
catastróca. “Isso é inédito, algo que nunca teve. Devería- obscuridade dos dados, em um emaranhado de dúvidas nos
mos estar em desespero, isso é uma tragédia como uma quais os protocolos sanitários-médicos são confusos. Diante
guerra de verdade, um conito armado. Mas o Brasil está de uma lacuna sobre quem são os cem mil mortos vítimas da
em uma anestesia coletiva", diz o infectologista José Davi COVID-19, diante da falta da porcentagem por gênero, raça e
Urbaéz, porta-voz da Sociedade Brasileira de Infectologia cor, dados que ainda não foram divulgados, muitos coletivos
(SBI). Já Alexandre Naime, chefe do departamento de Infec- de mulheres no Brasil todo estão disseminando informações
tologia da Faculdade de Medicina da Universidade Estadual para dar visibilidade à uma questão que já levantamos no
Paulista (Unesp), arma: “a Covid-19, dentro do cenário de volume 01 desta coleção: numa crise, qualquer que seja ela,
saúde pública, é um dos mais importantes fenômenos da his- as mulheres são as mais vitimadas.
tória do Brasil. É difícil uma doença aguda, tirando a gripe
espanhola, que tenha levado tantas vidas em tão pouco Diante deste silêncio e desta omissão pública, resta
tempo". aos movimentos de mulheres e dos demais grupos vul-
nerados, procurarem por si sós, instrumentos para dar visi-
Porém, diante desse terror pelo qual passamos, há um bilidade e legitimidade para pautas urgentíssimas e procur-
total descaso do Governo Federal com as mortes e com a arem unir forças para sair desta situação. Com o objetivo
de trazer informações sobre a situação das mulheres no

18 19
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

contexto da pandemia, até nal de 2020 teremos recebi- apresentam. São arquitetas, advogadas e advogados, psicó-
mento contínuo de artigos para os volumes desta coleção logas, professoras e professores de diversas áreas, artistas
que sairão em setembro, outubro, novembro e dezembro. plásticas, engenheiras civis, biólogas, poetas, historiadoras,
Para tanto, autores devem encaminhar material para o e- administradoras de empresa, terapeutas, procuradores do
mail pandemiaemulher@gmail.com, com textos de até 20 Estado, sociólogas, atrizes, funcionários públicos, asses-
páginas, que tratem exclusivamente das múltiplas situações sores jurídicos, assistentes sociais, advindos das seguintes
vivenciadas pelas mulheres brasileiras das regiões da feder- instituições UCSAL-Salvador, Faculdade Baiana de Direito,
ação que estejam relacionadas aos problemas enfrentados Universidade Estadual da Bahia, Universidade Estadual do
diante das consequências catastrócas da pandemia. Os tex- Sudoeste da Bahia, UFBA, OAB/BA,UERN, UFRN, OAB-RN,
tos para as obras serão recebidos até dia 10 de cada mês, UEPB, UFCG, UFPB, OAB-PB, UNICAP, UFPE, OAB-PE, Núc-
portanto para o Volume 03 o material deve ser enviado até leo de Assessoria Jurídica Universitária Popular Aqualtune-
dia 10 de setembro de 2020 e assim sucessivamente. Quanto UFAL, CESMAC, Instituto Negro de Alagoas, Universidade
mais local os dados apresentados mais importante para a Tiradentes-Propriá, IFTO, Universidade Federal do Pará,
criação deste mosaico, que por ora é bastante nebuloso. PUC-RS, UFPR, Universidade Estadual do Norte do Paraná
Diante deste panorama, propomos mais um observatório (UENP), Unilasalle-RS, Universidade Estadual do Centro-
para ajudar no planilhamento destes dados e sugeriremos Oeste no Paraná, PUC-Minas, Universidade Estadual de Mon-
propostas políticas neste ano eleitoral para mulheres can- tes Claros-MG, OAB-RJ, Universidade Federal de Minas Ge-
didatas que se conectem com essa preocupação. Trata-se rais, Universidade Estadual de Londrina, Universidade de
do “Observatório das Mulheridades”, que nasce da necessi- São Paulo, UFRJ, UFG, UFOP, Uniaeso, Associação Brasileira
dade de sistematizar informações, problematizar situações Prossional pela Saúde Integral de Travestis, Transexuais
e apontar soluções para melhorar as condições das mul- e Intersexos – Abrasitti, Associação Visibilidade Feminina,
heres vulneradas, em qualquer contexto que seja, durante a Conselho Municipal de Políticas para Mulheres da Prefeitura
Pandemia do Coronavírus. Este projeto contará com blog, in- Municipal de São Paulo, Rede Brasileira de Direito e Litera-
stagram, canal de YouTube, podcast e fará ciclo de palestras tura, ABRACRIM Mulher, Associação Brasileira de Advogados
com as pessoas participantes do projeto coletivo. Criminalistas, Instituto Brasileiro de Ciências Criminais do
RJ, Núcleo de Estudos e Defesa dos Direitos da Juventude e
Depois de feita essa abordagem que apresenta o mo- Infância-NEDDJI/I (SETI/UGF), Comissão da Diversidade Sex-
mento atual da pandemia no Brasil a partir do número cruel ual e de Gênero da OAB/Santo Amaro-SP, Laboratório de
de cem mil mortos e da apresentação sobre os próximos Política, Comportamento e Mídia na PUC-SP, Programa Mãe
volumes da escrita da coleção e a criação do Observatório, Coruja, IDASF, Fundação Araucária (PIBIC/UENP), Políticas
passaremos a fazer breves análises sobre cada um dos artigos Públicas de Gênero da Prefeitura Municipal de São Paulo, TJ/
que compõem o volume dois de Pandemia e Mulheres. SE, UniSantaCruz.

Temos 42 artigos, escritos por 86 pesquisadores bra- As produções advieram dos seguintes Estados da Fed-
sileiros, em sua grande maioria da área jurídica, apesar de eração: Bahia, Sergipe, Alagoas, Pernambuco, Paraíba, Rio
termos um debate transdisciplinar nos textos que aqui se Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Paraná, Minas Gerais,

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

São Paulo, Rio de Janeiro. Portanto, ainda não conseguimos um projeto de extensão universitária”, escrito por Tatyana
trazer discussões sobre algumas áreas geográcas do país. Scheila Friedrich, Elaine Cristina Schmitt Ragnini, Priscila
Queremos artigos de pesquisadores de todos os Estados bra- Ferreira Fortini, Manuela Busato, Isbeline Theodorice, Julya
sileiros. Para tanto, é necessário darmos visibilidade ao di- Naara, Nara Veiga Borges, Tania Savariego, Taís Vella Cruz,
vulgarmos a obra e estendermos o convite para publicação Victória de Biassio Klepa, as autoras expõem casos no con-
aos colegas de outras instituições do Acre, Amazonas, texto migratório onde se percebe a incidência de várias for-
Amapá, Tocantins, Roraima, Rondônia; Ceará, Maranhão, mas de violências, dando contornos especícos que ainda
Piauí; Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Distrito Federal; Es- não foram descritos ou amplamente discutidos pelos órgãos
pírito Santo; Santa Catarina. públicos e serviços que trabalham com mulheres e/ou com
migrantes.
No volume 01 tivemos 36 artigos e participação de
78 autores. Juntando volume 01 e 02 temos uma produção Em “Mulheres, racismo e pandemia: perspectivas
acadêmica de quase mil páginas tratando eminentemente sobre direitos humanos em um contexto de crise”, as autoras
da relação das mulheres brasileiras no contexto da Elita Isabella Morais Dorvillé de Araújo, Mariana Cândido
pandemia. Trata-se de algo muito importante que foi conse- dos Santos, Mayara Alessandra dos Santos Barros apresen-
guido graças aos esforços coletivos de todos que compõem tam os dados alarmantes de violência de violência contra
as obras iniciais deste projeto, que está sendo feito vol- mulher no Brasil e em Alagoas referentes ao período da
untariamente por quem assina essas produções cientícas. pandemia em que se instaurou o isolamento social, valendo-
São pesquisadores de várias instituições de ensino do país se dos dados ociais fornecidos pela Secretaria de Segur-
e há uma demonstração clara de que as mulheres estão em ança Pública, e da Nota Técnica Violência doméstica dur-
situação de maior vulnerabilidade no contexto pandêmico. ante a pandemia de COVID-19 feita pelo Fórum de segurança
pública, trazendo os apontamentos nacionais. Mostraram
No artigo Yabás invisibilizadas e a COVID-19: uma que a população negra é quem ca cada vez mais vulnerável
carta-denúncia em defesa das mulheres quilombolas do Es- e sem acesso aos direitos básicos de sobrevivência, e que so-
tado da Bahia, escrito por Andreza Rodrigues, Bruna Galvão mente com uma crítica ao neoliberalismo, e contributo no
Severo, Carla Estela Rodrigues, Maísa Conceição Lobo, as feminismo negro, podemos ampliar a visão deste problema.
autoras apresentam uma carta-denúncia para ensejar uma
maior consciência sociopolítica do país para que as mul- Em “Pandemia, a mulher e seu duplo isolamento”,
heres quilombolas e suas famílias, possam viver em con- Elton Dias Xavier e Kristianne Veloso argumentam que as
dições dignas e que possam ter suas vozes ecoadas no espaço mulheres sofrem, no contexto pandêmico, um duplo isola-
social, que possam ter seus corpos lidos como sujeitos de mento, primeiro aquele ao qual todos estão submetidos; de-
direitos e não invisibilizados ou socialmente submissos. pois, o isolamento proveniente da sua condição de mulher,
marcadamente como objeto da recusa à igualdade e da sub-
No artigo “A pandemia invisível: um olhar sobre missão insubmissa que afetam, de forma especial, à mulher
a violência de gênero contra mulheres migrantes e refu- por sua própria condição e gênero.
giadas em tempos de covid-19 a partir da experiência de

22 23
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Érika Thomaka e Maíra Fernandes em “O aumento do as principais alterações, de março a julho de 2020, de leis
número de casos de violência doméstica: efeito deletério da que impactam diretamente na vida de mulheres, seja em
quarentena” falam sobre o Projeto de Lei n.º 1.444/2020, o caso de violência doméstica ou em caso de emprego. Per-
qual prevê uma alteração na Lei Maria da Penha para deter- cebeu que quanto ao disciplinamento federal sobre as mu-
minar que, durante a emergência de saúde pública decor- lheres grávidas e lactantes que estão encarceradas, não há
rente da pandemia do coronavírus, a União, o Distrito Fed- nenhuma alteração legislativa, o que representa uma lacuna
eral, os Estados e os Municípios assegurem recursos extra- perigosa.
ordinários emergenciais para garantir o funcionamento
das Casas-abrigo e dos Centros de Atendimento Integral e Fe Maidel e Rachel Macedo Rocha no artigo “Os de-
Multidisciplinares para Mulheres. conclamam para que seja saos do cuidar e ser cuidada - estratégias de acolhimento
aprovado, com a brevidade que a situação de calamidade das mulheres trans durante a pandemia” trazem o registro
requer. da sobrevivência de mulheres transexuais e travestis, cujas
vivencias são desaadoras nesta aldeia global. Trouxeram
Ezilda Melo escreveu dois artigos. No primeiro in- considerações sobre a situação das mulheres no contexto
titulado “A COVID-19 no Brasil e as mulheres: uma pandemia da pandemia do coronavírus e estratégias que se valeram
sexista, classista e racializada” arma que a pandemia não a população LGBTQI+ para amenizar quadros de violên-
é a mesma para todos os grupos sociais, nem também é a cias acentuados no período. Apontam para informações
mesma para todas as mulheres. Aponta para uma sociedade sobre as mulheres transexuais, travestis e outros sujei-
pós-pandemia livre do machismo e do racismo como ne- tos vulneráveis que estão muito mais expostas no período
cessária para que continuemos a existência humana. Já no pandêmico.
artigo intitulado “Análise de normas jurídicas relacionadas
à mulher durante a pandemia da COVID-19 no Brasil” nos Fernanda Abreu de Oliveira no artigo “O adeus precoce: a
diz que os problemas relacionados às temáticas de Violên- morte de mulheres grávidas e puérperas como violação de
cia, Saúde, Economia e Trabalho necessitam da nossa total direitos humanos e prática da necropolítica no Estado bra-
atenção. Diz ainda que a estruturação dos moldes modernos sileiro” informa que o universo de fatores de desigualdades
de uma economia neoliberal, que valoriza acumulação e o entrelaçadas ou interseccionadas, as condições gravídica e
descarte humano, passa por cima da importância do tra- puerperal demandam cuidados e uma oferta qualicada a
balho na construção do sujeito digno com direitos trabal- especíca de serviços estatais em relação aos quais o Estado
histas, previdenciários e com poder de compra para o seu Brasileiro tem falhado terrivelmente em ofertar. No tocante
mínimo existencial. Para as mulheres em connamento, a em particular aos direitos sexuais e reprodutivos, avulta no
sobrecarga de trabalho se intensicou, e alguns casos vieram Brasil da atualidade a sua condição de país onde mais mor-
acompanhados da violência que permeia muitos relaciona- rem mulheres em estado gravídico e puerperal, com indica-
mentos afetivos, ampliando a desigualdade entre trabalho tivo de oferta de um serviço de saúde decitário, qualita-
produtivo e reprodutivo. Em seguida fez um mapeamento e tiva e quantitativamente incompatível com as normas que
análise de normas jurídicas relacionadas à mulher durante regem sua oferta. Uma tal prática estabelecida pelo Estado
a pandemia da COVID-19 no Brasil. Sequenciou e analisou Brasileiro, que desconsidera inclusive os gravames de saúde

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

decorrentes do contexto pandêmico, mostra-se claramente à saúde da gestante e da criança durante o SARS-COV-2’,
violadora dos direitos humanos sexuais e reprodutivos das as autoras Hemily Samila da Silva Saraiva e Rebeca de
mulheres. Souza Barbalho nos dizem que quando o Estado-Adminis-
tração falha no dever Estatal, no sentido de ausência ou in-
Francisca Nayana Dantas Duarte “Isolamento social, completude na atuação dos serviços públicos, se constata
quarentena, lockdown e violência doméstica? uma análise uma omissão, uma ineciência do Estado, não podendo
sobre o aumento de casos de agressões contra a mulher fundamentar essa prática na teoria da reserva do possível.
em tempos de pandemia” fala sobre o aumento da violên- O Poder Judiciário entra em cena pela natureza de sua
cia doméstica durante a pandemia do novo corona vírus e função, o que se pode denominar de controle jurisdicional
aponta programas e campanhas foram desenvolvidas como das atividades administrativas. Diante da necessidade desse
forma de apoiar mulheres inseridas em um contexto de empenho ao atendimento para as pessoas em situações de
violência. COVID-19, notadamente as gestantes e as crianças, o Min-
istério da Saúde e a Recomendação n.º 62/2020 do Con-
Gisele Meneses do Vale e Júlia Helena Sousa no ar- selho Nacional de Justiça, classicou ambos como “grupo
tigo “O encontro das pandemias: como o período de isola- de risco” reconhecendo a vulnerabilidade inerente a eles. A
mento social deu luz à intensicação da violência domé- legislação pugna por serviços públicos efetivos e adequados
stica”, aponta para várias questões que se interligam para para abranger, de forma preventiva, bem como as que aten-
relacionar a violência doméstica no contexto pandêmico e dam as gestantes e as crianças que passaram a ter sintomas
informa que Governo Federal fez um desserviço na votação da doença, objetivando tutelar o princípio da dignidade da
do relatório do Conselho de Direitos Humanos das Nações pessoa humana que é o centro do ordenamento jurídico bra-
Unidas sobre discriminações contra mulheres e meninas na sileiro.
qual decidiu abster-se da votação, ladeado de países ultra-
conservadores quando se trata dos direitos das mulheres, A professora e pesquisadora Hilda Helena Soares
tais como: Egito, Paquistão e Arábia Saudita. Bentes em “Breves reexões sobre “a conssão de leon-
tina”: a violência contra a mulher como “uma epidemia”,
Heloísa Helena Silva Pancotti e Renato Bernardi “A desenvolveu uma leitura do conto “A conssão de Leontina”,
proteção da gestante trabalhadora e o enfrentamento ao de Lygia Fagundes Telles, como representação da violência
covid-19: entre a proteção e o desamparo social” trouxeram contra a mulher, com um olhar investigativo voltado para
o recorte metodológico da mulher gestante e as implicações o pensamento de Luis Alberto Warat e de algumas autoras
que se relacionam à sua condição física. Fizeram observação feministas, especialmente quanto à questão da ética da al-
sobre o modo como a previdência social trata das incap- teridade como premissa básica para os direitos humanos das
acidades para o trabalho e os benefícios elegíveis e anal- mulheres.
isaram por meio do exame dos requisitos para a concessão
do Benefício por Incapacidade Temporária. Hizadora Constanza Medina D’Ambros, Izabela Me-
dina D’Ambros e Patrícia Medina ao escreverem sobre a
No texto “A atuação estatal na efetivação do direito “Fenomenologia do cuidado: reexões sobre e a condição

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

humana no cenário de pandemia COVID-19” acreditam que além de ser ecaz para atravessar a instabilidade atual, ainda
uma releitura epistemológica sobre as ligações entre as con- proporcionaria uma perspectiva futura de garantia de direi-
dições humanas e resposta da construção do conhecimento tos – durante e depois da pandemia.
se impõe, visto que esse laço está também na base das
doenças que afrontam a qualidade de vida singularmente. Jessica Holl, Raquel Cristina Possolo Gonçalves e Ray-
A valorização de uma abordagem, tanto teórica quanto ann Kettuly Massahud de Carvalho escreveram sobre “Desi-
prática, ligada a uma visão ao mesmo tempo integrativa e re- gualdade de gênero em tempos de pandemia: uma disputa
speitosa das diferenças particulares dos sujeitos permitiria pelos sentidos da constituição” reetiram sobre as formas
a melhora da qualidade da realização e ecácia das inter- de manifestação que as desigualdades de gênero assumem
venções (cientícas e pessoais) nesta mesma dimensão e por hodiernamente, bem como buscaram compreender o lugar
conseguinte social. que ocupa a Constituição, enquanto categoria teórica-social
relevante na modernidade para compreender a supracitada
Izabella Barros-Melo no seu artigo intitulado “Entre tensão. O reconhecimento de que as desigualdades de gênero
símbolos e retribuições: sobre as tensões políticas no en- estão sendo potencializadas em diversas frentes — nos tra-
frentamento aos delitos motivados pelo gênero” trouxe balhos de cuidado, na divisão social e sexual do trabalho, na
a discussão sobre a crise pela qual atravessam a pena e o esfera da participação política, no acesso à saúde — aparece
sistema penal democrático, quanto à racionalidade legisla- como resultado da, ao mesmo tempo que é essencial para
tiva, tão responsiva às demandas pelo controle da crimin- manter a disputa pelo sentido e signicado da Constituição.
alidade, mas tão pouco disruptiva quanto aos caminhos que
apresenta para se alcançar esses ns, tomando como foco Joanna Victória Amaral Mendonça, Patrícia Verônica
de discussão o feminicídio contra mulheres, num debate Nunes Carvalho Sobral de Souza e Rebeca Jamilly Costa
que coloca de um lado mais ou menos punitivista. Diz que Souza apresentaram informações sobre “Mulheres na linha
se deve evitar a utilização simbólica do para se buscar os de frente durante a pandemia: o abalroamento de funções
caminhos menos tortuosos no sentido de se encontrar as frente ao desamparo político-social”, ao analisarem con-
reais alternativas ao enfrentamento de um conito social dições de trabalho que essas prossionais da linha de frente
tão crítico e para resumir a instrumentalização e a capital- estão submetidas. Identicaram que, diante da pandemia,
ização política em cima do sistema punitivo. os ambientes de trabalho demonstram condições de vulner-
abilidade e colocam os prossionais em risco de exposição,
Isadora Petronila Cavalcanti Silva Ramos e Raissa tornando-o também um local de insegurança, estresse e
Lustosa Coelho Ramos na abordagem sobre “Garantia de risco à saúde mental. Informam ainda que as consequências
renda e formas de autonomia para mulheres durante e de- da pandemia são mais extensas do que fora mensurado in-
pois da pandemia”, zeram estudo da crise na perspectiva da icialmente pelo Governo Federal. Instalou-se no Brasil, uma
pobreza e da desigualdade de gênero. Demonstraram que a verdadeira crise sanitária que beira também a uma crise
ferramenta da renda básica poderia agir no centro das desi- político-econômica. O desamparo do Estado a população de
gualdades sofridas pelas mulheres na sociedade, para lhes modo geral, aos comerciantes e principalmente aos pros-
proporcionar mais dignidade e autonomia. Essa medida, sionais da linha de frente, em destaque as mulheres; desen-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

cadeia uma série de efeitos negativos para o combate ecaz a cido por mulheres negras em razão de trabalharem como
COVID-19. domésticas. Ao nal, espera que a questão racial se integre
denitivamente no movimento de mulheres e que essa luta
impulsione a construção de um modelo civilizatório hu-
João Paulo Allain Teixeira e Katherine Lages Contasti mano, fraterno e solidário que expressem a luta antirracista,
no artigo intitulado “A pandemia das mulheres nas ativi- feminista e ecológica.
dades legislativas do congresso nacional em contexto de
COVID-19” argumentam que a experiência da pandemia por Kátia Alexsandra dos Santos e Michele da Rocha Cervo
COVID-19 na Améfrica Ladina é marcada pelo escancara- no artigo “Mulheres e mulheres na pandemia: os diferentes
mento das desigualdades estruturais e o sentido do comum sentidos de “car em casa” reetem sobre as diferentes e di-
não só na convivência, como de sua instrumentalização e de vergentes experiências das mulheres durante o período da
toda experiência de formação de povo, democrática ou não, pandemia pelo novo coronavírus e trazem um questiona-
segue sendo atravessada pela política de morte. Fizeram um mento importante: qual seria uma política de contágio para
mapeamento sobre a produção legislativa e questionaram resistir ao vírus e aos devires históricos ligados à condição
como esses projetos de lei têm respondido à violência domé- de gênero?
stica.
Júlia Tormen Fusinato e Laura Gigante Albuquer- Katie Silene Cáceres Arguello no artigo “Hiperencar-
que intitularam sua análise de “Estamos todos no mesmo ceramento feminino em tempos de pandemia” relaciona
barco?”: perspectivas de gênero sobre a pandemia”, que os efeitos sociais que solidão da pandemia ocasiona com-
comporta uma visão sobre propõem a categoria “gênero” parando-os aos efeitos do hiperencarceramento e perce-
para possibilitar uma reexão multidimensional sobre o bendo que a situação das mulheres detentas sofre um agra-
fenômeno da pandemia. Propuseram uma perspectiva que vamento em razão de negligência histórica do poder público
não invisibiliza ou exclui a experiência das mulheres com o sistema prisional.
no contexto pandêmico. Informam que o vírus não é
democrático e levantam a tese de que as consequências Larissa Rahmeier De Souza e Letícia Maria Gonçalves
do coronavírus atinge as pessoas de diferentes maneiras. Santos no texto “Trabalho doméstico e desproteção previ-
Reiteram que a pandemia intensicou e evidenciou as desi- denciária: necessidade de um olhar interseccional” trazem
gualdades dos grupos histórica e socialmente vulneráveis. mais um olhar interseccional sobre as trabalhadoras domé-
No tocante às mulheres, perceberam que a distribuição desi- sticas no período da pandemia e reforçam que o Estado
gual do trabalho doméstico e de cuidados agravou-se ainda Democrático de Direito deve ser capaz de garantir ampla
mais no contexto de pandemia. proteção jurídica e dar respostas à precariedade da inte-
gração das trabalhadoras domésticas à Previdência Social.
Karen Graciella Gonçalves da Silva em sua con-
tribuição para a presente coletânea escreveu um ensaio As autoras Laura Marconi Bastos e Maria Luiza Prestes
sobre “Trabalhadoras domésticas no cenário brasileiro de Magatti no ensaio sobre “Flexibilização da quarentena: os re-
pandemia” enfoca a questão do trabalho reprodutivo exer- exos da economia capitalista na maternidade solo”, trazem

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

um importante debate interdisciplinar ao apontarem que Organização Mundial da Saúde e Ministério da Saúde. Indi-
nos contextos fáticos que envolvem dívidas de caráter ali- caram também que o Poder Judiciário vem reconhecendo a
mentar não há qualquer respaldo do Estado para a promoção ilegalidade dessa prática, pois já existem decisões judiciais
da subsistência de crianças e adolescentes que deveriam garantindo o direito de todas as gestantes a um acompan-
ter seu desenvolvimento estimulado materialmente por hante antes, durante e depois do parto, ainda em tempo
ambos os genitores, mas, por negligência paterna, tornam- de pandemia da COVID-19. A pandemia não permite afastar
se dependentes exclusivamente dos rendimentos da mãe. o postulado da dignidade da pessoa humana e, portanto, a
Analisaram a relação entre o exercício da maternidade solo vedação de direito ao acompanhante viola direito humano
e a retomada econômica na fase de exibilização da quaren- das mulheres, o que ensejou a intervenção da CDH/UESB que
tena durante o contexto pandêmico e perceberam a falta de optou pela advocacy como estratégia de atuação.
assistência do Estado para a realidade das famílias monopar-
entais. Luíza Trindade Freire e Rhayssa Ferreira Gonçalves
Santos ao escreverem sobre “A restrição ao direito de
Laura Souza Lima e Brito, Luiza Nobre Maziviero e acompanhante no parto ante a pandemia do COVID-19:
Luma Cavaleiro De Macêdo Sca ao escreverem sobre “A uma violação à dignidade da mulher ou uma proteção ne-
conferência de Pequim e a proteção das mulheres durante a cessária?” trazem uma abordagem sobre a questão do direito
pandemia da COVID-19” trouxeram a importância da Con- de acompanhante no parto e atestam sobre a necessidade
ferência de Pequim enquanto orientadora à proteção das da parturiente ter o direito à presença de acompanhante no
mulheres durante a pandemia da COVID-19 com as seguintes delicado momento do parto.
referências internacionais que devem orientar a resposta à
pandemia: o conceito de gênero como resultado de uma Maria Aparecida Figueirêdo Pereira e Verônica Figue-
perspectiva social, cultural e histórica, que levou em conta irêdo Pereira no texto “A COVID-19 e o que as aulas remotas,
os papéis socialmente atribuídos às mulheres em todos os remontam para professoras do ensino fundamental em
aspectos das relações humanas; o reconhecimento da desi- Campina Grande-PB” a partir de relatos sobre a professora de
gualdade no acesso à educação e à capacitação; a sabida desi- nome ctício Atena, fazem um panorama do que signicou
gualdade quanto à participação nas estruturas econômicas, o impacto das aulas remotas no dia a dia de mulheres
nas atividades produtivas e no acesso a recursos; e a gravi- professoras. Reetiram sobre o quanto a pandemia impacta
dade da violência contra a mulher. diretamente às mulheres no que se refere a feminização das
prossões que ocupam, principalmente, trabalhos que cul-
Lidiane Lima Silva e Luciana Santos Silva no artigo turalmente lhes são atribuídos: enfermagem, magistério as-
“Atuação da clínica de Direitos Humanos da UESB na tu- sistência social, atividades que presumem o cuidado com o
tela de direitos das gestantes na pandemia” vericaram em outro, o provimento de serviços sociais, sobretudo com en-
pesquisa que as maternidades da cidade de Vitória da Con- fermos, idosos e crianças.
quista e do Estado da Bahia, por meio da norma técnica 69,
instituíram violação ao direito a acompanhante durante o Maria Cristina P. Pechtoll, Silmara Conchão e Sonia
parto ao arrepio da lei e das recomendações emitidas pela Alves Calió no artigo “Relendo a cidade sob a perspectiva de

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

gênero: as gestões feministas na Prefeitura de Santo André como obrigação das orientações cientícas de combate ao
entre 1989 e 2016”, a partir de estudo de caso, demonstram coronavírus o envolvimento com a responsabilidade ética
que os organismos que envolvem gestão de gênero têm de enquanto barreira contra a contaminação.
se articular com os outros setores e promover políticas
integradas. Apontam para um caminho: a construção de A autora Maria Júlia Poletine Advincula no ar-
políticas de gênero é um processo, sobretudo pela complexi- tigo “Violência doméstica: medidas protetivas de urgência,
dade das mudanças que isso traz. Implica em mudanças na acesso à justiça e subnotifcação no contexto pandêmico”,
própria organização da sociedade civil, na organização da fez entrevistas com a equipe multidisciplinar da 2ª Vara da
máquina pública, implica em mudanças de ordem econôm- Mulher do Recife e inferiu que no período dos meses de abril
ica, social, política e, sobretudo, cultural. Em um ano elei- a julho de 2019 e 2020, comparativamente, os números de
toral como o de 2020 é essencial que as mulheres escolham pedidos de medidas protetivas diminuíram. Alega que as
representantes públicos que estejam alinhadxs com a per- mulheres, presas em seus lares, encontram mais outro di-
spectiva de gestão feminista. cultador para requererem proteção estatal e que, portanto,
os números não reetem a realidade social concreta.
As autoras Maria Eduarda Gobbo Andrades, Maria Júlia
Lima Pereira e Natália da Silva Lima ao tratarem sobre “Gên- O artigo produzido pelos autores Maria Júlia Pole-
ero e raça ante a pandemia da COVID-19: a exibilização tine Advincula e Túlio Vinícius Andrade Souza “Muito além
do direito à vida em tempos de crise” apontam que a res- do vírus: a Lei Maria da Penha e as múltiplas vulnerabi-
posta estatal à pandemia da COVID-19 leve em consideração lidades enfrentadas por mulheres transexuais no contexto
questões de gênero e raça, para que as mulheres negras, da pandemia” trazem a discussão das vulnerabilidades das
mais vulneráveis ao contágio do vírus e com menos acesso mulheres transexuais durante o período pandêmico. Falam
à saúde, não percam suas vidas e as de seus familiares por sobre a lacuna institucional para sistematizar os dados
negligência do Estado e não se encontrem ainda mais vul- sobre as mortes das mulheres trans e travestis e reiteram que
neráveis, pelo desemprego, após este período de crise. a política de omissão quanto a essa parcela está relacion-
ada ao reexo da omissão institucional que permeia esses
Maria Helena Franca Neves ao escrever sobre corpos.
“Antígonas da pandemia”, em texto losóco, visualiza na
mulher a condição de Fenômeno Total, do qual emerge um Marly Perreli no seu artigo “Atrás das máscaras: mul-
ser capaz de incorporar na unicidade do seu próprio ventre heres na linha de frente da COVID-19” traz questionamentos
em gestação, a multiplicidade de sujeitos, a capacidade de sobre a situação das mulheres no combate ao coronavírus.
desenvolver uma vida social que requer doses muito ele- No contexto de emergência de saúde pública, acredita que
vadas de disposição para ouvir, muita capacidade de su- a atuação das prossionais pode apresentar desequilíbrio
portar, desdobrar-se, de servir e acima de tudo uma notável psicológico extremo, chamado fadiga de compaixão ou
capacidade de viver e de ajudar a viver. A autora aponta trauma vicário.
quatro projetos sociais destinados a mães em situação de
vulnerabilidade social e constrói uma narrativa que coloca No artigo escrito conjuntamente pelas autoras Ma-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

yana Sales Moreira, Samyle Regina Matos Oliveira, Selma mercado de trabalho, no qual as mulheres, especialmente as
Pereira de Santana intitulado “Aumento da violência con- negras, vivenciam as situações mais desfavoráveis ao terem
tra mulher a partir do início da pandemia da COVID-19: suas possibilidades de acesso ao emprego. Trazem ainda per-
propostas de enfrentamento”, inferem que a análise sobre spectivas para falar sobre a experiência de existência de
os três eixos da Lei Maria da Penha, no que concerne à pro- maternidade e da ausência de maternagem que atinge as
teção da vítima, a prevenção da violência e a responsabil- empregadas domésticas brasileiras provém de uma vivência
ização do ofensor, bem como acerca dos dados fornecidos escravagista, racista e classicista, pois as mães negras, bra-
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, observados, sileiras e domésticas se tornam a base e o elo de força das
sobretudo, após o início da Pandemia pela COVID-19, per- famílias de seus empregadores, mas não dispõe dessa mesma
mitem discutir algumas possibilidades de enfretamento da vivência com seus lhos biológicos.
questão como a Justiça Restaurativa e outras ações de apoio
aos autores e às vítimas da violência. Armam que a Justiça Rachel Pereira Dias Calegario ao escrever sobre
Restaurativa, assim como os Grupos Reexivos e de Apoio “Pandemia, patriarcado e estética: uma abordagem his-
às Mulheres que utilizam técnicas da JR, podem ser, perfei- tórico-losóca do “ser mulher” num paralelo entre Gilda de
tamente, mecanismos capazes de abraçar a complexidade Mello e Souza e Clarice Lispector” parte da concepção his-
dos elementos relacionados à violência contra a mulher no tórico-losóca do “Ser Mulher” no contexto da pandemia
período pandêmico. da COVID-19, através do retrato apresentado por uma socie-
dade patriarcal. Na estética, através de uma conexão entre
Patrícia Verônica Nunes Carvalho Sobral de Souza, Gilda de Mello e Souza e Clarice Lispector, faz a leitura sobre
Sirley Meclaine da Graça Melo e Thiago de Menezes Ramos o sentido do termo “Ser Mulher”.
sobre “O direito à saúde das pacientes no Brasil no contexto
da pandemia da COVID-19” investigaram a proteção do dir- Romilda Maria de Jesus e Susilene Ferreira de Oliveira
eito à saúde das pacientes no contexto da atual pandemia no texto “A mulher negra em tempos de pandemia” a par-
da COVID-19. A crise sanitária evidencia a importância da tir de relatos de solidão de duas mulheres negras ativistas
proteção do direito à saúde e da adoção de medidas para a de Uberlândia-MG, as autoras realizaram entrevistas on-line
sua promoção por parte dos Estados. Percebeu-se que a vul- com outras mulheres e perceberam, a partir da escuta, as
nerabilidade das mulheres é acentuada, na medida em que as vivências e experiências de mulheres negras neste período
necessidades especícas das pacientes também são afetadas de pandemia. Observaram que neste período pandêmico
pelos problemas sanitários atuais. vem ocasionando uma grande transformação de comport-
amentos.
Renato Bernardi e Sandy dos Reis Silva ao escreverem
sobre “Mães de todos, sujeitos de ninguém: análise das emp- Tássia Louise de Moraes Oliveira ao escrever sobre “A
regadas domésticas brasileiras sob a ótica da maternagem concessão e scalização das medidas protetivas de urgência
e desigualdade racial” reiteram que fatores como gênero durante a pandemia causada pelo COVID-19”, percebe que
e raça são determinantes em nosso país para denirem os em decorrência do isolamento social imposto, a pandemia
padrões de desigualdade e exclusão social, tais como no trouxe como efeito secundário o aumento da violência

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

doméstica contra as mulheres. Tal majoração explica-se por


diversos fatores de vulnerabilidade social, econômica e de Por último, um agradecimento especial às organiza-
gênero, potencializados pela pandemia, que diculta con- doras Carla Estela Rodrigues e Maria Júlia Poletine que foram
sideravelmente o acesso das vítimas aos meios ociais de fundamentais para que essas obras fossem Łnalizadas e pela
denúncia, orientação e encaminhamento. parceria nos projetos coletivos, a artivista plástica Lia Testa
que tem produzido colagens para nossas capas e também
Os recortes temáticos caram enumerados nas se- para a identidade visual do Observatório das Mulheridades,
guintes perspectivas de abordagens teóricas: direito das à Editora Studio Sala de Aula, na pessoa do Prof. Belmiro Fer-
mulheres quilombolas, direitos das mulheres imigrantes e nandes, e às autoras e autores que assinam o conjunto destes
refugiadas, a questão do isolamento da mulher e as reper- dois primeiros volumes da coleção.
cussões em sua saúde, o aumento da violência doméstica
que contou com cinco textos distintos, a questão dos
Sertão do RN, agosto de 2020.
marcadores interseccionais de classe, raça e gênero tiveram
Ezilda Melo
seis artigos, dois artigos sobre o Legislativo e as normas de
proteção às mulheres, a abordagem sobre a questão das mu-
lheres trans foi apresentada em dois artigos, cinco artigos
trataram sobre as mulheres grávidas, a questão do direito do
trabalho e renda para mulheres cou evidenciado em duas
análises, a ética da alteridade foi colocada a partir da lo-
soa, da literatura e da estética, a epistemologia do cuidado
e o autocuidado da mulher, textos sobre mulheres encarcer-
adas apareceram duas vezes nesta coletânea, as mulheres na
linha de frente no combate ao vírus, trabalho doméstico das
mulheres cou evidenciado em três abordagens distintas e
que dialogam entre si, a inter-relação entre a maternidade
solo e a pandemia, os direitos internacionais de proteção às
mulheres, o ensino tele presencial e os efeitos nas vidas das
mulheres, a gestão feminista no espaço público, a justiça res-
taurativa no contexto da violência contra a mulher.

No volume 03 de “Pandemia e Mulheres” concen-


traremos todos os artigos sobre o eixo “política feminista
no combate aos impactos do coronavírus”. Para tanto, pre-
cisaremos identicar projetos ou atuações concretas que
possibilitem uma melhoria na vida das mulheres das diver-
sas regiões do país.

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PANDEMIA E MULHERES

mail: erika.thomaka@fragoso.com.br

Ezilda Melo - Advogada. Professora de Direito de


SOBRE AS AUTORAS E AUTORES: Graduação e Pós-Graduações. Mestra em Direito Público
pela Universidade Federal da Bahia. Autora. E-mail:
Andreza Rodrigues - Arquiteta e Urbanista. Pós-Graduanda
ezildamelo@gmail.com
em Conservação Preventiva de Bens Culturais Móveis
Eclesiásticos pela PUC Minas. Ex-bolsista do Programa de Fe Maidel - Psicóloga e Artista Plástica. Membra-fundadora
Iniciação Cientíca e Tecnológica pelo CNPq. E-mail: an- da Associação Brasileira Prossional pela Saúde Integral
dreza_asr@hotmail.com de Travestis, Transexuais e Intersexos - Abrasitti. Recém-
eleita para o Conselho Municipal de Políticas para Mul-
Bruna Galvão Severo - Advogada. Pós-Graduanda em Direito
heres da Prefeitura Municipal de São Paulo. Diretora de
Processual Civil pela Universidade Católica do Salvador –
Qualidade na Câmara de Comércio LGBT do Brasil. E-mail:
UCSal. E-mail: brunagalvao.severo@gmail.com
femaidel@gmail.com
Carla Estela Rodrigues - Advogada. Pós-Graduanda em Dir-
Fernanda Abreu de Oliveira – Advogada e Professora de
eito Penal e Criminologia pela PUCRS. Especialista em Dire-
Direito. Mestra em Direito pela Universidade Federal do
ito Público pela Faculdade Baiana de Direito. Ex-bolsista do
Rio Grande do Norte. Doutoranda em Direito pela Uni-
Programa de Iniciação Cientíca e Tecnológica pelo CNPq. E-
versidade Federal do Paraná. Integra o Projeto de Exten-
mail: carla.estela_@hotmail.com
são “Socializando o Direito” na UERN e o Grupo de Pes-
Elaine Cristina Schmitt Ragnini - Professora do De- quisa “BIOTEC – Direito, Biotecnologia e Sociedade” na
partamento de Psicologia da Universidade Federal do UFPR. Preside a Comissão da Mulher Advogada da OAB/
Paraná. Doutora em Educação e Mestra em Admin- Mossoró. Editora-chefe do Boletim 123tExTANDO. E-mail:
istração pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: fernandaabreu@uern.br
elaineschmitt@hotmail.com
Francisca Nayana Dantas Duarte - Assessora Jurídica e Con-
Elita Isabella Morais Dorvillé de Araújo - Professora de ciliadora. Especialista em Ciências Criminais pela Faculdade
Direito Penal e Processo Penal. Mestra em Direito Público Internacional da Paraíba. Pós-Graduada em Gestão Pública
pela UFAL. Coordenadora da Liga Acadêmica de Direitos Hu- Municipal pela Universidade Estadual da Paraíba. E-mail:
manos e Criminologia da UNINASSAU-Maceió. Membra do francisca.nayana@tjpb.jus.br
grupo de estudos “CARMIN Feminismo Jurídico” e do “Núc-
Gisele Meneses do Vale - Advogada Criminalista e Media-
leo de Estudos sobre Violência em Alagoas” da UFAL. E-mail:
dora. Graduada em Direito pela Universidade Católica de
elitaadv@gmail.com
Pernambuco. Pós-Graduanda em Ciências Penais e Pesquisa-
Elton Dias Xavier - Professor Titular da Universidade Es- dora em “Criminologia Crítica e Gênero”. E-mail: contato@
tadual de Montes Claros-MG. Doutor em Direito pela Uni- giselemeneses.adv.br
versidade Federal de Minas Gerais. Doutor em Ciências So-
Heloísa Helena Silva Pancotti - Doutoranda em Ciências
ciais pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Pós-
Jurídicas pela Universidade Estadual do Norte do Paraná.
Doutoramento pela Faculdade de Letras da Universidade do
Mestra em Direito pelo UNIVEM de Marília/SP. Graduada em
Porto. E-mail: eltondx@hotmail.com
Direito e Especialista em Processo pela UNITOLEDO de Ara-
Érica Thomaka - Advogada Criminalista. Membra da çatuba/SP. E-mail: hpancotti@gmail.com
Comissão Especial de Estudos do Direito Penal da OAB/RJ. E-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

stra e Graduada em Direito pela Universidade Federal


Hemily Samila da Silva Saraiva - Advogada e Pesquis- de Minas Gerais. Coordenadora do Grupo de Estudos em
adora-bolsista da Escola do Governo do Estado do Rio “Transições e Autoritarismos” e Membra do Grupo de
Grande do Norte. Mestranda em Constituição e Garantia Estudos Jurídicos “COVID-19” da UFOP. Pesquisadora do
de Direitos e Especialista em Direito Administrativo pela Centro de Estudos em Justiça de Transição da UFMG. Dir-
Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especial- etora Jurídica da Associação Visibilidade Feminina. E-mail:
ista em Direito Civil e Empresarial pela Universidade Po- jessica_holl@ymail.com
tiguar. Especialista em Processo Civil pelo Centro Univer-
sitário do Rio Grande do Norte. Membra do IDASF. E-mail: Júlia Helena Sousa – Mediadora. Graduanda em Direito e Pes-
saraivahemily@gmail.com quisadora em Direitos da Propriedade Intelectual, Tecnolo-
gia e Inovação pela Universidade Católica de Pernambuco.
Hilda Helena Soares Bentes - Membra Honorária da Rede Membra da Comissão de Direito e Startups da OAB/PE. E-
Brasileira Direito e Literatura – RDL. Pesquisadora do Grupo mail: juliahelena.as@gmail.com
de Pesquisa “Direito e Literatura: Um Olhar para as Questões
Humanas e Sociais a partir da Literatura” na PUC Minas, tra- Júlia Tormen Fusinato – Advogada Criminalista. Pós-
balhando na linha de pesquisa “Direitos Humanos e Litera- Graduanda em Direito Penal Empresarial e Graduada em Dir-
tura: Alteridade e Identidade Narrativa na Visão de Paul Ric- eito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do
oeur”. E-mail: hildabentes@uol.com.br Sul. E-mail: juliatfusinato@gmail.com

Hizadora Constanza Medina D’Ambros - Especialista em Julya Naara - Graduanda em Direito pela Universidade Fed-
Gestão de Processos e Qualidade pelo Centro Universitário eral do Paraná. E-mail: jul.naara12@gmail.com
Internacional. Engenheira Civil pela IFTO. E-mail: hizador-
aconstanza@gmail.com Joanna Victória Amaral Mendonça - Graduanda em Direito.
E-mail: joannaamaralm@gmail.com.br
Isadora Petronila Cavalcanti Silva Ramos - Graduanda em
Direito pela Universidade do Estado da Bahia. E-mail: João Paulo Allain Teixeira - Professor de Direito de
isadoraramos139@gmail.com Graduação e Pós-Graduação. Doutor e Mestre em Dire-
ito pela Universidade Federal de Pernambuco. Master em
Isbeline Theodorice - Graduanda em Ciências Teorias Críticas do Direito pela Universidad Internacional de
Biológicas pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: Andalucía na Espanha. Estágio Pós-Doutoral no CES-Centro
woodbeline91@gmail.com de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra em Portugal.
Líder do grupo de pesquisa Recife Estudos Constitucionais
Izabela Barros-Melo - Doutora em Direito Penal pela Uni- e Bolsista de Produtividade em Pesquisa pelo CNPq. Coord-
versidad Pablo de Olavide na Espanha. Professora de Direito enador Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Direito
Penal da Uniaeso em Olinda. E-mail: izabellabarrosmelo@ da Universidade Católica de Pernambuco. Coordenador da
gmail.com Clínica Interdisciplinar de Direitos Humanos da UNICAP. E-
Izabela Medina D’Ambros - Biomédica pela CEULP e Cito- mail: jpallain@hotmail.com
patologista pela Fundação Carlos Chagas. Mestranda em Karen Graciella Gonçalves da Silva - Advogada. Mestra em
Ciências da Saúde pela UFT. Especialista em Saúde da Direito e Sociedade pela Unilasalle-RS. Graduada em Direito
Família pela UNINTER. E-mail: izabelamedinadambros@ pela PUCRS. Multiplicadora do Teatro do Oprimido de Au-
outlook.com gusto Boal. E-mail: silva.karengg@gmail.com.
Jessica Holl – Advogada e Professora de Direito. Me-

42 43
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

gmail.com
Katherine Lages Contasti - Doutoranda em Direito pela UNI-
CAP. Mestra em Ciências Jurídicas e Mestra em Ciência da In- Laura Souza Lima e Brito - Advogada e Professora de Direito.
formação pela UFPB. Ex-assessora de Fortalecimento Sócio- Doutora e Mestra em Direito pela Universidade de São Paulo.
Político e Secretária da Mulher e Direitos Humanos do Mu- Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Ge-
nicípio de Caruaru-PE. Pesquisadora do Recife Estudos Con- rais. E-mail: laura@laurabrito.com.br
stitucionais pelo CNPq. Atua na Clínica Interdisciplinar de
Direitos Humanos da UNICAP. Conselheira na Comissão da Letícia Maria Gonçalves Santos - Graduanda em Direito
Mulher da OAB/PE. E-mail: katherinelcb@hotmail.com pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: leticiamgs97
@gmail.com
Kátia Alexsandra dos Santos - Professora Adjunta do Curso
de Psicologia da Universidade Estadual do Centro-Oeste Lidiane Lima Silva - Graduanda em Direito. Membra da
no Paraná. Doutora em Psicologia pela FFCLRP-USP. Coord- Clínica de Direitos Humanos da Universidade Estadual do
enadora do Núcleo Maria da Penha-NUMAPE/I (SETI/UGF). Sudoeste da Bahia e Integrante do Grupo de Pesquisa “Dire-
E-mail: kalexsandra@unicentro.br itos Humanos, Democracia e Discurso Contra-Hegemônico”.
E-mail: limasilvalidiane@gmail.com
Katie Silene Cáceres Arguello - Professora de Criminolo-
gia de Graduação e Pós-Graduações. Doutora pelo departa- Luciana Santos Silva - Professora de Direito. Doutora pela
mento de “Anthropologie et Sociologie du Politique” da Uni- PUC-SP. Coordenadora da Clínica de Direitos Humanos da
versité Paris 8 (Saint-Denis-Vincennes). Mestra em Direito Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia e do Grupo de
pela Universidade Federal de Santa Catarina. Coordenadora Pesquisa “Direitos Humanos, Democracia e Discurso Contra-
do Núcleo de Criminologia e Política Criminal da Pós- Hegemônico”. E-mail: Luciana.silva@uesb.edu.br
Graduação em Direito da Universidade Federal do Paraná. E- Luiza Nobre Maziviero - Graduanda em Direito da Uni-
mail: arguellokatie@gmail.com versidade Federal do Pará. Membra do Grupo de Pesquisa
Kristianne Veloso - Mestranda em Desenvolvimento So- “Teoria do Direito, Meio Ambiente e Justiça” e do Grupo de
cial pela Universidade Estadual de Montes Claros- Pesquisa “Financiando Direitos”. Voluntária no Projeto de
MG. Graduada em Direito pelas Faculdades Santo Extensão “Assessoria Jurídica como Instrumento de apoio à
Agostinho de Montes Claros-MG. Bolsista CAPES. E-mail: Agência de Inovação Tecnológica”. E-mail: luizamaziviero-
kika.veloso@hotmail.com @gmail.com

Larissa Rahmeier De Souza - Graduanda em Direito pela Luma Cavaleiro De Macêdo Scaŀ - Advogada e Professora de
Universidade Federal do Paraná. E-mail: rahmeier.larissa@ Graduação e Pós-Graduações. Doutora e Mestra em Direito
gmail.com pela Universidade de São Paulo. Graduada em Direito pela
Universidade Federal do Pará. Ex-pesquisadora Bolsista da
Laura Gigante Albuquerque - Advogada Criminalista e Pro- Fundação Ford. Membra da Rede de Pesquisa Junction Ama-
fessora de Direito. Mestra em Ciências Criminais e Especial- zonian Biodiversity Units Research Network Program – JAMBU-
ista em Ciências Penais pela PUCRS. Graduada em Direito RNP. E-mail: lumasca@yahoo.com.br
pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. E-mail: laur-
agigante@gmail.com Luíza Trindade Freire - Advogada atuante em Direito Méd-
ico e da Saúde. Mestranda em Ciência Jurídica Forense pela
Laura Marconi Bastos - Graduanda em Direito pela Univer- Universidade Portucalense Infante D. Henrique em Portugal.
sidade Estadual de Londrina. E-mail: lauramarconibastos@ Graduada em Direito pela Universidade Católica de Pernam-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

buco. Membra da Comissão de Direito e Saúde da OAB/PE.E- versidade Estadual de Londrina. E-mail: ma_julialima@out-
mail: luizatrindade@hotmail.com look.com

Maíra Fernandes - Advogada Criminalista. Mestra em Dire- Maria Júlia Poletine Advincula – Advogada Criminalista e
ito e Especialista em Direitos Humanos pela UFRJ. Diretora Pesquisadora. Pós-Graduanda em Direito da Mulher pela
da ABRACRIM Mulher, da Associação Brasileira de Advoga- UniDBSCO. Idealizadora do Projeto Todas Juntas. Vice-Presi-
dos Criminalistas e Vice-presidenta da entidade no Rio de dente da Comissão da Mulher Advogada de Paulista/PE. Se-
Janeiro. Coordenadora do Instituto Brasileiro de Ciências cretária-Adjunta do Comitê Feminino da OAB/PE. Membra
Criminais no RJ. Ex-presidenta do Conselho Penitenciário do da Comissão da Mulher Advogada da OAB/PE. E-mail: julia-
Estado do Rio de Janeiro. Uma das Fundadoras do Movim- poletine@gmail.com
ento da Mulher Advogada. E-mail: contato@fernandesemar-
quesadv.com.br Maria Luiza Prestes Magatti - Graduanda em Direito pela
Universidade Estadual de Londrina. Pesquisa “Políticas para
Maísa Conceição Lobo - Advogada e Poetisa. Especialista em Proteção dos Direitos Humanos de Mulheres e Meninas”
Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito. Ex-mem- junto à Cátedra Jean Monnet da Fundação Escola de Comércio
bra da Comissão Especial de Promoção da Igualdade Racial Álvares Penteado. E-mail: marialpmagatti@gmail.com
da OAB/BA. E-mail: maisaclobo@gmail.com
Mariana Cândido dos Santos - Graduada em Direito pelo Ces-
Manuela Busato - Graduanda em Psicologia pela Universi- mac. Pesquisadora pelo IBCCRIM. Membra do Núcleo de As-
dade Federal do Paraná. E-mail: manucobusato@gmail.com sessoria Jurídica Universitária Popular Aqualtune-UFAL. E-
mail: maryana_candido@hotmail.com
Maria Aparecida Figueirêdo Pereira - Mestra e Graduada
em História pela Universidade Federal de Campina Grande. Marly Perreli - Doutora em Psicologia pela UFSC. Especial-
Graduada em Direito e Especialista em Direito Penal e Pro- ista em Psicologia das Emergências e Desastres. Presidenta
cessual Penal pela Universidade Estadual da Paraíba. E-mail: do Sindicato dos Psicólogos do Paraná. Membra-fundadora
ciddapereira1@yahoo.com.br da Rede de Apoio Psicossocial. E-mail: marlyperrelli2002@
yahoo.com.br
Maria Cristina Pache Pechtoll - Secretária Adjunta de
Políticas para as Mulheres em Santo André-SP. Mestra em Ad- Mayana Sales Moreira - Advogada Criminalista e Profes-
ministração pela Universidade Municipal de São Caetano do sora de Direito Penal e Processo Penal. Doutoranda em
Sul. Especialista em Gerência de Sistemas e Serviços de In- Direito Público e Mestra em Direitos Sociais e Novos Dir-
formação pela Fundação Escola de Sociologia e Política de eitos pela Universidade Federal da Bahia. Especialista em
São Paulo. E-mail: cristinapp@terra.com.br Ciências Criminais pelo Juspodivm. E-mail:mayasalles@
yahoo.com.br
Maria Eduarda Gobbo Andrades - Graduanda em Direito pela
Universidade Estadual de Londrina. E-mail: dudaandrades- Mayara Alessandra dos Santos Barros - Graduada em
@hotmail.com Direito pelo Centro Universitário CESMAC de Maceió-
AL. Pesquisadora do Instituto Negro de Alagoas. E-mail:
Maria Helena Franca Neves - Professora. Doutora em Teoria e barros.mayara@outlook.com
Crítica da Literatura e da Cultura pela UFBA. Mestra em Esté-
tica e História da Arte pela UFBA. Graduada em Filosoa pela Michele da Rocha Cervo - Professora adjunta do Curso de
UFBA. E-mail: mh7francaneves@gmail.com Psicologia da Universidade Estadual do Centro-Oeste no
Paraná. Doutora em Psicologia Social e Institucional pela
Maria Júlia Lima Pereira - Graduanda em Direito pela Uni-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

UFRGS. Coordenadora do Núcleo de Estudos e Defesa dos Dir- Especialista em Direito Civil pela Pontifícia Universidade
eitos da Juventude e Infância-NEDDJI/I (SETI/UGF). E-mail: Católica de Minas Gerais. Especialista em Educação Pros-
micervo@gmail.com sional e Tecnológica pelo IFES-ES. Especialista em Psico-
pedagogia Clínica e Institucional pela São Camilo-ES. Espe-
Nara Veiga Borges - Graduanda em Direito pela Uni- cialista em Informática Educativa pela PUC Minas. Graduada
versidade Federal do Paraná. E-mail: naraveigaborges@ em Direito pela Faculdade Multivix - Cachoeiro de Itapemi-
gmail.com rim-ES e em Sistemas de Informação pela São Camilo-ES. E-
Natália da Silva Lima - Graduanda em Dire- mail: rachelpereiradias@gmail.com
ito pela Universidade Estadual de Londrina. E-mail: Raissa Lustosa Coelho Ramos - Mestranda em Dire-
nataliaslvlima1997@gmail.com ito pela Universidade Federal de Pernambuco. E-mail:
Patrícia Medina - Professora Universitária. Doutora pela raissa.lustosa@hotmail.com
UFG. Mestra em Educação pela PUCRS. Pedagoga pela FAPA. Raquel Cristina Possolo Gonçalves - Mestranda e Graduada
Graduada em Direito pela UFT. E-mail: patriciamedina@ em Direito pela UFMG. Graduada em Letras pela UFMG. Pes-
uft.edu.br quisadora do Centro de Estudos sobre “Justiça de Transição”
Patrícia Verônica Nunes Carvalho Sobral de Souza - Profes- na UFMG. E-mail: possolo.raquel@gmail.com
sora de Direito de Graduação e Pós-Graduações. Pós-Doutora Rayann Kettuly Massahud de Carvalho - Mestre em Direito
e Doutora em Direito Público pela UFBA. Doutora em Edu- pela UFMG. Graduado em Direito pela UFLA. Membro do
cação e Mestra em Direito pela UFS. Especialista em Direito Núcleo de Estudos “Direito, Modernidade e Capitalismo” e
do Estado e em Direito Municipal pela UNIDERP. Especial- do Grupo de Pesquisa “Trabalho e Capital” da UFMG. E-mail:
ista em Direito Civil e Processo Civil pela UNIT. Especialista rayannkmassahud@gmail.com
em Auditoria Contábil pela UFS. Líder do Grupo de Pesquisa
em “Direito Público, Educação Jurídica e Direitos Humanos Rhayssa Ferreira Gonçalves Santos - Advogada atuante em
na Contemporaneidade”. Diretora Técnica do Tribunal de Direito Público. Mestranda em Ciência Jurídica Forense pela
Contas do Estado de Sergipe. E-mail: patncss@gmail.com Universidade Portucalense Infante D. Henrique em Portu-
gal. Graduada em Direito pela Universidade Católica de Per-
Priscila Ferreira Fortini - Psicóloga Clínica. Mestranda em nambuco. Gerente de Projetos de Formação do Programa
Psicologia pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: pris- Mãe Coruja pela Secretária de Trabalho e Qualicação de
cilafortini@gmail.com Pernambuco. Membra do MDB Mulher em Recife. E-mail:
Rachel Macedo Rocha - Advogada. Doutoranda e Mestra em rhayssagoncalves@icloud.com
Ciências na Escola de Artes, Ciências e Humanidades, da Uni- Rebeca de Souza Barbalho - Advogada. Especial-
versidade de São Paulo – USP. Especialista em Gênero e Sex- ista em Direito Administrativo pela Universidade Fed-
ualidade pela UERJ. Colaboradora da Associação Brasileira eral do Rio Grande do Norte. Membra do IDASF. E-mail:
Prossional pela Saúde Integral de Travestis, Transexuais e rebeca_barbalho@hotmail.com
Itersexos - Abrasitti. Membra da Comissão da Diversidade
Sexual e de Gênero da OAB/Santo Amaro-SP. E-mail: cassiel- Rebeca Jamilly Costa Souza - Graduanda em Direito. Membra
@uol.com.br do Grupo de Pesquisa “Direito Público, Educação Jurídica
e Direitos Humanos na Contemporaneidade” pelo CNPq. E-
Rachel Pereira Dias Calegario - Professora. Pesquisadora do mail: rebecajamilly@hotmail.com
Laboratório de Política, Comportamento e Mídia na PUC-SP.

48 49
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Renato Bernardi - Procurador do Estado de São Paulo e Pro- Sirley Meclaine da Graça Melo - Professora e Chefe de Divisão
fessor de Direito de Graduação, Mestrado e Doutorado. Reali- de Auditoria do Departamento de Controle Interno do TJ/SE.
zou estágio de Pós-Doutorado no Centro de Estudios de Seg- Mestra em Ciências Econômicas pela Universidade Federal
uridad da Universidad de Santiago de Compostela na Espanha. de Sergipe. Pós-Graduada em Controladoria e Auditoria pela
Doutor em Direito do Estado pela PUC-SP. Mestre em Dir- Faculdade de Negócios de Sergipe. Membra Titular da Aca-
eito Constitucional pela ITE-Bauru. Membro da Comissão demia Sergipana de Ciências Contábeis. Integrante do Grupo
Executiva do Colegiado do Curso de Graduação e Membro da de Pesquisa em “Direito Público, Educação Jurídica e Direi-
Comissão de Coordenação do Programa de Mestrado e Dou- tos Humanos na Contemporaneidade”. E-mail: sirleyprofes-
torado em Ciência Jurídica do Curso de Direito da UENP. E- sora@hotmail.com
mail: bernardi@uenp.edu.br
Sonia Alves Calió - Assessora em Políticas Públicas de Gên-
Romilda Maria De Jesus - Terapeuta Integrada. Especialista ero da Prefeitura Municipal de São Paulo. Pós-Doutora pela
em Educação para Relações Étnicos Raciais História e Cul- USP. Doutora em Geograa Humana pela USP. Mestra e
tura Africana e Afro-Brasileira. Graduada em Pedagogia. E- Graduada em Geograa pela Université Paris 8 (Vincennes-
mail: romildamariadejesus12@gmail.com Saint-Denis). E-mail: sonia.calio@gmail.com

Samyle Regina Matos Oliveira - Professora de Direito e Co- Susilene Ferreira De Oliveira - Atriz e Funcionária Pública.
ordenadora do Curso de Direto da Universidade Tiradentes- Mestra em Teatro pela Universidade Federal de Uberlândia.
Propriá. Doutoranda em Direito pela Universidade Federal Pós-Graduada em Interpretação Teatral. Pós-Graduada em
da Bahia. Mestra em Ciência Jurídica pela Universidade Es- Orientação Sexual. Especialista em Planejamento Edu-
tadual do Norte do Paraná. E-mail: samyle.adv@gmail.com cacional. Graduada em Artes Plásticas pela Universidade
Federal de Uberlândia. E-mail: susifeoli@yahoo.com.br
Sandy dos Reis Silva - Graduanda em Direito pela Univer-
sidade Estadual do Norte do Paraná. Membra do Grupo de Taís Vella Cruz - Assessora Jurídica. Mestra em Direitos Hu-
Pesquisa “A Intervenção do Estado na Vida das Pessoas”. manos e Democracia pela Universidade Federal do Paraná. E-
Pesquisadora Bolsista de Iniciação Cientíca e Tecnológica mail: tais_vella@hotmail.com
da Fundação Araucária (PIBIC/UENP), com ênfase em “Dir-
eito, Gênero, Feminismo Negro e Democracia”. E-mail: Tania Savariego - Graduada em Direito pela UniSantaCruz.
sandy.reis123@gmail.com Graduanda em Administração Pública pela Universidade
Federal do Paraná. E-mail: tfsavariego@gmail.com
Selma Pereira de Santana - Promotora do Ministério Público
Militar da União e Professora de Pós-Graduação da UFBA. Tássia Louise de Moraes Oliveira – Advogada, Professora e
Doutora em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Conciliadora. Doutoranda em Direito e Mestra em Direitos
Direito da Universidade de Coimbra. Mestra em Ciências Fundamentais e Justiça pela Universidade Federal da Bahia.
Jurídico-Criminais. E-mail: selmadesantana@gmail.com Especialista em Ciências Criminais pela PUC Minas. Espe-
cialista em Direito Processual Civil pela UNISC. Especialista
Silmara Conchão - Socióloga, Professora e Secretária de em Direitos Difusos e Coletivos pela Fundação Escola Super-
Políticas para as Mulheres em Santo André-SP. Doutora em ior do Ministério Público do Rio Grande do Sul. E-mail: lou-
Ciências da Saúde pela FUABC. Mestra em Sociologia e Espe- ise_tassia@hotmail.com
cialista em Violência Sexual pela USP. E-mail: saconchao@
uol.com.br Tatyana Scheila Friedrich - Professora de Direito Inter-
nacional e Pesquisadora. Pós-Doutora pela Fordham Uni-

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EZILDA MELO

versity de Nova Iorque-EUA. Doutora e Mestra pela Uni-


versidade Federal do Paraná. E-mail: tatyanafriedrich@
yahoo.com YABÁS INVISIBILIZADAS E O COVID-19: UMA
Thiago de Menezes Ramos - Mestrando em Direitos Hu- CARTA-DENÚNCIA EM DEFESA DAS MULHERES
manos pela Universidade Tiradentes. Bolsista CAPES. Mem- QUILOMBOLAS DO ESTADO DA BAHIA
bro do Grupo de Pesquisa em “Direito Público, Educação
Jurídica e Direitos Humanos na Contemporaneidade”. E- Andreza Rodrigues[1]
mail: thiagomenezes1211@gmail.com Bruna Galvão Severo[2]
Carla Estela Rodrigues[3]
Túlio Vinícius Andrade Souza - Mestrando e Graduando Maísa Conceição Lobo[4]
em Psicologia pela Universidade Federal de Pernambuco.
Graduado em Direito. E-mail: tulio.andrade09@gmail.com Puta, presidente e cardial
É dia de falar e de ouvir também
Verônica Figueirêdo Pereira - Graduada em Serviço Social Com medo de careta, dou a mão
pela Universidade Estadual da Paraíba. Mestranda em His- E cala o horror, a cara feia, noite escura
tória pela Universidade Federal de Campina Grande. E-mail: Que a coragem é língua solta e solução
veronicagueiredo@ymail.com É dia de encarar o tempo e os leões
Se tudo é perigoso, solta o ar
Victória De Biassio Klepa - Graduanda em Psic- Escuta a maré, a lua, o rádio, a previsão
ologia pela Universidade Federal do Paraná. E-mail: Por nós, só nós, e o mundo inteiro pra
vbklepa@gmail.com gritar
(Elza Soares)

PARTE UM: ÓDIO


A CÓLERA COMO AGENDA POLÍTICA
Escrevemos este texto em tempos que o Covid-19
começa a se alastrar nas áreas rurais da Bahia, estado bra-
sileiro que possui o maior número de comunidades quilom-
bolas certiŁcadas. São aproximadamente mil e cinquenta e
cinco agrupamentos distribuídos em duzentos e cinquenta
e quatro municípios, sendo que, a maioria deles ainda não
possui registros escritos.[5]
Esses grupos sociais vulneráveis têm vivido sécu-
los de abandono, racismo estrutural, conłitos fundiários e,
agora, passam a enfrentar, concomitantemente, a pandemia
e o plano de governo necróŁlo adotado pelo Presidente
Jair Bolsonaro, que sequer apresentou uma política pública
voltada a contenção do vírus nos espaços urbanos, bem
como uma ação especíŁca dirigida as comunidades tradi-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

cionais. Sueli Carneiro arma que essas herdeiras da barbaridade do


O governante, em verdade, vem aproveitando o caos regime escravagista fazem parte de um contingente de mu-
da polarização política existente no país, intensicado pela lheres que nunca reconheceram em si mesmas o mito da
crise sanitária, para executar o seu “projeto de morte”[6] fragilidade feminina e da proteção paternalista dos homens,
contra esses agrupamentos, que, frisa-se, já se encontravam isto porque elas nunca foram tratadas como frágeis.[12]
em níveis de desigualdade sociorracial. Nesse sentido, com Nesse contexto, essas mães rainhas, insubmissas e in-
o discurso antidemocrático e revestido de ódio, o político dependentes chamadas de yabás [13], foram gradativamente
realiza constantes ataques a identidade desses grupos che- aparelhadas como “coisas primitivas” e “do diabo”.[14] Elas
gando a classicá-los como “vagabundos” e “desocupados”. [7] foram totalmente afastadas do sistema de proteção à saúde,
Além disso, ele insiste em defender a não demarcação do provimento à escolarização, do acesso à rede de sanea-
das terras quilombolas, que é, inclusive, um direito consti- mento básico e do serviço de segurança pública, bem como
foram dissociadas do matrimônio e representadas como
tucionalmente reconhecido [8]. O art. 68 do Ato das Dispos- genitoras da irregularidade moral, as quais eram obrigadas a
ições Constitucionais Transitórias (ADCT), assim, garante praticar aventuras sexuais com os escravagistas, endossando
expressamente a esses povos tradicionais o direito à propri- o estereótipo da prostituição.[15]
edade de suas terras, determinando ao Estado a obrigação É, pois, sobre a situação delas frente à pandemia, que
de emitir a respectiva titulação de domínio.[9] Mas, aŁnal, este capítulo pretende discursar. Aqui, oportuno lembrar-
quem são esses povos tão odiados pelo chefe do Poder mos que, essas yabás, que tanto lutaram para ganhar legit-
Executivo do nosso país? imidade e reconhecimento jurídico-formal na Constituição
Alfredo Berno de Almeida explica que esses grupos Federal de 1988, continuam presas sob o abandono do Poder
incorporam as denominadas terras de preto, terras de santo, Público, expostas a todo tipo de violência e em uma guerra
mocambos, lugar de preto ou quilombos[10]. Eles possuem secular contra um sistema ainda colonialista, racista e sex-
diferentes processos formativos, portanto, não são com- ista, que vem diariamente matando sonhos e torturando
unidades homogêneas. Contudo, na Bahia, em geral, esses vidas.
agrupamentos são formados majoritariamente por mul-
heres negras, em grande parte, provenientes da resistência PARTE DOIS: FOME
da animalidade da escravidão, as quais tiveram que se adap- “COMIDA É PASTO!... VOCÊ TEM FOME DE QUE?”[16]
tar a viver em regiões, por vezes, hostis, porém, mantendo De acordo com a Organização Mundial da Saúde, o
suas tradições culturais e tirando o seu sustento dos recursos denominado isolamento social, em que as pessoas são acon-
naturais disponíveis.[11] selhadas a car em casa durante o cenário pandêmico, é a
Essas mulheres sempre estiveram na linha de frente única forma de evitar o alastramento do novo coronavírus
das suas comunidades, em todos os sentidos. São elas, por e, consequentemente, o colapso do sistema de saúde. Entre-
exemplo, que vão para os terreiros, que saem para pescar, tanto, no contexto das comunidades quilombolas, essa me-
produzir o azeite, capinar nos canaviais, fazer artesanato dida é complexa e tem provocado graves problemas que
e que, portanto, sempre tiveram que buscar condições afetam principalmente as yabás, anal, são elas os pilares da
dignas para a lha ou lho estudar. A par disso, a lósofa subsistência de suas comunidades e que se encontram total-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

mente desamparadas pelo Estado. Então, como exigir que emergencial as beneciárias ou os beneciários devem ser
essas mulheres deixem de ir trabalhar e se mantenham em visíveis aos olhos de um governo que insiste em ocultá-los.
casa? A par disso, as Defensorias Públicas da União e do Es-
Destacamos aqui a gravidade desse cenário, muito tado da Bahia vêm travando contra os Poderes Públicos uma
porque o isolamento social é a consequência lógica da im- série de litígios em defesa desses grupos sociais vulneráveis.
possibilidade de produção de alimento no campo, trabalho A DPU, por exemplo, em junho de 2020, ajuizou uma Ação
este feito em conjunto por essas mulheres, que colhem, plan- Civil Pública para garantir o mínimo existencial dessas com-
tam e pescam o que elas e suas famílias consomem. E, como é unidades.[18] No mesmo caminho, a DPE recomendou às pre-
notório, o Covid-19, doença desconhecida e sem tratamento feituras dos municípios baianos a distribuição de diversas
comprovadamente ecaz, impede que essas yabás saiam cestas básicas aos agrupamentos quilombolas[19].
para produzir, em razão da infecção iminente. Ademais, Além disso, a Defensoria Pública do Estado instaurou
o Governo Federal vem fechando os “olhos”, propositada- um procedimento para apuração de dano coletivo ao “Quil-
mente, para esses grupos sociais e suas necessidades básicas ombo Pesqueiro Conceição de Salinas”[20], com o propósito
de sobrevivência. de que a Prefeitura do Município de Salinas das Margaridas
Sobre isto, inclusive, é importante ressaltarmos que, dê respostas concretas à condição devastadora das oitocen-
embora tenha cerca de cinco meses da descoberta do pri- tas famílias quilombolas que vivem numa situação periclit-
meiro caso do Covid-19 no país[17], até o momento não existe ante, sem meios de subsistência e segurança alimentar.
nenhuma ação efetiva do governo que garanta com que essas Contudo, é importante ressaltarmos que tais medidas
mulheres e suas famílias quem em suas residências e ten- realizadas pelas Defensorias são paliativas e muitas das
ham suas demandas supridas temporariamente pelo Poder quais não vêm sendo cumpridas pelos demandados. Con-
Público. Logo, a pandemia reforçou ainda mais as injustiças sciente disso, sugerimos aqui, a construção de um movim-
sociais que as comunidades tradicionais vêm enfrentando ento de mudança social amparado por uma Lei de Respons-
há séculos, especialmente, em relação a segurança alimen- abilidade Socioambiental que auxilie a corrigir todas essas
tar. questões e que nos permita combater essas feridas exist-
Em fevereiro de 2020, chegou a ser aprovada a Lei n. entes há séculos, que caram expostas durante esse período.
13.982, que trata sobre o pagamento de uma renda emergen- Esse regulamento não pode ser simplesmente mais
cial para as populações que se encontram em vulnerabili- uma lei, e sim, uma norma que deve incorporar uma moção e
dade econômica. Todavia, como veremos a seguir, o formato compromisso do país com uma nova gestão pública. Um dos
do programa gerenciado pelo Ministério da Cidadania não seus inúmeros objetivos, exemplicando, seria o de impor
consegue alcançar aquelas pessoas que sequer existem para que os gestores passem a ter uma prestação de contas sobre
o Estado e para a sociedade. os resultados sociais alcançados pelas políticas públicas, em
Isto porque, o pagamento desse auxílio requer que as todas as suas instâncias, para que possamos ser capazes de,
indivíduas e indivíduos tenham acesso à internet e ao cadas- ao lado das metas scais – Lei de Responsabilidade Fiscal –,
tro de pessoa física ativo, de modo a viabilizar, inclusive, a termos balanços dos resultados sociais.
abertura de uma conta do tipo poupança social digital. De- A ideia, portanto, é que o administrador público
starte, de modo irônico e trágico, para ter acesso a essa renda que impedido de gastar com ações consideradas supéruas,

56 57
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

como: eventos, publicidade, obras eleitorais etc., enquanto cultura negra, da ancestralidade africana e, como exposto
existir urgências não resolvidas nas áreas de segurança ali- anteriormente, têm sua sobrevivência atrelada ao protagon-
mentar, saúde, moradia e educação desses grupos invisi- ismo do feminino negro.[24] Portanto, nesses territórios,
bilizados. Assim, esse projeto de nação deve ter a função além de ser uma vida que se perde, a morte de uma mulher
pedagógica de construir um ambiente mínimo de cidadania negra mais velha signica a deterioração de memórias im-
e responsabilidade com as diversas questões sociais do país. prescindíveis para a continuidade da cultura desses grupos.
Oportuno salientarmos que, a história desses povos
PARTE TRÊS: MORTE
é justamente pautada na tradição e transmitida oralmente,
A VOZ DA MATRIARCA DA BAHIA NEGRA[21]
podendo, portanto, ser enterrada com o óbito de uma anciã.
Em razão da falência estrutural de sucessivos gov-
Sobre isto, Paul Claval lembra que a cultura é herança trans-
ernos e dinâmicas oriundas do racismo institucional, as
mitida de uma geração a outra, que possuem raízes num
comunidades quilombolas não contam com um sistema
passado distante, sendo ela “a soma dos comportamentos,
sanitário estruturado, ao revés, os relatos da maior parte das
dos saberes, das técnicas, dos conhecimentos e dos valores
mulheres quilombolas é de que a assistência à saúde é to-
acumulados pelos indivíduos durante suas vidas e em uma
talmente debilitada e, na maioria das vezes, é necessário o
outra escala, pelo conjunto dos grupos que fazem parte.”.[25]
deslocamento até os distantes centros urbanos. Desse modo,
Destarte, analisada através de um viés antropológico,
a entrada do Covid-19 nesses agrupamentos representa um
ao longo dos séculos, a cultura foi deixando de ser vista
verdadeiro genocídio dessas yabás, que, em grande parte, são
como apenas um ornamento, entretenimento ou manifest-
idosas acometidas por algumas comorbidades.[22]
Essas mulheres e suas famílias, como vimos acima, não têm ação artística materialmente visível e passou a ser consid-
recebido a atenção devida das autoridades públicas e da im- erada algo simbólico, inserido nas relações de poder, englo-
prensa. Observamos, inclusive, que os dados da transmissão bando manifestações imateriais e, inclusive, protegida pelo
da doença em territórios quilombolas estão sendo con- Poder Constituinte Originário.[26]
stantemente subnotiŁcados, pois muitas secretarias muni- A par disso, a Carta Magna, em 1988, ao adotar uma
cipais e, sobretudo, o Ministério da Saúde, estão deixando de
postura pluriétnica e multicultural, apresenta a identidade
informar quando a transmissão do vírus e a morte ocorrem
entre esses grupos. cultural como Direito Humano-Fundamental – segunda di-
Na Bahia, até o momento, foram notiŁcados cinco mensão –, impondo tanto ao Estado, quanto a sociedade, a
óbitos, porém a Coordenação Nacional de Articulação das necessidade de sermos atores ativos em um processo que
Comunidades Negras Rurais Quilombolas alerta que, além forneça mecanismos de manutenção para a continuidade
de ser um dado que não corresponde com a realidade, a dos povos tradicionais, acima de tudo, para que esses gru-
própria Coordenação não tem acesso à informação a res- pos vivam com dignidade e sejam sujeitos de suas próprias
peito de quantas dessas mortes foram de mulheres devido às histórias.
inúmeras subnotiŁcações e ausência de interesse em inves- Logo, a ausência de políticas públicas especícas que
tigação dos dados por parte dos gestores públicos.[23] visem à contenção do vírus entre essas populações e, conse-
Aqui, faz-se necessário lembrarmos que os quilombos quentemente, a morte dessas mulheres quilombolas, além
são verdadeiros espaços de manutenção e resistência da de ser uma grave transgressão ao direito à vida, à saúde, à

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

alimentação, infringe também o direito à identidade his- quer terem acesso à assistência psicológica.
tórico-cultural desses povos, uma vez que, como visto Nesse sentido, em síntese, procuramos aqui denunciar
acima, essas matriarcas carregam consigo grande parte dos a atuação deŁcitária e a omissão dos governantes no que
ritos culturais, responsáveis pela passagem da história por toca à implantação e execução de políticas públicas efetivas
meio da oralidade às novas gerações. à garantia dos direitos fundamentais, e, principalmente, à
Assim, infelizmente, o descaso com a saúde dignidade de existência e qualidade de vida dessas yabás das
pública dessas comunidades tradicionais nesse período de zonas rurais da Bahia. Mulheres, frisa-se, que vem suport-
pandemia põe em risco a transmissão dos conhecimentos e ando as diversas mazelas perpetradas pelo meio social, por
dos saberes da cultura afro-brasileira, pois o convívio des- se tratarem, junto ao feminino negro não-quilombola, da
sas mães rainhas com os mais jovens amplia e fortalece a base da estrutura social deste país.
tradição oral, a memória social e coletiva, que são repassa- Ressaltamos, ainda, que não pretendemos aqui esgo-
dos a partir do protagonismo da comunidade, suas origens, tar a temática que envolve as inúmeras e graves violações
histórias e valores.[27] aos Direitos Humanos-Fundamentais enfrentados por elas.
Mas, sim, fomentar a conscientização da sociedade bra-
PARTE FINAL: PORVIR sileira ampliando o debate social, a Łm de que, com muita
“DE UMA GENTE QUE RI QUANDO DEVE CHORAR. E esperança, possamos gozar de uma sociedade mais inclu-
NÃO VIVE, APENAS AGUENTA...”[28] siva e para que possamos fruir, enquanto um corpo colet-
Caminhamos, enm, para a despedida desse capítulo ivo, dos direitos sociais[30] constitucionalmente garantidos,
compartilhando, em forma de denúncia, da luta pelo direito sem ter de vindicar arduamente pela sua realização efetiva e
de todas as mulheres, especialmente, as quilombolas. Mul- igualitária.
heres que buscam forças em si mesmas, que se agarram aos É com essa Łnalidade que nos valemos do espaço so-
seus ritos espirituais e à afroancestralidade, que “escoam” as cial, da visibilidade da produção acadêmica, do direito à
dores que carregam na alma em forma de canto e oralidade, liberdade de expressão [31] que o meio nos permite ter, para
que repassam aos seus lhos e netos a cultura afro-brasileira denunciar, à sociedade e à imprensa, a grande necessidade
da localidade em forma de ditado, cantigas, contos, ane- de sermos atores sociais engajados em ações e projetos
dotas, poesias, histórias típicas de quem ouvia “o que a ma- categóricos, governamentais ou não. O intuito da presente
triarca mais velha dizia”[29]. carta-denúncia, portanto, é ensejar uma maior consciên-
Yabás que resistem à gritante omissão e desídia do cia sociopolítica do país para que as mulheres quilombolas
Poder Público, que lidam com a permanente incerteza e e suas famílias, possam viver em condições dignas e que
ataques ao direito de propriedade das terras tradicional- possam ter suas vozes ecoadas no espaço social, que possam
mente ocupadas por elas, que tem a existência digna social- ter seus corpos lidos como sujeitos de direitos e não invisi-
mente renegada – comprometida pela violência de gênero, bilizados ou socialmente submissos.
pela repressão patriarcal, pela ausência de inclusão social, Assim, almejamos que as quilombolas possam ter suas
agrária, jurídica, política, cultural, econômica e tecnológica próprias histórias reconhecidas como parte importante da
–, que enfrentam as desigualdades sociorraciais e o racismo produção histórico-cultural do povo brasileiro, que possam
estrutural com suas próprias habilidades humanas, sem se- ter o direito à existência digna sem que necessitem sobre-

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EZILDA MELO

viver, resistir e morrer lutando para existir, sem ter que


lidar com a dor intensa advinda dos efeitos da invisibilidade
social e do racismo estrutural, sem ter que se valerem da A PANDEMIA INVISÍVEL: UM OLHAR SOBRE A
força como mecanismo de defesa para se manterem vivas em VIOLÊNCIA DE GÊNERO CONTRA MULHERES
um tecido social que relega a estas uma existência humana- MIGRANTES E REFUGIADAS EM TEMPOS DE
mente dita. COVID-19 A PARTIR DA EXPERIÊNCIA DE UM
Aproveitamos esse espaço para ressaltar a resistência PROJETO DE EXTENSÃO UNIVERSITARIA[32]
e a resiliência desse feminino negro que ainda segue na luta Tatyana Scheila Friedrich [33]
Elaine Cristina Schmitt Ragnini[34]
pelo alimento, pela garantia dos seus direitos e do mínimo
Priscila Ferreira Fortini[35]
existencial, que litigam por dias melhores, em que haverá o Manuela Busato[36]
descanso das suas forças físicas e psicológicas que, por sua Isbeline Theodorice[37]
vez, são para elas, ferramentas do plantio de subsistência, Julya Naara[38]
Nara Veiga Borges[39]
ferramentas do plantio de resistências! Destacamos, assim, a
Tania Savariego[40]
inspiração representada por essas Łlhas, mães, avós, matriar- Taís Vella Cruz[41]
cas, rainhas insubmissas, que foram e continuam sendo sím- Victória de Biassio Klepa[42]
bolos históricos da resistência ao estigma da animalidade e
Em 2020 o mundo foi surpreendido pela pandemia da
ao processo de desumanização perpetrado pelo sistema es-
COVID-19, que impeliu diversas Nações, entre elas o Brasil, a
cravagista.
tomarem medidas restritivas de circulação interna e inter-
E, por Łm, almejamos que a crítica ao atual cenário
nacional. Situações de crise como essa tendem a aumentar
social vivenciado pelas mulheres quilombolas façam parte
a manifestação de violência contra as mulheres, haja vista
das nossas pautas, das rodas de conversas, dos debates
que algumas expressões do sistema de desigualdades ao
acadêmicos e políticos, em um processo amplo, dialógico,
qual elas estão constantemente expostas são intensica-
acolhedor e plural, a Łm de escutar as demandas dessas
das. O medo, as incertezas e o isolamento físico, relacion-
mulheres e implementar soluções práticas, além de me-
ados à pandemia, também contribuem para um ambiente
didas governamentais efetivas para alterar as condições so-
favorável às cenas de violência. O aumento no número de
ciais que propiciam a rejeição, a exclusão, a indignidade e
casos de violência contra as mulheres na pandemia foi iden-
o desamor que essas yabás – que desaŁaram as estruturas
ticado em diferentes países, como Austrália, Brasil, China e
machistas e racistas existentes em diversos períodos his-
Estados Unidos[43].
tóricos –, vêm sendo submetidas ao longo do tempo.
No que refere às mulheres migrantes e refugiadas, en-
tende-se que vivem uma sobreposição de violências no con-
texto da pandemia, já que vêm sofrendo os efeitos da violên-
cia desde a saída do seu país de origem[44].
No Brasil, dados do “Ligue 180” demonstram que
houve um aumento de cerca de 17% no número de denún-
cias de violência contra a mulher durante o mês de março,

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

período inicial da recomendação do distanciamento social Universidade Brasileira (PMUB). Essa ação aborda situações
no país[45]. Por outro lado, a convivência mais frequente com de violência ligadas a questões de gênero, raça, etnia e classe
o perpetrador da violência, as limitações no acesso de mu- e é articulada com outras instâncias do serviço público,
lheres e meninas a recursos telefônicos e linhas de ajuda, e como a Delegacia da Mulher e o Ministério Público do Tra-
a diminuição ou interrupção de serviços públicos e sociais balho.
consequentes das medidas de isolamento social, também A partir da experiência do projeto no processo de
podem diŁcultar denúncias e o acesso a serviços de cuidado acolhimento e acompanhamento de mulheres migrantes e
e acolhimento [46]. refugiadas que sofreram algum tipo de violência, trazemos
A condição da crise sanitária e as restrições para com- algumas considerações a respeito de como os processos de
batê-la, implicam que as populações vulneráveis sejam mais marginalização da migração atravessam as diversas faces da
afetadas, o que agrava a situação das mulheres migrantes. violência de gênero. Desse modo, tem-se como objetivo no
Além das inseguranças já vivenciadas pela condição de vida presente trabalho apresentar algumas premissas relacion-
num país de acolhida, Peterman menciona que a instabili- adas à violência de gênero e feminização da migração,
dade econômica indica o menor acesso a serviços legais e apontando para algumas especiŁcidades dos casos acom-
de saúde, habitações em áreas com alto índice de crimes e panhados no âmbito do projeto AMMAR que possam colab-
conłitos, desemprego e dependência econômica[47]. Com o orar para pensar medidas de enfrentamento e de prevenção
acesso restritivo aos serviços de saúde, impede-se o contato a violências contra mulheres, principalmente no cenário
com um espaço possível para a procura de ajuda, além do atual de pandemia, cujos efeitos incidem sobre diferentes
distanciamento de outras redes de apoio [48]. O isolamento ou grupos sociais de distintas maneiras, aprofundando as desi-
quarentena pode servir ainda para manutenção e ampliação gualdades existentes[51].
de comportamentos controladores previamente existentes,
ou oportunizar novos, além de intensiŁcar o sofrimento psí- 2. VIOLÊNCIA DE GÊNERO E A FEMINIZAÇÃO DA
quico. MIGRAÇÃO
É a partir desse contexto que a diretora executiva da A vida da mulher migrante no Brasil, de modo geral, é
ONU aŁrma que a violência contra mulheres e meninas é atravessada por diversas expressões da violência de gênero.
uma pandemia invisível [49]. No caso das mulheres migrantes Desde as violências que a levaram a sair de seu país de origem
e refugiadas[50], essa invisibilidade se acentua, uma vez que às que viverá ao adentrar uma nova nação: a incompreensão
as especiŁcidades das violências de gênero em interface com de sua língua e cultura; a violência conjugal; o assédio moral
a experiência migratória ainda são pouco estudadas dentro e sexual; a falta de emprego ou condições dignas de trabalho;
dos serviços de atenção à mulher. a incipiência de políticas públicas destinadas aos migrantes
Para organizar ações de acolhimento, atendimento e e refugiados; entre tantas outras.
enfrentamento à condição de violência contra a mulher mi- Como elucida Scott, o conceito de gênero é uma cate-
grante e refugiada, constitui-se o projeto Aliança Mulheres goria de análise que pode ser deŁnido como uma construção
Migrantes, Apátridas e Refugiadas (AMMAR). Trata-se de social pela qual são atribuídos valores e signiŁcados às
uma ação do programa de extensão universitária, da Univer- relações de poder em uma sociedade[52]. O conceito de gên-
sidade Federal do Paraná, denominado Política Migratória e ero refere-se a um elemento constitutivo de relações sociais,

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

fomentado a partir das diferenças percebidas entre os sexos. nesses movimentos e à necessidade de uma análise quali-
Desta forma, “o gênero é, portanto, um meio de decodicar tativa desse fenômeno e dessas estratégias migratórias[56].
o sentido e de compreender as relações complexas entre di- Mulheres migrantes ainda tendem a lidar com estereótipos
versas formas de interação humana”[53]. As signicações de bastante acentuados, que interferem na compreensão ver-
gênero e de poder se constroem mutuamente. dadeira de suas demandas, sendo frequentemente apontadas
Como fenômeno polissêmico, a violência de gênero é como seres passivos, submissos e incapazes de tomar conta
um conceito amplo, que abrange vítimas como mulheres, de si, além de serem assimiladas pelas culturas ocidentais
crianças e adolescentes de ambos os sexos[54]. Portanto, gên- como vindas de culturas patriarcais e violentas, que por vez
ero se cruza com outras categorias que possuem variadas relativizam as agressões e violações aos direitos da mulher
posições de poder, como a geração e faixa etária, raça, etnia no país de destino [57].
e classe social. Considerando as posições de gênero, existem Ao pensar a feminização das migrações, uma questão
padrões socialmente legitimados que denem identidades que deve ser reconsiderada é o número de mulheres que ocu-
e atitudes, sendo que estes lugares foram construídos de pam postos de trabalho: dentre os migrantes internacionais
modo complexo e pouco linear. que realizam trabalho remunerado, 73,4% são mulheres, de-
Para compreender a violência de gênero contra mul- vendo-se destacar que uma mulher migrante tem 6 vezes
heres migrantes, nos localizamos na direção da escuta dessas mais chances de realizar trabalho doméstico do que um
mulheres como sujeito, entendendo a violência como um homem migrante[58].
campo complexo, político e relacional, que não se limita ao A migração também está relacionada à possibilidade
crime. A violência de gênero está engendrada em um palco de romper vínculos de discriminação e abusos que as cir-
de disputas, formado por diferentes posições e objetos de cundam em seus países, fazendo-as migrar sozinhas ou como
poder. E é desse palco que propomos uma reexão sobre as primeiras de suas famílias que migram, desconstruindo a
como a violência de gênero atravessa a vida dessas mulheres ideia de que a migração de uma mulher estará sempre ligada
diante do contexto de feminização da migração. à gura masculina[59].
Nesse sentido, estima-se que o número de mulheres Em contrapartida, ainda existem barreiras jurídicas
migrantes tenha duplicado entre 1960 e 2015. No ano de e sociais que impactam os migrantes na condição de não-
2017 as mulheres compreendiam pouco menos da metade, nacionais, especialmente as mulheres, a circularem em espa-
48% da população migrante internacional, superando em ços mais restritos e restritivos. Nesse sentido, Redin enun-
número os homens em todos os continentes, exceto África e cia:
Ásia [55]. Apesar dos números expressivos, a história de mu-
A mulher migrante, além da situação de vulnerabi-
lheres nos uxos migratórios é marcada, sobretudo, pelo lidade sofrida na condição de mulher, encontra tam-
silêncio e invisibilidade e é preciso admitir que o viés de bém uma barreira na vulnerabilidade do sujeito imi-
gênero ainda permanece de fora das políticas de migração, grante, connado a uma condição de não nacional
pelo modelo político-jurídico do Estado Nacional e, por
bem como dos programas de auxílio às pessoas que migram.
isso, um não sujeito. Reduzido à “vida nua” em função
Assim, a feminização das migrações refere-se não so- de sua condição de estrangeiro, esse sujeito é remetido
mente ao aumento considerável de mulheres nos uxos a um espaço de privação, caracterizado pela ausência
migratórios, mas principalmente à percepção das mulheres de voz e ação[60].

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Algumas dessas perspectivas foram identiŁcadas nos casos


No que concerne às relações raciais, entende-se que o
atendimentos pelo projeto de extensão AMMAR e serão ob-
preconceito, intrínseco na sociedade brasileira, elege como
jeto do próximo tópico.
critério para discriminação o fenótipo [61]. Assim a migrante,
além de qualquer outra agressão, pode ser discriminada 3. EXPERIÊNCIA DE ACOLHIMENTO E ATENDI-
pela cor da pele, traços físicos e/ou outra característica que MENTO A MULHERES MIGRANTES VÍTIMAS DE VIOLÊN-
a identiŁque, de forma culturalmente condicionada, como CIA DE GÊNERO EM UM PROJETO DE EXTENSÃO UNIVER-
sujeito propenso ao racismo. SITÁRIA
Assim, muitas vezes o motivo da procura por asilo As ações da AMMAR tiveram início em 2019, a partir
está relacionado a situações de perseguição devido à de demandas vindas de instituições públicas que estavam
violência de gênero vivenciada dentro do próprio país. em atendimento a situações de violência contra mulheres
Estas violências podem ser fortalecidas pelo Estado ou por migrantes. Como o PMUB é atuante na cidade de Curitiba
familiares, e ainda podem se expressar por meio da mu- e no Estado do Paraná desde 2014, tem sido referência na
tilação genital, casamento forçado, crimes de honra, violên- cidade para a intervenção junto a migrantes e refugiados. A
cia doméstica, prostituição forçada e aborto forçado [62]. A equipe é constituída por docentes, alunas de pós-graduação
situação de vulnerabilidade das mulheres migrantes é posta e acadêmicas dos Cursos de Direito, Psicologia e Enferma-
não somente pelas razões que levaram a migrar, mas tam- gem da UFPR. Ressalta-se a atuação de uma aluna extension-
bém por ameaças e abusos no percurso migratório [63]. Vale ista haitiana, que realiza uma importante mediação linguís-
destacar que a ocorrência dessas violências é diretamente tica e cultural nos casos atendidos.
afetada pelos fatores gênero, nível de escolarização, sex- A partir de uma atuação multidisciplinar, o projeto
ualidade e contexto social daquela que migra, os quais objetiva abordar algumas especiŁcidades da violência de
revelam o grau de vulnerabilidade social a que essas pessoas gênero em seus atravessamentos pela trajetória migratória,
estão sujeitas. que são essenciais para articular a atuação das redes de
A feminização da pobreza é outra expressão desta atendimento, de combate e de prevenção às violências, es-
fragilidade, como aponta o Relatório da ONU, o qual indica pecialmente as de gênero. Para tal, abordaremos dois casos
que 70% das pessoas em situação de pobreza no mundo atendidos pela AMMAR[67]. Para Łns de sigilo, os nomes das
são mulheres. Além disso, os perŁs que mais sofrem em mulheres atendidas foram alterados.
situações de crise econômica e de guerra são mulheres e
crianças[64]. Federici aponta que a feminização da pobreza é 3.1. Caso E.: Os obstáculos da língua no acolhimento
resultado da produção de uma nova ordem social na era glo- institucional de mulheres em situação de violência
balizada, baseada em uma estrutura colonial e na divisão in- E., uma mulher haitiana, 26 anos, planejava deixar
ternacional do trabalho [65]. Por vezes, a violência é cometida o Haiti em busca de melhores condições de estudo e de
por parceiro íntimo, mas a denúncia é inviabilizada por trabalho no Brasil. Seu namorado havia se mudado alguns
diŁculdade linguística, dependência Łnanceira, ameaça aos meses antes para Curitiba e sua família apoiava que se jun-
Łlhos, situação irregular, desconŁança do sistema criminal tasse a ele. Chegou à cidade em junho de 2019, mas logo
ou medo de prejudicar o status migratório do parceiro[66]. se viu impossibilitada de realizar seus projetos no novo

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

país, uma vez que seu namorado impunha uma série de possível escutar E. em sua língua materna, revelando a gravi-
restrições a ela. E. era impedida de sair de casa sem ele, per- dade e a complexidade dos processos de violência que sofreu
manecendo trancada em casa enquanto ele trabalhava, dele- desde que migrou para Curitiba. A mediação linguística foi
gada a cumprir tarefas domésticas. E. planejava trabalhar e acompanhada por uma extensionista de psicologia, cujos es-
estudar, contudo sofria uma constante pressão por parte do forços se deram no sentido de acompanhar o caso em rede,
namorado para que engravidasse, sob o argumento de que fa- articulando contato e ações com as instâncias da Assistência
cilitaria o processo de regulamentação documental no país. Social envolvidas no caso, com a Delegacia e com a tradu-
Para além das restrições de trabalho e de circulação tora, que mantinha um contato direto com E.
pela cidade, E. foi proibida de frequentar aulas de português, A falta de uma rede de apoio, o impedimento de
o que dicultou ainda mais sua comunicação com vizinhos, apropriar-se da língua portuguesa e de poder circular pelos
prossionais de serviços públicos e com a própria propri- espaços públicos, constituem formas de violência e de silen-
etária do apartamento que o casal alugava, o que a impossi- ciamento na medida em que diŁcultam a sua comunicação
bilitou de desenvolver de uma rede de apoio no Brasil. com outras pessoas e inclusive no processo de acolhimento
O contato com sua rede afetiva de amigos e familiares, hospitalar e institucional pelos quais passou quando sof-
que se encontravam no Haiti, também foi interpelado pelo reu a tentativa de feminicídio. Também se observa que seu
controle do namorado, que conscou o celular de E. e ditava projeto de estudar e de trabalhar foi menosprezado e impe-
quando poderia usá-lo, supervisionando cada mensagem dido pelo namorado. Como ele era o único que trabalhava,
que era trocada. Sendo assim, E. vivia um cárcere material e agravava a situação de dependência econômica de E. em
afetivo, na medida em que não podia comunicar a ninguém relação a ele.
o que sentia e o que vivia. Tampouco possuía recursos para O caso em questão caracteriza uma realidade vivida
deixar o namorado, pois todos os seus bens materiais e seus por muitas migrantes. Ainda, ressalta-se que o trabalho
documentos estavam sob a posse dele. doméstico e não remunerado ainda é, em sua maior parte,
Foram vários processos de violência vivenciados dur- feito por mulheres[68]. A situação se torna ainda mais com-
ante 4 meses, sem poder relatar e ter o apoio de alguém, até plexa quando envolve o cuidado com os Łlhos, o que pode
o dia em que seu namorado, sob a acusação de que E. estaria diŁcultar a possibilidade de procurar um emprego.
traindo o mesmo, tentou matá-la e fugiu. Socorrida pela
proprietária do apartamento, E. foi levada ao hospital e pos- 3.2 Caso M.: A divisão sexual e internacional do tra-
teriormente foi acolhida por um abrigo que acolhe mulheres balho enquanto fator de marginalização e de risco a mul-
vítima de violência em Curitiba. As instituições e serviços heres migrantes
de acolhimento pelos quais passou, no entanto, não conta- M., venezuelana de 18 anos, trabalhava como camar-
vam com alguém que falasse o crioulo haitiano, e E. não eira em uma pousada, em seu país de origem, quando con-
pôde relatar tudo o que passou até que a Delegacia da Mulher heceu um brasileiro que prometeu a ela que conseguiria
procurasse uma tradutora para o caso. moradia provisória e um melhor emprego no Brasil. Sem
Assim, o PMUB foi acionado pela Delegacia da Mulher avisar a família, M. deixou a Venezuela para morar com
com a demanda por uma tradutora para o caso. A partir da este homem no norte do Brasil. Em poucos dias, ele pas-
mediação linguística de uma aluna voluntária haitiana, foi sou a obrigá-la a prostituir-se, agredido-a quando se negava

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

ou resistia. Quando encontrou uma oportunidade, contou levados para uma delegacia da região metropolitana, sendo
o que acontecia para uma vizinha, que chamou a polícia que ele foi solto algumas horas depois. Sem ter para onde ir, a
e prendeu o homem em łagrante. M. realizou o Boletim casa de acolhida de mulheres vítimas de violência foi acion-
de Ocorrência e solicitou as medidas protetivas, sendo en- ada pelos proŁssionais para abrigá-la. No dia seguinte. M.
caminhada para um abrigo de mulheres. seria encaminhada à Polícia Federal, já que se suspeitava de
No abrigo, ela entrou em contato com sua avó, que um caso de TráŁco Humano. Todavia, após o atendimento
passou o contato de uma conhecida que vivia em Curitiba na instituição, foi entendido que não havia documentação
e ajudava outros migrantes venezuelanos com estadia tem- suŁciente para dar entrada na investigação de TráŁco Hu-
porária e emprego. Com auxílio econômico da Assistência mano, não sendo dado encaminhamento ao caso por essa
Social, M. conseguiu deslocar-se para a cidade do sul do país instituição.
e se acomodou na casa da conhecida. Sendo acolhida, essa Por se tratar de um caso de violência contra mulher
senhora a auxiliou a encontrar um emprego como cuidadora migrante, o projeto AMMAR foi então acionado pela equipe
de uma idosa cadeirante que vivia com seu Łlho de 33 anos, psicossocial da casa de abrigo para acompanhar o caso
sob o acordo de que M. moraria na casa e receberia um salário de M. Como não se enquadrava em situação de violência
de R$1.300,00. doméstica, tampouco sexual, não poderia seguir abrigada na
O acordo salarial, todavia, nunca aconteceu. Em troca instituição. Sem familiares ou conhecidos no Brasil, a von-
do trabalho, ela recebia algumas peças de roupas baratas e tade de M. era retornar à Venezuela. Assim, trabalhou-se no
a estadia. M. não tinha um horário para almoçar ou jantar acompanhamento em rede do encaminhamento de M. para
- deveria comer rapidamente e dormir muito pouco para um Centro de Referência Especializado para População em
atender às necessidades da idosa, representando uma jor- Situação de Rua (Centro POP), e buscou-se algumas possibili-
nada excessiva de trabalho. Sua liberdade de sair da casa sem dades de auxílio para o retorno de M. ao país de origem.
os empregadores foi totalmente restrita, e até a sua priv-
acidade dentro da casa. O homem reteve seus documentos 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
e fazia vigilância constante de suas ações e paradeiro pelo Ao longo da construção desse projeto e da experiência
sistema de câmeras implantado em toda a casa. Seu contato de trabalho, observamos que as experiências de violên-
com a avó também foi limitado, sendo que não poderia con- cia vividas por mulheres revelaram-se na ampla dimensão
versar com ela senão uma vez por semana, ao lado da idosa daquelas descritas na Lei Maria da Penha como violên-
ou do Łlho, que supervisionavam a conversa. cia doméstica, quais sejam: violência sexual, patrimonial,
Após meses de violações de direitos trabalhistas, moral, psicológica e física[69]. Assim, os casos aqui expostos
violências psicológicas, ameaças e agressões físicas por apontam como o contexto migratório singular de cada mul-
parte do homem e da idosa, M. Łnalmente encontrou uma her incidiu sobre tais formas de violências, dando contornos
oportunidade de pedir ajuda. Um dia a idosa passou mal especíŁcos que ainda não foram descritos ou amplamente
e precisou ser encaminhada à UPA da região. Enquanto o discutidos pelos órgãos públicos e serviços que trabalham
homem buscava alguns pertences da mãe, M. Łcou sozinha com mulheres e/ou com migrantes.
pela primeira vez e relatou o que acontecia às enfermeiras A partir da contextualização da feminização da mi-
da instituição, que acionaram a polícia. M. e o acusado foram gração, em interface com as questões de gênero, que ganham

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

materialidade nos casos expostos, pode-se concluir que, inha.


para mulheres migrantes em situação de violência - seja Vale destacar que a vulnerabilidade linguística poten-
nas relações afetivas, seja no ambiente de trabalho -, a real- cializa processos de exploração e de violência. A migrante
ização da denúncia envolve uma série de empecilhos poten- que não domina minimamente o idioma do país de acolhida
cializados pelas condições de vulnerabilidades a que estão apresenta diŁculdades particulares, frente à diŁculdade ou
sujeitas. Alguns exemplos são a falta de informações sobre impossibilidade de se comunicar. A língua funciona como
direitos, escassez de instituições especializadas de pro- uma espécie de barreira para a migrante aos seus direi-
teção, diŁculdade ao acessar serviços básicos de saúde, ao tos, aŁnal, pode diŁcultar a comunicação não somente em
sistema de justiça, à assistência social, educação e políticas situações cotidianas, como também em possíveis denúncias
de habitação [70], usuais em relação a mulheres em geral, in- e requerimentos de assistência ou informação. Ademais,
dependente da nacionalidade, mas a que são somadas as encontrar atendimento especíŁco e especializado dirigido
questões linguísticas e culturais. a esse público, como tradutores, não é comum na maior
Ademais, a urgência por recursos econômicos faz com parte dos espaços institucionais, o que se faz problemático
que muitas mulheres migrantes permaneçam em relaciona- a medida em que as diferenças linguísticas nos atendimen-
mentos abusivos ou se sujeitem a condições trabalhistas tos podem perdurar situações de violência. É o que se ob-
de exploração - sendo que mulheres migrantes estão mais serva no caso de E., cujo namorado a proibiu de estudar o
suscetíveis à extorsão, a abusos e exploração, seja por emp- português - o que não apenas diŁcultou a criação de laços
regadores, agentes de migração ou autoridades[71]. É o que com vizinhos, servidores públicos e com a proprietária da
se observa no caso de M., que migrou do país de origem residência que E. e o agressor alugavam, como também im-
por questões econômicas em uma condição de risco e de possibilitou a comunicação no processo de acolhimento
possível tráŁco humano, e que foi, posteriormente sujeita a hospitalar e de denúncia do caso.
outras condições de exploração e de violência, em um tra- Por Łm, destaca-se o silêncio e invisibilidade desses
balho como cuidadora de uma senhora. casos e é preciso admitir que o viés de gênero ainda perma-
Em ambos os casos de M. e E., observa-se como a re- nece de fora das políticas de migração, bem como dos pro-
strição e supervisão da comunicação da mulher com amigos gramas de auxílio às pessoas que migram. Isso tem impacto
ou familiares operaram como uma perversa forma de silen- na identiŁcação dos casos de violência de gênero e de raça
ciamento da mulher migrante, cuja rede afetiva, tal como em diferentes contextos, assim como na qualidade do acol-
na maioria dos casos acompanhados pelo AMMAR, localiza- himento nos serviços especializados e voltados a tais casos -
se no país de origem. A restrição da liberdade de ir e vir tal como se conŁrma no caso de E., que por uma questão de
sem o(s) agressor(es) - ou seja, a condição de ser mantida em linguagem não pôde ter sua história escutada, assim como o
cativeiro -, identiŁcada nos dois casos, também opera como de M., cuja situação de migração e as violências que sofreu
uma forma de impossibilitar a mulher de ampliar sua rede pareciam incertas e deslocadas ao olhar das instituições
de apoio, reduzindo o universo de relações da mulher ao dos pelas quais teve passagem. Ademais, essa invisibilidade tam-
agressores, o que diŁculta ainda mais as possibilidades de bém repercute na forma com que se dá a articulação entre
denúncia e de saída das relações de violência, e potencializa serviços que trabalham com a população migrante e servi-
o sofrimento da mulher, que sente enfrentar tudo isso soz- ços que atendem à mulher, sendo que ambos os casos aqui

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

explanados, enfrentamos diŁculdades no acompanhamento esconde os sofrimentos por que passam muitas mulheres.
em rede das mulheres, uma vez que, por problemas de comu- A mulher migrante, com menor integração na sociedade,
nicação entre as mulheres, servidores e diferentes instâncias certas diŁculdades linguísticas e grandes desaŁos culturais
da rede, o acompanhamento efetivo do caso se tornou quase que lhe são inerentes, é vista menos ainda. Por isso é preciso
impraticável. iluminar esse ambiente sombrio, abrir as portas e janelas
Apontamos para a importância dessas considerações, desses locais perigosos, oferecer políticas públicas de en-
uma vez que um trabalho articulado, dentro do atual frentamento e acolhimento às mulheres vítimas de violên-
cenário pandêmico, torna-se ainda mais difícil. Ademais, é cia, para que a pandemia invisível passe a ser vista, lem-
preciso pensar também em formas de acesso a serviços que brada, evitada. E para que a dignidade de cada mulher seja
condigam com a realidade socioeconômica da população garantida.
aqui retratada, qual seja, a situação de extrema vulnerabi-
lidade, com limitações tecnológicas e uma reduzida rede
afetiva e de apoio. Assim, um passo anterior é rełetir sobre
a criação de políticas e serviços de proteção que ofereçam
atendimento especializado, que reconheça as particulari-
dades da diversidade política, cultural, étnica e religiosa da
mulher migrante. É o caminho para se evitar reprodução
de opressões por meio de concepções ocidentais e univer-
salizantes dos fenômenos, evitando ainda a manutenção da
estigmatização e exclusão social dessas mulheres.[72]
Em relação à perspectiva de trabalho, diante das
diŁculdades na regularização de documentos, reconheci-
mento dos estudos e aptidões prévias e revalidação de
diplomas nos países receptivos, a urgência pela obtenção
de renda abre possibilidades para a sujeição da mulher mi-
grante a empregos informais, em condições de exploração e
de precariedade[73]. Assim, a divisão internacional e sexual
do trabalho obriga as mulheres migrantes no novo país a
realizar tarefas domésticas e de cuidado, com toda a precar-
ização que lhe é inerente, caracterizado pela informalidade,
jornadas ininterruptas e praticamente sem chances de mo-
bilidade social.
São iniquidades inerentes à condição feminina em
sociedades desiguais e opressoras, e que se tornam ainda
maiores em tempos de pandemia e isolamento social. A
obrigação de se resguardar em casa, com portas fechadas,

76 77
PANDEMIA E MULHERES

ante a pandemia de Covid-19, feito pelo Fórum de segurança


pública, trazendo os apontamentos nacionais. E com isso,
MULHERES, RACISMO E PANDEMIA: será debatido que principalmente em momentos de crise, é
PERSPECTIVAS SOBRE DIREITOS HUMANOS a população negra que Łca cada vez mais vulnerável e sem
EM UM CONTEXTO DE CRISE acesso aos direitos básicos de sobrevivência, e que somente
com uma crítica ao neoliberalismo, e contributo no femin-
Elita Isabella Morais Dorvillé de Araújo[74]
ismo negro, podemos ampliar a visão deste problema.
Mariana Cândido dos Santos[75]
Mayara Alessandra dos Santos Barros[76] Com todas essas apreensões é possível perceber que
sob a pela da mulher negra podemos enxergar as diferen-
Este é um trabalho que mantém um compromisso em ças abissais do que é a aparência da formulação universal
apresentar uma perspectiva dos direitos humanos sobre ser dos direitos humanos, para com a realidade brasileira de
garantidor último ou não dos direitos e garantias mínimas tantas mulheres que enfrentam em tempos de crise de saúde
de existência às mulheres vítimas de violência de gênero e sanitária, a impossibilidade de terem o direito à saúde e
no Brasil, e as perspectivas adotadas neste artigo tem fun- ao isolamento social em segurança, efetivos, desde a realid-
damento na teoria Marxista do Direito, e principalmente no ade de ter que serem vítimas das piores atrocidades que o
contributo epistemológico anticolonial que delineia a for- sistema estruturalmente formado para além da aparência.
mação sócio-histórica do nosso País. Traz-nos também a compreensão de como essas realidades
Este artigo tem teve como objetivo apresentar no de exploração do emprego doméstico, violências policiais,
primeiro o que são direitos humanos do ponto de vista grau elevado de vitimação devido a infecção do novo coron-
universalizante e eurocêntrico, e contextualizá-lo a nossa avírus e, sobretudo feminicídio e violência doméstica, tem
realidade, trazendo que a ideia de que os Direitos Humanos um comum, ou seja, não são casos isolados, e sim são re-
não foram destinados a todos, se valendo da contribuição sultados de uma politica de morte destinado ao povo preto e
teórica de Marx, e seus desdobramentos, para assim, demon- pobre desse país.
strar uma perspectiva de Direitos Humanos fora dessa ideia
A CONTRADIÇÃO DO DISCURSO UNIVERSALI-
universal. Como um Direito Humano que não foi criado para
ZANTE DOS DIREITOS HUMANOS
nos proteger e garantir existência mínima, seria capaz de
A compreensão formal de que o arcabouço jurídico e
fazê-lo? E com isso, será apresentada a crítica sobre o ponto
as práticas legislativas motivadas pelos direitos humanos
de vista de uma epistemologia negra que tem como maior
estão para a completa proteção e garantias dos direitos à ex-
referência Lélia Gonzalez.
istência do ser humano, com seu caráter universal, discutido
Na segunda parte teve o objetivo apresentar os dados
em amplos documentos internacionais advindos de organ-
alarmantes de violência de violência contra mulher no
izações e instituições que se originaram por meio desse de-
Brasil e em Alagoas referentes ao período da pandemia
bate, com o marco histórico do Łm da segunda guerra mun-
em que se instaurou o isolamento social desde o mês de
dial, e implantação da dignidade da pessoa humana como
março/2020, cada vez mais crescente, em épocas de crise, se
princípio fundamental norteador de todas as relações de
valendo dos dados oŁciais fornecidos pela Secretaria de Seg-
sociabilidade[77], intermediadas pela estrutura jurídica, per-
urança Pública, e da Nota Técnica Violência doméstica dur-

78 79
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

manece presente, nos discursos gerais, de igualdade formal sente desde sua criação, tendo em vista que na sociedade
e de universalidade desses mesmos direitos[78]. Porém essa capitalista – (re) produtora de mercadorias – o direito é a
perspectiva há muito tempo, em diversas formas de ler os forma jurídica que dá garantias para que a produção possa
fenômenos concretos e materiais encontram diculdades na acontecer deixando os sujeitos que participam dessa relação
sua materialização efetiva, principalmente se aplicados às jurídica, em pé de igualdade[83], e todos aqueles que, con-
realidades do sul global. forme a acumulação originária do capital [84] estiveram fora
Diante disso, muitas são as correntes teóricas que dessa determinação histórica, não foram concebidos nessa
trazem uma interpretação sobre a justicação da não relação de igualdade substancial, sendo então, essa forma
aplicação efetiva desses institutos. O conteúdo do que se jurídica atravessada por contradições de concepção de
entende por direitos humanos norteou várias constituições quem é ou não é sujeito de direito (escravos, mendigos, mul-
contemporâneas, inclusive a brasileira, estando presente heres) nessas relações mercantis.
em todo o corpo constitucional, especialmente nas pri- Analisando essa interpretação para a concepção do
meiras disposições do texto [79], o estabelecimento do Estado que entendemos por América Latina, ou Améfrica Ladina
Democrático de Direito, que garante a cidadania, com o ob- como Lélia Gonzalez assim o produziu no campo epis-
jetivo de erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir temológico anti-colonial [85], nos traz uma interpretação que
as desigualdades sociais e regionais, repúdio ao racismo, e essa forma jurídica, juntamente com o conceito de capital-
consagra os direitos e garantias fundamentais do art. 5º, es- ismo dependente[86], nos atravessam de uma maneira muito
pecialmente[80]. peculiar, devido a forma com que fomos colonizados e de
Mas o que temos enquanto materialização desses como estamos localizados no mundo. A formação social
mesmos direitos consagrados, é fruto de muita luta do brasileira é caracterizada por nunca ter passado por uma
povo brasileiro, que nos suspiros democráticos no Brasil, revolução burguesa, importando um modo de produção que
usufruíram dos maiores avanços sociais[81] demonstrando custou a vida e sangue do povo preto e indígena, convivemos
que o discurso universalizante dos direitos humanos é dot- com a escravidão dos povos pretos vindo de África, por cerca
ado de múltiplas contradições, que carecem de uma leitura de 300 anos, e as concentração de latifúndio posta nos mais
para além da aparência, sendo esse fenômeno resultado de abrangentes lotes de terra nunca passaram por uma reforma
uma estrutura capitalista de ordem neoliberal, que carrega agrária, e tivemos uma mescla em nossa formação com liber-
“historicamente, a capacidade ocidental para transformar alismo, monarquia e positivismo. Com isso, com um capital-
a proteção dos direitos formais em uma garantia limitada ismo atravessado por uma estrutura racista que capturou e
de direitos materiais, econômicos e sociais foi baseada em vendeu o povo africano como não humano, e uma estrutura
enormes transferências de valor das colônias para a metró- sexista e patriarcal que estuprou as mulheres para o cumpri-
pole.[82] E com isso sobre o controle dos estados ociden- mento da maternagem obrigatória, depois implantou-se
tais, essencialmente os direitos humanos perderam seu ver- uma politica higienista e eugenista na sociedade brasileira.
dadeiro objetivo e tornaram-se a versão mais recente da Essas são as veias abertas da sociedade brasileira[87] que se
missão civilizatória. apresenta em uma totalidade complexa entre classe, raça
E pela crítica marxista, não houve a perca do seu e gênero, que explora e coloca na subalternidade todo
verdadeiro sentido, mas essa natureza sempre esteve pre- corpo negro e indígena, a serviço do enriquecimento e ma-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

nutenção do status quo de alguns poucos. Eis a questão: dinâmicas para entender, em especial, que o aumento dos
como garantir uma proteção plena para um povo se valendo índices de violência contra as mulheres no atual contexto
de um pensar jurídico que nunca colocou esses indivíduos brasileiro não deve ser percebido de forma mecânica. Assim,
no complexo de proteção e garantia de existência? Como en- seria mais correto dizer que a pandemia da Covid-19 no
tender os direitos humanos por sua característica universal, Brasil não apenas evidencia a profundidade das estruturas
se a sociedade brasileira, em sua maioria se concentra sendo de desigualdade social do capitalismo periférico brasileiro,
negra, pobre e mulher? como também demonstra que o patriarcado e o racismo,
Por isso o despreparo é apenas aparente, porque o Es- diga-se de passagem, também estrutural, e que molda, desde
tado brasileiro encontra-se completamente alinhado com a muito, a formação do Estado brasileiro, continua sendo um
perspectiva de esvaziamento neoliberal, não à toa, torna- componente bastante importante na perpetuação das mais
se central nos marcos das violações de direitos humanos, diversas dinâmicas da violência de gênero no país.
se valendo desse entendimento como busca de garantias de Portanto, é necessário pontuar que a pandemia no
direitos e seu uso tático, e não como o m das lutas por atual cenário brasileiro acentua ou intensica um processo
emancipação, e potencializa a violência contra as mulheres, que, anteriormente, já se apresentava grave e bastante com-
isso porque “a centralidade do Estado nos marcos da guerra plexo. Assim, pode-se dizer também que, além da necessi-
deriva do fato de que o Estado é o modelo de unidade dade de trazer dados sobre a atual conjuntura brasileira no
política, um princípio de organização racional, a personi- que concerne a violência contra as mulheres, conjuntura
cação da ideia universal e um símbolo da moralidade” [88]. essa que, longe de trazer problemas novos, expõe feridas
Trata-se, portanto, de compreender que atualmente, no ano antigas, não cicatrizadas e prescinde da necessidade de uma
de 2020, a complexidade da conjuntura da pandemia no discussão crítica sobre direitos humanos, sua construção
Brasil, instaurada pelo novo coronavírus, não é apartada de assim como a percepção de que as promessas neoliberais
sua realidade histórica, uma simples causa consequência, de prosperidade que esvaziam o Estado e o colocam não só
uma ideia dedutiva. É nessa realidade que a violência sexista como um Estado vazio de políticas públicas direcionadas
e racista exercida contra as mulheres encontra-se assentada. as mulheres e aos setores mais oprimidos e, consequente-
O pensamento antirracista e feminista aqui descrito quer, mente, vitimados pela Covid-19, como reforçam o lugar de
portanto, evidenciar essa realidade. Estado violador de Direitos Humanos, reforçando, nas pala-
vras de Marielle Franco, um “modelo de Estado penal, abso-
VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER E A PANDEMIA
lutamente integrado ao projeto neoliberal”[89].
A situação imposta pela pandemia da Covid-19 no
O olhar para com as demandas das mulheres, port-
mundo, mas particularmente no Brasil, vem expondo com
anto, requer uma atenção para com uma perspectiva crítica
mais intensidade a combinação, historicamente perigosa e
tanto no que se refere a uma política de discussão sobre dir-
particularmente explosiva, de crise econômica, política e
eitos humanos quanto à necessidade de observar as diversas
social que coloca as mulheres, assim como os setores opri-
nuances das teorias feministas, isso porque, centralizar a
midos no geral, em situação de vulnerabilidade social.
crítica a construção histórica dos direitos humanos, eviden-
Nesse sentido, é preciso um olhar crítico para o atual
cia, em última instância, como esclarece Achille Mbembe ao
momento na perspectiva de compreender suas nuances e
abordar o racismo e a negação da humanidade ao negro/a,

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

uma ideia de assimilação e de sujeição histórica, pois encon- em tempos de pandemia e isolamento social, estabelecer
tra-se pautada em uma experiência de mundo supostamente um compromisso com a diversidade para contextualizar a
universal, ou seja, fundada numa semelhança essencial entre violência de gênero e seus índices atuais para desmiticar
os seres humanos[90]. uma relação de causa-consequência que, além de mecânica
No entanto, aponta Mbembe, essa condição de hu- e acrítica, não permite perceber essa realidade a partir das
manidade nunca foi de fato considerada em sua totalidade lentes de quem de fato é vítima dela. Nesse sentido, a crítica
porque, embora a construção desses direitos, desde uma per- feminista e antirracista preocupa-se com a construção de
spectiva iluminista e liberal fossem universais, a condição uma ênfase no discurso sobre diversidade, fundamental para
de humanidade nunca foi universal, mas sempre consider- a compreensão não só do que ocorre no Brasil, mas para
ada em termos genéricos, isso porque, a cristalização de qualquer debate que paute a defesa das mulheres e, conse-
uma ideologia racista na construção desses direitos sempre quentemente, dos direitos humanos.
deixou evidente que “a raça é, ao mesmo tempo, ideologia e Assim, ca evidente que o contexto atual de violações
tecnologia de governo”[91] (MBEMBE, 2018, p. 75).  de direitos humanos, em especial, da violência direcionada
A pandemia da Covid-19, portanto, expõe com mais as mulheres durante a pandemia não é simplesmente revela-
força a necropolítica do Estado brasileiro sobre as mulheres, dora, apenas expõe a profundidade das desigualdades sociais
isso porque, o aparente despreparo para o enfrentamento da no Brasil e, aqui se utilizando do pensamento de feminismo
crise sanitária e, em última instância crise política e social negro de Sueli Carneiro, se faz na verdade vericar o que, de
sem precendentes, torna esse despreparo apenas aparente, fato prevalece, “é uma concepção de direito humanos de que
pois é o próprio Estado, no atual contexto, o que nega dire- certos humanos na realidade são mais humanos ou menos
itos, perpetua violências institucionais e viola direitos hu- humanos do que outros e que como consequência, diz Sueli
manos, direitos esses, classicados historicamente nos mar- Carneiro, leva à naturalização das desigualdades de direi-
cos da universalidade. tos”[92].
Essa integração do Estado a um projeto, em última in- Sendo assim, Carneiro considera que a condição
stância, de morte e, portanto, genocida, no que diz respeito de desigualdades sociais imposta no Brasil não poderia
à pandemia é também o responsável por jogar as mulheres coadunar com a condição de universalidade de direitos hu-
na direção de seus agressores e, em última instância, na dir- manos que historicamente foi negada aos setores oprimi-
eção do feminicídio. Um feminicídio, diga-se de passagem, dos, aqui em consideração pela feminista negra, de negros e
que precisa ser observado também a partir de uma perspec- negras. Reconhecer a centralidade da discussão antirracista
tiva política e institucional, pois a falta de planejamento, o aqui não está, portanto, apartada das condições de violên-
descontrole generalizado nas políticas de saúde pública, a cia de gênero, e menos ainda é secundária, já que pelo menos
negação cientíca que desagua na total falta de controle da 61% das vítimas de feminicídio no Brasil entre o ano de
pandemia da Covid-19 no Brasil não é um apêndice nas anál- 2017 e 2018 eram negras[93], some-se a isso ao fato que, entre
ises, mas o completo alinhamento ao projeto que, no que 2007 e 2017 a taxa de morte de mulheres negras cresceu, em
concernem as mulheres brasileiras, a um feminicídio de Es- média, 29,9% [94]. São também as mulheres negras as que mais
tado. sofrem com a violência sexual, 51% das vítimas de estupro
A postura feminista e antirracista aqui delineada quer, entre o ano de 2017 e 2018 eram mulheres negras[95].

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Expor o racismo estrutural na presente análise é ir de de Lélia Gonzalez, que a aŁrmação de somos todos iguais
encontro à diversidade, a desconstrução da universalidade perante a lei não passa de mero formalismo, que o racismo
e seu ideal profundamente comprometido com a ideolo- latino-americano do capitalismo periférico é muito soŁsti-
gia racista e evidencia os equívocos analíticos de políticas cado para manter negros e indígenas na condição de sub-
públicas construídas sob essa ideologia que tomam a mu- ordinação no interior das classes mais exploradas[99].
lher de modo universal [96]. A interseccionalidade, portanto, Durante a pandemia ocorreu uma evolução da violên-
ajuda nas elaborações de uma análise comprometida em cia letal direcionada as mulheres, a violência feminicida.
se afastar completamente de um ideal universal de mulher Sobre esse tipo especíŁco de violência importa pontuar que
por ser uma ferramenta analítica de combate aos discursos a situação anterior ao contexto atual de isolamento social
homogêneos, uma perspectiva que nasce com o feminismo não foi tranquila em nenhum momento, basta lembrar o
negro, não à toa, diz Carla Akotirene que “é da mulher negra o lugar ocupado pelo Brasil no mundo, como o 5º país com os
coração do conceito de interseccionalidade” [97]. maiores índices de mortes femininas segundo a OMS (Organ-
É a perspectiva interseccional que permite vericar ização Mundial da Saúde).
que, no que diz respeito a violência de gênero, as mulheres A evolução dos números de feminicídios no Brasil é
negras serão as que estarão mais expostas e é o que aponta um fenômeno, diga-se de passagem, também político, que
os índices, embora historicamente o racismo não tenha sido há muito vem se intensiŁcando no último período, inclusive
o centro das análises no Brasil quando se refere a violência mesmo depois da Lei Maria da Penha, na pandemia, a violên-
doméstica, isso porque, teoricamente, as teorias feministas cia contras as mulheres se intensiŁca porque essas mulheres
padecem do mesmo problema: a uniformidade ou univer- estão em uma proximidade ainda maior com parceiros ínti-
salidade do que seria ser mulher nas sociedades, esse padrão mos que cotidianamente são os responsáveis pelos diversos
eurocentrado de análise pode ser um fator para uma anál- tipos de violência, a violência letal, só nos meses de março
ise mecânica das complexidades que envolvem o aprofunda- e abril de 2020 crescei 22,2%, com um total de 143 (cento
mento da miserabilidade e desigualdades sociais em tempos e quarente e três) mulheres mortas (colocar as unidades da
de pandemia de COVID-19 no Brasil. federação das pesquisas)[100].
Sobre isso, é importante ressaltar que há tempos o No estado de Alagoas o aumento dos casos de violên-
feminismo negro aponta essa enorme lacuna nas produções cia doméstica e feminicidio preocupam muito as institu-
teóricas feministas, especialmente no Brasil. Essa padron- ições e toda a sociedade, a realidade de isolamento so-
ização do que seria ser mulher, assim como o esqueci- cial tem intensiŁcado o aumento de denúncias com isso
mento teórico do lugar do racismo na vida das mulheres o tribunal de justiça recomendou por pedido da comissão
no feminismo brasileiro, que Lélia Gonzalez já chamava de de direitos humanos da OAB/AL que os juízes prorroguem
racismo por omissão, Lélia aponta que suas raízes estão as- as medidas protetivas de urgência para as mulheres em
sentadas “em uma visão de mundo eurocêntrica e neocolo- situação de violência doméstica[101]. A patrulha Maria da
nialista da realidade” vivenciada pelas mulheres latinas, ou Penha registrou um aumento de 425% no número de prisões
melhor, amefricanas[98]. A pandemia apresenta como é abis- envolvendo violência doméstica somente nos cinco pri-
sal a realidade vivenciada e experienciada pelas mulheres meiros meses deste ano [102]
no Brasil, de forma brutal ela escancara que, nas palavras Com a pandemia e o isolamento social com parceiros

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

violentos, as mulheres tem ainda mais diŁculdade de regis-


CONCLUSÃO
trar uma denúncia, a consequência é a redução signiŁcativa
Diante de todo o exposto foi possível perceber a ne-
dos registros de crimes em delegacias de polícia[103]. No ent-
cessidade de se valer de um Direito tático para a garantia
anto, mesmo em um contexto de diminuição signiŁcativa
da existência dos menos favorecidos nessa sociedade div-
dos registros de crimes nas delegacias e polícia, há um evi-
ida por desigualdades baseadas na Raça, Classe e Gênero. É
dente crescimento dos chamados para a polícia militar no
possível perceber que nossa estrutura de estado, principal-
disque 190 para casos de violência doméstica, assim como
mente do racismo, nos impedem de ter uma discussão que
o aumento de mais denúncias através do ligue 180, apenas
seja critica do ponto de vista de ir para além da aparência dos
no mês de abril, segundo o Fórum de segurança pública, o
fenômenos.
crescimento foi de 376% no mesmo período em que todos
Com isso, esse artigo se propôs a discutir a essência do
os estado adotaram as medidas mais rígidas de isolamento
discurso protetor dos direitos humanos, e como ele é facil-
social [104].
mente descontruído quando posto em cheque sobre as es-
Nesse sentido, é incorreto considerar que a violên-
truturas que formam a sociedade brasileira, principalmente
cia letal direcionada as mulheres aumenta por causa da
em momento de crise.
pandemia. Sobre isso, já foi descrito aqui, é incorreto fazer
Se é verdade que variados conteúdos de direitos
um simples apontamento de causa-consequência como se
subjetivos vão se construindo e se aŁrmando na história
a situação anterior fosse qualitativamente melhor. Abrir
moderna e contemporânea, muitos deles contra a vontade
essa discussão pode, de início, parecer evidente, no entanto
imediata da burguesia, é também verdade que a forma
a atual conjuntura permite considerar outros elementos,
político-jurídica pela qual se briga e na qual essas conquis-
que também são violências silenciosas e estruturais, já que
tas são concretizadas é uma forma necessariamente correl-
compõem um importante debate sobre a lógica da produção
ata do capitalismo, e por isso nossa luta não pode ter como
e reprodução social do trabalho feminino na sociedade cap-
objetivo Łnal a plena efetivação dos direitos, pois isso, é
italista.
uma contradição posta pelo sistema, mas sim, uma ruptura
Isso ocorre porque, o aprofundamento da crise
que busca a emancipação para que todos possamos longe das
política, social e da própria democracia, intensiŁcada pela
amarras do cisheteropatriarcado [105] e do capitalismo.
crise sanitária mundial, escancara a violência da sobre-
Neste momento de pandemia podemos ver com que
carga de trabalho doméstico absolutamente essencial em
as ações de estado e governamentais não estão para a pro-
sociedades patriarcais, a responsabilidade feminina pela
teção das mulheres negras, mas sim para a manutenção do
manutenção dos espaços privados, ou seja, doméstico, com
status quo, e determinação de fraturas abissais das desigual-
os cuidados com os Łlhos e com a manutenção da estru-
dades de gênero, e raça no Brasil, e em Alagoas.
tura familiar. Essas violências, cotidianas e históricas, gan-
ham ainda mais destaques evidenciando, mesmo com todas
as conquistas feministas no último período, o contraste
enorme entre os espaços privados e públicos para as mul-
heres.

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PANDEMIA E MULHERES

pandemia trouxeram diŁculdades para a reorganização so-


cial de diversas pessoas. Neste sentido, alguns problemas an-
PANDEMIA, A MULHER E SEU tigos foram agravados pelas mazelas do isolamento social e
DUPLO ISOLAMENTO do convívio diário com gatilhos desses problemas.
Este estudo tem como objetivo, à luz dos estudos de
Kristianne Veloso[106]
gênero, da violência e das relações de trabalho, analisar a jor-
Elton Dias Xavier [107]
nada das mulheres em meio à pandemia, com vistas a dem-
Escrever sobre um fenômeno enquanto ele se desenca- onstrar a ocorrência e o agravamento de algumas antigas
deia talvez não seja tão difícil quando somos observadores e persistentes questões que atingem a mulher no espaço
externos a este mesmo fenômeno. Entretanto, quando es- público e privado.
tamos imersos profundamente e vivendo-o intensamente, Uma das questões que demonstra a maior vulnerabili-
essa realidade percebida se altera radicalmente. dade das mulheres numa crise dessa dimensão é a violência
A crise multifactual e multiconsequencial do novo doméstica. Este quadro se agrava pelo convívio com o agres-
coronavírus afeta a todos, é fato. No entanto, podemos sor, ampliado e forçado pelo isolamento na pandemia. Os
perguntar, juntamente com Zizek [108], se com esse “todos”, espaços de acolhimento e os mecanismos de proteção, tais
queremos dizer todos, mesmo? Quase sempre a resposta é como os serviços especializados de atendimento à mulher,
negativa, sempre há exclusões no “todos”. A estraticação estão todos sujeitos a conłitos agravados pela forma célere
social, os recortes de classe, raça e, sobretudo, de gênero per- a que foram submetidos à mudança sem um planejamento
meiam e determinam essa exclusão do “todos”. prévio, devido às alterações sofridas nas instituições diante
Nossa intenção é demonstrar como o recorte de gên- da pandemia.
ero, sem desconsiderar os demais elementos interseccion- A interação referente às novas estruturas das relações
ais, marca um aprofundamento nas condições de degradação da mulher em sua vida pública e privada é um dilema an-
social e pessoal das mulheres decorrente da crise gerada pela tigo com uma nova roupagem. Neste sentido, este estudo
pandemia, em especial, pelo isolamento social. relaciona mulher e trabalho no Brasil e aponta para o recon-
Nesta esteira, os sentidos do isolamento ganham hecimento acerca da responsabilidade das mulheres pela
novos contornos marcados pelas desigualdades de gênero renda das famílias brasileiras, cuja logística de cuidado e
preexistentes e persistentes nas sociedades patriarcais cap- organização mudou com o advento no isolamento social.
italistas, em relevo, destacamos a brasileira. Nesse sentido é Isto posto, colocamos em evidência a informalidade do tra-
que argumentamos que as mulheres sofrem um duplo isola- balho feminino que representa um fator importante na dis-
mento, primeiro aquele ao qual todos estão submetidos; de- tribuição da renda familiar. Com a pandemia, a condição
pois, o isolamento proveniente da sua condição de mulher, da mulher trabalhadora informal agravou-se, haja vista que,
marcadamente como objeto da recusa à igualdade e da sub- isolada, ela tem mais diŁculdade em oferecer e vender os
missão insubmissa que afetam, de forma especial, à mulher frutos de seu trabalho.
por sua própria condição e gênero. Os impactos da pandemia acentuam, pau-
As alterações na rotina das pessoas em meio à latinamente, as relações da dupla ou até mesmo tripla
jornada de trabalho feminina. Na periferia, o efeito da

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

pandemia pode ser visto com clareza no acesso aos direitos privado. Para compreender tal questão, uma análise da his-
básicos como a moradia, a segurança alimentar, aquisição de tória é fundamental. Notadamente, os homens possuíam o
gêneros de primeira necessidade, entre outros. A partir dessa papel político de tratar a respeito da vida pública, enquanto
perspectiva, podemos observar como o enfrentamento à as mulheres possuíam o papel de cuidar do lar e dos afazeres
pandemia fez com que a luta e os debates das mulheres – que domésticos, fato que se perpetua até os dias atuais.
reivindicam igualdade, cidadania e a concretização de seus Os movimentos feministas emergentes no século XX
direitos individuais - cedessem seu lugar de centralidade Łzeram com que as mulheres também alcançassem o campo
ao diálogo acerca de direitos fundamentais para garantia da da produção, o que levou a um caminho longo acerca da
dignidade em meio à quarentena. extinção dos afazeres entre público e privado. Deste modo,
São inúmeros os desaos que as mulheres enfrentam, começou-se a falar em uma nova divisão sexual do tra-
pensar num espaço democrático que busque diminuir as balho [109], pensando assim, em sua hierarquização. Isso pode
desigualdades sociais enfrentadas pelas mulheres circula ser notado ao veriŁcarmos que muitas tarefas que são real-
por todos esses desaos. Aspectos políticos devem ser obser- izadas gratuitamente pelas mulheres também poderiam ser
vados ao pensar no desenvolvimento do país e ao pesar os as- formalmente caracterizadas como trabalho.
pectos da luta feminista nos últimos anos. Com o advento do isolamento social advindo da
Considerando as ameaças feitas pelo governo Bolson- pandemia do COVID-19, assuntos como o trabalho domé-
aro às conquistas das mulheres, no campo da saúde, do tra- stico, o cuidado com os Łlhos que tiveram suas escolas fe-
balho e da educação, compreendemos esta crise como um chadas, o trabalho em home oŃce para aquelas que puderam
fenômeno com diferentes ângulos de visão que ameaça dir- e a continuação do trabalho fora de casa para as mulheres
etamente a democracia e a proteção das políticas públicas empregadas em setores impossibilitados de fazer o isola-
relacionadas a emancipação social, econômica e cultural mento social pontuam a atual divisão sexual do trabalho.
feminina. De outro lado, as relações de desemprego e a realidade
O preconceito, a discriminação e a dominação mas- da distribuição de renda, atingem mais diretamente as mul-
culina acentuaram-se durante a pandemia. O isolamento heres no âmbito familiar e doméstico. Neste sentido, Miguel
anteriormente vivido pelas mulheres marcado por sua con- e Biroli (2014)[110] rełetem e apontam questões especíŁcas
dição subalterna de gênero na esfera social consolidou a sua com relação a justiça e a família, como objetos da vida priv-
segregação enquanto sujeito político. A pandemia as expôs, ada, uma vez que as desigualdades de gênero e de classe são
concretamente, a um risco que sempre esteve no horizonte socialmente reproduzidas nesta esfera, impactando nas for-
diante delas: o seu duplo isolamento. mas de racialização e feminização da pobreza.
A MULHER, DO ESPAÇO PRIVADO AO ESPAÇO ISO- Miguel e Biroli (2014)[111] entendem, ainda, que o cuid-
LADO ado, seja ele com crianças, idosos ou pessoas com deŁciên-
A divisão que era feita entre o espaço público e cia, é um assunto bastante complexo que indica a diŁcul-
privado com relação aos afazeres masculinos e femininos dade de correlacionar os aspectos da vida privada que não
repercutiu na organização social moderna, deste modo, possuem um valor monetário.
o conceito de divisão sexual do trabalho estabelece um Com isso, as diŁculdades das mulheres são acentuadas
parâmetro importante na perspectiva da mulher no espaço na pandemia pelo fato de já estarem inseridas num sis-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

tema acentuadamente desigual. Assim, tornam-se mais vul- quizadas e ocasionam a violência de gênero.
neráveis às desordens movidas pela pandemia para às quais Outro assunto relevante, está relacionado à situação
a sociedade não se encontrava preparada. Esta miríade prob- das habitações de mulheres brasileiras, que quando re-
lemática se desenvolveu e acentuou demandas e desigual- lacionadas à ideia de classe e de raça, representam espaços
dades preexistentes em relação à vida da mulher. incompatíveis com a concepção de isolamento social.
Outro problema que assola as mulheres em condição Estando entre as principais responsáveis Łnanceira-
de isolamento é a violência doméstica que aumentou sig- mente pelas famílias, as mulheres que moram em lugares
niŁcativamente em meio à pandemia, reforçando as teorias cuja situação é carente de recursos básicos que deveriam
relacionadas à dominação masculina, à desigualdade de gên- ser garantidos pelo direito à moradia são negligenciadas,
ero e ao preconceito vivido por elas. Dessa forma, é possível acarretando problemas sociais, de organização familiar,
perceber, nos dados abaixo, a necessidade de proteção da econômicos e de condições básicas que não são aten-
vida das mulheres em diversos âmbitos. didas. Desta maneira, a mulher torna-se vítima da violência
estatal.
Segundo a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos
(ONDH), do Ministério da Mulher, da Família e dos A MULHER, DO ESPAÇO PÚBLICO AO ESPAÇO SEM
Direitos Humanos (MMFDH), a média diária entre os
dias 1 e 16 de março foi de 3.045 ligações recebidas e PÚBLICO
829 denúncias registradas, contra 3.303 ligações rece- A divisão sexual do trabalho tem seus efeitos também
bidas e 978 denúncias registradas entre 17 e 25 deste na esfera pública no que diz respeito à vida das mulheres. A
mês.[112] hierarquia da divisão das tarefas faz com que mulheres gan-
A violência está caracterizada por questões sociais, hem menos do que os homens. De acordo com pesquisa feita
econômicas, históricas, psicológicas e possui uma relação pelo Instituto Brasileiro de GeograŁa e Estatística (IBGE)[115],
intima com esses fatores que ocasionam diversas espécies conforme a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
de violência, dentre elas a violência familiar que é o ob- Contínua (PNAD Contínua) as mulheres brasileiras ainda
jeto dessa abordagem. Motivos como o sentimento de posse ganham 20,5% menos que os homens de acordo com os
e controle sobre as companheiras são agravados no isola- dados de 2019.
mento social que força o convívio, intensiŁca a ansiedade e, As relações laborais dizem respeito às muitas con-
por essa razão, aprofunda a violência. quistas que as mulheres alcançaram, no entanto, as relações
Sendo uma forma de dominação, a violência possui de sujeição feminina no capitalismo fazem com que essas
aspectos anteriores a sua manifestação, como as relações de conquistas não sejam plenas.
poder e submissão, ocasionadas pelas fortes relações patri- A predominância das mulheres no trabalho informal
arcais outrora abordadas por Bourdieu (2010)[113] como a rełete uma situação alarmante principalmente com o ad-
visão androcêntrica vista como neutra que se sobrepõe a vento da pandemia. A precariedade e a falta de regula-
todas as outras formas de organização social. mentação desse tipo de trabalho as colocam à margem dos
Conforme Karam (2016)[114], esse conjunto se constitui direitos trabalhistas.
em manifestações de discriminação que revelam os resquí- De acordo com Itikawa (2016)[116],
cios da ideologia patriarcal, demonstram relações hierar-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

as desigualdades de gênero nas políticas, processos, me-


A informalidade é considerada, para instituições
didas e procedimentos de enfrentamento à pandemia. Neste
como o Banco Mundial e o Fundo Monetário Inter-
nacional (FMI), adequada ao discurso de amorteci- sentido, vale destacar que as abordagens de gênero deveriam
mento em tempos de crise econômica. É vista como ser consideradas prioritárias na elaboração dessas políticas,
adaptável ao regime exível, natural às mulheres, haja vista a centralidade da igualdade de gênero para o
ao conjugar trabalho produtivo e reprodutivo. Con-
desenvolvimento da sociedade.
tudo, na prática, a exibilidade, especicamente nas
ocupações femininas, é mais uma outra camada de Um estudo realizado pela ONU Mulheres acerca do
subordinação e superacumulação. gênero e COVID-19 na América Latina e no caribe dem-
onstrou que os impactos da pandemia são diferentes para
A ideologia do empreendedorismo mostrou mais
homens e mulheres, os motivos perpassam o trabalho
ainda seu lado negativo na vida das mulheres durante
não remunerado, a redução das atividades econômicas e a
a pandemia. A falta de direitos representou a desestabil-
violência contra a mulher. Neste sentido, esse estudo propõe
ização de diversas famílias. Não ter seus direitos assegurados
a rełexão das dinâmicas de gênero na busca das soluções e do
deixou de garantir saídas para manutenção e estabilização
aprimoramento do enfrentamento à pandemia, coloca em
da renda durante a crise. Uma crise que afetou diversos as-
questão as seguintes recomendações:
pectos, sobretudo os econômicos e sociais.
O desemprego é outro item preocupante em meio a 1. Garantir a disponibilidade de dados desagregados
ocupação das mulheres durante a pandemia, as mulheres por sexo e análise de gênero, incluindo taxas difer-
enciadas de infecção, impactos diferenciados da carga
representam 53,4% dos desempregados de acordo com os econômica e de assistência, barreiras de acesso das
dados levantados pelo IBGE no 1º trimestre de 2020 na mulheres e incidência de violência doméstica e sexual.
PNAD Contínua[117]. 2. Garantir a dimensão de gênero na resposta requer
A inserção da mulher no espaço público foi um direito a alocação de recursos suŁcientes para responder às
necessidades de mulheres e meninas. A resposta deve
conquistado por meio de incansáveis lutas pela igualdade de considerar de maneira diferenciada as necessidades
direitos. A inclusão das mulheres no plano político deu-se e capacidades de mulheres, homens, meninas e men-
recentemente e encontra obstáculos frequentes. inos e garantir que todas as pessoas afetadas se
O agravamento da desigualdade de gênero em meio beneŁciem da assistência. 3. Envolver as mulheres em
todas as fases da resposta e nas tomadas de decisão
à pandemia tornou-se um debate importante, uma vez que nacionais e locais, especialmente grupos de mulheres
as mulheres são a maioria entre o grupo de mais alto con- que estão recebendo o maior impacto das crises, como
tágio pelo novo coronavírus. São 65% de mais de seis as trabalhadoras do setor de saúde, domésticas e
milhões de proŁssionais dos setores público e privado e trabalhadoras do setor informal, assim como as mi-
grantes e refugiadas. 4. Garantir que as necessidades
em algumas carreiras representam quase que a totalidade imediatas das mulheres que trabalham no setor da
dos empregados.[118] Mesmo estando entre a maioria dos saúde sejam atendidas. Melhorar o acesso das pro-
proŁssionais empregados na linha de frente do combate à Łssionais de saúde a informações, equipamentos de
COVID-19, as mulheres não são a maioria nas tomadas de de- proteção individual e produtos de higiene menstrual
e promover modalidades łexíveis de trabalho. 5. Pro-
cisão. Os governantes, em sua maioria, são homens, brancos, mover consultas diretas com organizações de mulheres
heteronornativos que, na maioria das vezes, desconsideram sobre a situação das mulheres, em particular suas ne-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

cessidades e as medidas apropriadas para enfrentar de autoritarismo e fascismo. É o momento de repens-


a pandemia, garantindo que suas opiniões, interesses, armos a reorganização da sociedade em nível global,
contribuições e propostas sejam incorporadas à res- desde a escala local, do bairro, até nossos territórios
posta.[119] e o mundo todo. Devemos ser capazes de imaginar
Isto posto, podemos perceber o quão importante é e repensar, garantindo que, nesta fase traumática e
desesperadora, não se perca tal imaginação radical.
pensar em uma abordagem de gênero para lidar com os ef-
eitos da pandemia, rełetir os impactos sociais e econômico Os sintomas do sistema capitalista e da organização
e pensar na vida e na saúde das mulheres. neoliberal foram sentidos mundialmente no enfrentam-
ento da pandemia. Mesmo países com altos IDH (índice
GÊNERO E DEMOCRACIA NO BRASIL PANDÊMICO
que desenvolvimento humano) sofreram profundamente
A conjectura da democracia no Brasil e as suas raízes
com o esgarçamento dos seus sistemas de saúde pública,
neoliberais demonstram um aspecto bastante negativo com
para aqueles que ainda tinham sistemas públicos. Outros,
relação à pandemia e às diŁculdades impostas nesse modelo
tiveram que terceirizar com hospitais e clínicas particulares
de organização do estado. As características universalistas
os cuidados de tratamento e internação de pacientes com
do neoliberalismo agravam as desigualdades de gênero.
acometimentos agudos da COVID-19. Todos escancararam
Este fato pode ser vislumbrado na desproporcional repre-
as mazelas provenientes da desigualdade social reinante nas
sentação política uma vez que as mulheres são maioria no
políticas neoliberais. Além disso, muitos encontraram es-
eleitorado brasileiro, mas não representam a maioria nos
tados cujas instituições que decidem quem vive ou morre
cargos políticos. Os arranjos que seriam necessários para de-
relegam os anseios populares ao grau zero. No Brasil, muitos
sequilibrar essa ordem sexual que organiza a sociedade são
já falam em genocídio, tamanho o descaso do governo no en-
impedidos pela democracia liberal.[120] Existe um viés sex-
frentamento da crise.
ista na base da estrutura democrática brasileira.
Desta forma, uma análise mais detida da fase vivida
Essa desigualdade é sobressaltada na pandemia ao
pelo Brasil durante o governo Bolsonaro, releva a inuência
veriŁcarmos os desastres ocasionados pelo sistema capital-
do sistema capitalista, do neoliberalismo radicalizado e de
ista. Este mesmo sistema opta por sacriŁcar vidas em nome
um governo despreparado como fator de agravamento da
do lucro, desta maneira, fez com que a crise generalizada
violência sofrida pelas mulheres em todas as esferas. Apon-
vivenciada com a pandemia fosse agravada pelo desmazelo
tamos o governo Bolsonaro como um empecilho não só à
com que são tratadas as necessidades coletivas. Esse sis-
emancipação feminina como também ao respeito aos direi-
tema, que foi posto à prova durante esta crise, desestabili-
tos fundamentais das mulheres durante a pandemia.
zou-se ainda mais. Nesse aspecto, a reivindicação por uma
Ao falar-se numa proposta de uma política de ajuste
reinvenção de uma democracia e de um sistema econômico
scal para o enfrentamento da crise, percebemos, por meio
que estejam realmente voltados aos anseios coletivos e não
de todas as questões relativas ao trabalho feminino, que as
somente aos sujeitos dominantes estabelecidos no poder.
mulheres são as mais afetadas pelos cortes de investimentos
Cindy Wiesner (2020, p.19)[121] expressa a respeito
e pelas políticas de austeridade.
dessa questão:
Além disso, seguem ações ligadas aos anseios das
Sinto que agora temos a chance de quebrar o neoliber- camadas autoritárias que se aproveitam da crise para em-
alismo global; caso contrário, encararemos um futuro

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

purrar políticas antidemocráticas, antipopulares, “fazendo corre todas as esferas sociais, o preconceito e a misoginia são
passar uma boiada enquanto todos estão distraídos com a vivenciados tanto dentro de casa, local de isolamento, que
pandemia”. O próprio presidente, utilizando-se de um dis- deveria estar destinado à sua segurança pessoal, quanto nos
curso patriarcal e autoritário, incentiva o descumprimento espaços públicos, sobretudo, pelas violências causadas pelo
das medidas de proteção e assistência social, nega as con- estado e pelas estruturas sociais.
clusões mais elementares da ciência e desconsidera os A tragédia do coronavírus pode marcar uma dupla
estudos que reivindicam políticas especícas de proteção às negação como efeito dialético da sua própria existência,
mulheres. de um lado revelar, de forma indelével, as contradições da
Urge destacarmos a necessidade de reinvenção da sociedade capitalista patriarcal, de outro, apontar, no seu
política e da democracia como projeto para o enfrentam- ocaso, a liberação das mulheres de seu duplo isolamento so-
ento da violência contra as mulheres em todas as esferas cial dentro desta mesma sociedade pandêmica.
sociais, seja ela em sua vida pública ou privada. Compreen-
demos que as violações de direitos fundamentais das mul-
heres merecem uma análise muito mais profunda e urgente.
É oportuno que perpasse a emancipação enquanto um ponto
de partida para o estudo de políticas públicas e sociais que
vislumbrem saídas para a crise vivenciada pelas mulheres
brasileiras agravada pelo seu duplo isolamento pandêmico.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
Pensar gênero e a pandemia é um desao que deve ser
encarado com urgência, nos aspectos que abordamos neste
texto, buscamos explicitar uma análise imediata dos pre-
conceitos vivenciados pelas mulheres e, num espectro mais
amplo, no âmago das relações de poder e das estruturas so-
ciais. Desta forma, sugerimos medidas e argumentamos que
é urgente desfazer todo um sistema que favorece a sujeição
das mulheres. Propomos também ações rápidas, mediante
políticas públicas e sociais, com foco em garantir a segur-
ança e a vida das mulheres que se veem ainda mais amea-
çadas com seu isolamento na pandemia.
O reforço das redes de apoio à mulher e uma reestru-
turação para lidar com a violência doméstica vivida por
elas está no âmbito das medidas a serem discutidas e imple-
mentadas. Quando mencionamos a presença da mulher no
espaço privado e no público destacamos que a violência per-

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PANDEMIA E MULHERES

Com efeito, é mandatório que o poder público atue


de modo a minimizar os efeitos deletérios das medidas
O AUMENTO DO NÚMERO DE CASOS
adotadas como forma de enfrentar o novo coronavírus.
DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA:
Neste sentido, além de outras ações que visem conter
EFEITO DELETÉRIO DA QUARENTENA
os impactos da pandemia na vida das mulheres, as quais
Maíra Fernandes[122] representam parcela da população mundial brutalmente
Érika Thomaka[123] atingida pelo novo vírus, a ONU Mulheres recomendou que
as comunidades afetadas pela COVID-19 priorizassem os ser-
ConŁnadas em seus lares, por causa da pandemia do
viços de prevenção e resposta à violência de gênero [126].
Covid-19, as mulheres são duplamente ameaçadas: por um
No Brasil, os índices já eram bastante acentuados
vírus potencialmente letal e por pessoas violentas de seu
antes do COVID-19: de acordo com o Anuário Brasileiro de
próprio convívio doméstico.
Segurança Pública de 2019, a cada 2 minutos uma mulher
Desde a descoberta da doença, têm sido adotadas,
realiza registro policial por violência doméstica no país, o
ao redor do mundo, medidas que já se mostraram indis-
que totalizou, em 2018, 263.067 casos de lesão corporal
pensáveis à sua contenção: distanciamento social, isola-
dolosa[127].
mento e quarentena. Não há dúvida do acerto da escolha,
Alarmantes, também, são os índices de violência sex-
todavia, ela trouxe um grave efeito colateral: o aumento das
ual, praticados, na maior parte das vezes, no âmbito domé-
ocorrências de feminicídio e de casos de violência domés-
stico – 75,9% das vítimas possuem algum tipo de vínculo
tica contra mulheres, meninas e jovens.
com o agressor, não raro seu cônjuge, pai, padrasto, avô, tio,
Diversos países registraram tal aumento, como é o
irmão. Em 2018, foram contabilizados 66.041 registros de
caso da Alemanha, Canadá, França, Reino Unido, China, Esta-
estupros, ou seja, uma média de 180 casos por dia, dos quais
dos Unidos, Singapura e Chipre[124]. Trata-se, portanto, de um
81,8% praticados contra mulheres ou meninas. Quatro
problema global.
meninas até 13 anos são estupradas por hora no país, uma
Não à toa, a Corte Interamericana de Direitos Hu-
manos publicou, no dia 09 de abril, manifestação com o ob- realidade assustadora e cruel [128].
jetivo de lembrar aos Estados suas obrigações internacionais Nesse cenário de caos, tornam-se particularmente
e a jurisprudência daquela Corte, na qual destacou: preocupantes as notícias de aumento da violência domés-
tica contra a mulher, no contexto de isolamento social [129].
“Tendo em vista as medidas de isolamento social que
podem levar a um aumento exponencial da violência Estima-se que, no Rio de Janeiro e em São Paulo, o número
contra mulheres e meninas em suas casas, é necessário de casos durante o período de connamento tenha au-
enfatizar o dever do Estado de devida diligência es- mentado em 50% [130], dado que pode ser ainda maior, eis
trita com respeito ao direito das mulheres a viverem que o isolamento social diculta, sobremaneira, os regis-
uma vida livre de violência e, portanto, todas as ações
necessárias devem ser tomadas para prevenir casos de tros de ocorrências nas Delegacias de Polícia. Pesquisa do
violência de gênero e sexual; ter mecanismos seguros Fórum Brasileiro de Segurança Pública e do Decode Pulse
de denúncia direta e imediata; e reforçar a atenção às identicou um acréscimo de 431% dos relatos de briga de
vítimas”[125]. casais neste período de isolamento. Dentre 52.513 menções

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

a relatos de brigas conjugais no Twitter, 5.583 indicavam apresentado o Projeto de Lei n.º 1.444/2020, o qual prevê,
ocorrência de violência contra mulheres[131]. em síntese, uma alteração na Lei Maria da Penha para de-
De acordo com a Lei Maria da Penha, cabe ao poder terminar que, durante a emergência de saúde pública decor-
público desenvolver políticas que visem “garantir os direitos rente da pandemia do coronavírus, a União, o Distrito Fed-
humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e fa- eral, os Estados e os Municípios assegurem recursos extra-
miliares no sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, ordinários emergenciais para garantir o funcionamento das
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”, bem Casas-abrigo e dos Centros de Atendimento Integral e Multi-
como criar as condições necessárias para o efetivo exercício disciplinares para Mulheres[136].
dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana[132]. De fato, as notícias acerca do rápido aumento do
Assegurar proteção às mulheres vítimas de violência número de casos de violência doméstica durante o isola-
doméstica que, agora, não têm alternativa senão permane- mento social demonstram a necessidade da adoção de
cer 24 horas em casa com seus agressores, é, portanto, um políticas públicas visando à proteção das vítimas. Por isso,
desao a ser enfrentado pelos três Poderes da República, nas o projeto de lei ora apresentado, que traz proposta de pro-
esferas federal, estadual e municipal. teção para as mulheres, precisa ser aprovado, com a brevi-
No âmbito do Poder Judiciário, o Conselho Nacional dade que a situação de calamidade requer.
de Justiça (CNJ) instituiu, no mês de abril, um grupo de tra- É preciso que as mulheres tenham meios, mesmo dur-
balho dedicado a elaborar sugestões de medidas emergenci- ante a pandemia, de se libertar de quem deixou de ser
ais para prevenir a violência doméstica[133]. A expectativa é a cônjuge para ser carrasco. De nada adianta se proteger do
de que tal grupo elabore um diagnóstico da situação atual e mundo externo, se, em sua própria residência, a mulher for
pense sobre estratégias que possam contribuir para a maior submetida a sessões diárias de maus tratos ou de tortura
rapidez e prioridade no atendimento das vítimas de violên- física, sexual, psicológica e moral, que, de igual modo, colo-
cia doméstica e familiar[134]. cam suas vidas em risco e lhes causam imensa dor. O período
Como primeiro resultado prático deste grupo de tra- de isolamento não pode se transformar em um cárcere no
balho, CNJ e a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB), qual a vítima Łca à mercê de seu agressor.
cientes de que o isolamento social representa mais uma
diculdade imposta às vítimas de violência doméstica à
elaboração dos registros de ocorrências nas Delegacias de
Polícia, lançaram a campanha “Sinal Vermelho” em 10 de
junho de 2020.
O objetivo deste projeto é de que as vítimas sinalizem
estarem em situação de violência doméstica mostrando aos
atendentes das farmácias e drogarias parceiras (que já são 10
mil, espalhadas pelo país) um “x” vermelho desenhado na
palma da mão. Os atendentes, por sua vez, ligarão imediata-
mente para o 190 a m de reportar a situação [135].
Na Câmara dos Deputados, em 03 de abril de 2020, foi

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PANDEMIA E MULHERES

No nal de fevereiro de 2020, as cientistas brasileiras


Ester Sabido e Jaqueline Goes de Jesus sequenciaram o gen-
A COVID-19 NO BRASIL E AS MULHERES: UMA oma do corona vírus em apenas dois dias após a conrmação
PANDEMIA SEXISTA, CLASSISTA E RACIALIZADA do primeiro caso da doença no país, que aconteceu no dia
26 de fevereiro. O genoma se refere à todas as informações
Ezilda Melo[137] hereditárias do vírus que estão codicadas em seu DNA.
Jaqueline, 30 anos, negra, soteropolitana foi estudante de
“Apesar das ruínas e da morte,
Onde sempre acabou cada ilusão, biomedicina da Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública,
A força dos meus sonhos é tão forte, iniciando os seus primeiros passos na pesquisa cientíca
Que de tudo renasce a exaltação aos 19 anos. Fez mestrado em Biotecnologia na Fiocruz,
E nunca as minhas mãos cam vazias”. Fundação Oswaldo Cruz e o doutorado em Patologia Hu-
(Sophia de Mello Breyner Andresen)
mana, na Universidade Federal da Bahia. Agora é pesquis-
São muitas mortes. É um luto que cresce, que aumenta adora na Faculdade de Medicina da USP e se tornou uma
diariamente. É uma tristeza profunda que se abate sobre a grande referência para todas pesquisadoras do país. Começo
nação. Não bastasse todas as sensações de impotência diante de uma história que ainda está em fase de desenvolvimento.
do medo do vírus, estamos vivendo um verdadeiro caos Estamos em junho de 2020 e os números ociais indicam
político, social e estrutural. A pandemia se relaciona trans- mais de 30.000 mortes aqui no Brasil.
disciplinarmente com todas as ciências e com toda a exist- Ao constatarmos como o vírus se relaciona dire-
ência humana. O viés deste breve ensaio é numa perspectiva tamente com a vida das mulheres brasileiras, percebe-se que
feminista, sistematizando situações que estão sendo viven- estas mortes podem ser compreendidas dentro do tripé raça,
ciadas pelas mulheres neste contexto pandêmico e apon- classe e gênero. Débora Diniz, na sua conta do Instagram
tando para possibilidades. @reliquia.rum informa que a primeira mulher a morrer no
Este momento exige combate e uma perspectiva de Rio de Janeiro era empregada doméstica. “Morreu porque
mudança profunda, pois estamos diante de um ataque não lhe avisaram que a sua patroa estava doente”. As mul-
de uma hidra capitalista, neoliberal, racista, fascista, heres estão na linha de frente no combate à pandemia. As
homofóbica, elitista, excludente, preconceituosa, violenta enfermeiras e técnicas em enfermagem são a grande mão de
e com um hálito venenoso. Todo cuidado é pouco. DAVIS e obra nos hospitais.
KLEIN (2020, pág. 8-49)[138] nos alertam sobre a necessidade No contexto doméstico, as mulheres continuam
desta mudança a nível global, mostram a preocupação com desempenhando as atividades não remuneradas, de cuidado
as populações que se encontram sempre sujeitas a diferentes com a prole e isso se reete na jornada extenuante que agrega
formas de repressão e que são muito mais vulneráveis (e vul- também trabalho na modalidade home oŃce para aquelas
neradas pelo Estado) durante este período de resposta falha que conseguiram manter seus empregos. Àsa Regnér, Dir-
ao coronavírus. etora Executiva-Adjunta da ONU Mulheres, armou que as
mulheres carregam o bem-estar dos países em seus ombros.
“A GENTE LAMENTA TODOS OS MORTOS, MAS É O Que são as mulheres que estão trabalhando dia e noite e
DESTINO DE TODO MUNDO” mantendo as sociedades unidas. Que fazem isso por meio

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

de cuidados de saúde, cuidados maternos, de pessoas idosas, bate sobre como as sociedades capitalistas se construíram
ensino on-line, creches, farmácias, supermercados e as- como herança, como resultado das sociedades patriarcais.
sistência social. Em alguns países, tudo nessa lista é trabalho Ainda que o patriarcado seja muito anterior ao capital-
remunerado, embora muitas vezes seja menos bem remu- ismo, este assumiu ao longo da história diferentes facetas.
nerado do que as proŁssões tradicionalmente masculinas. Saoti (2015, p. 69)[139], arma que transformações radic-
Mas, em outros, o trabalho de cuidados que as mulheres ex- ais no padrão dominante de relações de gênero requerem
ercem vem sem salário. Aqui no Brasil é assim. Tivemos profunda compreensão da sociedade em sua inteireza. A
também, nestes últimos três meses, um grande aumentou do introdução da perspectiva de gênero em todos os campos do
desemprego das mulheres, especialmente das empregadas conhecimento certamente propiciará a construção de uma
domésticas e diaristas, que em sua esmagadora maioria são consciência crítica, sobretudo, nas mulheres, mas também
mulheres negras, da periferia e mães solo. nos homens, capaz de conduzir a mudanças substanciais na
No ambiente acadêmico, a título exempliŁcativo, direção de uma sociedade menos iníqua.
tem-se pesquisa feita com mais de 6 mil estudantes de A pandemia tem impactos classista, sexista, raciali-
pós-graduação, professores e pós-docs que revelou diŁcul- zada, portanto ela não é a mesma para todos os grupos
dades enfrentadas pelas mulheres na produção cientíŁca. Os sociais, nem também é a mesma para todas as mulheres.
números apontam que entre as pós-graduandas, apenas 10% Esta armaçãonão difere muito do que alertava KOLLOTAI
estão conseguindo realizar suas pesquisas. (1982)[140] sobre o discurso que iguala abstratamente realid-
Publicações cientíŁcas têm feito alertas de que a ades, esconde uma carga tripla insuportável que com fre-
submissão de artigos por mulheres caiu ou se manteve es- quência é expressa com gritos silenciados e lágrimas.
tável enquanto as de homens cresceram nesse período de Essas lágrimas femininas, em profusão, indicam mais
pandemia. Em abril, Elizabeth Hannon, editora adjunta do dor quando se soma ao trabalho exaustivo, nada ou mal
British Journal for Philosophy of Science, se manifestou alar- remunerado, a violência doméstica que aumentou durante
mada no twitter sobre a queda drástica do número de a pandemia. A violência contra as mulheres e meninas é
submissões de artigos que recebia de mulheres: "Número in- pandemia invisível, armou a diretora executiva da ONU
signiŁcante de envios para a revista de mulheres no último Mulheres Phumzile Mlambo-Ngcuka. Está-se diante de uma
mês. Nunca vi algo como isso". "A desigualdade de gênero na dupla pandemia com traços eugênicos que se reetem na
ciência é uma questão urgente e a maternidade desempenha política neoliberal de quem não lamenta, mas quer exata-
um papel importante nela. Os últimos anos testemunharam mente que esse número se amplie. Uma política escancarada
o surgimento de muitas iniciativas que desencadearam mu- de extermínio feita por um homem branco e sexista.
danças para solucionar esse problema. Não podemos per- Com o Presidente do Brasil já denunciado ao Tribu-
mitir que essa pandemia reverta avanços e aprofunde ainda nal Internacional Penal, por práticas genocidas, comprov-
mais a lacuna de gênero na ciência", escreveram as cientistas adas em seus discursos que menosprezam os impactos da
lideradas pela bióloga Fernanda Staniscuaski, da UFRGS, que pandemia na existência dos brasileiros e com práticas bene-
coordenou a pesquisa sobre o impacto do coronavírus entre ciadoras dos grupos capitalistas em detrimento da vida, as
as mulheres que produzem ciência. mulheres (especialmente as mulheres negras) precisam en-
Esta situação Łnca a urgência de revisitarmos o de- contrar caminhos para combater seus algozes.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

A ONU Mulheres[141], atenta aos efeitos catastrócos No mundo todo só se fala em se construir uma outra
da COVID-19 na vida das mulheres, abriu chamada de pro- sociedade pós-pandemia. O patriarcado, o capitalismo, o
jetos para organizações de defensoras de direitos humanos racismo, o fascismo, o neoliberalismo, a destruição da na-
em resposta à pandemia Covid-19. Até 21 de junho a tureza, a violência, tudo isso aponta para uma inter-relação
chamada 01/2020 seguirá aberta para receber projetos de que não deu certo. Também não é exagero falar do risco à
organizações lideradas por mulheres e voltadas à promoção democracia aqui no Brasil. Há necessidade de uma revolução
dos direitos das mulheres com conhecimento especializado feminista que abale todas as estruturas danosas nas quais o
e experiência no trabalho com mulheres defensoras de dire- capitalismo se instaurou.
itos humanos. São estimuladas apresentações de vários gru- Constata-se socialmente que o caos pandêmico traz
pos de mulheres, entre elas: mulheres negras, quilombolas, maiores consequências na vida das mulheres. Precisamos,
indígenas, lésbicas, bissexuais e transexuais, jovens, mul- portanto, apontar alguns caminhos e um deles é o ecofem-
heres com deciência, mães de vítimas da violência urbana, inismo, que, de acordo com MACHADO (2020)[142], trata-se
trabalhadoras rurais, extrativistas, ambientalistas, ativistas de movimento que enxerga uma conexão entre a exploração
por direitos sexuais e reprodutivos, pelo enfrentamento à e degradação do trazido mundo natural e a subordinação e
violência contra mulheres, pelos direitos das mulheres em opressão de mulheres. É preciso que se perceba a relação
situação carcerária, pelo direito à terra e à moradia, pelo entre a agroecologia e os feminismos, chamando a atenção
direito à saúde mental, à participação política, professoras, para as interfaces existentes entre esses movimentos e as
advogadas, jornalistas, lideranças comunitárias e religiosas diŁculdades que existem para a sua plena integração na
atuantes em periferias urbanas. prática. Pensar em possíveis superações, reconhecendo as
O necroliberalismo poderá matar muito mais. Pre- mulheres como sujeitos políticos dessas mudanças, é trazer
cisamos nos fortalecer, nos cuidar em rede. Precisamos de para o âmago da discussão uma agenda que privilegia o ma-
estratégia política. A morte é o destino de todo ser vivente. triarcado e suas heranças ancestrais. É privilegiar a natureza,
Que seja em decorrência do coronavírus é mais uma falácia a mãe terra e suas muitas Łlhas, que trazem dentro de si
de quem não tem compromisso com as vidas das pessoas. O o portal da vida. Uma visão holística de meio ambiente e
cenário da situação pandêmica no Brasil já mostra o impacto desenvolvimento social é urgente privilegiando as mulheres
nas “vidas nuas”. Não estamos conseguindo, literalmente, do campo, das águas, ribeirinhas, indígenas, sertanejas, da
respirar. As vidas das mulheres importam. As vidas das mu- zona rural, campesinas que combatem a fome e o sexismo
lheres negras importam. As vidas das mulheres pobres im- violento. A Europa apresentará um grande plano de re-
portam. As vidas das agricultoras, quilombolas, indígenas, cuperação do coronavírus com uma visão ecológica que po-
das mulheres encarceradas, das moradoras de ruas, das mul- derá se tornar um exemplo para o resto do mundo. O Pacto
heres trans, das mulheres idosas importam. Nossas vidas im- Ecológico da Europa para criar empregos ecológicos e tornar
portam. Já houve muita expropriação e lucro ao longo dos as economias justas e limpas pode servir de exemplo aqui no
séculos. Pela oxigenação da vida. Brasil [143].
Outro caminho é a práxis do feminismo negro. Nas pa-
CONCLUSÃO:  APESAR DAS RUÍNAS E DAS MORTES, lavras de RIBEIRO (2017)[144] a ausência de um olhar étnico-
UMA REVOLUÇÃO FEMINISTA racial no movimento feminista tem invisibilizado as mul-

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EZILDA MELO

heres negras e suas lutas, obstaculizando assim o caminho de


se tornarem sujeitos políticos. Um olhar crítico e intersec-
cional poderá apontar para novas formas de compreensão ANÁLISE DE NORMAS JURÍDICAS RELACIONADAS
e existência política que rompa com a invisibilidade da À MULHER DURANTE A PANDEMIA
realidade das mulheres negras. Neste sentido, pensar no fem- DA COVID-19 NO BRASIL
inismo negro como um projeto de ressignicação política
Ezilda Melo[145]
na vida de mulheres é possibilitar que vivam e tenham seus
direitos respeitados. Mais do que nunca essa pauta se faz ne- “Na verdade, penso eu, ainda vai levar muito tempo
cessária. Do contrário, muitas mortes de mulheres negras, já até que uma mulher possa se sentar e escrever um
livro sem encontrar com um fantasma que precise
naturalizadas pela violência secular, ocorrerão em meio ao matar, uma rocha que precise enfrentar. E se é assim
caos pandêmico. na literatura, a prossão mais livre de todas para as
Com a derrocada do capitalismo, do patriarcado e mulheres, quem dirá nas novas prossões que agora
do racismo podemos pensar num mundo melhor pós- vocês estão exercendo pela primeira vez?”
(Virginia Woolf)
pandemia. Enquanto isto não ocorrer, a humanidade é uma
barbárie. A TÍTULO DE HISTORICIZAÇÃO
Desde a instalação da Pandemia no Brasil, muitas nor-
mas jurídicas foram editadas e algumas se relacionam dir-
etamente com a mulher. Segundo o documento “Gênero e
Covid-19 na América Latina e no Caribe: Dimensões de Gênero
na resposta”, publicado pela ONU Mulheres no dia 20 de
março, “enfrentar uma quarentena é um desaŁo para todos,
mas para mulheres em situação de vulnerabilidade pode ser
trágico. No Brasil, onde a população feminina sofre violên-
cia a cada quatro minutos e em que 43% dos casos aconte-
cem dentro de casa, essa preocupação é real”. No contexto
atual de crise, os problemas relacionados às temáticas de
Violência, Saúde, Economia e Trabalho necessitam da nossa
total atenção. Esses assuntos estão intimamente relacion-
ados. A Organização Internacional do Trabalho (OIT) alerta
que as "crises anteriores mostraram que, quando as mul-
heres perdem seus empregos, aumenta seu envolvimento no
trabalho não remunerado. E que, quando os empregos são
escassos, as mulheres frequentemente têm oportunidades
negadas de emprego disponíveis aos homens”. A questão
do trabalho para as mulheres é um problema que aparece

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

com vários desdobramentos. Por um lado, aumentou a so- nomia”, Katrine Marçal (2017, p. 25) nos diz que “para o
brecarga com o trabalho doméstico, do outro lado surge açougueiro, o padeiro e o cervejeiro pudessem trabalhar, na
a insegurança e o medo do desemprego. De acordo com a época em que Adam Smith estava escrevendo, suas esposas,
OIT, as mulheres ainda representam três quartos de todo o mães ou irmãs tinham de passar horas e horas, dia após
trabalho não remunerado. "Não é segredo que as mães ainda dia cuidando das crianças, limpando a casa, cozinhando,
carregam a maior parte do fardo de cuidados infantis e tra- lavando roupa, enxugando lágrimas e brigando com os viz-
balho doméstico na maioria das famílias", diz Justine Rob- inhos. Não importa como encaramos o mercado, ele sempre
erts, fundadora e diretora executiva da Mumsnet, a maior é construído sobre outra economia (...) A garota de 11 anos
rede online para pais do Reino Unido. que anda 15 quilômetros todas as manhãs para pegar lenha
No início da pandemia, a Folha de São Paulo fez uma para a família tem um papel importante na capacidade de
reportagem com prossionais masculinos da área jurídica desenvolvimento econômico de seu país. Mas esse trabalho
que informavam que já conseguiam perceber o aumento da não é reconhecido”.
produtividade. O título da matéria foi: “Juízes e defensores As mulheres que trabalham em casa, no isolamento de
conseguem aumento de produtividade durante pandemia”. seus lares, são invisíveis nas estatísticas econômicas. Parir,
Importante destacar que nessa reportagem não havia nen- amamentar, lavar fraldas, fazer compras de supermercado
huma mulher entrevistada. Em maio, no mesmo jornal, o tí- e higienizar cada embalagem com álcool 70%, ajudar nas
tulo da reportagem já foi diferente: “Mulheres fazem jornada lições escolares, levar a médicos, cozinhar, limpar a casa,
tripla, e home oce na pandemia amplia desequilíbrio de lavar vaso sanitário, tirar a poeira dos móveis, lavar a gel-
gênero na Justiça”. É sintomático que isso ocorra numa área adeira... nada disso é visto como atividade produtiva nos
de certa forma privilegiada. Ainda estamos nos referindo a modelos econômicos previstos desde Adam Smith, o pai da
pessoas, muitas vezes concursadas, com altos salários, com economia moderna. Ou seja, desde que se constituiu uma
formação superior e com empregos estáveis. Diferente do teoria econômica as mulheres e os tais afazeres domésticos
que acontece com a maior parte das mulheres da classe mais foram invisibilizados como se não tivessem nenhum valor
despossuída ou mesmo da classe média, onde ca clara a econômico.
preocupação com o risco de demissão ou de problemas no Percebe-se claramente que ao longo da história da
trabalho porque, muitas vezes, estão desempenhando os tra- humanidade o grande projeto masculino foi aglomerar din-
balhos domésticos. heiro, produzir riquezas e eles estavam longe de preo-
Vamos tocar nesse ponto historicamente construído, cupações com o dia a dia em suas casas. Saíam para trabalhar
para prosseguirmos sobre a questão das modicações trabal- e as mulheres sequer esse título tinham. Faziam algo natur-
histas advindas com leis recentes: alizado e sem valor, obrigação natural.
Na divisão sexual do trabalho há uma naturalização Diante de uma história dessas com grandes reper-
sobre os afazeres domésticos, muitos e invisíveis, como se cussões sociais e históricas, costuradas nos os do patriar-
não tivessem nenhuma relação com a economia. Dentro do cado e do racismo, não podemos esquecer o ingrediente da
movimento feminista há uma denúncia sobre a simultanei- mão obra escrava utilizada largamente dentro de um am-
dade que ocorre entre o trabalho produtivo e reprodutivo biente mais elitizado, servindo de suporte para mulheres
realizado por mulheres. Na obra “O lado invisível da eco- brancas nanceiramente mais abastadas.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Porém, nem toda mulher branca que aportou no Brasil que em sua grande maioria são negras ou pardas.
colônia teve privilégio. Historicamente, as judias que no Em que esse histórico se relaciona com a Pandemia
Novo Mundo aportaram já vinham despossuídas por sécu- que abateu todas as potências mundiais e os países sub-
los de perseguição. Eram mulheres que fugiam da morte. desenvolvidos, e exemplo do Brasil, que agoniza numa crise
As judias que chegaram em Recife, por exemplo, que con- política, econômica, cultural sem precedentes? Do seguinte
seguiram se dispersar para o interior do sertão nordestino, modo: a estruturação dos moldes modernos de uma eco-
especialmente para os Estados da Paraíba e do Rio Grande nomia neoliberal, que valoriza acumulação e o descarte
do Norte, vindas de Portugal com o intuito de driblar a In- humano, passa por cima da importância do trabalho na con-
quisição, e sem nenhuma condição econômica, construíram strução do sujeito digno com direitos trabalhistas, previ-
currais, criaram gado, plantaram algodão, feijão, milho e denciários e com poder de compra para o seu mínimo exist-
tiveram inúmeros lhos, como nos conta Anita Novinsky na encial.
obra “ Os judeus que construíram o Brasil”. Caso haja um colapso de emprego, com a consequente
De acordo com Gerda Lerner, na obra “A criação do falta de dinheiro para a grande massa de pessoas, a própria
Patriarcado” (2019. p. 125): “a prática de usar mulheres es- economia do supéruo entra em total derrocada, que leva
cravas como servas e objetos sexuais tornou-se o padrão junto um modo de produção excludente que se baseia na
para a dominância de classe sobre as mulheres em todos exploração do outro, especialmente das mulheres e grupos
os períodos históricos. De mulheres de classes subordinadas vulnerados. Se dentro do jargão econômico diz-se que “não
(servas, camponesas, trabalhadoras), esperava-se a servidão há almoço grátis”; na visão de uma sociedade que inviabiliza
sexual a homens de classes mais altas, com ou sem o consen- a força de trabalho das mulheres na sua jornada doméstica,
timento delas (...) De maneira semelhante, do período inicial pode-se dizer, fazendo quórum a Katrine Marçal (2019, p.
do desenvolvimento de classes até o presente, a dominância 191): “não existe cuidado grátis”.
sexual de homens de classes mais altas sobre mulheres de Quando o salário mínimo não cobre os custos dos
classes mais baixas é o próprio símbolo da opressão de classe cuidados dos lhos, há necessidade de creches para todas as
das mulheres. Sem sombra de dúvida, a opressão de classe crianças, há necessidade das mulheres saírem dos lares para
das mulheres”. As sertanejas camponesas são oprimidas his- trabalhar fora de casa, evitando assim que quem reféns de
toricamente desde o início ocial da História do Brasil e companheiros que não raro utilizam desse viés econômico
sobre esse ponto e a história da vitimização das indígenas para maltratar, bater, agredir e muitas mulheres, mesmo ví-
precisamos marcar com acento tônico esses relatos no de- timas de violências domésticas e maus tratos, em razão da
bate historiográco. dependência econômica e sem ter outra solução, preferem
Se a subordinação das mulheres aos homens forneceu continuar com o algoz na invisibilidade da violência domé-
o modelo para a escravidão, foi na família patriarcal que stica. Isso em período normais e num período pandêmico
se encontrou o modelo estrutural para a consecução de es- onde escolas estão fechadas, como essas mulheres podem
cravidão invisível das mulheres até hoje, através especial- voltar para o mercado de trabalho se não têm com quem
mente do trabalho doméstico, feito pelas donas de casas ou deixar suas crianças? O que acontece na prática é que as
pelas empregadas domésticas (algumas formais registradas mulheres reduzem sua jornada de trabalho para cuidar das
em carteira de trabalho ou exercendo empregos informais) crianças e da limpeza do ambiente doméstico, gerando por

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

consequência uma perda na segurança econômica, perde nas estruturas das posições masculinas e femininas nos
contribuições para o INSS e seus futuros rendimentos. diferentes espaços sociais. A experiência da maternidade
Em situação de isolamento social, a interligação entre está muito associada à uma essência natural do que se es-
a força de trabalho entre mulheres e homens se mostra mais pera do feminino, reforça estereótipos e discriminações seja
evidente e se intensica para o lado desigual desta relação já por parte do Estado, que a ressignica com uma série de
díspare e repercute na sobrecarga de trabalho das mulheres, discursos e leis proibitivas, seja pela memória das mães
que em razão dessa atribuição “naturalizada” historica- que a reconstrói como subjetividade. A maternidade se des-
mente, assume a responsabilidade prioritária com o cuid- dobra em experiências políticas, ideológicas e históricas,
ado com o outro e com o trabalho doméstico, seja de forma amparadas por discurso jurídico: no direito civil, temos um
remunerada ou não. Isso trará consequências pós-pandemia direito preocupado com a posse e a propriedade (não à toa
que podem ser antevistas, desde já, como aumento da desi- temos as guras do proprietário, do testador, da sociedade
gualdade étnica e de gênero na relação do trabalho. empresária) esses institutos se relacionam com a materni-
Para as mulheres em connamento, a sobrecarga de dade (especialmente onde se refere à propriedade e herança).
trabalho se intensicou, e alguns casos vieram acompan- O divórcio faz parte de uma história recente do Dir-
hados da violência que permeia muitos relacionamentos eito no Brasil. Do divórcio, geralmente tem uma questão
afetivos, ampliando a desigualdade entre trabalho produ- jurídica séria a tratar: guarda e pensão de lhos. A guarda dos
tivo e reprodutivo. Percebe-se rearranjos sociais para en- lhos cava com as mães ou com quem não tivesse culpa
frentar a pandemia, porém agrava-se a exploração de de- na dissolução da sociedade conjugal. Depois do Código Civil
terminados corpos e subjetividades que possuem na tríade de 2002 não era mais necessário provar culpa pela dissol-
raça, gênero e etnia o elo essencial para manutenção de um ução do casamento. Em regra geral, até hoje quem ca com
abismo que separa os grupos sociais numa sociedade tão a guarda dos lhos é a mãe. De 2014 para cá temos a lei
desigual como a brasileira. Vejamos agora as repercussões da guarda compartilhada, uma conquista pela divisão dos
jurídicas da pandemia, com a consequente produção de leis afazeres com os lhos, quando os pais moram na mesma
novas que reverberam diretamente na vida de mulheres. cidade, ou quando os pais querem efetivamente participar.
Esta lei possui vários problemas práticos, especialmente se
NORMAS JURÍDICAS E MULHER NO DIREITO BRA- estivermos diante de violência doméstica, vez que se ocor-
SILEIRO reu durante o casamento se estenderá durante a guarda com-
As interligações entre Direito e Mulher se dão em partilhada, saindo da seara apenas da mãe e chegando na pró-
vários campos na área jurídica, desde o cível, passando pelo pria criança. Existe um problema grave aqui: muitas vezes a
penal e também trabalhista. mãe tem uma medida protetiva na vara criminal e na vara
A regulação sobre os corpos femininos faz com que cível o juiz concede a guarda compartilhada. Isso, em regra, é
possamos ampliar compreensão histórica sobre a mater- uma complicação na prática. O sistema precisa evoluir para
nidade e para o entendimento da história das mulheres, impedir que a guarda compartilhada seja utilizada contra as
como também da dinâmica do gênero no trabalho de et- mães.
ernização das estruturas da divisão sexual-social, conforme No período da pandemia, a questão da guarda compar-
nos ensinou Pierre Bourdieu, para quem a dominação está tilhada segue uma lógica diferente e, muitas vezes, porque

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

não pode haver a visitação, quem ca com os afazeres da para o custeio das necessidades afetivas e materiais de lhos,
criança tem sido as mães. Dentro do arcabouço legisla- isso em regra geral, conforme aponta os casos concretos de
tivo que trata sobre questões que envolvem diretamente direito de família no nosso país. Hoje já existe toda uma pre-
a mulher-mãe, existe também a lei da alienação parental. ocupação na hora de redigir acordo de visita, que desde que
Aparentemente também uma conquista para proteção do seja descumprido, e acarrete mais trabalho para mães em
melhor interesse do menor após a dissolução dos laços afet- nais de semana e período escolar, sejam computados tendo
ivos entre os pais. No entanto, na prática traz inúmeros com- como valor base o que uma babá ou folguista ganha.
plicadores em especial em processos intermináveis quando, O que se tem que evitar é a violência patrimonial
na maioria, das vezes o que se quer, é uma vingança proces- perpetrada por pais contra mães no divórcio e na pensão
sual contra mães. Há também o mais comum: pais que se- de crianças, vez que se a violência com os valores irrisórios
quer fazem visita e alegam que não o fazem porque a mãe forem declarados, o que se tem é uma violência ao longo de
aliena, quando se está, na verdade, diante da autoalienação. dezenas de anos, que repercutem diretamente no empobre-
Há toda um debate hoje sobre a utilização da lei de alienação cimento da mulher. E isso faz com que possamos perceber
como modo de violência contra mães. É uma lei perigosa que, ao longo da história da humanidade, como foi dito
quando há má fé por trás. Vira um verdadeiro embate cheio no início deste ensaio, os homens estão preocupados em
de provas de um lado e do outro, como muitas vezes são os ter dinheiro, posses, propriedade, em aumentar patrimônio,
processos de família. levar vantagem, a ter poder econômico superior como
Uma outra questão importante na maternidade é a forma de dominar a mulher. As mulheres ainda estão tate-
questão econômica. Tanto da mãe que abriu mão do mer- ando para começar a ser donas do que produzem economica-
cado de trabalho para dar conta de casa e dos lhos, quanto mente e brigando para que seja reconhecido como trabalho
do valor pago para pensão alimentícia: uma mulher que con- o que fazem gratuitamente, enquanto a sociedade ainda con-
tribuiu com sua força de trabalho doméstico durante anos, tinua as colocando num lugar de invisibilidade econômica.
às vezes uma vida inteira, não pode ser vista como se não Pierre Bordieu na obra “A dominação masculina” (2019, p.
tivesse ajudado na construção do patrimônio do casal. Essa 175), assim declara: “podemos compreender que a mesma
relação do trabalho doméstico da mulher, mãe e dona de relação de dominação pode ser observada, sob formas difer-
casa, e a submissão à relação afetiva é sustentada no pilar entes, nas condições mais diversas, que vão da dedicação
da violência sexual do trabalho. Sobre a pensão alimentí- voluntária das mulheres da grande burguesia dos negócios e
cia, não é raro ouvirmos os relatos de muitas mães que re- do dinheiro a seu lar ou a suas obras de caridade, à dedicação
cebem muito aquém da necessidade da criança. Muitos pais ancilar e mercenária das empregadas da casa, passando ao
se esquivam desses compromissos nanceiros, com base em nível da pequena burguesia, pela ocupação de um emprego
fraude, na construção de novas famílias, e as mães em geral assalariado complementar ao do marido, compatível com
assumem esses gastos que eram para ter, ao menos, divisão ele, e quase sempre exercido como algo inferior. A estru-
meio a meio. A expressão “ao menos” foi utilizada para tura da dominação masculina é o princípio último dessas
evidenciar que as atividades dedicadas dentro do lar com o inúmeras relações de dominação/submissão singulares que
cuidado dos lhos não são remuneradas e se fossem conta- mantém a linha de demarcação mística de que falava Vir-
bilizadas caria evidente que a mãe contribui muito mais ginia Woolf”.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

No direito do trabalho, a maternidade possibilitou a de que trata o caput do art. 7º da Lei nº 14.020, de 2020,
conquista histórica de um salário pago à mãe que exerce ca acrescido de trinta dias, de modo a completar o total
trabalho remunerado durante os quatro primeiros meses de cento e vinte dias. Esse decreto tem forte impacto nas
da criança. Essa conquista tem uma grande serventia para questões trabalhistas, inclusive das mulheres. Redução de
que os laços afetivos com o Łlho e a amamentação possam jornada e de salário e suspensão de contrato de trabalho traz
ocorrer, no entanto na prática equivale à uma barreira para uma imensa insegura jurídica para as trabalhadoras, mais
contratação de mais mulheres, vez que elas podem precisar ainda para as grávidas.
se ausentar do trabalho por este motivo, além de deixar Lei 14.022, publicada em 08/07/2020, altera a Lei nº
os cuidados exclusivamente para as mães, já que a licença- 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dispõe sobre medidas
paternidade é de poucos dias. de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a
mulher e de enfrentamento à violência contra crianças, ado-
NORMAS JURÍDICAS EDITADAS DURANTE O lescentes, pessoas idosas e pessoas com deciência durante
PERÍODO DA PANDEMIA NO BRASIL QUE SE RELACIONAM a emergência de saúde pública de importância internacional
COM A TEMÁTICA DA MULHER decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.
Ao mapearmos normas jurídicas relacionadas à mul- Esta Lei altera a Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 e
her durante a pandemia da COVID-19 no Brasil temos as se- dispõe que os serviços públicos e atividades essenciais, cujo
guintes: funcionamento deverá ser resguardado quando adotadas as
Medida Provisória nº 991, publicada no DOU de medidas previstas, incluem os relacionados ao atendimento
16.7.2020, abre crédito extraordinário, em favor do Minis- a mulheres em situação de violência doméstica e familiar,
tério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, no valor nos termos da Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, a
de R$ 160.000.000,00, para os Łns que especiŁca. Apesar de crianças, a adolescentes, a pessoas idosas e a pessoas com
ser especiŁcado a abertura de crédito extraordinário, em deciência vítimas de crimes tipicados naLei nº 8.069, de
favor do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Hu- 13 de julho de 1990(Estatuto da Criança e do Adolescente),
manos, no valor de R$ 160.000.000,00 (cento e sessenta mil- na Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do
hões de reais), para atender Instituições de Longa Permanên- Idoso), naLei nº 13.146, de 6 de julho de 2015(Estatuto da
cia para Idosos - ILPIs, Devido à Pandemia da COVID-19, em Pessoa com Deciência), e noDecreto-Lei nº 2.848, de 7 de
forma de auxílio emergencial. Portanto, não houve crédito dezembro de 1940(Código Penal).”
com destinação à mulher especiŁcamente. Enquanto perdurar o estado de emergência de saúde
Decreto nº 10.422, publicado no DOU de 14.7.2020, internacional decorrente do coronavírus responsável pelo
prorroga os prazos para celebrar os acordos de redução pro- surto de 2019: I - os prazos processuais (considerados de
porcional de jornada e de salário e de suspensão temporária natureza urgente), a apreciação de matérias, o atendimento
do contrato de trabalho e para efetuar o pagamento dos às partes e a concessão de medidas protetivas que tenham
benefícios emergenciais de que trata a Lei nº 14.020, de 6 relação com atos de violência doméstica e familiar cometi-
de julho de 2020. Este decreto com 8 artigos traz discip- dos contra mulheres, crianças, adolescentes, pessoas idosas
linamento quanto ao prazo máximo para celebrar acordo e pessoas com deciência serão mantidos, sem suspensão; II
de redução proporcional da jornada de trabalho e de salário - o registro da ocorrência de violência doméstica e familiar

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

contra a mulher e de crimes cometidos contra criança, ado- satisfação de lascívia mediante presença de criança ou ado-
lescente, pessoa idosa ou pessoa com deciência poderá ser lescente, disposto no art. 218-A; II - naLei nº 11.340, de 7 de
realizado por meio eletrônico ou por meio de número de agosto de 2006(Lei Maria da Penha), o crime de descumpri-
telefone de emergência designado para tal m pelos órgãos mento de medidas protetivas de urgência, disposto no art.
de segurança pública. 24-A; III - naLei nº 8.069, de 13 de julho de 1990(Estatuto
O poder público deverá adotar as medidas necessárias da Criança e do Adolescente); IV - naLei nº 10.741, de 1º de
para garantir a manutenção do atendimento presencial de outubro de 2003(Estatuto do Idoso).
mulheres, idosos, crianças ou adolescentes em situação de Conforme dispõe oart. 158 do Decreto-Lei nº 3.689,
violência, com a adaptação dos procedimentos estabeleci- de 3 de outubro de 1941(Código de Processo Penal), mesmo
dos naLei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006(Lei Maria da durante a vigência da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de
Penha), às circunstâncias emergenciais do período de cal- 2020, ou de estado de emergência de caráter humanitário
amidade sanitária decorrente da pandemia da Covid-19. A e sanitário em território nacional, deverá ser garantida a
adaptação dos procedimentos deverá assegurar a continuid- realização prioritária do exame de corpo de delito quando
ade do funcionamento habitual dos órgãos do poder público se tratar de crime que envolva: I - violência doméstica e fa-
descritos naLei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006(Lei Maria miliar contra a mulher; II - violência contra criança, adoles-
da Penha), no âmbito de sua competência, com o objetivo de cente, idoso ou pessoa com deciência.
garantir a manutenção dos mecanismos de prevenção e re- Nos casos de crimes de natureza sexual, se houver
pressão à violência doméstica e familiar contra a mulher e à a adoção de medidas pelo poder público que restrinjam a
violência contra idosos, crianças ou adolescentes. circulação de pessoas, os órgãos de segurança deverão estab-
Se, por razões de segurança sanitária, não for possível elecer equipes móveis para realização do exame de corpo de
manter o atendimento presencial a todas as demandas re- delito no local em que se encontrar a vítima.
lacionadas à violência doméstica e familiar contra a mul- Os órgãos de segurança pública deverão disponibilizar
her e à violência contra idosos, crianças ou adolescentes, o canais de comunicação que garantam interação simultânea,
poder público deverá, obrigatoriamente, garantir o atendi- inclusive com possibilidade de compartilhamento de docu-
mento presencial para situações que possam envolver, efe- mentos, desde que gratuitos e passíveis de utilização em dis-
tiva ou potencialmente, os ilícitos previstos: I - noDecreto- positivos eletrônicos, como celulares e computadores, para
Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940(Código Penal), na atendimento virtual de situações que envolvam violência
modalidade consumada ou tentada: a) feminicídio, disposto contra a mulher, o idoso, a criança ou o adolescente, fac-
no inciso VI do § 2º do art. 121; b) lesão corporal de na- ultado aos órgãos integrantes do Sistema de Justiça - Poder
tureza grave, disposto no § 1º do art. 129; c) lesão corporal Judiciário, Ministério Público e Defensoria Pública, e aos
dolosa de natureza gravíssima, disposto no § 2º do art. 129; demais órgãos do Poder Executivo, a adoção dessa medida.
d) lesão corporal seguida de morte, disposto no § 3º do art. A disponibilização de canais de atendimento virtuais
129; e) ameaça praticada com uso de arma de fogo, disposto não exclui a obrigação do poder público de manter o aten-
no art. 147; f) estupro, disposto no art. 213; g) estupro de dimento presencial de mulheres em situação de violência
vulnerável, disposto no caput e nos §§ 1º, 2º, 3º e 4º do doméstica e familiar e de casos de suspeita ou conrmação
art. 217-A; h) corrupção de menores, disposto no art. 218; i) de violência praticada contra idosos, crianças. Nos casos

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

de violência doméstica e familiar, a ofendida poderá solici- agosto de 2006(Lei Maria da Penha).
tar quaisquer medidas protetivas de urgência à autoridade O juiz competente providenciará a intimação do ofen-
competente por meio dos dispositivos de comunicação de sor, que poderá ser realizada por meios eletrônicos, cienti-
atendimentoon-line. cando-o da prorrogação da medida protetiva.
Na hipótese em que as circunstâncias do fato justi- As denúncias de violência recebidas na esfera federal
quem a medida protetiva, a autoridade competente poderá pela Central de Atendimento à Mulher - Ligue 180 e pelo
conceder qualquer uma das medidas protetivas de urgência serviço de proteção de crianças e adolescentes com foco em
previstas nosarts. 12-B,12-C,22,23e24 da Lei nº 11.340, violência sexual - Disque 100 devem ser repassadas, com as
de 7 de agosto de 2006 (Lei Maria da Penha), de forma informações de urgência, para os órgãos competentes.
eletrônica, e poderá considerar provas coletadas eletronica- O prazo máximo para o envio das informações
mente ou por audiovisual, em momento anterior à lavratura referidas no caput do artigo 6º é de 48 (quarenta e oito)
do boletim de ocorrência e a colheita de provas que exija horas, salvo impedimento técnico.
a presença física da ofendida, facultado ao Poder Judiciário Em todos os casos, a autoridade de segurança pública
intimar a ofendida e o ofensor da decisão judicial por meio deve assegurar o atendimento ágil a todas as demandas ap-
eletrônico. resentadas e que signiquem risco de vida e a integridade da
Após a concessão da medida de urgência, a autor- mulher, do idoso, da criança e do adolescente, com atuação
idade competente, independentemente da autorização da focada na proteção integral, nos termos daLei nº 8.069, de
ofendida, deverá: I - se for autoridade judicial, comunicar à 13 de julho de 1990(Estatuto da Criança e do Adolescente)
unidade de polícia judiciária competente para que proceda e da Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 (Estatuto do
à abertura de investigação criminal para apuração dos fatos; Idoso).
II - se for delegado de polícia, comunicar imediatamente O poder público promoverá campanha informativa
ao Ministério Público e ao Poder Judiciário da medida con- sobre prevenção à violência e acesso a mecanismos de
cedida e instaurar imediatamente inquérito policial, deter- denúncia durante a vigência da Lei nº 13.979, de 6 de
minando todas as diligências cabíveis para a averiguação fevereiro de 2020,ou durante a vigência do estado de emer-
dos fatos; III - se for policial, comunicar imediatamente ao gência de caráter humanitário e sanitário.
Ministério Público, ao Poder Judiciário e à unidade de polí- De fato, a Lei 14.022 trouxe diversas medidas que
cia judiciária competente da medida concedida, realizar o impõem obrigações ao poder público, no entanto é per-
registro de boletim de ocorrência e encaminhar os autos ceptível que não trouxe maneiras para implementá-las. Um
imediatamente à autoridade policial competente para a ponto essencial desta alteração legislativa é o § 2º do Art.
adoção das medidas cabíveis. 4º que prevê o pedido de medidas protetivas remotamente
As medidas protetivas deferidas em favor da mulher através do atendimento on-line. A implementação logís-
serão automaticamente prorrogadas e vigorarão durante a tica dessa medida exige recursos nanceiros e humanos.
vigência da Lei nº 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, ou Pergunta-se: o poder público disponibilizará recursos para
durante a declaração de estado de emergência de caráter hu- efetivá-la em tempo a garantir a efetividade durante
manitário e sanitário em território nacional, sem prejuízo oestado de emergência de caráter humanitário e sanitário
do disposto noart. 19 e seguintes da Lei nº 11.340, de 7 de em território nacional?

126 127
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

O §3º do art. 4º da Lei 14.022 se refere às provas col- Lei 14.021, publicada no DOU de 8.7.202, dispõe
etadas eletronicamente ou por audiovisual em momento sobre medidas de proteção social para prevenção do contá-
anterior à lavratura do boletim de ocorrência e colheita de gio e da disseminação da Covid-19 nos territórios indígenas;
provas que exija a presença física da ofendida. Aqui é im- cria o Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19
portante que se destaque que não há prova sem que tenha nos territórios indígenas; estipula medidas de apoio às
passado pelo contraditório. Portanto, há uma atecnicidade comunidades quilombolas, aos pescadores artesanais e aos
na própria construção legislativa em questão, que trará na demais povos e comunidades tradicionais para o enfrentam-
prática complicações processuais que poderão caracterizar ento à Covid-19; e altera a Lei nº 8.080, de 19 de setembro
prova ilícita. A palavra da vítima tem muita importân- de 1990, a m de assegurar aporte de recursos adicionais nas
cia em processos que tratam sobre violência doméstica e situações emergenciais e de calamidade pública.
familiar contra a mulher, no entanto deve estar em con- A quantidade de matérias jornalísticas apresenta
formidade com os demais elementos probatórios obti- números alarmantes da dizimação das comunidades indí-
dos. Portanto, a vítima sozinha, on-line, não tem como genas brasileiras, em especial no que se refere às mulheres,
produzir elementos que atingirão direitos fundamentais de idosos e crianças. 
outra parte. O § 4º do mesmo artigo 4º deu à Autoridade Pela Lei 14.021 são abrangidos: I - indígenas isolados e
Policial (personicado na gura do Delegado de Polícia) e de recente contato; II - indígenas aldeados; III - indígenas que
ao policial a atribuição de concessão de todas as medidas vivem fora das terras indígenas, em áreas urbanas ou rurais;
protetivas previstas na Lei 11340/06, não se limitando IV - povos e grupos de indígenas que se encontram no País em
às hipóteses previstas na Lei13827/19. Quanto ao pros- situação de migração ou de mobilidade transnacional pro-
sional de carreira jurídica não se verica incongruência que visória; V - quilombolas; VI - quilombolas que, em razão de
se verica ao atribuir esses poderes a pessoa que não tem estudos, de atividades acadêmicas ou de tratamento de sua
formação técnica jurídica para apreciar pedido que verse própria saúde ou da de seus familiares, estão residindo fora
sobre limitações a direitos e garantias individuais. Está-se das comunidades quilombolas; VII - pescadores artesanais;
diante de agrante inconstitucionalidade. Ainda no caput VIII - demais povos e comunidades tradicionais.
do §4º do artigo 4º fala-se sobre a concessão da medida de De acordo com o art. 4º da Lei 14.021 foi criado o
urgência independentemente da autorização da ofendida. E Plano Emergencial para Enfrentamento à Covid-19 nos Ter-
os crimes que se procedem mediante representação da ví- ritórios Indígenas (Plano Emergencial), com o objetivo de
tima ou mediante queixa? Teria a Lei 14.022 tornado todos assegurar o acesso aos insumos necessários à manutenção
os crimes em situação de violência doméstica e familiar das condições de saúde para prevenção do contágio e da dis-
como crimes de ação penal pública incondicionada? seminação da Covid-19, bem como para o tratamento e a re-
Estamos diante de um aumento imenso da violência cuperação dos infectados, com observância dos direitos so-
contra a mulher durante a pandemia. A Lei 14.022 tem dis- ciais e territoriais dos povos indígenas. Cabe à União coord-
positivos que violam princípio e garantias constitucionais enar o Plano Emergencial e, conjuntamente com os Estados,
e numa análise resumida pode-se dizer que parece fruto de o Distrito Federal, os Municípios e as demais instituições
elaboração legislativa midiática. Uma lei com tantos erros públicas que atuam na execução da política indigenista e
técnicos, na prática, trará complicadores. com a participação efetiva dos povos indígenas por meio de

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

suas entidades representativas, executar ações especícas gena (Casais) para as necessidades emergenciais de acompan-
para garantir, com urgência e de forma gratuita e periódica, hamento e isolamento de casos suspeitos, conrmados e de
as seguintes medidas, entre outras: participação de Equipes contatos com a Covid-19, garantindo medicamentos,
Multiprossionais de Saúde Indígena (EMSIs) qualicadas e equipamentos de proteção individual e contratação de pro-
treinadas para enfrentamento à Covid-19, com disponibil- ssionais; nanciamento e construção de casas de campanha
ização de local adequado e equipado para realização de para situações que exijam isolamento de indígenas nas suas
quarentena pelas equipes antes de entrarem em territórios aldeias ou comunidades.
indígenas, bem como de equipamentos de proteção individ- O que é urgente?  Executar as medidas previstas na
ual (EPIs) adequados e sucientes; acesso a testes rápidos e Lei 14.021, sob pena de termos um aniquilamento das popu-
RT-PCRs, a medicamentos e a equipamentos médicos ad- lações tradicionais.
equados para identicar e combater a Covid-19 nos terri- Lei 14. 020, publicada no DOU de 7.7.2020, institui
tórios indígenas; organização de atendimento de média e o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da
alta complexidade nos centros urbanos e acompanhamento Renda; dispõe sobre medidas complementares para enfren-
diferenciado de casos que envolvam indígenas, com planeja- tamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo
mento estruturado de acordo com a necessidade dos povos, Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020, e da
que inclua: contratação emergencial de prossionais da emergência de saúde pública de importância internacional
saúde para reforçar o apoio à saúde indígena; disponibil- decorrente do coronavírus, de que trata a Lei nº 13.979, de 6
ização, de forma a suprir a demanda, de ambulâncias para de fevereiro de 2020; altera as Leis nos8.213, de 24 de julho
transporte - uvial, terrestre ou aéreo - de indígenas de suas de 1991, 10.101, de 19 de dezembro de 2000, 12.546, de
aldeias ou comunidades até a unidade de atendimento mais 14 de dezembro de 2011, 10.865, de 30 de abril de 2004, e
próxima, ou para transferência para outras unidades; con- 8.177, de 1º de março de 1991; e dá outras providências.
strução emergencial de hospitais de campanha nos Mu- Essa Lei diz respeito diretamente sobre a questão do
nicípios próximos das aldeias ou comunidades com maiores trabalho e as mulheres, especialmente no que se refere às
números de casos de contaminação por Covid-19; trans- gestantes. A MP 936 não tratou quanto à situação das emp-
parência e publicização dos planos de contingência, notas e regadas grávidas. Desse modo, as empresas deveriam buscar
orientações técnicas, vigilância e monitoramento epidemi- suas respostas nas leis trabalhistas e previdenciárias gerais
ológico dos casos relacionados à Covid-19 em territórios in- no que importa à licença-maternidade, ao salário-materni-
dígenas; elaboração e execução de planos emergenciais, bem dade e às questões relacionadas. Porém, a Lei 14.020 es-
como estabelecimento de protocolos de referência para tabeleceu expressamente regras aplicáveis às empregadas
atendimento especializado, transporte e alojamento dos in- gestantes e adotantes, dispondo expressamente que elas
dígenas; estabelecimento de rigoroso protocolo de controle podem participar do Programa Emergencial de Manutenção
sanitário e vigilância epidemiológica do ingresso nas terras do Emprego e da Renda. De acordo com o artigo 10 da Lei
indígenas e nas aldeias ou comunidades, preferencialmente 14.020, III, ca reconhecida a garantia provisória no emp-
com a disponibilização de testes rápidos para as EMSIs, com rego ao empregado que receber o Benefício Emergencial de
o objetivo de evitar a propagação da Covid-19 nos terri- Preservação do Emprego e da Renda, previsto no art. 5º desta
tórios indígenas; adequação das Casas de Apoio à Saúde Indí-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Lei, em decorrência da redução da jornada de trabalho e do artigo72 da Lei nº 8.213/91, sendo equivalente a uma renda
salário ou da suspensão temporária do contrato de trabalho mensal igual à remuneração integral da empregada, e, pago
de que trata esta Lei, nos seguintes termos: no caso da emp- diretamente pela empresa (que efetivará a compensação).
regada gestante, por período equivalente ao acordado para Para ns de pagamento, deve-se considerar como re-
a redução da jornada de trabalho e do salário ou para a sus- muneração integral ou último salário-de-contribuição os
pensão temporária do contrato de trabalho, contado a partir valores a que a empregada teria direito sem aplicação da
do término do período da garantia estabelecida na alínea “b” redução de jornada e salário e suspensão do contrato de tra-
do inciso II docaputdo art. 10 do Ato das Disposições Con- balho.
stitucionais Transitórias. A Lei 14.020 também estabelece que essas regras se
Uma importante regra relativa às gestantes e aplicam aos que adotarem ou obtiverem guarda judicial
adotantes diz respeito à licença maternidade, prevista no para ns de adoção, devendo ser observado o artigo71-A da
artigo 22 da citada Lei: a empregada gestante, inclusive a Lei nº 8.213/91. Além disso, o salário-maternidade deverá
doméstica, poderá participar do Programa Emergencial de ser pago diretamente pelo INSS. Esta lei também estabelece
Manutenção do Emprego e da Renda, observadas as con- regra especíca para essas empregadas no que importa à
dições estabelecidas nesta Lei. Ocorrido o evento caracter- garantia provisória no emprego. Como regra geral, os empre-
izador do início do benefício de salário-maternidade, nos gados que zerem os acordos de redução de jornada e de sa-
termos do art. 71 da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991: lário ou de suspensão do contrato de trabalho têm garantia
o empregador deverá efetuar a imediata comunicação ao provisória no emprego pela duração dos acordos, ou seja, um
Ministério da Economia, nos termos estabelecidos no ato de período equivalente à duração do acordo após o restabeleci-
que trata o § 4º do art. 5º desta Lei; III - o salário-materni- mento da jornada e do trabalho, ou do contrato de trabalho.
dade será pago à empregada nos termos doart. 72 da Lei nº As grávidas, portanto, podem ter redução salarial, mas gan-
8.213, de 24 de julho de 1991, e à empregada doméstica nos ham esse período posteriormente na estabilidade, garantia
termos do inciso I docaputdo art. 73 da referida Lei, consid- também de qualquer outro empregado. Como preceitua o
erando-se como remuneração integral ou último salário de art. 24 desta Lei, os acordos de redução proporcional de jor-
contribuição os valores a que teriam direito sem a aplicação nada de trabalho e de salário e de suspensão temporária do
das medidas previstas nos incisos II e III docaputdo art. 3º contrato de trabalho celebrados entre empregadores e emp-
desta Lei. regados, em negociação coletiva ou individual, com base na
Prevê-se na lei que, se ocorrer o evento caracterizador Medida Provisória nº 936, de 1º de abril de 2020, regem-se
do início do salário-maternidade (em regra, o nascimento do pelas disposições da referida Medida Provisória.
bebê, mas também pode ser o início da licença maternidade Recomendação nº 01, de 16.4.2020, publicada no
anteriormente ao nascimento), o empregador deverá com- DOU de 17.4.2020 - Edição extra, dispõe sobre cuidados a
unicar esse fato imediatamente ao Ministério da Economia. crianças e adolescentes com medida protetiva de acolhi-
Quando isso ocorrer, interrompe-se a redução de jornada e mento, no contexto de transmissão comunitária do novo
salário ou a suspensão do contrato, bem como o pagamento Coronavírus (Covid-19), em todo o território nacional e dá
do Benefício Emergencial. Também estabelece a lei que o outras providências. Destacam-se os parágrafos 10 e 11 do
salário-maternidade será pago à empregada nos termos do artigo 1º que dispõem que nas localidades onde, para pre-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

venção da disseminação da Coronavírus (Covid-19), seja ne- quem mais foi destinado crédito a partir desta MP foi a Edu-
cessário restringir as visitas, devem ser viabilizados meios cação Superior - Graduação, Pós-Graduação, Ensino, Pesqu-
que possibilitem a manutenção do contato remoto com fa- isa e Extensão, que abriu editais para as áreas de farmácia e
miliares e pessoas relevantes para a criança e o adolescente. medicina, nenhuma pesquisa da área de humanas que tenha
E que deve ser dada especial atenção às crianças e aos ado- por objetivo fazer o mapeamento das violências contra as
lescentes com baixa imunidade ou com outros problemas de mulheres.
saúde que possam congurar risco no caso de infecção pelo Portaria nº 121, de 27.3.2020, publicada no DOU de
Coronavírus, COVID-19, com a adoção de medidas e pro- 30.3.2020 - execução remota das atividades laborais pelos
cedimentos que sejam mais favoráveis à sua proteção. Essa servidores e empregados públicos, no art. 1º, alínea “e”, es-
temática está diretamente ligada à questão da maternidade. tabelece, dentre outros prossionais, o teletrabalho para
Lei nº 13.987, de 7.4.2020, publicada no DOU de gestante ou lactante.
7.4.2020 - Edição extra - Altera a Lei nº 11.947, de
16 de junho de 2009, para autorizar, em caráter excep- CONSIDERAÇÕES FINAIS
cional, durante o período de suspensão das aulas em razão Fez-se um mapeamento e análise de normas jurídicas
de situação de emergência ou calamidade pública, a dis- relacionadas à mulher durante a pandemia da COVID-19 no
tribuição de gêneros alimentícios adquiridos com recursos Brasil. Trata-se das principais alterações, de março a julho
do Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae) aos de 2020, de leis que impactam diretamente na vida de mu-
pais ou responsáveis dos estudantes das escolas públicas de lheres, seja em caso de violência doméstica ou em caso de
educação básica. Esta lei curta, de dois artigos, traz esse emprego. Quanto ao disciplinamento federal sobre as mu-
disciplinamento no artigo primeiro e garantea distribuição lheres grávidas e lactantes que estão encarceradas, não há
imediata aos pais ou responsáveis dos estudantes nelas ma- nenhuma alteração legislativa. O que é por sua vez uma la-
triculados, com acompanhamento pelo CAE, dos gêneros cuna perigosa.
alimentícios adquiridos com recursos nanceiros recebi- Publicações renomadas dão conta sobre como as lid-
dos, nos termos desta Lei, à conta do Pnae. eranças femininas que comandam países como Alemanha,
Medida Provisória nº 942, de 2.4.2020 - Publicada no Islândia, Taiwan e Nova Zelândia encontraram maneiras al-
DOU de 2.4.2020 - Edição extra - B, Abre crédito extraor- ternativas de exercer o poder. As medidas, introduzidas
dinário, em favor da Presidência da República e dos Min- pelas mulheres à frente destes países, fez com que houvesse
istérios da Educação, da Justiça e Segurança Pública, e da um controle da disseminação do vírus, medidas concretas
Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, no valor de R e certeiras para a efetivação do isolamento social, tam-
$ 639.034.512,00, para os ns que especica, deste mont- bém possibilitaram a divulgação de informações baseadas
ante total apenas R$ 45.000.000 ao Ministério da Mulher, em fatos sobre o gerenciamento da pandemia. Utilizaram-
da Família e dos Direitos Humanos para Proteção à Vida, se de dois elementos essenciais: empatia e o cuidado para
Fortalecimento da Família, Promoção e Defesa dos Direitos lidar com a pandemia e isso fez grande diferença que sin-
Humanos para Todos. Sem dinheiro destinado à proteção da alizam afrouxamento das restrições em breve. 2020 é ano
mulher, diante do quadro gravoso da violência doméstica político no Brasil. Teremos eleições municipais de Prefeitas
que se alastrou, ca difícil ter alguma atuação concreta. A e Vereadoras. As eleições foram adiadas para novembro. É

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EZILDA MELO

necessário que votemos em mulheres, porque em situação


de crise Łca evidente que sem termos representação política
é difícil termos voz e direitos assegurados. É urgente OS DESAFIOS DO CUIDAR E SER CUIDADA
reconhecer nas lideranças femininas, com bandeiras de luta - ESTRATÉGIAS DE ACOLHIMENTO DAS
política em prol da efetivação de direitos, lugar de mudança MULHERES TRANS DURANTE A PANDEMIA
e de poder. É improtelável que as mulheres deixem de trabal-
Rachel Macedo Rocha [146]
har na invisibilidade do lar e trabalhem no espaço público,
Fe Maidel [147]
sem a obrigatoriedade da dupla ou tripla jornada. É preciso
que ocorra uma alteração da questão do trabalho domé- Este artigo surge em um momento que a condição de
stico: que as mulheres que exercem este trabalho com re- precariedade (Butler, 2018)[148], de mulheres já expostas a
muneração, tenham oportunidade educacional e de outros limites extremos de violências estruturais, se deparam com
empregos. As mulheres que já exercem trabalho remunerado um quadro ainda mais cruel, desde a decretação da calami-
fora, precisam de apoio estatal com creches e desconstrução dade de saúde pública, pela Organização Mundial de Saúde -
social de um imaginário masculino que ainda não percebeu OMS, da pandemia do coronavírus, o da aniquilação do outro,
a necessidade de limpar o que sujou, cozinhar para si, cui- mas que não se limita ao corpo, mas na impossibilidade de viver
dar dos Łlhos e cumular os trabalhos domésticos. Cuidado e uma vida com dignidade, como sugere Duarte (2020)[149]. E
trabalho divididos de forma uniforme, sem pender para um neste cenário nunca foi tão urgente o registro da sobrevivên-
lado que historicamente já trabalhou demais na invisibili- cia de mulheres transexuais e travestis, cujas vivencias são
dade, para que a história social mude e traga alterações nas desaadoras nesta aldeia global.
economias mundiais que não se sustentam sem a força do Uma entrevista de Yanci e Butler (2020)[150] nos
trabalho feminino. toca profundamente neste momento em que nós mesmas,
mulheres ativistas, militantes de direitos humanos e
acadêmicas, estamos isoladas no plano dos cuidados e das
recomendações impostas pela OMS, e nos mobilizamos a es-
crever sobre as vulnerabilidades que todos estamos expos-
tos, como bem lembra Butler na entrevista, mas principal-
mente sobre quem o horizonte futuro já estava se fechando há
um bom tempo. Butler tem sido uma inspiração, nos lembra
Bento (2018)[151], pois vem de ambas, e tantas outras autoras
e autores, o alento que nos instiga neste tempo de tanto
apagamento de vidas não humanas neste lugar que habita-
mos, parafraseando Bento (2018).
A pandemia expôs desigualdades históricas e desaou
a sociedade civil a se mobilizar frente às formas de violên-
cias que alcançaram todas as mulheres. A pandemia passa,

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

a violência não , diz a fala de uma mulher trans, o que pelo Tribunal de Justiça de São Paulo nos primeiros meses da
nos sugere a seguinte questão: Que vidas tem merecido o quarentena.
cuidado neste estado de pandemia? Sem trazer respostas O Relatório do Fórum compara o período de março
fechadas, vamos expor o quadro da violência que se acirra de 2019 a março de 2020, e informa que o número de so-
na crise de saúde pública global, e como se deram as ar- licitações e concessões de medidas protetivas de urgência,
ticulações do movimento LGBTQI que, inesperadamente, decorrentes da Lei nº11.340, de 2006, Lei Maria da Penha,
driblou antigos fantasmas e se mobilizou diante do atual pe- apresentaram queda de, respectivamente, 3,7% e 8,8% durante
sadelo. O tema propõe dialogar sobre as micromudanças no o mês de março no estado do Acre quando comparado ao mesmo
cotidiano e como elas são de grande relevância, indica Cruz e período do ano passado. Já em São Paulo, houve aumento de 2,1 %
outros, (2016, p. 87)[152]: No micro espaço também se produz mu- de solicitações e de 31% de concessões das medidas, assim como
dança social. (...). As pequenas revoluções no cotidiano já fazem no estado do Pará, que registrou aumento de 8,9% de concessões.
diferença na vida das pessoas. É o que vai reetir, ainda, o levantamento realizado
pelo Tribunal de Justiça de Santa Catarina[155], com relação
A PANDEMIA E A VIOLÊNCIA DE GÊNERO. O AVANÇO ao número de processos/inquéritos envolvendo violência
QUE AGONIZA doméstica e familiar contra a mulher durante o mês de maio
Tramita no Congresso Nacional, Projeto de lei que es- de 2020, que registrou 1016 medidas, contra 1720 de março
tabelece medidas de acolhimento institucional às mulheres e abril. No Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
e seus dependentes que forem vítimas de violência domés- (TJRJ) houve um aumento de cerca de 50%, desde o início do
tica durante a pandemia de Covid-19. A matéria seguiu para isolamento social, em março de 2020. Muitas vezes a violên-
o Senado Brasileiro que deverá apreciar importante medida cia doméstica é mascarada por outras violências durante
aŁrmativa para as mulheres, e talvez já esteja aprovada ou o isolamento social, destacam prossionais do judiciário.
até sancionada quando da publicação deste texto, o que Para visibilizar essas violências Tribunais de Justiça e outras
desejamos muito. instituições de proteção às mulheres, criaram mecanismos
No Brasil, em pleno século XXI, as estatísticas apon- por meio de Internet, por aplicativos e por telefone, inclu-
tam para um quadro lamentável de aumento da violência sive de forma anônima, – observou Claudia Leite de Mor-
das mulheres. Os casos de feminicídio cresceram 22,2%, aes, do IMS/Uerj e do curso de Pós-Graduação em Saúde
entre março e abril de 2020, em 12 estados do país, com- da Família da Universidade Estácio de Sá, em entrevista de
parativamente ao ano passado, descreve o Relatório reali- maio do corrente:
zado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)[153], e
divulgado no começo de junho deste ano. O documento [154], Para a maioria das pessoas Łcar em casa nesse mo-
mento de quarentena é sinônimo de proteção. Mas
também, informa que apesar da redução do número de para muitas mulheres, de diversas idades e condições
denúncias ao Telefone Rosa, o número não rełete a realid- econômicas, que também precisam lidar com o medo
ade, dada as circunstâncias da agressão, considerando que a de contaminação pelo vírus, a quarentena representa
vítima e agressor ocupam o mesmo espaço neste período de o desaŁo de permanecer trancada com o agressor em
seu próprio lar, 24 horas por dia. [156]
isolamento social, o que diŁculta o aceso à denúncia e causa
uma subnotiŁcação da violência de gênero, como registrado

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Dia Internacional de Combate à LGTfobia, pela Organização


Preocupada com o possível avanço dessa violência, a das Nações Unidas (ONU). A grande preocupação se volta
ONU Mulheres já havia alertado para o quadro no período da à violência familiar. Uma pesquisa[160] realizada por meio
quarentena, desde o início da decretação da pandemia. É im- de aplicativo e divulgado pela Fundação Thomson Reuters,
portante ressaltar que este conjunto de violência é mundial, aŁrma que dos 3,5mil entrevistados, 30% responderam que
daí a importância do documento elaborado pela ONU para não se sentiam seguros em casa. A pesquisa é ratiŁcada pela
que Chefes de Estados implantassem medidas com vistas a Ong Arco Iris, no Rio de Janeiro, que destacou a violência
frear as ocorrências. No caso da América Latina e Caribe, contra a população trans. A entidade acolheu a população
segundo a entidade, há uma concentração de altos índices de durante o período de pandemia, aconselhando para casos de
violência generalizada, e principalmente por violência de violência doméstica, ao mesmo tempo que socorreu neces-
gênero, o que exigiu a edição da Resolução nº 1 de, 2020[157], sidades básicas com doações de cestas básicas, cujas vulner-
com recomendações aos Governos dos Estados Membros, abilidades se acentuaram desde o começo da decretação do
em razão da situação voltada às pessoas vulneráveis. Dentre isolamento social. Fome e pedidos de abrigos foram os pedi-
outras recomendações, a de nº 51 da Resolução propõe: dos mais registrados, desabafa a representante da entidade.
O cuidar era urgente.
51. Fortalecer los servicios de respuesta a la violencia
de género, en particular la violencia intrafamiliar y la
MULHERES NA PANDEMIA: QUEM CUIDA DE QUEM?
violencia sexual en el contexto de conŁnamiento. Re-
formular los mecanismos tradicionales de respuesta, No dia 28 de abril, de 2020, Lorys Verônica Ciccone es-
adoptando canales alternativos de comunicación y creveu a seguinte postagem em sua rede social :
fortaleciendo las redes comunitarias para ampliar los
medios de denuncia y órdenes de protección en el Sabe essa vulnerabilidade? Sabe esse sentimento de
marco del periodo de conŁnamiento. Así como desar- abandono? Sabe esse isolamento social? Sabe esse
rollar protocolos de atención y fortalecer la capacidad medo de sair de casa? Sabe esse receio de que a
de los agentes de seguridad y actores de justicia in- qualquer momento algo ruim pode acontecer? Sabe
volucrados en la investigación y sanción de hechos de esse sentimento de impotência? Pois é, não é vit-
violencia intrafamiliar, así como llevar a cabo la dis- imismo isso tudo nós mulheres travestis sentimos a
tribución de materiales de orientación sobre el manejo muito tempo, é difícil lidar, aceitar e viver, mas nós
de dichos casos en todas las instituciones estatales. aprendemos. Nenhuma novidade pra nós. A gente
já #Ficavaemcasa muitas vezes com vontade de sair,
A violência que agoniza todas as mulheres, isolou, porém com medo de ir e não voltar. Hoje isso é por
ainda mais, mulheres transexuais e travestis. No país que causa de uma pandemia, corona vírus. Vivemos assim
durante décadas e devido a outra pandemia, tão cruel
mais mata a população trans no mundo [158], a violência e letal quanto. O preconceito, violência e impunidade.
cresce desde o começo de 2020. O vírus, que aparentemente O corona vírus vai passar já a outra infelizmente vai
se apresenta como um vírus democrático, é uma Łcção, continuar.[161]
alerta Wolŀ e outros (2020)[159], considerando as circunstân-
Lorys fala do isolamento social que a população trans
cias, os cuidados e o acesso à vida vivível.
vivência há muitos anos. Esse distanciamento, que sempre
O alerta dos riscos de isolamento social de pessoas
excluiu travestis, mulheres transexuais e homens trans de
LGBTI foi disparado em maio de 2020, por ocasião do
inúmeros espaços públicos e coletivos, acentuou de vez na

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

pandemia, ante a ausência de políticas públicas no Brasil de ação, preconceito e violência institucional em relação a
proteção e promoção da igualdade de gênero. A preocupação pessoas trans no Peru, Panamá e México, neste período de
parece evidente na fala de Bruna Benevides, Secretaria de pandemia e tem apelado aos Estados para que garantam o
Articulação Nacional da Associação Nacional de Travestis e acesso das pessoas LGBTI aos serviços de saúde. No caso do
Transexuais - Antra: Brasil, o silêncio do Estado não é de hoje, e a dívida é im-
pagável (Butler, 2020)[163]. Em meio ao descaso uma grande
A precarização de determinada parcela da popu-
lação faz parte de um plano global genocida para rede de mobilização surge do próprio universo LGBTQIA+
exterminar vidas que enfrentam processos históricos com um único objetivo: Cuidar de todos e todas e não deixar
de vulnerabilização, a m de cumprir o plano de ninguém para trás!
defesa da propriedade privada de uma casta superior
O início da pandemia, desencadeou nos grandes
pautada na branquitude empresarial....
centros urbanos do país, um esforço gigantesco para captar e
O Boletim nº 2 da Antra registrou que nos dois pri- distribuir alimentos, buscando diminuir os efeitos do isola-
meiros meses do ano de 2020, houve um aumento de 90% mento social sobre parte signicativa da população urbana.
dos casos de assassinatos em relação ao ano anterior. Entre Revigorando a experiência em rede que organizou
01/01 e 28/02/2020 foram registradas 38 notiŁcações, con- parte da comunidade LGBT, entre os anos 80 e início dos
tra 20 do mesmo período de 2019. Em relação ao quadrime- anos 2000, como a Antra, a Rentral e a Redetrans, e tendo
stre de 2019, houve um aumento de 48% de assassinatos. em vista a consciência de que a ajuda, se e quando viesse,
No que se refere aos cuidados dos sujeitos no período seria escassa, vários grupos de apoio a travestis, transexuais
da pandemia, a Resolução da CIDH recomenda a intervenção e transhomens se engajaram para criar uma rede de âmbito
dos Estados Membros no acolhimento da população LGBT, nacional para acolhimento à comunidade LGBT, a partir das
principalmente das pessoas trans, por meio de políticas Casas que já fazem este trabalho localmente, em várias ci-
públicas no período da pandemia: dades do país.
68. Garantizar la inclusión de las personas LGBTI, en Foi criada, então, por iniciativa de Indianara Siqueira,
particular las personas trans que se encuentran en ativista e fundadora da Casa Nem, no Rio de Janeiro, a Rede
un ciclo de pobreza, exclusión y falta de acceso a la Brasileira de Casas de Acolhimento LGBTIA+ - REBRACA
vivienda, en la formulación de políticas de asistencia LGBTIA, “com representantes de Casas de Acolhimento, for-
social durante la pandemia –incluyendo acceso a vivi-
enda y refugio seguros– así como en las eventuales me- mada por mais de 30 Casas e trabalhos voluntários em todo
didas de reactivación económica. o Brasil, em sua grande maioria mantidas por iniciativa
71. Adoptar campañas de prevención y combate popular ou organizações não-governamentais, e responsável
contra la homofobia, transfobia y discriminación ba- por uma sensível diferença na maneira como as populações
sada en orientación sexual, garantizando la protec-
ción a los derechos de identidad de género, dirigidas atendidas se percebem acolhidas.”
especialmente a personal de salud y de seguridad del A Rebraca surge com representantes de casas de acol-
Estado que tenga a su cargo medidas de atención y himento de todo o Brasil, para discutirmos questões e
contención de la pandemia. ações a serem tomadas pra ajudar LGBTIA+ frente a
pandemia do Corona Vírus (Covid 19) [...] ajudando
A CIDH[162], tem advertido para casos de discrimin- a suprir as necessidades da comunidade LGBTIA+ e

142 143
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

outras populações vulneráveis que possamos ajudar vezes for preciso.


no Brasil.[164]
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Este esforço, nas palavras de Indianara, procurava
Este artigo teve o objetivo de trazer algumas con-
fazer com que as várias ações “fortalecessem umas às outras
siderações sobre a situação das mulheres no contexto da
nesse momento de pandemia, para que as pessoas que fazem
pandemia do coronavírus e estratégias que se valeram a
este trabalho não se sentissem sozinhas, Foi pensado não só
população LGBTQI+ para amenizar quadros de violências
para ajudar a comunidade LGBT, mas também a prossionais
acentuados no período. A partir de levantamentos realiza-
do sexo e outras populações vulneráveis, como moradores
dos em instituições públicas e privadas, organizações não
de rua e os animais moradores de rua”.
governamentais, relatos de proŁssionais, matérias de ativ-
Por meio de postagens nas redes sociais e nas páginas
istas de direitos humanos, artigos acadêmicos, Łzemos um
das Casas participantes, buscou-se ampliar o alcance da
breve relato sobre o aumento da violência doméstica no
rede, não só para a arrecadação e entrega de cestas básicas,
país, explorando, ainda, outras formas de violência que não
mas, principalmente, montar uma rede em vários estados
se restringem ao espaço doméstico.
e municípios que permitem o intercâmbio de experiências,
IdentiŁcamos que a violência de gênero é estrutural, é
apoio, troca de ajuda e de encaminhamento para que não
mundial e nesta, as diŁculdades encontradas por outras mu-
se sentissem sozinhas, para que se pudesse fazer isso a nível
lheres que não se enquadram aos padrões heterocisnormat-
nacional, pois é um “trabalho bem complicado e árduo”,
ivo, o quadro de violências foi escancarado neste tempo em
nos diz Indianara. A experiência fortalece a população trans
que o mundo se viu diante de um cenário de perdas de toda
ante o isolamento já imposto pela sociedade que Lorys rela-
ordem. Parece-nos que as mulheres transexuais, travestis
tou.
e outros sujeitos vulneráveis, estão muito mais expostas
Nesta mobilização era preciso ir além das campanhas
neste pesadelo que nos ałige. A angústia de Lorys não é em
de arrecadação e entrega de cestas básicas, era preciso prin-
vão, pois os dados estão aí para revelar a condição da precar-
cipalmente ressaltar o apoio mútuo, de quem precisa da
iedade das vidas daqueles e daquelas já ameaçados pelo dire-
ajuda e de quem está ajudando, dada a situação limite; então
ito à vida.
foi preciso fortalecer a rede de apoio e cuidados.
A pandemia escancarou todo um quadro dos corpos
A REBRACA e outras iniciativas de acolhimento e
descartáveis, diz Mello, 2020[166]. A ausência de políticas
solidariedade da população LGBTQIA+ neste período de
públicas para essa população sempre foi um nó na gestão
pandemia, surgem em um momento de desesperança no
pública e, em meio a pandemia é urgente que seja repensada
mundo. A rede supre as demandas não cumpridas pelo Poder
a partir de novos desenhos, como as micromudanças en-
Público, e de grande conhecimento da população LGBTQI
saiadas pelo movimento social organizado e possibilitaram
+. A articulação da sociedade civil é, sem dúvida, de ex-
algumas mudanças nas vidas das pessoas país afora. Seria
trema importância. Em meio a tantas incertezas, a experiên-
desejável que a experiência de agora fosse um referencial
cia para socorrer aqueles e aquelas já tão agonizados pela
às instituições públicas no redesenho do futuro. Que neste
violência, recorre ao caminho proposto por Butler, 2020[165],
novo desenho o reconhecimento da humanidade desses su-
o de impulsionar ainda mais as humanidades, e quantas
jeitos seja o norte neste território do hemisfério sul.

144 145
PANDEMIA E MULHERES

e saúde sexual e reprodutiva das mulheres, expondo às


lentes de aumento do contexto pandêmico as desigualdades
O ADEUS PRECOCE: A MORTE DE MULHERES vigentes em nossa sociedade.
GRÁVIDAS E PUÉRPERAS COMO VIOLAÇÃO Documento que tem se tornado referência atual sobre
DE DIREITOS HUMANOS E PRÁTICA DA a temática foi produzido pelas organizações sociais de ns
NECROPOLÍTICA NO ESTADO BRASILEIRO comuns designadas Think Olga e Think Eva, voltadas para
o tratamento interseccional das questões afeitas às mul-
Fernanda Abreu de Oliveira[167]
heres. Trata-se do relatório designado “Mulheres em tempos
OS DESAFIOS IMPOSTOS ÀS MULHERES PELO PRO- de pandemia: os agravantes de desigualdades, os catalisadores
CESSO PANDÊMICO E A MORTE DE GRÁVIDAS E PUÉ- de mudanças”.[170] Após indicar que seu norte central seria
RPERAS POR FORÇA DA COVID-19 a Declaração e Plataforma de Ação de Pequim para a pro-
Textos compostos sob os desígnios contextuais da moção dos Direitos das Mulheres, o relatório divide a abord-
Covid-19 são escritos à luz de uma realidade que se arma agem a que se propõe em três eixos: violência contra a mul-
terrivelmente no momento presente, sem espera pelo cos- her, mulher, trabalho e economia e mulher e saúde.
tumeiro distanciamento histórico. Essa realidade é vislum- No eixo 1, partindo do conceito de violência contra a
brada em tempo real, quase que por uma superconsciência mulher como qualquer ato de violência baseada no gênero,
dos limites e das desigualdades a partir dos quais está eri- seja de natureza física, seja de ordem sexual ou psicológica, o
gida a sociedade na qual vivemos. E, quando se trata da relatório lembra que os Objetivos de Desenvolvimento Sus-
violência que assola a vida das mulheres, tem-se, hoje, no tentável de Igualdade de Gênero apontam como meta para
Brasil, um “quadro que já perdeu o traço surrealista para um alcance até 2030 a eliminação de todas as formas de violên-
realismo hediondo”. [168] cias contra as mulheres nos espaços públicos e privados,
Quando a antropóloga Denise Pimenta[169] armou o ressaltando que “os casos de violência doméstica aumentam
caráter genericado da experiencia do cuidado em Serra em períodos de estresse e perturbação prolongados, como crises
Leoa - África, onde esteve para estudar as razões pelas quais nanceiras e desastres naturais”. Para o caso, recebem
a epidemia de ebola nos anos de 2013 a 2016 matou mais destaques fatores externos passíveis de funcionarem como
mulheres que homens, é obvio que ela não poderia anteci- “gatilho para explosão de tensões”, tais quais o desemprego
par o que vivemos atualmente. Mas sua observação sobre a e o consumo de álcool, assim como causas do problema
referida epidemia e a perspectiva privilegiada que ela oferta relacionadas à desigualdade e “desequilíbrio dos papéis so-
acerca dos conitos políticos e das desigualdades sociais e ciais de homens e mulheres”, todos agravados pelo alarga-
econômicas se adequa claramente ao contexto do Covid-19, mento do período de convivência dentro de casa.
que escancara a olho nu essas mesmas desigualdades, cujo No eixo 2, o problema é associado ao fato de que “a
caráter genericado é marcante. crise econômica agrava ainda mais a situação de mulheres em
O isolamento social imposto pela pandemia nomin- trabalho informal, pequenas e médio empreendedoras, mães e
ada de Covid-19 gerou um aprisionamento que coloca lado a mulheres em empregos mal-remunerados”. O destaque aí segue
lado os temas violência contra a mulher, sobrecarga laboral para: a feminização da pobreza; a informalidade laboral;
a interseccional desigualdade de raça, gênero e classe no

146 147
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

labor; as diculdades enfrentadas pelas mulheres mães para conta de que o Brasil, atualmente, possui 77% (setenta e sete
ingressar e se manter no mercado de trabalho e suas jornadas por cento) das mortes de gestantes e puérperas por força da
múltiplas relacionadas a trabalhos invisibilizados. Para as Covid-19 em todo o mundo, conforme registros ociais. [174]
referidas organizações, “num cenário de crescente instabili- O estudo que embasa a armação foi publicado no Inter-
dade, são as mulheres que carregam os custos físicos e emocion- national Journal of Gynecology and Obstetrics, no último dia 09
ais mais duros”. de julho de 2020, tendo sido realizado por enfermeiras e ob-
No eixo 3, designado Mulheres e Saúde, destaca-se que, stetras relacionadas à Unesp, UFSCAR, IMIP e UFSC, as quais
embora os homens, segundo a Ministério da Saúde, sejam os avaliaram dados do SIVEP - Gripe - Sistema de Informação da
mais atingidos pelo Covid-19 (57,7% dos óbitos registrados Vigilância Epidemiológica da Gripe – pertencente ao Minis-
no Brasil), as mulheres são 57% dos idosos brasileiros. No tério da Saúde.
mais, quando não integram o grupo de risco, são a maioria na Foram apontadas no estudo 124 mortes de mulheres
chamada linha de frente dos cuidados aos doentes: são 70% gestantes ou em período puerperal por força da Covid-19,
dos prossionais da saúde e 84,7% dos auxiliares e técnicos no Brasil, indicando que em nosso país morreram mais mul-
de enfermagem.Destaca-se, aí, que mesmo em casa são elas heres grávidas e puérperas do que a soma de mortes de igual
as principais cuidadoras familiares, dedicando-se gratuita- natureza em todo o mundo, com maior número de faleci-
mente a isto, além de destacar que no Brasil 11 milhões de mentos no curso do puerpério (período de até quarenta e
famílias são geridas por mães solo, razão pela qual “sofrem dois dias após o parto).
diretamente com a sobrecarga, exaustão e estresse diários”. O número aponta para um percentual de mortandade
Por m, o relatório destaca a vulnerabilidade particular de 12,7% da população de grávidas e puérperas brasileiras,
das mulheres trans e indígenas, com severas diculdades de tendo avaliado o diagnóstico de 978 (novecentas e setenta
acesso a direitos básicos, razão pela qual enfatiza-se a neces- e oito) mulheres com Covid-19, com indicativo de possível
sidade de um olhar interseccional para a realidade das mul- subnoticação, haja vista a política estatal de testagem que
heres no contexto pandêmico. contempla a obrigatoriedade do exame apenas para casos
A multiplicação de notícias no Brasil que dão conta mais graves.
de que as mulheres seriam o grupo social mais afetado Além da imunodeciência associada ao período, as
pelo novo coronavírus, seja quando o assunto é impacto pesquisadoras apontam os seguintes fatores como possíveis
econômico [171], transitando pela questão da sobrecarga causas: atendimento pré-natal de baixa qualidade, ausência
decorrente da suspensão de aulas em todo o mundo e suas de recursos para cuidados críticos e de emergência, dispari-
consequências para as mulheres-mães no equilíbrio entre o dades raciais no acesso aos serviços de maternidade, violên-
cuidado em tempo integral e o home oce, além da im- cia obstétrica e barreiras adicionais de acesso à saúde por
portância das redes de solidariedade e apoio [172]. Isto tam- força da pandemia.
bém para insistir sempre na perspectiva das múltiplas jor- Somando-se à possível subnoticação e ao aponte da
nadas e da presença maciça das mulheres na linha de frente baixa qualidade dos serviços de saúde ofertados a essa popu-
do combate ao Covid-19. [173] lação, o estudo apontou a insuciência de prossionais da
Não bastasse um contexto de tal ordem nefasto e in- saúde e de recursos ligados à terapia intensiva nos serviços
compatível com a vida digna de mulheres e meninas, tem-se de maternidade do Brasil. Já quanto às mulheres grávidas

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

e puérperas que morreram, registra-se o seguinte: 22,6% ito ao atendimento prioritário em hospitais, órgãos e emp-
(vinte e dois virgula seis por cento) delas não foram ad- resas públicas e bancos (Lei n. 10.048/2004); a indicação
mitidas na UTI, apenas 64% (sessenta e quatro por cento) de acompanhante para o período do trabalho de parto e no
delas usufruíram de ventilação invasiva e 14,6% (quatorze período pós-parto (Lei n. 11.108/2005), com impossibili-
vírgula seis por cento) delas não teve nenhum suporte ven- dade de recusa de atendimento em hospital, maternidade ou
tilatório. A isto o estudo.[175] casa de parto nos casos de urgência.
O que temos a considerar em face do referido quadro A partir da declaração e Plataforma de Ação da IV Con-
é que ele se mostra violador dos direitos humanos e funda- ferência Mundial sobre a Mulher, ocorrida em Pequim[176], em
mentais titularizados pelas mulheres grávidas e puérperas, 1995, vê-se que um de seus objetivos estratégicos (C.1) diz
sendo este mais um fator agravante da desigualdade que as- respeito à promoção do acesso a serviços de atendimento
sola a vida das mulheres brasileiras dentro e fora dos contex- à saúde e à informação de baixo custo, adequados e de boa
tos pandêmicos. Do ponto de vista teórico, para ns deste qualidade, indicando que se deve, em especial:
trabalho, entende-se que a forma como o Estado Brasileiro
i) fortalecer e reorientar os serviços de saúde, em espe-
tem considerado a referida realidade, de forma omissa e cial os de atendimento primário à saúde, com os objet-
negligente, congura claramente aspectos da sua política de ivos de dar, às meninas e às mulheres, acesso universal
morte, ato consciente de necropolítica, de escolha nefasta a serviços de saúde de qualidade; de reduzir as en-
fermidades e a morbidez derivadas da maternidade
entre quem deve e pode viver e quem deve e pode morrer. O
e a alcançar mundialmente o objetivo convencionado
item que se seguem a este explora tal viés. de reduzir a mortalidade derivada da maternidade a
50% do nível de 1990, até o ano 2000, e de mais 50%
A VIOLAÇÃO DOS DIREITOS REPRODUTIVOS DAS até o ano 2015; assegurar que cada área do sistema
MULHERES NO CONTEXTO PANDÊMICO ENQUANTO de saúde ofereça os serviços necessários e tomar as me-
VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS E PRÁTICA DE NE- didas oportunas para tornar acessíveis os serviços de
saúde reprodutiva, por meio do sistema primário de
CROPOLÍTICA NO ÂMBITO DO ESTADO BRASILEIRO
atendimento à saúde, a todas as pessoas em idade
Em uma perspectiva infraconstitucional, muitos são de receber esse atendimento, tão cedo quanto possível
os direitos reprodutivos normativamente estabelecidos e antes de 2015;
que impactam muito diretamente na vida de mulheres e
meninas. Para o caso presente, considerando a situação São muitas as previsões e as implicações destas pre-
das mulheres grávidas ou puérperas, vale destacar: o visões e os riscos de saúde e morte aos quais são expostas
pleno acompanhamento durante a gravidez xada Lei n as mulheres em situação de gravidez e puerpério e é exa-
° 9.263/96, de forma gratuita e através do SUS, com gar- tamente por isto que os documentos internacionais asso-
antias de atendimento em todos os ciclos vitais da mulher, ciados aos Direitos Humanos das Mulheres no período de
incluindo assistência à concepção, assistência pré-natal e pandemia da Covid-19 indicam aos Estados-nação a necessi-
assistência ao parto, puerpério e neonato. Há ainda a gar- dade premente de manutenção dos serviços.
antia de conhecimento e vinculação prévios à maternidade Inclusive, os documentos produzidos até o momento
onde o parto acontecerá e onde ela será atendida se houver e que integram a perspectiva do Direito Internacional
alguma complicação pré-natal (Lei n. 11.634/2007); o dire- dos Direitos Humanos no contexto do Covid-19 ostentam

150 151
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

sentido símile quanto aos elementos e condições que quali- é dever do Estado adotar políticas especíŁcas, que con-
Łcam o maior impacto da pandemia sobre a vida das mu- siderem as peculiaridades inerentes às vidas das meninas e
lheres, com necessária consideração dos elementos de sua das mulheres em nosso país tão diverso e desigual.
diversidade, tais quais raça, etnia, classe ou condição social, E nesse universo de fatores de desigualdades entrela-
orientação sexual, dentre outros. Nisto merecem destaque çadas ou interseccionadas, as condições gravídica e puer-
dois documentos em particular, os quais tratamos de início peral demandam cuidados e uma oferta qualiŁcada a es-
apenas do ponto de vista de seus fatores determinantes. pecíŁca de serviços estatais em relação aos quais o Estado
Primeiramente, a ONU Mulheres lançou 14 (quatorze) Brasileiro tem falhado terrivelmente em ofertar. Como se
recomendações para combate à pandemia Covid-19 sob per- lê dos documentos internacionais de direitos humanos que
spectiva de gênero [177]. Uma delas encontra-se associada ao devem balizar as ações estatais, o processo pandêmico exige
exercício dos direitos sexuais e reprodutivos das mulheres, atenção especial a esse grupo de mulheres, com garantia e re-
com destaque para a atenção pré-natal e pós-natal, literal- forço da oferta de serviços de qualidade e prioritários.
mente: Como denotado no item anterior a este, sem poder
usufruir adequadamente do que as normas nacionais e inter-
7. Tomar medidas para aliviar a carga das estruturas
de atenção primária à saúde e garantir o acesso aos nacionais lhes ofertam em termos de direitos, as mulheres
serviços de saúde sexual e reprodutiva, incluindo a grávidas e puérperas brasileiras são as que mais morrem no
atenção pré-natal e pós-natal. mundo pandêmico da Covid-19, escancarando uma realid-
A Resolução 1/2020[178], por sua vez, da Comissão ade atroz, a nosso sentir claramente caracterizadora de uma
Interamericana de Direitos Humanos, em seu item III trata necropolítica estatal.
em especíŁco dos assim chamados “grupos em situação de vul- Aqui, empregamos a noção de necropolítica a partir
nerabilidade”, lembrando que, ao emitir medidas de emer- de Achille Mbembe como apoio à compreensão dessa realid-
gência e contenção em relação à Pandemia do Covid-19, ade. Ao redesenhar a noção de soberania a partir do bio-
deve-se aplicar perspectivas interseccionais e ter atenção poder de decidir quem deve morrer e quem pode viver, o
especial ao impacto diverso das medidas nos direitos hu- autor localiza na experiência nazista o exemplo de maior
manos de grupos historicamente excluídos. [179] Referida realização do Estado de Exceção necropolítico. Mbembe fala
resolução, em item especíŁco sobre as mulheres, indica aos na necropolitica como um redesenho radical da soberania,
Estados nacionais que devem eles garantir a continuidade apontando para a escolha entre a vida e a morte trans-
e a disponibilidade dos serviços de saúde sexual e reprodu- formada em uma política cujos executores podem ou não
tiva durante a pandemia da Covid-19, ampliando inclusive integrar a estrutura do Estado. Trata-se de uma política
sua comunicação e as ações de educação sexual de forma que segue desde a colônia, passando pela modernidade, che-
acessível e em linguagem adequada. gando à contemporaneidade permeada pela territorialidade
Ambos os documentos ofertam direcionamentos para e pela marca de uma soberania vertical. [180]
que os Estados atuem no combate à pandemia com obser- CoisiŁcação, desumanização, eugenia, racismo, a con-
vância da condição especíŁca das mulheres, de um ponto strução de não-lugares para o outro Łccionalmente ideali-
de vista transversal e interseccional. Isto implica dizer que zado como inimigo e como risco para o qual as tecnologias
da morte produzem uma solução de extermínio cientíŁco,

152 153
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

silencioso, rápido, massicado, inumano. Ao tratar dos re- onde mais morrem mulheres em estado gravídico e puer-
vezes dos regimes autoritários no Continente Africano, Mbe- peral, com indicativo de oferta de um serviço de saúde de-
mbe desenvolve uma ideia radical e decolonial acerca da citário, qualitativa e quantitativamente incompatível com
soberania e do Estado de exceção. Expõe ideias que vão à raiz as normas que regem sua oferta.
da questão, mas que se concentra quase que exclusivamente Uma tal prática estabelecida pelo Estado Brasileiro,
na perspectiva da raça enquanto elemento determinante das que desconsidera inclusive os gravames de saúde decor-
divisões sociais em grupos e subgrupos que permitem a es- rentes do contexto pandêmico, mostra-se claramente viola-
colha entre quem vai viver e quem vai morrer, a par dos cri- dora dos direitos humanos sexuais e reprodutivos das mul-
térios de exercício da soberania na necropolítica. [181] heres.
Só as mulheres dão à luz. Assim, à obviedade e, E mais que isto: a prática governamental vertida à
portanto, elas são diretamente vitimizadas por uma ne- omissão e à negligência na oferta adequada desses serviços,
cropolítica estatal que emprega a omissão e a negligência especialmente adaptados para o contexto pandêmico, con-
na efetivação de políticas públicas de saúde reprodutiva stitui-se em prática dolosa caracterizadora de uma política
como mecanismo de escolha entre quem deve viver e quem de morte, também denominada necropolítica. 
deve morrer dentro do Estado Brasileiro, em uma situação
claramente agravada pelos processos pandêmicos.
Em verdade, em processos tais, a morte que se con-
vola em estatísticas aos milhões e a consideração exclusi-
vamente estatística da questão é acompanhada de um pro-
cesso nefasto de coisicação, desumanização, construção de
não-humanidades, de não-lugares, tanto que a morte desen-
hada no estudo sob análise – de grávidas e puérperas - tem
classe e raça especícos. O lugar das tecnologias da morte
nazistas e de guerra é ocupado pela massicação inumana
da morte instrumentalizada pela inércia e pela negligência
estatal, ambas dolosas.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo pandêmico instaurado pela COVID-19 col-
oca sob lentes de aumento os inúmeros vieses da profunda
desigualdade que assola a vida das mulheres no Brasil e no
mundo, com destaque para as questões afeitas à violência
doméstica, à divisão sexual do trabalho e ao exercício dos
direitos sexuais e reprodutivos.
No tocante em particular aos direitos sexuais e repro-
dutivos, avulta no Brasil da atualidade a sua condição de país

154 155
PANDEMIA E MULHERES

do número de infectados e de mortes, todavia, essa re-


comendação, lamentavelmente, contribuiu para que outros
ISOLAMENTO SOCIAL, QUARENTENA, LOCK- dados se elevassem, a exemplo dos casos de agressões contra
DOWN E VIOLÊNCIA DOMÉSTICA? UMA ANÁLISE a mulher.
SOBRE O AUMENTO DE CASOS DE AGRESSÕES O relatório da Organização das Nações Unidas (ONU)
CONTRA A MULHER EM TEMPOS DE PANDEMIA Mulheres, divulgado no Łnal de março de 2020, sob o tí-
tulo "Mulheres no centro da luta contra a crise Covid-19"[183],
Francisca Nayana Dantas Duarte[182]
revelou a maneira como mulheres, de todo o mundo,
Não só o Brasil, mas todo o mundo foi surpreendido foram atingidas em suas rotinas, em virtude da pandemia
com um vírus desconhecido pela ciência, o novo corona em questão. Esse período de incertezas contribuiu para
vírus, que ocasiona a COVID-19, o primeiro caso da doença o aumento das discussões entre os casais, desencadeando
foi identicado na cidade de Wuhan, na China, em data de 31 agressões de todos os tipos, seja de ordem física, psicológica,
de dezembro de 2019, a partir daí os casos começaram a se sexual, moral e patrimonial. A OMS, por sua vez, estima que
espalhar de maneira muito rápida pelo mundo, começando uma em cada três mulheres no mundo, sofreram violência de
no continente asiático e expandindo-se, em seguida, para gênero [184], praticada por um parceiro íntimo, e Łcar em casa,
outros países. a Łm de evitar a disseminação do vírus, coloca em risco a
Em março, do corrente ano, a Organização Mundial saúde, a integridade e até mesmo a vida dessas mulheres.
da Saúde (OMS) deniu o surto da doença comopandemia. O problema não é novo, um levantamento divulgado
Além de um número avassalador de mortes, o novo cor- em 2019, pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, apon-
ona vírus atingiu diversos setores como a economia, centros tou que 16 milhões de mulheres com mais de 16 anos sof-
de saúde, a segurança pública, dentre outros. Sem remé- reram algum tipo de violência no Brasil, a maioria delas em
dios com ecácia comprovada em seu tratamento e sem casa[185].
nenhum tipo de vacina, chegou-se à conclusão que a única
CAUSAS DE AUMENTO DOS NÚMEROS DE VIOLÊN-
forma de combater a disseminação desse vírus seria através
CIA DOMÉSTICA NA PANDEMIA
de isolamento social, com bloqueio total de vias, impondo
Desemprego, perda abrupta de rendimentos, consumo
as pessoas, de modo geral, a carem em casa, colocando o
excessivo de álcool, o conŁnamento, dentre outros, são
mundo em quarentena, que trouxe desaos acompanhado
fatores que acentuaram os índices de violência doméstica
de violência doméstica.
em meio a pandemia. As agressões que ocorreram nesse
A presente pesquisa vai abordar as razões desse au-
período, se deram entre marido e mulher, companheiros
mento, no contexto nacional e internacional, bem como a
em união estável, familiares, brigas entre pais separados
criação de programas e campanhas nesse período.
em relação aos cuidados que devem ser tomados nas vis-
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NA QUARENTENA itas aos Łlhos, conłitos por causa do pagamento do auxílio
A permanência das pessoas nos lares, em razão do emergencial de R$ 600,00 ofertado pelo Governo Federal, a
surto do novo corona vírus, ajudou a conter o avanço chamada violência patrimonial, além de maus tratos e neg-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

ligência com idosos. expressivo das tensões ao redor do mundo.


A sobrecarga de trabalho doméstico e da maternidade
e o difícil acesso aos órgãos de Justiça, contribuíram tam- VIOLÊNCIA DOMÉSTICA NO CENÁRIO INTER-
NACIONAL
bém para esse aumento, uma vez que diversas mulheres não
A pandemia do novo corona vírus atingiu todos os
conseguiam sair para buscar ajuda durante o isolamento so-
países, sem exceção, alguns sofreram mais impactos diante
cial, seja pela não funcionalidade do transporte público ou
desse cenário, como os países que adotaram o lockdown[188],
pelo fechamento das escolas e creches, gerando a falsa sen-
bloqueio total de suas vias, sendo necessário adotar me-
sação de impunidade nos agressores.
didas mais severas para inibir a ação dos agressores.
Para a Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (ONDH), as
A França criou um canal de denúncias via internet,
denúncias referentes à violência doméstica contra a mulher
nele as vítimas dialogam diretamente com policiais, e o site
cresceram em torno 14% até abril do corrente ano, quando
tem um botão de emergência que fecha a página e apaga da
a quarentena se aproximava de um mês, em comparação ao
tela da ofendida as mensagens trocadas se ela se encontrar
mesmo período de abril do ano de 2019, verica-se um au-
em iminente perigo. Além disso, o governo francês passou a
mento crescente em média de 28%.[186]
custear quartos de hotel para vítimas e centros de aconsel-
Um estudo da empresa de pesquisa “Decode Pulse”,
hamento e acolhimento sobre o tema.
agência de análise de dados de comportamento [187], apon-
Já o governo espanhol declarou que o atendimento às
tou que as ocorrências cresceram em 06 (seis) estados bra-
mulheres vítimas de violência trata-se de serviços essen-
sileiros até o mês de abril, em comparação com o mesmo
ciais, criando mecanismos de denúncia por meio de men-
período do ano pretérito. No Estado do Mato Grosso teve
sagem com geolocalização, por WhatsApp. Nesse norte, foi
um aumento de 400%, já no Estado de São Paulo, os órgãos
criado um serviço de apoio psicológico pela internet para
de segurança registraram um aumento de 44,9% no aten-
vítimas que optarem por Łcar em casa.
dimento a mulheres vítimas de violência. O total de so-
A Suíça, por sua vez, através da Secretaria de Pro-
corros prestados passou de 6.775 para 9.817 em tempos
moção da Igualdade de Gênero e de Prevenção de Violência
pandêmicos, seguido por Pará, Rio Grande do Norte, Rio Grande do
Doméstica de Genebra, recorreu à vigilância solidária para
Sul e Acre. Casos de feminicídios também subiram em alguns
que os vizinhos mais próximos acionem a polícia caso iden-
estados da federação.
tiŁquem possíveis agressões.
A partir de nossa atuação no Juizado de Violência
Doméstica e Familiar Contra a Mulher da Comarca de João PROGRAMAS E CAMPANHAS CRIADAS NA PANDEMIA
Pessoa/PB, vericamos um aumento signicativo nos pedi- Durante a pandemia do novo corona vírus, diversos
dos de Medidas Protetivas durante a pandemia, os relatos programas e campanhas foram desenvolvidas como forma
das vítimas iam desde agressões desencadeadas por motivos de apoiar mulheres inseridas em um contexto de violência,
banais a tentativa de homicídios, na Paraíba o aumento foi as ações foram desde um X vermelho estampado na palma da
de 105,6%, de acordo com dados da Secretaria Estadual de mão, a Campanha Sinal Vermelho do Conselho Nacional de
Segurança e da Defesa Social. Justiça (CNJ)[189], a um botão de pânico num aplicativo de loja
A quarentena intensicou, entre vários aspectos, o online de eletroeletrônicos, para a vítima acionar ao simu-
convívio familiar, das mais variadas formas, com aumento

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

lar que estava fazendo compras. O governo federal também perguntando pela “máscara 19”, na Argentina o termo criado
elaborou a criação de um aplicativo, o “Direitos Humanos foi “máscara vermelha”.
BR”, uma ferramenta para denunciar diversas violações ocor-
ridas na pandemia. Outro exemplo é o Disque 180, canal já CONSIDERAÇÕES FINAIS
existente, criado para denúncias pelo Ministério da Mulher, Do exposto é possível concluir que para a maioria, a
da Família e dos Direito Humanos (MMFDH). pandemia do novo corona vírus representa uma circunstân-
O referido ministério foi o responsável pela campanha cia completamente sem precedentes, trazendo uma mu-
“Alô Vizinho”, em parceria com a Associação Brasileira de dança de rotina, de hábitos e modicação da forma como
Síndicos e Síndicos Prossionais (ABRASSP), que consiste nos comunicamos uns com os outros. Nosso senso de segur-
na produção de material explicativo com o to de ser dis- ança também mudou, as mudanças internas serão enormes,
tribuído em prédios. À ação conta com noções de segur- será difícil voltarmos do supermercado e não higienizarmos
ança para mulheres, além dos canais de denúncias para con- as compras feitas e se desvencilhar de costumes adotados
hecimento de toda vizinhança, tendo em vista que são os em meio a tudo isso. E as relações interpessoais como carão
vizinhos, na grande maioria, os primeiros conhecedores da doravante? O convívio marital e familiar como cam dentro
situação. O CNJ determinou, ainda, aos tribunais de todo o desse “novo normal” amplamente divulgado?
país que divulguem, em seus portais de comunicação, lista Verica-se a necessidade premente de ação, tanto dos
de telefones e e-mails de contato de serviços públicos para operadores do Direito, quanto da classe política e demais
denúncia de possíveis casos de violência doméstica. agentes públicos, no sentido de elaborar meios ecazes a m
As redes sociais também foram utilizadas no combate de minimizar esta conduta tão reprovável que é a violên-
às agressões durante o isolamento social, os relatos sobre cia doméstica, garantindo às vítimas meios necessários à
agressões aumentaram em 431%, como mostra pesquisa reconstrução de suas vidas, ressaltando a criação e imple-
elaborada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FSBP) mentação de políticas públicas de salvaguarda do princípio
e a empresa Decode Pulse[190]. Segundo levantamento feito, da dignidade humana, que encontra-se elencando na Con-
houve um aumento na propagação do assunto relativo à stituição Federal. A pandemia de Covid-19 assusta. Todos
violência doméstica contra mulher, o que prova que as pes- nós podemos um dia nos infectar. Ninguém está imune. Não
soas estão mais conectadas e conscientes sobre o papel de importando classe social, status, poder ou popularidade, o
agente multiplicador inclusive na seara tecnológica. Ainda vírus causa e evoca fragilidade e vulnerabilidade, razão pela
no mundo virtual, tivemos a massicação, através das redes, qual diversos segmentos, ao redor do mundo, se mobiliz-
da hashtag #ContraViolênciaDomésticaDuranteEpidemia, aram neste período.
utilizada na China, por milhares de vezes, onde foi possível Não podemos voltar nossa atenção apenas porque es-
compartilhar denúncias de vítimas ou testemunhas de tamos vivendo o isolamento social, a quarentena e o lock-
agressões. down, o presente e o futuro se mostram sombrios, e essa
Por m, alguns países adotaram medidas alternativas, realidade se torna mais difícil para a mulher, subestimada
como o uso de códigos para pedir socorro. Países como Es- em sua capacidade pessoal e prossional, em seu poder
panha, França e Chile, por exemplo, instruíram farmacistas transformador e em sua relevância para a sobrevivência e
a comunicarem a autoridades sempre que uma mulher ligar crescimento da sociedade.

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EZILDA MELO

A violência doméstica não pode ser tolerada, em


nenhum instante, ainda mais agora, momento em que a vida
de todos se encontra diante de um abismo de incertezas, de O ENCONTRO DAS PANDEMIAS: COMO O
medos e angústias, já passou da hora de buscarmos meios PERÍODO DE ISOLAMENTO SOCIAL DEU LUZ À
concretos de respeito, instrumentos eŁcazes para o combate INTENSIFICAÇÃO DA VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
dessa chaga que nos afeta há tempos, tão daninha e letal
Gisele Meneses do Vale[191]
quanto o novo corona vírus.
Júlia Helena Sousa[192]

“(...) os vizinhos estavam brigando e


ele bateu na mulher, eu não consigo
ouvir isso e não sentir vontade de chorar,
parece que eu sinto na pele tudo o que
ela está sentindo”[193]. - Relato de
usuária de rede social em plataforma
online.

O RETRATO DAS PANDEMIAS


Não há dúvidas, pois, que para muitos a própria casa
pode signiŁcar um porto seguro, um local de conforto e
acolhimento. Mas para diversas mulheres que sofrem violên-
cia doméstica, esse lugar pode conŁgurar um verdadeiro
pesadelo. Com o início da pandemia desencadeada pela
COVID-19, uma das recomendações prioritárias para impe-
dir o avanço da doença foi a quarentena e/ou o isolamento
social.
De acordo com uma pesquisa realizada pelo Fórum
Brasileiro de Segurança Pública[194] em parceria com a emp-
resa Decode, houve um aumento em 431% de menções de
brigas de casal em redes sociais, por vizinhos, entre fever-
eiro e abril de 2020. Isso referenda a tese de que há um
crescimento da violência doméstica e familiar no período
de quarentena, ainda que os registros oŁciais de denúncias
tenham decaído. Uma dúvida pode pairar sobre esse ponto:
qual o motivo da redução dos registros de denúncias nos
órgãos oŁciais, haja vista o considerável aumento dos casos
de violência doméstica?
Não obstante as lutas por equidade de direitos e os

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

estudos de gênero advirem, mais fortemente, desde a dé- de car em casa, dada pelas autoridades e indicada por cien-
cada de 60, muitas ainda são as diculdades enfrentadas tistas e prossionais da saúde.
pelas mulheres inseridas em um sistema estruturalmente Conquanto a exibilização da quarentena, o "novo
patriarcal. Com esse fato, as situações de violência domés- normal" do mundo pandêmico ainda exige medidas restri-
tica guardam uma relação intrínseca, de acordo com a anál- tivas de exposição e aglomeração. Tais situações nos apon-
ise percuciente das autoras BIANCHINI, BAZZO e CHAKIAN tam um sinal de alerta não somente em relação ao vírus, mas
(2020)[195]: às consequências que andam junto a ele nesse momento de
incertezas plurais.
A violência de gênero, por sua vez, envolve uma de-
terminação social dos papéis masculino e feminino. Apesar do isolamento social se congurar, até o pre-
Toda sociedade pode atribuir diferentes papéis ao sente momento, como a alternativa mais ecaz para o acha-
homem e à mulher. Até aí tudo bem. Isso, todavia, tamento da curva de casos[197], os problemas de ordem social
adquire caráter discriminatório quando a tais papéis
e econômica derivados dessas medidas são muitos. Nesse
são estabelecidos pesos e importâncias diferenciados.
Quando a valoração social desses papéis é distinta, contexto, a diretora-executiva da ONU Mulheres, Phumzile
há desequilíbrio, assimetria das relações sociais, o que Mlambo-Ngcuka[198], armou que, para além da pandemia
pode acarretar violência. No caso da nossa sociedade, sanitária causada pelo vírus, estamos vivenciando uma
os papéis masculinos são supervalorizados em detri-
"pandemia das sombras" com o aumento exponencial dos
mento dos femininos, trazendo prejuízos para as mul-
heres que, em sua dimensão mais acentuada, chegam casos de violência doméstica em todo o mundo.
à violência contra a mulher. A violência doméstica não é um problema novo,
como já mencionado, mas tende a ser intensicado face às
Quanto ao combate da pandemia provocada pelo
situações de conito, em que as disputas de poder se tornam
vírus, as medidas de distanciamento social já se mostraram
mais acirradas. Tamanho é o problema que os números che-
bastante ecazes em diversos lugares do mundo enquanto a
gam a assustar: de acordo com os dados da Organização
sociedade aguarda a descoberta de uma vacina. Tais medidas
Mundial da Saúde, uma em cada três mulheres no mundo
evitam o contato entre pessoas contaminadas e saudáveis,
já passaram por alguma situação de violência física ou sex-
ademais, protege os grupos de indivíduos mais vulneráveis
ual proveniente de alguém com quem divide o mesmo teto,
– os chamados "grupos de risco [196]" – em relação aos efeitos
seja o agressor seu parceiro íntimo ou outros membros da
letais da doença. No entanto, uma outra pandemia insur-
família[199].
giu diante da necessidade de isolamento: o aumento ver-
Com o distanciamento dos amigos e da família e o
tiginoso dos casos de violência doméstica em todo o mundo.
aumento da tensão causada pelos atuais impasses conviven-
Como é sabido, várias atividades foram suspensas ou
ciais e econômicos, o isolamento social obrigatório acaba
canceladas. Diversas pessoas deixaram seus habituais ambi-
por se tornar o ambiente ideal para a maior proliferação das
entes de trabalho e levaram o escritório para dentro de suas
situações de violência doméstica.
casas. Outras tantas, no entanto, não tiveram a oportun-
Segundo os dados computados nas linhas de apoio em
idade de prosseguir com seus empregos. Muitas mudanças
Singapura e Chipre, foi vericado um aumento de chama-
ocorreram nas rotinas: inventam-se novos jeitos de trabal-
das em mais de 30% de casos de violência de gênero. Na
har, estudar ou se exercitar a m de seguir a recomendação
Austrália, 40% dos trabalhadores e trabalhadoras da linha

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

de frente em uma pesquisa de New South Wales relataram tada obrigatória no ambiente de violência, as iniciativas
um aumento de pedidos de ajuda, porque a violência estaria políticas e empreendedoras que utilizam as tecnologias da
aumentando em intensidade[200]. Na África do Sul, as autor- informação e da comunicação (TICs) como instrumento de
idades reportaram cerca de 2.300 casos de violência domés- ação foram de importância essencial na frente de combate.
tica na primeira semana de isolamento. A ONU aŁrmou que De acordo com a pesquisa realizada pelo Fórum Brasileiro de
os pedidos de ajuda na China chegaram a triplicar. Tudo isso Segurança Pública[203] juntamente a empresa Decode, houve
sem contar com os dados, comumente, subnotiŁcados[201]. um aumento em 431% de relatos de brigas de casal por viz-
Some-se, ainda, o fato de que se a vítima tiver de sair inhos entre fevereiro e abril de 2020. Isso referenda a tese de
de casa, terá de romper com o isolamento, sendo exposta à que há um incremento da violência doméstica e familiar no
doença e com menos acesso aos serviços públicos de saúde período de quarentena relativo à contenção da pandemia da
e de segurança. Sem muito esforço, consegue-se perceber o COVID-19, ainda que este crescimento não esteja sendo cap-
drama vivido por várias mulheres em inúmeros lares que tado pelos registros ociais de denúncias.
ainda estão situados em regiões onde está o foco da doença. Em acurada observação, a ativista chinesa Guo Jing
narrou à BBC[204] que desde que as pessoas começaram a
ACESSO À JUSTIÇA E PROTEÇÃO ÀS VÍTIMAS: AS passar mais tempo em casa para prevenir a infecção por
TICS E AS INICIATIVAS PÚBLICO E PRIVADAS coronavírus ao longo da pandemia na China, mais mulheres
Noutro giro, a emergência sanitária intensiŁcou tam- noticiaram casos de violência que sofreram ou presenci-
bém as diŁculdades para uma vítima da violência acionar o aram. Inclusive, a hashtag #AntiDomesticViolenceDuringE-
sistema de proteção em casa, visto que ela tem o tempo todo pidemic (#ContraViolênciaDomésticaDuranteEpidemia) foi
a companhia do agressor sob o mesmo teto. usada mais de 3 mil vezes na rede social chinesa Sina Weibo
À vista disso, agiu com acerto a ONU Mulheres quando com relatos de vítimas ou testemunhas.
recentemente elaborou um documento [202] no qual pontua Na França, ofertou-se um canal online para que as
possíveis impactos para as mulheres resultantes da crise ger- denúncias de mulheres em situação de violência fosse
ada pelo novo coronavírus: possível. Ademais, nesse mesmo país, há a opção de real-
Em um contexto de emergência, aumentam os riscos ização das denúncias em farmácias ou supermercados[205] –
de violência contra mulheres e meninas, especial- exemplo seguido pelos brasileiros – a m de facilitar o en-
mente a violência doméstica, aumentam devido ao
aumento das tensões em casa e também podem au- contro de um ponto de apoio e acolhimento. Em casos em
mentar o isolamento das mulheres. As sobreviventes que não há acesso à internet, também é possível que a vítima
da violência podem enfrentar obstáculos adicionais envie uma simples e gratuita mensagem de texto (sms) com
para fugir de situações violentas ou acessar ordens dizeres como "cry for help", para os contatos disponibiliza-
de proteção que salvam vidas e/ou serviços essenci-
ais devido a fatores como restrições ao movimento em dos pelo governo.
quarentena. O impacto econômico da pandemia pode O Brasil se inspirou em iniciativas como essa e criou a
criar barreiras adicionais para deixar um parceiro campanha "Sinal Vermelho", na qual incentiva mulheres que
violento, além de mais risco à exploração sexual com estão sendo vítimas de violência em seus lares a procurarem
Łns comerciais.
um canal silencioso de denúncia. Com um “X” vermelho na
Assim, em meio ao perigo de contaminação e à es- palma da mão, que pode ser feito com caneta ou mesmo um

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

batom, a vítima sinaliza, em uma das 10 mil farmácias e dro- lheres por vezes o desfecho mais comum é o feminicídio.
garias parceiras do projeto, que está em situação de violên- Pois bem, nesse ponto, basta apenas lembrar que o Brasil
cia[206]. ocupa o 5º lugar no ranking mundial de feminicídio [208] cujo
As iniciativas para além dos canais online, vale ressal- aumento deste tipo penal se deu em 22% [209], ainda dentro
tar, são de extrema importância, visto que há um processo desse quantitativo, o número de mulheres negras assassin-
de alijamento de muitas mulheres em relação ao acesso à adas corresponde a 61% [210]. Cabe destacar, nesse sentido, a
internet e às tecnologias da informação e comunicação em importância e precisão legislativa da Lei nº 14.022, sancion-
vários lugares do mundo. Esse fenômeno é conhecido como ada em 7 de julho de 2020, iniciativa da deputada federal
"gender digital divide" e somente replica a inequidade de gên- Maria do Rosário.
ero, que já conhecemos, para o ambiente digital. Ao con- Essa nova lei aborda, sobretudo, a necessidade de con-
trário do que nos coloca o senso comum, a sociedade da siderar os processos relativos à violência doméstica como
informação, construída sobre a pauta da "Quarta Revolução de natureza urgente – ou seja, não sendo cabíveis quaisquer
Industrial ou Economia 4.0." não é tão democrática o quanto suspensões processuais ou adiamento de atos em face da
parece: na verdade, enfrenta as mesmas questões que trans- pandemia – enquanto perdurar o estado de emergência de
versalizam e excluem diversos grupos sociais, sejam pelo saúde internacional. Além disso, trouxe também como pon-
gênero, pela raça ou pela condição econômica. tos relevantes a manutenção dos mecanismos judiciários de
Nessa esteira, insta pontuar ainda que os maiores prevenção e combate a esse tipo de violência, bem como a
números de casos notiŁcados relativos à violência domés- possibilidade de solicitação de medidas protetivas de urgên-
tica contra a mulher se concentram nos países de terceiro cia à autoridade competente via online.
mundo e são relativos às mulheres negras. Sobre isso, há um Tal legislação se mostra de extrema relevância, visto
direcionamento de esforços pautados no fomento das TICs que a violência doméstica não é somente um problema das
pelos objetivos traçados na Agenda 2030 da ONU. Dentre mulheres que são suas vítimas, mas também se congura
eles, a disseminação tecnológica com vistas a promover a como um problema de toda a sociedade em diversos as-
educação de qualidade (objetivo 4), a igualdade de gênero pectos. As agressões atingem, inclusive, os direitos de crian-
(objetivo 5) e a redução das desigualdades (objetivo 10). ças e adolescentes que convivem com a violência dentro de
Quanto ao Brasil, vários rełexos do isolamento já suas casas. Não obstante, também se trata de um impasse
batem à porta. De acordo com os dados fornecidos por uma econômico: aponta a UNICEF que a violência de gênero in-
corte estadual, o Tribunal de Justiça de Pernambuco [207], uencia diretamente nos valores de bens nos mercados de
entre os dias 16 de março e 15 de abril, foram concedidas capitais[211].
898 medidas protetivas de urgência e no mesmo período Nessa esteira, o custo global da violência contra as
foram recebidas 227 denúncias de casos de violência domé- mulheres já havia sido estimado em aproximadamente 1,5
stica, inclusive, a orientação dada aos magistrados deste tri- trilhão de dólares. Esse número só pode aumentar à medida
bunal é a de que tais medidas protetivas devem ser prorroga- que a violência aumenta agora e continua após a pandemia.
das a Łm de que seja estendida a proteção a mulheres vítima Assim, reduzir a violência de gênero também é um investi-
de violência doméstica. mento em estabilidade econômica.
Notadamente, na escalada de violências contra as mu- Dessa forma e seguindo a experiência de alguns países

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

que já enfrentam a disseminação do vírus há mais tempo, da votação, ladeado de países ultraconservadores quando se
algumas iniciativas que se utilizam da tecnologia, no Brasil, trata dos direitos das mulheres, tais como: Egito, Paquistão
para o combate ao vírus se mostraram de extrema im- e Arábia Saudita. No tocante à subnoticação relacionada à
portância. violência doméstica nesse período, evidencia-se uma cifra
Dentre elas, destaca-se a empresa "Mete a Colher"[212], oculta. Nesse ponto, Augusto Thompson[216] leciona:
que possui mais de 13.000 mulheres conectadas em 63 ci- (...) por vezes, a notícia de um fato punível al-
dades do Brasil, por meio de um serviço de acolhimento e cança o conhecimento da delegacia, porém o agente
aconselhamento – jurídico e psicológico – voluntário. Além que recolhe a informação omite-se em lançá-la no
livro próprio (o livro de ocorrências), dessa forma im-
disso, a equipe dessa startup, fundada na cidade do Recife- pedindo que o ilícito ingresse nas cifras oŁciais.
PE, por um grupo de mulheres, também está trabalhando em
uma base de dados para traçar o perl dos casos de violência Assim, diante de tal falha nos dados, não há como
em todo o Brasil. mensurar os dados das violências contra as mulheres com
Outrossim, o renomado podcast "Mamilos"[213], pre- dedignidade, apesar de que há fatores retro elencados que
sente em algumas plataformas de streaming, disponibili- indicam esse aumento.
zou uma série de cinco episódios intitulada "Era uma vez". TRABALHO DOMÉSTICO DAS MULHERES EN-
Foram narradas algumas histórias e impasses de vítimas de QUANTO ATIVIDADE ESSENCIAL: VIOLÊNCIA EN-
diferentes pers sociais e econômicos, de maneira anônima, COBERTA? UMA TENTATIVA DE CONCLUSÃO.
como forma de difundir informações, reexões e força para Um ponto a ser considerado é que a Lei Maria da Penha
as ouvintes que estão passando por algum tipo de relaciona- engloba a relação do trabalho doméstico [217] e a Lei comple-
mento abusivo e/ou violento. mentar 150/15, a qual regulamentou a conhecida “PEC das
Cabe pontuar, ainda, que os canais de denúncia gover- Domésticas”, também trata da questão de violência domé-
namentais no tocante às violações contra as mulheres con- stica, isto é, a mulher que exerce a prossão de empregada
tinuam em funcionamento nesse período de quarentena, a doméstica pode ser vítima de violência doméstica tanto na
exemplo do Disque 180, bem como as Delegacias de Atendi- sua própria casa, quanto na casa de seus empregadores.
mento à Mulher (DEAMs) para o devido registro e aplicação Nessa esteira, um ponto a ser soerguido diz respeito
de medidas protetivas de urgência. ao tratamento distribuído ao trabalho doméstico ao longo
No âmbito nacional, o Governo Federal, por intermé- da pandemia da Covid-19 no Brasil. Isso porque a complexi-
dio do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Hu- dade de funções do emprego doméstico se dá de diferentes
manos, lançou recentemente o aplicativo [214] "Direitos Hu- formas: a empregada doméstica cuida da casa, da comida,
manos BR" para facilitar e fomentar os registros dos casos bem como da criança, do idoso, dentre outras atividades e a
de violência doméstica contra a mulher e violência contra a ausência deste trabalho torna insustentável a vida de outras
mulher, preservando, sobretudo, o anonimato. mulheres privilegiadas, dentro da lógica do mercado pros-
Por outro lado, lamentavelmente, o Governo Federal sional. Evidentemente, esse tipo de questão não é só erguida
fez um desserviço na votação do relatório [215]do Conselho pelo feminismo liberal, apenas quando feita por uma per-
de Direitos Humanos das Nações Unidas sobre discrimin- spectiva interseccional. Outrossim, dentro desse contexto
ações contra mulheres e meninas na qual decidiu abster-se

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

de espectros de violênciaS doméstica, cabe trazer o caso atenta às tantas vulnerabilidades das mulheres frente à essa
emblemático do menino Miguel, nas palavras da Łlósofa pandemia, bem como quanto aos seus desdobramentos no
Djamila Ribeiro [218]: tecido social.

Ao Łnal, a representante da corte colonial do Recife


disse que fez todo o possível para evitar a morte da
criança de cinco anos que ela deixou sozinha no ele-
vador, viu as portas se fecharem e voltou para casa ao
encontro de sua manicure, outra mulher negra.

Essas violências, por vezes encobertas, Łcaram escan-


caradas, ao longo dessa pandemia, no tocante a um deter-
minado grupo de mulheres, tal como a mãe de Miguel, Mirtes
Renata. Desse modo, compreender efetivamente o signiŁ-
cado do trabalho doméstico realizado por essas mulheres é
fundamental para lançar luz nesta problemática, uma vez
que, sem dúvidas, sua incompreensão é motor de mais uma
das várias violências enfrentadas por mulheres, sobretudo
quando se fala de corpos negros.
Dessa forma, pensar a violência doméstica na
pandemia é, no Łm das contas, rełetir de quais mul-
heres estamos tratando, por meio desse cruzamento de in-
formações. Trazer esse assunto à baila trata-se de buscar
compreender quais as vertentes de aumento da violên-
cia doméstica, a Łm de identiŁcar sua força social motriz.
Assim, de fato, de que mulheres e que violência tanto se
fala? A resposta para essa pergunta poderá ser dada quando
atravessarmos de uma vez essa fase.
Em meia a todo esse contexto, a lição que Łca é que
a convergência entre aquilo que é privado e os valores col-
etivos se torna ainda mais necessária diante desse cenário.
O setor público, a iniciativa privada e a academia precisam,
mais do que nunca, andar de mãos dadas no que diz res-
peito aos desaŁos acerca da violência doméstica. A socie-
dade civil, nesse ínterim, precisa ininterruptamente estar

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PANDEMIA E MULHERES

sileiro, priorizaram o princípio da distributividade, com


prestações Łnanceiras de valor reduzido. Neste cenário, pre-
A PROTEÇÃO DA GESTANTE TRABALHADORA tende-se analisar a trabalhadora gestante e de que forma as
E O ENFRENTAMENTO AO COVID-19: ENTRE políticas protetivas têm alcançado estas trabalhadoras.
A PROTEÇÃO E O DESAMPARO SOCIAL O questionamento a ser respondido é se o pertenci-
mento a um grupo de maior risco de morte em caso de ex-
Heloísa Helena Silva Pancotti[219]
posição à COVID 19 constitui um risco social a ser protegido
Renato Bernardi[220]
pelo sistema de Seguridade Social. Dado que o grupo de risco
A Seguridade Social brasileira, conforme positivação é amplo, o recorte metodológico tratará da mulher gestante
no texto constitucional de 1988, está inserida num con- e as implicações que se relacionam à sua condição física.
texto normativo mais amplo, posto que desde as dispos- O argumento se divide em dois níveis. O primeiro
ições preambulares, pode se observar um forte comprom- deles consiste em uma breve observação do modo como a
isso do legislador constituinte com a justiça social. previdência social trata das incapacidades para o trabalho e
Inobstante, todo o sistema vem sofrendo uma des- os benefícios elegíveis (I). Tendo em vista esses marcadores,
caracterização, por intermédio de uma série de alterações verticalizaremos a análise por meio do exame dos requisi-
normativas, cujo marco inicial se deu em 2015 com o início tos para a concessão do Benefício por Incapacidade Tem-
da era dos “pentes nos” dos benefícios por incapacidade, porária (II).
tendo atingido seu clímax com a Emenda Constitucional Com base nisso, cabe o exame da recepção das
103/2019, que vem irradiando modicações nas normas in- questões biopsicosociais e da necessidade de afastamento
fraconstitucionais. Tais alterações ampliaram as zonas lím- para preservação da vida, sem contudo, a presença de uma
bicas de desproteção dos segurados da Previdência Social, morbidade em especíŁco, mas da necessidade de não se con-
aumentando a cada nova modicação, o contingente de des- trair uma.
protegidos.
A pandemia da COVID 19, surge como a primeira A INCAPACIDADE PARA O TRABALHO E OS BENEFÍ-
contingência social do século XXI a desaar de forma con- CIOS ELEGÍVEIS
tundente o sistema de proteção social de todo o mundo, No sistema de Seguridade Social brasileiro, alicer-
indistintamente. No modelo brasileiro de proteção social, çado no tripé protetivo das políticas de saúde, assistência
já havia grande depauperação do tecido protetivo, imposto e previdência social, se delineou um estado de bem estar,
pelas limitações orçamentárias advindas pela Emenda Con- de inspiração beveridgeana, aperfeiçoado no texto consti-
stitucional nº 95 de 2016, que impôs novo regime scal, tucional de 1988 e que, a partir de 2016, passou a sofrer
congelando os investimentos governamentais. reformas sucessivas, que culminaram com a Emenda Consti-
Com a chegada da pandemia, houve a necessidade tucional 103/2019 e que ainda estão em curso.
de se aportar investimento nanceiro imprevisto, num Neste sentido, os benefícios por incapacidade, out-
orçamento extremamente limitado. Com efeito, as me- rora conhecidos como Aposentadoria por Invalidez (espécie
didas de contingenciamento adotadas pelo governo bra- 32), Auxílio Doença (espécie 31), Auxílio Doença de Na-
tureza Acidentária (espécie 91) e Auxílio Acidente (espécie

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

94), foram modiŁcados pela nova redação do artigo 25 do que foi objeto de estudo, o que é muito alto em relação à
Decreto 3.048/99, com a redação atribuída pela entrada em população comum que é de 1.4% [224]
vigor do Decreto 10.410/20. Assim sendo, para certas categorias proŁssionais, a
Os benefícios foram reunidos em Benefício por In- saber, aquelas que estão na linha de frente ao combate à con-
capacidade Temporária e Permanente e o Auxílio Acidente, taminação, há um importante fator ambiental que pode se
que é de natureza indenizatória, aos que restam incapacita- materializar como um risco social a ser protegido.
dos residualmente após a consolidação das lesões que deram Partindo desta premissa, o meio ambiente do tra-
causa ao Benefício por Incapacidade anterior. balho desempenha para essas gestantes, um fator de risco
O que se modiŁcou, no caso dos benefícios por in- que prevalece em detrimento das condições de saúde, no
capacidade, foi a forma de cálculo daqueles que são oca- momento da apuração da incapacidade para o trabalho.
sionados por acidente de trabalho, doença proŁssional ou Inexiste incapacidade física para o trabalho. O fator
doença do trabalho, que garantem uma renda mensal inicial sócio ambiental concentra as hipóteses de risco de infecção
melhor que os demais, originados por doenças ou acidentes e maior propensão à morte da gestante e do nascituro. Na
de qualquer natureza. Reforma Trabalhista, Lei 13.467/2017, houve a modiŁcação
Os benefícios por incapacidade da Previdência So- do artigo 394, com a introdução do artigo 394-A da CLT.
cial foram delineados para cobrir inicialmente, eventos re- A nova redação possibilitava o exercício de atividades
lacionados ao adoecimento da classe trabalhadora. insalubres nos incisos II e III do artigo 394-A, durante a
No que tange à mulher gestante, há tratamento difer- gestação e a lactação, somente se restringindo a atividade
enciado, constante do artigo 201, I e II, da Constituição Fed- mediante a emissão de atestado médico recomendando o
eral de 1.988.[221]Houve evidente densiŁcação do conteúdo afastamento durante o período.
e das dimensões do princípio da dignidade da pessoa hu- Os incisos II e III tiveram a constitucionalidade ques-
mana[222]em benefício da proteção da infância e da gestante, tionada na ADI 5938/DF, que sopesando seu teor em face das
que se repetem em vários momentos do texto, assim como garantias do artigo 6º da Constituição da República Feder-
em normas de natureza infraconstitucional. ativa do Brasil que protege a maternidade e ultima ratio as
No entanto, a gestação em si, não é considerada suas irradiações nos campos previdenciários e trabalhistas.
pelo ordenamento previdenciário um risco social a ser pro- Conforme voto do Relator, a proteção da gestante e da
tegido, a menos que haja alguma intercorrência que coloque criança são direitos irrenunciáveis, inafastáveis por descon-
o desenvolvimento natural ou a vida em risco. hecimento, impossibilidade ou negligência da gestante em
Se o risco de abortamento não está presente , como apresentar um atestado médico.[225]
se dá a proteção da gestante face o risco de contaminação da O Plenário do STF declarou inconstitucionais os dis-
COVID 19. positivos que suprimiam a proteção da gestante e o re-
Num primeiro momento, cumpre destacar que lacionavam à necessidade de emissão de atestado médico
estudos realizados por proŁssionais da área médica apon- que solicite o seu afastamento do ambiente insalubre.
tam que a mortandade pela contaminação da COVID 19 em No entanto, houve resistência por parte dos emp-
gestantes contaminadas na China atingiu 25% [223] do grupo regadores em atender às demandas por afastamento ou
realocação das gestantes dos locais de risco de contam-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

inação ambiental, com o advento da pandemia de coron- ição do artigo 29 excluía a contaminação pela COVID-19 do
avírus. rol de doenças ocupacionais, a menos que houvesse prova do
As entidades de classe passaram a provocar o nexo de causalidade.
Judiciário para conseguir o afastamento das trabal- Houve por decorrência a distribuição perante o STF
hadoras gestantes das áreas passíveis de contaminação. de várias ADI´s discutindo a constitucionalidade deste dis-
Destaque para a Ação Civil Pública de Natureza Cível positivo em particular[226], assim como do artigo 31 que de-
0000266-21.2020.5.19.0005 promovido pelo sindicato dos terminava aos auditores Łscais do Ministério do Trabalho e
enfermeiros de Alagoas contra o Sindicato nos Estabeleci- da economia a atuação apenas de maneira orientadora, salvo
mentos de Saúde do Estado do Alagoas no âmbito da Justiça algumas hipóteses que estavam elencadas.
do Trabalho da 19ª Região. Por maioria, em 29 de abril de 2020, o STF deter-
Neste caso, como nos demais, se reconheceu a ne- minou em caráter liminar a suspensão da eŁcácia dos dois
cessidade de afastamento das enfermeiras gestantes do tra- artigos da Medida Provisória, que poderiam prejudicar os
balho, caso não fosse possível a sua realocação de forma a trabalhadores infectados pela COVID 19.
garantir a preservação de sua saúde face o contágio. Assim, o primeiro critério de elegibilidade, aquele
Assim, não resta dúvidas que o texto constitucional, que diz respeito à carência, foi superado. As trabalhadoras
ao proteger o trabalho da mulher gestante e da criança lact- infectadas pela COVID com menos de 12 meses de con-
ante, o faz realizando a preponderância do meio ambiente tribuição, poderão ser afastadas e receber o benefício por in-
de trabalho como o principal fator capaz de causar risco ou capacidade, ao menos, naquilo que diz respeito à superação
dano à saúde. da carência exigida pela legislação.
Por conseguinte, há ainda a necessidade da aplicação No entanto, a carência não é o único obstáculo à pro-
hermenêutica da legislação previdenciária, a Łm de se es- teção social das trabalhadoras na linha de frente do combate
tabelecer parâmetros para a concessão dos benefícios por ao coronavírus. O segundo obstáculo diz respeito ao valor
incapacidade em favor das gestantes cuja realocação seja im- da renda mensal inicial.
possível. O benefício por incapacidade teve alterada a sua
forma de cálculo na Emenda Constitucional 103/2019,
PARÂMETROS PARA A CONCESSÃO DE BENEFÍCIO sendo a média aritmética simples de todas as contribuições
POR INCAPACIDADE EM FAVOR DA GESTANTE vertidas em favor da previdência social a partir do exercício
Dentre os critérios de elegibilidade para percepção de julho de 1994.[227]
de um benefício por incapacidade, está o cumprimento Neste primeiro momento apura-se o que se con-
de carência de doze contribuições mensais, a menos que vencionou denominar salário de benefício (SB). A partir
a perda da capacidade para o trabalho se dê em razão de deste quantum apurado, aplicar-se à um percentual que é
doença de qualquer natureza, doença proŁssional ou do tra- de 100% [228]do seu valor para benefícios ocasionados por
balho, assim como para os que são acometidos das doenças doenças ocupacionais, do trabalho, acidentes do trabalho
elencadas no rol do artigo 151 da Lei 8.213/91. ou doença de natureza grave prevista no rol da Organização
No caso particular da pandemia pelo coronavírus, Mundial de Saúde, ou 60% [229] para os benefícios por incap-
houve a edição da Medida Provisória 927/2020, cuja dispos- acidade originados de forma diversa.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Os benefícios por incapacidade de natureza comum gestante e a infância.


podem ser majorados, à medida de 2% adicionais por grupo Outrossim, o Estado brasileiro tem adotado uma
completo de 12 competências adicionais contribuídas a política pouco transparente com relação aos dados oci-
partir dos 15 anos para a mulher e 20 anos se o segurado for ais de mortos, haja vista que as estatísticas que dão conta
homem. das mortes por Síndromes Respiratórias Agudas Graves
Portanto, a desvinculação da contaminação pela de natureza indenida também aumentaram exponencial-
COVID-19 produziria uma redução à partir de 40% dos mente[231]
vencimentos dos trabalhadores afetados e que necessitas- O caminho natural seria então, a solicitação junto à
sem de afastamento do trabalho para a sua total re- autarquia previdenciária competente para a concessão de
cuperação. benefício por incapacidade em favor da segurada gestante,
Para a trabalhadora gestante, cujo afastamento se dá mediante previsão do CID10 Z-20 que disciplina e relaciona
em razão do meio ambiente do trabalho, o período de afasta- o contato e a exposição a doenças transmissíveis.
mento pode se estender por meses a Ło e, ao invés de ter sua Ocorre que, o atendimento ao público no Regime
renda garantida, teria ao contrário, uma severa diminuição Geral de Previdência Social, assim como nos Regimes Pró-
em sua renda mensal. prios de Previdência Social, foi suspenso. Não há até o pre-
Superada a diŁculdade da regra de cálculo, outra sente momento uma solução para o problema da paralisação
diŁculdade se impõe. A MP 927/20 impôs o abandono das da realização das perícias médicas previdenciárias que são
exigências administrativas de saúde e segurança do tra- essenciais para a concessão dos benefícios por incapacidade.
balho, suspendendo a obrigatoriedade de exames médicos Muito embora, para o Regime Geral, exista um sis-
ocupacionais, clínicos e complementares, exceto exames tema informatizado de atendimento remoto para o seg-
demissionais, o que pode levar a uma rápida depauperação urado, o “Meu INSS”, para a apuração da incapacidade
do meio ambiente laboral, com ênfase naqueles em que se dá laborativa dos segurados, não há solução razoável para a
a exposição aos agentes biológicos, que são os relacionados suspensão das perícias, inobstante os esforços empreendi-
diretamente no atendimento às pessoas contaminadas. dos para o estabelecimento da chamada perícia virtual que
Os registros divulgados em maio pelo Sistema Único ainda não pode ser implantada.
de Saúde revelavam estatísticas assustadoras de contam- Assim, em 2 de abril de 2020, entrou em vigor a Lei
inação de proŁssionais de saúde pela COVID-19 e Síndrome 13.982/20, que altera os parâmetros de concessão do Benefí-
Respiratória Aguda Grave e as duas categorias proŁssionais cio de Prestação Continuada da Assistência Social e estab-
que mais se contaminaram foi a de técnico ou auxiliar de en- eleceu medidas excepcionais emergenciais que permitiram
fermagem e enfermeiros e enfermeiras.[230] a concessão do benefício por incapacidade sem a realização
A sobreposição destas informações, que dão conta de perícia médica.
de um elevado número de contaminação de proŁssionais A medida prevista no artigo 4º da aludida norma,
de saúde, assim como de elevado percentual de mortand- limita o valor do benefício a um salário mínimo, assim
ade entre as gestantes, revelou um meio ambiente de tra- como condiciona a sua concessão ao cumprimento da carên-
balho nocivo à saúde e incompatível com os compromissos cia de 12 meses de contribuição.
constitucionalmente assumidos pelo Estado de proteger a Os parâmetros salariais da categoria dos prossionais

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da enfermagem têm variação de acordo com o cargo ocu- rendimentos oferecidos à população vulnerável, alvo das
pado e o Estado da Federação, mas via de regra, varia de políticas de amparo dos auxílios emergenciais.
cerca de pouco mais de dois até quatro salários mínimos Ocorre que esta mesma lógica não pode ser apli-
nacionais, na iniciativa privada. Existe um Projeto de Lei, o cada aos benefícios previdenciários por incapacidade. Isso
PL 2564/20, que cria o piso salarial nacional da categoria em porque, a sua natureza é diversa, elegível somente aos con-
R$ 7.315,00 (Sete mil trezentos e quinze reais)[232]. Percebe- tribuintes do sistema e cumprem uma função protetiva im-
se pela análise comparativa, uma importante disparidade preterível e inescusável de garantir a renda do trabalhador
entre os valores passíveis de serem liberados pelo entre no momento da impossibilidade do exercício de atividade
previdenciário autárquico e aqueles que formam a renda sal- que lhe garanta a subsistência.
arial dos empregados do setor da saúde, notadamente enfer- Para as gestantes, a situação posta é de desproteção.
meiros e técnicos de enfermagem. A impossibilidade da realização das perícias médicas, di-
A análise nos permite concluir que a proteção previ- minuiu a renda da mulher gestante que opte pelo afasta-
denciária oferecida para aquelas mulheres gestantes que tra- mento do local de trabalho. Por esta razão, muito embora
balham na linha de frente do combate à pandemia do Coron- exista amparo legal para o seu afastamento, a supressão
avírus, a saber, nos setores de enfermagem, não é suŁciente parcial da sua renda pode ser determinante para que as
para garantir-lhes sequer os mesmos rendimentos que per- gestantes decidam por permanecer expostas à contam-
ceberiam caso estivessem trabalhando. inação pelo vírus.
Em última análise, a supressão abrupta da renda pode Os maiores problemas à efetividade da proteção da
incentivar que as gestantes se arrisquem, trabalhando num mulher gestante na linha de frente do combate ao Coron-
meio ambiente nocivo, para garantir a própria manutenção avírus estão no condicionamento do acesso à integralidade
e do feto. do benefício previdenciário à realização de uma perícia mé-
dica impossível de se efetivar. A resposta autárquica a este
CONCLUSÃO problema, foi a concessão de benefício de valor insuŁciente
A chegada ao Brasil da pandemia do coronavírus de- a cumprir a sua função de garantia de renda.
saŁou o alquebrado sistema de Seguridade Social brasileiro. O Estado brasileiro tem demonstrado uma grande
As medidas de amparo às empresas e pessoas que Łcaram desconexão comparativa às políticas adotadas internacion-
impedidas de trabalhar em razão das normas de restrição de almente, de proteção aos trabalhadores, ao mercado, e à
circulação de pessoas, privilegiaram poucos segmentos so- vida.
ciais com uma renda insuŁciente. Enquanto este capítulo de livro está sendo
O sistema foi marcado por erros de processamento, produzido, o Estado normalizou a morte diária de mais
problemas de acessibilidade que causaram angústias, des- de mil brasileiros em razão da pandemia, superamos os
proteção e até mesmo, exposição desnecessária dos assisti- 68.000 óbitos em 09 de julho de 2020[233] desde o início da
dos pelos programas assistenciais ao risco. pandemia, e a falta de clareza na divulgação dos dados, in-
De certa forma, à parte as questões técnicas de acessi- dica um imensa subnotiŁcação, visto que a mortandade em
bilidade aos benefícios assistenciais, sua dimensão sujeita razão de outras síndromes respiratórias graves indeŁnidas
à reserva do possível, justiŁca os valores insuŁcientes dos também aumentaram exponencialmente.

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EZILDA MELO

Assim como tem falhado com a população em geral,


o Estado tem desprotegido, ou protegido de forma insuŁ-
ciente as mulheres gestantes que trabalham na área da saúde, A ATUAÇÃO ESTATAL NA EFETIVAÇÃO DO
posto que adotou medidas restritivas de acesso a benefícios DIREITO À SAÚDE DA GESTANTE E DA
substitutivos de renda, seja pela diŁculdade de acesso, seja CRIANÇA DURANTE O SARS-COV-2
pela diminuição dos valores da renda.
Hemily Samila da Silva Saraiva[234]
Rebeca de Souza Barbalho[235]

A busca na concretização dos direitos sociais tomou


força a partir da Constituição Federal de 1988 que consagra,
de forma expressa, os direitos e garantias fundamentais, cuja
conquista foi fruto de um contexto histórico evolucionista.
Sem dúvida, a efetividade deles é um grande desaŁo
para a Administração Pública, principalmente num país
como o Brasil que carrega em si a condição de sub-
desenvolvido, em que se destacam as desigualdades soci-
ais e a pouca experiência de regime democrático. Todo
esse cenário foi agravado com a chegada avassaladora da
pandemia denominada de SARS-COV-2, também popular-
mente conhecida como COVID-19 ou Coronavírus, notada-
mente no quadro relativo ao direito fundamental social da
saúde, maior protagonista desse contexto pandêmico.
Diante das inúmeras intempéries no seio da sociedade
decorrentes da pandemia, destacam-se as gestantes infect-
adas pelo vírus, essas requerem atenção antes, durante e
após o parto. A vulnerabilidade é inerente da maternidade e
da infância, fazendo parte esses, portanto, do grupo de risco.
Daí surge à necessidade de intervenção Estatal para
concretizar o direito à saúde, através de serviços públicos
que abarquem a atenção peculiar das grávidas, principal-
mente nesse período de pandemia no qual muitas outras
especiŁcidades surgem. No entanto, o grande desaŁo para a
Administração no século XXI é conseguir realizar políticas
públicas num cenário caótico agravado pelo COVID-19.
O cerne do trabalho consiste em abordar essa prob-
lemática: cabe ao Poder Judiciário intervir quando a Ad-

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ministração Pública não presta serviço público ou faz de à saúde, à dignidade, além de serem postos a salvo de toda
forma inadequada? É possível o Judiciário exercer políticas forma de negligência, discriminação, exploração, violência,
públicas sem que isso viole o princípio constitucional da crueldade e opressão.
separação dos poderes? Conforme Rolf Madaleno “A vulnerabilidade dos in-
O foco da pesquisa é analisar o modelo jurídico vi- fantes é decorrência natural da dependência que eles têm
gente no controle de políticas públicas pelo Estado em tem- dos adultos, pois podem ser pacientes das mais variadas for-
pos de pandemia, no qual se destaca o direito fundamental mas de agressão, assim como vítimas de uma violência cor-
à saúde materno e infantil dos infectados pelo coronavírus, poral ou sexual, ou de abandono físico, psicológico, afetivo
dando ênfase ao controle judicial em caso de omissão da Ad- ou material.”.[236]
ministração Pública. Ademais, o legislador conferiu prioridade aos direitos
Para tanto, adentrará nos estudos dos direitos, gar- das crianças, lembrando que essas gozam de todos os direi-
antidos constitucionalmente, da gestante e da criança víti- tos fundamentais inerentes à pessoa humana. Além de prior-
mas do coronavírus, especiŁcando as necessidades que essas idade, o art. 229 da CF/88, dispõe terem os pais o dever de as-
pessoas do grupo de risco precisam para manter sua inte- sistir, criar e educar os lhos menores, numa clara percepção
gridade física e psicológica. Em seguida se passará a análise de atenção ao princípio da proteção integral e do melhor
dos serviços públicos nesses casos, trazendo uma discussão interesse da criança.
de como conseguir implementá-los, de forma efetiva e ad- O art. 226 da CF/88 menciona a proteção aos membros
equada. da família, dispondo “na pessoa de cada um dos que a inte-
Utilizará para a persecução dos objetivos delineados a gram”, contempla-se a gura da mulher, da mãe, que além de
pesquisa do tipo qualitativo e nível de investigação descri- proteção como gura da família, possui proteção como pes-
tivo, o método de abordagem será o hipotético-dedutivo, soa, com igualdade de tratamento em relação aos demais e
através da análise bibliográŁca, jurisprudencial e disposit- titular de direitos.
ivos normativos atinentes ao tema. Acerca da temática, importante trazer o julgado do
Supremo Tribunal Federal, no qual se discutia a proteção do
O DIREITO CONSTITUCIONAL DE PROTEÇÃO À mercado de trabalho da mulher e à saúde da criança contra
MATERNIDADE E À CRIANÇA EM TEMPOS DE COVID-19 a exposição de gestante e lactante em atividades insalubres,
O art. 6º da Constituição Federal consagra a proteção à cujo relator foi o ministro Alexandre de Moraes (ADI n.º
maternidade e à infância como um direito fundamental so- 5.938), “a proteção à maternidade e a integral proteção à
cial do indivíduo. Tal fato gera a possibilidade de cobrança criança são direitos irrenunciáveis e não podem ser afasta-
de um posicionamento Estatal quanto sua efetivação, sendo dos pelo desconhecimento, impossibilidade ou a própria
esses reaŁrmados em outros dispositivos constitucionais negligência da gestante ou lactante em apresentar um atest-
como verdadeiras liberdades positivas, no qual há uma obri- ado médico, sob pena de prejudicá-la e prejudicar o recém-
gatoriedade num Estado Social e Democrático de Direito. nascido.”.[237]
Destaca-se o art. 227 da CF/88 assegurando como Como direito fundamental é garantida a universalid-
dever da família, da sociedade e do Estado assegurar direitos ade, a inviolabilidade, a indisponibilidade, a irrenunciabi-
à criança, com absoluta prioridade, como: o direito à vida, lidade, a imprescritibilidade, ou seja, a máxima atenção e

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salvaguarda pela Constituição, até mesmo contra possíveis heres (SNPM), traz recomendações para as mães antes, dur-
atos praticados pela própria gestante. A partir das premis- ante e após o parto,[239] alegando que elas passam por mudan-
sas supracitadas, vê-se o atual cenário mundial, qual seja: ças em seu sistema imunológico, o que pode torná-las mais
o enfrentamento de uma pandemia, caracterizada por uma vulneráveis ao vírus.
doença transmitida por um vírus presente em vários países, Corroborando entendimento, Mara Cristina Ribeiro
denominado de SARS-COV-2, também popularmente conhe- Furlan, et al[240] enfatizam as grávidas estarem no grupo de
cido como Covid-19 ou Coronavírus, considerado o sétimo risco ante essa pandemia:
vírus da família Corona registrado no mundo, causador de
As mulheres grávidas são particularmente suscetíveis
impactos em inúmeros setores, no qual o direito à saúde é a aos patógenos respiratórios e pneumonias graves
maior protagonista. devido às alterações imunológicas e adaptações
As proteções à maternidade e à criança são atribuídas Łsiológicas durante a gestação, como a elevação do
diafragma, aumento do consumo de oxigênio e edema
pela maior fragilidade inerente a elas, daí esse olhar con-
da mucosa do trato respiratório. Portanto, as mulheres
stitucional que as fazem obter maior amparo, não podendo grávidas são grupo de risco para a morbidade e mor-
o sistema de saúde brasileiro – que vive em colapso, agra- talidade pelo coronavírus.
vado com o período pandêmico - interferir no direito ao
desenvolvimento físico e mental da criança no relevante Novas pesquisas e estudos têm surgido a cada dia e
acompanhamento pré-natal ou neonatal. Diante disso, a Re- já foi possível identicar através de estudos demonstrados
comendação n.º 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça pelo American Journal of Clinical Pathology, no qual relatou 16
dispõe qual "o grupo de risco para infecção pelo novo cor- pacientes com infecção por SARS-CoV-2, “taxas aumentadas
onavírus - COVID-19”, dentre eles incluído, posteriormente, de características de má perfusão vascular materna e trom-
as gestantes, além das “lactantes, mães ou responsáveis por bos intervilares, sugerindo um tema comum de circulação
criança de até doze anos de idade ou por pessoa com de- materna anormal, bem como um aumento da incidência de
ciência, assim como indígenas, adolescentes com deciên-
corangiose.”.[241]
cia e demais adolescentes que se enquadrem em grupos de
Logo, por ser uma doença nova e com poucos estudos
risco.”.
de resultados concretos, haja vista a cada dia uma des-
Acerca das gestantes, não se sabe muito sobre a trans-
coberta, necessária uma maior proteção a essas mulheres
missão da doença viral ao bebê, “não há conrmação cientí-
grávidas e suas crianças mediante atenção Estatal, objeti-
ca que ocorra a transmissão vertical do novo coronavírus”,
vando não comprometer a estrutura e a organização fa-
conforme informação do Ministério da Saúde[238]. No ent- miliar ou acarretar omissão devido à incompletude na
anto, a grávida tem o sistema imunológico mais baixo, por prestação de serviços de natureza biopsicossocial para
isso está no grupo de risco, além das gestantes que possuem acompanhamento daquelas, como ocorreu com as gestantes
outras patologias como diabetes, hipertensão, asmas, con- que desenvolveram a microcefalia em decorrência do Zika
siderados já de risco no grupo do Covid-19. vírus.[242]
É nesse sentido que a Cartilha “Mulheres na COVID-19” Outras pandemias podem ser citadas, a exemplo da
proferida pela Secretaria Nacional de Políticas para as Mul- explosão da gripe H1N1 em 2009, no qual as mulheres

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apresentaram maior probabilidade de desenvolver com- meio à pandemia de COVID-19 à Rede de Atenção à Saúde Ma-
plicações do que as mulheres não grávidas. Além disso, dur- terna e Infantil:
ante a epidemia anterior do Ebola, recomendou-se que as
Deve ser preservada e incentivada a suprir da melhor
prossionais de saúde grávidas não cuidassem de pacientes forma possível as necessidades assistenciais que gar-
com a doença pelo vírus Ebola, dada a gravidade da doença anta acesso, acolhimento e resolutividade; a Łm de
nas mães e nos recém-nascidos, o alto risco de transmissão e reduzir a mortalidade materna e infantil com ên-
fase no componente neonatal. A subpopulação de
os desaos relacionados a outros equipamentos de proteção
gestantes e puérperas apresenta um desaŁo único
pessoais necessários para o atendimento daquela doença.[243] durante essa pandemia, uma vez que essas pacientes
A gravidez por si só possuem riscos à mulher e ao têm múltiplas interações com o sistema de saúde e, a
desenvolvimento do feto, denominados pela Assistência maioria é internada para o parto.[249]
pré-natal do Ministério da Saúde como "fatores de risco à Diante de tantas peculiaridades que a saúde materna
gravidez", através do manual técnico sobre a assistência é e infantil requer em tempos de coronavírus, imprescindível
possível identicar pelo menos 45 (quarenta e cinco) riscos o Estado desenvolver políticas públicas atinentes ao direito
diferentes que a mulher pode passar em uma gestação, além fundamental à saúde mediante prestação de serviços, pois,
dos sintomas normais da gravidez.[244] E complementa que: “para a Administração Pública, desenvolvimento é o dever
A gravidez não é doença, mas acontece num corpo de implementar uma política séria que busque dar qualid-
de mulher inserida em um contexto social em que a ade de vida aos cidadãos.”[250]
maternidade é vista como uma obrigação feminina. A prestação de serviços essenciais mínimos atinentes
Além de fatores econômicos, a condição de subalter-
nidade das mulheres interfere no processo de saúde à saúde dessas pessoas do grupo de risco, haja vista tamanha
e doença e conŁgura um padrão de adoecimento e vulnerabilidade, encontram diculdades, principalmente
morte especíŁcos. Para implementar as atividades na tentativa de se obedecer às normas Estatais de isola-
de normatização do controle pré-natal dirigido às mento social. Assim, para contenção no atendimento méd-
gestantes, é necessário dispor de um instrumento que
permita identiŁcá-las no contexto amplo de suas ico e não ocorrência da superlotação, instrumentos como o
vidas e mapear os riscos a que cada uma delas lockdown, o isolamento social, a quarentena são utilizados
está exposta. Isso permitirá a orientação e encamin- no sentido de evitar o agravamento da doença.
hamentos adequados em cada momento da gravi- Sabe-se que essas medidas sociais são uma das princi-
dez.[245]
pais posturas implementadas no combate à pandemia em di-
versos países, sendo utilizada também no Brasil - alguns Es-
Neste sentido, não poderia o Ministério da Saúde re- tados com mais ou menos exibilização - disciplinada pela
comendar aos prossionais o mesmo protocolo de manejo Lei Federal n.º 13.979/20202[251] de combate ao Coronavírus
clínico utilizado para a população adulta em geral. [246] [247] e responsável pela devida proteção ao direito fundamental à
Todavia, especicou também princípios próprios para man- saúde.
ejo do COVID-19 nagravidez, incluindo procedimentos para Apesar das recomendações do Ministério da Saúde[252]
[248] de, a depender do período, poder fazer tranquilamente
o controle de infecções e isolamento precoce.
o pré-natal, as grávidas e os bebês nascidos durante a
Além disso, o Ministério da Saúde reconhece que em

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COVID-19 estão ameaçadas na prestação de serviços por um etividade do direito à saúde diretamente ligada ao direito à
sistema de saúde sobrecarregado e, às vezes, se deparando vida. Um dos riscos do vírus COVID-19 é a morte, que pode
com a interrupção desses serviços. Dependendo, a título de atingir aos dois. A atenção a gestantes e recém-nascidos é
exemplo, da Defensoria Pública para conseguir a realização política que se busca, por serem considerados população de
de exames, que segundo gestante prejudicada pelo sistema: risco para transmissão do COVID-19. Assim, a triagem sis-
“a Secretaria Municipal de Saúde negou o atendimento, que temática de qualquer suspeita de infecção do vírus durante
era urgente, alegando que todos os exames foram suspensos a gravidez, além de um acompanhamento das mães que con-
por conta da pandemia do coronavírus.[253] traíram a doença, juntamente com seus bebês, são medidas
Em contrapartida, as mães estão com medo de con- que devem ser incentivadas pela Administração Pública.
taminação e risco à saúde do bebê, evitando ir às clínicas No entanto, em havendo ausência ou incompletude na
ou procurar outro atendimento médico. Outras, devido prestação de serviços públicos pela Administração, pode o
ao pânico da dramática situação, acarretando trabalho de Judiciário implementar políticas públicas? Como frear limi-
parto prematuro. É nesse sentido que Mara Cristina Ribeiro tar essa atuação do órgão jurisdicional? Poderia ele exercer
Furlan, et al[254]: política pública sem que isso viole o princípio da separação
de poderes?
As preocupações das mulheres grávidas ou puérperas
durante a pandemia estão relacionadas ao risco de AUSÊNCIA OU INCOMPLETUDE NA PRESTAÇÃO DE
exposição ao coronavírus desde o trajeto às unidades
de saúde até os procedimentos pré, intra e pós-parto. SERVIÇOS PÚBLICOS PARA GESTANTES INFECTADAS PELO
Algumas desejam o término precoce da gestação com CORONAVÍRUS
cesárea eletiva e outras têm dúvidas sobre o pós- Não se pode olvidar que a saúde pública é a prioridade
parto, como transmissão do coronavírus durante ama- das providências governamentais, sendo este também um
mentação e cuidados neonatais.
direito fundamental social do ser humano. Esse direito está
Outro direito da gestante é de ter um acompan- previsto nos arts. 6º e 196 da CF/88, bem como na Lei Federal
hante durante todo o trabalho de parto, pós-parto e in- n.º 8.080/90 dispõe sobre as condições para a promoção,
ternação hospitalar. A lei de enfrentamento à COVID-19 proteção e recuperação da saúde, a organização e o funciona-
(Lei 13.079/20), que pugna em seu art. 3º, § 2º, inciso mento dos serviços correspondentes, o que evidencia a pre-
III pela dignidade humana, não suspendeu a ecácia da ocupação do legislador na efetivação do direito fundamen-
Lei 11.108/05, que estabelece o direito ao acompanhante tal à saúde.
antes, durante e depois do parto. Foi nesse sentido a Vara O art. 196 diz respeito à necessidade de adoção de
da Fazenda Pública de Mogi das Cruzes em São Paulo que políticas públicas, assegurando que: “A saúde é direito de
concedeu liminar em Ação Civil Coletiva impetrada pela todos e dever do Estado, garantido mediante políticas soci-
Defensoria Pública, garantindo as gestantes durante esse ais e econômicas que visem à redução do risco de doença e
período pandêmico o direito a um acompanhante durante o de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações
parto.[255] e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. 
Não se está em xeque apenas o direito da proteção Segundo leciona, Maria Paula Dallari Bucci, “o enfoque
à gestante, abrange também a segurança da criança na ef- das políticas públicas destaca o papel da Administração na

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‘determinação e conformação’ material das leis e das de- políticas sociais e econômicas que operem na redução dos
cisões políticas a serem executadas no nível administrat- riscos de adoecer.”[261]
ivo.” [256] Logo, verica-se que é um tipo de serviço que possui
“A expressão ‘políticas públicas’ designa todas as uma característica não exclusiva, pois a iniciativa privada
atuações do Estado, cobrindo todas as formas de inter- tal como o Estado pode exercê-lo. Além disto, é constitu-
venção do Poder Público na vida social.”.[257] Assim, estas cionalmente considerado um serviço comum, “possuindo
prestações sociais se efetivam através dos serviços públicos, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios” [262]
estes considerados a ação do Estado para a transformação competência para implementar. Com base em tais premis-
do que foi positivado, é o modo operandi de se efetuar um sas, ocorrendo ausência ou incompletude na prestação do
direito, sendo um termo multifacetado, que possui diversas serviço público, contempla-se à omissão, a inércia e a in-
subdivisões, se limitando este ensaio ao seu sentido estrito. eciência Estatal na gestão da coisa pública, divorciando-se
O art. 175 da CF/88 diz que “Incumbe ao Poder Público, na dos princípios, valores e preceitos da Administração. Para
forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou Rodrigo Pagani de Souza, uma Administração Pública de re-
permissão, sempre através de licitação, a prestação de ser- sultados perpassa ao redor de três grandes ideias: a eciên-
viços públicos”, complementando no inciso “IV – a obrig- cia, política pública e controle de resultados.[263]
ação de manter o serviço adequado.” E como toda atividade Sabe-se, no entanto, que o contexto hodierno viven-
desempenhada pela administração, o serviço público tem cia um cenário de crise na saúde pública, que vem perdur-
seu m o interesse público. “Assim, unicamente, em atenção ando ao longo dos anos e, devido ao COVID-19, tem de forma
a este interesse comum, deve ser a sociedade governada.”[258] esperada um agravamento e décit para comportar aten-
A ideia de serviço público é garantida constitucional- dimentos de prestação de serviços de maneira adequada à
mente com o objetivo de satisfação de necessidades básicas sociedade. Nesse aspecto, Marçal Justen Filho [264] e Gustavo
da sociedade, no qual a premissa principal é a tutela ao dir- Justino [265], aludem sobre um novo direito administrativo de
eito à dignidade da pessoa humana, conforme art. 1º, III, da emergência, “composto por uma série de regras e medidas
administrativas, políticas públicas necessárias ao enfrenta-
CF/88.[259] [260] mento dos efeitos negativos da pandemia na saúde das pes-
Além disso, o art. 4º da já mencionada Lei Federal nº soas, economia e efeitos sociais de modo geral. Considerados
8.080 de 1990, ressalta “O conjunto de ações e serviços de excepcionais.”.
saúde, prestados por órgãos e instituições públicas federais,
estaduais e municipais, da Administração direta e indireta e Alguns Projetos de Lei [266] [267] [268] [269] estão em
das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o Sis- tramitação com medidas que beneciam a mulher no
tema Único de Saúde (SUS).”. período gestacional, medidas essas que necessitam de
O Sistema Único de Saúde é considerado uma política prioridade para aprovação, buscando efetivamente ampará-
de saúde, objetivando a efetivação do direito à vida e a pro- las e protegê-las. Ademais, a Lei ordinária nº 1.4020 de
moção daquela. “Neste contexto, a garantia da saúde im- 06/07/2020[270], fruto da Medida Provisória 936/20, Insti-
plica assegurar o acesso universal e igualitário dos cidadãos tui o Programa Emergencial de Manutenção do Emprego
aos serviços de saúde, como também à formulação de e da Renda, dispondo de medidas complementares para o

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

enfrentamento da calamidade pública decorrente ao coron- São Paulo, que deliberaram pelo afastamento das gestantes e
avírus, inclui dispositivo que beneŁcia gestantes sobre re- lactantes e participantes do grupo de risco, enquanto durar
gras trabalhistas durante pandemia, não se aplicando no iní- o surto do coronavírus, sem prejuízo à remuneração ou
cio da percepção do salário-maternidade para empregadas benefícios em prol da sua saúde da mulher e de toda socie-
gestantes ou domésticas, os dispositivos presentes no art. dade que correm o risco de perder uma grande parcela de
3º, II - no qual reduz proporcionalmente a jornada de tra- prossionais da saúde.
balho e de salário; e III - a suspensão temporária do contrato O art. 2º da Constituição Federal brasileira traz em
de trabalho. seu corpo que: “São Poderes da União, independentes e
No entanto, apesar dos supostos avanços legislativos harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Ju-
acerca da temática, o grande problema que se depara no diciário.”. A atividade estatal realiza-se dentro de normas
direito brasileiro do Łnal do século XX e início do século jurídicas, cuja norma superior à lei é a Constituição, no qual
XXI, é a incapacidade de o Estado-Administração realizar se observa seus limites e a esfera de liberdade dos indi-
as políticas públicas necessárias à implementação dos dire- víduos.
itos sociais previstos constitucionalmente. Os motivos vão Antes de chegar a Constituição Federal de 1988, o
desde a falta de recursos Łnanceiro, falta de planejamento princípio da separação de poderes foi sugerido por Aris-
ou de gestão. Como forma de resolver a questão, a Admin- tóteles[274] e John Locke[275] que também conceberam uma
istração Pública invoca a teoria da reserva do possível, sur- doutrina da separação de poderes, mas quem realmente for-
gida na Corte Constitucional alemã, em que os direitos não mulou a teoria da separação dos poderes, como vista no con-
eram garantidos/efetivados previamente, mas dependiam texto hodierno, foi Montesquieu[276] propondo a tripartição
da reserva do possível. No entanto, essa não vem sendo dos poderes do Estado, atribuindo funções especícas para
atendida pela jurisprudência. Os tribunais costumam recon- cada um deles: o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.[277]
hecer que a carência de condições Łnanceiras ou mesmo re- No entanto, a independência dos Poderes não deve ser
strições orçamentárias não podem ser opostas ao mínimo vista de forma absoluta. Segundo Marçal Justen Filho [278]:
existencial.[271]
A separação de poderes conduz à autonomia relativa,
Ocorre que a Administração Pública não tem adotado em que cada um dos poderes exercita preponderante-
políticas públicas eŁcientes para efetivar a concretização mente, mas não exclusivamente, um tipo de função.
Estatal na prestação de serviços públicos, a exemplo dos Ressalta-se que nenhum dos poderes é titular exclu-
sivo de cada uma das funções nem cada uma das
casos mencionados, em que a Defensoria Pública interviu
funções é desempenhada exclusivamente por um dos
para conseguir exames gestacionais, bem como para tentar poderes. Ou seja, cada poder é investido de uma
garantir um acompanhante durante o parto. O Judiciário função principal, mas desempenha acessoriamente
passou a decidir diante de uma omissão do Executivo e/ou outras funções.
do Legislativo. Outro exemplo, mas dessa vez ao que se ref- Se cada poder fosse de forma absoluta independ-
ere o direito trabalhista, foram acolhidos os pedidos da Ação ente, seria difícil promover uma atuação harmônica entre
Civil Pública n.º 0000266-21.2020.5.19.0005 [272], da 5ª Vara eles. Portanto, “Percebe-se a importância da separação dos
do Trabalho de Maceió, bem como da Ação Civil Coletiva n.º Poderes no controle do exercício do poder político. Cada
1000353-66.2020.5.02.0058[273] da 58ª Vara do Trabalho de

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Poder corresponde a um limite ao exercício das ativi- essa que ca mais delicada quando se adquire a COVID-19.
dades do outro. Assim, o poder freia o poder, evitando a A pandemia trouxe um quadro dramático na saúde pública,
tirania.”.[279] na qual as pessoas do grupo de risco se encontram em maior
São vários os doutrinadores[280] que entendem pela tensão. A mulher gestante passa a necessitar de mais inves-
possibilidade, bem como a jurisprudência[281] quanto ao timento nos serviços de atenção básica, pré-natal, já que ela
cabimento de controle judicial das omissões na atuação nor- deve ser acompanhada antes, durante e após o parto. O am-
mativa e nas falhas na implementação de políticas públicas paro preventivo e superveniente a infecção, no sentido dá
pelos Poderes Legislativo e Executivo. estrutura física e psicológica são essenciais para essa mulher
Nessa perspectiva, trata-se de colaboração, diálogo in- que se encontra em “ultra” vulnerabilidade.
stitucional entre os Poderes, o que é salutar num regime Diante da necessidade desse empenho ao atendi-
republicano e democrático. O desao para a Administração mento para as pessoas em situações de COVID-19, notada-
Pública é a sombra causada por uma eventual intromissão mente as gestantes e as crianças, o Ministério da Saúde e a Re-
constante do Judiciário nas políticas públicas do Executivo, comendação n.º 62/2020 do Conselho Nacional de Justiça,
diminuindo a importância política deste e o fortalecimento classicou ambos como “grupo de risco” reconhecendo a
desmensurado daquele, o que é desinteressante. vulnerabilidade inerente a eles.
Acredita-se que o Judiciário deve agir em ultima ratio, A legislação pugna por serviços públicos efetivos e
para tutelar os direitos fundamentais do cidadão. Assim, adequados para abranger, de forma preventiva, bem como
diante da omissão ou da prestação defeituosa dos direitos as que atendam as gestantes e as crianças que passaram a
sociais pelos demais Poderes, cabe ao Judiciário o poder/ ter sintomas da doença, objetivando tutelar o princípio da
dever de implementá-los, ainda que haja um décit nessa dignidade da pessoa humana que é o centro do ordenamento
prática. A intervenção do Judiciário se mostra uma medida jurídico brasileiro.
necessária no contexto atual, cujo ativismo buscará a tutela O envolvimento entre Estado e indivíduo está entrela-
tão idealizada num Estado Democrático de Direito. çado, no qual aquele tem direito a determinadas prestações
públicas e, a esse, o direito às prestações individuais. No
CONSIDERAÇÕES FINAIS momento em que eles deixam de cumprir seus deveres que
A presente pesquisa buscou estudar acerca da con- recai sobre os direitos do outro, passa-se a se ter conitos.
cretização do direito fundamental social à saúde mediante Assim, quando o Estado-Administração falha no dever
políticas públicas, a serem realizadas por serviços públi- Estatal, no sentido de ausência ou incompletude na atuação
cos que deem assistência à gestante vítima da doença viral dos serviços públicos, se constata uma omissão, uma in-
SARS-COV-2, popularmente conhecido como COVID-19 ou eciência do Estado, não podendo fundamentar essa prática
coronavírus. Cada mulher contém um sistema orgânico com na teoria da reserva do possível. Daí que o Poder Judiciário
suas peculiaridades e, diante disso, defronta-se com uma entra em cena pela natureza de sua função, o que se pode
gravidez única, ou seja, uma diferente da outra, até a mãe denominar de controle jurisdicional das atividades admin-
com mais de um lho relata experiência divergente em cada istrativas.
gestação. A vulnerabilidade da gestante é natural, situação Como se viu, a doutrina não apresenta uma solução
pacíca e os tribunais têm adotado diversos posiciona-

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EZILDA MELO

mentos nos seus julgados quanto ao controle excepcional de


políticas públicas pelo Poder Judiciário. No entanto, se mos-
tra uma realidade essa atitude mais ativista. BREVES REFLEXÕES SOBRE “A CONFISSÃO
Apesar de se concordar que o Poder Judiciário deve DE LEONTINA”: A VIOLÊNCIA CONTRA A
agir em ultima ratio, não havendo assim violação ao MULHER COMO “UMA EPIDEMIA” 
princípio da separação de poderes, nem sempre há efetivi-
Hilda Helena Soares Bentes[282]
dade nessa atuação, além de se desestruturar o maquinário
Estatal que detém competência no âmbito Legislativo e Propõe-se a desenvolver uma leitura do conto “A con-
Executivo de um corpo técnico especializado para decidir ssão de Leontina”, de Lygia Fagundes Telles, como repre-
nas práticas cotidianas de políticas públicas. sentação da violência contra a mulher, com um olhar inves-
tigativo voltado para o pensamento de Luis Alberto Warat
e de algumas autoras feministas, especialmente quanto à
questão da ética da alteridade como premissa básica para os
direitos humanos das mulheres. Possíveis pontos de inter-
seção podem ser analisados a partir da noção de outridade,
ou de ética da alteridade, desenvolvida por Warat na obra
Surfando na pororoca: o ofício do mediador, constituindo um
marco teórico signicativo para o desenvolvimento do tra-
balho.
A primeira parte deste trabalho será dedicada a dis-
cutir a importância de difundir uma Ética da Alteridade,
com aportes teóricos em Warat, ponto culminante de um
estágio superior de encontro com o outro, com o diferente,
com o qual compartilhamos a nossa humanidade, e em
autores que abordam a questão da violência e da vulner-
abilidade, como Castor Bartolomé Ruiz e Fernanda Frizzo
Bragato. Busca-se interpretar que a violência acarreta uma
transgressão ética e a consequente vulnerabilidade da mu-
lher. Faz-se necessário estudar a superação dessa condição
vulnerável a partir de uma educação voltada para os direitos
humanos, segundo Fernanda Frizzo Bragato, que visa a for-
mar sujeitos plenamente capazes, que estimam a si mesmos
como capazes de projetar suas vidas.
Na segunda parte far-se-á uma breve exposição das
principais ideias de Warat no tocante à concepção de Justiça

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Mediadora. A ideia waratiana de Justiça mediadora, calcada A ÉTICA DA ALTERIDADE COMO PRESSUPOSTO
no reconhecimento do outro, converge para o movimento PARA OS DIREITOS HUMANOS DAS MULHERES
desencadeado por promotores públicos, juízes, e higienistas Como premissa básica da vida em sociedades
sociais, que atuavam no início do século passado contra a democráticas, torna-se indispensável o reconhecimento do
tolerância social e legal em face dos crimes passionais prati- outro, da pluralidade da condição humana, e, por conse-
cados por maridos e companheiros. guinte, o repúdio a quaisquer ações que tenham por objeto
A fundação do Conselho Brasileiro de Hygiene Social, “o esmagamento do outro”, conforme coloca José Fernando
em 1925, por promotores públicos, dentre os quais Carlos de Castro Farias.[283] Nesse sentido é necessário indagar a re-
Sussekind de Mendonça, representa um avanço no combate speito da ética da alteridade, propugnada por Luis Alberto
à brutalidade cometida contra a mulher no plano social Warat, como conditio sine qua objetivando a realização dos
e legal. Pretende-se destacar a importância dessa atuação Direitos Humanos.
ministerial, conquanto o Conselho instituído visava mais ao Warat sublinha a referência à justiça – Justiça Media-
fortalecimento da instituição da família do que conceder dora –, que serve de ferramenta para o reconhecimento do
autonomia à mulher. outro em toda a plenitude. Justiça que desemboca no efet-
A análise do conto “A conssão de Leontina”, de Lygia ivo exercício da cidadania, sem exclusões previa e arbitrar-
Fagundes Telles, será discutida na terceira parte. Demon- iamente estabelecidas, e que converge para o que ele designa
stra-se a importância da literatura como meio para a con- como “outridade cidadã”[284], ou seja, a concretização de uma
scientização dos direitos humanos e de transformação dos justiça cidadã. Essa visão pressupõe um hábito, fruto de um
estados de vulnerabilidade da mulher. Traça-se a trajetória aprendizado intenso sobre os valores éticos da identicação
de Leontina, marcada pelo desapreço de sua condição de do outro como sujeito de direito.
mulher, na sua voz silenciada, desembocando na violência Signica igualmente repensar as formas de subjetivi-
de uma existência despojada de qualquer humanidade. dades que se constroem e que demandam um olhar mais
Propõe-se como elemento problematizador a sensível e atento. Torna-se o fundamento maior dos direitos
contradição existente entre a vontade da mulher e o padrão humanos, diretriz moral que nos vincula acima de qualquer
comportamental imposto pela sociedade, que lhe acarreta código de direito. Jaqueline Santa Brígida Sena, ao comentar
submissão, vulnerabilidade e negação de escolhas pessoais a outridade em Warat, resume com propriedade a busca per-
de vida, cenários ainda hoje persistentes. Por último, busca- manente pelo alter:
se elaborar a denição da mulher como sujeito livre de
Somente considerada a ética da alteridade – ou da
opressão, capaz, responsável, digna de respeito e consid- outridade, como diz Warat – como pano de fundo
eração, através de um enfoque interdisciplinar entre as áreas dos direitos humanos é que estes poderão servir de
de literatura e direitos humanos, destacando a literatura instrumento à realização da justiça e da cidada-
nia, porque a busca pela sua realização não estará
como um direito fundamental propiciador de uma edu-
pautada na concepção segundo a qual os valores mo-
cação emancipadora. A pesquisa é teórica e conceitual, cal- rais são exercidos sob o aspecto dos deveres, ou seja,
cada em artigos cientícos publicados em periódicos e em imposições genéricas que devem ser cumpridas até
obras literárias e losócas.  mesmo para evitar-se o sentimento de culpa. O ver-
dadeiro enraizamento do paradigma da alteridade

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

implica compreender o cuidado com o outro não como seres humanos[290].


um dever moral, uma obrigação imposta desde fora,
Importa ressaltar o posicionamento de Drucilla Cor-
mas como uma assunção de responsabilidade, ou seja,
o verdadeiro comprometimento daquele que se sente nell na defesa de um feminismo ético, que vem ao encontro
afetado pela dor do outro. Signica compreender que, de uma relação não violenta com o outro, visando à as-
ao contrário do que preconizou a modernidade, a sub- piração da justiça. Consoante Cornell, essa atitude implica
jetividade não se constrói pela exaltação do sujeito,
“responsabilidade para lutar contra a apropriação do Outro
mas pelo relacionamento com o outro, num exercício
em qualquer sistema de signicado que negaria a sua difer-
de intersubjetividade. [...].[285] 
ença e singularidade. [...]”[291]. Vale dizer, qualquer que seja
Com base no pensamento de Walter Benjamin, prin- o padrão de comportamento vigorante em dada sociedade,
cipalmente desenvolvido no texto “Crítica da violência – devem-se eliminar as condutas violentadoras da liberdade,
Crítica do poder”[286], Castor Bartolomé Ruiz elabora um que possam submeter o outro a situações humilhantes. Na
interessante percurso conceitual que vincula o ato violento mesma direção, Heleieth Saoti dene violência como “[...]
à transgressão ética. Nessa perspectiva, a violência ultra- ruptura de qualquer forma de integridade da vítima: inte-
passa o direito e constitui-se numa violação ética na medida gridade física, integridade psíquica, integridade sexual, in-
em que nega o outro, a alteridade, constituindo um elem- tegridade moral. [...]”[292]. Nesse sentido, a segunda parte irá
ento destrutivo da humanidade[287]. constatar os assassinatos sistemáticos das mulheres como
Como elemento constitutivo primordial do direito sintomático de “uma epidemia” de violência dominante na
para a realização da justiça, a negação da alteridade prenun- sociedade patriarcal para, depois, ver e ouvir A conŁssão de
cia a injustiça e a violência. Walter Benjamin arma que Leontina.
empreender uma crítica da violência pressupõe a relação A VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER COMO “UMA EPI-
com o direito e a justiça[288], considerando que a violência DEMIA”
permeia a ordem instituída e mantida. É relevante pensar o É importante registrar os aspectos signicativos para
direito e a justiça em face da crítica da violência na medida a nossa temática da vida do jurista e criminologista Car-
em que ordens jurídicas ilegítimas contêm sempre o gérmen los Sussekind de Mendonça (1899-1968)[293]. Teve atuação
da negação da alteridade, sendo, por conseguinte, funda- destacada nos cargos jurídicos que ocupou, sendo notória
mentalmente injustas. sua participação, como Promotor Público, na fundação do
Bartolomé Ruiz ressalta a importância de distinguir Conselho Brasileiro de Hygiene Social em 25 de fevereiro
como as sociedades se posicionam no que se refere se à legit- de 1925. Com Sussekind de Mendonça colaboraram Roberto
imidade ou não da violência, questão losóca que assume Lyra, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, Lourenço de
papel relevante na modernidade[289]. Estabelece a diferença Mattos Borges e Nelson Hungria. A nalidade precípua desse
entre agressividade e violência, sendo que a primeira é in- Conselho seria coibir o alto índice de assassinatos de mul-
erente à natureza humana, presente nos homens e animais, heres, vítimas de crimes passionais tolerados pela sociedade
enquanto que a violência representa um ato deliberado e do início do século passado.[294] A ideia era que as mulheres
uma negação da alteridade humana. Cuida-se, portanto, de deveriam morrer porque se tornaram adúlteras. Eva Alter-
uma ação social, praticada por homens com relação a outros man Blay denomina esses “assassinatos de mulheres” como

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

“uma epidemia”[295]. Verica-se, assim, que a mulher ainda não se consti-


O Conselho não tinha por objetivo a defesa das mul- tuía em um sujeito plenamente habilitado a assumir o seu
heres no sentido de criar condições para a sua emancipação papel na sociedade, vale dizer, a exercer a cidadania, como
como sujeito do direito, mas da instituição familiar primor- condição imprescindível para o desabrochar completo de
dialmente. Entretanto, a existência do Conselho funcionou seu intelecto e para o exercício do jogo político. Vale dizer,
como um locus de mediação e de transformação para a ainda não era reconhecida de forma plena, não alcançando o
emergência de novas ideias libertárias e para o reconheci- nível de humanidade que a tornaria digna de estima e de res-
mento da condição da mulher. De acordo com o pensamento peito. 
waratiano, a “outridade cidadã” ainda não alcançaria sua Decorre dessas reexões a necessidade de modelagem
plenitude, mas o Conselho teve o mérito de dar visibilidade de sujeitos de direito plenamente capazes, para a plena con-
a uma situação de brutalidade contra as mulheres e de sal- cretização dos direitos humanos. A indispensabilidade da
vaguarda de seus direitos fundamentais. solidicação do sujeito de direito, que não se esgota no mero
Deve-se ressaltar que o movimento liderado pelos conceito jurídico de ser titular de direitos e obrigações, mas
promotores públicos tinha por escopo extinguir “a tolerân- pressupõe o emprego da liberdade, conforme analisa Ste-
cia social e legal em relação aos crimes passionais”[296], con- phan Kirste, para quem o sujeito de direito assume a titulari-
soante arma Susan Besse. Ou seja, tratava-se de um crime dade de atribuições morais e jurídicas e, portanto, torna-se
masculino, praticado pelo marido, noivo, pais ou irmãos na detentor de dignidade humana.[299]
hipótese de conitos relacionados a amor e a relações sex- Cuida-se, sem dúvida, do ponto nuclear a partir do
uais. Com efeito, esse crime era praticado numa escalada qual o debate sobre a justiça e os direitos do homem devem
sem freios, constituindo um verdadeiro “massacre de mul- gravitar, visando a gerar sociedades mais decentes. A tenta-
heres”[297], em que elas eram assassinadas com o beneplácito tiva convergência dos diálogos entre Luis Alberto Warat e
da sociedade e com o amparo da legislação em vigor. Carlos Sussekind de Mendonça reete a distância temporal
O Conselho logrou alcançar no início da década de entre os dois, mas sinaliza, de maneira clara, a necessidade
trinta do século passado os objetivos almejados: penalid- de pensar sobre a situação da mulher no mundo atual. Em-
ades aos assassinos e revisão do Código Penal de 1940, com bora com todas as conquistas no plano social e jurídico, a
a eliminação do fator da emoção e da paixão como exclu- violência da mulher ainda apresenta índices alarmantes, o
dentes da criminalização penal. Em contrapartida, deve-se que nos convida a rever as noções de justiça mediadora e de
assinalar que o Conselho Brasileiro de Hygiene Social – como outridade de Warat.
o nome bem retrata – tinha por escopo “uma grande obra de A CONFISSÃO DE LEONTINA COMO ECO DAS VOZES SI-
higiene social”[298], com vistas a regenerar a sociedade tendo LENCIADAS DAS MULHERES PELA VIOLÊNCIA
a família como alicerce principal. Às mulheres também era Importa enfatizar que o conceito de vulnerabilidade é
direcionada a campanha de higienização social no sentido eminentemente relacional, como comenta Fernanda Frizzo
de incutir-lhes valores sociais e morais para que a estrutura
Bragato [300], com base nos estudos de Peadar Kirby [301]. Com
familiar não fosse abalada por questões passionais, que po-
efeito, a pessoa que se encontra em estado de vulnerabi-
deriam desencadear os instintos bárbaros dos homens.
lidade está em iminente risco de ser ferida, rebaixada da

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

sua humana condição. Sobretudo, esse estado evidencia a ele deu tudo certo e agora entendo por que merecia um
pedaço de carne maior do que o meu.[303]
negação da alteridade, pois signica não ser reconhecido
como ser humano. Grupos vulneráveis, como as mulheres, Observa-se que a partilha já é desigual na distribuição
por exemplo, vêm reivindicando proteção legal e direitos da carne, mas havia sido feita na suposição de que Pedro iria
iguais. O que demonstra que as injustiças contra as mulheres cuidar da mãe e das irmãs; ao revés, Pedro manifesta sempre
continuam se perpetuando. total vergonha de seu passado, renegando as pessoas que lhe
Vislumbra-se a possibilidade de superar a fragilidade deram apoio. É ambicioso e egoísta, buscando as melhores
através da promoção da autoestima, superando subalterni- oportunidades para prosperar.
dades, proporcionada pela educação voltada para os direitos Leontina é a fotograa de uma jovem do interior que
humanos, em que a mulher pode desenvolver sua person- vai para uma grande cidade e acaba nas redes da prostitu-
alidade e conquistar reconhecimento. ição. Ela arma no início do conto, já na cadeia, que não
E eis-nos perante A conŁssão de Leontina[302], conto de acredita na justiça dos homens, “[...] que conança podia
Lygia Fagundes Telles, que retrata o percurso sofrido e ter nessa justiça que vem dos homens se nunca nenhum
violento de Leontina, pontilhado principalmente pela falta homem foi justo para mim. Nenhum. [...]”[304] Faz ressalva
de reconhecimento como sujeito desde a infância pobre e para Rogério, seu primeiro relacionamento amoroso, mas
humilde até seu destino cruel e tormentoso na cadeia. A que também a abandona.
primeira pergunta que se coloca é: Por que A conŁssão de A violência que se exerce no espaço público atinge Le-
Leontina? Leontina, de fato, traz as marcas da violência con- ontina através do deslumbramento de um vestido marrom
tra as mulheres, conforme apontado por Heleieth Saoti: na vitrine, móvel de seu desejo e sedução e oportunidade
rompimento de qualquer forma de integridade da vítima: para o assédio repugnante de um velho, que regularmente
integridade física, integridade psíquica, integridade sex- cerca jovens e oferece-lhes presentes em troca de favores
ual, integridade moral. Um conto intrigante, uma mulher sexuais. Carente, ela se deixa levar pela aquisição do ob-
frágil e abarca todo um potencial detonador de violência. jeto de seu desejo. No entanto a repulsa em ceder com-
Com efeito, Leontina segue a sina de sua mãe, trabalha pletamente aos apelos do velho com “aquela boca inchada
em casa duramente, ajuda a irmã com deciência, e dá o e roxa”[305] desencadeia uma explosão de brutalidade do
suporte necessário para que seu primo Pedro, criado como homem, que passa a agredir Leontina de maneira despropor-
irmão, pudesse estudar e ser médico. O destino reserva-lhe cional:
só amargor na esfera doméstica: a mãe e a irmã mortas,
O bofetão veio mais forte que quase me fez cair no
Pedro revela-se ingrato e despreza a inferioridade de Leon- banco. Meu ouvido zumbiu
tina. Alcança seu objetivo e torna-se médico. Ela assume a E a acara ardeu que nem fogo. Eu chorava pedindo a
culpa pelo próprio fracasso como pessoa, como descreve na ajuda da minha mãe como sempre Łz nas aperturas.
seguinte passagem: O outro bofetão me fez bater com a cabeça na porta e
a cabeça rachou feito um coco. [...] Agira estava apan-
Aconteceu tudo ao contrário: Minha caiu na estrada hando que nem a pior das vagabundas. [...] Foi então
segurando a cabeça e Luzia se afogou quando procur- que num relâmpago o punho do velho desceu fechado
ava minhoca e eu estou aqui jogada na cadeia. Fico na minha cara. [...][306]
pensando que ele era mesmo diferente porque só com

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

almente subtraída do convívio da sociedade, desempen-


Leontina avista um ferro e desfere golpes violentos hando um papel subalterno, e ausente do intercâmbio das
contra a cabeça do homem. Perde o eixo e defende-se ao ideias políticas. Como demonstrado no artigo, a violência
ponto de tirar a vida do homem. O episódio ilustra a vul- perpetrada contra a mulher caracteriza-se como uma trans-
nerabilidade da mulher à violência física, sexual e moral. gressão ética e uma injustiça em decorrência da negação da
O homem não admite ser contrariado nos seus instintos e alteridade.
reage com violência quando a mulher não aceita suas impos- Este trabalho tem por objetivo precípuo reabilitar o
ições. Na cena evidencia-se o rebaixamento moral da mul- sujeito capaz de pleno direito, a palavra tantas vezes silen-
her na medida em que o velho ordena que Leontina saia do ciada pela imposição da força, e de banir todas as estraté-
carro – “Sai já daqui sua putinha ele gritou”[307] –, e que lhe gias de exclusão da mulher. E esse caminho implica pensar a
entregue “a linda plumagem”[308], ou seja, o vestido que havia noção de alteridade, que está na base da visão humanizadora
comprado pra satisfazer suas vontades sexuais. do direito preconizada por Luis Alberto Warat.
Leontina é presa e, provavelmente, será condenada, A discussão sobre a alteridade coloca-nos no cerne da
pois sua reputação não a favorece e o desamparo a cerca. questão fundamental do direito – a Justiça –, e insere-nos no
Ela é um exemplo contundente da violação dos direitos paradigma da intersubjetividade. Todos esses tópicos con-
humanos das mulheres: contribui arduamente nos afazeres stituem os aportes teóricos mais signicativos desta pes-
domésticos, vive a solidão do abandono, sofre vilipêndio, quisa. A ênfase é conferida à formação de uma cultura dos
truculência, toda sorte de rebaixamento. Sobretudo, não Direitos Humanos, que visa a gerar ações transformadoras
consegue ter voz, não se constitui em sujeito de direito nem por intermédio de sujeitos aptos a assumir essa import-
tem dignidade reconhecida. Vale dizer, de nada adiantaria ante missão no século XXI. Vale dizer, formar cidadãos que
alegar que havia sido brutalmente agredida e que o velho era possam sensibilizar-se com as demandas sociais dos setores
um homem abjeto visto como sedutor de jovens. mais excluídos da sociedade e contribuir decisivamente
A outra pergunta que se impõe, de forma inapelável, é para amenizar as desigualdades e injustiças sociais.
a seguinte: Quem irá ouvir a conssão de Leontina? Ela diz Com efeito, o marco teórico trazido para uma inves-
que ninguém acredita nela. Dirige-se a uma senhora e narra tigação sobre a alteridade demonstrou a sua perfeita ad-
sua história. Seria Lygia Fagundes Telles? Seria você e eu, lei- equação. Pretendeu-se fazer uma grande intersecção neste
toras de A conŁssão de Leontina? Seriam todas as mulheres artigo com pensadores de orientações distintas, mas con-
que compartilham dramas, vivências, lágrimas, silêncios vergentes no aspecto da necessidade de salientar a luta pela
com Leontina? Quem acredita em A conŁssão de Leontina? dignidade da mulher. 
A leitura de A conŁssão de Leontina, de Lygia Fagundes
CONCLUSÃO
Telles, traz na sua composição narrativa o desenho de uma
A conexão literatura e direitos humanos mostra-se
mulher massacrada por uma sociedade desumana e profun-
profícua na medida em que instaura um diálogo desvelador
damente machista. Eva Blay denomina “uma epidemia” o
de uma crítica da violência contra a mulher. Torna-se, com
assassinato de mulheres que fugissem aos padrões morais
efeito, a possibilidade de vislumbrar um sentido mais hu-
da época no início do século passado; infelizmente, ainda
mano para o reconhecimento do papel da mulher, tradicion-
persistem sinais perturbadores de violência contra as mul-

210 211
EZILDA MELO

heres. O contágio dessa cultura injusta e desigual sobrevive


difundindo um quadro desolador de mulheres maltratadas.
Somente uma cultura calcada na educação dos direitos hu- FENOMENOLOGIA DO CUIDADO: REFLEXÕES
manos das mulheres poderá superar esse estágio de negação SOBRE E A CONDIÇÃO HUMANA NO
da alteridade. CENÁRIO DE PANDEMIA COVID-19

Patrícia Medina[309]
Izabela Medina D’Ambros[310]
Hizadora Constanza Medina D’Ambros[311]

O CONTEXTO
A credibilidade cientíca historicamente tem se con-
struído sobre os pilares de um reducionismo cientíco met-
odológico que partir de um paradigma que tem a tendência
a descrever qualquer processo com as mesmas explicações.
Mas, essa racionalidade, que estima a objetividade crítica foi
submetida a julgamento. Desde fevereiro 2020, o sujeito em
sua singularidade e seus diversos ambientes ou, ainda, o su-
jeito social e suas representações têm sido examinadas.
O reducionismo cientíco, este que toma o todo pela
parte, requereu uma abordagem de unidade integrativa,
muito além da fragmentação para dar conta da complexi-
dade do sujeito em sua totalidade e realidade humana num
cenário tão inusitado para as pessoas deste tempo histórico.
Mesmo sob a superioridade objetiva dos saberes advindos
das ciências médicas usados para conduzir as decisões sobre
o isolamento social, o que decorreu de tal decisão foi es-
crutinado pelos mais diferentes saberes e áreas do conheci-
mento. Os diversos modelos de interpretação e intervenção
social do fenômeno parecem ter demonstrado a necessidade
de considerar o humano em sua dinâmica saúde-papéis so-
ciais-ambiente. Neste contexto, o humano em sua forma
feminina foi amplamente exposto. Desde os meios de com-
unicação até a reexividade da própria mulher acerca dos
seus papéis e condições.
Sob a pandemia fomos confrontados a responder
a esse modelo reducionista de produzir conhecimento

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

e fazer ciência. Sob a pressão das coações ao mesmo em casa, nos espaços mais íntimos da pequena família,
tempo ideológicas e orçamentárias as práticas de cuidado, afastados do ambiente físico do trabalho e dos demais
sob isolamento, cuja tendência histórica sempre foi, para afazeres realizados fora do prédio familiar. O voltar a ocupar
melhor estudá-lo, a isolar o sujeito dos seus diversos ambi- o âmbito da casa para o desempenho de diferentes papéis,
entes sociais e de sua vivência afetiva, foram colocados sob requereu ajustes emocionais e sociais. Uma nova aprendiza-
suspeita. gem: co-existir em co-habitar em tempo integral.
Reconhecida pela antropologia como uma aborda- Uma abordagem disciplinar desta temática poderia
gem global do ser humano, um novo paradigma foi muitís- ser feita a partir de inúmeras perspectivas, entretanto, a
simo aplicado: da transdisciplinaridade. Ela que já fazia transdisciplinaridade preza pela centralidade do sujeito e
parte da realidade das culturas tradicionais via tendência a auto-formação que advém da experiência direta. Essa
holística de enxergar os problemas e as soluções; que zelam situação, constitui uma questão que está centrada na pró-
mais pela globalidade do humano do que por uma aborda- pria relação e que foi, pelo lósofo Martin Heidegger desig-
gem redutora e objetiva dos deles. nada pela expressão “habitar”. Esse termo aparece muitas
A abordagem transdisciplinar, conforme Paul Pineau vezes no conjunto da obra do lósofo e, especialmente,
(2003)[312] enfatiza a perspectiva experiencial dos numa conferência intitulada Construir, Habitar, Pensar, de
fenômenos entendendo como formação o contato direto, 1951[315] associado a constituição do sentido do ser a partir
mas reexivo, sem mediações educativas intencionais, pois da linguagem. Para Heidegger, habitar é o traço essencial do
resulta da produção cognitiva do sujeito vivente com o am- ser.
biente. Frequentemente a ideia de habitar está associada com
É nesse contexto que são suscitadas as reexões sobre construção, morada, com um lugar. Porém, não há qualquer
a fenomenologia do cuidado a partir das práticas de cuidado garantia de que isso verdadeiramente aconteça, uma vez
desempenhadas pelos humanos-mulheres neste contexto de que “Uma ponte, um hangar, um estágio, uma usina elé-
pandemia. Quais foram as características distintivas deste trica são construções não habitações: a estação ferroviária,
tempo que ainda vivemos à luz da fenomenologia do cuid- a autoestrada, a represa, o mercado são construções e
ado? não habitações” (2008, p. 125)[316], e Heidegger continua
armando que mesmo na estrada, um motorista de camin-
DO CUIDADO DA AÇÃO E AÇÃO DO CUIDADO hão pode estar em casa, “embora ali não seja a sua residência;
A fenomenologia do cuidado [313] enquanto perspectiva na tecelagem, a tecelã está em casa, mesmo não sendo ali a
losóca se ocupa principalmente com o mundo humano. sua habitação” (Idem, p. 125). É como dizer que não se trata
O humano só existe enquanto ser-com-outros humanos e de possuir uma habitação, uma casa, mas que podemos habi-
não humanos. Por esta razão, para a fenomenologia do cui- tar os lugares nos quais a vida acontece. Trata-se, na verdade,
dar, existir é cuidar de ser. Cuidar de ser-si- mesmo e cuidar do modo como nos relacionamos com as possibilidades de
de ser-com-outros. Trata-se da existência na coexistência; ser-no-mundo.
modo como o ser se preocupa com os outros. Este último século, por força de um paradigma
No cenário da pandemia, mulheres e homens, que econômico-sociológico, as mulheres se separaram dos
puderam[314], voltaram a permanecer por muito mais tempo demais membros familiares e das suas casas para desem-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

penharem papéis sociais em outros ambientes e habitaram a volta à casa, requerer um habitar heideggeriano. A semel-
estes lugares, deram sentidos e signicados a estes espaços hando das atitudes do agricultor com o campo, pois cultivar
de trabalho, militância, lazer e se deram sentido e se sig- representa, dar condições para que as sementes germinem
nicaram a partir deles. O regresso à unidade familiar, por em seu tempo próprio, mesmo que seja sobre uma grossa ca-
causa da pandemia covid-19, demanda construir uma nova mada de neve, ou tórrida, seca, à espera do sol da primavera
aprendizagem. ou das chuvas do inverno. Entenda-se sementes como nos-
Pois, nesse sentido, se diz que só é possível habi- sos pensamentos, hábitos, relações com os lhos, compan-
tar verdadeiramente aquilo que construímos. Nessa mesma heiros, ou seja, com-os-outros humanos e com os objetos que
conferência, Heidegger armou que é por intermédio da lin- vivemos. Assim, o cultivo se mostra como um resguardo,
guagem, da experiência da linguagem, que se revela o modo como um desvelo, como cuidado. Agora nós, e ao seu tempo,
como podemos habitar, uma vez que a linguagem é que cria o lósofo questionava: “Mas em que consiste o vigor essen-
o campo de relações entre os humanos e as coisas. Além de cial do habitar?” Ele respondeu que é o resguardo, pois
redimensionar o ser (essência) de cada ente (coisa), o pensar Resguardar não é simplesmente fazer nada com aquilo
e compreender as relações que ocorrem entre estes entes, que se resguarda. Resguardar é, em sentido próprio,
desde a sua origem. Diz-se que esta relação nasce do “per- algo positivo e acontece quando deixamos alguma
coisa entregue de antemão ao seu vigor de essência,
tencimento do homem à linguagem”.
quando devolvemos, de maneira própria, alguma coisa
A expressão construir, se dita a partir da linguagem, ao abrigo de sua essência, seguindo a correspondência
signica habitar porque o habitar nesta perspectiva, não so- da palavra libertar ( freien): libertar para a paz de um
abrigo, diz: permanecer paciŁcado na liberdade de um
mente casa, residência, mas uma condição na qual o humano
pertencimento, resguardar cada coisa em sua essên-
se encontra neste mundo. Heidegger disse que a palavra do cia. O traço fundamental do habitar é esse resguardo.
antigo alto-alemão usada para dizer construir é “bauen”, e O resguardo perpassa o habitar em toda a sua ampli-
que ela signica habitar, permanecer, morar. tude. Mostra-se tão logo nos dispomos a pensar que ser
homem consiste em habitar e, isso, no sentido de um
Então, nos diz mais, que construir tem relação com de-morar-se dos mortais sobre essa terra (HEIDEGGER,
habitar. Diz como se deve pensar o ato de habitar: 2008, p. 129)[318].

[...] a antiga palavra “bauen” (construir) a que per-


tence “Bin”, “sou”, responde “ich bin”, “du bist” (eu sou, Os mortais somos nós, os humanos mulheres e ho-
tu és), signica: eu habito, tu habitas. A maneira como mens que vivemos um tempo no qual a ciência, assim como
tu és e eu sou, o modo segundo o qual somos homens pessoalmente cada um de nós, manipula as coisas e, desse
sobre essa terra é o Buan, o habitar. A antiga palavra
bauen (construir) diz que o homem é à medida que modo, abandona, abdica, muitas vezes da possibilidade de
habita. A palavra bauen (construir), porém, signica habitá-las. Neste sentido, habitar não é só mais uma ativi-
ao mesmo tempo: proteger e cultivar, a saber, cultivar dade humana, mas um modo de denir como mulheres e
o campo, cultivar a vinha. Construir signica cuidar homens vivem sua relação com o mundo, o modo como
do crescimento, que por si mesmo, dá tempo aos frutos
(HEIDEGGER, 2008, p. 127)[317]. “vivem a sua casa”, a relação que estabelece com o meio.
Olhar o contexto da pandemia na perspectiva heideggeriana
Aplicada como uma metáfora, é possível armar que do habitar é distinto de outras abordagens losócas pois o

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

lósofo discordava do modo como a questão da técnica (e da O entendimento decorre do ouvir. Só o ouvir ajuíza o
ciência) vinha sendo posta no seu tempo. Ele não entendeu acordo, o ajuste, a convivencialidade pois emana do duplo
a tecnologia como um erro humano, mas como a tecedura movimento do diálogo ou da conversa, assim como todas
do pensamento ocidental, como algo inevitável, nem bom as oportunidades que foram abertas aos humanos mulheres
ou ruim, mas algo um tanto com o qual temos que fazer as e homens privilegiados que puderam “voltar para casa”.
pazes, ter quietude, compreender, incluir no nosso pensar, Muitas boas coisas foram relevadas por esta demora dentro
a m de constituir a possibilidade de um novo começo [319], de casa. O que se revela desse modo precisa ser mantido, res-
pois “Somente em sendo capazes de habitar é que podemos guardado, conservado, cuidado. Mas a demora na proximi-
construir” (HEIDEGGER, 2008, p. 139)[320]. dade das coisas não basta. É habitar que implica preservar.
Assim, a autêntica proximidade é capaz de fazer con- Assim, as características distintivas desse tempo, que
vergir o signicado e as signicações. As coisas do mundo, ainda vivemos, à luz da fenomenologia do cuidado se apre-
inclusive a pandemia, podem assumir a signicação genuína senta como uma possibilidade formativa no sentido avesso
pela proximidade que demonstraram ser possível aos su- da instrumentalidade, da utilidade, da mera resolução de
jeitos singulares. Heidegger, em dois ensaios intitulados: A problemas, mas, ao contrário à valorização da eloquência do
Coisa[321] e Construir, Habitar, Pensar nos diz que somente pensamento, do cuidado com o pensar, com o discorrer com
a proximidade permite uma demora junto das coisas (o o arrazoar, com a arguição ponderada, madura, perspicaz,
alongamento no tempo) é a condição ao habitar, de viver, resultante de uma dimensão poética do pensamento e das
de estabelecer relações genuínas.  As coisas do mundo se ações.[323]
capacitam, ou seja, tem revelado sua genuinidade própria, A qualidade de vida em sentido abrangente e pleno,
verdadeira a partir dessa proximidade, de expor o que elas solicita a recolocação do ser e do habitar, como orientado
são, sendo uma signicação inteiramente distinta daquela pela fenomenologia do cuidado Heidegger, pois, quando
de objeto, de algo qualquer constituído pela racionalidade acontece continuamente no mundo, seja ele em que cenário
dominante, que como dissemos no início, tudo separa, div- for, constitui-se um morar-junto, mesmo na sua forma nega-
ide para analisar. tiva, com as coisas e outros humanos com os quais a mais
Das muitas perspectivas que o paradigma emergente genuína fagulha da vida se preocupa, ou quando protege e
aponta, de religação, visão abrangente, complexa e indi- cuida das coisas em seu crescimento.
vidual, a abordagem heideggeriana da fenomenologia do O habitar pode ser interpretado como princípio basi-
cuidado incita a acreditar à proximidade como promissora lar passível de gerar implicações e efeitos, uma vez que o
ao desocultamento das coisas (valores morais, sentimentos, modo de habitação humana sobre a terra e sob os céus im-
habilidades, crenças...), que é mais bem revelado pela di- plica necessariamente um agir, uma construção. Entregar as
mensão poética. Ou seja, a manifestação do ser primordial coisas a si mesmas, o deixar permanecer as coisas às suas
da natureza de todas as coisas e de tudo o que é essencial essências é algo ativo. A demora em casa, a reconguração
se dá melhor pelo poético. Assim, a autoemergência, a di- de funções sociais e dos espaços da morada, assim como,
mensão divina da vida, são desocultadas pelo poético [322]. dar utilidade própria aos instrumentos e usá-los segundo
Resguardar, assim como cuidar, requer a escuta, suas nalidades reconguradas pela presença alargada, são
porque não é possível apreender e compreender sem ouvir. maneiras de preservá-los em sua função e conservá-los entre

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

nós. da ciência e das condições subjetivas dos sujeitos humanos


Habitar exige construção. A casa não habitada, vazia sejam mulheres, sejam homens.
de pessoas, não cumpre seu papel e desempenho que lhe são Uma releitura epistemológica sobre as ligações entre
próprios: ser abrigo não constitui uma casa, um lar, um lugar as condições humanas (nesse caso, a pandemia) e resposta da
que acolhe, mas trata-se de uma mera construção. “[...] habi- construção do conhecimento se impõe, visto que esse laço
tar é construir desde que preserve nas coisas a quadratur- está também na base das doenças ditas "de civilização"[327]
a[324]” (HEIDEGGER, 2008)[325] que afrontam a qualidade de vida singularmente. A val-
A fenomenologia do cuidar de Heidegger à maneira orização de uma abordagem, tanto teórica quanto prática,
do habitar-construir, tem o sentido de manter o vigor. A ligada a uma visão ao mesmo tempo integrativa e res-
essência das coisas implica uma entrega, logo, uma ação: en- peitosa das diferenças particulares dos sujeitos permitiria
tregar a coisa à sua essência. A permanência em casa, em sua a melhora da qualidade da realização e ecácia das inter-
essência, implica num uso, não no modo extremado da ex- venções (cientícas e pessoais) nesta mesma dimensão e por
ploração que exaure e extingue a essencialidade das coisas, conseguinte social.
mas num uso edicante, portanto, formativo. A formação experiencial como uma formação pelo
Essa utilização de algo (momento-tempo ou objeto) contato direto reetido, isto é, sem a mediação de forma-
congrega o deixar-ser-das coisas, que tanto se dá pela dores tais como pessoas, programas, livros, referências bib-
autoemergência como pela autorretração. Assim, a util- liográcas e epistemológicas e às vezes, de palavras, ou seja,
ização tanto revela a natureza das coisas quanto permite a produção da pessoa por ela mesma, via cuidado do pensar
magia de sua inerente ocultação: o desabrochar e o enraizar. e habitar podem ter feito surgir, em muitas mulheres e ho-
Segundo Heidegger (2008)[326], pelo habitar que requer mens, durante o tempo de pandemia, uma realidade cogni-
a consciência e orientação para a morte e a nitude pró- tiva que surge de sua essência, pelos acontecimentos e que se
pria dos viventes, pela espera das manifestações divinas, implantará positivamente em si quanto no ambiente.
pelo resguardo do dia e da noite às suas essências, habit- Em outras palavras, temos que deixar que se apresente
ando sobre a terra e conservando-a de modo que os elem- como verdade, que é sempre simples, apresentá-la com
entos possam ser aquilo que são. Desse modo, um outro clareza e não nos perdermos em complicações. Um novo
olhar sobre este contexto parece possível, que aceitaria começo, do ponto no qual nos encontramos, requer não dis-
o caminho singular de cada pessoa humana: de suas in- pensar as abordagens antropocêntricas que nos destacam
certezas, com suas possibilidades sociais e formativas de em nossas singularidades.
relação que se congura pelo habitar o lugar.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
À objetividade cientíca de interpretação cenário de-
veria poder se justapor a subjetividade fenomenológica dos
sujeitos envolvidos. Essa lógica de articulação, por mais difí-
cil que ela seja, pessoal e cienticamente, parece ser possível
e necessária na atualidade dado o cenário de complexidade

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PANDEMIA E MULHERES

palmente porque existe, ainda que de maneira dissimulada,


a compreensão de que apenas aqueles, nas sociedades atuais,
ENTRE SÍMBOLOS E RETRIBUIÇÕES: SOBRE AS têm garantidas suas liberdades e seus direitos perante o Es-
TENSÕES POLÍTICAS NO ENFRENTAMENTO tado.
AOS DELITOS MOTIVADOS PELO GÊNERO Esse conłito de interesses expõe uma grave fragili-
dade dos sistemas democráticos, fragilidade essa que tem
Izabella Barros-Melo[328][329] contribuído para colocar à prova as próprias bases que es-
truturam a defesa aos princípios constitucionais.
VIOLÊNCIAS E VÍTIMAS
Ao que nos interessa analisar nesta oportunidade, as
Muito se tem discutido a respeito das formas mais
divergências a respeito das cobranças, que podem ou não ser
adequadas e coerentes para se acomodar os mais diversos
consideradas legítimas por parte dos coletivos feministas,
interesses das heterogêneas sociedades pós-industriais. As
e as crises, que são desencadeadas sempre que o Estado se
necessidades de expressão, de comunicação, de autodeter-
manifesta no sentido de atender a essas demandas, são temas
minação têm se potencializado, sobretudo a partir da popu-
de particular relevância, em especial, no que diz respeito
larização do acesso às novas tecnologias de informação, que
à temática jurídico-penal, porque recentes decisões legis-
vêm contribuindo não apenas para dar ampla visibilidade
lativas, de questionável eŁcácia, afetaram de maneira mais
à imagem e ao pensamento de seus usuários, mas também
severa o destino de homens que venham a realizar ou que
para formar e estabelecer identidades coletivas de acordo
tentem realizar homicídios contra mulheres com algumas
com interesses comuns.
características especíŁcas.
Essa tendência tem se mostrado particularmente
As condutas masculinas, que afetam diretamente a
interessante, porque as pressões no sentido da aceitação
família ou a mulher, vêm sofrendo reprimendas mais in-
massiva de determinados coletivos, até então invisibiliza-
tensas no Brasil, em um processo, que tem início a partir
dos pelo comportamento majoritário, vem tomando corpo
de 2006. A Lei 11.340/2006, que Łcou conhecida como Lei
nas últimas décadas e tem aberto caminho no sentido da
Maria da Penha, foi um divisor de águas nas discussões re-
cobrança para que essas identidades sejam percebidas como
lacionadas à violência machista, mas, já em 2015, seguindo
merecedoras e dignas de desfrutarem os mesmo direitos
a tendência criminalizadora no nosso tempo, uma nova lei
dos demais cidadãos. Processo que deveria ser visto como
(13.104/2015) inseriu no Código penal o feminicídio como
positivo, não fossem as reações que partem de grupos con-
uma nova qualiŁcadora do delito de homicídio, condição
servadores que insistem em forçar um modelo de sociedade
que se materializa sempre que o delito for motivado pelo
baseado em comportamentos semelhantes a uma visão de
sexo da vítima[330]. Aqui é importante destacar que a de-
mundo bastante recortada e que atende, sobretudo, a realid-
cisão no sentido de especiŁcar que o sexo (e não o gên-
ades sociais especialmente limitadas.
ero) deveria fazer parte do elemento do tipo em questão,
Mas, se dedicamos nosso tempo a rełetir o tanto que
intencionalmente prejudicou toda uma comunidade trans-
divergências dessa ordem promovem tensões nos espaços
gênero que se viu excluída da proteção legal. Justamente
políticos, é porque não só existem grupos, uns mais e outros
um coletivo extremamente exposto à violência machista,
menos, aŁnados com os interesses majoritários, mas princi-
sobretudo porque não assume a função social atribuída ao

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

seu sexo, conforme o esperado pela cultura patriarcal [331]. E a essa pergunta parece ser não.
dizemos que foi uma ação consciente do legislador, porque De acordo com o Atlas da violência (2019), os
a proposta do Senado Federal, que deu o primeiro passo no homicídios de mulher cresceram 30,7% entre 2007 e
sentido da tipicação, previa a utilização da palavra gênero, 2017[335], com vitimização expressivamente mais alta entre
que terminou suprimida na Câmara dos Deputados[332]. mulheres negras, se comparadas a mulheres não negras[336].
A mesma lei também tratou do aumento de pena de Dentre esses homicídios, tomando por referência os mesmos
1/3 (um terço) até a metade, quando o crime for praticado dados estatísticos, foi identicada uma curva ascendente no
durante a gestação ou nos 3 (três) meses posteriores ao parto sentido do feminicídio, mas não ca claro se essa tendência
[Art. 121, § 7o, I Cp ], mas, logo em 2018, o legislador en- reete um aumento concreto no número de delitos ou ap-
controu outras circunstâncias passíveis de aumento de pena enas a diminuição da subnoticação [337]. Em qualquer caso,
a serem acrescentadas às de 2015: Feminicídios realizados o próprio Atlas da violência presume a tendência crescente
contra pessoa menor de 14 (catorze) anos, maior de 60 do delito em questão, a partir da análise dos homicídios de
(sessenta) anos, com deciência ou portadora de doenças mulher realizados dentro de residências, com uso de arma
degenerativas que acarretem condição limitante ou de vul- de fogo, os quais também apresentaram um crescimento sig-
nerabilidade física ou mental [Art. 121, § 7o, II Cp.] e fem- nicativo no mesmo período (29,8%)[338]. A mesma tendên-
inicídios realizados na presença física ou virtual de descend- cia de crescimento também se repetiu em 2018 (11.3%), de
ente ou de ascendente da vítima [Art. 121, § 7o, III Cp.]. acordo com os dados apresentados pelo Fórum Brasileiro de
Em todo caso, a tendência sempre crescente no Segurança Pública[339].
sentido de se expandir a intensidade da atuação penal, em Para agravar ainda mais o quadro, a intensicação da
um curto espaço de tempo, para mais comportamentos e coabitação forçada pelo isolamento social gerado pelo Cor-
para circunstâncias cada vez mais detalhadas é o retrato de onavirus em 2020, agravou os conitos domésticos e con-
uma época. Essa talvez seja uma das principais caracterís- tribuiu para a realização de muitos novos atos de violência
ticas do Direito penal da pós-modernidade[333]. graves. Esses já eram previstos como fatores que levariam
Mas, a pergunta que nunca parece ser plenamente re- ao aumento das taxas de feminicídio durante a Pandemia,
spondida é se, apesar desses esforços, as taxas de delinquên- inclusive porque as poucas oportunidades de distancia-
cia efetivamente conseguem ser reduzidas[334]? Essa pergunta mento entre os membros da família dicultariam as denún-
realmente precisa ser respondida adequadamente, porque cias e os registros de ocorrência[340], o que poderia atuar
se costuma atribuir ao Direito penal uma função preventiva na “percepção de segurança e impunidade do agressor”[341].
protagonista que justicaria o exercício do poder punitivo Essa crise se agrava ainda pelas consequências econômicas
em direção ao recorte das liberdades do indivíduo. E se essa que dele derivam, já que o desemprego e a diminuição da
prevenção não se concretiza, então é preciso ampliar os con- renda poderiam gerar frustrações masculinas pela ruptura
tornos dos debates jurídico-penais para se analisar em pro- do papel de provedor material da família, normalmente
fundidade o que se espera da execução da pena e do papel do atribuído ao homem[342].
Estado nesse contexto. No período entre março e abril de 2020, em com-
No que diz respeito aos delitos de feminicídio, pelo paração com o mesmo período de 2019, essa pressão explo-
menos no Brasil, ao dia de hoje, lamentavelmente a resposta diu em um aumento signicativo de feminicídios (22%) e

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

no aumento de denúncias telefônicas pela Central de Atendi- século XX a responsabilidade por modicações estruturais
mento à Mulher em Situação de Violência (27%)[343]. Curiosa- não apenas no estilo de vida ocidental, mas também no
mente, houve em paralelo uma queda signicativa no regis- Direito, como um todo, e no Direito penal, em especial [346].
tro de lesões corporais dolosas decorrentes de violência Essas transformações, que geraram um ambiente permeado
doméstica (-25,5%) e de estupro de vulnerável (-28,2%), de “riscos reais e imaginários”[347], afetaram diretamente a
o que se explicaria, de acordo com o Fórum Brasileiro de forma como o Estado lida com essas ameaças e como se com-
Segurança Pública, por prováveis diculdades encontradas unica com seus membros.
pela vítima quanto ao registro de ocorrência, diante da con-
vivência ininterrupta com o agressor, conforme se supunha VÍTIMAS E RESPOSTAS
que poderia acontecer[344]. A volta da vítima ao sistema penal, movimento que
Esse panorama desanimador traz à discussão tanto toma força a partir dos anos 80 do século XX[348] - provavel-
a crise pela qual atravessam a pena e o sistema penal mente pela mudança de paradigmas trazida pelo fracasso do
democrático, como um todo, quanto a racionalidade legis- ideal ressocializador -, vem fortalecida juntamente com os
lativa, tão responsiva às demandas pelo controle da crimin- coletivos que apoiam grupos vitimizados, os quais passaram
alidade, mas tão pouco disruptiva quanto aos caminhos que a protagonizar e a direcionar muitos debates legislativos e
apresenta para se alcançar esses ns. a exercer pressão política sobre guras que têm capacidade
A pena de prisão não sai das pautas midiáticas nem decisória nos embates públicos[349].
da agenda eleitoral e o conjunto de valores que a limita e a Essa nova sensibilidade trouxe consigo mudanças
justica, pelas transformações que vêm sofrendo, convida a de comportamento em múltiplos setores sociais, desde
continuarmos as discussões a respeito da capacidade efetiva aqueles que se identicam com quem sofreu o delito e
da resposta penal em promover algum tipo de intimidação, temem estar em seu lugar, àqueles que encontram na instru-
sobretudo no que diz respeito aos delitos motivados pelo mentalização da vítima um meio de autopromoção; mas
gênero, porque a tendência crescente nas taxas de comissão também ela mesma passa a modicar sua postura, quando
demonstra tanto que a solução penal não parece ser a in- percebe o reconhecimento público de sua condição [350]. La-
dicada para se responder um problema de tamanha magni- mentavelmente, esse reconhecimento nem sempre se con-
tude, como também que a escolha por essa aparente solução verte em algo efetivamente positivo, sobretudo porque,
possivelmente carregue consigo muitas nuances que dire- como sustenta Tamarit Sumalla, se é certo que a vitim-
cionam as decisões de política criminal nesse sentido. ização é uma etiqueta que pode favorecer assistências e
Em todo caso, o protagonismo crescente que alguns compensações, também é certo que atribui classicações
delitos alcançam dentro dos espaços de discussão a res- como de vulnerabilidade, de fragilidade e de submissão, que
peito do castigo se relaciona diretamente com a tendência podem, em lugar de libertá-la emocionalmente, mais ser-
à busca por soluções punitivistas no combate à criminalid- vir como uma âncora a ser arrastada por ela durante anos a
ade, o que se combina ao processo modernização do Direito o [351]. Em todo caso, o prejuízo sofrido também lhe confere
penal e incrementa seus efeitos[345]. Nesse sentido, diversos uma aura de poder e não se pode negar que as redes sociais
são os autores que atribuem às transformações econômicas exercem um importante papel nesse novo contexto.
e ao desenvolvimento tecnológico das últimas décadas do Agora, as vítimas dialogam com outras vítimas,

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

relatam suas experiências, sugerem a libertação dos opres- quando e do quanto castigar e que transita pelas instâncias
sores e orientam aqueles que podem vir a se encontrar legislativas, tem levado algumas vozes da doutrina a ques-
em posição semelhante à sua, adiantando a visão do prob- tionarem se essa aproximação não poderia contaminar a
lema e ajudando-os a identiŁcar o cometimento do delito, dogmática, tanto quanto as próprias funções legitimadoras
inclusive, quando esse ocorre de maneira velada ou cultur- da pena[357].
almente normalizada. Essa ambivalência também sofre in- Partindo de uma análise do discurso em favor da re-
cidência direta dos meios de comunicação, que surgem para sposta penal, ca bastante evidente que não apenas punir
tensionar ainda mais as relações entre agressor e agredido, tem se tornado uma condição necessária para apaziguar os
apresentados como Łguras dicotômicas[352], que se enfren- sentimentos coletivos, mas também que esse tem deixado
tam na busca pela realização da justiça[353]. de ser um direito do Estado para se tornar uma obrigação [358],
Em resposta a essas práticas, sobretudo diante das o que poderia ser sustentado, talvez, numa interpretação às
repercussões que os novos suportes de comunicação costu- avessas do próprio princípio de legalidade.
mam facilitar, é possível que o poder político se veja, em Em todo caso, quando se busca a natureza dessa
muitos momentos, acuado, tendo que responder a esses plei- tendência ou quando se trata de analisá-la por meio da lo-
tos, a demonstrar empatia e civilidade por quem sofreu ou soa do castigo, é impossível não se observar uma singular
ainda que procure compensar determinadas minorias, com orientação no sentido da reciprocidade quanto à submissão
as quais se encontrava em dívida política[354], podendo inclu- à dor daquele que a provocou primeiro, o que parece estar
sive gerar categorias diferenciadas de vítimas, considerando relacionado, em certa medida, à cultura da satisfação da ví-
as que merecem mais ou menos atenção do Estado [355]. Mas tima[359] e do questionável “direito da vítima ao castigo”[360].
evidentemente, no meio desse processo comunicativo, há Seja qual for a interpretação que se dê ao papel do
também Łguras oportunistas que se apropriam da dor e da Direito penal, em um dado momento histórico, talvez seja
luta de terceiros para gerar capital político em seu favor, em uma armação difícil de contestar que esse ramo do Direito
especial, sustentando-se naquelas demandas aŁnadas com o se sustenta completamente em processos comunicativos e é
apoio popular massiŁcado [356]. carregado de símbolos[361].
É precisamente esse efeito que tem trazido conse- Mas, que a legislação penal seja uma fonte pedagógica
quências graves para o sistema punitivo, porque o código e que emita, praticamente em todo o seu conteúdo,
penal e as leis especiais que compõem o ordenamento mensagens que expressam reprovações e comportamentos
devem se consolidar sobre uma hierarquia de relevância ideais, não parece problemático, mas em parte tem-se que
de bens jurídicos, combinada com a consequência jurídica admitir que essa é uma característica fundamental de sua
adequada proporcionalmente à gravidade da lesão ou da essência[362].
ameaça de lesão. E as vontades populares e as expressões Comunicar que um comportamento é socialmente re-
políticas nem sempre levam em consideração a importância provado é o ponto de partida para se alcançar a dissuasão do
da preservação dessa lógica técnica num sistema punitivo delito, até mesmo porque o indivíduo só pode se comportar
que faça sentido às regras democráticas. de acordo com a norma se souber o que ela proíbe[363].
Essa tendência, que se projeta desde os debates por Qualquer visita rápida aos principais movimentos
parte da opinião pública a respeito de como, de quem, de preventivos, independentemente da argumentação que os

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

oriente, esbarrará com a força simbólica do castigo. Se- que racionalizaram a compensação do mal, sustentada, de
guindo esse raciocínio, a prevenção geral negativa, en- acordo com o primeiro, por um ideal de justiça ou, sob o
tendida como intimidação, direciona-se por uma parte, ao ponto de vista do último, pela necessidade de reaŁrmação
sujeito que realizou o delito, mas também aos demais ci- da norma[368]. Mais recentemente, a pena retributiva foi
dadãos que poderiam vir a considerar sua imitação. Em atualizada por outros autores, com especial destaque ao
outro momento histórico, tratar o delinquente, buscando trabalho de Von Hirsch, que modernizou o debate ao argu-
sua recuperação ou corrigindo suas falhas de socialização mentar em favor da aplicação da pena em função do mer-
também representava um processo preventivo em que atua- ecimento do castigo (Neorretribucionismo)[369]. Mas apesar
vam o Estado, como o responsável pela cura, e o sujeito, dessas novas interpretações, as penas absolutas continuam
como o submetido ao tratamento [364]. Mas, apesar dos pro- enfrentando muita resistência doutrinária, talvez por serem
cessos buscados para se evitar o delito, o fato é que nas percebidas como muito distantes da realidade ou por apre-
entrelinhas desse diálogo Łcavam claros quais comport- sentarem uma realidade que ninguém quer enxergar.
amentos aquela comunidade não aceitava em seu seio, tanto Retribuição e prevenção são funções da pena que por
que os que viessem a realizar a conduta proibida tendiam a séculos aportaram pontos divergentes no plano da resposta
passar por processos de normalização nem sempre tempor- ideal ao delito. Se se castiga compensando o mal ou evitando
almente limitados por pena determinada[365]. a sua realização é um questionamento que coloca ambos os
As frustrações quanto à impossibilidade de efetiva- Łns legitimadores do castigo em posições antagônicas, em-
mente se transformar a natureza de terceiros foram funda- bora a doutrina já tenha encontrado um ponto de equilíbrio
mentais para se partir para a pena meramente incapacita- que concilie prevenção e retribuição [370]. Mas essa dicoto-
dora, bastante comum para algumas classes de delinquência mia, bem ou mal, volta a protagonizar os debates, quando
atuais, que por sua parte também expressam mensagens, a política criminal de uma determinada sociedade, num de-
agora mais intensas, voltadas à imposição de castigos mais terminado tempo, move-se mais em uma direção do que em
radicais[366]. Mas essa também não parece ser uma ameaça outra.
verdadeiramente levada a sério pelo delinquente, sobretudo
se observamos a falta de capacidade do Estado em gerir ad- RESPOSTAS E SÍMBOLOS
equadamente a macrocriminalidade, sua principal destin- Apesar de todo esforço punitivo, a prática indica que
atária. os índices de delinquência, de uma forma geral, não pare-
Independentemente de sua dureza, a legitimação da cem responder às, cada vez mais frequentes, demandas de
pena por meio de argumentos preventivos costuma ser de- encarceramento [371], mas dão a sensação de que vivemos em
fendida por uma parte importante da doutrina por aparen- um eterno esforço para controlar indivíduos incontroláveis.
tar ser mais coerente do que as intervenções que buscam A insatisfação por esses resultados chama imediatamente à
retribuição, sobretudo porque essas normalmente estão as- discussão os caminhos escolhidos pelo legislador no sentido
sociadas a sentimentos vingativos, que orientaram muitas da resposta jurídica ideal à gestão de comportamentos in-
réplicas punitivas em sociedades mais antigas[367]. desejados e coloca a doutrina, há pelo menos 30 anos, a
Kant e Hegel, expoentes das penas absolutas ilus- seguir repetindo que muitas dessas escolhas equivocadas em
tradas, apresentaram, em seu tempo, novas características sua natureza, não apenas não são capazes de resolver deter-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

minados problemas sociais, mas terminam por agravá-los, simbólico, esses efeitos se sobrepõem àqueles e geram ex-
desenrolando uma cadeia de repressão, violência e indifer- pectativas de resultado bastante diversas do que de fato se
ença que não há como oferecer resultados melhores do que materializa[379]. É uma fantasia gerada pela própria norma
já se alcançou[372]. que promete mais do que pode entregar, deslocando o
Se se pode dizer que seus Łns instrumentais ou mani- verdadeiro foco do problema que Łca sem solução [380]. A
festos, usando as palavras de Hassemer[373], procuram pro- consequência direta dessa lamentável decisão de política
mover resultados efetivos quanto ao controle de determin- criminal são os sentimentos frustrados quanto aos índices
ada criminalidade, o mesmo nem sempre se pode sustentar de criminalidade. E isso porque, como a solução posta em
no que se refere ao seu conteúdo simbólico [374]. E isso se prática normalmente é falsa, o delito não deixa de se ma-
diz justamente porque os Łns promocionais ou latentes da terializar[381], seja porque a ameaça da pena não consegue
pena, retomando Hassemer[375], que parecem protagonizar promover uma intimidação verdadeiramente eŁcaz, seja
o debate atual [376], incidem nos sentimentos de alento e de porque as alternativas para o problema não se encontram
coesão social, tanto que aparentam estar mais relacionados no Direito penal. Ambas as hipóteses parecem fazer sentido
com seus alcances emocionais do que com resultados objet- conjuntamente, inclusive.
ivos[377]. Essa sistemática, no entanto, parece bastante efetiva,
Se observarmos as inovações jurídico-penais mais quando o legislador trata de responder a pleitos que inter-
recentes, sobretudo as especialmente dedicadas a determin- essam a coletivos majoritários, porque a lei termina se
ados perŁs de delinquência que desempenham papéis de apropriando de um discurso punitivista de apelo transversal
destaque nos debates públicos, como a criminalidade or- e deixa à margem dessa interação grupos minoritários, com
ganizada, por exemplo, perceberemos que a dimensão dessa menor força política, que diŁcilmente conseguem pres-
prática parece expressiva, ademais de preocupante. Ao op- sionar no sentido contrário à nova norma. Nesse caso, o Es-
erarem na consciência popular, revalidando proibições e tado se comunica com a maioria atendendo a demandas que,
reiterando comportamentos considerados ideais, essas nor- embora não consigam efetivamente trazer resultados satis-
mas também fomentam uma identidade coletiva que trata fatórios, terminam fortalecendo a coesão social e a identi-
de distinguir quais sujeitos não apenas não fazem parte do dade coletiva e demonstrando compromisso com interesses
grupo majoritário, mas também colocam em risco a sua que se supõem gerais.
própria existência. Por esta razão, a doutrina costuma fazer Mas o problema, que realmente se apresenta e que nos
referência ao fato de que a prevenção geral positiva repre- interessa em especial, é a crise que se desdobra, quando o
senta, em si, a materialização de uma função simbólica da łuxo desse processo comunicativo tem como destinatário
pena, especialmente dedicada à promoção de um Direito as minorias políticas, não necessariamente assim determin-
penal comunitário e intolerante com os dissidentes, o que adas pelo número de indivíduos, que podem ser alcançados
deixa a proteção de bens jurídicos, papel primordial de um por ela, mas porque sua linha narrativa está limitada a um
Direito penal democrático, em segundo plano [378]. universo que somente dialoga entre si e que diŁcilmente
Esse paradoxo é entendido por Hassemer como uma consegue romper com as barreiras impostas pelo discurso
contradição entre os efeitos manifestos e latentes da norma dominante.
penal. De acordo com o autor em questão, no Direito penal Aqui se apresenta um conłito de interesses complexo,

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

porque a norma passa a ameaçar a coesão social, ao invés de inal), parece levar à interpretação de que para se evitar o
fortalecê-la, rompendo com uma das principais caracterís- conłito, melhor seria não atender às demandas dos grupos
ticas da prevenção geral positiva. Nesse novo cenário, não minoritários, mas essa não é uma opção válida, porque a het-
estamos mais falando de um grupo minoritário sem força erogeneidade das sociedades contemporâneas democráticas
política, mas, com força política suŁciente para mover o não permite que em ambientes sociais plurais a vontade
Estado a atender sua demanda, embora não tão forte o su- da maioria possa prevalecer sobre as demais, ainda que al-
Łciente, ao ponto de poder abafar o impacto negativo que guns grupos tratem de forçar a anulação dessas diferen-
parte do grupo majoritário, o qual não se identiŁca com a ças e tentem estabelecer um ambiente político orientado
norma, não aceita sua justiŁcativa ou até mesmo se sente por monólogos e por soluções unilaterais exclusivamente
ameaçado por ela. aŁnadas com seus valores e com suas conveniências.
Nesse caso, também se identiŁca uma legislação de Pelo menos, no que diz respeito aos interesses de
natureza simbólica, mas que promove efeitos parassimbóli- muitas mulheres, as tentativas de imposição do discurso
cos. Ela é simbólica, porque opera na consciência popular e politicamente incorreto anima o ativismo: protestos so-
porque os resultados, que efetivamente pode alcançar, estão ciais, buscando garantir direito ao domínio do próprio
muito abaixo das expectativas criadas e distantes das de- corpo, fazem-se ouvir, inquietam-se ainda mais os debates
cisões ideais para se chegar à solução do conłito. Mas seus a respeito dos comportamentos e privilégios desiguais in-
efeitos são parassimbólicos, porque a consciência popular toleráveis e se intensiŁcam as buscas por reconhecimentos
na qual opera, diferentemente do cenário tradicional, não é das mais múltiplas identidades que cabem no espaço so-
uniforme, mas bipartida, de maneira que os efeitos que gera cial [382].
em cada uma dessas partições é antagônico e se divide entre Essas iniciativas, que tratam de reduzir o espaço de
as forças políticas que apoiam e as que reprovam a norma atuação feminino, em pleno século XXI, a uma certa zona de
que nasce. Como essa bipartição (ou tripartição, se incluir- conforto masculina, precisam ser combatidas em atenção
mos os indiferentes) não está distribuída em pesos iguais, ao alcance das liberdades e da fruição de Direitos, que são
o grupo reprovador ainda exerce maior peso político, de constitucionalmente garantidos à mulher. Mas não se pode
maneira que a norma termina tendo um alcance emocional ignorar que essas pressões e contrapressões no sentido de
negativo, porque a novidade jurídica é entendida por ele se aumentar o número de conquistas, por um lado, e de se
como injusta. reduzir os espaços de atuação femininos, por outro, são re-
No caso de adaptação dessa norma, em atenção aos łexos de que a prometida igualdade ainda carrega muitas
interesses do grupo majoritário, o mesmo alcance emo- matizes oníricas, pelo menos neste país.
cional negativo contaminará o grupo minoritário, porque,
sendo ele antes beneŁciado, a perda de direitos lhe levará à 4. SÍMBOLOS E RETRIBUIÇÕES
mesma percepção de injustiça e este passa então a se auto- Proteger os interesses dos coletivos que frequente-
declarar como grupo prejudicado, em lugar do outro. mente são atacados é fundamental para que as sociedades
Essa leitura, quanto aos novos processos comunica- contemporâneas possam disfrutar de seus bens jurídicos
tivos travados entre Estado e cidadão (que parecem estar amplamente e possam se desenvolver dentro de parâmetros
presentes em outros cenários ademais do político crim- que ofereçam alguns níveis mínimos de paz e equilíbrio so-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

cial, mesmo que as reformas legais ocorram por meio de lutas kantianas das quais o Racionalismo e a Ilustração proc-
pressões sociais e midiáticas. O que importa é que essas uraram se afastar.
pressões sejam realizadas dentro dos espaços de discussão,
empregando meios permitidos pela legislação, e que os plei-
tos procurem incrementar o disfrute de liberdades por parte
de mais indivíduos e não o recorte a esses mesmos direitos.
Parece difícil de contestar, que mesmo agravando o
castigo, mesmo inserindo o feminicídio entre os delitos
considerados hediondos, mesmo incrementando as circun-
stâncias possíveis para aumento de pena, a probabilidade
de se efetivamente diminuir as taxas de comissão é baixa o
suŁciente para ser considerada desanimadora e isso, porque,
conforme já comentamos anteriormente, a capacidade dis-
suasória do castigo é bastante limitada e só atua em perŁs
especíŁcos de delitos e de indivíduos. É precisamente essa
considerada ineŁciência o que leva uma parte importante
da doutrina a se manifestar contrariamente à intensiŁcação
punitiva, sobretudo nos casos de violência de gênero [383].
Mas, se não queremos abrir espaço para o Direito penal,
precisamos abrir espaço para outras soluções, inclusive não
jurídicas[384], que levem a debates e a compreensões a res-
peito dos motivos e das formas pelas quais manifestam os
movimentos patriarcais[385], pois simplesmente preservar o
estado de coisas signiŁca ser indiferente às milhares de mul-
heres que todos os anos ainda perdem a vida no Brasil e se dá
continuidade às relações de poder que caracterizam violên-
cias motivadas pelo gênero [386].
Evitar a utilização simbólica do castigo parece ser
fundamental para se buscar os caminhos menos tortuosos
no sentido de se encontrar as reais alternativas ao enfren-
tamento de um conłito social tão crítico e para resumir a
instrumentalização e a capitalização política encima do sis-
tema punitivo. Esse é um processo eticamente questionável
ademais de constitucionalmente ilegítimo e que alimenta
práticas retributivas primitivas sustentadas em sentimen-
tos vingativos, que se distanciam e muito das penas abso-

236 237
PANDEMIA E MULHERES

haviam perdido foco nos últimos anos, retornaram com


força no momento em que a atual situação já tem sido con-
GARANTIA DE RENDA E FORMAS DE siderada por muitos economistas como uma das maiores
AUTONOMIA PARA MULHERES DURANTE crises internacionais do século XXI. Partindo do pressu-
E DEPOIS DA PANDEMIA posto de que a renda básica para todos seria uma ferramenta
aliada à luta das mulheres nasociedade, o estudo busca jun-
Raissa Lustosa
Coelho Ramos[387] tar a perspectiva teórica do feminismo com a pauta redis-
Isadora Petronila Cavalcanti Silva Ramos[388] tributiva, para apresentar uma solução não só em relação
à crise econômica provocada pelocoronavírus, mas para a
A crise provocada pela chegada do novo coron- desigualdade de gênero.
avírusserviu para expor problemas sociais que já ocorrem Dentro da agenda feminista, a renda garantida repre-
há muito tempo no Brasil, como a má distribuição de renda, senta, sobretudo, um direito de escolha e uma garantia de
a falta de acesso à saúde para todos, a limitação das boas con- dignidade, pauta que se preocupa com as perspectivas não só
dições de vida para poucos e a escassez de políticas públicas de gênero, mas também desigualdade social, raça e contexto
voltadas para mulheres, visando reduzir as desigualdades de geográco. Esse feminismo descolonialista dá enfoque às
gênero na sociedade. relações concretas e mulheres reais, rompendo com a narra-
Em meio a um cenário anterior no qual as pesquisas, tiva do feminismo hegemônico e pensando no sofrimento
universidades públicas e o Sistema Único de Saúde já pas- invisibilizado das mulheres pretas, pobres, mães e infor-
savam por sistemáticas reduções de investimento, junto malizadas ou excluídas do mercado de trabalho.Diante das
com outras políticas voltadas à saúde e seguridade social, fortes incertezas causadas pela crise, busca-se pensar na vida
tornou-se um momento delicado e em que se questiona o dessas mulheres e quais políticas públicas emancipatórias
tempo todo a capacidade governamental de lidar com crises são capazes de alcançá-las, num movimento também de ret-
e preservar a população. E não se pode negar que, nesse mo- omada econômica do país.
mento, uma das principais preocupações também é com a
1. MULHERES E VULNERABILIDADE NO
economia, que já estava estagnada no Brasil antes de explo-
BRASIL – O QUE NOS MOSTRA A PANDEMIA
dir a pandemia.
O processo de conquista de direitos sociais e políticos
Diante disso, o presente trabalho estuda a crise na
para mulheres foi árduo desde os primórdios, devido à es-
perspectiva da pobreza e da desigualdade de gênero. Leciona
trutura patriarcal na qual o Brasil foi construído. O suf-
Boaventura de Sousa Santos[389] que qualquer situação de
rágio feminino, por exemplo, só foi garantido constitu-
pandemia é discriminatória, logo, mais difícil para certos
cionalmente em 1934, enquanto leis especícas contra a
grupos sociais do que paraoutros;assim, a análise da realid-
violência de gênero, como a Lei Maria da Penha e a Lei do
ade nos mostra que as mulheres apresentam particulari-
Feminicídio, tiveram sua promulgação somente em 2006 e
dades que as colocam numa situação de maior vulnerabili-
2015, respectivamente. Ao longo da História, a forma de
dade nesse período.
organização social do trabalho esteve sempre congurada
Os debates a respeito da renda básica universal, que
para que os homens tivessem mais espaço na política e

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

em ocupações que agregam maior valor social dentro do período de pandemia, acentuaram-se violências já viven-
mercado de trabalho.Isso sem falar no problema da divisão ciadas por mulheres, tanto em caráter de violência física/
sexual do trabalho, que se refere à diferenciação de tarefas psicológica quanto nadivisão sexual do trabalhoe precar-
e responsabilidades entre homens e mulheres por razão ex- ização econômica. Se já existia previamente um quadro de
clusiva de seusexo biológico. Historicamente, o trabalho de desigualdade e pobreza num contexto especíco da discrim-
reprodução social foi designado para a gura feminina, en- inação de gênero, tais problemas acabam sendo acentuados
quanto os homens tinham o papel de provedor nanceiro da pelos recentes acontecimentos, expondo a necessidade da
família. Junto a esse fator, estereótipos machistas, como o da criação de políticas públicas nacionais que busquem coibir
superioridade masculina e a consequente submissão femin- as práticas de violência e discriminação contra a mulher.
ina, formaram a estrutura familiar. Tanto é que Durante a pandemia, noticou-se um aumento da
O primeiro antagonismo de classe que apareceu na violência doméstica. Segundo o Fórum Brasileiro de Segur-
história coincide com o desenvolvimento do antagon- ança Pública[392], essa piora no quadro pode ser percebida
ismo entre o homem e a mulher na monogamia e a através do crescimento dos índices de feminicídio e das
primeira opressão de classe coincide com a opressão do denúncias noLigue 180, já que o isolamento social diculta
sexo feminino pelo sexo masculino.[390]
a ida à delegacia. Dessa forma, a maior convivência com o
Ainda mais prejudicadas são as mulheres negras que, agressor e o momento atual de instabilidade colocam a mu-
vítimas do racismo estrutural, continuam a ser privadas lher vítima de violência doméstica em uma situação ainda
de direitos básicos – inclusive daqueles conquistados pelas mais crítica. E a não denúncia ainda é um problema. Em
mulheres brancas. São as mulheres negras que compõem a pesquisa, o Fórum Brasileiro de Segurança Pública[393] aponta
maior parte da população pobre do Brasil e que são a base de que, apesar de a cada dois minutos um caso de lesão corporal
famílias duramente negligenciadas, exploradas e expostas à dolosa ser registrado em ambiente doméstico, 52% das mu-
desigualdade econômica e à institucionalização do racismo. lheres que sofrem violência não tomam nenhuma atitude
Trata-se de um cenário em que a legislação não se materi- legal. Mesmo que pareça um problema de ordem íntima, a
aliza e que a violência de gênero se expressa junto com as violência doméstica abrange um contexto muito mais geral,
opressões de raça e classe social.Tendo em vista essa realid- porque, dentre os motivos do silenciamento das vítimas,
ade, a perspectiva epistemológica abordada no presente está a falta de autonomia nanceira. Ora, se é destinado
trabalho se enquadra, se tiver que ser categorizada, num unicamente às mulheres o trabalho não remunerado de re-
feminismodescolonialista[391], que propõe mudança de nar- produção social e, aos homens, trabalhos de mais prestígio e
rativa no feminismo hegemônico, e dá enfoque nas relações mais renda, cria-se uma estrutura que favorece a dependên-
derivadas de classe, geopolítica, gênero, sexualidade e raça, cia nanceira da mulher e, consequentemente, diculta seu
num esforço para desconstruir a colonialidade discursiva do desligamento do agressor.
saber.Esse enfoque permite perceber que as desigualdades É nesse primeiro contexto que a importância da renda
do Brasil são frutos de um sistema anterior e institucionali- mínima universal para a luta pela igualdade de gênero se
zado cuja dinâmica estrutural segrega grupos e classes soci- apresenta, principalmente durante a pandemia, dado ao
ais pré-determinadas. agravamento da violência contra a mulher. O direito a um
Partindo dessa lógica de opressão social histórica, no valor que possa dar alguma segurança a mulheres vítimas de

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

violência doméstica quanto ao seu sustento é essencial para o seu sustento e da sua família.
que a dependência nanceira não venha a impedir a denún- Segundo o IBGE[395], 63% das mulheres pretas que são
cia e o afastamento. chefes de família vivem abaixo da linha da pobreza. Esses
Por outro lado, a precarização econômica também dados mostram quais vidas são mais afetadas pela pre-
aumentou com o novocoronavírus. Muitas mulheres se dep- carização econômica e pelo descaso do Estado, aqui rep-
araram com o desemprego, a bruta queda de rendimento resentado pelo funcionamento inadequado da política de
relacionada aos trabalhos informais e ainda a exposição ao auxílio emergencial – mas estendido a vários aspectos do
vírus devido à impossibilidade de parar de trabalhar. Dessa cotidiano dessas mulheres. A desigualdade social já latente
forma, é possível visualizar a profundidade e a complexi- e intensicada pela pandemia, expõe, em primeiro plano, a
dade da violência de gênero, que, permeada por aspectos negligência com a vida de mulheres negras, pobres e mães.
raciais e de classe, assume diferentes formas com a chegada Nesse segundo contexto, a renda mínima signica um
do novo coronavírus. Quando se discute autonomia fem- mecanismo de combate à violência de gênero, pois procura
inina, é necessário ter em mente que muitas mulheres não auxiliar, através da concessão de um valor digno, o sustento
possuem as condições materiais necessárias para a sobre- autônomo de mulheres, tornando-as, desse modo, menos
vivência e que, sem estas, as pautas feministas esvaziam-se sujeitas a opressões e explorações. Valor que não estaria
em políticas liberais que, em benefício de poucas, não gar- atrelado a qualquer requisito impeditivo, como o auxílio
antem a igualdade para todas. emergencial, e não apresentaria os problemas acima relata-
Ainda, mesmo com política emergencial do Estado, dos.
mulheres continuam sofrendo injustiças, algo que pode ser
1.1 TRAGÉDIAS COTIDIANAS E A NECESSIDADE
visualizado nos últimos meses, quando foi concedido o
DE RENDA PARA MULHERES
auxílio emergencial para garantir a sobrevivência de mil-
Em tempos de crise – como a atual pandemia viven-
hares de brasileiros durante a pandemia. Diversas mães, que
ciada, podemos ver uma linha que separa aqueles que
são chefes de família, passaram por problemas na solicitação
possuem bons planos de saúde, podem trabalhar dentro
do dinheiro [394]. De acordo com a lei, essas mulheres têm
de casa e cumprir o isolamento social, e outros, que
direito ao dobro do valor concedido aos demais trabal-
se arriscam diariamente por não terem a opção de car
hadores, visto que precisam garantir não só seu sustento,
em casa. Enquanto isso, algumas pessoas já demandam de
mas também o dos seus lhos. No entanto, no processo de
suas varandas ou dentro de seus carros em carreatas gri-
solicitação, muitas mães solo tiveram seu auxílio negado,
tos pelo retorno das atividades comerciais sob o slogan “o
pois seus lhos já haviam sido registrados no nome do pai
Brasil não pode parar”.  Aliás, tal slogan trata-se de uma
que, por desinformação ou por esperar alguma vantagem [396]
campanha publicitária  promovida pelo próprio Gov-
ilegal, cadastraram o CPF dos dependentes, mesmo que estes
erno Federal, encabeçada por Jair Bolsonaro, que contraria
não estivessem sob sua guarda. Os meios para solucionar
as recomendações das principais autoridades sanitárias do
o problema são, em muitos casos, inecientes e em out-
mundo por defender o afrouxamento das medidas de isola-
ros inexistentes. Sendo assim, a deciência no processo de
mento social.
solicitação do auxílio representa uma violência contra as
Esse tipo de discurso é perigoso para as classes mais
mães, na medida em que o valor seria utilizado para garantir

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

oprimidas da sociedade, porque, dentre esses trabalhadores bem como a banalização do sofrimento de vidas negras e po-
[398]
que “não podem parar”, encontram-se, por exemplo, muitas bres e a própria desvalorização da empregada doméstica.
empregadas domésticas e diaristas, classe representada em Sendo assim, a pauta de instituir uma renda mínima
mais de 80% por mulheres negras, muitas delas com lhos, garantida para mulheres é imperiosa para ao menos dar a
que se expõem ao risco de contaminação diariamente. Não essas trabalhadoras, mães, informais ou desempregadas uma
por acaso, a primeira morte por COVID-19 no Brasil foi de possibilidade de escolha digna. Não sendo o trabalho de
uma empregada doméstica no Rio de Janeiro, hipertensa e doméstica a única fonte de renda e tendo uma renda mínima
diabética (portanto, grupo de risco), que se contaminou na garantida para passar pela crise econômica, essas mulheres
casa da patroa sem ter qualquer informação sobre o risco de teriam tido a chance de carem em casa sem passar neces-
[397]
contágio. sidade: poderiam optar por não ir trabalhar e, consequente-
Nesse ponto, é necessário falar sobre o porquê desse mente, não perder a vida ou o lho. Nesse sentido, uma gar-
movimento, e o porquê dessas mulheres, assim como tantas antia de renda possibilita a oportunidade de aguardar uma
outras, não poderem optar por estar em casa e em isola- oferta melhor de emprego, em vez de aceitar qualquer uma
[399]
mento, para preservar a sua saúde e a de sua família. Em apenas para garantir a sobrevivência , ou de não trabalhar
muitos casos, aquela renda proveniente da função de cuidar quando isso for colocar em risco sua própria vida. E isso
da casa de outras pessoas é a única fonte de renda da casa, é viver com dignidade.Nessa perspectiva, agora nesse ter-
a fonte do alimento, do pagamento do aluguel, de remédios ceiro contexto, a renda garantida é, sobretudo, um direito
etc. Não se trata de uma escolha de não car em casa, quando de escolha, e entra na agenda feminista num processocon-
o não comparecimento àquele trabalho, que é sua única tra-hegemômicoe preocupado com as perspectivas não só
fonte de renda, vai comprometer a sobrevivência daquela de gênero, mas sobretudo de desigualdade, raça, contexto
mulher e de sua família. geográco, e que rompe com o feminismo colonial, cuja con-
Essas histórias trágicas vão se repetindo e eviden- cepção de mundo revolve em torno de uma mulher branca,
ciando de forma empírica as críticas à precarização do tra- europeia e de classe média.
balho da mulher, especialmente durante a pandemia. Não
muito tempo depois dessa morte, no dia 2 de junho, na ci- 2. PERSPECTIVAS PARA SAIR DA CRISE
dade do Recife, morre Miguel Otávio Santana da Silva, de A pandemia do Coronavírus pode ser classicada
5 anos, lho de uma empregada doméstica que estava tra- como a maior crise sanitária da História da nossa era. Por
balhando em plenolockdown, ao cair do 9º andar do prédio causa dela, o desemprego no Brasil passou a subir ainda mais,
onde morava a patroa da mãe. O menino, que estava sem atingindo a marca de 12,6% desempregados e o recorde
aulas na rede pública e não via sua mãe há alguns dias, pediu de 25,6% de na taxa de subutilização no trimestre encer-
para acompanhá-la no trabalho. Enquanto sua mãe estava no rado em abril, segundo o Instituto Brasileiro de Geograa e
térreo passeando com o cachorro da casa, a patroa não foi Estatística por meio da Pesquisa Nacional por Amostra de
[400]
capaz de exercer o cuidado com menino, que acabou transi- Domicílios . Em relação ao trimestre imediatamente an-
tando sozinho pelo prédio e cair. O caso tornou-se um sím- terior (de novembro de 2019 a janeiro de 2020), houve um
bolo da desigualdade social no Brasil, expondo as estruturas aumento de 898 mil pessoas na categoria de desempregados.
hierárquicas da lógica escravista na sociedade brasileira, Além disso, só na primeira quinzena de maio de 2020, os pe-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

didos de seguro-desemprego aumentaram 76,2%, segundo fato ser resgatados já foram muito reduzidos, de forma que
a Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia, o que a medida mais segura de garantir renda e desenvolvimento
denota também um aumento signicativo de pessoas sendo econômico é transferir o capital diretamente para as pes-
demitidas. soas.
Sendo assim, levantam-se perguntas sobre como gar- Para sair da estagnação econômica que o mundo se
antir a sobrevivência das pessoas e ao mesmo tempo fazer encontra hoje, alguns estudos já analisam o uso de uma fer-
a economia se reativar. Nesse sentido, há muitas discussões ramenta scal que disponibilize renda para as pessoas para
hoje que buscam equiparar ou comparar a crise do coron- conseguir contornar a estagnação econômica, porque, ainda
avírus com a crise de 1929 e até a de 2008, em termos que se abaixem os juros por meio dos Bancos Centrais, a re-
de impacto econômico, profundidade e dimensão, e assim, cuperação só irá acontecer se houver demanda, ou seja, se as
buscar respostas no passado de como solucionar a crise pessoas tiverem condições de poder de compra e de investi-
atual. Entretanto, a crise vivenciada hoje apresenta muito mento novamente. Se não existe essa perspectiva futura de
mais diculdade de ser dimensionada, por causa das mudan- demanda crescente, não há como o país crescer mais eco-
ças no mundo e na política nacional econômica, que atual- nomicamente. Nesse sentido, garantir uma renda mínima
mente se comporta de acordo com uma lógica impossível de para as pessoas é essencial para ter garantia de que as pessoas
rastrear. Isso acontece por causa do grau de complexidade vão conseguir sobreviver e conseguir consumir.
proporcionado pela fragmentação da economia, vinculada à
globalização. 2.1 A RENDA GARANTIDACOMO INSTRUMENTO DE
Em alguns países, os Bancos Centrais apelam para a PROTEÇÃO E DIGNIDADE
política monetária de redução da taxa de juros, para a re- Idealizada como um instrumento de segurança e
cuperação da economia por meio de tentar sustar a deação dignidade humana, a renda básica universal ou renda
no preço dos ativos nanceiros. Desde 2008, essa política mínima garantida é a garantia de que, não importando
monetária tem sido bastante criticada, justamente por ser qualquer requisito como idade, sexo, raça ou outro, todo
ortodoxa e gerar liquidez retida nos ativos nanceiros, sem indivíduo tem o direito de receber uma verba capaz de
que haja necessariamente inação ou retomada de emp- garantir seu sustento e liberdade para viver de forma con-
regos. Isoladamente, essa política não é suciente, e se faz dizente com a condição humana na sociedade.  Ela tem
necessário aderir a novas políticas, bem diferente das usadas o propósito de diminuir a desigualdade social e erradicar
em crises anteriores. Durante a crise de 29, por exemplo, a histórica pobreza estrutural brasileira, proporcionando
proporcionou-se socorro nanceiro às empresas e fábricas uma distribuição de renda mais equitativa. Ela é pautada
nacionais, para que elas pudessem contratar ou recontra- nos princípios históricos de dignidade, justiça social e soli-
tar as pessoas e garantir emprego e renda, já que havia um dariedade, que são valores jurídicos fundamentais consagra-
canal mais direto entre Estado e a produção de empregos. dos no artigo 3º da Constituição Federal de 1988:
Mas, hoje, diferentemente das crises anteriores, o conceito
de trabalho foi modicado pela globalização e já não seria Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da
[401]
ecaz esse modelo . Com a cultura de informalidade e pre- República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
carização do trabalho, os empregos formais que podem de

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

II - garantir o desenvolvimento nacional; bilhões de pessoas, e descreve isso da seguinte forma:


III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir
as desigualdades sociais e regionais; Não há nenhuma razão objetiva para os dramas
IV -promovero bem de todos, sem preconceitos de ori- sociais que vive o mundo. Se arredondarmos o PIB
gem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas mundial para 80 trilhões de dólares, chegamos a um
de discriminação. produto per capita médio de 11 mil dólares. Isto rep-
resenta 3.600 dólares por mês por família de quatro
Trata-se de um instrumento de política econômica pessoas, cerca de 11 mil reais por mês. É o caso tam-
capaz de promover não só o desenvolvimento econômico bém no Brasil, que está exatamente na média mun-
de um país, mas também proporcionar condições dignas de dial em termos de renda. [403]
vida para todos os cidadãos. É uma garantia de que todo indi- Na perspectiva do recorte de gênero, já foi apre-
víduo tenha o direito de receber uma verba capaz de garantir sentada a ideia de que a desigualdade social e a má dis-
seu sustento e liberdade para viver de forma condizente com tribuição de renda afetam principalmente as mulheres na
a condição humana nasociedade, objetivando alcançar uma sociedade brasileira. A falta de renda implica em mora-
sociedade mais justa e civilizada, ao mesmo tempo que tam- dia precária, saúde prejudicada, alimentação inadequada,
bém se compromete com o desenvolvimento do país, tor- trabalhos desumanos e tantas outras violências físicas e
nando a economia mais competitiva, já que as pessoas terão psicológicas. Sem poder de escolha, a maioria das mulheres
mais capacidade de compra e de sustento [402]. são aprisionadas em ciclos de opressão em diversos âmbi-
A desigualdade econômica que essa medida busca tos de suas vidas na tentativa de garantir o mínimo para
solucionar refere-se especialmente àdistribuição de renda, sua sobrevivência e da sua família. Nesse sentido, é impre-
que gera a desigualdade social e contribui para a crescente scindível para uma sociedade que se autodenomina a favor
crise humanitária de pessoas vivendo em situação de po- da igualdade de gênero criar instrumentos de proteção para
breza, desemprego e informalidade, forçadas a viver com mulheres marginalizadas. A luta por direito a tratamento
sem renda suciente para atender às necessidades básicas igualitário não se esgota no artigo 5° da Constituição de
para sustentar um padrão mínimo de vida, de acordo com 1988 quando é estabelecido que “homens e mulheres são
o contexto histórico e a referência social. O Instituto Bra- iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Consti-
sileiro de Geograa e Estatística (IBGE) aponta que o número tuição”. Muito pelo contrário: mitigar as opressões de gên-
de pessoas que vivem na extrema pobreza é de 13,5 milhões ero depende de ações concretas para garantir moradia, ali-
enquanto que a maior renda mensal – de apenas 1% da popu- mentação e trabalho digno para todas sem que nenhuma
lação - equivale a 33,7 vezes o valor do rendimento 50% dos precise, para isso, se sujeitar a violência.
trabalhadores brasileiros. Hoje, a busca por autonomia feminina trata-se, sobr-
É importante pontuar que a desigualdade vivenciada etudo, de autonomia nanceira. Isso porque sem condições
hoje não só no Brasil, mas no mundo todo, é fruto de um sis- materiais de sobrevivência, a liberdade simplesmente não
tema institucionalizado complexo, e não da escassez de re- existe. Essa sim é a autonomia que o feminismo contra-
cursos para abarcar a todos. Há renda suciente, o que não há hegemonicoprocura: através da proteção a dignidade e das
é distribuição justa.Segundo LadislauDowbor, não existe necessidades imediatas de mulheres reais, mães, pretas e po-
fundamento que ampare a gigantesca miséria em que vivem bres.Sendo assim, o papel da renda básica no processo de re-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

distribuição de riquezas e, consequentemente, no combate para lhes proporcionar mais dignidade e autonomia. Essa
à desigualdade social, está diretamente ligado a luta por medida, além de ser ecaz para atravessar a instabilidade
igualdade de gênero na medida em que é um instrumento atual, ainda proporciona uma perspectiva futura de garantia
ecaz para garantir, por um lado, as condições materiais de de direitos – durante e depois da pandemia.
sobrevivência e, por outro, a autonomia nanceira de femin-
ina.
Por m, pensar na renda mínima como mecanismo de
superação da crise e, ainda mais, de direito básico e univer-
sal, é colocar a recuperação econômica ao lado das necessi-
dades da população. É, antes de tudo, pensar na autonomia
de mulheres que, pela privação de escolha trazida pela falta
de políticas públicas que as atendam, sofrem violências co-
tidianas.

CONCLUSÃO
A pandemia do novo coronavírus escancarou a com-
plexidade das violências ainda vivenciadas por mulheres
no Brasil, expondo ainda mais a marca de um país con-
struído em desigualdades. E, enquanto são buscadas alter-
nativas para a superação da crise econômica, a população
tem urgência de sobreviver. Longe de ser um problema só de
saúde, a situação dos brasileiros à margem, que não podem
se prevenir do vírus através do isolamento ou que, ainda,
perderam o emprego e não têm como se sustentar, é um caso
de negligência do Estado em criar e administrar políticas
públicas emancipatórias que diminuam o impacto de crises
na população.
Nesse cenário, a discussão em torno da necessidade
da renda mínima garantida encontra seu lugar, porque per-
passa a criação de uma sociedade mais igual e sobretudo
democrática, e é também uma luta que envereda por diver-
sos âmbitos, englobando também a luta feminista, anticap-
italista, anticolonial e antirracista.
Procurou-se demonstrar neste breve estudo de que
formas a ferramenta da renda básica poderia agir no centro
das desigualdades sofridas pelas mulheres na sociedade,

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PANDEMIA E MULHERES

justa e solidária.
Para tanto, o texto que se segue está organizado
DESIGUALDADE DE GÊNERO EM TEMPOS em três partes. Primeiramente, discorrer-se-á, ainda que de
DE PANDEMIA: UMA DISPUTA PELOS forma panorâmica, sobre algumas das formas que as desi-
SENTIDOS DA CONSTITUIÇÃO gualdades de gênero estão sendo modiŁcadas ou intensiŁ-
cadas pelo contexto da pandemia. Em seguida, será apre-
Jessica Holl[404]
Raquel Cristina Possolo Gonçalves[405] sentada a relação entre constituição e sociedade à luz da
Rayann Kettuly Massahud de Carvalho[406] Escola Mineira de Direito Constitucional.[410] Por Łm, será ex-
posto o entendimento de que o tempo presente expressa,
O tempo presente, marcado pela pandemia provocada uma vez mais, a possibilidade de se lutar com a constituição
pela propagação da COVID-19, tem tornado ainda mais ex- e por seus sentidos em busca de uma sociedade em que a
plícitas algumas das contradições vivenciadas na moderni- desigualdade de gênero não possui guarida.
dade e expressas, em grande medida, nas constituições mod-
ernas.[407] Referidas contradições podem ser apresentadas DESIGUALDADES INTENSIFICADAS, O QUE OS
como a tensão entre as expectativas sociais da constituição NÚMEROS TÊM NOS MOSTRADO
de uma sociedade mais livre e igualitária que está em per- Antes da pandemia provocada pela COVID-19, o
manente convivência, e em aparente contradição, com desi- cenário de desigualdades entre os gêneros já se assoberbava
gualdades abissais presentes no mundo,[408] entre elas as de no contexto brasileiro. Firmadas na ordem patriarcal e na
gênero. divisão sexual do trabalho, às mulheres sempre se relegaram
Nesse quadro, no presente artigo o objetivo é con- os trabalhos do cuidado, serviços não remunerados. Tarefas
tribuir para uma análise sobre essas contradições — que an- domésticas, o cuidado com as crianças e idosos já sobrecar-
teriormente já estavam presentes, mas que se intensicaram regavam desproporcionalmente as mulheres.
nesse momento histórico. Isto é, reetir sobre as formas Mesmo com a inserção no mercado de trabalho, essas
de manifestação que as desigualdades de gênero assumem atividades de cuidado continuam com a marca de serviço
hodiernamente, bem como buscar compreender o lugar pouco valorizado, portanto, menos remunerado.[411] Uma
que ocupa a constituição, enquanto categoria teórica-social dessas proŁssões, majoritariamente exercida por mulheres,
relevante na modernidade para compreender a supracitada é a educação infantil, e quanto mais nova for a criança,
tensão. menos remunerada é a proŁssional.[412] Ou seja, mesmo nas
O trabalho se justica, pois a pandemia tem eviden- escolas, são as mulheres as responsáveis por cuidar dos Łlhos
ciado que, além de não se ter estabelecido uma sociedade daquela comunidade.
mais igualitária e livre, as desigualdades de gênero tornam- O campo da saúde também abarca muitos dos cha-
se ainda mais violentas e brutais. Uma segunda justica- mados trabalhos do cuidado, como a enfermagem, nutrição,
tiva, é que a Constituição ao ser compreendida como uma e outros. Segundo análise realizada a partir dos dados
arena permanente de disputa por seus sentidos[409] pode con- censitários do Brasil, identiŁcou-se o fenômeno da femin-
tribuir para luta contra as desigualdade de gênero e, como ização da força de trabalho na saúde.[413] Essa análise ressalta os
desdobramento, para a consolidação de uma sociedade mais dados que indicam esse fenômeno: mulheres trabalhadoras

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

com nível superior de formação são 90,39% dentre os proŁs- apenas 20% dos homens ocupados possuem emprego infor-
sionais com formação em enfermagem. mal. Fazendo ainda um recorte nas mulheres que trabalham
Entre nutricionistas, 95,31% são mulheres. Um dado na informalidade, tem-se que 47,8% delas são mulheres ne-
interessante refere-se à porcentagem de mulheres médicas, gras[415].
dado que se trata de uma proŁssão valorizada no contexto Importante ressaltar que no país, quando se analisa
brasileiro, tanto social quanto em termos de remuneração. quem são os marginalizados, com menos acesso a condições
Nesse caso especíŁco, há uma modiŁcação no cenário, entre adequadas de vida, há um entrelaçamento de raça e classe
médicos, esse percentual cai para 35,94%. social. Às diŁculdades já ressaltadas, somam-se a obrigação
Já quando o foco está nos proŁssionais com for- de continuar a busca pelo sustento diário, mesmo em con-
mação em nível médio, elas são 77,88% dos técnicos em texto de isolamento social e quarentena. Trabalhadoras
Łsioterapia, 78,03% das parteiras, atendentes de enferma- domésticas são intensamente afetadas por toda essa modi-
gem e aŁns, e 86,93% das técnicas e auxiliares de enferma- Łcação social, pois devem cuidar de seus Łlhos, que não têm
gem.[414] mais creche ou escola para frequentarem, e ainda continuam
Dado esse contexto prévio à pandemia, várias dessas trabalhando fora de sua residência.
desigualdades se intensiŁcaram em razão das mudanças exi- Dados também indicam um aumento da violência
gidas por questões sanitárias, como o isolamento social, doméstica de cerca de 28% em abril de 2020, em relação
e o consequente trabalho remoto. Na medida em que os ao mesmo período de 2019. Mulheres presas em casa com
membros de uma determinada organização familiar passam seus agressores, impossibilitadas de sair de casa para de-
a ocupar mais o ambiente doméstico, que deveria ser dis- nunciarem, continuam reféns e em situação de vulnerabili-
tribuído igualmente entre eles, aumentam demandas de dade.[416] Seria possível encontrar um cenário de decréscimo
preparação de refeições, limpeza, cuidado integral com os numérico em relação às denúncias de violência doméstica
Łlhos, em razão de as escolas estarem fechadas. registradas nas delegacias, em razão da obrigatoriedade da
O fechamento das escolas, inclusive, sobrecarrega quarentena.
tanto as mães, que passam a ter que acompanhar as aulas O cenário da pandemia também trouxe desaŁos adi-
em EAD, e auxiliar as crianças no processo de aprendizagem, cionais para as mulheres quando considerada a deŁnição
quanto as próprias professoras, que sem formação prévia, de políticas públicas destinadas ao enfrentamento da crise
foram obrigadas a produzir conteúdo digital para essa mo- econômica e sanitária. Nesse sentido merecem destaque
dalidade de ensino. Soma-se a esse fato, o cuidado com os dois eventos que ilustram a vulnerabilidade a que direi-
próprios Łlhos. tos e conquistas das mulheres estão expostos no contexto
Esse cenário do trabalho remoto ainda se refere a da pandemia, especialmente no caso brasileiro, em que a
classes privilegiadas, quando se consideram trabalhadoras crise sanitária e econômica também está acompanhada de
informais, que não contam com qualquer auxílio em ter- uma crise política: o primeiro diz respeito à exoneração da
mos de seguridade social, a situação é ainda mais delicada. equipe técnica vinculada à Coordenação de Saúde das Mu-
Dados do IBGE, publicados em 2019, indicam que 41,3% da lheres do Ministério da Saúde e o segundo, à negativa do
população ocupada está na informalidade, sendo que 42% Auxílio Emergencial a ex-candidatas que permaneceram na
das mulheres empregadas estão na informalidade, enquanto condição de suplentes nas eleições de 2016 e 2018.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

A exoneração da Equipe Técnica vinculada à Coord- de que estão exercendo mandato eletivo e por isso estão su-
enação de Saúde das Mulheres do Ministério da Saúde, ocor- jeitas ao regime de previdência especial. Isso ocorre, porque
reu no início de junho de 2020, em razão da divulgação de o DATAPREV[420] tem utilizado a base de dados do TSE, que é
nota técnica que tratava de medidas para garantir o acesso à disponível para ampla consulta e nela não é possível aferir se
saúde sexual e à saúde reprodutiva no contexto da pandemia o suplente chegou a tomar posse ou não. Essa base de dados
da COVID-19.[417] A exoneração, conrmada na edição 107, trás apenas um retrato do resultado das eleições, indicando
do dia 05/06/2020 do Diário Ocial da União, foi motiv- se a pessoa foi eleita ou não (e as candidatas e candidatos
ada por críticas do presidente Jair Bolsonaro e de setores que caram como suplentes são computados como eleitos).
do governo, que consideraram que a nota técnica pretendia Com ela, não é possível vericar se a suplente tomou posse
uma apologia ao aborto.[418] Não obstante, a nota técnica em um momento futuro ou não, e caso ela não tenha tomado
em questão aborda a necessidade de se garantir, em tempos posse, não exerce mandato eletivo e não é remunerada. Por
de pandemia, o acesso integral à Saúde da Mulher, o que isso o presidente do TSE, Min. Roberto Barroso, no início de
perpassa a Saúde Sexual e a Saúde Reprodutiva (SSSR). No junho ociou a DATAPREV informando que a base de dados
entanto, a nota técnica propunha uma abordagem multifa- de TSE não é adequada para fundamentar a concessão do
cetada, envolvendo o acesso à informação e educação em auxílio emergencial, sendo necessário utilizar os dados das
saúde, o direito ao planejamento reprodutivo e a utilização câmaras de vereadores, assembleias legislativas e Congresso
de tecnologias para garantir o acesso integral à Saúde da Mu- Nacional.
lher. Aqui, importa considerar o impacto dessa situação,
Aqui, o que está em disputa é a compreensão de que não apenas no cotidiano das mulheres — cuja vulnerabi-
o Sistema Único de Saúde (SUS) deve garantir o acesso de lidade é reconhecida na própria legislação que prevê a
todas as mulheres ao sistema integral de saúde, a m de não concessão do Auxílio Emergencial dobrado para o caso
aprofundar ainda mais o cenário de desigualdade no país. de famílias monoparentais cheadas por mulheres.[421] Mas
Isso, porque o direito à Saúde — que engloba a Sexual e Re- também nas futuras candidaturas de mulheres, visto que
produtiva — consiste em direito fundamental, previsto na ex-candidatas nessa situação estão repensando sua partici-
Constituição de 1988 (arts. 6º e 196), que deve estar dis- pação em eleições futuras, por relacionarem a candidatura
ponível a todas as mulheres, independente de classe social e com o ônus econômico imposto a suas famílias, dada a nega-
poder aquisitivo. Ademais, a nota técnica também estava de tiva do pedido de auxílio emergencial.[422] O que se torna
acordo com entendimento da Comissão Interamericana de ainda mais sensível, considerando que a efetiva e paritária
Direitos Humanos (CIDH), nos termos de seu relatório sobre participação das mulheres na política ainda é um desao
Pandemia e Direitos Humanos nas Américas.[419] para a democracia brasileira.[423]
A situação envolvendo o Auxílio Emergencial, refere- São esses desaos aqui elencados, dentre outros múlti-
se ao caso das ex-candidatas nos pleitos de 2016 e 2018, plos vivenciados pelas mulheres no contexto da pandemia
que permaneceram como suplentes — isto é, não foram ef- de COVID-19, que tornam necessária a permanente disputa
etivamente eleitas, mas poderiam ser chamadas a exercer pelo sentido da Constituição de 1988. Assim, na sequência
o cargo eletivo no caso de afastamento do titular —, mas será discutido o papel da Escola Mineira de Direito Consti-
que tiveram o Auxílio Emergencial negado, sob a alegação tucional na compreensão dessa disputa em torno da signi-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

cação e efetivação da Constituição. elas, a Escola Mineira de Direito Constitucional propõe um


constitucionalismo “libertário e emancipador”.[434]
A ESCOLA MINEIRA DE DIREITO CONSTITUCIONAL Para essa corrente do constitucionalismo, a com-
A Escola Mineira de Direito Constitucional [424] se es- preensão sobre as constituições e sobre a história consti-
trutura a partir e em torno da Obra de Menelick de Carvalho tucional brasileiras mais sedimentada teriam um ponto de
Netto [425] e é marcada pela pluralidade de seus membros e de partida equivocado. Isto é, ela se estruturaria a partir da
suas membras.[426] Não obstante, eles e elas possuem panos compreensão de que há um hiato entre sociedade e Consti-
de fundo que os e as conectam, entre esses os condutores tuição, entre idealidade e realidade — ou, para usar a chave
provavelmente o mais basilar é a compreensão de que a Con- habermasiana, entre facticidade e validade. No entanto, a
stituição não se limita ao texto.[427] Constituição não está em um plano distinto, inferior ou su-
Essa tradição se opõe ao diagnóstico hegemônico perior da sociedade, muito antes pelo contrário, ao m e ao
sobre o direito constitucional e sobre a história do con- cabo, constituição é sociedade.[435]
stitucionalismo brasileiro, que ao cobrar das constituições Levando esse pressuposto da Escola Mineira de Direito
a realização das promessas constitucionais de liberdade e Constitucional a sério, as constituições ocupam um papel
igualdade,[428] compreende a nossa história como marcada relevante no problema típico das sociedades modernas, a
por derrotas e fracassos,[429] pois não teríamos conseguido questão da integração social.[436] Além disso, elas expressam
constituir, entre nós, uma sociedade realmente democrática em si a mesma tensão presente nas sociedades modernas,[437]
e, assim, realizar as referidas promessas modernas expressas sendo ela: entre expectativas normativas de igualdade pro-
nas constituições[430] — de uma sociedade mais justa e menos venientes de um mundo da vida linguisticamente con-
desigual. stituído e imperativos sistêmicos oriundos do modo de
Em verdade, o constitucionalismo brasileiro tradi- produção capitalista.[438]
cional ancora-se, mesmo que por vezes de forma irreetida, Um segundo desdobramento sobre o referido pres-
em uma parcela da tradição dos intérpretes do Brasil, a suposto da escola capitaneada por Menelick de Carvalho
vertente culturalista, que vão buscar especicidades da con- Netto é que, apesar das constituições não serem só expect-
dição brasileira para explicar o suposto “atraso” em relação ativas sociais, elas também são expectativas sociais. Isto é,
à Europa e aos Estados Unidos, condenando o Brasil ao fra- a Constituição possui um caráter reexivo,[439] ela expressa
casso, pois essa região padeceria de um vício inaugural, seria o modo com que a sociedade se auto-compreende, a forma
um país ainda pré ou não moderno. Como desdobramento, com que a própria sociedade entende que é a melhor forma
apresentam a sociedade brasileira como passiva e apática[431] de viver em sociedade, de regular e regulamentar as relações
— no melhor dos cenários, como homens e mulheres cordi- sociais e expressa isso no texto constitucional.[440]
ais. Diferentemente da tradição hegemonicamente con-
Supracitada compreensão se expressa no Direito Con- solidada no Brasil, põe m ao suposto hiato e coloca nos
stitucional e na Teoria da Constituição brasileiras[432] em holofotes a sociedade, dessa forma se torna possível antever
diferentes roupagens, entre essas compreensões cabe desta- que não há passividade social alguma. Um olhar mais atento
car: a Constituição como sendo simbólica ou como mero para a história brasileira torna possível perceber uma série
adorno e a tese da inefetividade constitucional.[433] Contra de lutas sociais buscando concretizar as expectativas de

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

igualdade provenientes da própria sociedade e grafadas nas dades abissais, deve ser entendido como mais uma possibili-
constituições.[441] dade da sociedade lutar com e pela Constituição [454] por uma
Sendo assim, o sentido da constituição não é pré- sociedade mais livre e igualitária.
determinado pelo passado [442] e nunca foi simplesmente
denido por especialistas.[443] Em verdade, a constituição CONSIDERAÇÕES FINAIS
“somos nós aqui e agora”,[444] é um campo permanente de dis- É exatamente a partir do reconhecimento das desi-
puta de narrativas pelos os seus sentidos.[445] Ela expressa a gualdades e mazelas a serem enfrentados que os de-
sedimentação de lutas sociais que ocorreram no transcurso saos à igualdade de gênero, intensicados no contexto da
do tempo [446] e que ainda ocorrem no tempo presente, pois pandemia de COVI-19, precisam ser problematizados à luz
constituição sempre foi, como ainda é, luta constante.[447] da Constituição de 1988. O reconhecimento desses desaos
Por isso, para essa tradição é possível olhar para a não invalida o projeto constituinte, mas, antes, é possível
nossa história e não a compreender de modo ressentido,[448] exatamente pela dimensão das expectativas sociais grafadas
bem como entender os últimos 30 anos não simplesmente na própria Constituição. E o reconhecimento dessas desi-
como derrotas, mas como sendo anos de vitórias signica- gualdades já é uma das conquistas possíveis graças às lutas
tivas, pois conseguimos nesse breve tempo, enquanto socie- sociais que buscam concretizar as expectativas de igualdade
dade, constituir muita coisa.[449] Ainda que o retrocesso seja oriundas da sociedades e incorporadas ao texto constitu-
sempre possível [450] — pois nada pode assegurar que momen- cional, em oposição a imperativos sistêmicos oriundos do
tos de regressão não ocorrerão —, não há dúvidas que houve modo de produção capitalista.
avanços. E é exatamente por isso que constituição e democ- O reconhecimento de que as desigualdades de gênero
racia modernas exigem uma postura de vigia permanente de estão sendo potencializadas em diversas frentes — nos tra-
todas e de todos nós.[451] balhos de cuidado, na divisão social e sexual do trabalho, na
Cabe ressaltar que não há ingenuidade alguma, esfera da participação política, no acesso à saúde — aparece
como resultado da, ao mesmo tempo que é essencial para
Não se trata de negar o quanto ainda estamos longe manter a disputa pelo sentido e signicado da Constituição.
de uma sociedade que possa se orgulhar de ser livre,
justa e igualitária: as rupturas nas relações de gênero Constituição essa que, pela primeira vez, foi expressa ao tra-
não eliminam o machismo e o patriarcado, e mulheres tar da igualdade entre mulheres e homens em seu artigo
continuam sendo violadas simbólica e Łsicamente 5º. Assim, o reconhecimento dos impactos assimétricos da
todos os dias.[452] pandemia, a partir uma perspectiva de gênero, é também
É sabido que ainda há desaos e mazelas que pre- concretização de expectativas sociais, apesar de não encer-
cisam ser enfrentados e que muito ainda precisa ser feito. rar em si a realização dessas expectativas.
Mas, ao mesmo tempo, é preciso também reconhecer o que Novamente, a vericação desse quadro de desigual-
já zemos, enquanto sociedade[453] e, assim, não renunciar dade ao mesmo tempo em que já demonstra uma constante
à Constituição ou decretar sua inutilidade. Uma vez que é postura de vigia, inerente à constituição e democracia mod-
nos momentos em que as contradições se tornam mais evi- ernas, também vem para demandar a continuidade da vigi-
dentes que não se deve abrir mão da Constituição. O tempo lância ativa. Uma vigilância que está atenta a possíveis
presente, ainda que marcado por retrocessos e por dicul- retrocessos, que demanda a potencialização dos direitos e

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EZILDA MELO

garantias constitucionalmente previstos e que o faz por


reconhecer a potência do projeto constituinte iniciado em
1988 que se realiza no aqui e agora. O faz, exatamente por MULHERES NA LINHA DE FRENTE DURANTE A
reconhecer que o caráter libertário e emancipador do con- PANDEMIA: O ABALROAMENTO DE FUNÇÕES
stitucionalismo se encontra no seu permanente tensiona- FRENTE AO DESAMPARO POLÍTICO-SOCIAL
mento.
Patrícia Verônica Nunes Carvalho Sobral de Souza[455]
Rebeca Jamilly Costa Souza[456]
Joanna Victória Amaral Mendonça [457]

O trabalho ininterrupto dos proŁssionais na linha de


frente da batalha contra a Covid-19 tem sido vital para pos-
tergar o derradeiro colapso no sistema de saúde brasileiro.
Da germinação do vírus até a eclosão da pandemia em nível
mundial, o esforço decoroso dos médicos, enfermeiros, po-
liciais, serviços gerais, entre outros proŁssionais que atuam
diariamente no combate e prevenção da disseminação do
vírus, tem sido indispensável para salvar vidas.
É sabido que, devido à falta de uma vacina ou de um
remédio com eŁcácia comprovada contra o SARS-CoV-2, a
melhor medida de prevenção é o isolamento social. No ent-
anto, os ofícios que sustentam a linha de frente, não gozam
do privilégio de poder Łcar em casa. Expõem-se diariamente
nas ruas, hospitais e serviços essenciais, assegurando que as
necessidades primárias do povo e a ordem social sejam su-
pridas.
A resposta basilar ao empenho desses proŁssionais
que se colocam em risco, dedicando-se com extremo pro-
Łssionalismo, deveria ser o reconhecimento do Estado em
fornecer a tais proŁssionais condições salubres de trabalho.
No entanto, o que vemos é um descaso com a transmissibili-
dade do vírus e, por conseguinte, com a vida dos proŁssion-
ais posicionados na linha de frente.
Não obstante, ao reconhecer quem são esses proŁs-
sionais, observa-se que na frente de combate predominam
as mulheres. O protagonismo feminino na área da saúde no

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Brasil é notório, ao passo que de acordo com o IPEA[458], a metidas. Pois, diante da pandemia, tais ambientes demon-
força de trabalho feminina corresponde a 78,9% da força stram condições de vulnerabilidade e colocam os pros-
total da área de saúde. À medida que na enfermagem, som- sionais em risco de exposição, tornando-o também um local
atizam mais de 80%. As rotinas de trabalho da mulher em de insegurança, estresse e risco a saúde mental.
uma sociedade historicamente machista, que por si só já No momento em que a carga real de trabalho ultra-
são árduas sucientes, agravam-se com a tensão de enfrentar passa o limite estabelecido pela Organização Mundial da
uma calamidade pública, em meio à falta de engajamento Saúde, há reexo nos chamados riscos ocupacionais, quais
populacional na adesão ao isolamento social, acompanhado sejam: sofrimento psíquico, fadiga, burnout, violência física
das tarefas domésticas e o senso de responsabilidade com e psicológica. A exposição dos prossionais da linha de
seus pais e lhos. Adjunto disso, permeia-se a carência de frente aos riscos ocupacionais são notórios e as consequên-
amparo nanceiro, físico/material e psicológico. cias impactam tanto no prossional quanto na execução de
Não se deve olvidar que os governos devem adotar suas funções.
medidas urgentes para assegurar a proteção dos pros- No que cerne as prossionais de enfermagem, há uma
sionais de saúde, em caso de contaminação, minimizando luta por uma jornada de trabalho de 30 horas semanais,
os riscos de acidentes, bem como de doenças prossion- na qual levantou-se a bandeira: “eu quero voltar pra casa”;
ais e, ainda, assegurando que os trabalhadores recebam in- acusando a demasia de horas trabalhadas. O que se busca
formações adequadas sobre saúde, roupas e equipamentos é a alteração da lei 7.498/86[462], através do projeto de lei
de proteção [459]. nº 2295/00[463], que completa 20 anos e está sujeito a apre-
A mulher atuante na linha de frente durante o enfren- ciação do plenário.
tamento à Covid-19, enfrenta a determinante de gênero, que O presente artigo visa expor a desigualdade de gênero
no Brasil, traz as chagas do machismo estrutural. De acordo intensicada pela ausência de amparo estrutural frente à
com Slendor e Roman[460], a história da enfermagem se con- COVID-19. Além de criticar a qualidade e ecácia no forneci-
funde com a história dos cuidados pela mulher, de modo que mento de métodos de proteção, e os impactos da pandemia
um está diretamente ligado ao outro. A dupla jornada de tra- na saúde mental e rotina doméstica da mulher. Trazendo
balho em tempos de crise traz à tona problemas, como o au- abordagem quali-quantitativa, de cunho exploratório e pes-
mento da carga horária e aumento da real carga de trabalho. quisa documental e bibliográca.
Em decorrência do crescimento no número de infect-
ados, o quantitativo de prossionais e sua carga horária, VULNERABILIDADE DAS PROFISSIONAIS DA LINHA
cresceram excessivamente. De acordo com parecer normat- DE FRENTE NO AMBIENTE DE TRABALHO
ivo do COFEN nº 002/2020[461], quatro técnicas de enferma- A árdua tarefa de estar na linha de frente de uma
gem e uma enfermeira são responsáveis por oito leitos de pandemia, torna-se ainda mais desaadora quando tais pro-
unidades de terapia intensiva. É notório também que essas ssionais se veem desamparados pelo Estado. A falta de
prossionais são as que possuem maiores índices de contam- equipamento de proteção individual, a ausência de testes
inação dentre os prossionais da saúde. sucientes para os prossionais e toda população, a omissão
Faz-se necessário analisar, portanto, a quais condições diante das exaustivas jornadas de trabalho, e diferentes
de trabalho essas prossionais da linha de frente estão sub- realidades; são algumas das marcas da ineciência estatal

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

diante do cenário atual. básicas para que possam ao menos evitar a sua própria con-
Outrossim, as chagas do machismo estrutural tornam taminação.
a questão de gênero outro fator de fardo das proŁssionais Aos prossionais da saúde é de suma importância a
de saúde. Comparando-se aos proŁssionais do sexo mascu- utilização de EPIs, seguindo os protocolos de substituição
lino, as médicas têm quatro vezes menos chances de obter e descarte, junto com a higienização assídua das mãos com
reconhecimento dentro da sua proŁssão, mesmo equip- água e sabonete líquido ou preparação alcoólica a 70%. No
arando as jornadas e características de trabalho. O estudo entanto, a distribuição de EPIs realizada pelo Ministério da
da Faculdade de Medicina da USP (2019), publicado pela Saúde[468], mostrou que além de contemplar um número in-
BMJ Open[464], informa que a probabilidade de uma médica suciente perante o quadro total de servidores, o que leva
se colocar entre as maiores remunerações da proŁssão é de ao racionamento entre os prossionais, também padece no
apenas 4,1%, enquanto para os homens essa expectativa au- quesito qualidade.
menta para 17,1%. De acordo com o Conselho Federal de Enfermagem
De acordo com Mainardi [465], a diferença na remu- (COFEN)[469], o número de proŁssionais delatando sobre a
neração entre gêneros, que praticam a medicina expõe que falta de equipamentos básicos de proteção como álcool gel,
80% das mulheres ocupam as três faixas de renda mais máscara, aventais e luvas, é alarmante. Até o fechamento do
baixas, enquanto mais da metade dos homens ocupam as levantamento, já haviam sido feitas 4.800 denúncias sobre
três maiores faixas de rendimento. falta ou restrição de Equipamentos de Proteção Individ-
Portanto, a nova síndrome respiratória expôs o quão ual (EPIs). Resultando em um número violento de trabal-
frágil é a garantia da segurança e dos direitos básicos do hadores afastados do serviço por apresentarem sintomas
trabalhador e da pessoa humana, principalmente relacion- da doença ou diagnóstico conŁrmado de Covid-19.
ado ao Direito da Mulher. O cenário atual provoca uma ra- No Código de Ética dos Prossionais de Enferma-
[470]
chadura, no que cerne ao direito a vida, a igualdade e a seg- gem depreende-se do artigo 2º que os proŁssionais de
urança, assegurados pela Carta Magna de 1988, em seu artigo enfermagem devem exercer atividades em locais livres de
5º[466]. riscos e danos e violências físicas ou psicológicas à saúde
Ademais, a premissa constitucional prevista no Art. do trabalhador. Contrastando com o cenário atual, nota-se a
7º, indica que são direitos dos trabalhadores urbanos e rur- violação ao texto legal, ofendendo diretamente a dignidade
ais, além de outros que visem à melhoria de sua condição da pessoa humana, em consoante com a mácula aos direitos
social, a redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio humanos.
de normas de saúde, higiene e segurança (inciso XXII)[467]. O arcabouço jurídico legislativo que funda-se na pro-
Coadunado também, com a necessidade de remuneração teção do trabalhador também perpassa as determinações
adicional nos casos em que seja praticada atividade insalu- previstas na Política Nacional de Segurança e Saúde no Tra-
bre, penosa ou perigosa, o que se tem como precípuo de pro- balho, regida pelo Decreto 7.602/11[471] e especicamente na
Łssões como as da área de saúde. Contudo, a cruel realidade Norma regulamentadora 32[472], no tanger dos prossionais
dos proŁssionais da saúde, que por encargo do seu ofício da saúde. Entretanto, conquanto existam medidas e normas
laboram em contato direto com os pacientes, recai no dever elencadas, no momento em que não são postas em prática
de executar seu trabalho apesar de não receber as condições as formas de redução dos riscos no ambiente de trabalho,

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

os objetivos de zelar pela saúde, promover uma qualidade


de vida digna no trabalho e prevenir acidentes ou danos em A DUPLA JORNADA DA PROFISSIONAL DA SAÚDE:
decorrência da prossão, são achincalhados de maneira des- SOBRECARGA FÍSICA E PSÍQUICA
umana. Além de enfrentarem uma sobrecarga de horas de tra-
Apesar da existência dessas garantias legais, a inseg- balho sendo expostas a real possibilidade de contaminarem-
urança e o medo são constantes na rotina das mulheres se, ao retornarem aos seus lares, as mulheres que atuam na
em linha de frente. Vivencia-se uma epidemia infectoconta- linha de frente no combate ao coronavírus, levam consigo o
giosa,que sobrecarrega postos e hospitais e exaure os pros- medo, a ansiedade, e um desgaste físico e emocional. Muitas
sionais na linha de combate. Com uma grande quantidade de mães têm se afastado dos seus lhos, temendo contaminá-
médicas, enfermeiras e sioterapeutas infectadas, o sistema los e cam em distanciamento social após o período de
de saúde aproxima-se de um colapso e a sobrecarga de tra- trabalho, fazendo com que a vulnerabilidade psíquica seja
balho alavancou o cansaço das equipes. maior para essas mulheres.
Os altos números de contágio entre os prossionais Ao chamar mulheres prossionais da saúde ao com-
têm aumentado os níveis de estresse, ansiedade e pânico. A bate na linha de frente da pandemia, em meio a necessidade
responsabilidade direta de salvar vidas frente à COVID- 19, do isolamento social, desprovemo-las de apoio. Agrava-se
bem como a possibilidade de contrair o vírus não só para si, a situação, no que diz respeito aos prossionais que se en-
como transmitir para seus colegas e familiares, tem abalado quadram na estatística das 26,8% das famílias brasileiras
a saúde mental dessas prossionais. Segundo a OMS[473], ao com lhos, encabeçadas por “mães-solo”[475]. O estado peca
negligenciar o cuidado com a saúde mental dos prossion- quanto a promoção de qualidade e garantia dos direitos in-
ais, gera-se diretamente uma lacuna no seu sistema imun- dividuais e coletivos ao eximir-se da regulamentação de
ológico, e consequentemente, enfraquece a saúde física. políticas-públicas voltadas para o suporte da realidade des-
No entorno da pandemia, com a sanção da Medida sas mulheres.
Provisória 927/2020[474], os prossionais da saúde foram ví- As mulheres além de lutarem pela naturalização da
timas da exibilização de seus direitos. Ao longo do artigo sua presença no mercado de trabalho, urgem que isto ocorra
3º, incisos V e VI; artigo 26º, e demais, as horas extras e respeitando condições dignas de trabalho, adjunto do res-
a suspensão de exigências administrativas em segurança e paldo legal que lhe permita o cumprimento de horas de ser-
saúde no trabalho foram exibilizadas, uma ofensiva não só viço, não obstando a sua qualidade de vida.
as proteções trabalhistas como ao princípio fundamental da Ademais, as obrigações com a casa, trabalho, edu-
dignidade da pessoa humana, arrolado no art. 1, inciso III, da cação, e monitoramento das crianças, gera uma imensa
Constituição Federal. sobrecarga física e mental; aumentando naturalmente a de-
Outrossim, a vulnerabilidade dessas mulheres recai manda emocional exigida das mulheres. A situação é com-
no somatório de condutas que as colocam em segundo plicada mesmo para aquelas mães que trabalham em es-
plano, minimizam a importância do seu trabalho e o valor quema de home oce, e principalmente as que precisam ir
da sua vida. Vencer a batalha contra a COVID-19 permeia a a linha de frente. No que cerne as mães solo, ou seja, as que
necessidade latente de quebrar a perspectiva de gênero que detém integralmente a guarda do menor, há um desamparo
tanto controla como inferioriza o trabalho da mulher.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

estrutural que as coloca em um periclitante estado de vul- equilíbrio dos afazeres domésticos.
nerabilidade.
O auxílio emergencial fornecido pelo Governo Fed- CONCLUSÃO
eral as mulheres chefes de família, veio como medida a As consequências da pandemia são mais extensas do
reduzir os impactos econômicos da pandemia. Todavia, ap- que fora mensurado inicialmente pelo Governo Federal. In-
enas dissolve uma pequena parcela da dramática situação stalou-se no Brasil, uma verdadeira crise sanitária que beira
em que elas se encontram. A pandemia vivenciada, trouxe à também a uma crise político-econômica. O desamparo do
tona a sobrecarga que atinge as mulheres que estão na linha Estado a população de modo geral, aos comerciantes e prin-
de frente, sendo mães ou não, em razão da desigualdade de cipalmente aos proŁssionais da linha de frente, em destaque
gênero. as mulheres; desencadeia uma série de efeitos negativos para
Em decorrência do fechamento de escolas, da con- o combate eŁcaz a covid-19.
tínua necessidade de atenção com os pais, e iminente sat- O cenário brasileiro de combate ao vírus perpassa por
uração dos sistemas de saúde, as responsabilidades domé- uma negligência estrutural, e irresponsabilidade daqueles
sticas tornaram-se ainda maiores, além de fomentar a que detêm o poder para fazer valer a máxima constitucional
desigualdade de gênero. Atribui-se, historicamente, as mu- do direito a saúde e a vida. Os proŁssionais que atuam na
lheres, o zelo pela casa, Łlhos e pais, incumbindo-as da re- linha de frente se veem desamparados, e lançados a sorte.
sponsabilidade pela saúde física e mental dentro do lar. Sem a devida quantidade de equipamento de proteção indi-
O peso do senso de responsabilidade feminina nas vidual, baixa qualidade dos equipamentos, exaustiva carga
famílias é latente, árduo e afeiçoado diretamente aos pais. horária, dentre outros, os proŁssionais seguem desestimula-
Em decorrência do necessário isolamento social dessas mu- dos e inseguros, enfrentando além do vírus, uma carga de
lheres por fazerem parte da linha de frente, surge um para- desgaste físico e psicológico.
doxo emocional entre exercer os cuidados com os pais Tal cenário torna-se ainda mais penoso para as mul-
idosos e protegê-los através do distanciamento. Outrossim, heres que estão na linha de frente. Isso se deve ao fato da
com o alastramento da Covid-19, as tarefas de cuidado estrutural misoginia e ao machismo enraizado que nomeia a
aos familiares doentes também recaem sobre as mulheres, mulher como a única responsável pelos afazeres domésticos
trazendo outro fator de sobrecarga físico-emocional. e pela maior parte dos cuidados familiares. A crise sanitária,
Ressalta-se que devido a um enraizamento do mach- tornou-se objeto de rełexão acerca dos valores, costumes e
ismo presente no mundo patriarcal, as mulheres sempre cultura social que oprime as mulheres.
foram colocadas como proŁssionais do lar, carregando até A ineŁcácia do Estado em prover medidas que asseg-
hoje o peso dessa predeterminação que cerceou e precarizou urem às proŁssionais condições mínimas para executarem
suas oportunidades de trabalho. Logo, o suporte imperat- seu trabalho em segurança, bem como, criar iniciativas que
ivo as mulheres, também deve ser fomentado e dissemin- evitem o acúmulo insustentável de funções exercidas pelas
ado pela sociedade, que reproduz os padrões misóginos nos mulheres durante a pandemia gera um ambiente de desi-
mais diversos âmbitos. Incumbe a sociedade o desmonte dos gualdade e insegurança nacional.
padrões desiguais de gêneros que oprimem a mulher a um Faz-se necessário, portanto, a busca por novas formas
papel de subserviência e sobrecarga, para que haja um maior de enfrentamento a tais questões. A reparação de erros his-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

tóricos envolvendo a realidade da mulher no contexto so- alocar recursos suŁcientes para responder as necessidades
cial, somente será feita adequadamente com a participação das mulheres[478].
daquela que foi objeto de injustiça. As mulheres devem Haja vista a lacuna existente na praxis do pactuado
atuar como agente ativos para as mudanças relacionadas na Constituição Federal no que se refere ao tratamento
as si mesmas, nos mais diversos âmbitos, pois somente igualitário entre homens e mulheres, observa-se a ausên-
desse modo, haverá real representatividade e decisões mais cia de ímpeto estatal para modiŁcar tal situação. Ademais,
igualitárias. nota-se também, um Judiciário inerte perante a dinâmica
No que diz respeito a conjuntura atual envolvendo a desigual entre os gêneros, fragilizando o ordenamento e cau-
pandemia, as mulheres prossionais da área da saúde devem sando, desse modo, insegurança jurídica perante o direito
fazer parte do núcleo responsável pelo planejamento e to- das mulheres.
mada de decisões através da representação igualitária, pon- Mais especiŁcamente, no que diz respeito aos direitos
tuando acerca da jornada de trabalho, equipamento de pro- das mulheres que atuam na linha de frente no combate ao
teção individual, bem como acerca da remuneração. coronavírus, urge a necessidade da redução da carga horária
Outrossim, a real carga de trabalho feminina diante de trabalho das proŁssionais de saúde, buscando atender das
da pandemia, é digna de reanalise. A dupla jornada de tra- demandas já existentes, à exemplo das já pleiteadas no Sen-
balho de tais prossionais implica a elas sobrecarga física ado Federal. Ademais, as estratégias desenvolvidas também
e psíquica, acentuada em decorrência das consequências devem alcançar as mulheres dentro das suas casas, objeti-
trazidas pelo isolamento social. O aumento das horas dedi- vando que haja devida proteção de seus direitos individuais
cadas ao lar, lhos, e pais elevou-se, ao passo que essa realid- e a garantia de impedir que sua jornada se estenda para além
ade abusiva de designar tais responsabilidades apenas a mul- do necessário, respeitando sua saúde físico-emocional.
her, fora naturalizada ao longo de séculos pelo patriarcado. Destarte, tais problemas, de cunho imediato, neces-
Diante disso, o Estado, através de políticas públicas de sitam de alternativas urgentes. A redução e, sobretudo, a
incentivo deve designar atenção especial às carências psic- redistribuição da carga de trabalho destinado às mulheres,
ológicas enfrentadas pelas prossionais femininas diante da pessoal e proŁssionalmente; o reconhecimento do dese-
pandemia. Faz-se mister a oferta de assistência psicológica quilíbrio de funções determinada pelo gênero e a busca por
e de medidas que busquem reduzir a carga estrutural do tra- igualdade e respeito as máximas constitucionais, concebe-
balho feminino que impõe as mulheres da linha de frente se como única alternativa para o alívio na rotina das mul-
uma dupla jornada insustentável. heres, em especial as que atuam na linha de frente.
Isto posto, a Brief de março da ONU Mulheres [476],
aponta que apenas a reexão da dinâmica de gênero é capaz
de dissolver a desigualdade estrutural. Ademais, reitera a
importância da manifestação do Estado para que a lide seja
abordada de maneira responsável, em prol de uma realidade
mais digna e igualitária. Há o alerta, transcrito do Manual de
Género para la Acción humanitária[477], de que é necessário

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PANDEMIA E MULHERES

cionalidade é um importante instrumento teórico-met-


odológico que encara a “inseparabilidade estrutural do ra-
A PANDEMIA DAS MULHERES NAS ATIVIDADES
cismo, capitalismo e cis-hétero-patriarcado”[490].
LEGISLATIVAS DO CONGRESSO NACIONAL
Assim, a noção de mulheres que orientam o trabalho
EM CONTEXTO DE COVID-19
é a de identidades sociais marcadas por raça/etnia e classe,
Katherine Lages Contasti[479] conjunto que denuncia desigualdades e assimetrias[491]
João Paulo Allain Teixeira[480] provocadas pela experiência e reproduzidas nas estruturas
de poder do sistema-mundo.
A partir da concepção de Améfrica Ladina, termo cun- A experiência da pandemia por COVID-19 na Améfrica
hado por Lélia Gonzalez, é possível desaar a lógica da Ladina é marcada pelo escancaramento das desigualdades
“razão como branca enquanto a emoção é negra” [481]. Como estruturais e o sentido do comum não só na convivência,
corpo da natureza sub-humana, as pessoas negras, indígenas como de sua instrumentalização e de toda experiência de
e não-brancas seriam, portanto, justicadamente passíveis formação de povo, democrática ou não, segue sendo atraves-
de exploração. Como sistema etnográco de referência[482] sada pela política de morte.
a crítica à cosmovisão moderna hegemônica é fundamen- Antes mesmo de nos tornarmos epicentro viral, a
tal, visibilizando sua outra face: a colonialidade. Thula Comissão Econômica para América Latina e Caribe – Ce-
Pires[483] nos alerta sobre o fato de que o sistema é cap- pal [492] já havia declarado que existem grupos que serão
italista/racista/patriarcal/cristão/moderno/colonial euro- amplamente afetados em razão das desigualdades estru-
peu[484] assim como o imperialismo euronorteamericano turais. Leia-se aqui: povos indígenas, quilombolas, povos
marcam profundamente o que Lélia Gonzalez [485], objeti- tradicionais, trabalhadores informais, migrantes e mul-
vamente, chama de sistema patriarcal-racista na Améfrica heres. E sua razão de ser está situado no sistema-mundo co-
Ladina. lonial.
Não por acaso tantas disputas discursivas seguem
É por esta lente que é possível entender como o Oci- sendo produzidas sobre os sentidos em torno do COVID-19,
dente discursivizou a si mesmo, autorizando as formas mais como se organizam politicamente em torno dessa experiên-
selvagens e violentas, garantindo a geograa da soberania cia e como ela se desdobra na micro e na macropolítica.
inscrita e anunciada nos corpos[486]. E apesar da devastação humanitária global, nenhuma das
Enquanto a crise de autoridade[487] for narrada como problemáticas está fora das pautas históricas do movim-
apatia e incapacidade de resposta ao que está estabelecido, ento de mulheres, populares, dos povos indígenas e movim-
evitando confrontar recalques coloniais da esquerda liberal ento negro, por exemplo. Sabemos que uma das estratégias
perversas de desqualicação discursiva é tornar denúncias
e institucional [488], a cidadania ca demarcada mais pelos
e reivindicações abstratas e individuais, descontextuali-
desmontes e menos pela tarefa de lidar com a sua própria
zando, desconectando fatos e esvaziando seus sentidos. É
dissimulação [489], diluída nas estruturas de desigualdade. tático e metodológico do campo de batalha de cada uma
Para dar conta desta peculiar complexidade, a intersec- das lutas contra precariedades, como atenta Verónica Gago e

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Luci Cavallero [493]. mesmo usando dois ltros de ano (2020) e do tipo de docu-
As crises políticas na Améfrica Ladina fazem parte mento (Projeto de Lei- PL). Este número já cresceu consid-
do projeto moderno que se perpetua nas reinvenções do eravelmente se levarmos em consideração o resultado da
capitalismo neoliberal, nanceirizado nas instâncias de pesquisa publicada[497] que identicou 1.261 Projetos de Lei
poder, constitutivas do ser e do saber. Produzem desigual- nos dois primeiros meses da quarentena. Quando utilizaram
dades, violências, apagamentos e mortes como anunciou como termo de busca “gênero”, “mulheres”, os números di-
Aimé-Cesaire[494] ou ainda como “Contra-pedagogías de la minuíram, apenas dois por cento pretendiam fortalecer os
crueldad”[495] onde todos os atos e práticas que ensinam, direitos das mulheres.
habituam e programam o sujeito e se constituem na trans- Os temas mais presentes foram economia e saúde. O
mutação do vivo e sua vitalidade em coisas. Aclamá-la como perl encontrado pela pesquisa foi a de que esses temas são
uma pandemia “democrática” no sentido de não distinguir mais protagonizados por homens. As mulheres propuseram
lugar social de contágio pode ocultar aspectos cruciais para mais projetos na área do cuidado (saúde, violência contra a
pensar a conjuntura do pós-pandemia ou ainda, invisibilizar mulher, educação, trabalho e cultura). A pesquisa do “Elas
a sistematicidade das violações que compõem a normalid- no Congresso”[498] identicou vinte e quatro projetos (até
ade. Esta tarefa, que sempre exigiu um enorme esforço de maio), metade deles sobre violência contra a mulher, três
todos os setores da sociedade, especialmente de grupos so- sobre economia, o mesmo número sobre educação, um sobre
ciais precarizados no contexto pré-pandemia, agora se in- maternidade, outro sobre trabalho e demais temas diluídos
tensicam. em quatro projetos.
Enfrentar todas essas questões em um país que experi- Na busca feita no site do Senado identicamos a
menta grave comprometimento do debate político, com a apresentação de onze projetos que lidam com violências
eleição de Jair Bolsonaro e a consagração de uma guerra estruturais asseveradas pelas precariedades decorrentes da
ideológica a patrocinar toda sorte de retrocessos civiliza- pandemia por COVID-19 para mulheres, crianças e pes-
tórios, agudiza a dimensão da crise. soa idosa[499]. Nove dos projetos tratam de proteção à mu-
Em termos de institucionalidade, há uma tarefa e re- lher, mas dois deles foram arquivados. Já na Câmara de
sponsabilidade no âmbito das instituições democráticas, Deputados, o resultado da busca relacionando “COVID-19” a
notadamente do Congresso Nacional, na manutenção dos “mulheres”, tivemos 65 resultados. Desses, apenas 50 estão
compromissos democráticos no país. Apresentamos aqui as em tramitação, os demais foram arquivados ou retirados.
propostas legislativas que buscam dirimir as desigualdades Na leitura de cada um, identicamos que 41 beneciavam
de gênero no contexto de COVID-19, no período compreen- mulheres e seus dependentes, dentre eles, 18 de forma sub-
dido entre março e a primeira quinzena de julho de 2020. sidiária.
Como recurso de mapeamento, nos utilizamos do
sistema de busca do Congresso Nacional, do Senado Fed- O PASSADO COLONIAL E O ENFRENTAMENTO DA
eral e da Câmara de Deputados, além da plataforma de PANDEMIA NA AMÉFRICA LADINA
monitoramento legislativo “Elas no Congresso”[496]. Quando O Instituto Update[500] é uma das organizações que
utilizamos os termos de busca “COVID-19”, “Pandemia”, até está monitorando as ações legislativas e executivas pro-
a primeira quinzena de julho tivemos 1.660 resultados,

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

tagonizadas por mulheres políticas para o enfrentamento ao heres têm suas singularidades por razões históricas e estru-
COVID-19 na Argentina, Brasil, Chile, Colômbia e México. turais aprofundas nas condições de quarentena, deŁnindo
Se no Brasil, com a Medida Provisória 936 as empresas quem vive, como vive e quem morre, nos informando quem
estão autorizadas a reduzir jornada de trabalho e salários tem pago a conta das desigualdades e precariedades.
de seus funcionários, ou ainda, suspender contratos como
Não foi do nada que surgiu hoje vocabulário e práticas
medida para lidar com o COVID-19, no Chile a mobilização para denunciar os efeitos do desmonte da saúde
política resultou em duas medidas importantes: ampliação pública, da superexploração dos trabalhos precários
da licença maternidade durante a pandemia e garantiu a e migrantes e o aumento da violência doméstica no
isolamento. A nível mundial, os movimentos sociais
continuidade do pagamento de pensão quando o trabal-
estão em alerta porque no m da pandemia existe
hador estivesse sujeito à suspensão temporária do contrato o risco de car mais endividadxs por acumulação de
de trabalho. aluguéis e serviços não pagos, por alimentos que não
A Argentina construiu rapidamente a Renda Emergen- deixam de aumentar, pelo aumento da dívida dos es-
tados que decidirem salvar os bancos. Todos os dias
cial Familiar, com prioridade para mulheres, uma conquista
se denunciam os desvios securitistas, militaristas e ra-
baseada em forte mobilização do grupo de mulheres servi- cistas da crise. É necessário explicitar as lutas que
doras públicas no Executivo Nacional. No que se refere a estão atravessandoagora mesmoesta crise, ressaltar
violência contra a mulher, movimentos sociais organizaram as demandas dos feminismos e dos movimentos contra
a precarização em geral[501].
várias estratégias como apitaços, panelaço e manifestos nas
redes e nas janelas, além de articular códigos de pedidos de Boa parte da produção de analistas tem se dedicado
ajuda. a anunciar o futuro pós-pandemia, o novo normal e é de
Vem do México uma importante denúncia. O esvazia- se compreender. No entanto, em chave feminista afrolad-
mento do debate sobre violência contra as mulheres nor- inoamefricano, na expertise adquirida desde a análise dos
malmente está vinculada à sua normalização e apagamento desdobramentos de 1492[502], é possível perceber um pre-
no uxo institucional e sociocultural. A deputada Martha sente cheio de passado inacabado.
Tangle Martínez lembra que a violência contra as mulheres Não por acaso os conłitos que atravessam a pandemia
é mais letal que o Covid-19 e tem matado há muito mais são concentrados nos territórios de reprodução social que
tempo e de forma cada vez mais perversa (o movimento mo- agora fabricam a propriedade do pós-pandemia.
biliza através da hashtag #NosostrasTenemosOtrosDatos).
Desde 2018, a Organização das Nações Unidas – O CONGRESSO NACIONAL BRASILEIRO E SUA ATIVI-
ONU reconhece a violência contra as mulheres como uma DADE LEGISLATIVA
pandemia que atravessa o tempo e há quem declare como a
A ONU [503] aponta os seguintes problemas no tocante
guerra em curso de maior tempo na história. Como parte de
à vida das mulheres durante a pandemia: autonomia Łnan-
um processo de sensibilização e desnaturalização contínua,
ceira, relações familiares e trabalho na área da saúde, suger-
ela coordena uma série de encontros abertos com dois temas
indo ainda que se incorporasse mulheres na gestão da res-
centrais: violência contra mulheres e meninas, e economia
posta à crise. Assim como fenômeno global, no Brasil as mu-
das mulheres no contexto de emergência sanitária.
lheres seguem sendo maioria na linha de frente em resposta
Importa destacar que os impactos na vida das mul-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

ao COVID-19, seja por serem maioria como trabalhadoras in- avírus no mundo eram brasileiras. A pesquisa diz que 22,6%
formais e quando trabalhadoras, representam cerca de 70% das mulheres que morreram não foram admitidas na UTI e
da força de trabalho da área de saúde no mundo. apenas 64% possuíam ventilação invasiva, não sendo ofer-
Tendo isso em vista, alguns projetos buscam prote- ecido nenhum suporte ventilatório a 14,6% de todos os
ger trabalhadores[504], beneŁciando diretamente mulher tra- casos fatais. As pesquisadoras são obstetras e enfermeiras
balhadora, a exemplo do PL 1615/2020 que determina a brasileiras ligadas a quatro universidades (UNESP, UFSCAR,
licença de trabalhadores de grupo de risco, grávidas e pué- IMIP e UFSC, dentre elas a cientista e médica Melania
rperas sem prejuízos dos proventos. Ou ainda, de forma in- Amorim que aponta os casos como feminicídio de Estado.
direta, como o PL 2837/2020 que determina a manutenção Outros documentos como “Recomendações para a as-
de qualquer vantagem pecuniária devida aos proŁssionais e sistência ao parto e nascimento em tempos de pandemia
trabalhadores de saúde afastados, seja por suspeita ou por de Covid-19: em defesa dos direitos das mulheres e dos
conŁrmação de contaminação pelo COVID-19. bebês” assinado por várias organizações e o “Protocolo de
Sendo as mulheres hiper expostas às consequências da atendimento no parto, puerpério e abortamento durante a
pandemia, sejam como frente de trabalho formal ou infor- pandemia da COVID-19” da Federação Brasileira das Asso-
mal ligadas ao cuidados, seja nas consequências econômicas, ciações de Ginecologia e Obstetrícia alertaram sobre o des-
o PL 3791 propõe que a política de testagem estabeleça preparo estrutural e indicaram uma série de medidas. O PL
critérios de gênero e renda. Nas cidades, nas periferias os 3056/2020 pede a prorrogação do m do prazo à licença
movimentos por moradia, por terra, movimentos populares concedida a gestante e o PL 3823/2020 busca normalizar a
apresentam sua auto-gestão (de todo dia) para compartil- proteção a gestante, parturientes, puérperas e bebês durante
har comida, elaboração de frentes de emergência, já que seus esse período.
problemas antigos se atualizam globalmente. Para a aprovação da Lei Nº 13.982/2020, que trata
Acesso à água, saneamento básico, sistema de saúde, a agenda de renda emergencial, foi preciso articulação
educação, moradia, desemprego, renda mínima, a ban- política, muita pressão dos movimentos de mulheres, mov-
carização da sociedade em situação de risco e o endivida- imentos sociais, frentes parlamentares e forte mobilização
mento. São todas pautas de discussão e organização femin- nas redes sociais. Dinâmica que tende a se manter atenta
ista, especialmente na Améfrica Ladina. Em paralelo, como dada à instabilidade do governo no tocante ao comprom-
fenômeno global, o crescimento da violência doméstica e isso com políticas integrativas, especialmente durante a
familiar e a seus dependentes, violência contra as crianças, pandemia.
pessoas idosas e deŁcientes, reforçam a necessidade de redes Enquanto isso o PL 698/2020 propõe a criação de
de mulheres e a falta de resposta estatal. Prejuízos que resul- um Programa de Renda Básica Emergencial para situações
tam no não acolhimento e cuidados de saúde a vítimas de de calamidade pública ou emergência, seja de importância
violência sexual precarização dos direitos sexuais e repro- nacional ou em qualquer unidade da federação. Desenha a
dutivos, por exemplo. unidade familiar não apenas a nuclear, mas ampliada para
Pesquisa recentemente publicada pelo International pessoas com laços de parentesco ou anidade, que forme
Journal of Gynecology and Obstetrics[505] revela que oito grupo doméstico sob o mesmo teto e que contribuam entre
em cada dez gestantes e puérperas que morreram de coron- si para sua manutenção.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Atualmente o Brasil tem mais de 28,9 milhões de doméstico, reprodutivo [514]ou ainda, trabalho afetivo [515]
mulheres chefes de família[506], que por sua vez, é majoritar- (FEDERICI, 2017; 2019; BIROLI, 2016) não é nova, a partir da
iamente negra (61%). Os dados do estudo “Retratos da mãe experiência colonial e ofensiva do capitalismo dependente
solo na pandemia”[507] apontam as enormes diculdades de se refaz nas formas neoliberais de organização da vida das
mães[508] em conciliar trabalhos, lhos, falta de dinheiro e mulheres.
sanidade mental [509], ainda pioradas quando se refere a mu- Antes da pandemia, em decorrência das políticas de
lheres negras por terem maiores restrições a condições de austeridade como reforma no campo trabalhista, as mu-
moradia, saneamento básico (42% não possuem) e internet lheres apontam nas estatísticas como as mais desempre-
(28% não tem acesso). Dados importantes, especialmente gadas e, com o recrudescimento de políticas sociais, são as
no que se refere a pandemia em dois termos: estrutura mais sobrecarregadas por tarefas de cuidado [516]. Em 2018 o
mínima para o isolamento social e manutenção das con- relatório “Outras formas de trabalho”[517] do PNAD Contínua
dições escolares dos lhos. apontou que 37% das mulheres realizam tarefas de cuidado
Ainda que anteriormente tivessem contado com o sem remuneração.
Bolsa Família[510], os cortes sistemáticos como política do A articulação entre trabalho produtivo e reprodutivo,
governo Bolsonaro, revelam durante pandemia a falácia precariedades de direitos e políticas viabilizam que emp-
desenvolvimentista, de segurança de direitos trabalhistas e regos precários e informais sejam ocupados pelas mulheres,
de postos dignos de trabalhos descritos pelo então presi- ainda que tenham um bom nível de escolaridade. Se levar-
dente. A expectativa era a de que o auxílio atendesse seis mos em conta as duas importantes economias do contin-
milhões de mães, como anunciou o Governo Federal (2020), ente, Argentina e Brasil, o rendimento médio das mulheres
segundo a Plataforma Gênero e Número [511]. No entanto, é inferior ao dos homens, que no Brasil representa 79% e na
as reclamações de não aprovação pouco fundamentadas, a Argentina 73% do que ganham os homens[518].
burocratização e as diculdades em acessar os aplicativos A crise econômica abre espaço para aumento do custo
de transferência de recurso geraram denúncia do Ministério de vida como tarifas e preços de alimentos e encolhimento
Público Federal através do movimento Parto do Princípio- dos serviços públicos tem repercussão direta na vida das
Mulheres em Rede pela Maternidade Ativa. mulheres e é fundamental conectar as dívidas públicas ao
O PL 2839/2020[512] pretende que a Lei Nº perl de seu endividamento já que passa a ser contraída para
13.982/2020 seja alterada a m de que não seja necessária suprir condições básicas de sobrevivência[519].
a comprovação da guarda de lho(s) para que receba duas Outro aspecto do endividamento passa pelo processo
cotas do auxílio emergencial, como mecanismo e proteção de feminização do trabalho. Aqui o trabalho carrega carac-
às mães solo [513]. São dados observados e fundamentam o es- terísticas do trabalho feminino como intermitente, precar-
tratégico PL 2968/2020 que quer prorrogar o pagamento do izado e informal. Vejamos, para a expansão do capitalismo,
auxílio emergencial por doze meses quando a pessoa bene- é interessante a divisão sexual do trabalho como lógica tam-
ciada for pessoa provedora de família monoparental. bém do mercado de trabalho e de como tal, se organiza[520].
A discussão sobre divisão sexual do trabalho, trabalho Setorizados entre atividades masculinizadas e feminizadas,
com currículos e experiência qualicadas ou não, há maior

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

valorização salarial de um campo e desvalorização do outro atividades essenciais durante a pandemia, assegurando dire-
(ou da Outra). itos trabalhistas, incluso cuidadores das pessoas idosas e de
Com a pandemia e necessidade de distanciamento so- pessoas com deciência.
cial, os ambientes de trabalho foram levados para dentro de Ainda sobre pedagogização higienista do mito da
casa e esse processo desencadeou debates importantes, his- democracia racial, temos a falsa cordialidade levada a cabo
tóricos no luta feminista: a própria noção do que é trabalho e pela branquitude no âmbito das relações domésticas no
como ele acontece, se diz recongurado pelo “novo normal” Brasil. De conhecimento nacional, fato passado em Recife, o
mas que o reorganiza, reforçando papéis sexuais e raciais. caso da criança de cinco anos, Miguel, que caiu do 9º andar e
Segundo o PNAD COVID-19[521] o número de desemp- veio a óbito.
regados[522] foi de 1,2 milhão, o que signica um aumento Durante a pandemia ele acompanhava sua mãe Mirtes
de 14,5% de mulheres em situação desemprego, quadro pi- e sua avó, que trabalhavam como empregadas domésticas
orado para as mães negras, com 15,2% de aumento. Isso (mesmo com COVID-19) e que enquanto sua mãe cumpria a
sem contar o contexto de trabalho informal e de como a tarefa de passear com o cachorro, sua patroa ao receber os
pandemia revela as precariedades de muitos postos de tra- pedidos da criança de encontrar com sua mãe, abandona a
balho como as empregadas domésticas que tiveram um per- criança no elevador a própria sorte e o desfecho foi tráco.
centual de 45% de dispensas sem qualquer remuneração. As vulnerabilidades apresentam a sobreposição de
A primeira pessoa a falecer no Rio de Janeiro, primeira desigualdades que se engasgam no contexto de pandemia e
capital do Brasil foi uma mulher idosa, negra, periférica e são sufocadas pelas estruturas. É fundamental paradigmas
trabalhadora doméstica. A patroa havia chegado da Itália teóricos e metodológicos da tradição feminista negra “pro-
e esperava o resultado do exame, mas embora estivesse movendo intervenções políticas e letramentos jurídicos
em casa, não poderia dar conta ela mesma da sujeira que sobre quais condições estruturais o racismo, sexismo e
produzia e nem mesmo algo mais simples como fazer seu violências correlatas se sobrepõem, discriminam e criam
próprio café em seu amplo apartamento no metro quadrado encargos singulares às mulheres negras”[526]. Nesse sentido, o
mais valorizado do Brasil. Como a pobreza[523] e a precarie- projeto não se restringe a essas histórias como situações iso-
dade é feminizada e negra[524], é importante o PL 2819/2020 ladas, mas sistemáticas da tradição feminizada e racista que
que trata de medidas e garantias de equidade na atenção in- margeiam as relações de trabalho doméstico no Brasil.
tegral à saúde da população negra em casos de epidemia,
#FIQUEMECASA E A REPERCUSSÃO NA VIDA DAS
pandemia, surtos de doenças contagiosas ou calamidade
MULHERES: COMO A PRODUÇÃO LEGISLATIVA TEM RE-
pública.
SPONDIDO À VIOLÊNCIA DOMÉSTICA?
Como pauta central da luta pela sobrevivência, mar-
Temos disponível amplos estudos estatísticos e
cado pela desproteção de direitos e das vidas trabalhadoras,
analíticos sobre o tema, exemplos de boas práticas, debates
estão os dados da Cepal [525]: 727 mil trabalhadoras do ser-
sobre saídas, estratégias que ainda estão em disputa, ape-
viço doméstico caram desempregadas ou perderam horas
sar da existência de leis tão importantes como a Lei Maria
de trabalho. Há um importante projeto, o PL 2477/2020 de-
da Penha. Dela decorrem uma série de políticas públicas
termina que serviços domésticos não sejam incluídos entre

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

institucionais que demandam dos três poderes posturas O PL 1291/2020 entende que durante a vigência da
ativas no confronto das estruturas patriarcais, racistas e de Lei n° 13.979/2020 ou durante a declaração de estado de
aprofundamento das desigualdades sociais, pautadas na ex- emergência de caráter humanitário e sanitário em território
periência do sistema-mundo colonial. Melhor dizendo, de- nacional, os serviços e atividades relacionadas relacionados
veriam. às mulheres em situação de violência doméstica ou familiar,
Motivado pelo aumento de feminicídios que, segundo aos casos de suspeita ou conŁrmação de violência praticada
o Fórum Brasileiro de Segurança Pública- FBSP [527], cresceu contra idosos, crianças ou adolescentes devem ser essenciais
22% em 12 estados brasileiros nos meses de março e abril. e estabelece a forma de cumprimento de medidas de com-
Importante iniciativa vem com o PL 2434/2020 que sus- bate e prevenção à violência.
pende temporariamente a posse, porte e registro de armas Nesse mesmo sentido, o PL 1798/2020 propõe que
de fogo à denunciados, inquiridos e réus em processo de seja permitido, havendo calamidade pública que os registros
violência doméstica, procurando diminuir o risco de morte. de ocorrência sobre violência doméstica e familiar contra
Vale lembrar que em abril o presidente publicou portaria a mulher, crimes praticados contra crianças, adolescentes e
suspendendo mecanismos de rastreamento, identicação e idosos ocorram via internet ou telefone e que a oitiva ocorra
marcação de armamentos. Dez dias depois publicou outra em seu domicílio.
portaria interministerial nº 1634/2020 onde ampliou em Nos chama a atenção duas propostas de projeto com
doze vezes o limite para compra de munição. aspecto importante para que muitas mulheres consigam
Outra proposta é do PL 2510/2020 propõe alterar a sair de ciclos de violência doméstica e familiar. Levando em
Lei nº 4.591 (Condomínios em edicações e incorporações conta a invisibilidade da violência patrimonial (assim como
imobiliárias), o Código Civil e o Código Penal estabelecendo a violência psicológica, ambas subrepresentadas nos regis-
como de condôminos, locatários, possuidores e síndicos in- tros e nas estatísticas e muitas vezes, pela rede e política
formarem às autoridades competentes os casos de violência pública) e de seu papel para a falta de autonomia econômica,
doméstica e familiar contra a mulher que tenham conheci- o PL 2835/2020 acredita que as regras do auxílio emergen-
mento serem praticados no condomínio e também aumen- cial precisam de alteração para dar prioridade a mulheres. A
tar a pena do crime de omissão de socorro. proposta prevê que havendo conłito de dados entre depend-
A majoração de pena está presente no PL 3374/2020 entes, a prioridade deva ser das mulheres para recebimento
que propõe alteração da Lei Maria da Penha, acrescendo do benefício.
aumento de um terço da pena dos crimes decorrentes de Outro projeto que também se dedica a especiŁcidade
violência doméstica e familiar contra mulheres, crianças, da autonomia econômica é o PL 3456/2020. Este propõe
pessoas idosas e decientes durante o período de calami- alterar a Lei Maria da Penha para instituir assistência Łnan-
dade pública. ceira em situação de violência doméstica, desde que com-
As notas técnicas do FBSP [528] apontam redução de prove dependência econômica do autor de violência.
registros de BO’s e uma diminuição drástica de Medidas Pro- O PL 3321/2020 propõe dispor de auxílio Łnanceiro
tetivas, uma relação direta com as diculdades majoradas pela União às organizações da sociedade civil enquadradas
pela pandemia no que se refere ao acesso à serviços e ao sis- como entidades privadas sem Łns lucrativos voltadas ao
tema de justiça. acolhimento, à defesa e à garantia de direitos das mulheres

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

vítimas de violência doméstica, das crianças e dos adoles- registrados por dia, uma média de quatro meninas de até 13
centes. anos estupradas por hora (81,8% das vítimas são meninas e
Nesse sentido, a mais recente lei sancionada de Nº 53,8% tem até 13 anos, 50,9% negras). Um aumento de 4,1%
14.022/2020, proposta por várias congressistas, encabeçada dos casos registrados e nunca é demais lembrar que dado o
pela Deputada Federal Maria do Rosário, trata de violência grau elevado de humilhação e silenciamentos, a expectativa
doméstica durante a pandemia: é de que os dados reportem apenas entre 10% a 15% do total
de casos[530].
a)    Centros de Referência, Delegacias, Casas
Abrigo, ou seja, os serviços públicos e ativi- A organização não governamental Gestos lançou em
dades de atendimento às pessoas vítimas, não junho campanha especial sobre direitos sexuais e reprodut-
podem sofrer interrupções por serem consid- ivos durante a pandemia, divulgando canais de denúncias e
eradas serviços essenciais. Cabe aos estados e mecanismos para acessar serviços de saúde e atendimento a
municípios que ofertam os serviços, garantir mulheres vítimas de violência sexual.
o atendimento presencial; No que se refere à proteção aos direitos reprodutivos,
b)    Registros de ocorrência podem ser realiza-
após levantamento da organização não governamental 19,
dos por meio eletrônico ou por telefone, assim
como pedidos online de medidas protetivas; Revista AzMina e a Gênero e Número, apontam que apenas
c) As medidas protetivas terão seus prazos pro- 55% dos serviços de atendimentos hospitalares para real-
rrogados e vigorarão durante a pandemia; ização de aborto legal [531] estão em funcionamento.
d)    No que se refere a demanda processual de Enquanto isso a política de Estado bolsonarista é
violência doméstica, os prazos não serão sus- marcada pelo recrudescimento de direitos das mulheres, a
pensos;
exemplo da última votação de relatório do Conselho de
e) Prioridade para exames de corpo de delito;
f)      Na ocorrência dos crimes sexuais, os Direitos Humanos das Nações Unidas sobre discriminação
órgãos devem designar equipes móveis para contra mulheres e meninas. A limitação de direitos pro-
realização do exames de corpo de delito no local posta incluía vetar educação sexual, direito à autonomia do
onde se encontra a vítima. corpo e impedir acesso à informação. O Brasil se une a países
ultraconservadores como Egito, Paquistão e Arábia Saudita,
A Lei objetiva protege mulheres, crianças e adoles- sugerindo mudanças no texto articulando com lideranças
centes, pessoas idosas e com deŁciência. Abre caminho para dos países árabes e Rússia se posicionando pela abstenção
responder a uma urgência anterior ao COVID-19. Segundo o junto com a Líbia, Congo e Afeganistão. Não há qualquer
Fórum Brasileiro de Segurança Pública (2019), a cada dois desconforto em aŁrmar que este movimento nos informa
minutos há um registro de violência contra a mulher, um em alto e bom som a instrumentalização do Estado de ferra-
aumento de 0,8% dos registros, o infográgico ressalta que mentas para controlar a vida e corpos das mulheres.
foram 263.067 casos de lesão corporal dolosa. Ainda que O PL 1444/2020 foi alvo de fake news, ampla cam-
alto, só no mês de abril houve um aumento de 35% dos casos panha encabeçada pela bancada evangélica na Câmara. O
de violência. projeto fala sobre medidas emergenciais de proteção à mu-
Segundo o FBSP [529] em 2018 foram registrados 66.041 lher e seus dependentes vítimas de violência doméstica,
casos de violência sexual, são cento e oitenta estupros destinação de recursos que assegurem o funcionamento de

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serviços tidos como essências a exemplo das casas abrigo 17,9% no mesmo período. Com todos os estados bra-
sileiros em quarentena no mês de abril, a procura
e de saúde, após destaque da relatora, foi chamado de
por esse atendimento no 180 (número para denún-
“abortista”[532]. Enquanto isso, PL como o de nº 2920/2020 cias de violência doméstica do governo federal) cresceu
que institui o programa de cooperação chamado código 37,6%.
“máscara vermelha” como medida e prevenção à violência
doméstica, avança. Autoriza a integração entre Poder Execu- A rigor, a violência é perpetrada por pessoa do con-
tivo, Judiciário, Ministério Público, Defensoria, órgãos de vívio, como dizem os números de feminicídios, de abusos
Segurança Pública e Conselho Federal de Farmácias para que e violências da mesma natureza[535]. Se a casa em tempos
as mulheres possam pedir ajuda nas farmácias, alterando “normais” não garante segurança, em contexto de pandemia
ainda, a Lei Maria da Penha. onde projetamos a maior relevância para enfrentar e con-
Segundo o IPEA, 536 mulheres são agredidas por hora trolar a pandemia COVID-19, revela que, permanece um am-
no Brasil e dizemos mais, segundo a ONU Mulheres, de cada biente hostil e inseguro para as mulheres e crianças.
3 mulheres mortas, duas delas foram em casa. Dois outros Segundo a organização não governamental Word Vi-
[536]
PLs são de grande relevância, o de nº 2688/2020 que propõe sion , em estudo publicado em maio, estima que 85 mil-
elaboração de plataforma eletrônica para receber, proces- hões de crianças e adolescentes (2 a 17 anos) poderão se
sar informações e encaminhamento aos órgãos competentes somar às vítimas de violência física, emocional e sexual
as denúncias de vítimas de violência doméstica e familiar. no lapso temporal de três meses. O estudo cita, inclu-
Objetiva maior celeridade de medidas administrativas e ju- sive, relatório da Polícia Europeia – Europol que houve
diciais, a exemplo da Medida Protetiva. O segundo PL de nº um aumento na busca por pornograa envolvendo crian-
1267/2020 pretende que todos os mecanismos de mídia e ças e adolescentes durante a pandemia. Importa destacar
canais de radiodifusão de som, imagens, programas e notí- que há uma proposta de Indicação da Câmara, o INC Nº
cias descritos na proposta veiculem ampla divulgação da 713/2020 para que o Ministério da Mulher, da Família e dos
Central de Atendimento à Mulher, o Disque 180. Direitos Humanos estabeleça campanha adicional de com-
O Monitor da Violência[533] aponta que em 2019 houve bate à pedolia e exploração de criança e adolescentes em
uma diminuição de mortes no Brasil, podendo ser consider- caráter de urgência, evitando seu recrudescimento durante
ada uma redução importante já que se trata de menos 19%. a pandemia.
No entanto, houveram 1.314 feminicídios, um aumento de A expectativa na América Latina é de que a pandemia
7,3% dos casos em relação ao ano anterior. Sobre o contexto deva aumentar entre 2,9 milhões e 4,6 milhões o número de
de pandemia Ferreira e Libório [534] trazem dados publicados crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica, um
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública e alertam aumento de 20% a 32%. O documento ainda alerta sobre
dois desdobramentos da pandemia: o aumento de casa-
Entre março e abril deste ano, os casos de feminicídio mento infantil e a piora da oferta de serviços que objetivem
cresceram 22% em comparação ao mesmo período detectar, acolher, enfrentar e coibir a sistemática de violên-
do ano passado, em 12 estados brasileiros, segundo
dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A cia.
mesma publicação identicou que as denúncias de Segundo pesquisa realizada pela Plan International
violência contra a mulher por telefone aumentaram

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

das Américas[537] o Brasil ocupa a quarta posição no rank- adequado. Se antes da pandemia haviam lacunas estruturais
ing internacional de casos de casamento infantil e está entre nas políticas públicas, poucos investimentos[539] estruturais
os cinco países da América Latina com maior incidência de e de formação, precarizando os poucos instrumentos dis-
casos. No Brasil o tema é invisibilizado, naturalizado e a poníveis, na pandemia, na medida em que os equipamentos
certa medida, legalizado. Mas os números apontam que mais são mais fragilizados, aprofunda o cenário de vulnerabili-
de 554 mil meninas de 10 e 17 anos no Brasil estão em união dade das pessoas que dele dependem.
formal ou informal, sendo que mais de 65 mil delas se casam Importa levarmos em conta que os efeitos residuais
entre 10 e 14 anos. da pandemia perdurarão em torno de dois anos no que se ref-
ere ao aspecto econômico e que o impacto na vida de crian-
A designação “casamento infantil, prematuro e for- ças e adolescentes poderão ser sentidos, segundo o mesmo
çado” se tornou o termo aceito nos documentos das
Nações Unidas para descrever esta prática. O termo estudo, durante uma década. E preocupa projetos como o PL
infantil se refere aos casamentos e uniões ocorridos 3196/2020 que pretende criar o Programa Universal de Pro-
antes dos 18 anos de idade – o nal da infân- teção Infantil que resume proteção à infância a benefício [540],
cia, de acordo com a Convenção sobre os Direitos da sem vincular a nenhuma outra obrigatoriedade por parte do
Criança. Prematuro (em alguns casos aludido como
precoce) refere-se ao início de uma vida matrimonial Estado como por exemplo, programa existente de educação,
que é problemática para as meninas e adolescentes, aumento de creches e/ou escola de primeira infância.
posto que concorre, por exemplo, com seu direito à Quando funcionam, a despeito de incapacidades, de-
educação. Dene-se ainda como forçado para ressal- spreparo e falta de estrutura, formação e qualiŁcação,
tar as desigualdades estruturais que propiciam esta
realidade para meninas no mundo todo, bem como têm impactos importantes no resultado direto na preser-
as condições que determinam se constituir um casa- vação da vida e restauração de dignidade e de liberdade.
mento ou união implica realmente uma “escolha” ao Cada instrumento e instituição estruturada pelo Estado que
levarmos em conta as baixas perspectivas existentes tenha como objetivo compor a rede de enfrentamento e/ou
para as meninas, o trabalho doméstico e o controle a
que são submetidas em seus lares de origem e o com- acolhimento de mulheres e crianças vítimas de violência
promisso limitado com sua educação por parte de suas são importantes, fruto de reivindicação e acúmulos de luta
famílias [538] social que a todo tempo está ameaçada de esvaziamento e
desmonte.
Se há condescendência em tempos tidos como
normais, o casamento precoce de meninas e adolescentes CONSIDERAÇÕES FINAIS
como mecanismo de redução dos gastos ou meio de obter A organização e gestão sobre a vida pelo Estado não
renda ou empréstimo, é uma preocupação. A ausência do es- é tema novo, merecendo ampla atenção das ciências soci-
tado impacta diretamente na vida de crianças, adolescentes ais. Em uma perspectiva de promoção das condições em
e mulheres no Brasil, impacta nas famílias que em nada lem- que as políticas públicas nesse sentido operam, inclusive
bram a imaginada composição e arranjo colonial patriarcal. pela alquimia geralmente não considerada pela democracia
Como fortemente destacados em vários projetos de liberal, o debate está presente também na pauta dos movim-
Lei, há uma piora na oferta de serviços públicos que ajudem entos populares, e das causas identitárias a partir das denún-
a detectar e prevenir a violência ou assegurar o atendimento cias sobre quem está vivendo e quem está morrendo há 520

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anos e como isso se relaciona com as mortes e precariedades bilização nacional, foi designada uma força tarefa. E se quer
durante a pandemia de agora. tocamos nas demandas especíŁcas para mulheres.
A partir dessa indispensável especiŁcidade histórica Ou seja, não bastando a devastação resultante do adoeci-
e da constituição de redes de sentidos padrão de poder mento e morte por COVID-19, há genocídio de cidada-
global, a pandemia revela o outro lado da ilustração, lo- nia também nos centros de poder, dentre eles Congresso
calizando-o em uma gramática que convida a abandonar a Nacional. Os centros de poder político são ambientes de
verdade universal como centro replicado nas instâncias da fortes disputas estratégicas que articulam necessidade de
vida. Logo, é possível entender que o projeto de modern- mandatos e entre mandatos, recurso recorrente para for-
idade atualiza no tempo e no espaço a colonialidade do talecimento de projetos e disputá-los no longo e burocrático
poder, do ser e do saber[541], que por sua vez, inłuem na mol- processo de tramitação.
dura de valores que deŁnem liberdade, igualdade, democra- Embora sejamos maioria populacional no Brasil, a
cia, direitos humanos. representação no Congresso não é proporcional. Os atuais
Mapear os projetos descritos aqui demonstra que o 15% falam do aumento de mulheres, parte delas em man-
assunto não arrefece, mas em todo caso, aloca nas fronteiras datas engajadas politicamente ocupando o Congresso. Ainda
dos debates centrais, se utilizarmos o critério de situação que sejam alvos constantes de violência política de cunho
de tramitação para compará-los, se percebe a ofensiva neo- sexista e racista[542], vale ressaltar o protagonismo da Frente
liberal de desobrigação do Estado para com as pessoas em Parlamentar Antirracista e da Bancada de Mulheres na feit-
detrimento do fortalecimento de suas alianças e projetos ura de projetos. Essas têm ação majoritária em comissões na
de poder. Se nos grandes centros há desigualdades no acesso área de cuidado e buscam se articular para driblar as diŁcul-
à política pública com gradações entre centro e periferia, dades em protagonizar espaços de decisão em um ambiente
é ensurdecedor o silêncio das atividades legislativas para de poder, tanto o Congresso quanto os partidos, que re-
povos originários e tradicionais. E quando chega, ofertar um produzem em muitas medidas, a divisão sexual do trabalho
modelo de política e política pública que não entende as es- e o racismo estrutural.
peciŁcidades e diŁculdade. A pandemia global desencadeada pela COVID-19 es-
Parte das implicações podem ser sentidas no im- cancarou opressões estruturais denunciadas nas pautas de
pacto do COVID-19. No tocante aos povos originários, movimentos e organiza ativismo feministas em torno
seus desaŁos passam por sua pouca exposição ao contato desses direitos. A presença de mulheres na disputa pelo
biológico com patógenos como a comunidade não-indígena, poder político pode reverberar em produções legislativas
acompanhada de invasões, conłitos fundiários, exploração que contemplem o perŁl não-hegemônico de mulher, con-
forçada de minérios em território sob forte violência. An- frontando saídas liberais para assuntos e contextos de
ciãos guardam línguas, histórias e tradições, as crianças são violências estruturais.
semente de amanhã, ambos são os mais atingidos e nem em Assim, o acúmulo dos debates sobre inseparabilidade
suas mortes são respeitados como pessoas e como deten- dos espaços públicos e domésticos, caracterizados como
tores de cultura legítima. Foi o caso de Roraima, onde as políticos, constroem no agora as condições para um outro
mães Yanomamis reivindicavam os corpos de seus bebês e normal, as mulheres se consolidam como atrizes sociais
passaram mais de um mês sem informação. Após forte mo-

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dinâmicas e multidimensionais em suas denúncias e ar-


ticulações das diversas formas de opressão, protagonizando
o agir coletivo. “ESTAMOS TODOS NO MESMO BARCO?”:
PERSPECTIVAS DE GÊNERO SOBRE A PANDEMIA

Laura Gigante Albuquerque[543]


Júlia Tormen Fusinato[544]

“Estamos todos no mesmo barco”, arma Slavoj Žižek


em março de 2020, por ocasião da pandemia mundial do
novo Coronavírus (Covid-19). Em um artigo amplamente
compartilhado e festejado por intelectuais de esquerda,
Žižek divide reexões – um tanto otimistas – acerca do po-
tencial do vírus para motivar novas formas de cooperação
e solidariedade globais. Ainda, reproduz o discurso do Min-
istro iraniano Iraj Harirchi de que “o vírus é democrático,
e não discerne entre pobres e ricos ou entre políticos e ci-
dadãos comuns”[545].
Será que estamos realmente no mesmo barco? O vírus,
ou mesmo o contexto da pandemia, atinge a todas as pes-
soas de igual forma? De que modo as desigualdades pré-
existentes em nossa sociedade, em especial as de gênero, se
atenuam ou acentuam diante da crise sanitária mundial que
vivemos? Esses são alguns dos questionamentos que mo-
tivam o presente ensaio, que tem como objetivo pensar a
pandemia do novo Coronavírus sob uma perspectiva de gên-
ero.
Reetir sobre o tempo presente é sempre uma tarefa
árdua e, por vezes, pode nos trair. Mas aceitamos o desao,
não apenas na expectativa de colaborar para a construção
coletiva de saberes em meio à – e acerca da – pandemia, mas
também como exercício de inexões pessoais sobre o que
se vive. Para além de respostas prontas e acabadas, busca-se
compartilhar reexões, lançar luzes a opressões e vulnerabi-
lidades tão invisibilizadas – também em tempos “normais”,
é claro, mas com ainda mais força no momento em que

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

vivemos, neste estranho ano de 2020. perspectiva de que o poder é desigualmente distribuído
na sociedade e que, em contrapartida, as mulheres sofrem
GÊNERO E PANDEMIA: UMA ANÁLISE DO APROFUN- opressões diretamente decorrentes das desigualdades de
DAMENTO DA OPRESSÃO SOBRE AS MULHERES gênero, passa-se a analisar de que forma tais diferenças po-
A análise proposta no presente trabalho parte da tencializaram os efeitos da pandemia sobre os corpos femin-
categoria “gênero” para possibilitar uma reexão multidi- izados.
mensional sobre o fenômeno da pandemia. Propõe-se, com A pandemia do coronavírus e as medidas que, acerta-
isso, uma perspectiva que não invisibilize ou exclua a ex- damente, vêm sendo tomadas para conter a disseminação
periência das mulheres[546], tal como o zeram as tentativas do vírus como o isolamento social trazem crescentes de-
de análise universalizante do contexto pandêmico de 2020. saos para as mulheres. O ambiente doméstico sempre foi
É por isso que se parte da armativa de Slavoj Žižek, em um local de silenciamento e subalternidade da mulher, em
sua leitura homogênea do fenômeno, para negar desde logo que a ela eram destinados os afazeres e cuidados da casa,
que estejamos “todos no mesmo barco”. A partir do presente obstacularizando, assim, sua participação efetiva na esfera
estudo, pretende-se demonstrar de que forma a pandemia pública. Embora essa realidade histórica venha sendo alter-
vem aumentando as diferentes opressões sofridas pelas mul- ada ao longos dos anos, com os movimentos de emancipação
heres. feminista, o ambiente doméstico e a economia do cuidado
É preciso salientar, ainda, que a proposta não se dá continuam sendo destinados majoritariamente às mulheres.
em torno de um “recorte de gênero”, como muitas vezes No contexto da pandemia, os modelos de distancia-
se sedimentou o debate. Por se tratar de um elemento que mento social fazem com que famílias inteiras se vejam
nos constitui – enquanto indivíduos e enquanto sociedade dividindo os mesmos espaços de casa. Em que pese o ambi-
– gênero jamais poderá ser apenas um recorte. Utiliza-se ente doméstico, nesse momento de institucionalização dos
gênero, nesse contexto, como uma perspectiva ou, como home oŃces, tenha se tornado um local de “produção” (na
proposto por Joan Scott, como uma categoria de anál- lógica capitalista), e não apenas de descanso e cuidados, ele
ise, que denota duas principais dimensões: (i) gênero como segue sendo um lugar de sobrecarregamento das mulheres.
um elemento constitutivo das relações sociais baseadas nas Em 2019, as mulheres que possuíam ocupação laboral dedi-
diferenças percebidas entre os sexos, e (ii) gênero como caram em média 18,5 horas semanais aos afazeres domé-
forma de revelar as relações de poder fundadas nessas difer- sticos[550] e/ou cuidados de pessoas[551], 8,1 horas a mais que
enças[547]. os homens ocupados dedicaram a essas mesmas atividades
O uso da palavra “gênero” vem sendo historicamente (10,4).[552] A discrepância na destinação das horas a essas
difundido por movimentos sociais de mulheres, feministas tarefas que, em geral, são para o benefício de todos os mora-
e LGBTs[548], como forma de desnaturalizar as distribuições dores da residência, revela a estruturação na imposição
desiguais de poder entre homens e mulheres (e pessoas de dos papéis de gênero historicamente construídos e faz com
gênero neutro ou não-binário), bem como revelar o caráter que as mulheres tenham menos tempo para se dedicarem
sociocultural das próprias distinções que se atribuem aos a outras atividades remuneratórias, de pesquisa, de lazer e
diferentes “sexos”, muitas vezes sustentadas como diferen- satisfação pessoal.
ças “inatas” ou “biológicas”[549]. Nesse sentido, partindo da Com o isolamento social, esses números tendem a

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aumentar: com a família inteira em quarentena dentro de a sua existência. Diversos foram os casos relatados, em que
casa, a maioria das tarefas domésticas foi intensicada, empregadas domésticas foram compelidas a residir na casa
bem como o cuidado com os lhos aumentou considerav- dos(as) patrões(as) para “respeitar” a quarentena e evitar a
elmente, em razão do fechamento das creches e escolas. utilização de transportes públicos.[553] Essas mulheres, além
Essa situação gera consequências diversas para as mulheres, de terem sua liberdade restrita, foram privadas do convívio
quando atentamos para uma perspectiva interseccional e com a sua família, para prestar serviços e cuidados ininter-
não universalizante da categoria “mulher”. Para aquelas que ruptos a outras famílias que não foram capazes de suprir
têm a possibilidade de trabalhar de casa e manter os lhos essas demandas.
estudando por meio de ferramentas online, há a necessidade Algumas não foram obrigadas a residirem na casa em
de encaixar no seu dia, geralmente no horário do trabalho que trabalham durante a quarentena, mas tiveram que se-
remunerado (que terá que car para depois em razão do guir trabalhando, utilizando transportes coletivos e colo-
horário do colégio), o acompanhamento das aulas e ativi- cando em risco a sua saúde. Como retrato dessa situação e da
dades escolares das crianças; para aquelas cujos lhos não precarização da prossão das trabalhadoras domésticas no
estão tendo aula, cabe a missão de mantê-los connados Brasil, cabe lembrar que a primeira morte registrada no es-
– e devidamente entretidos – em casa. Há, também, pre- tado do Rio de Janeiro em decorrência do novo coronavírus
ocupação de algumas mulheres quanto à alimentação que foi a de uma empregada doméstica de 63 anos, que contraiu a
antes era fornecida pela escola e agora terá que ser provida doença da “patroa” que havia retornado infectada de uma vi-
pela família. Ainda, há aquelas que não têm a possibilidade agem à Itália.[554]
de trabalharem em casa e necessitam deixar os lhos com No país, 70% das trabalhadoras domésticas não
um terceiro ou, em alguns casos, até levá-los ao trabalho, o possuem carteira de trabalho assinada, ou seja, não têm
que coloca em risco a saúde de toda a família. acesso a benefícios como seguro-desemprego – caso sejam
Nesse sentido, entre aquelas mulheres que não demitidas – ou auxílio-doença – caso quem doentes[555]
tiveram a opção de permanecer em home oŃce, deve-se aten- –, assim acabam sujeitando-se às exigências e imposições
tar para um aumento na vulnerabilidade das trabalhadoras dos(as) empregadores(as) para não perderem seu meio de
domésticas, que em alguns casos tiveram que se submeter subsistência, mesmo que isso signique por em risco sua
às imposições do(a) empregador(a) para não perder o emp- saúde e, eventualmente, a de sua família. As políticas neo-
rego e, consequentemente, a renda. Sabe-se a estreita relação liberais de austeridade que ganharam força em pratica-
que o trabalho doméstico laboral tem com os marcadores mente todo o mundo ocidental nas últimas décadas, agora
de gênero, classe e raça, estando fortemente vinculada ao aliadas ao aprofundamento da crise nanceira em razão do
período da escravidão. Essa relação estrutural se expressa Coronavírus, culminam no ápice da precarização da vida
não somente em sua desvalorização e invisibilidade social, das mulheres – e principalmente de mulheres negras, que
mas também pela informalidade e precarização de proteção são a maioria das trabalhadoras “informais” (leia-se: precar-
das trabalhadoras. izadas).
Em momentos de crise como o que estamos vivendo, Por outro lado, ao analisar-se de que forma a
opressões que há anos vêm ocorrendo tendem a se intensi- pandemia vem impactando a vida das mulheres, não se pode
car, de forma que não é mais possível ignorar ou esconder esquecer daquelas prossionais que atuam na linha de frente

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do combate ao Coronavírus. O estresse e os riscos a que Outro assunto que merece atenção quando falamos
proŁssionais de saúde estão sendo submetidos afeta a todos, dos impactos da pandemia na vida das mulheres é quanto à
e não somente às mulheres. Mas elas representam 70% dos saúde reprodutiva e gestacional. Com o isolamento, o acesso
trabalhadores da área de saúde e do terceiro setor no mundo, a saúde pública, já precarizado no Brasil, ganhou novas
segundo estima um relatório de 2019 da Organização Mun- barreiras. Várias são as denúncias de diculdades de acesso
dial da Saúde (OMS)[556]. No Brasil, cerca de 85% das enfer- aos métodos contraceptivos; diversos locais de saúde sus-
meiras são mulheres[557]. Além delas, as técnicas e auxiliares penderam por tempo indeterminado a colocação de DIU,
de enfermagem e as proŁssionais de limpeza que atuam no por entenderem que o procedimento não é de urgência, além
setor da saúde são responsáveis por grande parte da carga disso, o acesso e fornecimento de camisinhas e anticoncep-
de trabalho nos hospitais, desde a montagem de leitos até cionais também pode ser dicultado ou diminuído durante
a realização de terapias e exames[558] que exigem o con- a pandemia.[562]
tato direto com pacientes, muitas vezes contaminados pela Consideradas como grupo de risco para o Covid-19,
Covid-19. Essas mulheres estão constantemente expostas as grávidas e mulheres no período do puerpério, enfren-
ao risco da doença e ao medo constante de contaminação tam ainda mais preocupações com a situação de pandemia.
e transmissão aos próprios familiares; tais circunstâncias, Em pesquisa publicada no periódico médico International
aliadas ao excesso de horas trabalhadas e à exaustão con- Journal of Gynecology and Obstetrics, o Brasil reunia 77% das
stante, podem levar a sofrimento psíquico intenso e sín- mortes mundiais de mulheres gestantes ou puérperas decor-
drome de burnout, segundo a OMS[559]. rentes de Coronavírus – ou seja, entre o período de fever-
No meio acadêmico, também pode ser observada a eiro a junho, morreram mais mulheres grávidas ou no pós-
inłuência da pandemia em diferentes níveis quanto ao gên- parto no Brasil do que em todos os outros países somados,
ero. Em pesquisa realizada pelo Parent in Science durante quando considerada a causa da morte em decorrência do
o isolamento social relativo à Covid-19, concluiu-se que Covid-19.[563] A pesquisa ressalta, ainda, a escassez de pros-
especialmente para submissões de artigos, mulheres negras sionais de saúde e a falta de recursos de terapia intensiva
(com ou sem Łlhos) e mulheres brancas com Łlhos (princi- nos serviços de maternidade brasileiros, revelando mais
palmente com idade até 12 anos) foram os grupos cuja pro- uma vulnerabilidade enfrentada pelas mulheres durante a
dutividade acadêmica foi mais afetada pela pandemia.[560] pandemia.
Ainda, o Instituto de Estudos Políticos e Sociais da Universi- As diferentes opressões de gênero se apresentam de
dade do Estado do Rio de Janeiro (Iesp/Uerj), apresentou uma formas diversas: em alguns casos, as mulheres sofrem uma
comparação entre o primeiro e o segundo trimestre de 2020 violência simbólica, quase sutil, que passa despercebida a
dos artigos submetidos ao seu periódico que contavam com olhos menos atentos; em outros casos, essa violência trans-
mulheres na autoria, revelando uma queda de 40% para 28% borda a dimensão cultural e se materializa em violências
na participação de pesquisadoras.[561] Esses dados, indicam individuais praticadas em razão do gênero. Esse é o caso da
como a nova rotina do isolamento social tem afetado dire- violência doméstica e familiar contra a mulher, que tam-
tamente às mulheres pesquisadoras, em especial pela maior bém sofreu um aumento em razão das novas congurações
sobrecarga de trabalho não remunerado de cuidado e tarefas delineadas a partir do isolamento social [564]. Ainda no início
de gestão da casa. da pandemia no Brasil, a ONU Mulheres publicou um alerta

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sobre o aumento dos pedidos de ajuda e abrigo para mul- entre março e abril de 2020, o número de feminicídios teve
heres em situação de violência doméstica no mundo todo. um acréscimo de 29% em São Paulo, de 70% no Rio Grande
Países como Argentina, Canadá, França, Alemanha, Espanha, do Sul e triplicou no estado do Pará, em comparação com o
Reino Unido, Estados Unidos, Singapura e Austrália já regis- mesmo período do ano anterior[568].
travam índices crescentes de violência contra a mulher.[565] O que se percebe, a partir das diferentes formas de
Mais recentemente, uma pesquisa do Centro de opressão de gênero abordadas ao longo do presente artigo,
Estudos de Criminalidade e Segurança Pública da Univer- é que a pandemia do novo Coronavírus apenas contribuiu
sidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em parceria com para aprofundar a vulnerabilidade e a precarização da vida
o Instituto Olhar, revelou o aumento da intensidade da das mulheres. A partir de uma perspectiva de gênero – e,
violência doméstica na grande Belo Horizonte, a partir de portanto, que atenta não apenas para as “diferenças”,, mas
um estudo sobre o contexto de isolamento social. Ainda, para a distribuição desigual de poder na sociedade – veri-
6,7% das pessoas entrevistadas disseram ter passado, pela ca-se que a pandemia não vem atingindo a todos de forma
primeira vez, por alguma situação de violência doméstica democrática. Qualquer tentativa de analisar o fenômeno de
em seus lares[566]. Em contrapartida, houve uma diminuição forma homogênea poderá contribuir para invisibilizar ainda
nos registros desse tipo de crime em diversas cidades, o que mais as diversas esferas de subordinação das mulheres na so-
levou o Centro de Referência da Mulher de Porto Alegre/RS a ciedade.
alertar que essa redução – longe de signicar a superação do
problema da violência doméstica – também pode ser decor- CONSIDERAÇÕES FINAIS
rente do distanciamento social, uma vez que “muitas mul- Ao contrário do que alguns pretendem fazer crer, não
heres não têm conseguido sair de casa para fazê-la ou têm estamos todos no mesmo barco; o vírus não é democrático.
medo de realizá-la pela proximidade constante e direta com Ele pode até não ter preferências biológicas, mas suas con-
o parceiro”[567]. sequências atingem as pessoas de diferentes maneiras. Como
De fato, o fenômeno da violência doméstica e familiar se demonstrou, nas breves linhas deste ensaio, a pandemia
contra as mulheres, a despeito de ser, por si só, um prob- intensicou e evidenciou as desigualdades dos grupos his-
lema de difícil detecção por ocorrer majoritariamente no tórica e socialmente vulneráveis.
espaço privado e carregar diversos estigmas que impedem as No tocante às mulheres, grupo objeto central do pre-
vítimas de buscar ajuda, torna-se ainda mais invisível neste sente estudo, percebeu-se que a distribuição desigual do tra-
período de isolamento social. A diculdade de mobilidade balho doméstico e de cuidados, que recai majoritariamente
e as regras de distanciamento, aliadas ao fechamento de di- sobre o gênero feminino, e que sempre foi penosa e injusta,
versos serviços essenciais da rede de proteção às mulheres, agravou-se ainda mais no contexto de pandemia, intensi-
gera a subnoticação de episódios de violência física ou cando a sobrecarga das mulheres com esse tipo especíco de
psicológica e a falta de amparo material e psicológico para trabalho que não é valorizado, nem remunerado e tampouco
que as mulheres vítimas consigam romper com este ciclo de considerado “produtivo” dentro da lógica capitalista.
violência. Em contrapartida, diversos estados registram um Em contrapartida, as trabalhadoras domésticas remu-
aumento vertiginoso da violência letal contra as mulheres. neradas, em sua maioria precarizadas e sem acesso a dire-
O monitoramento “Um vírus e duas guerras” aponta que, itos sociais básicos, também enfrentaram novas formas de

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opressão: enquanto algumas foram compelidas a residirem ora Diniz, esperamos que o mundo pós-pandemia seja um
na casa dos seus empregadores e seguir prestando serviços mundo em que os valores feministas façam parte do nosso
de cuidado praticamente ininterruptos, sem poder ter con- vocabulário comum.
tato com a sua própria família, outras seguem tendo que
colocar a sua saúde em risco diariamente ao utilizar trans-
portes coletivos para chegar ao local de trabalho, para não
perderem sua fonte de subsistência.
Revelou-se, ainda, como a pandemia atinge so-
bremaneira as mulheres da linha de frente, que representam
70% das trabalhadoras da área da saúde e do terceiro setor,
e estão expostas a todos os riscos relacionados à Covid-19,
mas também ao adoecimento psíquico decorrente do ex-
cesso de trabalho, da exaustão, e do medo constante de con-
taminação própria e de seus familiares. Este mesmo sistema
de saúde – que há muitos anos vem sendo precarizado no
Brasil – não vem sendo capaz de fornecer recursos mínimos
de assistência à saúde reprodutiva e gestacional, levando a
uma vulnerabilidade ainda maior da saúde das mulheres em
meio à pandemia.
Por m, buscou-se demonstrar como as medidas
sanitárias de isolamento social – embora necessárias –
podem contribuir para o aprofundamento da violência
doméstica e familiar contra as mulheres e, ao mesmo tempo,
levar à diminuição das denúncias e da busca por serviços de
amparo para romper com os ciclos de violência, culminando
com o aumento dos casos de feminicídios na maioria dos es-
tados brasileiros.
Em suma, partindo da análise das mais diversas for-
mas de opressão que recaem sobre as mulheres, percebe-se
como a pandemia do novo Coronavírus acabou por aumen-
tar os abismos e as desigualdades de gênero, e, ao mesmo
tempo, contribuiu para desinvisibilizar as diferentes vul-
nerabilidades que recaem sobre a mulher na sociedade. Es-
pera-se que, a partir de obras como esta, as diferentes faces
da opressão sejam trazidas à tona, e novas reexões sejam
possíveis. Assim, como bem referiu a antropóloga Déb-

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PANDEMIA E MULHERES

seus que narravam assédios, agressões, constrangimentos e


violências sexistas e racistas. Sua página reúne inúmeros re-
TRABALHADORAS DOMÉSTICAS NO latos de situações de violência contra essas trabalhadoras e
CENÁRIO BRASILEIRO DE PANDEMIA por isso Preta Rara é reconhecida como porta-voz das domé-
sticas. A sua poética chama atenção para o congelamento
Karen Graciella Gonçalves da Silva[569] vivenciado por essas trabalhadoras. Ela diz: Estudei, mas
Nas pequenas historietas da vida, venho recitar estou aqui. Eu não entendo! Oportunidade de serviço teve de
minhas rimas. No Sol nascente em Santos me prep- monte: cozinheira, faxineira… porque não me contratam no
aro para tomar um banho sempre disposta a não se shopping? A sua fala aponta a ausência de opções que faz
render aos encantos de quem espera sempre alcança, o serviço doméstico como proŁssão parecer hereditário no
quem ...sempre alcança nunca perco as esperanças,
mas na labuta diária eu sei quem sofre, lavo louça, Brasil e o seu questionamento contém elementos de violên-
faço comida, o meu salário acaba igual essa correria, cia racial. A propósito, trabalho doméstico e violência ra-
estuda, menina! é o que me diziam. Estudei, mas cial andam juntos. Seria incoerente abordar a situação das
estou aqui. Eu não entendo! Oportunidade de serviço trabalhadoras domésticas na pandemia da Covid -19 sem
teve de monte: cozinheira, faxineira… porque não
me contratam no shopping? Eu não entendo. Esfor- considerar o passado colonial escravagista que reverbera em
cei-me tanto pra pagar um curso de secretária, mas tempos de crise sanitária global agudizando processos de
sequer entrei dentro de um escritório. Opa, desculpa, desigualdade e exclusão dessas trabalhadoras.
cometi um erro, entrei sim... para limpar tudo e
lavar o banheiro. Os dias passam, os meses voam e os O PASSADO QUE NÃO PASSA: O RETRATO DAS
anos também se vão e eu aqui na mesma situação:
D.O.M.É.S.T.I.C.A se fosse por opção tudo bem, tenho DOMÉSTICAS NO BRASIL
várias amigas que estão nessa situação e já se con- A breve rełexão acerca da situação vivenciada
formaram , mas eu não, quero conquistar novos ares, pelas empregadas domésticas brasileiras no contexto da
por favor, moço, me dê uma oportunidade e o moço pandemia instaurada pelo vírus da Covid-19 será realizada
me disse: você segue pega esse corredor, vai reto, vire
à esquerda, entra naquele quartinho que a vassoura a partir de uma perspectiva artística/poética, histórica e
está a sua espera, seja bem vinda! interseccional. O Estado brasileiro tem demonstrado forte
negligência em relação às políticas públicas necessárias para
A poesia que abre essa rełexão é de autoria da rapper enfrentar a pandemia. A constante troca de ministros da
Preta Rara e foi composta em 2011. É com este poema que ela saúde, a histórica precarização do Sistema Único de Saúde
abre a sua fala: Eu Empregada Doméstica no TEDx Talks [570] (SUS) e a indisponibilidade de leitos para atendimento
palestra na qual compartilha algumas experiências relativas compõem o cenário desolador de combate à Covid-19 no
ao período em que foi empregada doméstica. Joyce Fernandes país.
(Preta Rara) hoje é ativista, graduada em História e profes- Para essa categoria de trabalhadoras atender à so-
sora. licitação: “que em casa” é impossível de ser cumprida.
Tornou-se conhecida após criar a página Eu Empre- Assim, a casa, compreendida como o local mais seguro para
gada Doméstica no Facebook, relatar as suas experiências e enfrentar a pandemia torna-se inalcançável para as trabal-
ser surpreendida com milhares de relatos semelhantes aos hadoras responsáveis pelo trabalho reprodutivo nas casas em

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que prestam seus serviços que se expressam pelo cuidado No ano de 2019 foi publicado um relatório do In-
da casa, das crianças, dos idosos, e dos animais de esti- stituto de Pesquisa Econômica Aplicada/IPEA que recebeu
mação de outras famílias de onde provém o seu sustento. Ao o título: Os Desaos do Passado no Trabalho Doméstico
retornarem a suas casas uma nova jornada de trabalho re- do Século XXI: Reexões para o caso brasileiro a partir
produtivo aguarda essas trabalhadoras que passam a viven- dos dados da PNAD Contínual que traça o perŁl, os de-
ciar longas e extenuantes jornadas prejudicando a sua saúde saŁos e as transformações do trabalho doméstico no Brasil.
física e mental. Esse estudo concluiu que o trabalho doméstico remunerado
A impossibilidade dessas trabalhadoras de realizarem ainda é caracterizado como uma atividade precária, com
efetivamente o distanciamento social leva-nos a reforçar o baixos rendimentos, baixa proteção social, discriminação e
pensamento da Łlósofa Sueli Carneiro [571]. A autora assevera assédio [573].
que quando se enfrenta a temática mulher é preciso per- Diante do universo de serviços domésticos e de cuid-
guntar, primeiramente, de que mulheres estamos falando. ados como mensalistas, diaristas, babás, cuidadoras, motor-
Fortalecemos essa noção e questionamos: quem são as tra- istas, jardineiros ou quaisquer outros proŁssionais contrata-
balhadoras domésticas no Brasil? De que mulheres estamos dos para cuidar dos domicílios e da família de seus empre-
falando? Essa são as indagações que irão orientar essa escrita, gadores que compõem um contingente de mais de 6 milhões
portanto. de brasileiros dedicados a esses serviços somente o trabalho
A casa como ambiente privado construído historica- doméstico remunerado ou não e desenvolvido por mulheres
mente como o espaço habitual das mulheres, sempre como será aqui abordado. Isso se justiŁca pelo fato de que, desse
um espaço de trabalho desvalorizado, revela uma divisão de imenso contingente 92% são mulheres – em sua maioria ne-
classe e de raça ainda mais marcantes neste momento his- gras, de baixa escolaridade e oriundas de famílias de baixa
tórico de crise sanitária global. Veronica Gago, em palestra renda constituindo-se no maior grupamento prossional
no dia 14.07.20[572], aŁrma que os territórios domésticos para as mulheres brasileiras em pleno século XXI [574].
que neste momento concentram dinâmicas de trabalho re- Contudo, ainda que se utilize o termo empregadas é
produtivo e de trabalho formal tem se apresentado como importante não deixar de considerar as transformações e
laboratório estratégico de experimentação para reestru- os novos movimentos dessa categoria cujo fenômeno mais
turar as relações do capital. importante neste contexto de mudanças refere-se ao surgi-
O cenário brasileiro de pandemia tem agravado, port- mento da Łgura da “diarista”, trabalhadora doméstica que
anto, a histórica divisão sexual e racial do trabalho domé- atua em mais de um domicílio e que, em boa parte dos casos,
stico remunerado bem como a desvalorização dos serviços não possui vínculo empregatício com qualquer um deles[575].
domésticos prestados de forma “abnegada” no próprio lar A Łgura da diarista e a recente reforma trabalhista
levando a uma fetichização e romantização dos trabalhos apontam para a crescente precarização do trabalho domé-
de “cuidado” realizados pelas mulheres em diferentes con- stico remunerado. E, em tempos de crise econômica como
textos. No Brasil, os fenômenos de precarização e desvalor- a que está sendo vivenciada o trabalho doméstico diante
ização do trabalho doméstico estão cristalizados e é para do elevado desemprego sempre reaparece como uma alter-
recordar esse passado colonial que traçamos brevemente o nativa para as mulheres, especialmente aquelas com níveis
perŁl das trabalhadoras domésticas no Brasil. mais baixos de escolaridade[576].

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

A crise sanitária suportada mundialmente neste ano de 2020 quando sustenta que: ontem, a serviço de frágeis
de 2020 colocou em evidência as fragilidades da sociedade sinhazinhas e de senhores de engenho tarados. Hoje, empre-
brasileira em diferentes âmbitos. E para ilustrar a existência gadas domésticas de mulheres liberadas e dondocas, ou de
perene da divisão social do trabalho pautada no sexismo e mulatas tipo exportação [579]. Inevitavelmente essa frase de
no racismo e o aprofundamento desses fenômenos durante Sueli Carneiro nos remete ao que se passou com a empregada
a crise optou-se por dois acontecimentos que ilustram essas doméstica Mirtes Renata, que em plena pandemia do coron-
aŁrmações. avírus não só trabalhava para uma mulher liberada como
Trata-se do que se passou com as famílias da emp- perdeu seu Łlho que estava aos cuidados da patroa enquanto
regada doméstica Cleonice Gonçalves e do menino Miguel essa simultaneamente pintava as unhas.
Otávio Łlho da empregada doméstica Mirtes Renata. Esses Quando o assunto é sexismo e a herança social das mu-
dois acontecimentos, e, sobretudo o segundo, expressam a lheres negras escravizadas encontra-se semelhanças entre
brutalidade com que a vida das mulheres trabalhadoras e ne- a experiência brasileira e norte-americana. bell hooks em
gras tem sido tratada: à sombra de um genocídio em curso seu livro: Não Sou Eu Uma Mulher: Mulheres negras e fem-
desde a colonização dessas terras[577] como apontado por Ab- inismo, intitulado pela frase histórica de Sojourner Truth,
dias do Nascimento a mais de quarenta anos. dedica um capítulo para essa temática. De acordo com a
autora o sexismo assomava-se maior que o racismo como
O TRABALHO DOMÉSTICO É HEREDITÁRIO NO uma força opressiva nas vidas das mulheres negras. Segundo
BRASIL? A IDENTIDADE DE OBJETO DAS TRABAL- ela[580]:
HADORAS DOMÉSTICAS
Ao procurar a resposta para a primeira pergunta colo- O sexismo institucionalizado – ou seja, o patriarcado
– formou a base da estrutura social americana bem
cada, isto é, de que mulheres estamos falando, a abordagem como o imperialismo racial. O sexismo era uma parte
histórica de Sueli Carneiro nos conduz a outro questiona- integral da ordem social e política que os coloniza-
mento: seria o serviço doméstico hereditário no Brasil? O dores brancos trouxeram das suas terras da Europa e
fato é que houve uma construção social da mulher negra teve um impacto grave no destino das mulheres ne-
gras escravizadas.
como objeto, o que demonstra as raízes coloniais desse per-
[578]
verso projeto. Segundo Sueli Carneiro : Se aceitássemos a ideia de que as mulheres vivenciam
uma opressão comum[581], ao falar de mulheres na pandemia
No Brasil e na América Latina, a violação colonial per-
petrada pelos senhores brancos contra as mulheres ne- teríamos incontestavelmente o que compreendemos por lar
gras e indígenas e a miscigenação daí resultante está como o principal cenário e as questões abordadas neste
na origem de todas as construções de nossa identidade texto girariam em torno do acúmulo de trabalho doméstico
nacional, estruturando o decantado mito da democ-
não remunerado versus comprometimento e produtividade
racia racial latino-americana, que no Brasil chegou
até as últimas consequências. proŁssionais e acadêmicas das mulheres em isolamento so-
cial.
A autora aŁrma, ainda, que a colonialidade perma- Não obstante, a teoria feminista de bell hooks, para
nece presente na vida das mulheres negras até hoje calcada quem o sexismo é sem dúvida um sistema de dominação in-
na identidade de objeto. E parece estar se referindo ao ano stitucionalizado mas que não determina de modo absoluto

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o destino das mulheres nessa sociedade, sendo assim, nem Uma das evidências dessa aŁrmação repousa no óbito de
todas estão em casa da maneira esperada. A autora aŁrma Cleonice Gonçalves, de 63 anos, no Rio de Janeiro, empregada
que para além de uma visão das mulheres como oprimidas doméstica cuja patroa estava contaminada pela COVID-19,
o que vem a designar a opressão é justamente a ausência tendo contraído em viagem à Itália. Infelizmente Cleonice
de opções. Aquela mesma ausência de opções denunciada Gonçalves faleceu seis dias após a Organização Mundial da
por Preta Rara no início dessa rełexão. Nas palavras de bell Saúde/OMS ter declarado a pandemia de COVID-19 no dia 11
de março de 2020.[583]
[582]
hooks :
A negligência estatal em relação a essas trabalhadoras
Um dos pressupostos fundamentais do pensamento
feminista moderno é a armação de que “todas as possui raízes que remontam ao passado colonial e escravo-
mulheres são oprimidas”. Isso implica dizer que as crata do país e reforçam a construção histórica dessas tra-
mulheres dividem um fardo comum, que fatores como balhadoras como objetos que, como tais, são privadas de
classe, raça, religião, orientação sexual e etc não criam
maiores cuidados e proteção social. Mesmo diante da re-
experiências distintas em que a intensidade da força
opressiva do sexismo na vida da mulher varia de caso comendação da OMS para a realização do distanciamento
a caso. O sexismo é, sem dúvida, um sistema de dom- social essas trabalhadoras continuaram ganhando as ruas, o
inação institucionalizado, mas nunca foi capaz de de- transporte público e os lares de seus empregadores ou con-
terminar de modo absoluto o destino das mulheres
tratantes eventuais. Na conjuntura de pandemia os direitos
nessa sociedade. Ser oprimido signiŁca ausência de
opções. Esse é o primeiro ponto de contato entre o opri- dessas trabalhadoras foram ainda mais desvalorizados e a
mido e o opressor. (grifo nosso) violência racial se alastrou de forma ainda mais aterradora.

Na conjuntura sanitária que se apresenta quem são as A MULHER NEGRA NÃO É UMA MÃE?
mulheres que efetivamente podem optar por permanecer É irrecusável a aŁrmativa de que a grande maioria das
em casa sem comprometer a sua existência e a de sua trabalhadoras domésticas experimenta condições precárias
família? A verdade é que a condição das mulheres durante de vida. Entretanto, pretende-se agora, adentrar ao campo
a pandemia e as escolhas disponíveis está fortemente mar- do afeto e do amor na vida dessas mulheres para além de sua
cada por uma lógica classista, sexista e racista. O isolamento mera sobrevivência física.
social não é uma opção para muitas mulheres brasileiras Existe uma pequena frase em extensão mas não em
negras, pobres e periféricas que encontram no serviço domé- grandeza que tem aquecido e alimentado a luta e as rełexões
stico a sua única forma de sustento. Nesse sentido, é evi- feministas. Trata-se da conhecida pergunta que diz: E não
dente que as mulheres irão vivenciar diferentes formas de sou uma mulher? proferida por Sojourner Truth, em seu dis-
opressão e violência durante o período da pandemia. curso no ano de 1851[584]. De lá pra cá esse questionamento
Considerar o serviço doméstico como essencial neste tem sido repetido sem cessar pelas teóricas do feminismo
momento, como aconteceu em alguns estados do país, ap- negro e inclusive nomeia uma obra de bell hooks.
enas reforça a ideia de que a velha senzala é efetivamente O Brasil de 2020 atualiza essa frase e nos faz ques-
o novo quartinho da empregada, ainda que as transform- tionar: a mulher negra não é uma mãe? Sojourner Truth
ações da categoria apontem para o gradativo abandono do parece ter questionado o mesmo pois em seu discurso ela
domicílio das patroas como moradia dessas trabalhadoras. diz: Eu pari treze Łlhos e vi a maioria deles ser vendida para a es-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

cravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a expõe a opressão e a exploração que distorcem e impedem
não ser Jesus me ouviu! E não sou uma mulher? a capacidade de amar das mulheres negras inclusive como
O fato é que durante a pandemia o menino Miguel mães. bell hooks aŁrma que o sistema escravocrata e as
Otávio Santana da Silva de apenas 5 anos de idade morreu ao divisões raciais criaram condições muito difíceis para que
cair do 9º andar de um residencial de luxo. Ele era Łlho da os negros nutrissem seu crescimento espiritual. Contudo,
empregada doméstica Mirtes Renata Souza, e caiu quando es- a autora reforça que são condições difíceis, mas não im-
tava aos cuidados da patroa e primeira-dama de Tamandaré, possíveis.[586] E é diante dessa possibilidade que defendemos
Sari Côrte Real. No momento em que Miguel caía a sua mãe aqui que o feminismo como luta contra o sexismo deve
passeava com o cachorro da família, uma de suas atribuições também ser declaradamente antirracista. A pandemia do
diárias na casa em que trabalhava. Esse caso é muito coronavírus não suspendeu o racismo, ao contrário disso, o
simbólico pois expõe o descaso com a vida das mulheres ne- colocou ainda mais em evidência. Assim, a luta para acabar
gras e de seus Łlhos. com o racismo e a luta para acabar com o sexismo estão hoje
Uma criança de cinco anos chorando a ausência da ainda mais entrelaçadas.
mãe que no momento se dedicava à tarefa imprescindível Hoje, após 169 anos da questão colocada por So-
de cuidado com o animal doméstico da família da patroa. journer Truth é alarmante que a palavra de ordem de 2020
E não é ela uma mãe? Todas as mulheres estão suscetíveis seja: vidas negras importam[587]. Conceição Evaristo [588] tem
a perderem seus Łlhos de uma forma tão absurda, abusiva razão quando diz que o passado não passou para os afro bra-
e irresponsável como as empregadas domésticas negras e sileiros e que uma observação atenta deixa isso muito evi-
pobres do Brasil? Podemos realmente construir uma teoria dente. A escritora aŁrma que o passado não foi expurgado
feminista que desconsidere fatores como classe e raça e de- nem em termos emocionais e nem com a criação de políticas
fender que a opressão é algo comum a todas as mulheres? públicas concretas quando se vê onde está a maioria negra.
Nos parece que não. Assim, segundo ela, trabalhar esse passado é reivindicar uma
A questão relativa ao amor é trabalhada por bell hooks posição de dignidade no presente.
no texto Vivendo de Amor em que a autora aborda as diŁcul- É inquietante perceber que em meio a uma gigantesca
dades enfrentadas pela população negra quando o assunto crise sanitária que justamente solicita uma revisão dos nos-
é estabilidade emocional e atendimento de necessidades sos modos de vida e de relação com o planeta Terra ainda
básicas que situam-se para além da sobrevivência física. O precisamos gritar em alto e bom som: a vida das pessoas
simbólico do caso de Miguel alcança também o campo do negras importa e deve ser respeitada! É por isso que de-
amor na vida das mulheres negras e exibe uma das ver- fendemos aqui que a organização contra os impactos da
dades privadas [585] para essas mulheres. bell hooks aŁrma que discriminação e opressão sexista na vida das mulheres ne-
muitas mulheres negras sentem que em suas vidas existe gras têm relevância para para o feminismo e que este como
pouco ou nenhum amor. Segundo ela essa é uma das ver- teoria e práxis precisa se posicionar radicalmente contra o
dades privadas que raramente é discutida em público. Essa racismo.
realidade é tão dolorosa que as mulheres negras raramente Finalizamos essa rełexão com muitas questões em
falam abertamente sobre isso. aberto no que se refere ao tema mulheres no contexto da
Porém, é inquestionável que o ocorrido com Miguel pandemia, mas, certas de que a partir dos questionamentos

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EZILDA MELO

colocados poderemos avançar na teoria e prática feministas.


Esperamos, assim como Sueli Carneiro [589], que a questão ra-
cial se integre deŁnitivamente no movimento de mulheres e MULHERES E MULHERES NA PANDEMIA: OS
que essa luta impulsione a construção de um modelo civil- DIFERENTES SENTIDOS DE "FICAR EM CASA"
izatório humano, fraterno e solidário que expressem a luta
Kátia Alexsandra dos Santos[590]
antirracista, feminista e ecológica. Pela construção de uma
Michele da Rocha Cervo[591]
sociedade multirracial e pluricultural, onde a diferença seja
vivida como equivalência e não mais como inferioridade.
A convocação para a escrita deste texto surge a partir
da necessidade de rełetir sobre as diferentes e divergentes
experiências das mulheres durante o período da pandemia
pelo novo coronavírus. E não há como falar dessas experiên-
cias sem dizer quem somos, e o lugar de onde falamos. Mas
quem somos se mistura com a experiência das mulheres que
ouvimos e convivemos, de modo que optamos por entrela-
çar narrativas pessoais e ouvidas nos projetos de extensão
Núcleo Maria da Penha-NUMAPE[592] e Núcleo de Estudos e
Defesa dos Direitos da Juventude e Infância-NEDDJI/I, a Łm
de cumprir o objetivo dessa escrita que é rełetir sobre os
diferentes modos de experienciar o isolamento social por
mulheres. O primeiro projeto presta atendimento jurídico e
psicológico a mulheres em situação de violência em um mu-
nicípio de médio porte do interior do Paraná, onde as con-
dições de acesso a uma vida digna pelas mulheres encontram
diŁculdades básicas, como a falta de emprego e a inexistên-
cia de uma rede mínima de atenção às mulheres em situação
de violência. O segundo trabalha em defesa dos direitos de
crianças e adolescentes em condições de vulnerabilidade
e risco, através de atendimentos jurídicos e psicológicos.
Desse modo, a experiência de ambos os projetos permite a
relação com mulheres em condição de extrema vulnerabi-
lidade social, possibilitando, do nosso lugar de privilégio,
conhecer e partilhar algumas histórias que se cruzam e sep-
aram das nossas, procurando analisar diferentes níveis de
opressão.
A opressão às mulheres é tema que vem sendo de-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

batido há muito tempo. Desde as primeiras ondas do femin- dos estados ainda em março de 2020 se estende em grande
ismo, ainda branco e europeu, colocam-se em questão dire- parte até agora (julho de 2020), colocou em circulação um
itos básicos negados à mulher, como a participação política imperativo em nome da saúde pública: "Łque em casa", o
e a consideração enquanto cidadãs (GARCIA, 2015)[593]. Em qual rapidamente passou a ser acrescido de uma ressalva:
seguida, passa-se a dar visibilidade à violência contra a mu- "se puder, Łque em casa", tendo em vista a percepção, quase
lher, debatendo-se sobre esse fenômeno que, até então, era imediata (não tão imediata, uma vez que quem produziu o
considerado de caráter privado, criando-se um campo de primeiro enunciado muito provavelmente pertencia a uma
estudos que vem ganhando corpo e possibilitando a criação parcela privilegiada da população que, de fato, teria con-
de políticas públicas que se voltem ao enfrentamento da dições de Łcar em casa) de que muitas pessoas, em função de
violência doméstica contra a mulher (BANDEIRA, 2019[594]). suas condições materiais ou mesmo especiŁcidade do tra-
O Feminismo Negro, a partir da compreensão de que balho que desenvolvem, não poderiam cumprir o que deter-
o movimento feminista colocava em cena os direitos e lutas minavam os órgãos de saúde.
de mulheres brancas, assim como o movimento negro des- Boaventura Souza Santos (2020)[598], em recente pub-
tacava apenas aquilo que era inerente aos homens negros, licação acerca da epidemia pela COVID-19, menciona que
passa a discutir os diversos níveis de opressão. Para dar conta períodos de crises como o que estamos vivenciando neste
disso, passou a ser utilizado o conceito de interseccion- momento, não propriamente "criam" novos problemas, mas
alidade, cunhado por Crenshaw (1989)[595] e compreendido ampliŁcam outras crises que constituem a sociedade na
como instrumento epistemológico que "visa dar instrumen- qual nos inserimos. Desse modo, elementos como desigual-
talidade teórico-metodológica à inseparabilidade estru- dade social, colapso do sistema de saúde, crise política
tural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado"[596]. e econômica sempre estiveram presentes, Łcando apenas
Assim, a partir desse instrumento é possível considerar mais evidentes pelo seu agravamento em função da crise
níveis de opressão que não se colocam de forma sobreposta, sanitária. Com a violência doméstica contra as mulheres,
mas que apontam para marcadores sociais como raça, classe, portanto, não seria diferente. Sendo um fenômeno com-
gênero, capacitismo, orientação sexual, de forma não sep- plexo e multideterminado, rełexo de um sistema patriarcal
arada e hierarquizada, mas compreendendo que funcionam (SAFFIOTI, 2015[599]) arraigado desde muito tempo, também
em um sistema interligado, produzindo diferentes formas encontra na crise atual elemento potencializador.
de vulnerabilidade. Nesse contexto, o lugar que deveria ser de proteção,
As vulnerabilidades, das quais trataremos neste texto, a casa, torna-se agravante quando falamos de mulheres que
passam, portanto, por esses elementos que se articulam, convivem com a violência doméstica. Diferentes levantam-
produzindo diferentes vivências durante esse período que entos têm apontado aumento na violência doméstica con-
temos denominado de pandêmico. A epidemia pelo novo tra as mulheres desde o início do período de distanciamento
Coronavírus- COVID-19- iniciou ainda em 2019, chegando social. No Paraná, ainda no primeiro mês da pandemia,
ao Brasil no início de 2020, quando, em março, Decreto Fed- mesmo em momento em que as pessoas ainda estavam com
eral [597] reduziu a mobilidade social, impondo muitas mu- diŁculdades de acessar os equipamentos de denúncia em
danças nos setores público e privado. função da restrição dos atendimentos, notou-se aumento
A chamada "quarentena", que se iniciou na maioria nos casos registrados. [600]. Em função dessa percepção, mais

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recentemente, foi publicada a Lei 14022/2020[601], que col- ero, mas há ainda muitos outros marcadores que precisam
oca os serviços de atendimento à violência doméstica como ser levados em consideração para se compreender formas de
essenciais, determinando sua continuidade. opressão que afetam mulheres e mulheres.
Problemas menos graves vivem outras mulheres, É justamente a partir dessa premissa que apresen-
entretanto, não podemos deixar de apontá-los. Recente pes- taremos a seguir duas narrativas que falam desses mundos
quisa[602] da Universidade de Toronto, no Canadá, menciona distintos e que colocam em cena elementos cotidianos na
a queda na produção acadêmica de mulheres em todas as vida das mulheres, a Łm de rełetirmos sobre os diferentes
áreas do conhecimento. Os homens com Łlhos também ap- sentidos de "Łcar em casa".
resentam queda no envio de artigos cientíŁcos para revistas,
mas bem menos[603]. Isso se dá, muito provavelmente, em NARRATIVA 1: ONDE VOU FICAR EM CASA?
função das mulheres historicamente serem responsáveis ex- Morava com o companheiro em casa nos fundos do
clusivas pelo cuidado com os Łlhos (CHODOROW, 1990)[604] terreno da casa dos sogros. Casa construída por ela, aos pou-
e também do lar e, ainda, eventualmente, de parentes en- cos, com o dinheiro que conseguia vendendo salgados. Dois
fermos. Mesmo em casais heterossexuais ligados ao meio Łlhos, um de 3 e o outro de 7 anos. O companheiro, usuário
acadêmico, veriŁca-se que as mulheres são as principais de drogas, começou a Łcar agressivo com ela depois do nas-
responsáveis pelas tarefas domésticas e o cuidado com os cimento do segundo Łlho. Segurou as pontas, enquanto deu.
Łlhos. Assim, em tempos de pandemia, as mulheres que Teve um dia que passou dos limites. Pediu uma medida pro-
desempenham trabalhos predominantemente intelectuais tetiva, o ex marido passou a morar na casa dos pais, no
continuaram a ter suas demandas de trabalho, tendo que mesmo terreno. Continuava sendo constantemente atacada
adaptá-las ao formato remoto, e Łcaram ainda mais sobre- verbalmente por ele e pela sogra. Não tinha outro lugar para
carregadas com as tarefas de casa e auxílio aos Łlhos no en- onde ir com as crianças. Com o início da pandemia, já não
sino remoto. Sem falar dos imperativos também inerentes à podia mais vender salgados, não era possível fazer salgados
manutenção de uma vida saudável, ditames da beleza e out- com as duas crianças em casa para cuidar. Passadas algumas
ros tantos aos quais as mulheres são submetidas. semanas, já não tinha mais como comprar nem mesmo os
Estamos falando, obviamente, de mundos muito dis- ingredientes para fazer salgados ou qualquer outra comida
tintos, trazendo problemas relacionados à (sobre)vivência para ela e os Łlhos. Solicitou o auxílio emergencial do gov-
e organização da vida prática, que podem ser considerados erno, aŁnal a pensão do ex companheiro, que é paga pela
de ordem mais básica e outros que podem ser considerados sogra, está atrasada. Ele continua lá, a agredindo todos os
superŁciais, mas que também atravessam a experiência de dias verbalmente e ameaçando a expulsar de casa e machu-
muitas mulheres. Em um momento em que a discussão do car ela e as crianças. Antes as crianças iam para a creche e
que é "essencial" tem sido pauta recorrente, quando pensa- para a escola, e ela para a rua trabalhar. Agora a agressão era
mos nas mulheres no contexto da pandemia, de fato, temos cotidiana, cada hora de dias e noites extremamente longos.
características muito distintas entre as realidades vividas Via na televisão as constantes mensagens: "Łque em casa"
por diferentes mulheres, de modo que a perspectiva inter- e pensava: "que casa?". Será mesmo mais seguro Łcar aqui?
seccional nos auxilia a enxergar que há, sim, algo que nos Colocou cadeado na porta que não fecha e tentou dormir.
toca a todas: a relação de poder que se coloca a partir do gên-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

As duas narrativas trazidas neste texto colocam um


NARRATIVA 2: VAMOS FAZER UMA LIVE? paralelo entre duas realidades muito diferentes. Isso que es-
Nas duas primeiras semanas ela cozinhou, iniciou tamos trazendo relatos que interseccionam apenas gênero e
atividades online com um "personal trainer", comprou coisas classe social. "Ficar em casa" na primeira narrativa signica
pela internet e desengavetou todos os artigos que espera- várias coisas, a começar por car sem renda, condição que
vam um "tempo livre" para serem Łnalizados. Era profes- acomete muitas mulheres inseridas em trabalhos informais
sora universitária, casada, sem Łlhos e preparava-se para dar que deixaram de ser uma alternativa com o imperativo "car
aulas remotas, tendo que reinventar um novo modo de tra- em casa". Na segunda narrativa, no que diz respeito ao tra-
balhar. Ainda assim, nunca trabalhou tanto e sentiu que seu balho, "car em casa" signica reinventar formas de trabalho
tempo livre estava sendo bem ocupado. Via notícias sobre a e continuar produzindo, anal não se pode parar. Mulheres
pandemia com preocupação, mas estava focada em aprovei- de classe média que têm trabalhos intelectuais precisam
tar o tempo que há muito não tinha disponível. Na segunda cotidianamente provar que são boas naquilo que fazem, e
semana teve diŁculdades com as aulas e a escrita dos artigos isso signica muitas vezes trabalhar em dobro. O “car em
que queria terminar. O trabalho doméstico se acumulava, casa” para ambas, explicita o connamento neoliberal da
tinha dispensado a diarista e lembrou-se de quanto tempo subjetividade, onde o corpo-experiência se diz livre, mas na
era necessário para limpar a casa e cozinhar. Ainda assim, realidade expressa os movimentos automatizados e reex-
encontrou algum prazer nisso. Na terceira semana ligava ivos da lógica neoliberal (LEPECKI, 2020)[605].
o computador e tinha cinco, dez janelas abertas, circulava Quando pensamos no ambiente físico, casa, a segunda
entre uma e outra, mas já não conseguia "produzir" tanto e narrativa nos traz sentidos relacionados àquilo que circ-
não entendia o motivo, aŁnal estava tudo bem e era uma ula no senso comum, ou seja, um lugar seguro, lugar que
pessoa que sabia dos seus privilégios. Comeu mais do que talvez seja pouco "aproveitado" por esse tipo de mulher, em
devia, exercitou-se menos, não escreveu quase nada, teve re- função das demandas de trabalho e outras atividades fora do
uniões online todos os dias e Łcou angustiada ao ver que lar. De outra sorte, a primeira narrativa coloca casa em um
algumas pessoas já haviam escrito um livro rełetindo sobre lugar completamente oposto, sendo local que potencializa a
a pandemia. O marido perguntou porque estava tão estres- violência. Essa é a faceta mais dura da violência doméstica,
sada e se propôs a fazer o almoço, nesse dia. Na quarta uma vez que nega à mulher a segurança no lugar que de-
semana chorou sem saber o motivo e Łcou irritada pela veria ser o seu refúgio. No caso da narrativa que trouxemos,
contradição, aŁnal sempre detestou pessoas que reclamam que apresenta situação muito comum das mulheres aten-
e se vitimizam mesmo sendo visivelmente privilegiadas. didas pelos projetos, mesmo com a saída do cônjuge da casa
Tinha seu salário intacto, ainda que tivesse que ouvir co- compartilhada, ele continua por perto, muito perto mesmo,
branças por produtividade todos os dias; não estava sobre- no mesmo terreno, de modo que nem mesmo uma medida
carregada com Łlhos ou tarefas domésticas, apesar de estar protetiva, que exigiria distanciamento, é possível de ser ple-
irritada com tanta louça que brotava na pia. Estava cho- namente executada.
rando por quê? Nessa mesma semana recebeu o convite para Outro elemento que podemos observar a partir das
uma "live" para falar sobre mulheres, violência doméstica e duas narrativas diz respeito ao "tempo livre". Tempo livre
pandemia. Não sabia o que dizer. Recusou. parece ser algo bastante difícil para ambas as mulheres,

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contudo, em um primeiro momento, no caso da mulher Por falar em contradições, a segunda narrativa coloca
professora universitária, o tempo livre pode ser compreen- em cena ainda um outro elemento muito recorrente neste
dido e vivenciado como uma oportunidade para produzir, momento: a saúde mental, ou melhor, a ausência ou diŁcul-
fazer coisas que o trabalho impede que sejam feitas em con- dade de se manter relativamente saudável. Entre as normas
dições normais. Para a mulher da primeira narrativa, tempo e cuidados para garantir a saúde do corpo, comparecem
livre transforma-se em angústia, em horas que não passam como sintoma esgotamento mental, ansiedade, depressão,
porque envolvem sentimentos de medo, muitas vezes fome etc. Entendemos que é preciso olhar para isso, considerando
e incerteza em relação a condições materiais de existência. que essas manifestações dialogam com os imperativos e so-
O próprio home oŃce faz ver as iniquidades e os diversos brecarregos aos quais as mulheres estão sendo submetidas.
atravessamentos entre os marcadores sociais. O “home” é Não se pode, entretanto, usar esse argumento como des-
“oce” (como outra colega professora universitária sinali- culpa para burlar o distanciamento, aŁnal, estamos falando
zou) para muitas mulheres de classe média, mas para aquela de um custo que todos precisamos pagar, não somente em
que tenta sobreviver sem o “oce”, o “home” não sustenta benefício próprio, mas, sobretudo, para um benefício maior,
e materializa suas necessidades presentes. Desse modo, principalmente se temos consciência de que algumas pes-
“tempo livre” torna-se uma experiência singular e coletiva, soas sequer possuem o benefício da escolha. Na primeira
uma vez que classe, raça, gênero agenciam modos de ser narrativa a questão da saúde mental nem aparece. Por quê?
“mulher pandêmica”. Mulheres de classes menos abastadas não apresentam sofri-
O recorte de classe, como podemos notar por meio mento mental? Ou será que têm necessidades tão mais ur-
das duas narrativas, recoloca a experiência de car em casa. gentes que não têm tempo ou condições para pensar sobre
Entre uma casa grande demais para limpar (agora sozinha, isso?
sem o auxílio de uma funcionária para a qual se terceiriza Nos projetos que coordenamos, recebemos mulheres
esse tipo de trabalho) e uma casa pequena demais para agru- que passam por situações de violência. Elas chegam com
par toda a família durante o connamento, ou mesmo próx- demandas de ordem muito prática: denunciar o agres-
ima demais da casa de outras pessoas das quais deveria se sor, retirar as crianças da situação de violência, solicitar
distanciar, colocam-se outras contradições mais difíceis de alimentos para as crianças. Não vêm com demandas no-
engolir (perdoem-nos o trocadilho!) como comer demais e/ meadamente como de saúde mental, mas há a presença de
ou ter que cozinhar versus car sem comer por não ter o sofrimento. O ter coisas aparentemente mais urgentes para
que cozinhar. “Se puder, que em casa”, coloca em análise a resolver fala de um processo de abdicação ou suspensão de
construção social, econômica, cultural que subjetiva a ex- si para cuidar de um outro ainda mais vulnerável, os Łlhos.
istência dessas mulheres, nas suas relações com a casa. “Casa” No processo de acolhida e atendimento, contudo, passam
do latim domus, torna-se um movimento de explicitação a apresentar demandas de atendimento psicológico, mas é
das marcas históricas, patriarcais, racistas, cis gênero que algo que vai sendo construído, a Łm de que essas mulheres
carregam as contradições presentes nessas narrativas, onde possam ter minimamente condições de enfrentar a situação
Casa (do latim casa – habitação miserável) pode assumir que lhes é imposta e construir outras narrativas de si. Com a
esse lugar de domesticação e miserabilidade, da redução das pandemia, a situação só se agrava. Se antes era difícil denun-
lutas e lugares do feminino. ciar e encarar um processo de desvinculação de um agressor,

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agora torna-se ainda mais desaŁador. E é aí que a responsabi- demos falar é das contradições, dos diferentes modos de
lidade de quem está do outro lado, do seu lugar de privilégio, ser mulher e experienciar o “car em casa” imposto pela
precisa comparecer. AŁnal, é preciso cuidar de si, mas sem pandemia.
deixar de olhar para o outro. Finalmente, entre as questões trazidas pela pandemia
Por Łm, a vivência das mulheres na academia nos a partir das reexões de mulheres de classe média, que prob-
coloca a necessidade de debater sobre produção intelec- lematizam partindo do reconhecimento de uma estrutura
tual, considerando, sobretudo, como mencionamos anter- falocêntrica e patriarcal, colocam-se as várias contradições
iormente, a diminuição dessa produção, que se apresenta que se aprofundaram com a pandemia: quais os sentidos
contraditoriamente às constantes convocações a produzir, de “car em casa”, quando lutamos tanto para sair de casa?
aŁnal, sempre que algo novo acontece, é imperativo que Quem pode car em casa? Poderia a experiência do tempo
cientistas das mais diversas áreas de mobilizem para com- livre congurar-se em ponto de resistência para produzir
preender o que se passa. "Produzir", portanto, marca a vivên- movimento contrário a essa lógica que aprisiona a todas
cia de mulheres que têm carreira acadêmica, e a convocação nós? A violência de estado e institucional atravessa difer-
mencionada pode ser compreendida nos sentidos mais plur- entemente os corpos das mulheres. Deveríamos, então, num
ais que possam vir a partir do verbo "convocar", desde a ne- gesto de resistência suspender a produtividade?
cessidade de contabilizar produção, em função do "tempo Seriam essas questões muito brancas e classistas?
livre", passando pelos convites para falar sobre o assunto “Ficar em casa” parece colocar, sob o signo da interseccion-
(as famigeradas lives!), o que faz com que essas mulheres alidade, variadas formas de expressão de vulnerabilidades
quase não tenham tempo e condições para processar sub- e violências que ameaçam a vida corpórea e subjetiva de
jetivamente o que, de fato, está acontecendo. Coloca-se aí o mulheres e mulheres. A pandemia traz experiência de con-
argumento de autoridade e de responsabilidade da academia tágio invisível e mortífero. Mas qual seria uma política de
perante a sociedade, aŁnal alguém precisa passar do lugar de contágio para resistir (ao vírus e aos devires históricos liga-
quem vivencia, para o lugar de quem analisa os fenômenos dos à condição de gênero)? Ficamos ainda com todas essas
e apresenta soluções ou caminhos para se enfrentar as de- questões...
mandas que vão surgindo.
Contudo, dentre os sentidos de ser convocada, é pre-
ciso também considerar o sentido de se sentir, de fato, con-
vocada a falar, como a partir da chamada para este livro,
que abriu a possibilidade de um modo dizer por meio de um
texto acadêmico, mas que também coloca a possibilidade
de simbolizar com a Łnalidade de processar o que de fato
está se passando por alguém que não fala de um lugar neu-
tro, de cientista, mas do lugar de quem afeta e é afetada. Foi
assim que nos sentimos quando decidimos escrever sobre as
vivências das mulheres na pandemia. Há mais o que dizer?
Há... mas ainda estamos vivendo. Por enquanto o que po-

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PANDEMIA E MULHERES

tos, lesões corporais, espancamentos, maus tratos, humil-


hações, sanções arbitrárias, privação de comida e de água.
HIPERENCARCERAMENTO FEMININO São condições que levaram o Supremo Tribunal Federal a
EM TEMPOS DE PANDEMIA reconhecer, em setembro de 2015, o “estado de coisas incon-
stitucional” no sistema carcerário brasileiro, em razão das
Katie Silene Cáceres Arguello[606]
reiteradas violações de direitos fundamentais, bem como da
Neste momento em que estamos vivendo enclausura- inércia estatal em face de tal situação.
dos por causa da pandemia de Covid-19, muitas pessoas, No entanto, passados quase cinco anos desde a
conforme amplamente divulgado nas mídias, sentem an- decretação do “estado de coisas inconstitucional” no sis-
siedade, tristeza, solidão, têm diculdades para serem pro- tema carcerário brasileiro, praticamente nada mudou na
dutivas, abusam de substâncias psicoativas por compul- realidade dos milhares de presos e presas submetidos cotid-
são, tornam-se violentas e se sentem deprimidas a ponto ianamente a condições absolutamente desumanas de encar-
de desejarem tirar a própria vida. Em pouco mais de três ceramento. Temos a terceira maior população carcerária do
meses de pandemia, vimos o caos se instalar em muitos mundo. Perdemos apenas para os Estados Unidos da Amér-
lares. Isso deveria servir para nos levar à reexão sobre a ica e para a China. Segundo dados do INFOPEN de dezem-
situação das pessoas que vivem em privação de liberdade bro de 2019, o Brasil possui uma população carcerária de
por longos anos. Ao se perder apenas um pouco da liberdade 755.274 pessoas, sendo que 7265 (0,96%) estão em outras
de ir e vir durante a pandemia (e por alguns meses apenas) carceragens e 748.009 (99,04%) no sistema penitenciário.
muitos quase enlouquecem, apesar de que os mais privil- A taxa de aprisionamento é de 359,40 e há um décit de
egiados possuem todo o conforto do próprio lar, da boa 312.925 vagas, sendo que 30,43% dos presos são provisórios
alimentação, podem se comunicar por celular, por internet, (229.823). Há 37,2 mil mulheres custodiadas.[608]
assistir a séries e lmes à sua escolha, fazer home oŃce, fazer O que mais encarcera são crimes de natureza econôm-
compras pela internet, pedir alimentos e remédios por deliv- ica, drogas e patrimônio, e isto está relacionado à seletivi-
ery, sair para ir ao supermercado e à farmácia e, em alguns dade do sistema de justiça criminal que se volta contra
casos, violam a quarentena para fazer passeios e compras. a criminalidade de bagatela praticada por pessoas vul-
Se o período de quarentena já provoca sofrimento, neráveis socialmente. Há uma equivocada política criminal
então, imagine o que é o sofrimento daqueles que vivem associada ao modelo de policiamento que tem como foco
em prisões superlotadas e sem estrutura como as do Brasil. prisões em agrante, especialmente relacionada à guerra às
Nem com uma hipérbole seria possível denir o sofrimento drogas, cujo resultado é o aprisionamento em massa de jo-
e a dor da prisão. Loïc Wacquant se aproximou da ideia vens negros/as e pobres que serão posteriormente utiliza-
quando disse que as prisões na América Latina são “campos dos para a expansão de facções criminais. O custo social
de concentração para pobres”.[607] É disso exatamente que desse tipo de política criminal é extremamente elevado e
se trata, de viver em situação completamente desumana, inecaz.[609]
em um ambiente superlotado, insalubre, onde a integridade Embora as mulheres estejam subrepresentadas na
física e psíquica estão, a todo momento, colocadas à prova: prisão em comparação com os homens, o índice de apri-
são muitos os casos de suicídios, homicídios, ferimen- sionamento das mulheres vem aumentando exponencial-

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mente, sobretudo no que se refere ao crime de tráŁco de siderarmos que tal violência acomete principalmente os jo-
drogas, que representa cerca de 60% das prisões femininas. vens. A maior parte dos óbitos de homens entre 15 a 19 anos
Conforme relatório sobre mulheres aprisionadas de 2017, de idade são ocasionados por homicídio. A taxa assustadora
o perŁl das mulheres custodiadas é de pobres, negras, com é de 59,1%. A maior parte das vítimas letais é jovem e ne-
baixa escolaridade e 37,67% delas estão presas sem sentença gra.[611]
condenatória.[610] Isso torna necessária uma análise intersec-
No Atlas da Violência de 2019, veriŁcamos a con-
cional de classe, raça e gênero para pensar um projeto estra- tinuidade do processo de aprofundamento da desi-
tégico alternativo. gualdade racial nos indicadores de violência letal no
Brasil, já apontado em outras edições.
POLÍTICA CRIMINAL DE GUERRA ÀS DROGAS, RA- Em 2017, 75,5% das vítimas de homicídios foram
CISMO E DESIGUALDADE DE GÊNERO: AS ORIGENS DO indivíduos negros (deŁnidos aqui como a soma de in-
divíduos pretos ou pardos, segundo a classiŁcação do
HIPERENCARCERAMENTO FEMININO IBGE, utilizada também pelo SIM), sendo que a taxa
Não há como falar em hiperencarceramento no Brasil de homicídios por 100 mil negros foi de 43,1, ao passo
sem falar em guerra às drogas e não há como falar em guerra que a taxa de não negros (brancos, amarelos e indí-
às drogas sem falar em racismo. O impacto da guerra às dro- genas) foi de 16,0. Ou seja, proporcionalmente às re-
spectivas populações, para cada indivíduo não negro
gas no encarceramento e no assassinato de corpos jovens, que sofreu homicídio em 2017, aproximadamente,
negros, pobres e periféricos é um fato. A guerra às drogas 2,7 negros foram mortos.[612]
é um verdadeiro fracasso nos seus objetivos declarados de
combater o tráŁco de drogas. Apesar da política proibicion- Para se ter uma ideia da letalidade policial, o anuário
ista, nunca houve tanto lucro no mercado clandestino de brasileiro de Segurança pública traz os dados sobre a pro-
drogas. Ao mesmo tempo, os Estados Unidos, que são os porção de mortes decorrentes de intervenções policiais em
maiores empreendedores morais na guerra às drogas, estão em relação às mortes violentas intencionais para uma com-
primeiro lugar no ranking de maiores consumidores mun- paração. Em 2017, a proporção era de 10,7% ao plano
diais de cocaína e de outras drogas (e o Brasil é o segundo nacional e em 2018, de 12,9%. No entanto, em alguns esta-
maior consumidor de cocaína). Os Estados Unidos tentaram dos esse índice é bem maior, por exemplo, em São Paulo, em
erradicar as folhas de coca e a cannabis, como resultado essas 2017, era de 33,2% e em 2018, de 33,1%; no Rio de Janeiro,
drogas são encontradas ainda mais fortes e a um preço mais em 2017 era de 24,7% e em 2018, de 28,1%; em Curitiba, em
acessível, apesar das prisões superlotadas e do elevadíssimo 2017 era de 15,7% e em 2018 passou a 20,6%.[613]
número de mortos de forma violenta, sobretudo na América Por que insistir numa política penal que produz
Latina. mais encarceramentos, mortes, violência, corrupção e ainda
Segundo os dados oŁciais do Sistema de Informações agrava a condição do usuário de drogas, mediante a sua
sobre Mortalidade, do Ministério da Saúde (SIM/MS), em estigmatização e marginalização? Conforme aŁrma Alessan-
2017 houve 65.602 homicídios no Brasil, o equivalente a dro Baratta, talvez seja o caso de olhar não apenas o fra-
uma taxa de aproximadamente 31,6 mortes para cada cem casso da criminalização das drogas, e sim a sua funcionalid-
mil habitantes. Este foi o maior índice de letalidade violenta ade nas relações econômicas e políticas, pois os lucros são
intencional no país. A situação é ainda mais trágica se con- muito elevados se comparados aos lucros num mercado sem

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

proibição; além disso, o proibicionismo é o responsável por bicionismo, essa relação sempre foi óbvia. Segundo Alex
inserir a criminalidade organizada nesse mercado e tornar Vitale, os esforços de proibição no século XX não têm a
atrativa a participação de pessoas vulneráveis na economia ver com uma tentativa de melhorar a saúde pública, e sim
da droga.[614] com uma forma conveniente de governar “populações sus-
Essa guerra criminaliza seletivamente pobres e neg- peitas”. A primeira medida proibicionista, Halstead Act de
ros/as que são mantidos/as sob vigilância ostensiva da polí- 1914, criou restrições legais ao ópio, à heroína e à cocaína,
cia militarizada nas suas comunidades e por milícias para- todos amplamente utilizados na medicina da época. Mas
militares. Esse sistema mantém as relações sociais desiguais houve um caráter profundamente racial nos argumentos
e explicitam o racismo estrutural, que integra a organização para restringir o uso dessas substâncias: o ópio era associado
econômica e política da sociedade. É preciso compreender com os trabalhadores chineses, a cocaína era associada aos
que mais de trezentos anos de escravidão e o posterior aban- afro-americanos e a maconha aos imigrantes mexicanos e
dono da população escravizada deixaria um legado brutal de aos afro-americanos. Os racistas e xenófobos espalhavam o
desigualdade, conforme nos ensina Sílvio Almeida: medo em relação aos imigrantes e às pessoas de cor.[617] O
combate às drogas foi uma forma dissimulada de perseguir
O racismo é uma decorrência da própria estrutura so- essa população.
cial, ou seja, do modo “normal” com que se constituem
A criminalização de condutas envolvendo as drogas
as relações políticas, econômicas, jurídicas e até fa-
miliares, não sendo uma patologia social e nem um serve como um discurso legitimador para controlar a popu-
desarranjo institucional. O racismo é estrutural. Com- lação socialmente marginalizada, especialmente o/a pobre,
portamentos individuais e processos institucionais são favelado/a, afrodescendente, que é tratado/a como tra-
derivados de uma sociedade cujo racismo é a regra e
cante mesmo em situações em que é apenas usuário/a.
não exceção. O racismo é parte de um processo social
que ocorre “pelas costas dos indivíduos e lhes parece O tráco de drogas é a maior razão de aprisionamento
legado pela tradição”. Nesse caso, além de medidas de mulheres no Brasil. Em razão da desigualdade de gên-
que coíbam o racismo individual e institucional- ero que leva a mulher a ser mais pobre que o homem em
mente, torna-se imperativo reetir sobre mudanças
geral, as mulheres acabam por ingressar no tráco como
profundas nas relações sociais, políticas e econôm-
icas.[615] uma forma de subsistir ou de ter um complemento a uma
renda muito baixa para fazer frente a encargos familiares
A prisão é a face mais exposta do racismo estrutural, que quase sempre estão sob sua exclusiva responsabilidade.
especialmente com o proibicionismo das drogas que histor- As desigualdades e hierarquias existentes na sociedade re-
icamente esteve atrelado ao racismo desde as suas origens. produzem-se também no mercado de ilicitudes, deixando
No caso especíŁco do Brasil, trata-se de um racismo geno- as mulheres – que ocupam posições subalternas no tráco –,
cida, se considerarmos que um jovem negro tem três vezes mais vulneráveis ao processo de criminalização. Isso ocorre
mais possibilidade de vir a ser vítima de homicídio do que frequentemente com as mulas que são recrutadas para o
um jovem branco e que a cada 100 pessoas assassinadas no transporte de pequenas quantidades de drogas, enquanto
Brasil, 71 são negras.[616] carregamentos mais expressivos de drogas passam desper-
A relação entre racismo e proibicionismo não se veri- cebidos.[618] Normalmente, elas se dividem entre o trabalho
Łca apenas no Brasil; nos Estados Unidos, o berço do proi- doméstico, o cuidado com os lhos e a mercancia da droga

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

no próprio ambiente onde moram (e onde geralmente serão femininos e mistos a maior parte das unidades no Brasil não
dados os łagrantes pela polícia). possui local adequado para que se realizem as visitas.
Além disso, apenas quatorze vírgula dois por cento
Sendo o tráŁco de drogas o crime que mais aprisionou
mulheres no segundo semestre de 2017, a literatura das unidades prisionais que recebem mulheres possuem es-
da área indica que muitas delas buscam ou são lev- paço adequado para receber gestantes e lactantes.[621]
adas a este delito por meio de uma Łgura masculina, o Somente vinte e seis vírgula cinco por cento das mu-
que, mais uma vez, conŁrma a inłuência das relações lheres presas estão envolvidas em algum tipo de atividade
de gênero no universo criminal.[619]
educacional. Embora a atividade laboral propicie uma in-
A violência institucional é mais cruel em relação às łuência positiva na saúde física e psíquica das detentas,
mulheres, que, em razão da violência estrutural e da desi- no primeiro semestre de 2017, somente trinta e quatro
gualdade de gênero, são mais pobres e veem no tráŁco uma por cento das mulheres encarceradas estavam envolvidas
forma de subsistência, pois assumem sozinhas os encargos em atividades laborais internas e externas às unidades pe-
familiares sem que haja uma contrapartida de um mercado nais, segundo dados do Relatório Mulheres Aprisionadas de
formal para lhes possibilitar a sobrevivência e os cuidados 2017.[622]
com os Łlhos e familiares. Além da falta de infraestrutura para o atendimento
Há um plus de sofrimento às mulheres aprisionadas, das mulheres, há um disciplinamento e controle severo das
em razão das suas peculiaridades de gênero relativas ao custodiadas e o uso abusivo de medicação,[623] quase não há
relacionamento familiar, à maternidade, à construção so- assistência à saúde e falta amparo às mulheres com encargos
cial do papel feminino, submetidas a um ambiente sem es- familiares.
trutura e organização apropriadas ao atendimento das suas Na pesquisa que realizamos em Curitiba, ao pergun-
necessidades, uma vez que é um pensado e construído por tarmos como elas se sentiam na prisão, houve consenso
homens e para homens.[620] em retratar o sentimento de ter perdido a humanidade, de
se sentir como um lixo ou como um animal. Usualmente
CONDIÇÕES DA MULHER APRISIONADA E O AGRA- abandonadas pela família, seja porque cometeram um erro
VAMENTO DA SITUAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA que uma mulher não deveria cometer, ou porque são tão
Setenta e quatro vírgula oitenta e cinco por cento dos pobres os familiares que não conseguem recursos para real-
estabelecimentos prisionais brasileiros foram construídos izar o deslocamento para fazer a visita, ou ainda porque os
para abrigar detentos do sexo masculino, seguido de dezoito familiares não querem se submeter às revistas vexatórias.
vírgula dezoito por cento para o público misto e apenas Enquanto se observa a formação de longas Łlas de visitas nos
seis vírgula noventa e sete por cento foram feitos exclusiva- presídios masculinos, as mulheres presas sofrem mais pela
mente para mulheres. solidão e pelo abandono, além do sentimento de culpa da-
A Lei de Execução Penal determina, em seu artigo 41, quelas que são mães e estão longe dos Łlhos ou com os Łlhos
§ X, as condições necessárias à realização de visitas e sobre menores na creche da prisão.[624]
como o estado deve proceder para que estas se realizem. O Para se ter uma ideia da vulnerabilidade das mulheres
local da realização das visitas deve ser diferente da cela e presas, vejamos os dados do Relatório Mulheres Aprision-
do pátio de sol, no entanto, nos estabelecimentos prisionais adas de 2017:

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

mente descumprida pelo Judiciário e, como consequência,


No que se refere aos homicídios, observamos uma
taxa de 4,5 mulheres mortas em 2016 para cada tem ocorrido diversas mortes e contaminações em razão da
grupo de 100 mil mulheres no Brasil, enquanto no pandemia do coronavírus nos presídios. Segundo dados do
sistema prisional essa taxa se eleva para 30,3 mul- Conselho Nacional de Justiça, de maio a junho deste ano au-
heres mortas para cada cem mil mulheres presas. Os
mentou em 800% o número de contaminados por Covid-19
suicídios também apresentam maiores taxas no in-
terior das unidades prisionais do que na sociedade no sistema carcerário.
como um todo, indicando uma taxa de 27,5 nos Há uma seletividade nas decisões judiciais, são utili-
presídios e 2,3 no Brasil. Já os óbitos por causa descon- zados “dois pesos e duas medidas” para casos semelhantes.
hecida representam uma taxa de 2,4 mortes para
Por exemplo, o Ministro do Superior Tribunal de Justiça,
cada grupo de 100 mil brasileiros, ao passo que no
interior das unidades registra-se uma taxa de 13,8 João Otávio de Noronha, concedeu prisão domiciliar a Fabrí-
mortos com causas desconhecidas para cada grupo de cio Queiroz e a sua mulher, Márcia Oliveira de Aguiar,
100 mil mulheres.[625] que estava foragida. Todos sabem da suspeita de envolvim-
O Estado é responsável pela vida, pela integridade ento de Queiroz com corrupção, as famosas “rachadinhas”
física e psíquica e da pessoa aprisionada. Mas a realidade do gabinete de Flávio Bolsonaro, esquema de lavagem de
mostra que há um completo descaso dos poderes Executivo, dinheiro, envolvimento com milícias e constrangimento
Legislativo e Judiciário em relação às condições a que estão de testemunhas para prejudicar a investigação. O mesmo
submetidas as custodiadas. Uma condenação de uma pessoa Ministro capaz cumprir a Recomendação 62 do Conselho
a uma pena de prisão pode signiŁcar uma pena de morte, so- Nacional de Justiça neste caso (o que deveria se estender a
bretudo neste momento de pandemia da Covid-19, em que todos os casos semelhantes!), negou em março um pedido
o contágio pode ser letal, sendo que no ambiente prisional da Defensoria Pública do Ceará para tirar da prisão grupos
há uma insalubridade crônica que não permite condições de risco, como idosos e gestantes, em razão da pandemia do
ideais de higiene que são recomendadas para o combate coronavírus. Sendo que a pandemia e o estado de saúde de
à pandemia. Normalmente falta água nos presídios, não se Queiroz foram os argumentos usados pela defesa do ex-as-
pode utilizar o álcool em gel. As pessoas Łcam em celas su- sessor de Flávio Bolsonaro.[627]
perlotadas, onde não é possível realizar o distanciamento Os pobres que fazem parte do grupo de risco podem
social recomendado. morrer nas prisões, mas ao “amigo do rei” a prisão domicil-
Há a Recomendação nº 62 do Conselho Nacional de iar é concedida, ainda que seja para um sujeito que estava
Justiça, no sentido de sugerir ao Judiciário inúmeras me- foragido e que pode ser considerado perigoso. Ao mesmo
didas para evitar e reduzir o encarceramento durante o tempo, O Superior Tribunal de Justiça negou recentemente
período de pandemia, bem como para que o Judiciário zele o mesmo benefício que concedeu ao Queiroz a um jovem
pela elaboração e implementação de um plano de con- preso sob acusação de furtar dois xampus de R$ 10,00 cada.
tingências do Executivo, com medidas sobre higiene, tri- A decisão contrária ao jovem foi do Ministro Félix Fischer
agem, circulação, e para a racionalização das visitas com que considerou que um jovem que furta dois xampus de
vistas à saúde e ao bem-estar dos/das detentos/as.[626] 10 reais representa um “risco” para a sociedade. A defesa
Entretanto, tal recomendação vem sendo ampla- do jovem apresentou pedido de Habeas Corpus ao Supremo
Tribunal Federal, mas ele foi negado pela ministra Rosa

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Weber. Esta é a sanha punitivista dos Tribunais contra os/as e político, excluídas da estratégia de controle social.
Essa perspectiva inverte a avaliação do resultado his-
jovens, negros/as e pobres. Neste caso, sequer foi levado em
tórico da prisão: o aparente fracasso do projeto ‘téc-
consideração, para além da Recomendação 62 do CNJ sobre nico-corretivo’ da prisão é a própria história de um
a pandemia, o princípio da insignicância. Não há lesão sig- êxito político real, como aparelho de poder que gar-
nicativa a bem jurídico para que se possa justicar tais de- ante e reproduz as relações sociais.”[629]
cisões. O Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal Em síntese, a prisão reproduz as relações sociais desi-
Federal vêm amesquinhando o princípio da insignicância guais da nossa sociedade de classes, racista e patriarcal.
para criminalizar a pobreza.
O sistema de justiça criminal historicamente crimin- CONCLUSÃO
aliza de forma desigual. São sempre os últimos da escala so- Há uma negligência histórica do poder público com
cial que estão na prisão em todo lugar do planeta, conforme o sistema prisional, pois investir nesse sistema não traz
nos ensinam Alessandro Baratta e Massimo Pavarini. No ent- benefícios eleitorais, ao contrário, traz custo político de
anto, em um país com níveis mais elevados de desigual- um modo geral. A sociedade também não vê com bons
dade, de pobreza, com uma longa trajetória de escravidão olhos o investimento de recursos públicos na melhoria das
que desemboca no racismo estrutural, inevitavelmente, a condições de vida das pessoas aprisionadas. Infelizmente, o
desigualdade é ainda mais visível nas prisões. Não são os/ perverso lema “bandido bom é bandido morto”, tão dissem-
as negros/as e pobres que mais cometem delitos, como inado no senso comum e explorado por políticos sicofan-
uma análise das estatísticas do sistema carcerário de forma tas, contamina a ação policial e a gestão carcerária. Como
equivocada poderia levar a crer. O sistema carcerário só resultado dessa negligência, temos o aumento da violência
mostra os que foram seletivizados pelo sistema de justiça e o surgimento de diversas facções criminais que disputam
criminal, com base nos indicadores sociais negativos. A territórios entre si. A criminalidade se fortalece na prisão
maioria da sociedade comete delitos, mas apenas uma mi- e assombra a sociedade, como efeito da incapacidade do
noria é criminalizada. A cifra oculta da prática de delitos é poder público de oferecer aos presos e às presas a assistência
muito elevada, e não apenas em delitos leves, mas também mínima que a Lei de Execução Penal (LEP) prevê.[630]
em delitos graves, no Brasil. Há mais de 1688 tipos penais O Estado, quando priva uma pessoa de liberdade, col-
no nosso ordenamento jurídico, muitos cometem determin- oca-se na posição de ter que garantir a dignidade humana
ados delitos sem sequer saber que o zeram. Há, na realid- do/a recluso/a. Mas isso jamais ocorreu nas prisões bra-
ade, aquilo que Foucault denominou de “gestão diferencial sileiras que são campos de concentração de miseráveis.Com a
das ilegalidades”,[628] muito bem explicado por Juarez Cirino atual crise sanitária, é imprescindível que os membros do
dos Santos: Judiciário se deem conta de que condenar alguém à pena
de prisão, negar Habeas Corpus, liberdade provisória ou
“A ‘gestão diferencial’ da criminalidade decorre de
uma ‘dissociação política’ da criminalidade: o recorte qualquer outra medida que desencarcere pode signicar
jurídico das ilegalidades proibidas (tipicidade) uma condenação à pena de morte. Ou o Judiciário se sens-
produz a delinquência convencional – e o delinquente ibiliza diante da situação de risco da população prisional em
comum, como sujeito ‘patologizado’ –, abrindo espaço face da pandemia do coronavírus ou terá as mãos sujas de
para as ilegalidades permitidas do poder econômico
sangue.

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EZILDA MELO

Seguir a Recomendação 62 do do CNJ é o mínimo a se


fazer, neste momento, para não agravar ainda mais a necrop-
olítica de segurança pública vivenciada cotidianamente no TRABALHO DOMÉSTICO E DESPROTEÇÃO
Brasil. PREVIDENCIÁRIA: NECESSIDADE DE
UM OLHAR INTERSECCIONAL

Larissa Rahmeier de Souza[631]


Letícia Maria Gonçalves Santos[632]

A primeira morte registrada no estado do Rio de


Janeiro pela COVID-19 foi de uma trabalhadora doméstica
de 63 anos, residente no sul uminense[633], que laborava
em um apartamento no Leblon – região residencial com o
metro quadrado mais caro do Brasil.[634] Seus empregadores
haviam acabado de retornar da viagem à Itália, país com o
maior número de casos de mortes causada pelo coronavírus
à época. Esta é a representação da realidade da fotograa do
direito [635] presente no Brasil.
Nesse sentido, o artigo pretende apresentar um breve
ensaio como contribuição de um estudo crítico, apresen-
tando questões relativas à desproteção trabalhista e previ-
denciária das trabalhadoras domésticas e sua intrínseca
relação com a herança escravocrata, além da correlação es-
trutural entre economia, direito, gênero, raça e pobreza.
É neste cenário que a obra cumpre papel fundamental
no incentivo às estudantes, pesquisadoras e professoras no
sentido de ampliar e divulgar diálogos que têm sido efer-
vescentes na sociedade e na Universidade, sobretudo acerca
das relações estruturais de desigualdade racial e de gênero. É
por isso que compreendemos como fundamental a temática
discutida, inicialmente, neste trabalho, pretendendo-se ap-
resentar uma pesquisa inicial sobre a desproteção e des-
regulação do Estado e do direito àquelas que sempre foram
marginalizadas da sociedade: as mulheres pretas e pobres
– que, em sua grande maioria, carecem de escolaridade, de
condições dignas de vida e que sempre estiveram despro-
tegidas pelas normas trabalhistas.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

regulam e legitimam esses discursos, como constatamos no


TRABALHADORAS DOMÉSTICAS E A (DES)PRO- art. 7º da Consolidação das Leis Trabalhistas de 1943[638], no
TEÇÃO TRABALHISTA art. 1º da Lei no Lei nº 5.859 de 11 de dezembro de 1972[639],
A m de abordar as recentes proteções justrabalhistas assim como no art. 1º Lei Complementar nº 150, de 1º de
das trabalhadoras domésticas, abordaremos neste primeiro junho de 2015.[640]
capítulo as guaridas garantidas pela Constituição Federal de Importante, ainda, mencionar como a pauta das tra-
1988, bem como a “PEC das domésticas”, de 2013. balhadoras domésticas à época tinha como centralidade a
Como veremos a seguir, dois argumentos foram (e defesa da proteção dos direitos às trabalhadoras domésticas
continuam sendo) centrais nos discursos que legitimam para efetivação dos princípios democráticos. “Ainda 1987
a desproteção integral dos direitos conquistados e esten- elas anunciavam: Constituinte sem direito das domésticas
didos à categoria das trabalhadoras domésticas na As- não é democrática!”[641]. No ano seguinte, 100 anos após
sembleia Nacional Constituinte e na Constituição Federal a abolição, a maior categoria de mulheres que trabalham
de 1988, sendo eles o trabalho doméstico ausente de no Brasil, composta majoritariamente por mulheres ne-
valor econômico e as trabalhadoras tratadas como “mem- gras, garantiu pela primeira vez direitos trabalhistas básicos
bros da família”. O movimento das trabalhadoras domés- como salário mínimo e décimo terceiro (...)”.[642]
ticas cumpriu papel importantíssimo no processo da As- É nesse sentido que podemos armar que a Constitu-
sembleia Nacional Constituinte. Em carta apresentada na ição Federal de 1988, fruto da Assembleia Nacional Consti-
Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores tuinte, inaugura a ordem social do trabalho no Brasil,[643] pre-
públicos, o movimento associativo de trabalhadoras domé- sente em seu art. 7 º: “São direitos dos trabalhadores urbanos
sticas apresentou argumentos contrapondo as ideias de que e rurais (...) Parágrafo único. São assegurados à categoria dos
a categoria não produziria lucro. Na carta, armam que essas trabalhadores domésticos os direitos previstos nos incisos
trabalhadoras produzem saúde, limpeza, boa alimentação e IV, VI, VIII, XV, XVII, XVIII, XIX, XXI e XXIV, bem como a sua
segurança para milhões de pessoas.[636] integração à previdência social”.
Para o Professor de Direito do Trabalho da USP, Jorge Sobre as garantias absorvidas pela Constituição Fed-
Souto Maior, as garantias presentes na Constituição Federal eral de 1988, Juliana elucida ainda que: “a Constituição Ci-
de 1988 e os debates ocorridos na Assembleia Nacional dadã, a primeira do ordenamento jurídico brasileiro a recon-
Constituinte revelavam, sobretudo pela postura da classe hecer o trabalho doméstico, denitivamente permitiu uma
média, a forte presença da argumentação no sentido de que abertura que a distingue das Constituições anteriores, que
a cobertura de direitos e a maior proteção garantidos pela até então não haviam sido mais que conversa entre brancos
legislação levariam ao desemprego em massa das domés- (CARDOSO, 1985)”.[644]
[637]
ticas. Após 125 anos da abolição da escravatura no Brasil,
Ainda, no que se refere aos dois argumentos levanta- foi aprovada pelo Congresso Nacional a Emenda Constitu-
dos acima (trabalho doméstico sem valor econômico e o cional n.º 72/2013, garantindo às trabalhadoras domésticas
tratamento das domésticas como “membras da família”), uma equiparação de direitos, como já garantidos aos tra-
podemos perceber que é o próprio Estado de Direito e o balhadores urbanos e rurais. A EC n.º 72/2013 deu origem,
conjunto de normas justrabalhistas que, ao longo do tempo, posteriormente, à Lei Complementar 150/2015. Como prin-

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cipais conquistas presentes na PEC das domésticas e na Lei história da Previdência Social. Na América Latina, este con-
Complementar 150/205 estão: jornada de trabalho de 44 ito torna-se ainda mais intenso na medida que é respon-
horas semanais, formalização em CTPS, FGTS, seguro por aci- sável por exacerbar desigualdades já existentes. Verica-
dente de trabalho, horas extras, férias e 13º salário. se, historicamente, uma grande diculdade em adequar
No que tange à PEC das domésticas, Souto Maior a política previdenciária com o interesse de seus bene-
aduz: “a situação que gira em torno da aprovação da PEC do ciários, o que acaba por reproduzir as relações de dis-
trabalho doméstico e da sua repercussão social representa, tribuição de poder da própria sociedade.[649]
pois, uma chance a mais para que a sociedade brasileira dê Não por outro motivo a Previdência Social no Brasil
o sobressalto necessário para abandonar, enm, a lógica es- surge da necessidade da gura de um Estado regulador re-
cravagista, que insiste em nos rodear”.[645] sponsável por conter e administrar o conito e a coesão soci-
Redigimos esse trabalho em meio à maior crise ais diante das contradições oriundas da modernidade, para,
sanitária do século, provocada pela pandemia da COVID-19. assim, mediar o processo de acumulação e distribuição do
Se por um lado observamos que o trabalho doméstico capital. Nesse sentido, destaca-se o vínculo entre Previdên-
sempre esteve à margem das proteções trabalhistas e previ- cia Social e a reestruturação das relações do Estado com a so-
denciárias, por outro constatamos que durante a pandemia ciedade no capitalismo moderno.[650]
do coronavírus a situação destas trabalhadoras – em sua A m de delimitar o conceito de proteção social,
grande maioria mulheres negras –, se agrava. Dados do IBGE utiliza-se a denição de Celso Barroso Leito, asseverando
apontam que cerca de 70% dos trabalhadores domésticos que “proteção social, portanto, é o conjunto de medidas de
(5,7 milhões de mulheres) não possuem carteira de trabalho caráter social destinadas a atender certas necessidades indi-
assinada.[646] Isto é, a grande maioria da categoria trabalha na viduais; mais especicamente, às necessidades individuais
informalidade, sem a cobertura de direitos como FGTS, 13º que, não atendidas, repercutem sobre os demais indivíduos
salário, férias, seguro-desemprego, dentre outros. e, em última análise, sobre a sociedade”.[651]
No contexto da pandemia do coronavírus, a vulner- Na linha do caráter “combativo” do Estado, destaca-se
abilidade do trabalho doméstico se amplia e pode ser esten- que o surgimento da proteção social no Brasil nasce a par-
dida a um cenário de, pelo menos, uma dupla vulnerabili- tir do assistencialismo, ainda nos tempos do Brasil Colônia,
dade[647], a primeira está no tipo de trabalho realizado por com a atuação das Santas Casas de Misericórdia, que pres-
essas mulheres e em suas condições, sendo mais expostas à tava auxílio aos idosos, enfermos, órfãos e pobres.[652] Assim,
circulação do vírus.[648] A segunda vulnerabilidade reside na ainda que houvesse intensa disparidade entre a classe oper-
desproteção social dessas trabalhadoras, que não se veem ária e a classe dos detentores dos meios de produção naquele
amparadas pelo Estado, seja na reposição de renda, pelo seg- período, o Estado “limitava-se a assistir, inerte, às relações
uro desemprego, ou pelo afastamento do trabalho, através entre particulares, sem estabelecer normas de limitação à
do auxílio doença. autonomia pessoal. A proteção ao trabalhador, até então
voluntariamente feita por aqueles que se preocupavam com
(IN)SEGURIDADE SOCIAL DAS TRABALHADORAS a dignidade humana, muitas vezes só existia sob a forma de
DOMÉSTICAS NO BRASIL caridade”[653].
Luta e disputa política são elementos intrínsecos à Nessas condições, tem-se que “o primeiro tipo de

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

proteção social que podemos reconhecer no mundo é o tipo ercício pleno da cidadania.
liberal, em que predomina a assistência aos pobres enquanto Em 1960, o Ministério do Trabalho e da Previdência
uma preocupação do Estado. Então, o Estado dá assistência; Social foi criado e a Lei Orgânica da Previdência Social
e o mercado, o resto”.[654] Dentro desta concepção assisten- (LOPS) editada, criando normas uniformes para amparar
cial, inexistia garantia plena de proteção em caso de necessi- as seguradas, segurados e dependentes dos institutos exist-
dade, uma vez que o amparo estatal estava restrito à mutu- entes à época, estabelecendo-se um único plano de benefí-
alidade, não possuindo caráter de seguro [655]. cios.[658] Assim, a cobertura previdenciária passou a ser gar-
Na década de 1920, no entanto, organizações sindic- antida a qualquer um que tivesse prossão regulamentada
ais irrompem inúmeras greves no Brasil, e, por consequên- pela CLT.
cia, as primeiras leis sociais nascem como respostas a estas Apesar do nítido avanço em matéria de direitos so-
insurgências, em conjunto com a repressão política. Nesse ciais neste período, essa ampliação não alcançou as tra-
sentido, verica-se a atuação do Estado no sentido de preser- balhadoras rurais, empregadas domésticas e autônomas,
var o modelo do processo de acumulação. que permaneceram completamente desassistidas. Percebe-
Por esse motivo, a partir dos anos 20-30 verica-se se, nesse sentido, a grande diculdade no reconhecimento
uma regulação social acelerada, com a edição da Lei Eloy dessas atividades, historicamente colocadas à margem do
Chaves e da Consolidação das Leis de Trabalho (CLT). Nessas sistema.
circunstâncias, verica-se que as primeiras legislações que Ao lado da postura omissiva do Estado, em 1943,
trataram da matéria previdenciária no Brasil foram reali- quando da atualização da CLT, a legislação trabalhista
zadas de sobressalto, com esforço mínimo. O reexo disso cuidou de expressamente excluir a categoria das trabal-
foi a inadequada proteção da classe trabalhadora, uma vez hadoras e trabalhadores domésticos de seu objeto de
que as normativas trouxeram amparo apenas a um número aplicação (art. 7.º, alínea a, Decreto 5.452/1943).
reduzido de obreiros. Assim, neste período, somente as cat- A regulação deste trabalho, portanto, ocorrerá ap-
egorias mais organizadas e economicamente importantes enas em 1972, quase 50 anos após a criação da Lei Eloy
foram prestigiadas – ferroviários, trabalhadores de docas, Chaves. A Lei n.º 5.859/72 estabeleceu que “aos empregados
marítimos, etc.[656] Neste momento, a proteção das classes domésticos são assegurados os benefícios e serviços da Lei
trabalhadoras menos privilegiadas, a exemplo das trabal- Orgânica da Previdência Social na qualidade de segurados
hadoras domésticas, era inimaginável. obrigatórios” (art. 4.º do diploma legal). Até então, o tra-
Contudo, destaca-se que a Lei Eloy Chaves possui ele- balho doméstico era disciplinado pelo Código Civil de 1916,
vada importância em matéria previdenciária na medida que na parte referente a locação de serviços domésticos (arts.
abriu margem para que houvesse uma maior atuação do Es- 1.216-1.236).
tado nas relações trabalhistas, estabelecendo as bases legais Contudo, mesmo com a regulação do trabalho domé-
e conceituais do que viria a ser, futuramente, a Previdência stico, apenas eram garantidos às trabalhadoras e trabal-
Social no país.[657] Assim, categorias sociais passaram a ser hadores domésticos a anotação do contrato de trabalho e as
reconhecidas, para além da existência individual das trabal- férias de 20 dias.
hadoras e trabalhadores, abrindo espaço, portanto, à possi- Com a Constituição Federal de 1988, estabeleceu-se o
bilidade de regulamentação das prossões e garantia do ex- sistema de Seguridade Social, de modo que o Estado pas-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

sou a atuar simultaneamente nas áreas da saúde, assistência ade, dos 684 mil novos postos de trabalho (à época), 87,1%
social e previdência social. Em seguida, foram publicadas as entraram no mercado pela via informal.[660] “Em 2018, en-
leis n.º 8.212/91 e 8.213/91, que disciplinaram o custeio e quanto 34,6% das pessoas ocupadas de cor ou raça branca
os benefícios da Previdência Social. No entanto, apesar da estavam em ocupações informais, entre as de cor ou raça
pretensão de universalização da proteção social, as trabal-
hadoras e trabalhadores domésticos permaneceram impedi- preta ou parda esse percentual atingiu 47,3%”.[661] No toc-
dos de acessar algumas prestações, a exemplo do acidente de ante a categoria das trabalhadoras domésticas, o IPEA em
trabalho, o salário-família e o seguro-desemprego.[659] parceria com a ONU Mulheres, divulgou recente documento
Conforme já exposto, é somente a partir de 2013, “Vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas no contexto
com a edição da Emenda Constitucional n.º 72, que há a da pandemia de COVID-19 no Brasil”, indicando que estas
extensão dos direitos previstos no art. 7.º da Constituição representam, cerca de 6 milhões de mulheres no Brasil, cor-
Federal às trabalhadoras e trabalhadores domésticos. Até respondendo quase 15% das trabalhadoras ocupadas (10%
então, apesar da longa trajetória histórica de diferenciação das brancas e 18,6% das negras).[662]
pelas ocupações na repartição de direitos sociais, o trabalho Nesse sentido, o exame a respeito das relações de raça
doméstico foi negligenciado e à estas trabalhadoras e tra- e gênero estabelecidas desde o Brasil Colônia torna-se peça
balhadores não foi garantido o mesmo status de proteção chave para que se compreenda por quais razões o Estado
jurídica que obtinham os demais empregados. permaneceu inerte por tanto tempo em relação às políticas
Nesse sentido, observa-se que durante muito tempo trabalhistas e previdenciárias às trabalhadoras domésticas.
perdurou um completo vazio normativo em relação a esta Isso porque as relações assimétricas de raça e gênero estão
categoria proŁssional, de modo que as condições de saúde e intimamente ligadas às divisões racial e sexual do trabalho.
segurança destas empregadas e empregados foram comple- A partir da herança colonial, o espaço da casa tornou-se
tamente ignoradas pelo Estado e pela sociedade. As conse- o lugar do trabalho reprodutivo das mulheres, observando
quências da marginalização e desproteção desta categoria a hierarquia racial entre sinhás e escravas. A consequência
proŁssional perpetuadas historicamente são evidentes e desta herança é a reprodução da condição de invisibilidade
serão mais bem detalhadas no tópico a seguir. e desvalorização da atividade prossional das trabalhadoras
Nessas condições, para entender as razões que le- domésticas, reetidas na completa ausência de proteção tra-
varam o tratamento evidentemente desigual da categoria balhista e previdenciária delineada nos tópicos anteriores.
das trabalhadoras domésticas pelo Estado e pela sociedade Se, por um lado, dentro do espaço da convivência
é necessário questionar quem são estas trabalhadoras e tra- familiar a relação patroa/trabalhadora doméstica reproduz
balhadores a quem a lei e o Direito não alcançam. a relação de classe, ela também não rompe com as antigas
relações raciais do ambiente doméstico, mantendo a mu-
TRABALHADORAS DOMÉSTICAS: A NECESSIDADE
lher branca na posição de patroa e a mulher negra na
DE UM OLHAR INTERSECCIONAL ENTRE RAÇA, CLASSE E
condição de empregada. Os dados apontam que as mul-
GÊNERO
heres brancas e negras respondem de forma distinta à re-
De acordo com a pesquisa divulga pelo IBGE em 2019, sponsabilidade doméstica socialmente atribuída. Enquanto
41,4% da população ocupada encontrava-se na informalid-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

as mulheres brancas de classe média-alta transferem estas cial, aparece separada das demais prossões assalariadas.
responsabilidades para outras mulheres em troca de salário Essa particularidade, muitas vezes, é justicada através
– e, assim, abrem a possibilidade de sua inserção no mercado da situação de excepcionalidade que envolve a atividade
de trabalho produtivo –, as mulheres negras convivem com a doméstica, uma vez que é exercida no âmbito de domicílios
exploração de sua força e tempo de trabalho na realização da privados e em relação direta com os empregadores, pessoas
dupla jornada.[663] físicas.
Marco Aurélio Serau Jr., mestre e doutor em Direitos Por consequência, tem-se a completa ausência de
Humanos e professor de Direito do Trabalho e Previden- reconhecimento do caráter prossional desta atividade. Ex-
ciário, pontua ainda que vastos setores da sociedade estão emplo da continuidade deste tipo de exploração - essen-
fora da hierarquia do emprego formal e monetarizado. Não cial para que os trabalhos produtivos sejam exercidos - é
somente aqueles que ocupam o trabalho informal ou pre- o decreto de lockdown do estado do Pará, publicado no dia
carizado, mas também as mulheres que exercem o trabalho 5.5.2020. O documento jurídico indica o trabalho domé-
doméstico, cuja remuneração é sobretudo não-pecuniária, stico como um dos 59 setores essenciais. O estado do Pará
realizada através do capital humano, real social e cultural, foi o único a incluir o trabalho doméstico no rol dos setores
demonstrando a inadequação de um sistema previdenciário considerados serviços essenciais durante a determinação do
pautado exclusivamente na acumulação de reservas.[664] lockdown.
A experiência das mulheres na atividade doméstica O prefeito de Belém, Zenaldo Coutinho, defendeu o
do Estado Democrático de Direito é, portanto, marcada por decreto em suas redes sociais argumentando que “uma mé-
interdições autoritárias intimamente legado ao trabalho es- dica ou médico, por exemplo, precisa de alguém que ajude
cravo. À margem dos avanços históricos dos direitos soci- em casa”.[666] Quando o prefeito fala em “ajuda”, acaba tam-
ais, essas mulheres experimentam o paradoxo daquilo que bém por demonstrar a completa descaracterização do tra-
o lósofo Achille Mbembe caracteriza como democracia de balho doméstico como serviço prossional que permeia o
escravos – um espaço onde coexistem duas ordens: imaginário social.
O trabalho ocupado em sua grande maioria por mul-
Uma comunidade de semelhantes, regida teorica-
mente pela lei da igualdade; e uma categoria de não- heres negras, a quem é relegado o cuidado e a desproteção
semelhantes, também ela instituída por lei, baseada dos direitos, tem sido cada vez mais apontado como a base
no preconceito de raça, em que estes à priori não têm estrutural para toda a cadeia de produção e reprodução
qualquer direito a ter direitos (MBEMBE, 2017, p.
da sociedade capitalista. O questionamento que deixamos
33-34). “Como ascendente da democracia, o mundo
colonial não era a antítese da ordem democrática” e aqui é: empregos domésticos: serviços “essenciais” ou neces-
“não é exterior à democracia”. “Sempre foi seu duplo sidades “coloniais”?[667]
ou, até a sua face nocturna. Não há democracia sem
seu duplo – a colônia” (MBEMBE, 2017, p. 49).[665] CONSIDERAÇÕES FINAIS
Do exposto, verica-se a importância de, ao examinar
A inserção particular do trabalho doméstico na to-
a efetivação dos direitos sociais, compreender a natureza
talidade das ocupações é sintomática. Esta categoria,
fundante da previdência social, que nasce de uma estrutura
tanto normativamente, quanto no próprio imaginário so-
fundamentalmente desigual, conituosa, excludente e incl-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

inada a privilegiar determinadas categorias da sociedade, Ao longo deste trabalho, nos esforçamos, junto a
reproduzindo as relações de distribuição de poder já exist- outras tantas mulheres, professoras e pesquisadoras que vi-
entes. eram antes de nós, a trazer debates sobre as intersecções
Deste modo, na medida que a Previdência Social e seus entre o trabalho doméstico, sua herança escravocrata, as
benefícios são produtos de intensa luta e disputa política, relações intrínsecas entre classe, raça e gênero. A pesquisa
a política da Seguridade Social representou uma das prin- se deu no âmbito de estudo das pesquisas jurídicas críticas,
cipais conquistas dos movimentos sociais que atuaram no defendendo a hipótese de que o próprio Direito se conŁgura
processo pela redemocratização no Brasil. A atuação das como instituto que legitima e perpetua as desigualdades
trabalhadoras domésticas na Assembleia Nacional Constitu- sociais aqui expostas. A desproteção trabalhista e previ-
inte de 1988, nesse sentido, representa a luta e a resistência denciária, respaldadas pela legislação, representam, em ver-
da classe trabalhadora. dade, que a abolição não foi concluída no Brasil.
Contudo, ainda que seja perceptível um avanço – mor- Deste modo, se o objetivo do Estado Democrático de
mente no campo normativo – no que se refere aos direitos Direito for realmente proteger e assegurar garantias funda-
sociais, verica-se que tais garantias não foram sucientes mentais a todas e todos, este deve ser capaz de garantir
para equiparar o status de proteção social das trabalhadoras ampla proteção jurídica, capaz de dar respostas à precar-
domésticas ao das demais trabalhadoras, representando um iedade da integração das trabalhadoras domésticas à Pre-
desao a uma categoria social especíca – a de mulheres vidência Social.
negras. Nesse sentido, defende-se a impossibilidade ao se
falar em avanço nos direitos sociais e na universalidade da
Previdência Social, quando na verdade, grande parcela da so-
ciedade permanece sem acesso às condições básicas de so-
brevivência e proteção social.
Nessa perspectiva, compreende-se a necessidade de
atenção particular ao trabalho doméstico, uma vez que ele
representa um microuniverso onde as dominações de raça,
gênero e classe se reproduzem. Nesse sentido, a dignidade
como padrão socialmente construído e relacionado ao tra-
balho remunerado, formal e em tempo integral permanece
sendo branca e masculina.[668]
Nessas condições, a inexistência de políticas públicas
especícas às trabalhadoras domésticas, bem como a agenda
política e econômica neoliberal de reestruturação do cap-
ital, privilegiando a exibilização dos direitos sociais e
a precarização das condições de trabalho, representando
fortes obstáculos à pretensão de implementação de gar-
antias a todas e todos.

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PANDEMIA E MULHERES

Com o avanço dos movimentos sociais políticos,


desde o início do último século a sociedade tem re-
FLEXIBILIZAÇÃO DA QUARENTENA: OS inventando conceitos que, por milênios, foram manti-
REFLEXOS DA ECONOMIA CAPITALISTA dos imutáveis. Dentre tantos conceitos ressignicados,
NA MATERNIDADE SOLO está a família, instituição de relevância primacial para o
desenvolvimento social de um indivíduo, que busca desim-
Laura Marconi Bastos[669]
Maria Luiza Prestes Magatti[670] pedir-se dos dogmas patriarcais e religiosos que lhe vêm
sendo impostos.
Os avanços sociais consequentes do movimento Tais dogmas encontram chance de perpetuação en-
político feminista e do desenvolvimento econômico quanto impelidos sobre núcleos familiares em observância
trouxeram inovações no desenvolvimento dos núcleos fa- ao entendimento de Friedrich Engels sobre a importância
miliares e forçaram o Estado ao seu reconhecimento. De da família para toda a estrutura da sociedade, no sentido
forma generalizada, o acesso feminino ao mercado de tra- em que a família é um produto do sistema social e ree-
balho, a independência nanceira e a politização das mu- tirá o estado de cultura desse sistema[671]. Entretanto, nota-
lheres nas últimas décadas provocaram uma crescente no se seu enfraquecimento através das décadas a partir da crise
número de divórcios e de famílias monoparentais – forma- econômica resultante da Grande Depressão e, posterior-
das, majoritariamente, por mulheres e suas crianças. mente, da Segunda Guerra Mundial, responsáveis pelo início
A égide constitucional a este modelo de família se do emprego da mão de obra feminina[672], em consonância
mostra insuciente para a proteção dos direitos das mães com a atuação política do movimento feminista de segunda
e das crianças no sentido em que pesquisas realizadas por onda entabulado na década de 60, promovendo o fenômeno
órgãos nacionais e internacionais demonstrarão a vulner- do estipêndio feminino que desconstruiu cenários de de-
abilidade das mulheres no trabalho informal, no rendi- pendência nanceira integral intocáveis, até então.
mento inferior ao masculino e no suporte estatal para os No sentido do ingresso feminino no mercado de tra-
casos nos quais se comprove a impossibilidade de materna balho, permitiu-se que mulheres, a partir de conjunturas
de promover todo o necessário para o digno desenvolvim- de divórcio ou viuvez, pudessem se responsabilizar in-
ento de sua prole. Ocorre que este cenário se agrava em con- dividualmente por suas famílias. A consequência natural
textos tais quais o de pandemia enfrentado em 2020. dessa nova possibilidade foi o desenvolvimento da ideia
Para o desenvolvimento deste estudo, sob o método feminina de emancipação de relações “dominante-domin-
histórico-dialético, será utilizada pesquisa bibliográca ado”[673] e a busca por reconhecimento pessoal e proteção de
realizada com publicações cientícas das áreas da Sociolo- sua prole desencerrando-se dos contextos de autoridade e
gia e do Direito, além de ensaios escritos por teóricas da coação masculina nos quais foram anteriormente inseridos.
segunda onda feminista e revisão de dados estatísticos que Assim, dentre os diversos núcleos familiares que passaram a
apresentarão resultados referentes à maternidade solo bra- se desenvolver para além dos moldes patriarcais nas últimas
sileira sob viés econômico e jurídico. décadas, surgiu a família monoparental – composta por as-
cendente e descendente, sem o marco do matrimônio.
1. O DESENVOLVIMENTO DA MATERNIDADE SOLO A crescente envolvendo famílias monoparentais com-

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postas por mães e seus lhos é parte importante de um do aspecto nanceiro – que deixam de ser agasalhados por
processo social de dessacralização da família[674] que per- pesquisas quantitativas referentes à formação dos novos ar-
mite o reconhecimento de mulheres em posição de lider- ranjos familiares no país e, ainda que a sociedade e a legis-
ança dentro de seus núcleos familiares a partir da ruptura lação tenham avançado rumo à igualdade de direitos entre
dos ideais judaico-cristãos[675] de submissão feminina e ser- homens e mulheres, faz-se notar que a criação de crianças e
vidão familiar. Paralelamente, esse processo que combate adolescentes desempenhada exclusivamente por mulheres
a inuência religiosa se associa, ainda, com o que Rolf é apreciada, enquanto fenômeno social, de forma negativa.
Madaleno [676] chama de proletarização das famílias, conceito
que se desenha na perspectiva da Revolução Industrial e do 1.1 A PROTEÇÃO JURÍDICA DAS MÃES SOLO NO
êxodo rural que concebeu a oportunidade (e, em muitos BRASIL
casos, a necessidade) de que cada um dos membros de uma Demonstra-se que para o Estado há o limítrofe en-
família tivesse sua força de trabalho aproveitada pelo sis- tendimento de que famílias monoparentais originam-se
tema de produção vigente. comumente de rupturas em famílias biparentais[679], des-
No Brasil, o fenômeno das famílias monoparentais em considerando as possibilidades previamente programadas
constante aumento tem sido investigado por pesquisadores de mulheres que decidiram criar seus lhos sozinhas. Nesse
de diversas áreas, interessados em compreender suas ori- sentido, os dispositivos legais que atuam em auxílio de
gens e seus funcionamentos. Dados recolhidos em 2015 após famílias monoparentais concernem a ações de alimentos
atividades da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – com o escopo de compelir ambos os genitores, ainda
(PNAD) apontaram que 15,3% de todas as formações fa- que separados e constituintes de núcleos familiares diver-
miliares brasileiras é composto por mães solo (solteiras, sos, a contribuir materialmente de forma equilibrada para a
separadas ou viúvas) com seus lhos[677] e, especicamente criação da prole[680].
na região metropolitana de São Paulo, território brasileiro Apesar da teórica ecácia das ações alimentícias,
com mais alta frequência de atividades prossionais, o per- dados indicam que, no período de janeiro a outubro de
centual de famílias cheadas por mulheres alcança 39%, 2017, 19.715 homens foram presos por dívida de alimentos
mas apenas um quarto desse número é tangente a famílias no Estado de São Paulo [681], constituindo uma média de 65
compostas, também, por um homem (cujo honorário não é prisões diárias. Cumpre salientar que nos contextos fáticos
fonte de subsistência do núcleo). As análises da Fundação envolvendo dívidas de caráter alimentar não há qualquer re-
SEADE, que se responsabiliza pelo percentual supramen- spaldo do Estado para a promoção da subsistência de crian-
cionado, também indicam que é, em média, 30% mais baixo ças e adolescentes que deveriam ter seu desenvolvimento
o rendimento dessas famílias dependentes de exercício ocu- estimulado materialmente por ambos os genitores, mas,
pacional feminino.[678] por negligência paterna, tornam-se dependentes exclusiva-
O que se compreende deste cenário é que a crescente mente dos rendimentos da mãe.
no surgimento de famílias parentais brasileiras relaciona- Para além dos conitos envolvendo ambos os geni-
se profundamente com a trajetória trabalhista das mulheres tores de uma criança, há a lide relacionada à famílias
e sua independência nanceira. Todavia, a maternidade monoparentais constituídas por mães e lhos em situação
solo contempla uma série de pormenores – dentro e fora de abandono paterno absoluto: segundo a cartilha Pai Pre-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

sente, elaborada e divulgada a partir de um estudo realizado merecedoras de um “nal feliz”.[684]


pelo Conselho Nacional de Justiça, 5.494.267 estudantes Compartilhando da mesma percepção crítica,
não possuem o nome do pai na certidão de nascimento [682]. Shulamith Firestone[685] teceu apontamentos marcantes do
Logo, conclui-se que as diversas circunstâncias presentes na feminismo radical a respeito da maternidade. A autora
difusão de famílias monoparentais femininas no Brasil justi- compreende que crianças compõem uma classe vulnerável,
cam tratamento diferenciado em razão da vulnerabilidade assim como as mulheres e que a ascensão de núcleos fa-
política, cultural e socioeconômica ao manifestarem ne- miliares modernos, primacialmente os monoparentais, es-
cessidades impossíveis de serem supridas pela participação treitou e reforçou laços entre dois grupos social e econom-
paterna, demandando atuação estatal e proteção jurídica icamente frágeis. A partir deste estreitamento, a teórica
ainda inexistente. conclui que a maternidade solo se transforma em uma es-
pécie de escravidão ampliada a cada grau de dependência
2. O EXERCÍCIO DA MATERNIDADE SOLO SOB A PER- infantil, de forma que as opressões sofridas pelas mulheres
SPECTIVA FEMINISTA reforçam as opressões sofridas pelas crianças em situação de
A manutenção do ensejo de discriminação contra mu- reciprocidade.
lheres que criam seus lhos sozinha se refere à percepção As reexões críticas do feminismo radical, conforme
patriarcal de que o homem é necessário para a sobrevivência se observa, concluem que a demonstração sociais e mer-
feminina e da prole, desempenhando a função de provedor cadológicas de acesso à independência nanceira feminina
do lar enquanto sua parceira se incumbe das tarefas domé- através de exploração de sua força de trabalho não ofere-
sticas. De acordo com Rolf Madaleno [683], não se trata de cem quaisquer meios para sua libertação dentro da materni-
uma mera divisão das atividades entre o casal, mas da per- dade, pois, ainda que o exercício de suas funções maternas
petuação da servidão feminina em relações de afeto que se seja valioso para a manutenção do sistema vigente, há irre-
tornam hierárquicas e constroem conjunturas nas quais se mediáveis consequências culturais.
demanda, coletivamente, que a mulher se torne mãe para o
bom desenvolvimento de sua família e desempenhe o papel 2.1 O MERCADO DE TRABALHO E A FEMINIZAÇÃO
materno de forma prioritária, renunciando à seus interesses DA POBREZA
e projetos pessoais – incluindo carreira prossional – em Ante a inteligência de que mulheres, assim como
nome do que se compreende como “amor incondicional”. crianças, compõem um grupo vulnerável na sociedade,
Nesse ínterim, Andrea Dworkin, ao avaliar as inuên- deve-se buscar compreender que tal vulnerabilidade não
cias da literatura infantil na criação de meninas e na pro- se apresenta uniformemente com a hipossuciência. Res-
moção da cultura de uma sociedade, pontua que a dicoto- peitando os diversos contextos fáticos de ampliação das
mia entre mulheres boas e mulheres más nos contos de fadas famílias monoparentais brasileiras, entende-se que a po-
provoca o raciocínio de que à mulher considerada boa para a breza não é intrínseca aos conjuntos familiares compostos
sociedade reservam-se características consequentes da pas- exclusivamente por mães e seus lhos, enquanto, conforme
sividade e da submissão matrimonial, enquanto ambição, Madaleno, a vulnerabilidade é inerente à existência de um
vaidade e intenções minimamente sutis de se igualar a um indivíduo [686].
homem em autonomia são traços de mulheres más, não são Todavia, a aparente conexão entre a crise econômica

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

e o aumento do percentual de famílias monoparentais fem-


ininas na década de 1980 fez crescer o debate sobre chea 3. A REALIDADE MATERNA NO CONTEXTO
feminina de famílias e a feminização da pobreza, já que as PANDÊMICO
mulheres com lhos e sem cônjuge eram “as mais pobres No atual cenário, que repentinamente recongura a
entre os pobres”[687]. Conforme estudo de Lize Borges, ainda dinâmica comercial e do mercado de trabalho, permanece
que diferenciação de salários entre homens e mulheres seja em evidência a vulnerabilidade das mulheres frente à logís-
vedada pela legislação vigente, a discrepância de salários tica do sistema capitalista e da sociedade enquanto esfera
pode alcançar o patamar de 53% - e, antes mesmo da con- coletiva, bem como a invisibilidade da maternidade no
quista do salário, mulheres com lhos tendem a ser preju- Brasil. Diante da retomada de atividades laborais presenci-
dicadas na contratação [688]. Nesse mesmo sentido, pesquisa ais, enquanto escolas seguem fechadas, boa parte das mães
realizada pela FGV concluiu que “há uma queda no emp- enfrenta o dilema entre a possibilidade de demissão, em
rego das mães ao m da licença-maternidade e, depois de 24 função dos cuidados aos lhos, e o compromisso com o
meses, metade delas saem do mercado”, considerando que, trabalho [693] – podendo acarretar no abandono das crianças
de acordo com o estudo, a maior parte tem o vínculo empre- e infração de dispositivos legais previstos no Estatuto da
gatício rompido por iniciativa do empregador[689]. Criança e do Adolescente. A sociedade, por sua vez, endossa
Cumpre salientar que as demissões não se relacionam o discurso de que as atividades econômicas devem voltar ao
com falta de aptidão para realizar as atividades, haja vista ritmo em que se encontravam antes da chegada do vírus ao
para o fato de que é de 31% a queda de empregos após Brasil, ignorando evidências de atraso feminino diante das
doze meses de maternidade[690] para mulheres de alto nível novas congurações, como aponta a professora Sandra Maria
de escolaridade e, de forma ainda mais discriminatória, mu- da Silva[694].
lheres negras com ensino superior têm rendimento 46% Nesse sentido, a dúvida entre manter-se no emprego e
mais baixo que de homens brancos[691] – a vulnerabilidade fornecer os devidos cuidados aos lhos sem respaldo estatal
irrefutável deste grupo especíco é reconhecida, ainda, nos impõe às mães solo a dura realidade discriminatória, sus-
dados que apontam que 59% das mulheres brasileiras exer- tentada há décadas pelos mesmos moldes, destarte, eluci-
cendo maternidade solo são negras[692]. dada por Simone de Beauvoir:
Note-se que o debate sobre incentivos e impedimen- A mulher casada é autorizada a viver a expensas do
tos para o ingresso de mulheres ao mercado de trabalho marido; demais, adquire uma dignidade social muito
é complexo e ultrapassa instrumentos jurídicos que proí- superior à da celibatária. Os costumes estão longe de
bam qualquer tipo de discriminação na seara trabalhista. outorgar a esta possibilidades sexuais idênticas às do
homem celibatário; a maternidade, em particular, é-
Todavia, demonstra-se imprescindível que o Estado, ao bus- lhe, por assim dizer, proibida, sendo a mãe solteira
car políticas públicas de combate à pobreza, compreenda objeto de escândalo.[695]
que a avaliação das famílias monoparentais cheadas por
mulheres deverá ser feita de maneira especíca, consider- Ante a desonra socio-culturalmente atribuída à mon-
ando as percepções sociais pejorativas sobre a maternidade oparentalidade feminina, que incide inevitavelmente sobre
solo. o mercado – através de oportunidades empregatícias que
rejeitam a maternidade[696] –, muitas mulheres acabam

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

recorrendo ao trabalho informal, como retratado pela Or- Entretanto, há muito a ser feito quanto à extensão da pro-
ganização Internacional do Trabalho [697], sendo 58% trabal- teção econômica e estatal das mulheres e na visibilidade das
hadoras informais e, em países africanos e latinoamericanos mães solo que exercem atividades laborais, uma vez que o
em desenvolvimento, 92%. Continuamente, no contexto mercado de trabalho ainda não permite uma adaptação ad-
pandêmico do Brasil, o comprometimento da subsistên- equada.
cia recai majoritariamente sobre trabalhadores informais,
dando margem, por exemplo, à submissão de trabalhadoras 3.1 APLICAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS DE AMP-
domésticas aos serviços presenciais e à maior vulnerabili- ARO À MÃES SOLO
dade econômica e sanitária. Destaca-se, por meio de um documento publicado
Ainda de acordo com dados da OIT, mulheres in- pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
seridas no mercado informal trabalham por menos de vinte Econômico, que é possível observar políticas de subsídio
horas semanais, aumentando os riscos de precarização do aos trabalhadores informais implantadas em países em
próprio trabalho, com baixos ganhos e sobrecarga funcional. desenvolvimento, que englobam a formalização de emp-
Isso se dá majoritariamente em prol do equilíbrio, entre ren- reendimentos atrelada ao acesso à proteção social do Es-
dimento nanceiro e cuidado adequado dos lhos, almejado tado, a ampliação da cobertura estatal a trabalhadores antes
por mulheres em exercício solitário da maternidade dentro não amparados, contribuições aos que obtêm rendimentos
do sistema capitalista que se apropria delas, explorando-as muito baixos e adaptação de procedimentos administrat-
em sua força de trabalho sem prestar-lhes qualquer suporte ivos e benefícios, a Łm de atender diretamente às necessi-
familiar – nesse sentido, o trabalho doméstico realizado dades do trabalhador informal. Trata, inclusive, de amparo
por mulheres que conciliam suas horas diárias de atividade educacional aos Łlhos desses trabalhadores, priorizando o
dentro e fora de casa é uma peça crucial no processo de re- bem-estar social sem deslocar para segundo plano a movim-
produção do trabalho excedente, no qual a mais valia é ex- entação da economia ou os direitos individuais.
traída, conforme denição de Marx: Similarmente, na tentativa de obter um estado de
bem-estar social, o governo brasileiro oportuniza atual-
O segundo período do processo de trabalho, quando mente parcelas de auxílio emergencial para trabalhadores
o trabalhador opera além doslimites do trabalho
necessário, embora constitua trabalho, dispêndio de informais e o dobro da quantia dessas parcelas para mães re-
força detrabalho, não representa para ele nenhum sponsáveis pelo sustento doméstico. Todavia, usualmente,
valor. Gera a mais-valia, que tem, para ocapitalista, várias mães solo tiveram seu benefício negado em razão do
o encanto de uma criação que surgiu do nada. A essa uso do número de CPF dos Łlhos pelos ex-companheiros no
parte do dia detrabalho chamo de tempo de trabalho
excedente, e ao trabalho nela despendido, detrabalho cadastro de obtenção do dinheiro [699], deixando-as, juntam-
excedente.[698] ente de seus Łlhos, materialmente desamparadas. A facili-
dade com a qual os ex-companheiros obtiveram acesso ao
Igualmente, identicar riscos associados ao gênero
benefício denota a falta de instrumentos disponibilizados
é imprescindível na tarefa de garantia de direitos, bem
pelo Estado em prol da certiŁcação e garantia dos direitos
como o reconhecimento do papel das mulheres enquanto
das mães e das crianças ao suporte Łnanceiro. Novamente,
provedoras, ao invés de reduzi-las ao rótulo de cuidadoras.
observa-se a lacuna estrutural entre a realidade e as medidas

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

que são adotadas em uma aparente oportunidade de con- tam a vulnerabilidade infantil no impedimento ao acesso de
quista estendida às mulheres. entidades que possam auxiliar mães no cuidado e na edu-
Destarte, a realidade na presença de um cenário de cação diárias.
extrema fragilidade é, ainda, ligada à precarização e de- O debate dessa compreensão encontrou agravamento
limitação dos espaços femininos – seja no campo social ou no contexto pandêmico provocado pelo novo coronavírus.
econômico, no âmbito de políticas governamentais. Des- Percebeu-se que a situação da mãe solo, em contextos
creve Heleieth Saoti [700] que a sociedade é quem seleciona de vínculo empregatício formal e de exercício de ativi-
os campos de atuação de uma mulher, responsabilizando-a, dade ocupacional informal, é de desamparo junto ao Poder
inclusive, pela reparação de gerações mais jovens para a vida Judiciário e ao Estado. Nada obstante, os estudos compro-
adulta. Infelizmente, ainda que mulheres exerçam ativi- varam que a crise sanitária, que teve como consequência
dades alheias ao lar, as obrigações a ele atreladas persistem uma crise econômica, promoveu notável atraso na movim-
em atar conquistas femininas a um constante ciclo, carente entação social rumo à igualdade de gênero na conjuntura
da almejada emancipação coletiva. capitalista que se interesse em explorar a força de tra-
balho feminina, mas despreza suas necessidades familiares
CONSIDERAÇÕES FINAIS e o abandono masculino que prejudica, inclusive material-
Este artigo teve como objetivo analisar a relação entre mente, o desenvolvimento de crianças.
o exercício da maternidade solo e retomada econômica
na fase de exibilização da quarentena durante o contexto
pandêmico. Primacialmente, notou-se que, apesar dos avan-
ços sociais, a mulher continuou sendo lida pela sociedade
como o indivíduo responsável pelo desempenho das ativi-
dades de cuidado familiar e subserviência, de forma que
sua busca por emancipação nanceira e afetiva através do
desenvolvimento de famílias monoparentais cheadas por
ela alcançou proteção constitucional, mas não superou a
discriminação social.
Paralelamente demonstrou-se que a ausência de dis-
positivos legais infraconstitucionais referentes à égide
dos direitos dos componentes desses núcleos familiares
tem provocado desamparado estatal. Nesse sentido, com-
preendeu-se a urgência de políticas públicas que promovam
o empoderamento feminino através de reais oportunidades
de ingresso e estabilidade no mercado de trabalho uníssonas
à proteção e digno desenvolvimento da prole, tendo em
vista que famílias monoparentais femininas comprovada-
mente compõem a camada mais pobre de um país e enfren-

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PANDEMIA E MULHERES

Humanos, a importância da abordagem de gênero feita na


Conferência de Pequim em 1995 e serão apontadas possibili-
A CONFERÊNCIA DE PEQUIM E A PROTEÇÃO DAS dades de uso das normas internacionais como meio de amp-
MULHERES DURANTE A PANDEMIA DA COVID-19 aro às mulheres na pandemia.
Luma Cavaleiro de Macêdo Sca[701]
A PROTEÇÃO DA MULHER NO DIREITO INTER-
Laura Souza Lima e Brito[702]
Luiza Nobre Maziviero[703] NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948
É com satisfação que participamos da obra “A representou para a humanidade importante passo em busca
Pandemia e as Mulheres” coordenada pela Professora Ez- do respeito da dignidade humana de todas as pessoas, sem
ilda Melo, tema sensível e importante diante das constantes distinção de raça, classe, religião, gênero, idade ou qualquer
modicações no cenário pandêmico atual. A pandemia da condição. Conforme Piovesan[704], a concepção contem-
Covid-19 escancarou a desigualdade entre os gêneros como porânea de direitos humanos trazida pela Declaração de
uma diferença de poder dentro das sociedades, lembrando a 1948, e reiterada pela Declaração de Direitos Humanos de
todos que homens e mulheres não são iguais não por origens Viena de 1993, é marcada pela universalidade, pois basta
biológicas, mas pelo lugar têm permissão para ocupar. Tra- ser pessoa para ser titular de direitos, e pela indivisibili-
dicionalmente, foi reservado ao homem o espaço público dade, pois os direitos civis e políticos são interrelacionados
– a participação na vida política, o trabalho, a renda – e e interdependentes aos direitos sociais, econômicos e cul-
à mulher o ambiente privado – o cuidado com a família, turais.
com os mais velhos, a reprodução da força de trabalho. Os Apesar de a Declaração de 1948 apresentar texto
movimentos feministas reivindicaram a chave de casa, de genérico, destinado a alcançar todas as pessoas, trouxe con-
maneira que a mulher também pudesse ocupar lugares fora cepção de igualdade que pode ser dividida em três vert-
do ambiente doméstico. Ao trazer todos para dentro de casa, entes[705]: a igualdade formal, a igualdade material refer-
a pandemia da Covid-19 evidenciou a desigualdade de poder ente à justiça social e distributiva, e a igualdade material
que ainda marca a diferença de gênero no mundo, por meio, referente ao reconhecimento de identidades. Por isso, foi
principalmente, da violência doméstica e da sobrecarga de apreendida pela comunidade internacional a necessidade de
trabalho. especiŁcação dos direitos determinados pelo documento,
Diante disso, sob a perspectiva dos direitos humanos, para que sejam cada vez mais articulados e efetivamente gar-
vale perguntar o que o Direito Internacional dos Dir- antidos[706].
eitos Humanos, especialmente a Conferência de Pequim, Nessa senda, ocorreu em 1979 a Convenção sobre a
pode orientar quanto a proteção das mulheres durante a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a
pandemia da Covid-19. As mulheres possuem proteção no Mulher, fundamentada na dupla obrigação de eliminar a dis-
âmbito internacional que possa ampará-las neste momento criminação e assegurar a igualdade entre os sexos[707]. Em
de super vulnerabilidade? seu artigo 1º apresenta a deŁnição jurídica da discriminação
Para tanto, serão analisados os principais documentos contra a mulher, que seria toda distinção, exclusão ou re-
da proteção da mulher no Direito Internacional dos Direitos strição baseada no sexo e que tenha por objeto ou resultado

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

prejudicar ou anular o reconhecimento, gozo ou exercício cial. Refere-se também à possibilidade de acessar políticas
pela mulher, independentemente de seu estado civil. públicas e serviços que viabilizem, além do salário formal,
Importante ressaltar que a Convenção de 1979 é uma o acesso à educação, à formação continuada e à capacitação
das mais aderidas pelos Estados-membros das Nações Un- para o mundo do trabalho. Portanto, a autonomia econôm-
idas, mas também é a que mais recebeu reservas[708] por parte ica vai além da meramente nanceira, pois o salário não é a
dos Estados signatários, justicadas com base em argumen- nossa única fonte de independência[711].
tos religiosos, culturais e legais[709]. Portanto, o tratado não
pode ser aplicado integralmente para diversos Estados sig- AS CONTRIBUIÇÕES DA CONFERÊNCIA DE PEQUIM
natários, o que reforça a discriminação da mulher pelo pró- PARA O TEMA DE GÊNERO
prio Estado. Segundo Dauer[712], ativistas dos direitos das mulheres
Quanto à violência contra a mulher, merecem ser e advogadas e advogados internacionais feministas pas-
mencionadas a Declaração sobre a Eliminação da Violência saram a escrutinizar o regime de direito internacional dos
contra a Mulher, das Nações Unidas, que ocorreu em 1993, e direitos humanos utilizando a ótica de gênero, armando
a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar que as normas de Direitos Humanos (Human Rights Law)
a Violência conta a Mulher, também conhecida como “Con- ignoravam os abusos sofridos pelas mulheres por agentes
venção de Belém do Pará”, de 1994, que reconhecem que a privados no âmbito doméstico e familiar, assumindo que es-
violência de gênero contra a mulher, seja no âmbito público, tavam seguras, protegidas pelo chefe da família.
seja no âmbito privado, constitui grave violação aos direitos Conforme Simone de Beauvoir[713], o homem historica-
humanos, que são interdependentes e interrelacionados. mente se convence de que não existe mais hierarquia social
No tocante ao reconhecimento dos direitos sexuais entre os sexos, mas que as diferenças – ou inferioridades – da
e reprodutivos das mulheres como direitos humanos, há a mulher são atribuídas à natureza. Logo, a suposta superior-
Conferência do Cairo sobre População e Desenvolvimento, idade do homem em relação à mulher seria algo natural, e
de 1994, e a IV Conferência Mundial sobre a Mulher, em Pe- não uma concepção socialmente construída.
quim, de 1995. Essa última será abordada no próximo capí- Nesse sentido, a IV Conferência Mundial sobre a Mul-
tulo. her, que ocorreu em Pequim em 1995, representou import-
Na construção da rede global de proteção dos direi- ante marco na luta mundial pela igualdade de gêneros ao
tos humanos, a partir do envolvimento entre o público e possibilitar discussões de políticas, programas e legislações
o privado, a igualdade de gênero para empoderar todas as dos governos com recorte de gênero, conhecidas como “gen-
mulheres e as meninas ganha destaque na Agenda 2030 no der mainstreaming”[714], ou “transversalização de gênero”[715].
item de número 05 nos Objetivos do Desenvolvimento do O conceito de gênero utilizado pela Conferência de Pe-
quim é de extrema importância para fomentar as políticas
Milênio [710]. Considerando o monitoramento dessas metas,
de gênero dos Estados, pois como arma Miranda[716], sendo
destaca-se o empoderamento econômico que se dene pela
o resultado de uma perspectiva social, cultural e histórica,
capacidade de uma pessoa gerar renda para si e para aqueles
que levou em conta os papéis socialmente atribuídos às mu-
que dela dependem, como lhos e pais, por meio de seu
lheres em todos os aspectos das relações humanas.
próprio trabalho, em condições dignas e com seguridade so-
A Conferência de Pequim resultou em dois documen-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

tos: a Declaração de Pequim, e a Plataforma de Ação de Pe- ham o controle sobre o seu desenvolvimento, apoiando-a
quim. O primeiro foi o meio pelo qual os Estados deŁniram nesse processo [720]. Ressalta-se o enfoque no empoderamento
quais seriam as principais metas e objetivos para a pro- econômico, que não se trata apenas da participação da mu-
moção da igualdade de gênero, reconhecendo, por exemplo, lher no mercado de trabalho, mas sim uma participação de-
a centralidade dos direitos econômicos e sociais para o al- cente, bem remunerada e com horário łexível e opção de es-
cance da igualdade de gênero [717]. colha de local, levando em consideração todo o trabalho não
Já a Plataforma de Ação de Pequim reconheceu o papel remunerado realizado por elas[721].
das leis discriminatórias, das crenças e costumes no estí- Desde a Conferência de Pequim, em 1995, ocorreram
mulo das desigualdades de gênero, como a violência, o casa- diversas mudanças institucionais, legislativas e jurídicas ao
mento precoce e trabalho não remunerado, ressaltando a redor do mundo, para garantir o desenvolvimento das mu-
necessidade de atuação universal e conjunta para combater lheres e alcançar a igualdade de gênero, e no Brasil não
institutos discriminatórios, a exemplo da violência de gên- foi diferente. No entanto, conforme Viotti [722], permanecem
ero [718]. ainda grandes desaŁos no caminho da igualdade. Por isso,
Nessa Plataforma estão elencadas doze áreas de preo- tanto a Declaração quanto a Plataforma de Ação de Pe-
cupação prioritária, quais sejam: (1) a crescente proporção quim devem ser utilizados como referências para a preser-
de mulheres em situação de pobreza; (2) a desigualdade no vação das conquistas já alcançadas e para a obtenção de
acesso à educação e à capacitação; (3) a desigualdade no novos avanços em prol das mulheres para a igualdade e o
acesso aos serviços de saúde; (4) a violência contra a mulher; desenvolvimento.
(5) os efeitos dos conłitos armados sobre a mulher; (6) a Todavia, como destaca Duran[723], no aniversário de
desigualdade quanto à participação nas estruturas econôm- vinte e cinco anos da Conferência de Pequim, momento
icas, nas atividades produtivas e no acesso a recursos; (7) que serviria de rełexão crítica e revisão das estratégias
a desigualdade em relação à participação da mulher na adotadas pelos Estados para desenvolver as doze áreas de
política e nas instâncias decisórias; (8) a insuŁciência de me- preocupação, o mundo sofre com a pandemia da COVID-19,
canismos institucionais para a promoção do avanço dos dir- que tende a agravar as desigualdades existentes e ampliar as
eitos da mulher; (9) as deŁciências na promoção e proteção vulnerabilidades social, econômica e jurídica de mulheres
dos direitos da mulher; (10) o tratamento estereotipado dos e meninas pelos impactos da crise, podendo até mesmo re-
temas relativos à mulher nos meios de comunicação e a desi- verter os avanços conquistados ao longo desses vinte e cinco
gualdade de acesso a esses meios; (11) a desigualdade de par- anos.
ticipação nas decisões sobre o manejo dos recursos naturais
e a proteção do meio ambiente; (12) a necessidade de pro- A VULNERABILIDADE DAS MULHERES NA
teção e promoção voltadas especiŁcamente para os direitos PANDEMIA E O RECURSO ÀS NORMAS DO DIREITO INTER-
da menina.[719] NACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS
Essas doze áreas giram em torno do conceito de gên- A pandemia causada pela Covid-19 é um fenômeno da
ero, do empoderamento da mulher, e da transversalidade. natureza, no sentido de que não foi criado pelo homem. Sem
Quanto ao empoderamento da mulher, em que governo e so- entrar no debate sobre a relevância do comportamento hu-
ciedade devem criar condições para que as mulheres obten- mano para a dimensão que a pandemia tomou, o que ultra-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

passaria os limites deste trabalho, fato é que o Sars-CoV-2 mal [728].


não é um projeto desenvolvido pela humanidade. Neste Observa-se que o Programa Emergencial de Ma-
sentido, ela é um dado. Contudo, os efeitos que ela causa nutenção do Emprego e da Renda apresenta metas preservar
nas pessoas, sob uma perspectiva do espaço que elas ocupam o emprego e a renda, garantir a continuidade das ativi-
na sociedade, dependem de construções humanas[724] – desi- dades laborais e empresariais, além de reduzir o impacto
gualdades de gênero [725], raça[726] e acesso à riqueza[727]. social decorrente das consequências do estado de calami-
Neste ponto, o reconhecimento da diferença de gên- dade pública e da emergência pública – objetivos esses que
ero como resultado de uma perspectiva social, cultural e esquecem o recorte de gênero aliado à divisão de tarefas
histórica, feito em Pequim em 1995, já é o primeiro passo na estruturação da sociedade e sua relevância para retomar
para a criação de políticas públicas especícas de enfrenta- o desenvolvimento diante da crise. Consequentemente,
mento da pandemia para mulheres. As áreas de preocupação afasta-se da previsão constitucional do art. 7, XX para a pro-
prioritária da Plataforma de Ação de Pequim devem ser dir- teção do mercado de trabalho da mulher, mediante incent-
ecionamentos para a conduta dos Estados nas escolhas a ivos especícos.
serem feitas em termos de mobilização de estrutura e orça- Além disso, o acesso à renda e manutenção das mu-
mento. lheres no mercado de trabalho, prioridades do Direito In-
Interessa notar que a Lei 13.982, de 02 de abril de ternacional dos Direitos Humanos, seria imprescindível que
2020, que estabelece medidas excepcionais de proteção os planos (i) de manutenção dos trabalhadores nos serviços
social a serem adotadas durante o período de enfrentam- essenciais; (ii) de instituição do home oŃce; e (iii) de retorno
ento da emergência de saúde pública de importância in- ao trabalho presencial nos casos em que o trabalho passou a
ternacional decorrente do coronavírus (Covid-19), dá um ser realizado remotamente fossem traçados conjuntamente
passo nesta direção ao reconhecer que a mulher provedora com os planos ligados ao retorno de crianças e adolescentes
de família monoparental deve receber duas cotas do auxílio às instituições de ensino. Como as mulheres são majoritaria-
emergencial. Não se trata de solução nal para o problema, mente responsáveis pelo cuidado das crianças[729], dissociar
mas, sem dúvida, é contraponto para a desigualdade quanto estas questões durante a pandemia é o mesmo que reforçar a
à participação nas estruturas econômicas, nas atividades desigualdade de gênero no acesso ao trabalho e aos recursos
produtivas e no acesso a recursos, como denuncia Plata- nanceiros. Para a mulher, enquanto as crianças não voltam
forma de Ação de Pequim. para as escolas, o trabalho dentro ou fora de casa consiste ne-
Por outro lado, a Medida Provisória nº 936, de 01 cessariamente em uma sobrecarga.
de abril de 2020, convertida na Lei nº 14.020, de 06 de Além disso, a percepção é de que a pandemia agravou
julho, que institui o Programa Emergencial de Manutenção o problema de violência contra a mulher. Os números trazi-
do Emprego e da Renda em razão da emergência de saúde dos pelas pesquisas não podem ser considerados éis, pois
pública de importância internacional decorrente do coron- a falta de acesso à estrutura de justiça durante a emergên-
avírus, perdeu a oportunidade de, na esteira do que recon- cia diminuiu a noticação [730]. As propostas de denúncia por
hece do Direito Internacional dos Direitos Humanos, difer- meio de aplicativos para smartphones [731] e sites [732] não são
enciar os gêneros no programa, para aumentar as chances coerentes com o fato de existe uma desigualdade no acesso à
das mulheres de permanecerem no mercado de trabalho for- educação e à capacitação e que a desigualdade no acesso a re-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

cursos é também uma diculdade de conexão à internet [733]. Mundial sobre a Mulher, que teve lugar em Pequim em 1995,
O Estado brasileiro precisa de um enfrentamento traz referências que devem nortear a resposta à pandemia:
efetivo das agressões no âmbito doméstico em seu terri- (i) o conceito de gênero como resultado de uma perspectiva
tório durante a pandemia, com políticas que admitem ver- social, cultural e histórica, que levou em conta os papéis so-
dadeiramente que a violência de gênero não é um problema cialmente atribuídos às mulheres em todos os aspectos das
da esfera privada, mas uma questão de ordem pública. Caso relações humanas; (ii) o reconhecimento da desigualdade no
não o faça, estará em desacordo com as normas internacion- acesso à educação e à capacitação; (iii) a sabida desigualdade
ais, especialmente a Convenção de Belém do Pará, que tem quanto à participação nas estruturas econômicas, nas ativi-
como nalidade prevenir, punir e erradicar a violência con- dades produtivas e no acesso a recursos; e (iv) a gravidade da
tra a mulher. violência contra a mulher.
Ainda, as questões do trabalho se entrelaçam com o Diante disso, dar cumprimento ao Direito Inter-
problema da violência. Azevedo relata que estudo realizado nacional dos Direitos Humanos é evitar que as políticas con-
no Canadá demonstrou que “à medida que a desigualdade tra a pandemia tenho como alvo um sujeito universal neutro
nos níveis de emprego entre homens e mulheres diminuiu, em termos de gênero, quando as normas internacionais já
a taxa de mortalidade de mulheres por violência doméstica reconhecem, há pelo menos vinte e cinco anos, que a desi-
declinou”[734]. Ou seja, a falta de políticas especícas para a gualdade de gênero não é uma diferença entre sexos.
manutenção da mulher no mercado de trabalho e/ou com A pandemia não faz desaparecerem as obrigações in-
acesso a renda são razão de aumento da violência de gênero. ternacionais – pelo contrário. O desao, vinte e cinco anos
O que se verica é que a pandemia reforça a desi- depois de Pequim, é que a pandemia da Covid-19 não seja um
gualdade de gênero. Contudo, a resposta à pandemia deve retrocesso na defesa dos direitos das mulheres, chamando os
ser dada em conformidade com o Direito Internacional dos Estados a darem respostas que reconheçam a importância
Direitos Humanos que, pelo menos desde a IV Conferência do avanço na igualdade de gênero.
Mundial sobre a Mulher, em Pequim, de 1995, admite que
gênero é construído socialmente e, portanto, sua dispari-
dade política, social e econômica deve ser combatida por
toda a comunidade global.

CONCLUSÃO
A gravidade da pandemia causada pela Covid-19 não
pode ser motivo de esquecimento das obrigações decor-
rentes do Direito Internacional dos Direitos Humanos. Pelo
contrário, conscientes de que os efeitos da pandemia de-
pendem dos diferentes lugares sociais que os sujeitos ocu-
pam, as diretrizes dos Direitos Humanos devem perpassar
por todas as decisões políticas de enfrentamento à Covid-19.
Especialmente em relação à mulher, a IV Conferência

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PANDEMIA E MULHERES

campo de atuação, balizada em pesquisa bibliográca da


metodologia clínica, aplicado ao caso concreto de violação
ATUAÇÃO DA CLÍNICA DE DIREITOS de direitos das gestantes, na cidade de Vitória da Conquista/
HUMANOS DA UESB NA TUTELA DE DIREITOS Ba, a partir da prática de advocacy. Ressalte-se que as pes-
DAS GESTANTES NA PANDEMIA quisadoras são membros da Clínica de Direitos Humanos da
UESB tratando-se, pois, de observação participante na apre-
Luciana Santos
sentação do estudo de caso.
Silva[735]
Lidiane Lima
Silva[736] AS CLÍNICAS JURÍDICAS E ADVOCACY ENQUANTO
MECANISMO DE ATUAÇÃO
Silva e Cupertino [737] destacam que "a pandemia da A atuação das primeiras clínicas jurídicas se deu no sé-
Covid-19 vem alterando de forma brusca ethos individuais culo XIX nos Estados Unidos da América e desde então, tem
e coletivos. O primeiro alerta à Organização Mundial de se expandido por diversos países, inclusive no Brasil, onde
Saúde/OMS foi dado pela China em 31/12/2019, quando apesar do surgimento ter sido apenas por volta do século
detectaram inúmeros casos de 'pneumonia desconhecida' XXI, já é possível encontrar clínicas jurídicas especializadas
em Wuhan. Com o avanço da pandemia e a irradiação de nas mais diversas áreas, sendo mais expoente a presença das
suas consequências pelo mundo, em ritmo frenético, novas Clínicas de Direitos Humanos, cada uma com as suas particu-
regras de socialização foram impostas nesse período no laridades.Assim, sobre a atuação clínica, apesar de levar em
sentido de salvaguardar a saúde da população frente a esta conta as especicidades de cada uma, há o reconhecimento
crise, o que paralelamente ocasionou e ainda ocasionará de que todas elas possuem o objetivo de questionar e dar
uma série de impactos sobre as mais diferentes áreas além da alternativas a metodologia tradicional do ensino jurídico,
saúde tais como: social, econômica e política". partido da chamada metodologia clínica de ensino.
A cidadania também vem sendo afetada na medida Tendo em vista que a atuação das clínicas jurídicas
em que, conforme destaca Santos[738], grupo sociais que não se restringe àquela litigiosa e que uma das muitas van-
padecem de especial vulnerabilidade que precede a quaren- tagens da clínica escola, segundo Witker[739], é justamente
tena se agravam com ela. Nesse sentido que organismos de que a partir de tal metodologia o discente passa a ter com-
Direitos Humanos se constituem em importantes articula- preensão e a gerir os processos multidimensionais da ativi-
dores na prevenção e combate a violação de direitos funda- dade prossional, “recebendo uma formação coerente com
mentais de grupos vulnerabilizados. seu ambiente e prestando um serviço à comunidade, fortale-
Nessa perspectiva o presente estudo visa analisar a cendo a sua responsabilidade e compromisso social. ” (2007,
atuação da Clínica de Direitos Humanos da Universidade p.192).
Estadual do Sudoeste da Bahia/UESB na tutela dos direitos De acordo com LAPA[740], o ensino clínico no Brasil,
ao acompanhante de gestantes, durante o pré-parto, parto e dispõe de sete pressupostos metodológicos: o compromisso
pós-parto, na cidade de Vitória da Conquista/BA durante a com a justiça social; metodologia participativa; articulação
pandemia da COVID-19. da teoria com a prática dos Direitos Humanos; integração
Assim este trabalho apresentará a descrição do das atividades de ensino, pesquisa e extensão; enfoque inter-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

disciplinar; institucionalização formal e reconhecimento A prática da Advocacy pode ser facilmente con-
na Universidade; e, Público alvo universitário. Desta feita, statada no âmbito das clínicas jurídicas, uma vez que a
tomando como meta esta proposta de transformação do en- prática clínica predispõe o desenvolvimento de diversas
sino jurídico é que surge a Clínica de Direitos Humanos da atividades que visam a mobilização social em prol da ef-
UESB (CDH-UESB), pioneira no estado da Bahia e objetivando etivação de direitos e a m de inuir na promoção de
atrelar o ensino à prática por meio de atividades de impacto políticas públicas ecazes, tendo como ponto de partida os
social, cientíco e pedagógico. chamados “casos emblemáticos”, que podem repercutir e
Logo, a Clínica da UESB, tomando como base os pres- beneciar coletivamente.
supostos ora mencionados, tem por desiderato atuar nos Destarte, a Advocacy no método clínico pode ser
casos de prevenção e violação de direitos fundamentais, exercida, por exemplo, através da organização de manifest-
sendo composta por membros da comunidade acadêmica e ações, e/ou ainda, da emissão de relatórios, pareceres e docu-
externa. A incorporação de membros de fora da Universi- mentos em geral, que busquem inuir na tomada de decisões
dade visa favorecer o diálogo e a atuação da instituição de em prol de um grupo cujos direitos estão sendo infringidos.
ensino superior pública com a comunidade.
Assim, a Clínica da UESB presta assessoria jurídica CLINÍCA DE DIREITOS HUMANOS DA UESB A TU-
estratégica, litigiosa ou não; atuando como articulador TELA DE DIREITOS DAS GESTANTES EM VITÓRIA DA CON-
social, desenvolvendo oportunidades de sensibilização da QUISTA/BA
população em relação aos Direitos Humanos, fomentando A atuação da Clínica da UESB em face da tutela dos
políticas públicas, desenvolvendo ações de cunho social direitos das gestantes durante a pandemia da COVID-19,
e intervenções, cooperando, analisando e acompanhando sobre a qual recaí este estudo, se deu por meio da demanda
políticas públicas; através de cursos, palestras, ocinas, cap- espontânea, uma vez que foi feita uma denúncia à entidade
acitações, produção de artigos cientícos, desenvolvimento de que gestantes estavam sendo tolhidas do direito de ter a
de pesquisas empíricas e teóricas. Sendo que as demandas presença de acompanhante no pré-parto, parto e pós-parto
chegam à Clínica por meio de busca ativa ou por de demanda em Hospitais na cidade de Vitória da Conquista – BA.
espontânea. Em situações como a descrita a CDH/UESB realiza
Dentre as estratégias de atuação de organismos de análise do caso com a equipe a m de avaliar a possibilidade
Direitos Humanos e movimentos sociais destaca-se a Advo- de intervenção da Clínica, os contornos do direito violado e
cacy. O termo, expressão inglesa sem tradução literal para as possíveis estratégias de atuação. Nessa primeira etapa foi
o português, tem origem a partir de Advocare, do latim, feito um estudo da legislação pertinente partindo do artigo
que signica ajudar alguém que está em necessidade. A 19-J da Lei 8.080/1990[741] (alterado pela lei11.108/2005),
sua prática está fortemente ligada ao ato de defesa e ar- cujo teor garante a presença, junto à parturiente, de acom-
gumentação em favor de uma causa social, isto é, consiste panhante de sua escolha durante todo o período de trabalho
em inuenciar de forma indireta ou em pressionar os toma- de parto, parto e pós-parto imediato.
dores de decisões públicas, como por exemplo, organismos O segundo momento foi marcado pela ponderação
estatais, a m de que levem em consideração o interesse de sobre a possibilidade de suspensão desse direito diante da
pessoas cujos direitos foram violados. pandemia da COVID-19. Assim, concluímos que a regra é a

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

manutenção do direito ao acompanhante ainda em tempos Como estratégia de dialogar e agregar mulheres em
de pandemia. Nessa senda a Organização Mundial de Saúde, torno da causa foi criado um grupo de whatsapp, denomin-
a Convenção Americana de Direitos Humanos e o Ministério ado DH (Direitos Humanos) GESTANTES, a m de que os
da saúde preconizam que as gestantes e àquelas que sof- passos seguintes fossem construídos em conjunto com as
reram aborto possuem o direito de ingressar nos hospitais pessoas que estiveram o direito a acompanhante violado
com o acompanhante de sua escolha mesmo em período da ou que estavam na iminência de ser. Além das atingidas
pandemia da COVID-19. diretamente pela suspensão ao direito de acompanhante o
Além disso, localizamos decisões judiciais[742] e re- grupo do whatsapp agregou doulas, militantes por direitos
comendações emitidas por defensorias públicas de diversos das mulheres e representante da CDH/UESB, sendo que todas
estados da federação indicando que tal direito não foi sus- as participantes possuem o status de administradoras do
penso diante da atual pandemia, salvo situações excepcion- grupo.
ais. ACDH/UESB, em diálogo com o grupo, elaborou um
Firmada a convicção de que as gestantes teriam dir- documento a ser enviado aos hospitais, UNIMEC e ESAÚ
eito ao acompanhante, mesmo em tempo de pandemia, o MATOS, indicando a ilegalidade da suspensão generalizada
passo seguinte foi fazer o cotejo entre a premissa jurídica de acompanhante no parto e recomendando que tal direito
Łxada com os fatos, depoimentos e documentos levados à fosse reestabelecido. O documento foi assinado pela CDH/
CDH/UESB para noticiar a violação. UESB, União de Mulheres de Vitória da Conquista, Comissão
Diante das informações recebidas mapeamos que de Direito a Saúde da OAB/ Subseção de Vitória da Con-
hospitais em Vitória da Conquista, mais especiŁcamente o quista/BA, Conselho Municipal dos Direitos da Mulher de Vi-
ESAÚ MATOS e o UNIMEC, estariam impedindo a entrada tória d Conquista, Conselho Municipal de Saúde de Vitória
de acompanhante para gestantes durante o parto sob o fun- da Conquista, Projeto Célula Mater da UESB, Comissão de
damento de suposto enfrentamento da COVID-19. A partir Saúde da Câmara de Vereadores de Vitória da Conquista/BA,
desse mapeamento o equipe pôde identiŁcar que o cercea- Comissão da Comissão da Mulher da Câmara de Vereadores
mento do direito ao acompanhante estava sendo infrigido de Vitória da Conquista/BA, Cirandeiras - Apoio ao Parto
de forma seletiva, ou seja, apenas para a mulheres que teriam Humanizado e Maternidade Ativa, Coletivo Feminista Clas-
parto na rede do Sistema Único de Saúde. sista Ana Montenegro e Coletivo Feminista Obá Elekó. Os
O hospital ESAÚ MATOS só faz parto pelo SUS, então, hospitais não responderam à recomendação.
era proibido acompanhante em todo parto feito nesse nosô- Nesse grupo do whatsapp foi pontuado por uma
comio. Já no UNIMEC, que atende ao SUS e também à rede gestante a necessidade de dar visibilidade à causa e a
particular, a restrição do direito só atingia mulheres que sugestão foi abordar o tema a partir de uma live no in-
iriam parir usando a rede pública. Em suma: na cidade de Vi- stagram, o que foi acatado pelo grupo. A live foi reali-
tória da Conquista o direito ao acompanhante só era ceifado zada em 16/06/2020, transmitida pelo instagram de uma
para os usuários do SUS. A odiosa e ilegal restrição tem um ativista (Viviane Sobrinho) com a participação de uma
viés de gênero e de classe. As mulheres que podem arcar com gestante (Carol Paiva) e da coordenadora da CDH/UESB (Lu-
os custos do parto na rede particular têm o direito a acom- ciana Silva). Essa atividade foi importante engajar outras
panhante inalterado. gestantes ao grupo e proporcionar visibilidade ao tema.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Concomitante as ações citadas, a CDH/UESB fez con- Defensoria Pública informou que já estava atuando no caso
tato que a Defensoria Pública em Vitória da Conquista/ e que entendia haver violação de direito. A Comissão de
Ba, que não estava ciente do movimento e da violação Saúde da Câmara de Vereadores de Vitória da Conquista/BA
ao direito objeto deste estudo, mas já havia ociado à e a Comissão da Comissão da Mulher da mesma entidade
Secretaria Municipal de Saúde, como forma de prevenção, informaram que iriam fazer visita técnica as unidades hos-
questionando sobre o direito ao acompanhante no parto pitalares citadas e, após, produzir relatório.
durante a pandemia. As gestantes e mulheres que tiveram o Em 21/07/2020 as referidas Comissões das Câmaras
referido direito violado procuraram formalmente a Defen- de Vereadores agendaram uma reunião, com a presença do
soria Pública solicitando providencias passando a dialogar Secretário de Saúde do Estado da Bahia, para tratar sobre o
diretamente com a esta entidade. tema. A conclusão do presente estudo se deu antes da con-
No grupo de whatsapp DH GESTANTE uma das sumação dessa agenda. Assim, as ações em prol da garantia
gestantes informou que havia levado a informação da nega- do direito a acompanhante durante o parto estão em curso
tiva do direito ao acompanhante ao Ministério Público, un- e tiveram seu alcance ampliando, pois, a violação extrapo-
idade de Vitória da Conquista, obtendo como resposta que lou os limites do município de Vitória da Conquista, com a
ela deveria procurar a ouvidoria do hospital. A troca de ex- edição da nota técnica do governo baiano.
periências era constante no grupo e essa informação deu um Como forma de fortalecer os direitos humanos a CDH/
rumo para que todas fossem à procura da Defensoria Pública. UESB produziu, até o momento, três artigos tendo como
A CDH/UESB conseguiu que os meios de comu- campo de estudo o direito ao acompanhante durante o parto
nicações locais noticiassem a violação do direito de acom- na pandemia da COVID-19.
panhante na cidade durante a pandemia. O Programa Ob- Assim, as ações citadas constituem advocacy na me-
servatório Social, da rádio UESBFM, fez uma entrevista com dida em que lançam mão de mecanismo não tradicionais
uma doula (Clarize Campos) e exibiu o depoimento de uma para a tutela de direitos. As ações tentaram publicizar a
mulher que pariu sem acompanhante por imposição do violação do direito agregando parceiras e parceiros, descen-
hospital e preferiu ter sua identidade preservada. Também tralizando, assim, a tomada de decisões e democratizando as
foram exibidas reportagens na TV Sudoeste (aliada á rede vias de intervenção na celeuma.
globo de televisão) e TV UESB.
Em junho de 2020, o governo da Bahia editou a CONSIDERAÇÕES FINAIS
norma técnica n. 69 institucionalizando a violação do dir- As maternidades da cidade de Vitória da Conquista
eito a acompanhante para a gestante usuária do SUS, em e, posteriormente, o estado da Bahia, por meio da norma
todo o estado, recomendando que "As visitas, durante o técnica 69, instituírem violação ao direito a acompan-
internamento das gestantes, puérperas e dos recém-nasci- hante durante o parto o arrepio da lei e das recomendações
dos, devem ser suspensas neste período e empregada equipe emitidas pela Organização Mundial da Saúde e Ministério da
mínima nos atendimentos". Saúde. Além de ilegal tal prática é discriminatória na me-
A CDH/UESB articulou audiência pública junto Câ- dida em que atingem de forma diferenciada as usuárias do
mara de Vereadores de Vitória da Conquista, que ocorreu SUS.
de forma virtual em 25 de junho de 2020. Nesse espaço a A pesquisa também indicou que o Poder Judiciário

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EZILDA MELO

vem reconhecendo a ilegalidade dessa prática pois já ex-


istem decisões judiciais garantindo o direito de todas as
gestantes a um acompanhante antes, durante e depois do A RESTRIÇÃO AO DIREITO À PRESENÇA DE
parto, ainda em tempo de pandemia da COVID-19. Inclusive ACOMPANHANTE NO PARTO ANTE A PANDEMIA
há legislação - Lei 13.079/20[743], cujo artigo 3º, § 2º, inciso DA COVID-19: UMA VIOLAÇÃO À DIGNIDADE DA
III - dispõe que a disciplina para os cuidados com a Covid-19 MULHER OU UMA PROTEÇÃO NECESSÁRIA?
não deve se afastar dos postulados da dignidade da pessoa
Luíza Trindade Freire[744]
humana.
Rhayssa Ferreira Gonçalves Santos[745]
A vedação de direito ao acompanhante viola direito
humano das mulheres, o que ensejou a intervenção da CDH/ A pandemia gerada pela SARS-CoV-2 (Severe Acute
UESB a qual optou pela advocacy como estratégia de atuação. Respiratory Syndrome – Related Coronavirus 2) é uma realid-
A educação em Direitos Humanos é uma importante vert- ade que assola todo o território brasileiro e devido à trans-
ente no caminhar da tutela desses direitos. A formação do missão comunitária, declarada pelo Ministério da Saúde
grupo de whatsapp, DH GESTANTE, permitiu que as mulheres através da Portaria nº 454[746], inúmeras medidas de pre-
as quais tiveram o direito ferido de forma direta tivessem venção foram tomadas nas mais diversas searas, inclusive
voz, favoreceu que se apropriassem do aparato legal, que nas rotineiras condutas hospitalares relativas às mulheres
propusessem mecanismos de atuação e, sobretudo, passas- gestantes, parturientes e puérperas.
sem a ser articuladoras, mobilizadoras e educadoras em prol No entanto, as aludidas interferências vêm ocasion-
da garantia do direito que lhes assiste. ando questionamentos aos direitos das mulheres, razão pela
A divulgação favoreceu, outrossim, a difusão e o de- qual será tratada a restrição ao direito a um acompanhante
bate não só sobre o direito ao acompanhante, mas sobre ci- durante o trabalho de parto, bem como no pré-natal e pós-
dadania feminina e violência obstétrica. Vários lugares de parto no atual contexto de pandemia, sendo tal análise real-
fala se juntaram permitindo diversas perspectivas sobre as izada à luz das normas legais brasileiras e das diretrizes mun-
estratégias de intervenção. diais divulgadas que respaldam o cenário pandêmico atual.
Nesse devir observamos também a apropriação pelo Hodiernamente, ante a problemática de sopesamento
grupo envolvido do papel política e social de entes im- entre a proteção para evitar o contágio e a garantia legal da
portantes à democracia como a defensoria pública, câmara mulher à presença de um acompanhante, o que deve preva-
de vereadores, movimentos sociais, organismos de direitos lecer? É este o questionamento que será esmiuçado na pre-
humanos, universidade pública, meios de comunicação, ci- sente oportunidade.
dadãs e cidadão engajados na tutela de direitos. Finalmente, no que se refere à metodologia de pes-
quisa empregada, pontue-se que foi utilizado o método de-
dutivo, a partir da análise de meios bibliográŁcos e docu-
mentais já publicados, como alicerce para as argumentações
críticas acerca da temática.

2. DIREITOS REPRODUTIVOS DA MULHER E A PRO-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

TEÇÃO À GESTANTE para mãe e seu lho. Ocorre que esse direito traspassa a
2.1 BREVE HISTÓRICO DA ASSISTÊNCIA LEGAL noção de provimento de suporte emocional à parturiente
Os direitos reprodutivos da mulher, no âmbito do no momento do grande apogeu de emoções, isto porque
Direito da Saúde, encontram guarida no direito à preser- a gura do acompanhante agora passa a ter o encargo de
vação da vida e da dignidade humana, sendo compreendidos garantidor da integridade física da gestante, ante a possibili-
“como parte integral e também como uma ampliação da dade da ocorrência de violência obstétrica, haja vista, como
noção de direitos humanos”[747]. Neste desiderato, a assistên- corolário natural, que as “mulheres-mães pela insegurança
cia à mulher gestante se congura como mais um aspecto e falta de conhecimento não sabem como se comportar no
da consolidação dos direitos reprodutivos, na medida em momento do processo de parturição e assim agem subordin-
que estes asseguram à mulher a liberdade de dispor livre- adas às ordens e orientações dos prossionais que acompan-
mente de autonomia reprodutiva, decidindo, responsavel- ham o processo do parto”[755], se sujeitando, dessa forma, a
mente, sobre a oportunidade de ter lhos, a quantidade e o aceitar as condutas por eles executadas.
interregno entre gravidezes, bem como o direito de acesso Neste contexto, a violência obstétrica dene-se como
à informação e à tomada de decisões[748], sem discriminação, as ações ou omissões realizadas “contra a mulher no exercí-
restrição ou coerção de qualquer natureza. cio de sua saúde sexual e reprodutiva, podendo ser cometi-
Decorrente deste corpo complexo de direitos, a obrig- dos por prossionais de saúde, servidores públicos, pro-
ação de assistência à mulher gestante se consolida em trata- ssionais técnico-administrativos de instituições públicas
dos internacionais, como a Convenção Relativa ao Amparo e privadas, bem como civis”[756], implicando em dor, dano
ao Parto [749], também denominada de Convenção da OIT, nº ou sofrimento desnecessário à gestante, procedidas com ou
103, de 1952, que dispõe da necessária proteção à mulher sem seu consentimento, v.g, as intervenções dispensáveis,
em estado gravídico no seu ambiente de trabalho, assegur- comentários ofensivos ou constrangedores e humilhantes à
ando amparo no pré-natal, durante o parto e posteriormente mulher, bem como tratamentos que causem sentimentos de
a ele, mediante a respectiva assistência médica[750]. inferioridade, abandono, medo e até a criação de embaraços
Ato contínuo, desponta a Convenção para Eliminar para garantir à gestante um atendimento adequado, entre
todas as Formas de Discriminação Contra Mulher[751] - outros.
CEDAW de 1979, tendo como objeto, no seu artigo 12, o Estas agressões importam em “grave violação a auto-
dever de os Estados signatários garantirem assistência apro- nomia das mulheres, aos seus direitos humanos e aos seus
priada à gravidez, ao parto e ao puerpério. Ademais, em direitos sexuais e reprodutivos”[757], inserindo-se na de-
2005, por meio da Lei nº 11.108[752], já em solo nacional, nominada violência de gênero, considerando a vítima ser
o Brasil positivou a gura do acompanhante garantidor da mulher-mãe em situação de submissão aos prossionais
assistência à mulher gestante durante o trabalho de parto, atuantes no momento do parto ou com eles relacionados.
parto e pós-parto imediato, tudo bem delineado com o
acréscimo do artigo 19-J à Lei 8.080/1990[753]. 2.2 O DIREITO À PRESENÇA DE ACOMPANHANTE
Convém destacar que o direito a acompanhante pro- COMO GARANTIA DE PRESERVAÇÃO DA SAÚDE FÍSICA E
move a humanização [754] do parto, funcionando com o in- MENTAL DA MULHER
tuito de proporcionar um maior bem-estar físico e mental Consoante o exposto alhures, a violência obstétrica

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

é uma violência de gênero, consubstanciada em diversas vação da saúde psíquica da genitora no desenvolvimento do
condutas pautadas na falta de humanização e respeito à infante. Anal, a depressão e a ansiedade materna possuem
mulher, razão pela qual foi objeto de previsão legal pela Lei sérias repercussões como o próprio distanciamento do vín-
Ordinária nº 16.499/2018[758], no âmbito do Estado de Per- culo da mãe com o bebê[766], podendo culminar em um
nambuco. Nesta lei, se busca assegurar medidas protetivas fator determinante, em casos extremos, a um eventual in-
à mulher gestante, parturiente e puérpera, com vistas a fanticídio, conduta esta fundada no ato da própria genitora
combater a violência obstétrica e salvaguardar seus direi- ceifar a vida do lho, durante ou logo após o parto, vide ar-
tos, nestes compreendidos a liberdade, autonomia e, conse- tigo 123 do Código Penal brasileiro [767].
quentemente, a garantia de escolha de um acompanhante, à Por isso, com vistas a salvaguardar o bem-estar do
luz do que leciona explicitamente seu artigo 3º, VIII[759]. infante, a própria Lei nº 8.069/90, o Estatuto da Criança e
Destaque-se que a importância conferida à presença do Adolescente (ECA), prevê de forma explícita, em seu ar-
de acompanhante como mecanismo de proteção à mulher tigo 8º, §6º[768], o direito à eleição de um acompanhante,
é vasta, sendo objeto de previsão pela Organização Mundial consagrando o princípio do melhor interesse da criança e do
de Saúde (OMS), através da recomendação “a companion of adolescente[769].
choice is recommended for all women through out labour and Desta feita, infere-se que o suporte às mulheres neste
childbirth” [760]. período de extrema vulnerabilidade emocional consiste em
Destarte, o respeito à opção da presença de acompan- um componente que concretiza o respeito à maternidade
hante é garantido no âmbito do Sistema Único de Saúde e, mais do que isso, à própria dignidade da mulher[770] —
(SUS) no Brasil pelo artigo 19-J da Lei nº 11.108/05[761], visto cuja guarida é constitucional, garantida no artigo 1º, III, da
que tal medida consiste em um mecanismo preventivo e de Constituição da República Federativa do Brasil [771]— propi-
defesa frente à possibilidade de violações de ordem física ciando a segurança de que suas diretrizes serão respeitadas,
e mental da mulher[762]. AŁnal, a mortalidade materna con- tendo na possibilidade de eleição de um acompanhante o
siste em uma questão de saúde pública, resultante de diver- amparo fundamental a uma experiência de parto benéca e
sos fatores, dentre eles, o próprio status da mulher[763]. sadia.
Outrossim, consoante dados da American College of Ob-
stetricians and Gynecologists (ACOG) colhidos em 2018, cerca 3. A PANDEMIA DA COVID-19 E A RESTRIÇÃO AO
de 14% das gestantes e puérperas apresentam quadro de DIREITO À PRESENÇA DE ACOMPANHANTE DURANTE O
depressão ou ansiedade, cenário este certamente agravado TRABALHO DE PARTO
pela pandemia e isolamento social vivenciados, que con-
stituem um fator a mais para o aumento desse número [764],
3.1 A IMPOSIÇÃO DE ÓBICE SOB RESPALDO PROTET-
sendo seguro aŁrmar que o papel do acompanhante implica
IVO
em um apoio com incontestes benefícios à saúde materna
Ab initio, é sabido que o indivíduo capaz às práticas
e neonatal, cuja supressão repercute negativamente, ante a
dos atos da vida civil, em pleno exercício das suas facul-
ausência de suporte emocional [765], além da falta da sensação
dades mentais, é legalmente[772] detentor de liberdade indi-
de segurança acerca de eventuais tomadas de decisões.
vidual e autonomia nos serviços de saúde, cabendo a ele
É imperioso expor ainda a clara inłuência da preser-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

próprio a tomada das suas decisões, sendo esta garantia fun- ura o mesmo direito na rede privada[778].
dada não apenas na legislação, como também no campo da Infere-se da referida Nota Técnica[779] que restou rati-
bioética[773], consistindo, assim, em fundamento às mais dis- cado o aludido direito, observando, no entanto, requisitos
tintas situações, dentre elas, a sob análise, visto que uma vez protetivos como o da ausência de sintomas do coronavírus
previsto em lei o direito à eleição de acompanhante, cabe à por parte do acompanhante e desde que ele não esteja in-
mulher tal deliberação. serido, por qualquer razão, nos grupos de risco para a SARS-
Não obstante o exposto alhures, no que concerne CoV-2. Além disso, deve ser submetido à triagem com vistas
ao inconteste e amplamente assegurado direito da mulher a excluir hipótese de infecção, salvo no caso da gestante
optar pela presença de um acompanhante durante o tra- suspeita ou testada positiva para a COVID-19, caso em que
balho de parto, assim como no período anterior e posterior o acompanhante há de ser, obrigatoriamente, do convívio
ao mesmo, tal garantia encontra-se, todavia, sob relativ- diário da paciente.
ização por parte de instituições hospitalares no contexto Em termos similares, o protocolo de atendimento de
gerado pela pandemia da COVID-19, mediante a imposição pacientes com COVID-19 do Instituto de Saúde Elpídio de
de óbice, com lastreio em critérios internos, sendo estes fun- Almeida (ISEA)[780] também prevê o dever de observância ao
dados em uma perspectiva protetiva diante do mencionado que preceitua a Lei nº 11.108/05[781], garantindo a presença
vírus, restrição esta a qual é, no entanto, objeto de severas do acompanhante, inclusive no pós-parto imediato, con-
críticas. soante recomendou o Ministério Público da Paraíba (MPPB).
Destarte, em virtude da possibilidade de impacto Outrossim, não é outro o posicionamento do Royal
direto na saúde da parturiente em decorrência da supressão College of Obstetricians & Gynaecologists (RCOG)[782], senão o
do aludido direito, surge a questão cerne do presente estudo: de que, embora o cenário de emergência vigente implique
seria a imposição de óbice à presença de acompanhante na devida tomada de precauções extraordinárias como a
em um momento de vulnerabilidade física e psíquica da limitação à presença de visitantes em nosocômios, o direito
mulher, uma medida protetiva ou violadora? Tal indagação ora discutido deve ser mantido, sendo recomendada a pre-
decorre do fato de que, à luz das razões articuladas, a pre- sença de acompanhante, salvo a hipótese do parto ocorrer
visão legal que assegura o direito da mulher a um acom- sob anestesia geral.
panhante é inequívoca, bem como restou igualmente com- Por isso, evidencia-se que o indivíduo designado
provada a gravidade da doença respiratória ocasionada pela como acompanhante há de ser submetido à triagem, dev-
SARS-CoV-2, com reconhecida transmissão comunitária[774]. endo consistir em uma pessoa saudável, não infectada pelo
Nesse cenário, o Ministério da Saúde emitiu a Nota vírus e fora dos grupos de risco, além de devidamente equip-
Técnica de nº 9/2020[775] com o ímpeto de consolidar re- ado com as devidas proteções por meio de Equipamento de
comendações aos proŁssionais da saúde que atuam no cuid- Proteção Individual (EPI), sem possibilidade de alternância
ado de gestantes e recém-nascidos, reaŁrmando a garantia com outrem — consoante se depreende da Nota Técnica do
legal do artigo 19-J da Lei nº 11.108/05[776], garantindo o Ministério da Saúde 09/2020[783].
direito à presença de acompanhante no âmbito do Sistema Ante o exposto, não obstante o robusto arcabouço
Único de Saúde (SUS), bem como a Resolução Normativa nº jurídico-legal e médico à manutenção do direito a acompan-
262/2011 da Agência Nacional de Saúde (ANS)[777], que asseg- hante durante a vigente pandemia, faz-se mister frisar que

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

medidas extraordinárias são de observância obrigatória, COVID-19.


restando patente a inegável necessidade de restrição do Contudo, ressalvou que a restrição imposta vio-
número de pessoas nas instituições hospitalares, não sendo lou direitos das mulheres, isto é, seu bem-estar enquanto
recomendada a presença de visitantes e fotógrafos[784], com gestante, seu direito a acompanhante e, via de consequên-
vistas a frear o risco de contaminação. cia, a viabilização da humanização do parto, pontuando que
“apesar de nenhum direito ser absoluto a situação peculiar
3.2 A JUDICIALIZAÇÃO DE DEMANDAS COM VISTAS não pode servir de guarda para que pessoas sejam postas em
À EFETIVAÇÃO DO DIREITO A ACOMPANHANTE situação de constrangimento medo e desamparo”[789].
O cenário pandêmico desencadeado pela COVID-19 Em outro caso, o Tribunal de Justiça de
demandou a adoção de medidas sanitárias compatíveis ao Mato Grosso do Sul no Agravo de Instrumento nº
nível de gravidade da doença, colocando, assim, todo o sis- 1403938-13.2020.8.12.0000 ressalvou a necessária ef-
tema de saúde trabalhando à margem de sua capacidade etivação do direito a acompanhante frente à garantia à saúde
máxima[785], submetendo todos às cautelas inerentes à ne- pública, pontuando que em um conito de interesses, estes
cessidade de contenção de avanço da doença, impondo a devem ser sopesados para atingir uma decisão justa, devida e
toda a sociedade um verdadeiro cenário de restrições[786]. ecaz, fundamento que merece complemento com o do juiz
Hodiernamente, a rotina hospitalar vem experimen- da 3ª Vara Cível de Bangu/Rio de Janeiro em análogo cenário:
tando grande impacto em virtude das restrições[787] pandêm- “de um lado temos que observar de forma minuciosa e
icas que reetiram diretamente no direito constitucional concreta as determinações (...) das autoridades sanitárias
e legal da parturientede ter assegurada a presença do seu em observância ao direito coletivo à saúde, de outro não po-
acompanhante no momento do parto, conforme edição de demos afastar ou simplesmente negar os direitos dos quais
normatizações infralegais, quiçá constitucionais, de esta- os cidadãos são titulares[790]”.
dos, municípios e até por hospitais — sem esteio legal Por m, cumpre asseverar que a própria Nota Técnica
— demonstrando que a pandemia causou também um de nº 9/2020[791], ao garantir o direito a acompanhante, não
furor legiferante ilegítimo, desaguando, naturalmente, no deixa de prever protocolos a m de propiciar o afastamento
poder coibidor dos abusos violadores ao sistema jurídico do mesmo sempre que a circunstância traga evidências
de direitos, em especial ao aludido artigo 19-J da Lei nº sobre o potencial risco de contaminação, impondo limites
8.080/1990[788]. ao exercício de tal direito, que diante de indícios ou com-
Neste sentido, o juiz da Vara da Fazenda Pública do provação do perigo à vida, poderá legitimar a devida re-
Paranaguá/Paraná recebeu o Mandado de Segurança de nº strição.
0011367-06.2020.8.1.0129, em que a impetrante se insur-
giu contra o Boletim Informativo nº 02/2020 do Hospital CONSIDERAÇÕES FINAIS
Regional do Litoral - HRL que consignou a proibição de O conjunto de recomendações procedimentais para
acompanhante para gestantes e puérperas. Concedida a seg- os prossionais que atuam no cuidado da gestante no pré-
urança para garantir o direito da parturiente ao seu acom- parto, parto e puerpério, cristalizados na mencionada Nota
panhante, o magistrado não deixou de reconhecer a coerên- Técnica nº 09/2020, importam em um sistema de protoco-
cia das medidas adotadas pelo hospital no enfrentamento da los que devem ser estritamente observados, para que seja

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EZILDA MELO

assegurado à parturiente seu direito à presença de acompan-


hante no delicado momento do parto.
Pontue-se que as condutas de triagem que são pre- A COVID-19 E O QUE AS AULAS REMOTAS,
ceptivas ao parto constituem verdadeiros procedimen- REMONTAM PARA PROFESSORAS DO ENSINO
tos sagradores do direito à plena assistência à saúde da FUNDAMENTAL EM CAMPINA GRANDE, PB
gestante. Tais condutas deveriam, inclusive, constituir uma
Maria Aparecida Figueirêdo Pereira [792]
praxe preventiva cotidiana, uma vez que o acompanhante Verônica Figueirêdo Pereira [793]
pode testar negativo para o exame de detecção do vírus
COVID-19, mas ser portador de qualquer outra patologia in- E O INESPERADO FARIA UMA SURPRESA[794]
fectocontagiosa que coloque igualmente em xeque a saúde Em 31 de dezembro de 2019, Atena[795] Professora
dos envolvidos no trabalho de parto. do Ensino Fundamental em uma escola da rede municipal
Desta feita, observa-se que as medidas impostas são de em Campina Grande, PB, se preparava para as férias, via-
caráter protetivo até o momento da realização dos procedi- jando com a família à praia de Lucena, município litorâneo
mentos estabelecidos em protocolo. Por outro lado, após paraibano, onde a priori celebraria a chegada do novo ano,
a realização da triagem, quando não constatados possíveis após a conclusão de um longo e exaustivo ano letivo.
riscos, qualquer óbice imposto implica em restrição viola- Não imaginava os acontecimentos que em pouco mais de
dora ao direito da gestante à presença de acompanhante, dois meses se sucederiam, jamais supunha que 2020 tão
promovendo grave violação aos seus direitos humanos fun- entusiasticamente aguardado, agregaria mudanças avassala-
damentais e, em especial, à dignidade doras. No decorrer da viagem havia as melhores expect-
ativas para a reunião familiar, a qual contava também com
a presença de alguns amigos, muita cerveja, champanhe e a
tradicional ceia. No ar além dos fogos de artifício, pairava
uma conjugação de euforia e esperança. Ingredientes que não
poderiam estar ausentes, em meio aos preparativos para a
cerimônia que recepcionaria a alvorada dos 366 dias do ano
bissexto que emergiria à meia noite.
Simbolicamente o festejar do réveillon emitia resson-
âncias de tudo que se almejava para os 12 meses subse-
quentes, ansiava-se por prosperidade, alegria, amor e, claro,
talvez o pedido mais evocado naquela noite: saúde. Atena
sentia-se feliz, abraçada por pessoas queridas, brindando o
limiar de 2020 com empolgação, reunindo pedidos e sim-
patias. Havia, entretanto, um elemento a mais a compor
suas preces, desejava turmas de alunos mais dedicadas e
envolvidas com as aulas, o que pouco ocorria. As manhãs e
tardes a Ło, debruçando-se ao trabalho intenso com crian-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

ças, legou para si e muitas de suas colegas, também profes- ocorrida em 1918, sendo ela “uma cepa de gripe particu-
soras, o adoecimento precoce, os calos vocais e a aquisição larmente virulenta conseguiu se propagar em alguns meses
de patologias crônicas, tais como hipertensão, diabetes, en- pelos cantos mais remotos do planeta. Infectou meio bilhão
xaquecas, até ansiedade e doenças emocionais as mais diver- de indivíduos (HARARI, 2020, p. 05). Neste contexto, surtos
sas. epidêmicos não são inesperados, de todo modo a surpresa,
Nisso, inteiramente insuspeitada naquele começo de caria apenas na existência de um novo tipo de doença: a
ano, que para Atena e os seus, se fazia inesquecível, a sur- Covid-19.
presa, resultante do inesperado viria exatamente ao total
revés dos anseios otimistas, sobretudo no que concerne aos A FESTA DE MOMO CHEGA AO FIM, BEM COMO A IN-
clamores por saúde, tão corriqueiro sem passagens de ano. CREDULIDADE ACERCA DA COVID-19
O inesperado que se estava prestes a vivenciar, viria com a Passados os dias de férias, já no transcurso da folia
crise sanitária de consequências catastrócas – ocasionadas carnavalesca, a professora Atena e seus familiares, dessa
pelo novo coronavírus, vírus causador da doença covid-19- vez não viajaram, em casa assistiam sem muita atenção
sua ameaça de contágio epidêmico, e milhares de mortes em ao noticiário, não lhes impactavam as informações de
escala mundializada, promoveria uma abrupta transform- que o novo vírus oriundo de um mercado em uma cidade
ação nos hábitos cotidianos, os quais alicerçam a vida em chinesa chamada Wuhan, acumula vítimas, desde que fora
sociedade, com isso os dias de trabalho, de aulas, de lazer, de descoberto na virada do ano, quando ela e o seus, celebra-
idas a feiras, supermercados e a consultórios médicos eram vam a chegada de 2020. Era como se houvesse a certeza
substituídos por isolamentos sociais, restringindo quase de que cenários semelhantes não se reproduziriam em solo
por completo a mobilidade das pessoas nos quatro cantos brasileiro, argumentava-se que aquele não era o primeiro
da terra, minando suas liberdades, separando familiares, im- patógeno que afetava lugares distantes, sem qualquer re-
pondo-lhes a quarentena. percussão nos trópicos, e ademais havia quem difundisse a
A pandemia tornaria a rotina atípica, extirparia as teoria de que, sendo um país tropical, de clima quente, o
certezas, ampliaria as desigualdades, e para muitos ensejaria Brasil não seria o lugar apropriado para a propagação da
angústia e aumentaria solidão, forçaria diferentes dinâmicas Covid-19, ou que a doença não traria a mesma letalidade al-
para o convívio social. Pode-se armar que todos foram cançada nos países de clima frio.
pegos de surpresa, ainda que se soubesse da existência Eram as teses negacionistas, as quais insistiam por
de patógenos, e que a história já tivesse em seus regis- subestimar a transmissão eminente pelo novo coronavírus,
tros uma série de outras epidemias)[796]. A deusa Clio [797] já ainda que ele tivesse sido observado em países de econo-
havia anunciado com sua trombeta e escrito no livro que mias e sistemas de saúde desenvolvidos. Em que pese pres-
carrega consigo, inúmeras outras situações epidêmicas “de- enciava-se posturas adotadas por governantes, que geravam
terminadas transformações sociais, políticas e econômicas um agravamento e “a disseminação do vírus, o aumento
se deveram à ocorrência de epidemias devastadoras. Essa exponencial da demanda por leitos hospitalares e provável
história da humanidade pode ser contada em paralelo à colapso do sistema de saúde que implicarão inevitavel-
história das doenças infeciosas como dois temas que se so- mente em mais mortes” (FERREIRA, 2020, p.50)[799]. Mas, a
brepõem.” (UJVARI, 2003, p.16)[798] como a Gripe espanhola, festa de Momo, chegou ao m e o vírus, que do latim signi-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Łca veneno, já se espalhava pelas artérias das américas, sem car por “normalidade” aorou uma crise multidimensional,
qualquer antídoto eŁcaz para refrear seus efeitos deletérios. a qual caberia ao Estado tentar solucionar, no caso em
Contudo, o ano letivo nas escolas e creches mu- comento, através de seu ente federativo municipal. Im-
nicipais de Campina Grande, que tiveram início uma se- possível sustentar a tese negacionista e manter a increduli-
mana antes do carnaval, continuava presencialmente. O dade diante das consequências da pandemia, desse modo,
secretário da Educação aŁrmava ser necessário o cumpri- após relutâncias, a prefeitura de Campina Grande, com base
mento dos 200 dias letivos, previstos na Lei 9394/96, a Lei na Medida Provisória nº 934, de 1º de abril de 2020, a qual
de Diretrizes e Bases (LDB)[800] mais adiante o prefeito da decretava estado de calamidade pública, e ancorada no art.
cidade, também demonstrou certa incredulidade na poten- 24, inciso primeiro da Lei 9394/96, deagrou a exibil-
cialidade letal da doença, tentando postergar ao máximo o ização do calendário letivo. Estava aberta a temporada de
fechamento das escolas e do comércio. ensino remoto emergencial.
No tocante à manutenção de aulas presenciais, muitos
membros da comunidade escolar, encontravam-se nos cha- A COVID-19 E A DOCÊNCIA FEMININA NO ENSINO
mados grupos de risco, ou em casos de contágio poderiam FUNDAMENTAL
transmitir o vírus para seus pais, ou parentes idosos e A regulamentação das aulas remotas em Campina
demais pessoas que com eles convivessem ou mantives- Grande[802], acontecia em 17 de abril de 2020, um mês antes,
sem contato. Atena poderia se encaixar nas duas situações as aulas presenciais já não ocorriam, em tese a comunidade
mencionadas, havia desenvolvido hipertensão arterial e dia- escolar, estaria cumprindo a quarentena, e os estabeleci-
betes, era comum essas patologias entre as docentes, so- mentos de ensino, tanto da rede pública quanto privada per-
mado a isso, ela residia com os pais octogenários, e também maneciam com portões fechados. A situação anômala impli-
pacientes de doenças crônicas. Sua permanência em sala de cava para os mais otimistas em um único viés positivo, este
aula, exposta a uma doença respiratória aguda, conŁgurava- seria uma ampliação das férias, sobretudo para os docentes
se numa causa de colisão de Direitos fundamentais. Com ef- do Ensino Fundamental que lidavam com situações de alto
eito, conforme expresso no texto constitucional, cumpre nível de stress, e em sua ampla maioria eram compostos por
ao Estado garantir a educação básica, mas para tanto, não mulheres que desempenhavam duplas jornadas de trabalho,
se poderia mitigar o direito à saúde, uma vez que o mesmo com pouco tempo para a vida pessoal e para cuidar de si, a
também é garantido constitucionalmente, e tem como Łm o exemplo de Atena.
direito à vida. Não suŁciente, em se tratando de pandemia, Destarte, se a quarentena representou dias mais
todos estariam em situação de risco, inclusive as crianças. amenos de descanso, se após as férias de início de ano, foi
Diante disso, com o aumento dos casos de Covid-19 uma oportunidade de acolhimento e estreitamento de laços
no país, e a declaração da Organização Mundial de Saúde familiares, de tempo para dedicar-se ao laser, vendo lmes,
(OMS)[801] em 11 de março, de que o mundo estava diante realizando leituras, se auto aperfeiçoando. As aulas remotas
de uma pandemia, instaurou-se a necessidade de medidas trariam implicações opostas, elas viriam remontar níveis
preventivas, dentre elas o fechamento de todos os locais e inimagináveis de cansaço físico e mental para as docentes
eventos que aglomerassem pessoas, a exemplo das escolas. que passaram a unir as demandas de casa com as novas
A Covid-19 desmantelaria, o que se convencionou classiŁ- dinâmicas e atribuições do trabalho remoto.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Importa perceber, o quanto a pandemia impacta dir- irmãos que também são solteiros, mas existem os ruídos,
etamente às mulheres no que se refere a feminização das seu pai tem o mal de Alzheimer e não consegue loco-
prossões que ocupam, principalmente, trabalhos que cul- mover-se sozinho carece de sua ajuda, enquanto aoram-lhe
turalmente lhes são atribuídos: enfermagem, magistério as pressões, sente-se doente, quase todos em sua casa tem
assistência social, atividades que presumem o cuidado com comorbidade, apresenta olhos secos, a visão turva, e cansada
o outro, o provimento de serviços sociais, sobretudo com diante da tela do computar e do celular, tem se alimentado
enfermos, idosos e crianças. Tarefas que ainda hoje, são mal, acorda cedo, pois precisa explicar as matérias aos seus
vistas com certo estranhamento, quando legadas a homens. alunos por meio de áudios e postar as atividades online.
Neste ínterim, na escola em que Atena leciona, das 12 tur- Dorme tarde, pois além de planejar os conteúdos e tarefas do
mas destinadas ao Ensino Fundamental 1, apenas uma tem dia seguinte integrando-os ao currículo, todo o seu trabalho
aulas ministradas por docente do sexo masculino, situação terá de passar pelo crivo da Supervisora Educacional, assim
comum em todo o Brasil, conforme pesquisa realizada pelo como os planos de aula e as adaptações dos conteúdos em
site Nova Escola[803], 85 % dos professores que se dedicam ao tabelas.
ensino básico são do sexo feminino. Não suciente ouve as críticas dos pais dos alunos
Portanto, as mulheres estariam, na linha da frente e dos próprios alunos, os reclamos pelo retorno das aulas
contra a Covid-19 e são por ela, indelevelmente marcadas. presenciais, nem todas as crianças possuem as ferramen-
A essa conclusão também chegou o documento produzido tas tecnológicas e acesso a internet, para se estarem pre-
pela ONU mulheres[804], segundo o organismo internacional, sentes às aulas remotas, a situação de pobreza provoca a
há uma acentuada sobrecarga de trabalho sobre as mulheres, evasão, alguns alunos dividem um único celular com toda
que enfrentam os desaos relacionados aos afazeres domé- a família, o que diculta o aprendizado, e o que precon-
sticos, a parentalidade e o aumento das tensões em casa. iza a Constituição Federal de 1988 acerca do direito à edu-
O ensino emergencial remoto, em decorrência do cação se torna utopia, já que muitos evadem das aulas por
isolamento social, ainda que venha afetando prossion- carência material. Nessa toada, Boaventura de Sousa Santos
ais do sexo masculino, parece nem de longe provocar os (2020)[805] reete que as quarentenas são discriminatórias,
mesmos efeitos emocionais notados sobre as mulheres, pois haveria os grupos sociais que ele arma estarem “A Sul
trazendo à baila mais uma vez, a divisão sexual do trabalho. da quarentena”, sendo esta uma metáfora para designar os
Atena, diferente de suas colegas docentes, não tem vivido coletivos que padecem de vulnerabilidades anteriores a ela,
crises conjugais frequentes em razão da pandemia, e da total e com ela apenas constata-se o seu agravamento.
dedicação às aulas remotas pelas quais são diariamente co- No interior dessas circunstâncias as quais reetem as
bradas, ela também não vê lhos clamando sua atenção, desigualdades sociais, temos que a crise “pandêmica não
enquanto se preocupa com as vídeo conferências, com as só nos torna iguais: ela escancara todas as nossas desigual-
postagens em grupos virtuais das lições diárias. Ela não se dades, todas as fraturas sociais que já existiam antes da
atém em ter sua imagem nos vídeos com a melhor aparência Covid-19. As doenças e as mortes tem cor, classe social,
possível. Ela não precisa cuidar dos serviços domésticos, de idade, localização no espaço, escolaridade” (NOBRE, 2020,
limpar a casa, cozinhar, nem ir ao supermercado. p. 13)[806]. É uma falácia implantar o ensino remoto, para
Atena é solteira, mora com os pais idosos, e com crianças que mal tem o que se alimentar, e mesmo muitos

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

docentes sequer possuem os aparatos tecnológicos indis- contram-se por assim dizer na “linha do tiro”, sobrevivendo
pensáveis, para a implantação da modalidade remota, com à pressões, cuidando do conhecimento de seus alunos, dos
isso, vemos igualmente o sofrimento causado às mulheres, membros de suas famílias, dos afazeres domésticos e des-
já que a pandemia de fato, traria consequências inequivoca- cuidando-se de si mesmas, a mercê de um formato de ensino
mente perversas para elas, a diŁculdade em lidar com recur- que conduz a exclusão de alunos e adoecimento de profes-
sos eletrônicos, a intimidade interrompida, o telefone que sores, e já que 85% delas são mulheres, são elas as mais víti-
passou a tocar mais frequentemente, o lar está exposto, as mas mais previsíveis da Covid-19.
horas sequestradas. Nisso, a pandemia exporia com mais veemência e
O ensino emergencial remoto requer o cumprimento clareza nossas fragilidades e misérias e as aberrantes dis-
20% das aulas presenciais, o equivalente a 800 horas anuais, crepâncias sociais que tem nos constituído, a crise pandêm-
todavia, para Atena e suas colegas professoras, essas horas ica nos mostra, o quão não estamos aptos a enfrentar as
terão possivelmente o insuportável peso de 800 dias. surpresas feitas pelo inesperado, como se nos sentíssemos
Cumpre ainda frisar que tal cenário não tem sido tateando no escuro.Fato é que, 2020 chegou, tudo pareceu
próprio somente das professoras de Campina Grande, o Site ruir, desmoronar, intactos caram as incertezas, o medo do
educativo Nova Escola desnuda quadros semelhantes, em sua porvir. Em pensar que semanas após as celebrações alusivas
pesquisa realizada em todos os Estados da Federação, entre à chegada do novo ano, uma doença viral viesse abalar todas
os dias 16 a 28 de maio, constatou-se inúmeros problemas as nossas estruturas, sociais, econômicas, existenciais.
ligados a saúde dos docentes, que em sua maioria discorda- Ao recepcionar sua chegada, em uma praia quase
vam do advento das aulas remotas, também em virtude dos deserta de águas cinzentas e profunda calmaria, difícil vis-
distúrbios relacionados à saúde emocional. As docentes, rec- lumbrar em tal cenário, maus presságios. Naquela praia a
lamam da diŁculdade em adaptarem-se ao novo formato, do professora Atena e suas irmãs, pronunciavam preces en-
baixo retorno dos alunos, da cobrança por resultados e das quanto pulavam as sete ondas[807], molhando seus pés nas
questões de infraestrutura e o contato com os alunos. Ao que águas equacionadas às vegetações marítimas. Atena con-
parece a pesquisa vem reaŁrmar as frustrações que o ensino templou o mar, suplicou para que as divindades, as quais
remoto, tem remontado para as professoras do ensino fun- acreditava nas águas habitarem, lhe concedessem a saúde
damental campinense, em razão da propagação da Covid-19. para si, e seus familiares, principalmente seus pais. A brisa
fria que persistia durante todo aquele primeiro dia de
CONSIDERAÇÕES FINAIS janeiro, e algumas gotículas de uma chuva apressada, ajuda-
Ao termo deste artigo, cujo tema encontra-se em vam a inibir o sol, mantendo-o timidamente distante, ves-
pleno curso, pudemos vislumbrar algumas questões, uma tido de nuvens.
delas foi o quanto a pandemia do novo coronavírus trouxe Naquele dia -já agora tão distante em razão do turbil-
à baila questões cruciais, com mais veemência e clareza, hão de eventos manifestados durante a pandemia -as águas
expondo nossas fragilidades e misérias e as aberrantes dis- quase geladas dissuadiram Atena e as irmãs para um mer-
crepâncias sociais. Mas, não apenas isso, a pandemia nos gulho conquanto as incentivaram a uma caminhada pela
mostrou com ainda mais ênfase o quanto as mulheres, nesse areia, onde encontraram uma tartaruga marinha, o animal
caso, especíŁco as professoras do Ensino Fundamental, en- inerte lhes chamou a atenção, jamais tinham visto, uma tar-

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EZILDA MELO

taruga de tão grandes proporções, infelizmente estava sem


vida. Mas, a brisa fria, a chuva, a discrição do sol em quase
não aparecer, a morte de um belo e exótico animal, nada, AS GESTÕES FEMINISTAS NA PREFEITURA DE
punha distante a esperança de que 2020 viesse a ser um SANTO ANDRÉ ENTRE 1989 E 2016: A PERSPEC-
ano melhor que 2019. Esperança que comumente se faz con- TIVA DE GÊNERO NA POLÍTICA E NA PANDEMIA
stante e renovada no curso das passagens de ano. Não ex-
Maria Cristina P. Pechtoll[808]
istia qualquer indício, de pessimismo naquela travessia. No
Silmara Conchão[809]
dia seguinte todos regressariam para suas casas, dispostos e Sonia Alves Calió[810]
encarar os desaŁos que os anos sempre trazem, na mesma
cadência rítmica de sempre. Sendo que as maiores lições O IMPACTO DOS MOVIMENTOS DE MULHERES A
de 2020 não Łcariam a cargo da professora Atena, e sim da PARTIR DE 1980
Covid-19. Sob o impacto da democratização e da luta de movim-
entos feministas e de mulheres, desde os anos 80, tem ocor-
rido, no Brasil, um lento processo de incorporação da per-
spectiva de gênero nas agendas governamentais. Uma ação
governamental incluindo a dimensão de gênero consiste
na redução das desigualdades sociais entre mulheres e ho-
mens, reconhecendo tanto suas diferenças quanto suas ne-
cessidades especícas e contemplando-as em suas políticas
públicas.
Nos anos 1980, as mulheres organizadas nas Comun-
idades Eclesiais de Base - CEB, na Pastoral da Criança, na
Associação das Mulheres de Santo André – AMUSA, pro-
moveram lutas por creche, saúde, sacolões comunitários e
combate à desnutrição infantil. Ainda nesta década, trabal-
hadoras de várias categorias, juntamente com outros gru-
pos de mulheres, organizaram a Coordenação de Mulheres
do ABCDMRR (composta por Santo André, São Bernardo do
Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires e
Rio Grande da Serra), realizando seminários, manifestações
e fazendo-se presente em encontros nacionais e internacion-
ais.

1989 A 92: PRIMEIRO PERÍODO DE GESTÃO FEMIN-


ISTA NA PREFEITURA DE SANTO ANDRÉ - PSA
Por reivindicação do movimento de mulheres, foram

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

dados os primeiros passos nas políticas municipais de gên- mentais.


ero. Assim, em 1989, na primeira gestão do PT, foi criada a Um exemplo deste envolvimento para atingir a
Assessoria dos Direitos da Mulher – ADM, diretamente vin- transversalização da perspectiva de gênero foi o trabalho
culada ao gabinete do prefeito, tendo como coordenadora a desenvolvido pela ADM junto à Secretaria de Planejamento
feminista e socióloga Ivete Garcia. Esta Assessoria foi uma na discussão do Plano Diretor de Santo André - PD e que
das referências de implantação de políticas públicas de gên- culminou com o “ponto de vista das mulheres” aí incluído:
ero em âmbito de gestão local no Brasil. Destacamos aqui Santo André foi o primeiro município do país a inserir a
algumas palavras do prefeito quando do 1º Encontro de Mul- dimensão de gênero em sua proposta de desenvolvimento
heres de Santo André, em 1991: urbano. Com a consultoria da feminista e geógrafa Sonia
Calió, realizada de 1989 a 1992, organizou-se uma agenda
Nossa administração quer combater a violência sof-
rida pelas mulheres tanto nas ruas, no trabalho, como pública de discussão em grupos nos bairros sobre o PD. For-
em suas casas, porque entende que se trata de uma mados sobretudo por trabalhadoras, estudantes e donas de
questão de caráter social e político, e que, portanto, casa, estes grupos discutiram e propuseram diversas ações
deve ser objeto de ação do governo. Quando esta ad-
urbanísticas que foram absorvidas pelo PD. Porém, devido
ministração defende o “Direito à Cidade” é porque
quer estabelecer outra forma de relacionamento entre aos recuos perpetrados pela gestão seguinte, ele não foi
o poder público e os cidadãos e cidadãs, que privilegie aprovado pelo legislativo. No entanto, a belíssima experiên-
os direitos sociais e garanta uma nova cultura política cia cou registrada e inspirou ações futuras, como veremos
em direção ao reforço da cidadania de todas as pes-
mais adiante.
soas. (CONSÓRCIO, 2003, p. 2)

Com a atribuição de incluir nas políticas públicas as A ADMINISTRAÇÃO SEGUINTE E A EXCLUSÃO DAS
demandas femininas, a ADM centrou seu trabalho no en- POLÍTICAS DE GÊNERO
frentamento à violência de gênero. Uma de suas primeiras De 1993 a 1996, as políticas de gênero da nova admin-
ações foi colaborar com o governo estadual na criação da istração, sob o comando do Partido Trabalhista Brasileiro -
1ª Delegacia de Defesa da Mulher de Santo André - DDM, PTB marcaram o retrocesso: as mulheres foram excluídas da
em 1990. Concomitantemente, instituiu junto a esta Deleg- agenda local pela extinção da ADM e de todos os serviços
acia dois outros serviços essenciais: o Atendimento social e de atendimento especícos. Neste caso, vale frisar o des-
jurídico especializado e a Casa de Apoio às Mulheres Vítimas cumprimento do Art. 278 da Lei Orgânica Municipal, de 8 de
de Violência. abril de 1990, que enuncia:
Fica garantido, na estrutura administrativa do
Percebendo a necessidade de envolver todas as sec-
Executivo, órgão destinado a elaborar, coordenar,
retarias da Prefeitura com as políticas para as mulheres, a executar e Łscalizar políticas públicas, de forma in-
ADM criou, logo no início da gestão, o Grupo Intesecretar- tegrada com todos os órgãos da administração pública
ial Elo Mulher com o objetivo principal de transversalizar direta e indireta, que garanta o atendimento das ne-
cessidades especíŁcas e enfrente as diferentes formas
as políticas de gênero por todas as suas secretarias. Este foi
de discriminação da mulher, no próprio Poder Público
então o compromisso de cada uma das participantes do Elo e no município. (SANTO ANDRÉ, 1990)
Mulher: lutar pela inclusão da perspectiva de gênero em sua
área de atuação quando da formulação das ações governa- Apesar da reação do movimento de mulheres, com

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

manifestações e pedidos de audiência à administração, nada stituído, neste período, o Grupo de Trabalho de Combate de
foi realizado por essa gestão no que se refere às políticas de Violência contra as Mulheres neste Consórcio. Nesta época, a
gênero. ADM coordenou o processo de formação da Frente Regional
de Combate à Violência contra as Mulheres, com represent-
O RETORNO DAS POLÍTICAS DE GÊNERO - GESTÕES antes do executivo, do legislativo e do movimento de mu-
DE 1997 A 2008 lheres da região do ABCDMRR. Unindo esforços, pactuando
Foram três gestões consecutivas em que a Prefeitura ações e compromissos, esta Frente fortaleceu a agenda
Municipal de Santo André voltou a ser administrada pelo PT, pública em defesa dos direitos das mulheres na região.
reacendendo-se as políticas de gênero e fazendo ressurgir a Com toda esta forte organização e articulação regional, foi
ADM. possível a concepção de uma casa abrigo regionalizada com
a nalidade de proporcionar segurança e proteção às mul-
1997 a 2000: Segundo Período de Gestão Feminista
heres da região ameaçadas de morte por violência domés-
da ADM
tica e familiar.
Coordenada pela feminista e liderança do movimento
O processo envolvendo a implantação deste equipa-
negro, Matilde Ribeiro, de 1997 a 2000, a atuação da ADM
mento público regional, foi impulsionado desde 1991 pelo
foi marcante. Em 1998, foi criado o Centro de Referência
movimento de mulheres da região, o que exemplica o lento
da Mulher em Situação de Violência - Vem Maria que se
processo de incorporação da perspectiva de gênero nas agen-
fortaleceu como política pública a tal ponto que, em 03 de
das governamentais.
maio de 2004, foi institucionalizado por meio da Lei Muni-
cipal nº 8.616. Esta Lei prevê apoio psicossocial e formação 2001 a 2004: Terceiro Período de Gestão Feminista da
prossional para as mulheres conquistarem sua autonomia ADM
e fazendo encaminhamentos às DDM, Casas Abrigos e ou out- No período de 2001 a 2004, a ADM passa a ser liderada
ros serviços de apoio para as mulheres poderem sair do ciclo pela socióloga e feminista Silmara Conchão que fortaleceu o
de violência. Programa Gênero e Cidadania, focado nas relações de gênero
Seguindo a estratégia de empoderamento das mul- e violência doméstica nos projetos de habitação popular,
heres e fortalecendo a sua atuação, a ADM incluiu a per- programa este que conquistou, em 2002, o prêmio “ONU
spectiva de gênero e raça na gestão participativa do Projeto Habitat” de melhores práticas do mundo em gestão pública.
Gerenciamento Participativo para as Áreas de Mananciais - Foi por meio deste Programa que as primeiras ações de dis-
GEPAM, uma parceria entre a municipalidade, o governo e cussão a respeito das masculinidades tiveram início na ci-
a universidade canadenses, envolvendo a preservação ambi- dade, com grupos reexivos com homens.
ental da região. Diversas ações da gestão anterior tiveram continuid-
Vale destacar ainda o esforço da ADM no fortaleci- ade e outras foram criadas. Um exemplo, referente ao enfren-
mento de políticas públicas de gênero junto ao Consórcio tamento à violência de gênero foi o Curso Promotoras Legais
Intermunicipal Grande ABC, criado em 1990, que tornou Populares – PLP para formar lideranças comunitárias como
possível e real a articulação entre os poderes públicos mu- multiplicadoras, a m de promover justiça, direitos e cidad-
nicipais e os agentes socioeconômicos regionais, sendo in- ania em suas comunidades, ou seja, empoderando mulheres

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

para conquistar autonomia nanceira, física e de tomada Łnanceira dos sete municípios e investimento do Governo
de decisões. É fundamental destacar que do Curso de PLP, Federal, por meio da Secretaria de Políticas para as Mulheres
em 2003, nasceu o Fórum de Luta das Mulheres Andreenses da Presidência da República.
– Fórmula Lilás. Constituído por organizações de mulheres
da sociedade civil, discutia relações de gênero, raça e ci- 2005 a 2008: Extinção da ADM e a Criação de um novo
dadania, organizava o calendário das ações relacionadas às Organismo de Gestão
datas armativas e realizava o controle social das políticas A gestão seguinte do PT, de 2005 a 2008, com o
públicas, fazendo as vezes de um Conselho de Direitos das propósito de fortalecer a transversalidade de gênero, extin-
Mulheres, que nesta época ainda não existia. guiu a ADM e em seu lugar criou o Núcleo de Políticas de
Neste mesmo período, na discussão do novo Plano Gênero, Raça, Geração e Pessoa com DeŁciência, ligado dire-
Diretor da cidade, a ADM criou diversas estratégias em con- tamente à Secretaria de Governo.
junto com o Fórmula Lilás. Com inspiração na gestão da ADM Na verdade, esta mudança veio na contramão dos
de 1989/1992, resgatou-se materiais da época de 1990. Com estudos feministas que defendiam, e continuam defend-
estes nas mãos, as mulheres se dedicaram a estudar tam- endo, um organismo especíŁco de políticas públicas para as
bém o Estatuto da Cidade e atuaram propositivamente, div- mulheres e com status de 1º escalão, visto que gênero e raça
idindo-se nas diversas comissões setoriais, para que fossem são estruturais na sustentação das desigualdades, discrim-
ouvidas e as suas principais necessidades fossem consider- inações e preconceitos, diferentemente das diferenças de
adas. idade e por deŁciência.
Para que se multiplicasse na região esta iniciativa, a No entanto, o fato de estar em um local estratégico
ADM organizou também o Seminário Regional O Olhar Fem- de poder não garantiu o sucesso de suas ações, pois a des-
inino sobre as Cidades, no Consórcio Intermunicipal Grande consideração pelos 12 anos de experiências desenvolvidas
ABC. Novamente, pode-se ter o apoio total do mandato da anteriormente não colaborou para que este Núcleo levasse à
Vereadora feminista na época, a socióloga Ivete Garcia que frente políticas inéditas de gênero. Pelo contrário, fragilizou
foi a primeira Assessora dos Direitos da Mulher no mu- as ações em andamento, provocando distanciamento dos
nicípio. movimentos sociais. Com a extinção do Grupo de Trabalho
Por m, foi promulgado o Novo Plano Diretor, Lei Intersecretarial Elo Mulher, houve também a desarticulação
Municipal nº 8.696 de 17.12.2004 que, além da lingua- das políticas de gênero entre as áreas do governo.
gem inclusiva, incorporou no artigo 8º, inciso XIX: “in- Em 2005, sob a coordenação de Santo André, o Con-
cluir políticas armativas nas diretrizes dos planos se- sórcio Intermunicipal lançou o Projeto Gênero, Raça, Pobreza e
toriais, visando a redução das desigualdades de gênero”. Emprego do ABC – GRPE que colocou nas ruas das sete cidades,
(SANTO ANDRÉ, 2004). com a participação de movimentos sociais e poder público,
Em 2003 houve o lançamento do Plano Regional do a Campanha As diferenças são naturais, as desigualdades, não.
ABC de Combate à Violência contra as Mulheres pelo Grupo Também foi realizado um Curso de Formação para
de Trabalho - GT Gênero e Raça do Consórcio Intermunicipal mais de 100 gestores(as) e lideranças sociais, produzindo
Grande ABC que ocializou a 1ª Casa Abrigo Regional. Pre- material de sensibilização sobre gênero e raça. Organizou-se
viu também a criação da 2ª Casa Abrigo, com a participação o Seminário Regional de Combate à Violência contra as Mulheres

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

e Perspectiva Racial no Grande ABC e se lançou a Revista Pro- ivo e indicativo da política municipal de gênero, que busca
grama Gênero, Raça, Pobreza e Emprego do Grande ABC. assegurar às mulheres o exercício pleno de sua cidadania,
Vale registrar neste período duas ações que zeram a sua integração nas atividades sociais, econômicas, políticas
diferença na área da saúde, por meio da Rede de Saúde para e culturais. Relevante considerar a importância do CMDM:
Atenção à Violência e Abuso Sexual – RESAVAS, criada em mulheres organizadas na Conferência Municipal de Políticas
2002: a noticação compulsória para a criação do banco de para as Mulheres, em 2011, aprovaram a proposta de criação
dados da violência contra as mulheres, crianças e adoles- de uma Secretaria de Políticas para as Mulheres – SPM em
centes; e a assistência ao aborto legal no âmbito municipal. Santo André.
Nas eleições municipais de 2012, mulheres feministas
2009 a 2012: Nova Gestão da Prefeitura e a Luta das assumem a disputa para cargos no legislativo, levantando
Mulheres no Município a importância do resgate das experiências já ocorridas no
Uma nova gestão do PTB foi eleita no município. município e, dessa forma, comprometendo publicamente o
Dentre os avanços e os retrocessos ocasionados por difer- candidato a Prefeito do PT de então com as causas das mul-
entes administrações, essa gestão manteve na Secretaria de heres e a criação da primeira Secretaria de Políticas para as
Governo o modelo do núcleo referido acima, mas agora com Mulheres em Santo André.
o nome de Departamento de Humanidades. 2013 a 2016: Inovando a Política de Gênero
Todavia, a atuação do movimento de mulheres nunca Eleita a nova administração do PT, de 2013 a 2016,
parou na cidade. Além dos movimentos já existentes desde a que inovou e fez história: atendendo à reivindicação do
década de 1990, como Fé-Minina – Movimento de Mulheres movimento de mulheres criou a Secretaria de Política para
de Santo André, Negra Sim – Movimento de Mulheres Negras as Mulheres - SPM, expressão de um novo modelo de gestão
de Santo André, Viva Melhor – Associação de Apoio às Mul- comprometido com a igualdade no sentido de fomentar
heres Mastectomizadas. novas relações sociais, de superar o machismo e o racismo
Em 2009, soma-se a Associação de Promotoras Legais visando à construção de uma sociedade mais justa, sem
Populares de Santo André - PROLEG. Esta Associação, desde violência e democrática para mulheres e homens.
este período, tomou a frente da organização do Curso de For- A pressão do movimento de mulheres em geral,
mação de Promotoras Legais Populares, com ou sem apoio através do CMDM, e a articulação das feministas nos parti-
da Prefeitura. Outra entidade, a Fé-Minina, a partir de 2011, dos políticos foram as responsáveis pela inclusão da criação
levou o curso para os bairros. da SPM como órgão administrativo de primeiro escalão na
Estes cursos seguem até os dias de hoje, realizados no Lei de Reforma Administrativa, 9.546/2013. A SPM foi o pri-
centro e nos bairros da cidade, multiplicando-se e fortale- meiro e único organismo de política para as mulheres de
cendo-se em suas ações, exercendo um papel essencial na primeiro escalão, entre as cidades da região do Grande ABC.
garantia dos direitos e fortalecimento da Rede de Enfrenta- E, no início de 2014, tomou posse a feminista e socióloga
mento à Violência Contra as Mulheres da cidade. Silmara Conchão como primeira Secretária da SPM de Santo
Em 2009 as mulheres andreenses conquistaram tam- André, experiente coordenadora da ADM em anos anteri-
bém o Conselho Municipal dos Direitos da Mulher – CMDM ores.
(Lei Municipal nº 9.194 de 14/12/2009), órgão deliberat- Não sem diculdades, é inegável e comprovada histor-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

icamente a importância que teve as gestões do PT nas esferas “ar, oxigênio” para falar de igual para igual com qualquer
do poder executivo para a incorporação das pautas femin- autoridade, fosse ela juiz ou juíza, delegado ou delegada,
istas na região do Grande ABC, que se tornou um verdadeiro todo o secretariado etc, possibilitando várias ações imedi-
laboratório de pesquisas acadêmicas de gestão de políticas atas e incisivas tanto no enfrentamento à violência contra as
públicas pautadas nestas experiências aqui brevemente re- mulheres como na questão da equidade de gênero.
latadas. Com o objetivo de promover a igualdade entre ho-
mens e mulheres e combatendo todas as formas de pre-
O IMPACTO DAS POLÍTICAS PÚBLICAS COORD- conceito e discriminação, a SPM buscou incluir a cidadã
ENADAS PELA SPM EM QUATRO ANOS DE GESTÃO em todo o processo de desenvolvimento social, econômico,
A ascensão do governo democrático popular, rein- político e cultural de Santo André. Com este modelo de
iciado em 2013, direcionou o sentido das políticas sociais, gestão, a Prefeitura raticou seu compromisso com a pro-
ampliando a responsabilidade do governo local em priorizar moção da igualdade e da equidade, através de políticas que
a reestruturação de políticas públicas de gênero através da contribuíram para a transformação das relações entre as pes-
criação da SPM. Ao longo deste governo reivindicações his- soas. Suas ações basearam-se em dois eixos de trabalho:
tóricas das mulheres se materializaram por ações, tais como EIXO I - Enfrentamento da violência contra as mul-
a assinatura do Pacto Nacional de Enfrentamento à Violên- heres, do qual faziam parte o:
cia contra a Mulher e a campanha Compromisso e Atitude - Vem Maria - Centro de Atendimento à Mulher em
pela Lei Maria da Penha: a lei é mais forte - foram marcos Situação de Violência Doméstica (Lei Municipal 8.616/2004):
iniciais de retomada do governo em defesa dos direitos da oferece atendimento integral às mulheres. Quando em risco
mulher. de morte iminente, são encaminhadas a um local sigiloso
Desenvolver estratégias para que a dimensão de gên- de moradia, com segurança e proteção para retomarem suas
ero fosse considerada por todas as secretarias municipais no vidas, a Casa Abrigo Regionalizada. Desde o início da gestão
momento de planejar políticas públicas foi bastante desaŁa- da SPM, houve 70% de aumento de atendimento. Em 2018 o
dor: por um lado, levou à ruptura com a verticalização usada Vem Maria completou 20 anos de existência.
para produzir e ofertar serviços e, por outro, a integração - E Agora José? criado em parceria com o Fórum Gên-
de objetivos e procedimentos dos órgãos de governo, aca- ero e Masculinidades do ABC este programa era articulado,
bando com o paralelismo e a pulverização das ações, duas sobretudo com as áreas de Segurança, Saúde e Participação,
das maiores deŁciências das gestões públicas atuais. promove atividades educativas em grupos de reexão
A nova secretaria, ao utilizar a transversalidade como com abordagem responsabilizante, com homens autores de
método de gestão para a inclusão da perspectiva de gênero violência contra as mulheres, condenados e encaminhados
no cerne da política de governo como forma de permear pelo poder Judiciário. Atualmente, com a extinção da SPM,
todos os setores, comandou um trabalho sistemático, con- o programa não está mais vinculado à Prefeitura Municipal,
tínuo e abrangente no decorrer de toda a gestão. é coordenado pela Organização da Sociedade Civil “Entre
O lugar estratégico de primeiro escalão, que a SPM Nós” em parceria com o Fórum da Comarca de Santo André.
então ocupava, foi fundamental em sua autonomia quanto EIXO II - Equidade de Gênero composto dos seguintes
à articulação das ações. Trabalhar sem receios era como ter programas:

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- Quem Ama Abraça. Fazendo Escola em parceria com a direitos à população LGBT. Alguns exemplos: atividades no
Secretaria de Educação, este programa objetivava fortalecer Dia de combate à Homofobia; formação proŁssional e in-
o espaço escolar como campo privilegiado para a superação serção no mercado de trabalho; rodas de conversa, saraus e
das diferentes formas de violência de gênero. Iniciado em oŁcinas; formação para servidores e servidoras; seminários
2014, envolveu equipes municipais de ensino em rodas de (o Transfeminismo, II Conferência Regional LGBT); atendi-
conversas com alunos/alunas e suas famílias. mento e encaminhamento para a rede de proteção.
- Projeto Gênero, Saúde e Meio Ambiente: ações - CMDM - Conselho Municipal dos Direitos da Mulher:
socioeducativas com mulheres e jovens das áreas de manan- atuou para assegurar às organizações de mulheres o exer-
ciais, Parque Andreense e Vila de Paranapiacaba, em parceria cício pleno da cidadania através da organização de um sis-
com a Faculdade de Medicina ABC. tema de controle social, Łscalizando e propondo políticas
- Pontos de Gênero: discussões sobre relações de gên- públicas.
ero em todos os cantos da cidade. Diversos cursos, ocinas - Grupo de Trabalho - GT Gênero do Consórcio Intermuni-
e palestras aconteceram, como por exemplo: PLP; Mulheres cipal do Grande ABC: objetivava o fortalecimento de políticas
e homens pela paz, contra o tráco de mulheres e violência para as mulheres na região, através de ações regionais, multi-
sexual; Se liga na parada: Gênero com juventude; Formação plicando experiências exitosas e espaços de formação.
para servidoras e servidores. - Mulheres de Santo André em Pauta: a SPM em parceria
- Datas AŁrmativas: dando visibilidade às lutas e con- com a Secretaria de Orçamento e Planejamento Participa-
quistas das mulheres realizaram-se atividades alusivas ao tivo lançou, em março de 2015, esta publicação apresen-
mês da mulher. Alguns exemplos: a Parada Lilás, passeata tando um perŁl socioeconômico feminino e o mapa da
pelas principais ruas do centro da cidade para valorização da violência contra as mulheres, que subsidiou a elaboração
mulher e armação de seus direitos; Outubro Rosa – mês in- de políticas municipais, especialmente as relativas ao risco
ternacional de prevenção contra o câncer de mama; 21 dias de violência e baixa qualidade de vida das mulheres, re-
de ativismo pelo m da violência de gênero; Campanha de direcionando as ações municipais para as regiões mais vul-
prevenção das doenças coronárias nas Mulheres: Quem Ama neráveis.
Cuida.
- Elo Mulher: Grupo Intersecretarial de Políticas para as A IV Conferência Municipal de Políticas para as Mul-
Mulheres: enfrentando as desigualdades de gênero, mensal- heres
mente o Elo Mulher reunia-se com a responsabilidade de Em março de 2015, a SPM realizou 32 pré-conferên-
promover as políticas públicas de forma matricial e in- cias de preparação da IV Conferência Municipal de Políticas
tegrada, garantindo a transversalidade de gênero, como por para as Mulheres com o tema Mulher, diga a cidade que você
exemplo: Agenda integrada do mês da mulher; Outubro quer. A partir da distribuição de 98 urnas por toda rede mu-
Rosa; Pacto nacional pelo enfrentamento à violência contra nicipal de ensino com este tema, conseguiu-se atingir, neste
as mulheres. processo, em parceria com o grupo intersecretarial Elo Mu-
- Assessoria LGBT: com base nos princípios constitu- lher e o grupo da Secretaria de Educação Quem Ama Abraça,
cionais de liberdade, igualdade, não discriminação e digni- mais de 5.000 mulheres andreenses.
dade da pessoa humana, esta assessoria atuou para garantir Em relação ao trabalho nas escolas com as urnas Mu-

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lher, diga a cidade que você quer percebeu-se grande envolv- Vale ressaltar que existe uma diversidade de con-
imento das famílias; das funcionárias, alunas e alunos; dos dições sociais e econômicas. Muitas mulheres são chefes de
Conselhos de Escola e Conselhos Mirins; da Educação de Jo- família e, outras, não trabalham fora de casa. Porém, todas
vens e Adultos e dos Cursos ProŁssionalizantes. O empenho são responsáveis pela educação e sustento dos Łlhos e Łlhas,
das multiplicadoras da Campanha Quem Ama Abraça que já dependendo de equipamentos sociais fora do turno escolar,
discutia questões de gênero nas escolas facilitou o potencial para garantir uma melhor qualidade de vida. Necessitam
desta ação, o que fez mudar o cenário de descrédito. serviços ampliados e mostraram-se preocupadas com a for-
Muitas escolas criaram o Cantinho Lilás e organizaram mação de professores e professoras a respeito da a questão da
Chá de Mulheres. Em algumas, ocorreram discussões produ- violência contra a mulher que ocorre nas escolas e na rua.
tivas e até emocionantes. Outras envolveram homens, fun- Analisando as demandas apontadas, observou-se que
cionários para oportunizar a participação de suas esposas, a realidade vivida por essas mulheres se caracteriza por
irmãs e mães, valorizando suas opiniões. Outras ainda en- uma rotina de muito trabalho e luta cotidiana, necessitando
viaram a pesquisa para casa para serem preenchidas e de- de apoio em vários aspectos e também de oportunidades
volvidas pelas crianças. Uma escola trabalhou o tema da de estudo e emprego. Verdadeiras guerreiras, a maior parte
violência nas rodas de conversa, depois fez a leitura da Lei acumula jornada de trabalho dentro e fora de casa, com o
Maria da Penha em cordel. Houve relatos de casos de mães, acompanhamento escolar das Łlhas e Łlhos, sem tempo ne-
parentes, vizinhas, alunas e alunos que sofreram violên- cessário para cuidarem de si, da sua saúde física, sexual e
cia doméstica. Uma verdadeira revelação epidemiológica da emocional.
violência contra a mulher e, ainda, silenciada na vida dos A partir deste grandioso processo, Łcou a convicção
alunos e alunas, professores e professoras. de que avançar é necessário para que as mulheres tenham
Mais do que nunca todo esse processo envolvendo como um direito a retaguarda das políticas públicas e uma
discussões trouxe à tona a questão da Segurança como a vida livre de qualquer forma de discriminação ou violência.
mais signiŁcativa, principalmente quanto ela se refere à Direitos só saem do papel quando as pessoas puderem ex-
violência de gênero vivida tanto em casa como na rua. Elas ercê-los com igualdade. Um município fortalecido é aquele
clamaram por justiça e punição aos homens agressores. Em que fortalece as potencialidades de todos e de todas, seus
segundo lugar, apareceu a área da Saúde com a demanda sonhos e projetos de vida: Direito à Cidade!
de atendimento mais agilizado e mais humanizado para
as especialidades femininas. Em terceiro lugar, veio a Edu- CONSIDERAÇÕES FINAIS
cação: muitas disseram que, por trabalharem o dia todo, Diferentemente dos outros setores do poder execu-
Łcariam mais seguras tendo suas Łlhas e Łlhos em período tivo, com áreas de responsabilidade, normas, rotinas e
integral nas escolas. Assim sendo, pediram mais vagas no procedimentos claramente deŁnidos, os organismos que
Projeto Mais Educação, apontando ainda a necessidade de envolvem gestão de gênero têm de se articular com os out-
vagas em creches e a qualiŁcação do ensino médio. De forma ros setores e promover políticas integradas. Precisam mos-
menos expressiva, apareceu a preocupação com melhorias trar e divulgar suas ações, seus resultados e seu impacto
no transporte público e a manutenção de áreas de lazer e vias sobre as desigualdades de gênero. Qualquer avaliação de seu
públicas, inclusive iluminação. alcance deve considerar as ações de outras secretarias, que

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podem favorecer ou diŁcultar seu funcionamento, princi- sideráveis retrocessos. Estes aconteceram nos períodos das
palmente se a área de políticas para as mulheres não tiver gestões de 1993-1996, 2009-2012 e 2017-2020, originados
poder para promover a articulação necessária dentro e fora pelo fato de os partidos de centro-direita ocuparem o poder.
da gestão. De 2013 a 2016, com a criação da SPM, reivin-
Embora a transversalidade de gênero nas políticas dicações históricas do movimento de mulheres e feminista
públicas não deva se constituir apenas por ações ou progra- foram institucionalizadas. As políticas de gênero foram ele-
mas que atendam às necessidades das mulheres, há que se vadas ao primeiro escalão na estrutura administrativa do
dar visibilidade às mulheres jovens, às idosas, às lésbicas, governo, com autonomia, orçamento e estruturas próprias.
às negras, às pobres, às deŁcientes e a toda variedade de Conrmando o que DENÚBIA (2015), em sua pesquisa de me-
situações enfrentadas por elas. strado sobre o desenvolvimento do trabalho intersetorial
As mulheres são mais da metade da população e estão nas políticas públicas de gênero em Santo André constata: é
assumindo cada vez mais papel decisivo em vários setores perceptível que a posição desse organismo no primeiro es-
da sociedade, inclusive na economia e na política do país. calão, potencializou articulação entre os demais setores, a
Mas ainda há muitos espaços a serem alcançados, até porque elaboração e execução de políticas e programas e enfrentam-
as mudanças, avanços e conquistas que tivemos ainda não ento, como a transversalidade de gênero nas políticas.
atingiram de maneira igualitária toda a diversidade do uni- Apesar de que a SPM fez avançar a justiça de gênero
verso feminino. para as mulheres andreenses como um todo, em suas ações
A construção de políticas de gênero é um processo, ela priorizou aquelas em situação de maior vulnerabilidade
sobretudo pela complexidade das mudanças que isso traz. – pobres, negras e trans - com o olhar especial da intersec-
Implica em mudanças na própria organização da sociedade cionalidade para que pudessem ampliar suas oportunidades
civil, na organização da máquina pública, implica em mu- em usufruir de políticas públicas e exercer a cidadania
danças de ordem econômica, social, política e, sobretudo, plena.
cultural. O fato da SPM ter poder no primeiro escalão do gov-
A mudança na organização da máquina pública se faz erno possibilitou pautar questões polêmicas e que os gover-
com muita diŁculdade, visto que, comumente, as Asses- nos sempre evitam. Garantiu-se segurança e acessibilidade
sorias e/ou Coordenadorias da Mulher estão situadas hierar- na realização do aborto legal no Hospital da Mulher Maria
quicamente em espaços destituídos de poder e com baixís- José Stein, de Santo André. Este serviço havia sido imple-
simo orçamento. Dentro da estrutura de poder o trabalho mentado em 2007, interrompido entre 2009 a 2012 e reto-
ainda é o de convencimento dos e das gestoras e funcionárias mado com a criação da SPM em 2013. Antes as mulheres que
em geral. O Estado é masculino e é um representante institu- precisavam deste procedimento eram encaminhadas para
cional do poder patriarcal. Em última instância, a perspec- o serviço de referência existente na capital. É importante
tiva de gênero nas políticas públicas subverte a estrutura do deixar aqui registrado que o atendimento ao aborto legal
poder constituído. não pôde ser publicizado pelo temor do grupo dirigente ou
Com estas considerações, percebe-se que, desde 1989, “núcleo duro do governo” de contrariar setores fundamen-
a trajetória das políticas públicas de gênero no município de talistas. (PECHTOLL, 2018).
Santo André apresentou avanços signiŁcativos, porém con- Outra ação polêmica foi a parceria histórica com a

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Secretaria de Educação: a capacitação em gênero foi levada izacional repensar o velho modelo de atuação especializada
para dentro da rede de ensino municipal em um momento e setorizada.
adverso, quando setores conservadores e defensores da “es- Quanto às ações que garantissem maior autonomia
cola sem partido” atuam para tirar do Plano de Ensino todas econômica às mulheres constatou-se que foram poucas
as referências às palavras gênero, diversidade, educação sex- e bastante frágeis, devido, sobretudo, as políticas locais
ual. atuarem muito subordinadas às macropolíticas. A autono-
A incidência das políticas para as mulheres na descon- mia depende muito mais dos contextos e do nível de
strução da cultura patriarcal foi um trabalho incansável. Um desenvolvimento da sociedade, isto é, depende do resultado
bom exemplo foi que a SPM esteve de prontidão apontando de mudanças na sociedade no que diz respeito ao aumento
a necessidade do uso da linguagem inclusiva. A Lei Munici- de liberdade e na diminuição das desigualdades. (CEPAL,
pal n° 8.241, de 27 de setembro de 2001, instituiu o uso de 2015).
linguagem inclusiva na legislação municipal e o Decreto nº Apesar da SPM ter sido criada e existido em um gov-
16.530, de 26 de junho de 2014, ampliou a regulamentação erno democrático popular em nível local, a centralidade da
desta lei ao disciplinar a forma de alusão à pessoa do gênero economia global continua sendo na reprodução do capital.
feminino, em atos normativos, a cargos, empregos, funções A autonomia econômica das mulheres está estreitamente
públicas e documentos ociais e reconhecer o nome social ligada a pensar alternativas que não foram contempladas
da cidadã e do cidadão travesti e transexual (SANTO ANDRÉ, pela teoria econômica neoclássica, nem tampouco pelo
2001, 2014). marxismo (ENRIQUEZ, 2015). Como defende a economia
Ampliou-se a transversalidade e a intersetorialidade feminista, diŁcilmente um governo local teria êxito em
ao se considerar as políticas de gênero no planejamento mudar, por si só essa centralidade do capital para romper
estratégico governamental. Porém, o Grupo Intersecretarial com o estabelecido ao pôr luz na sustentabilidade da vida,
Elo Mulher que se propunha a tratar a transversalidade de entendida como uma relação dinâmica e harmônica entre
gênero, não foi por si só capaz de transversalizá-lo na estru- humanidade e natureza e entre humanas e humanos. (CAR-
tura do governo como um todo. Ocorreu neste grupo um RASCO, 2006).
processo de sensibilização e formação que atingiu diferente- Um desaŁo importante é o do poder público encon-
mente suas participantes. Algumas secretarias mostraram- trar condições orçamentárias suŁcientes para investir em
se impermeáveis às questões de gênero e às políticas que de- políticas de gênero, visto que, com o avanço do neoliberal-
veriam ser tratadas transversalmente, muitas de suas ações ismo, o Estado vem, cada vez mais, diminuindo direitos e
acabavam por reforçar estereótipos de gênero. Foi preciso garantias nas políticas sociais, atingindo de maneira brutal
muito esforço para que as ações da SPM tivessem eco em os mais pobres e entre eles, sobretudo as mulheres.
ações próprias das demais secretarias. Outra questão que a SPM não conseguiu enfrentar foi
Essa diculdade em trabalhar com transversalidade e a injustiça da representação feminina. Além de não ter sido
intersetorialidade é característica das políticas sociais. Por aprovada no Congresso Nacional uma reforma política de
sua complexidade, deveriam atuar integradamente e recon- forma a garantir a participação equânime, não houve tempo
gurar numa nova lógica as estruturas de poder das políticas e recursos para ações no sentido de fortalecer as candi-
públicas: a partir de mudança de valores e da cultura organ- datas aos cargos no legislativo local. Assim a representativi-

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dade feminina nos espaços de poder e decisão manteve-se mercadoria. É preciso mudar a lógica de gestão da máquina
insigniŁcante. Como defende FRASER (2002), nem a redis- pública que concentra renda em nosso país. [811]
tribuição nem o reconhecimento são possíveis sem repre- E por Łm, prestemos muita atenção, estamos en-
sentação. trando em disputa eleitoral nos municípios. Este lugar, o da
Estes são alguns novos desaŁos que poderiam ser gestão local, se constitui potencialmente no mais import-
assumidos na continuidade da SPM no município. Infeli- ante lugar de democratização da ação pública. E também
zmente, não houve tempo para que as políticas públicas de construção da cidadania, considerando-se este como um
voltadas às mulheres se tornassem políticas de Estado, forte espaço de inclusão social e superação das desigual-
tendo sido extintas pelo governo neoliberal que assumiu dades, violências e injustiças de toda ordem.[812]
em 2017 no país. No Łnal de 2016, no município de Santo
André, o governo petista perdeu as eleições municipais e a
nova gestão passou a ser comandada por prefeito do PSDB
que extinguiu a Secretaria de Políticas para as Mulheres no
município. Ou seja, um passo à frente e dois para trás... nova-
mente um grande retrocesso.
Hoje nosso cenário em plena pandemia do corona
vírus, somado às gestões governamentais marcadas por
grandes retrocessos nas políticas sociais e de direitos hu-
manos, nos colocam diante de grandes desaŁos, dentre eles:
a precarização do trabalho, da vida e o aumento da violência
contra a mulher. Mesmo neste contexto de governos que
desmontam as políticas sociais e atacam os pobres, substan-
cialmente as mulheres de baixa renda, entendemos que a
garantia de direitos, por meio da realização de políticas soci-
ais, é essencial para diminuir os efeitos das desigualdades es-
truturais produzidas pelo capitalismo perverso e melhorar a
vida das mulheres.
As políticas para as mulheres em todas as fases da
sua vida, devem estar voltadas à promoção da igualdade de
gênero, étnico-racial e da liberdade de orientação sexual e
religiosa. Essas políticas dizem respeito diretamente à con-
cretização de direitos sociais e são tencionadas pelo conłito
de interesses em disputa na sociedade, especialmente pelas
concepções neoliberais que, como sabemos, tem diminuído
direitos de toda ordem, reduzido os gastos do Estado, espe-
cialmente com os mais pobres e transformando direitos em

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entendimento das razões pelas quais as mulheres negras per-


manecem ocupando, em maioria esmagadora, as tarefas re-
GÊNERO E RAÇA ANTE A PANDEMIA DA lacionadas ao cuidado (faxineiras, babás, cuidadoras de ido-
COVID-19: A FLEXIBILIZAÇÃO DO DIREITO sos), além dos motivos que levam o serviço prestado por
À VIDA EM TEMPOS DE CRISE essas mulheres ser extremamente precário, mal remunerado
e mais valorizado do que suas próprias vidas.
Maria Eduarda Gobbo Andrades[813]
Neste cenário, o presente estudo versa sobre o acir-
Maria Júlia Lima Pereira[814]
Natália da Silva Lima[815] ramento da banalização da vida de mulheres negras durante
a pandemia da COVID-19 no Brasil. Propondo-se a apontar
No ano de 1949, a lósofa Simone de Beauvoir a intensicação das vulnerabilidades há muito vivenciadas
ensinou, através da publicação de sua mais proeminente por essas mulheres, as quais estão diretamente relacionadas
obra, O Segundo Sexo, que os direitos conquistados pelas ao processo da feminização da pobreza atrelado ao modo de
mulheres jamais seriam permanentes; ao menor sinal de inserção destas no mercado de trabalho e à estrutura coloni-
crise, seja ela política, econômica ou religiosa, tais dire- alista e racista na qual estão inseridas.
itos seriam questionados, sendo, necessário, portanto, se Assim, tendo-se como fato que a pandemia da
manter vitaliciamente vigilante. Hoje, cerca de 70 anos de- Covid-19 afeta predominantemente mulheres negras, que
pois, diante da pandemia do novo coronavírus e da clara desde sempre foram colocadas em um duplo local de
mitigação aos direitos das mulheres negras, não é difícil a opressão, recaindo sob seus corpos as agruras do machismo
percepção de que o pensamento de Beauvoir permanece vál- e do racismo, o trabalho em tela, sem pretender esgotar o
ido. tema, objetiva discutir e questionar: em meio à uma crise
Apesar de o surto viral estar gerando efeitos e conse- econômica, sanitária e social, quais vidas merecem e quais
quências em proporção global, como a sobrecarga nos sist- não merecem ser preservadas?
emas de saúde e consideráveis prejuízos na esfera econôm-
ica, o cenário é especialmente cruel com os setores histor- A FEMINIZAÇÃO DA POBREZA
icamente marginalizados e explorados. Este é o caso das O termo “Feminização da Pobreza” foi introduzido
mulheres negras, que representam o maior número entre por Diana Pearce pensadora estadunidense, em 1978, em
as trabalhadoras domésticas e encontram-se extremamente seu artigo “The Feminization of Poverty: Women, Work and
vulneráveis neste momento, seja por necessitarem seguir Welfare” publicado na “Urban and Social Change Review”,
trabalhando para manutenção da renda, expondo a si e aos referindo o início deste processo ao momento no qual a mul-
seus familiares ao contágio, ou por verem-se desempregadas her, sozinha, torna-se responsável pelo sustento seu e de seus
e incapacitadas de seguir sustentando o núcleo familiar, do lhos. Para Pearce “a pobreza está rapidamente se tornando
qual, em grande parte das vezes, são as únicas responsáveis. um problema feminino”[816], existindo consequências sociais
Neste particular, analisando o contexto nacional, é e econômicas derivadas do fato de ser mulher, sem um com-
fundamental apontar que o Brasil foi o último país do panheiro, que conduzem à pobreza.
mundo a abolir a escravidão, há apenas 132 anos; a com- Novellino [817], ao estudar tal processo, sustenta que as
preensão desse passado colonial e escravocrata ajuda no diculdades vividas pelas mulheres pobres em se manter, e

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aos seus lhos, derivam de sua pior e menor participação R$420,00 mensais, o que demonstra a maior diculdade
no mercado de trabalho. No mesmo sentido, Machado e An- econômica vivenciada.
drade armam que “A pobreza é feminina porque a desigual- Em suma, as mulheres negras e famílias por estas
dade de gênero impõe às mulheres menos autonomia, menos cheadas são mais vulneráveis à pobreza, principalmente
acesso ao trabalho remunerado e, principalmente, ao tra- em consequência de sua maior diculdade de inserção e
balho remunerado decente e bem pago.”[818]. Corroborando, permanência no mercado de trabalho, que é por si discrim-
Melo aponta que “[...] há uma nítida relação entre divisão inatório, desigual e excludente, estando mais suscetíveis à
do trabalho e a pobreza das mulheres; a inserção feminina más condições de trabalho, à informalidade e ao desemp-
aconteceu em paralelo com o crescimento das atividades rego, e sendo, portanto, o grupo mais afetado em tempos de
informais, das atividades sem remuneração e aumento das crise.
taxas de desemprego”[819].
Assim, importante consignar que a feminização da O MERCADO DE TRABALHO E A MULHER NEGRA: EX-
pobreza ocorre não pela ausência de um homem como chefe PRESSÃO DE UMA HERANÇA COLONIAL
ou membro da família, mas pela diculdade da mulher, Desde a emissão da Declaração de Emergência em
enquanto única responsável pelo sustento do núcleo famil- Saúde Pública de Importância Internacional pela Organ-
iar, de inserção e permanência no mercado de trabalho, re- ização Mundial de Saúde (OMS) em 30 de janeiro de 2020,
sultando em baixo acesso à renda[820]. o mundo se viu receoso e amedrontado por mais uma
Do mesmo modo, frisa-se que, o fato de a pobreza afe- vez estar, agora ocialmente, perante uma “pandemia glo-
tar ambos os sexos não é ignorado, contudo, o reexo de bal” [822], como armou o diretor-geral da entidade, Tedros
tal fenômeno na vida das mulheres ocorre de maneira dis- Ghebreyesus, no dia 11 de março do supracitado ano.
tinta, mais aguda e por fatores relacionados ao gênero, que as No mesmo dia, o Ministério da Saúde baixou a port-
tornam mais vulneráveis e a superação deste fenômeno mais aria nº 356, que se propôs a regulamentar e estabelecer as
difícil. medidas nacionais de enfrentamento à pandemia ocasion-
Sobreleva notar que, ante a estrutura patriarcal e ada pelo Covid-19, sendo as principais o isolamento e a
colonialista da sociedade brasileira, faz-se necessário uma quarentena, visando frear a disseminação do vírus e o es-
análise interseccional entre gênero, raça e classe social, já praiamento de sua – até então baixa – letalidade.
que as mulheres negras lidam com as desigualdades de gên- Concomitantemente, a máxima de que “estamos
ero somadas à desigualdade racial, acentuando a discrim- todos no mesmo barco” passou a ser amplamente difun-
inação e as vulnerabilidades e colocando-as na base da dida, dando a entender que em circunstâncias emergenciais,
pirâmide da pobreza. todos seriam afetados, independente da subjetividade de
Neste particular, de acordo a Pesquisa Nacional por cada um. Todavia, as mulheres negras, que em grande parte
Amostra de Domicílios realizada pelo IBGE[821] no ano de das vezes são as únicas responsáveis pelas despesas de seus
2018, há mais de 7,8 milhões de pessoas vivendo em casas domicílios, e que antes desta pandemia já encontravam-se
cheadas por mulheres negras, neste rumo, 33,5% destas sobrerrepresentadas em subempregos, com condições pre-
mulheres e 63% dos lares por elas cheados estão entre cárias e mal remunerados, como é o caso do trabalho domé-
os que recebem menores rendimentos – aproximadamente

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stico, e em trabalhos informais, neste momento de crise en- abilidade social e econômica. Com a chegada da pandemia,
frentam situações ainda piores. essa parcela da população, que já ocupava a base da
Assim, armar que a pandemia acomete a todos igual- pirâmide, passou a gurar o grupo daqueles que estão mais
mente é ignorar que o Brasil é um país construído sob expostos ao risco de contaminação pelo vírus.
bases racistas, patriarcais e capitalistas, cuja história está É importante, portanto, ressaltar que a pandemia
alicerçada em um passado colonial que ainda não foi capaz não criou as mazelas acima citadas; antes dela, já havia
de superar. Evidência disso é o fato de o trabalho domé- uma vivência sob uma estrutura capitalista neoliberal que
stico ter sido considerado essencial nos Estados do Pernam- desumaniza os trabalhadores na medida em que explora
buco [823], Pará[824], Maranhão [825] e Rio Grande do Sul [826], tendo inescrupulosamente sua mão de obra e lhes tolhe os direi-
o Poder Público exibilizado a permissão de continuidade tos sociais e trabalhistas conquistados à duras penas; nesse
de prestação desses serviços. sentido, é plausível armar que a conjuntura causada pelo
Tal determinação evidencia a ótica colonial e es- vírus só expõe ainda mais as feridas presentes no tecido so-
cravocrata com a qual se olha o trabalho doméstico, sobr- cial, que já vem sendo mutilado há anos.
etudo quando se analisa quais são os corpos que mais ocu-
pam essa função: de acordo com o levantamento realizado A QUEM PERTENCE O DIREITO À VIDA?
pelo Ipea[827] em 2018, 6,2 milhões de pessoas tinham como A Constituição Federal é muito clara ao assegurar,
ocupação o serviço doméstico remunerado; destas, 92% em seu artigo 5º, a inviolabilidade do Direito à vida, onde
eram mulheres (5,7 milhões), das quais 3,9 milhões eram também assevera que todos são iguais perante a lei, não hav-
negras. Esses dados revelam que, mesmo se tratando de um endo distinção de qualquer natureza entre as pessoas[829]. É
trabalho mal remunerado, invisível e extremamente desval- importante salientar que este, o primeiro dos direitos fun-
orizado, ainda assim é a única possibilidade de inserção no damentais anunciados na Carta Magna, ocupa essa posição
mercado de trabalho para muitas mulheres, em especial mu- por ser justamente uma premissa de garantia de todos os
lheres negras e pobres. outros direitos aançados pela legislação brasileira e inter-
Saliente-se que, apenas em 2013, quase 125 anos após nacional.
o m da escravidão, houve a extensão dos direitos tra- Embora se saiba que o direito de se viver dignamente
balhistas básicos à categoria de trabalhadoras domésticas, esteja positivado e constitucionalizado e que isso repre-
através da aprovação da popularmente conhecida como senta um grande avanço no ordenamento jurídico brasileiro,
“PEC das domésticas”. Mesmo assim, de acordo com os dados muito infelizmente não é o suciente para sua concre-
da Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios Contínua, tização. É justamente por isso que não é difícil a percepção
referente ao primeiro trimestre de 2020, apenas 28% das de que a efetivação da garantia do direito à vida apresenta
trabalhadoras domésticas possuem vínculo empregatício e claros recortes de raça e gênero na sociedade.
direitos trabalhistas assegurados[828]. O já mencionado termo “Interseccionalidade” fre-
Tais fatos demonstram que a intersecção do racismo quentemente é usado para as discussões que envolvem a
estrutural com a divisão sexual do trabalho - derivada do ponte entre gênero e raça, uma vez que se objetiva in-
patriarcado e que limita o trabalho feminino ao âmbito cluir questões raciais nas discussões acerca de gênero, assim
doméstico – coloca as mulheres negras em lugar de vulner- como abarcar as questões de gênero nos debates raciais.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Aqui, é importante explicar que a mitigação do direito à É justamente nesse sentido que se sobreleva a pri-
vida da mulher negra está totalmente relacionada ao fato de meira morte no Rio de Janeiro em decorrência da pandemia
as leis não levarem em consideração que ‘’mulheres vítimas da COVID 19: Cleonice Gonçalves, 63 anos, empregada domé-
de discriminação de gênero podem ser mulheres negras’’ [830], stica, contraiu o vírus em serviço, na casa da família que tra-
sendo justamente esse um dos fatores que as desprotegem. balhava há décadas, situado no bairro nobre do Leblon[831].
Quando se fala do direito à vida digna destas mul- Sua empregadora havia recém-chegado de viagem à Itália - o
heres, é preciso entender que jamais houve uma estabili- epicentro da pandemia naquele momento – e, mesmo ciente
dade, sendo que para elas é incessante o desao de sobre- de que as chances de estar infectada eram altíssimas, não
viver. Destaca-se que essa situação tende a agravar-se em avisou a funcionária, que não resistiu. Assim, não há dúvidas
momentos de crise, seja política, econômica, social e/ou de de que, na prática, o direito à vida pertence apenas a uma
saúde pública, como a pandemia da COVID-19, enfrentada parcela da população, que por vezes prefere permanecer em
atualmente. silencio com seus privilégios.
A crise da COVID 19 trouxe mudanças para as mais
variadas pessoas no mundo todo. Por recomendações da A INSEGURANÇA ECONÔMICA E A BANALIZAÇÃO DA
Organização Mundial de Saúde, a população se viu obrigada VIDA
a manter o isolamento social e entrar na popularmente cha- Criado pelo lósofo camaronês Achille Mbembe[832], o
mada “quarentena”. Em pouco tempo as cidades se esvazi- conceito de necropolítica consiste no uso do poder social
aram, as pessoas se recolheram em suas casas e os trabalhos e político para ditar como algumas pessoas podem viver e
não essenciais passaram a ser realizados à distância, just- como algumas devem morrer; nesse tocante, é criado no seio
amente no intuito de se evitar aglomerações. da sociedade uma escala de desumanização, em que alguns
Contudo, esse discurso de “car em casa” difundido corpos são considerados essenciais e merecedores de pro-
na sociedade falha ao ignorar o fato de que o direito de teção, e outros são negligenciados.
se manter vivo e em quarentena abrange apenas uma par- Ainda que a precarização da condição das tra-
cela privilegiada da população, isentando dessa regalia as balhadoras domésticas já se vericasse no cenário pré-
mulheres negras e pobres, que, conforme supracitado, cor- pandemia, é agora que se pode enxergar cristalinamente a
respondem à uma parcela altíssima das prestadoras de ser- maneira como a necropolítica é desempenhada pelo Estado
viços domésticos no Brasil, mulheres estas que em muitos brasileiro, posto que este toma medidas – como a inclusão
casos têm que continuar trabalhando, mesmo com o risco do serviço doméstico nos considerados essenciais – que des-
de contaminação para si e seus familiares, para não se verem valorizam a vida daquelas que já se encontravam em vulner-
desempregadas. abilidade, em prol da manutenção de uma mentalidade co-
Aqui, se faz necessária a reexão de que a parcela lonial que associa diretamente mulheres negras à servidão.
branca de classe média da sociedade ainda não superou as Assim, faz-se necessário, portanto, uma perspectiva
heranças escravocratas e, por querer ainda manter os moldes de gênero e raça na resposta à pandemia, considerando
de casa grande, onde há uma continua servidão, vê como es- as particularidades vivenciadas pelas mulheres negras, que
sencial a permanência do trabalho doméstico, mesmo que estão sendo afetadas de forma imediata. Conforme já dem-
isso represente risco à vida das que ali laboram. onstrado, as mesmas são penalizadas por esta crise econôm-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

ica, sanitária e social de forma mais intensa e duradoura, em


parte, justamente por representarem maior número entre CONCLUSÃO
as trabalhadoras domésticas e verem-se diante da cruel es- A chegada da pandemia causada pela COVID-19 im-
colha entre seguir trabalhando buscando uma renda para pactou e modicou drasticamente o cotidiano e a existência
sustento próprio e de seus lhos, ou verem-se desempre- da humanidade em escala planetária, acarretando diversas
gadas com uma escassez de recursos e inúmeras dívidas. perdas irrecuperáveis. Contudo, conforme explanado, veri-
Nesse sentido, tem-se a nota técnica apresentada pelo ca-se que algumas vidas são mais oneradas do que outras
Ipea em parceria com a ONU mulheres[833], em junho de em tempos de crise, sendo o caso das mulheres negras e po-
2020, que, ao indicar a vulnerabilidade e risco de contágio bres.
enfrentado pelas trabalhadoras domésticas no Brasil, aponta Sabe-se que, no Brasil, estas mulheres ocupam a maior
a necessidade da chamada “quarentena remunerada”, o que parte dos trabalhos relacionados ao cuidado, seja ocupando-
corrobora com o que já havia sido apresentado em relatório se com crianças, idosos, ou afazeres domésticos - mesmo
elaborado pela “Think Olga e Think Eva”[834], que em seu eixo tratando-se de trabalhos com condições precárias e desval-
2, nominado “mulher, trabalho e economia”, enfatiza a ne- orizadas, para estas mulheres em especial, em grande parte
cessidade de garantia de pagamento às trabalhadoras domé- das vezes, é a única porta de entrada ao mercado de trabalho
sticas enquanto cumprem devidamente as recomendações – e que estão sobrerrepresentadas entre os pobres.
de isolamento social. Neste diapasão, quando alguns Estados entendem
Outrossim, o auxílio emergencial fornecido pelo como essencial a prestação de serviços domésticos, ainda
Governo Federal, mencione-se, após pressão do Congresso que a Organização Mundial da Saúde (OMS) tenha armado
Nacional, no valor de R$ 600,00 e em duas cotas para mul- se fazer necessária a realização de isolamento social diante
heres chefes de famílias monoparentais, por período inicial da pandemia mundialmente enfrentada, obrigando estas
de 3 meses, mostra-se crucial. Contudo, não podemos ig- mulheres a seguirem trabalhando para não verem-se sem
norar a necessidade da manutenção do suporte à essas mu- a manutenção da renda, evidencia-se a herança colonial e
lheres após esse período inicial e após a pandemia em si, já escravocrata baseada na servidão que o país carrega, bem
que boa parte destas se encontrarão desempregadas e terão como a banalização da vida de mulheres negras.
imensa diculdade de se reinserir no mercado de trabalho. Neste cenário, apesar de a Constituição Federal des-
Em outro tanto, é imprescindível que a longo prazo, crever que o Direito à vida digna pertence a todas as pessoas,
sejam desenvolvidas políticas públicas que contribuam para sem qualquer tipo de distinção, o Estado falha ao efetivar
a reinserção deste grupo no mercado de trabalho, com o este direito, seja por manter-se calado e conivente com os
intuito de garantir a sua autonomia econômica, pois, caso centenários privilégios existentes, ou por não reconhecer
não sejam adotadas medidas pelo Estado, o supracitado fato a necessidade de proteção às mulheres negras; por conse-
de serem mais vulneráveis a pobreza se intensicará ainda guinte, é fato que não é possível a aplicação da ideia de que
mais e as mulheres que não perderem suas vidas, ou de famil- somos iguais em direitos em meio a uma sociedade estru-
iares, pelo contágio do novo corona vírus encontrar-se-ão turada entorno de dolorosas desigualdades de raça, gênero e
em meio a uma escassez de recursos e desprotegidas social- classe social, tal qual a sociedade brasileira.
mente. Destarte, conclui-se que em meio a uma crise econôm-

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EZILDA MELO

ica, sanitária e social, o direito à vida é garantido apenas a


uma parcela privilegiada da sociedade, na qual não estão in-
cluídas as mulheres negras e pobres. Fazendo-se necessário ANTIGONAS DA PANDEMIA
e urgente, portanto, que a resposta estatal à pandemia da
Maria Helena Franca Neves[835]
Covid-19 leve em consideração questões de gênero e raça,
para que as mulheres negras, mais vulneráveis ao contágio O Dia
do vírus e com menos acesso à saúde, não percam suas vidas Lugar de mulher é onde ela quiser.
Mulher desaparecida teve corpo incinerado em fornalha
e as de seus familiares por negligência do Estado e não se en- pelo amante, diz polícia.
contrem ainda mais vulneráveis, pelo desemprego, após este Musa do Atlético de Sorocaba arrasa nas redes sociais
período de crise. com posts sensuais.
Cleo Pires posa de maiô cavado e encanta seguidores.
Perereca é surpreendida devorando suculenta cobra
venenosa.
Mansão de Lázaro Ramos e Taís Araújo, avaliada em R
$5,9 mi, é colocada à venda, veja fotos!
Nasa avista ´raio da morte´´ fenômeno que pode
acabar a vida na Terra. Nome ocial dessa fonte de raios-X é Cygnus
X-1 e ela possui energia suciente para acabar com a nossa vida.

A Tarde
Mulher se afoga após cair no Dique do Tororó
Menino de 11 anos morre em tiroteio no Vale das
Pedrinhas.
Jovem dá à luz em praça no Uruguai.
Mulheres da TI na Bahia: É uma regra ou exceção?
Café da Tarde em Homenagem ao Dia da Mulher.

CORREIO
Enterro ‘express’: Dois minutos para se despedir de uma
vida inteira.

Revista AzMina
Mulheres enfrentam em casa a violência doméstica e a
pandemia da Covid-19.

ONU MULHERES
Violência contra as mulheres e meninas é pandemia
invisível.

As passagens que acabo de citar Łguram nas man-


chetes de jornais do Rio de Janeiro, de Salvador e noticiários
do sistema virtual de junho de 2020, quando o Brasil ap-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

resenta um quadro de mortes que o coloca no epicentro mentos e atitudes intempestivas, na opressão e na luta pelo
do Coronavírus. Quis começar por essas citações por me poder. Antígona (similar: Maria da Penha), arauto da insu-
parecer prestar-se muito bem como introito ao tema deste jeição, liberdade, dignidade, linguagem, vida, amor. Fausto
artigo Antígonas da Pandemia – metáfora de posiciona- Wolf comentando em 2007, a peça de Sófocles, escrita há
mento em face da Covid-19 e principalmente como rede mais de 2600 anos, (brilhantemente traduzida por Millôr
de conexões entre os fatos, entre as pessoas e as coisas do Fernandes)[837], considera que nunca o mundo esteve tão
mundo em tempo de pandemia. As manchetes aqui citadas próximo da destruição como na época da saga Bush com seus
funcionam a título de aforismos, como que substituem a crimes de guerra e racismo.
unicidade de um eu pensante pela multiplicidade de sujei- De repente, o mundo refém da pandemia do cor-
tos, vozes, olhares sobre o mundo subjugado a um arqué- onavirus, um Thanatos (o deus da morte da mitologia grega)
tipo hiper-real em que a morte e vida se confundem e a à solta, abala a estabilidade das pessoas, sobrecarrega som-
sobrevivência passa a ser o referencial de um cotidiano que briamente a vida das Antígonas dos dias atuais, especial-
se atropela entre resguardos, medos e dolorosa perplexi- mente as mães solo, que no Brasil segundo dados estatísticos
dade ante óbito em massa, levando a milhares de familiares alcançam mais de 11 milhões. Outra dimensão da desigual-
tristeza e dor. dade de gênero enfrentada pelas mulheres dentro de suas
Identico-me com Ítalo Calvino, leitor amante de casas é a violência cujo emissor é o parceiro.
Paul Valéry, com eles digo: sempre busquei e busco e con- O noticiário divulgou em maio, que a Justiça estadual
tinuarei buscando aquilo que denomino o Fenômeno Total, ou do Rio de Janeiro registrou um aumento de 50% nos casos
seja, o Todo de consciência, das relações, das condições, das pos- de violência doméstica, antes mesmo de que fosse adotado
sibilidades, das impossibilidades [836]. Reetindo sobre o mo- o conŁnamento. A OMS (Organização Mundial da Saúde) es-
mento atual visualizo na mulher a condição de Fenômeno tima que a cada três mulheres no mundo sofrem violência
Total, do qual emerge um ser capaz de incorporar na uni- física ou sexual, na maioria das vezes perpetrada por um
cidade do seu próprio ventre em gestação, a multiplicidade parceiro íntimo. ``Para essas mulheres Łcar em casa para
de sujeitos, a capacidade de desenvolver uma vida social conter a disseminação do vírus signiŁca estar trancada com
que requer doses muito elevadas de disposição para ouvir, seu agressor´´. Segundo a Revista AzMina um levantam-
muita capacidade de suportar, desdobrar-se, de servir e ento inédito sobre violência doméstica na pandemia apon-
acima de tudo uma notável capacidade de viver e de ajudar tou que 195 mulheres foram assassinadas entre os meses de
a viver. Sófocles (495 a. C.- 406 a. C.), autor da tragédia março e abril de 2020. A ONU Mulheres divulgou em março
Antígona, do teatro político-losóco de Atenas, coloca em último, um documento recomendando que a resposta à
cena uma mulher que sozinha, sem partidários, sem exér- covid-19 na América Latina e Caribe leve em conta a questão
cito, desaa e abala a tirania imperante em uma sociedade da violência doméstica. Phumzile Mlambro-Ngcuka, dir-
em que a vida pública era de exclusiva competência mas- etora executiva da ONU Mulheres e Vice-secretária geral das
culina, e a violência doméstica era tão natural, que seria Nações Unidas alerta:
ao estilo quase um mal necessário. Sófocles dimensiona em
Em meio à pandemia da Covid-19, pandemia da
Antígona, a desigualdade de gênero, a violência doméstica: violência contra as mulheres e meninas age na invisi-
o homem, terrível no crime e na guerra, em altos pensa- bilidade e nos silêncios. No decorrer do documento

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acrescenta: “A Covid-19 está nos testando de maneira em socorro às vítimas de agressão em tempos de isolamento
que a maioria de nós nunca experimentou anterior-
o Cry for Help, é mais que um SOS. Lançado em tempos de
mente, fornecendo choques emocionais e econômicos
que estamos lutando para superar. A violência que isolamento social da Covid-19, esse SMS é mensagem con-
está emergindo agora como uma característica som- ceitual, emana uma linguagem- apelo para que se cuide de
bria dessa pandemia é um espelho e um desao aos quem cuida.
nossos valores, nossa resiliência e humanidade com-
A solidariedade vem se pronunciando como uma
partilhada. Devemos não apenas sobreviver ao coron-
avírus, mas emergir renovadas, com as mulheres como revelação de cuidado com o outro. Aproxima-se de uma das
uma força poderosa no centro da recuperação”[838]. visões de Nelson Mandela: “Sonho com o dia em que todos se
levantarão e compreenderão que foram feitos para viverem
CRY FOR HELP como irmãos”. Muitos voluntários têm se mobilizado para
A carne do corpo, diz Merleau-Ponty nos faz com- ajudar pessoas em estado de vulnerabilidade. De acordo
preender a carne do mundo. Em tempo de pandemia corpo com Cris Fernández Andrada, professora do Departamento
e mundo veem se cruzando em um labirinto cujo centro é de Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de
nada mais nada menos que um espelho, que rełete o eu, o São Paulo (PUC-SP), a principal motivação das iniciativas
outro e a profunda construção de identidade que ambos se solidárias está relacionada ao reconhecimento da dor do
proporcionam no combate à morte e na eleição do sentido outro. Seres humanos são seres coletivos que se identicam
da vida. com a mesma condição diante de crises agudas que amea-
Segundo o Łlósofo-poeta Schiller[839]4 a vitória do çam nossa existência.[840]5
pensamento sobre as leis do tempo, não tem como prem- A dimensão solidária estabelece identidade entre in-
issa ideologias, mas a harmonia sensível, a busca de sentido dividualidades dentro de uma dimensão de universalidade.
à vida. A história humana não é um destino, nem somente o Não se trata de caridade, mas sinônimo de cuidado, de
que nos faz: ela é o que fazemos juntos, do que nos faz, e isso solicitude, proximidade. A solidariedade promove a resin-
é a própria vida ética. Não basta esperar a justiça, a paz, a lib- gularização da subjetividade, acena a uma nova forma de
erdade, a prosperidade. É preciso agir para defendê-las, para conceber o próximo, o coletivo e vai derrubando fronteiras
aprimorá-las, o que só se pode fazer eŁcazmente de forma entre individualidade e alteridade. O Projeto Amparo parte
coletiva. Por mais antagônico que possa ser, é, contudo no do princípio da escuta solícita, quebra preconceitos tradi-
´´isolamento social´´ imposto pela Covid-19, que ações cionais que ensinam que ´´em briga de marido e mulher não
coletivas se mobilizam para socorrer o outro. A solidarie- se mete a colher´´ e alerta:
dade, como fato humano de alteridade tem se manifestado -´´Ouviu gritos na vizinhança? Em tempos de isola-
durante a Covid-19, nas mais diversas formas seja presencial, mento social, muitas mulheres estão em casa com seus
seja em forma virtual. Solidariedade, primeira Virtude Ética agressores. Por isso, o papel dos vizinhos é muito import-
do conjunto: Responsabilidade e Liberdade vêm se tornando ante para a proteção delas, se você ouviu situações de
um marcante mecanismo social de assistência ao outro, em
meio ao conŁnamento determinado pela pandemia. Funda- violência física ou verbal, você pode denunciar (...)``[841]6.
mentada em ações intermediadas virtualmente, a exemplo
NINGUÉM CALA NINGUÉM
do recurso SMS (Short Message Service), medida protetiva

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Na vanguarda da luta contra a pandemia, enfermeiras, soa``, e liga a questão da ideologia ao dinheiro: o mundo do
mais precisamente, auxiliares e técnicas de enfermagem, dinheiro e as relações com o dinheiro são sempre falsas. É sempre
que são responsáveis pelo atendimento mais direto aos mais fácil para um regime vender automóveis aos pobres do que
pacientes, estão submetidas a uma violência psíquica que elevar seu nível de vida, dar-lhes trabalho, escolas, moradias.[844]9
pode atingir graus e formas de crueldade interiorizada. Mães, trabalhadoras formais e informais, mulheres em
Como diz J. Derrida, nem toda crueldade é sangrenta ou san- seus mais diversos campos de atuação e experiências, em
guinária, visível e exterior, decerto pode ser, provavelmente tempo de coronavirus, são encaminhadas para uma questão
é, essencialmente psíquica (... sofrer por fazer sofrer, ver sof- identitária de alcance social, cujas manifestações culturais
rer)[842]7. ProŁssionais de saúde na linha de frente de combate geradas nesse caldeirão de mentalidades, expectativas
ao coronavirus lutam contra um protocolo de serviço, insti- e interesses expõem questões fundamentais a envolver
tuído pelo sistema que alimenta a transformação do sujeito reavaliações em torno da problematização Mulher.
em mercadoria. A maioria das trabalhadoras da saúde tem Em setembro de 2009 visualizava que o século XXI
dois empregos. Faz plantões de 12 horas em um lugar e começava a ganhar identidade própria, uma espécie de
emendam outro de 6 ou 12, em outro, antes de ir para casa idade da situação-limite entre segurança contra o terror-
descansar a tempo da próxima jornada, e levando, o receio ismo, que motivou uma guerra marcada por uma questão
de contaminar Łlhos e familiares, além da carga horária des- ´política polêmica´ em consequência da adoção de ´´ob-
umana, que chama a atenção da jornalista Rosiane Freitas, jeto violento não identicado´´: o drone.[845]10
para quem as enfermeiras, ao lado de milhares de outras mu- Equipado para matar passou a ser instrumento da
lheres (Łsioterapeutas, equipe de limpeza, etc.), são a linha doutrina antiterrorista ociosa da Casa Branca por Barak
de frente no combate à pandemia, que merecem respeito Obama, que adotou o lema ´´matar em vez de capturar`,
e merecido reconhecimento não só de pacientes mas da substituir a tortura e Guantánamo pelo assassinato selet-
família destes. Segundo o Conselho Federal de Enfermagem ivo executado pelo drone Predator, o Rapper USAF MQ –
as equipes de enfermagem no Brasil, entre enfermeiros, aux- 9. Caveira e ceifeira ostentam uma faixa emblemática onde
iliares e técnicos 84% são formadas por mulheres.
As enfermeiras, que sem dúvida, sofrem a feminil- se lê That others may die. (Que morram os outros)[846]11. Esta
ização da proŁssão - sinal de sua desvalorização, como bem guerra do tiro cego resultou em massacre de paquistan-
observa a jornalista Rosiane Freitas, merecem nosso respeito eses. Defensores do drone caçador-matador, consideram que
e mais absoluto cuidado. Se não por justiça, observa, que seja ele representa um ´´progresso importante na tecnologia
por racionalidade, porque pagar a alguém um salário que humanitária´´. Reetindo sobre o paradoxo dessa tecno-
o empurra para um segundo ou terceiro trabalho não é só logia humanitária Grégoire Chamayou pondera: ``Eles não
ruim. É um risco de saúde pública. E é mais uma coisa que a querem dizer com isso que essa máquina poderia, por ex-
emplo, servir para encaminhar víveres ou medicamentos a
Covid-19 está ajudando a escancarar[843]8. zonas devastadas. Querem dizer uma coisa completamente
Prestes a morrer, Sartre descreve a política não como diversa, que o drone é humanitário como arma, como meio
´´uma atitude que o indivíduo possa adotar ou abandonar de matar``. Em nosso Brasil, atacado pelo vírus–matador, o
conforme as circunstâncias, mas sim uma dimensão da pes- presidente comenta o avanço da doença e as mortes por ela

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provocadas no país, de forma prosaica: “paciência, acontece, envolve a mulher-mãe-companheira, cuidadora de idosos, a
e vamos tocar o barco”.[847]12 mulher-cozinheira, a mulher-faxineira.
O mundo se encontra atualmente diante de visível Em o Divã d´Azmina mulheres desabafam suas dores,
e sensível situação-limite promovida por doença de espec- suas histórias sofridas á jornalista Suzana Rodrigues:
tro mundial, que em seu contexto envolve os atributos de “Sou empregada doméstica e me sinto sem opção nessa
massacre à tiro cego. Em seu jogo inexorável e perverso, pandemia.”. No anonimato, muitas empregadas domésticas
estende as garras para além do combate à doença, instala a reconhecem que não existe para ela a opção entre fazer
dita ´violência psíquica´ especialmente entre prossionais quarentena e cuidar da saúde:
de sde, seja mediante a exaustão física em conjunto com a Muitas mulheres que, como eu, trabalham em casa
impotência diante da morte, seja perante a incapacidade so- de família e são obrigadas a seguir cuidando dos out-
cial e cientíca para sustar o inesperado volume mortuário, ros, enquanto colocam e própria saúde em risco. A
casa deles ca em um bairro nobre e eu moro na per-
atingindo com isso, graus e formas de crueldade, mediante iferia de São Paulo. Tenho que pegar ônibus, metrô,
corpos insepultos largados à porta de funerária (Brasil/ trem e outro metrô. A minha patroa está gestante
Amazonas) às ruas (Equador/Guayaquil), como aconteceu e tem duas crianças, e eu sinto que ela acha que a
nos primeiros meses da pandemia. A dor angustiante per- família dela é mais importante que a minha, como se
a minha família não tivesse valor. Por ela eu passaria
ante a proibição de ritual funerário. O coronavirus desaa a quarentena na casa dela sem voltar para casa nem
fronteiras existenciais entre a vida e a morte, ao abalar o um dia.[848]13
poder dos sentimentos humanitários e benevolentes impul-
siona movimentos. Mulheres saíram às ruas de são Paulo, “Se antes a conta, já não fechava para a gente, agora é
em protesto. São as maiorias das que provêm assistência às ainda pior”. Este é o desabafo da mãe solo de Alex, de 2 anos,
pessoas, famílias, às comunidades, devem ser parte ativa na em sua desesperada batalha para alimentar Alex e que ressoa
tomada de decisão para controlar a crise sanitária e social, nas mais de 11 milhões de mães solo no Brasil, trabalhadoras
segundo orientação da ONU Mulheres. A Organização Mun- informais, vivem diariamente o impacto da pandemia cau-
dial de Saúde (OMS) aponta que 70% dos prossionais de sada pelo novo coronavirus. A jornalista Vitória Régia da
saúde, menos valorizados, e que atuam na linha de frente do Silva, de Gênero e Número – Azmina, transcreve a voz dessa
combate ao novo coronavirus são mulheres. A 8 de março mineira professora de dança, que mora em São Paulo há mais
último, no movimento de mulheres na Paulista, surgiu uma dez anos, com a pandemia viu os seus contratos de trabalho
faixa de fundo preto com letras coloridas para a escrita serem cancelados, desde que foi decretado o isolamento so-
como se fosse grito, do texto segundo uma perspectiva de cial na capital paulista, no dia 24 de março.
gênero: Ninguém Cala Ninguém. -``A experiência que denimos hoje de maternidade
É isso mesmo. O protesto de mulheres na Paulista, em é desumana, violenta, de solidão e sobrecarga. A questão
tempo de pandemia torna-se um paradigma da construção agora não é nem mais segurar a curva, mas não cair do pre-
de projetos sobre desigualdade de gênero, combate à fem- cipício, porque já estávamos na beirada antes mesmo de
inilização da prossão isto é desvalorização prossional seja chegar o coronavirus´´ diz Thaiz Leão, co-coordenadora
da enfermeira, da técnica ou auxiliar. O protesto de gênero da Frente Parlamentar de Primeira Infância do Estado de S.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Paulo e Diretora Executiva do Instituto Casa Mãe.[849]14 eradas por mães solos e afroempreendodores.
A responsabilidade política se inscreve no patamar de Esses projetos comunitários reetem a esfera da re-
decisões a serem tomadas mediante o ´´responder perante sponsabilidade política econômica e social, a objetivar
´´ a crise pandêmica da doença que leva a óbito milhares de planos de sustentabilidade. O historiador Karnal aponta:
pessoas, ao tempo em que escancara a desigualdade social, ``uma epidemia revela nossas desigualdades e nossas escol-
expõe o corpo fragilizado que sente: fome, sede de água para has. Se esse é um vírus mundial, nós devemos lembrar que no
beber, para lavar as mãos, como medida protetiva contra o Brasil temos crianças morrendo de diarreia e isso não é uma
vírus. Esse corpo porta a estesiologia humana, isto é a con- questão moral da diarreia. É uma questão moral nossa, que
sciência do corpo manifesta-se na invisibilidade do sentir. permitimos que uma doença que não é fatal se torne fatal
Defende Merleau-Ponty, pois compreende que o corpo está para crianças. (...) criamos uma desigualdade tão brutal no
aberto em circuito com o mundo. “Ele é o mensurador do Brasil que até a morte é desigual.[851]16
mundo, está aberto para o mundo porque estamos dentro do O afeto, a relação tanto consigo como com o outro,
mundo pelo nosso próprio corpo”.[850]15 esse outro as Marias dos projetos solidários, é um afeto que
Catraca Livre divulga quatro projetos que propõem diz respeito à responsabilidade de lidar com meu semel-
cuidar de quem cuida, destinados a mães em situação de hante, com meu próximo, que não unicamente homem,
vulnerabilidade social, são ações comunitárias assistenci- mulher, criança, jovem, idoso mas até mesmo animais,
ais: Campanha Mães da Favela, realizada pela Central Única natureza, casa, rua, lugar. Proteção contra o invisível
das Favelas (Cufa), tem como objetivo levar renda básica porquanto ao exercer a proteção protejo o outro, a outra, ou-
a mães moradoras de comunidades de todo o país ca- trem. As orientações cientícas de combate ao coronavírus
dastradas na Cufa, afetadas pela pandemia. Fundo para mães envolve também a responsabilidade ética como barreira
e trabalhadoras informais afetadas pelo covid-19, com o contra a contaminação. A responsabilidade cientíca sub-
projeto Vaquinha Online, criado pelo grupo Voluntários tende não negar ou ignorar o advento imprevisível e incalcu-
do Cursinho Popular Chance, da favela de Paraisópolis, o lável do inesperado, pois isso é também o saber da pesquisa
gupo divulga: “Com a Covid-19, milhões de mulheres per- cientíca. Ela funciona como farol a dirigir a coletividade no
deram seus empregos e estão sem renda para sustentar combate à pandemia, é o guia do cuidado individualizado
suas famílias. Marias diaristas, vendedoras autônomas pelas direcionado em última análise, a cooperar, “cuidar” de quem
ruas, mães solteiras, mantenedoras da casa. Especialmente está na linha de frente do combate à pandemia.
negras. Marias fortes e guerreiras. Marias como eu e você”.
Segura a Curva das Mães, projeto do Instituto Casa Mãe e do
Coletivo MASSA, já mapeou mais de 700 mulheres mães por
todo o Brasil, responsáveis por crianças, adolescentes, ido-
sos e pessoas com deciência. Com o dinheiro arrecadado,
a ação atende mães, com o apoio nanceiro no valor de R$
150. Impactando Vidas Pretas, campanha de caráter emer-
gencial para atender, preferencialmente, famílias negras lid-

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PANDEMIA E MULHERES

da vitimização secundária. Quando o Estado, além de tolher


da mulher sua possibilidade de fala, acaba por escolher, soz-
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA: MEDIDAS PROTETIVAS inho, o que seria suspostamente melhor para ela.
DE URGÊNCIA, ACESSO À JUSTIÇA E Sobre o assunto, Medeiros e Mello explicam que as ví-
SUBNOTIFICAÇÃO NO CONTEXTO PANDÊMICO timas, nos conitos domésticos, geralmente não desejam a
persecução penal, mas sim o rompimento do ciclo de violên-
Maria Júlia Poletine Advincula[852]
cia e o restabelecimento da paz no lar. Em relação aos crimes
ENTRE O MEDO E A VERGONHA: O FENÔMENO DA de lesão corporal, os quais possuem natureza de ação penal
CIFRA OCULTA NOS CONFLITOS DOMÉSTICOS pública incondicionada, não cabendo, pois, eventual renún-
cia à representação ou perdão da ofendida, a problemática
passa a ser mais complexa.
O ambiente mais perigoso para a mulher não é a
Nesse contexto, quando tomam conhecimento da
rua. Segundo levantamento realizado no início de 2019,
possibilidade de privação da liberdade do sujeito
pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP)[853], a ativo, as vítimas têm diŁculdades em denun-
maioria das violências sofridas por mulheres com mais de ciar o abuso sofrido. Com efeito, a irreversibili-
16 (dezesseis) anos ocorre dentro de casa. Dentre as entrev- dade do procedimento processual penal  ndará
por inibir a procura do auxílio judicial e contribuir
istadas, 76,4% armaram conhecer o ofensor. Ainda assim,
para o renascer das “cifras ocultas” da violência
na mesma pesquisa, apenas metade armou ter formalizado doméstica contra a mulher, pois o próprio instru-
uma denúncia ou queixa após o ato de agressão. mento reservado à proteção feminina irá penalizá-
Esses dados reetem, estruturalmente, uma cultura la. (2014, p. 59, grifos nossos) [854]
do silêncio pautada na herança patriarcal que domina
Mesmo antes da pandemia a subnoticação, nesses
nossos corpos, igualmente alimentada pelo sentimento de
casos, já existia. Essa armação aduz um pensamento
culpa e o medo enraizado no momento de levar o con-
crítico, já que, nem sempre, a mulher deseja a condenação
ito à Justiça. Quando o agressor não é um estranho – são
penal do agressor. São poucas, na realidade, aquelas que ex-
(ex)cônjuges, (ex)companheiros, (ex)namorados, pais, avôs,
pressam desejo de vingança ou vontade de punir o acusado
tios, irmãos, etc. – há um verdadeiro receio em acionar o Sis-
com o cárcere[855]. Segundo pesquisa desenvolvida em várias
tema de Justiça Criminal.
capitais do país pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ),
No contexto da violência doméstica, falamos de
diversas mulheres com processos em trâmite nas varas es-
relações afetivas prejudicadas, laços de parentesco, div-
pecializadas alegaram, quando entrevistadas, inúmeras bar-
isão de bens, lhos e memórias familiares. Assim sendo, na
reiras de acesso à Justiça, como a sensação de julgamento, o
grande maioria dos casos, a reparação que a mulher agredida
descaso, a morosidade do Judiciário, a falta de informação,
almeja não está atrás das grades; e, frise-se, ignorar o desejo
a ausência de apoio psicológico, a saturação do processo, a
da mulher é, por si só, uma segunda violência. Nesse aspecto,
eventual reconciliação com o companheiro, o medo da re-
importa falar sobre a violência institucional, presente desde
vitimização, etc.[856]
a porta de entrada do conito (delegacias especializadas)
Partindo dessa lógica, é possível armar que as
até a sala de audiência, causando o fenômeno tão comum

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

mulheres que sofrem violência doméstica procuram o Sis- COVID-19, houve uma brusca redução na noticação de
tema de Justiça Criminal porque "o que elas desejam é casos de violência doméstica no Brasil. Isso não quer dizer,
interromper o ciclo da violência, mas as expectativas das porém, que as mulheres estão sofrendo menos violações
mulheres estão muito mais voltadas às medidas protetivas dentro do ambiente familiar.
do que ao processo penal” (2017, p. 183)[857]. Nessa linha, ex-
plica Saoti [858] que é necessário que haja, de fato, uma inter- CIFRAS OCULTAS NOS PEDIDOS DE MEDIDAS PROT-
venção externa, já que raramente a mulher violentada con- ETIVAS DE URGÊNCIA EM UMA VARA ESPECIALIZADA DO
segue se desvincular do ciclo da violência sem auxílio. Não RECIFE
quer dizer, porém, que aquilo que ela objetiva com esse acol- As medidas protetivas de urgência buscam interromper
himento seja uma alternativa penal. Assim sendo, mesmo as violências em curso ou evitar que estas aconteçam.
que a mulher chegue a procurar o Judiciário, ainda não quer Esse instrumento processual foi criado para prevenir crimes
dizer que o processo penal é desejado por ela. e oferecer uma melhor qualidade de vida à mulher em
Um outro fator importante precisa ser discutido: contexto de violência. Mas, é plausível apontar o descon-
após os decretos de quarentena decorrentes do novo cor- hecimento dessas formas de proteção legal por grande parte
onavírus, com o posterior isolamento social, os dados de das mulheres, pois, "embora a Lei Maria da Penha seja muito
violência doméstica, em alguns Estados, diminuíram sub- conhecida no Brasil, é certo que poucas vítimas efetiva-
stancialmente. Dados levantados pelo FBSP [859], no primeiro mente sabem quais são as formas de violência, as medidas
semestre de 2020, demonstraram que a quantidade de Me- protetivas e os seus direitos" (2013, p. 218, grifos nos-
didas Protetivas de Urgência concedidas pelos Tribunais de sos[861]). A problemática da falta de informação é outra hipó-
Justiça ao longo do país tiveram, também, uma redução bas- tese levantada quanto à diminuição dos pedidos de medidas
tante expressiva. protetivas de urgência.
De acordo com a Coordenadoria da Mulher do Estado Sobre as medidas protetivas de urgência, de acordo
com Pasinato (2016, p. 237)[862], “entre os prossionais que
de Pernambuco [860], em comparação com os anos anteri-
atendem mulheres em situação de violência há consenso
ores, durante esse período não houve aumento no número
que essas medidas representam o maior avanço introduzido
de casos de violência doméstica que efetivamente conse-
pela Lei”. Nesse sentido, podem ser consideradas como seu
guiram chegar à Justiça, quadro que vinha apresentando, há
ponto alto (CNJ, 2017)[863]. Não obstante, aponta a soció-
anos, um crescimento exponencial, sobretudo por conta das
loga que os obstáculos para a concessão das medidas prot-
políticas estatais de conscientização e campanhas contra a
etivas de urgência são bastante desgastantes para a mulher
violência doméstica e familiar. A diminuição de casos le-
em situação de violência, já bastante fragilizada. Segundo a
vantados, por sua vez, começou apenas a partir de março de
autora, a burocracia dos procedimentos administrativos é
2020, quando do surto pandêmico no país. Importa ressaltar
um fator determinante que acaba por repelir essas mulheres
que os registros de boletins de ocorrência com essa nalid-
de acessarem a Justiça.
ade, em Pernambuco, vinham em um ritmo crescente desde
Não à toa o Judiciário é conhecido pelo processo de re-
2016.
vitimização, principalmente nos conitos domésticos, por
Através desses dados é possível armar que, com o
“expor a vítima reiteradamente a situações que podem

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

disparar conteúdos traumáticos, trazendo-lhe sofrimento números de denúncias, queixas e pedidos de medidas prot-
emocional e consequências danosas ao seu contexto psic- etivas de urgência tornam a crescer.
ossocial” (TJDFT, 2017, p. 202).[864] No contexto pernambu- Abaixo, tem-se tabela esquematizada com o com-
cano, além de o Estado ter registrado uma queda contínua parativo de pedidos de medida protetiva, na 2ª Vara da Mul-
no número de boletins de ocorrência (BO) relacionados à her de Recife, com relação à 2019.
violência doméstica no período de quarentena, como já
2ª Vara da Mulher – Recife
pontuado, segundo a Secretaria de Defesa Social (SDS-PE)[865], PEDIDOS DE MEDIDA PROTETIVA POR MÊS E SISTEMA
o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE) apontou um 2019 2020

verdadeiro declínio nas solicitações medidas protetivas de JUDWIN PJE TOTAL JUDWIN PJE TOTAL
urgência em todos os seus municípios, se comparadas ao Janeiro 131 - 131 65 76 141
mesmo período de 2019. O Centro de Referência Clarice Fevereiro 103 - 103 32 68 100
Lispector, modelo na cidade do Recife, também apontou Março 95 - 95 26 71 96
uma diminuição nos atendimentos presenciais[866]. Abril 109 06 115 02 65 67
Dados cedidos pela equipe multidisciplinar da 2ª Vara Maio 56 45 101 01 60 61
de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher de Recife, Junho 25 28 53 01 47 48
catalogados pelas prossionais do Projeto Novo Acolher[867],
Julho 68 54 122 20 97 117
demostram claramente como o acesso à Justiça, no período
de pandemia, vem sendo prejudicado. Fonte: Projeto Novo Acolher

Nos meses de janeiro, fevereiro e março de 2020, os


Após a coleta dos dados acima, foi possível realizar
números de pedidos foram maiores ou equivalentes do que o
entrevistas breves com a equipe multidisciplinar da referida
ano de 2019. Já em abril, após o primeiro mês de instauração
Vara, no intuito de buscar compreender os motivos da di-
da quarentena no estado, a queda nos dados foi bastante ex-
minuição das denúncias, através de hipóteses estruturadas
pressiva. Por exemplo, em abril de 2019 foram 115 (cento e
na realidade vivenciada pelos seus diversos atores in loco.
quinze) solicitações; em 2020, 67 (sessenta e sete).
A seguir, tem-se a transcrição literal das falas da juíza
Os números continuaram caindo em relação ao ano
titular, de uma psicóloga e de 3 (três) assistentes sociais. As
passado, mas foram se normalizando a partir de julho,
entrevistas semiestruturadas foram realizadas online.
quando houve a exibilização da quarentena no Estado de
Quanto à possibilidade de aplicação das Medidas Pro-
Pernambuco (tendo 2020 uma diferença de apenas cinco
tetivas de Urgência previstas na Lei Maria da Penha como
solicitações em relação ao ano anterior). Os dados quanti-
forma de proteger as mulheres, a magistrada se mostrou uma
tativos demonstram, claramente, como as quatro paredes
entusiasta do procedimento:
do lar podem ser sufocantes para a mulher em situação de
violência, ainda mais em contato direto e intenso com o seu As Medidas Protetivas de Urgência são fundamen-
agressor ou agressores. Quando retomam uma certa auto- tais para coibir a violência doméstica e famil-
iar contra a mulher, pois afasta primeiramente o
nomia, voltando às atividades rotineiras como o trabalho,
agressor da agredida e o proíbe de se aproximar e
a insegurança aparenta diminuir e, consequentemente, os fazer qualquer tipo de contato com ela. Juíza.

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perceber que o atendimento por telefone não está sendo


Mas, ainda segundo ela, as medidas também são dir- tão efetivo quanto o esperado, já que muitas mulheres não
etamente afetadas com o contexto pandêmico, já que a possuem acesso aos meios digitais, ainda mais quando fala-
diminuição dos pedidos no período de isolamento, foi gri- mos em mulheres idosas. Esse problema da subnotiŁcação,
tante. desde março, já vem sendo contabilizado pela equipe de
Com efeito, a partir de março/2020, exatamente assistentes sociais[868]. As assistentes, na oportunidade, che-
quando os trabalhos do Judiciário passaram a ser garam a relatar que a maioria das ligações recebidas foram
remotos, houve uma queda no quantitativo das de mulheres que já possuíam o contato da 2ª Vara, as quais li-
MPU e isso nos leva a crer que ocorreu alguma
diculdade das mulheres vítimas de violência gavam, geralmente, apenas para procurar saber o andamento
doméstica e familiar em levar seus casos até a do processo. Poucas ligações sobre fatos novos foram rece-
Delegacia e, consequentemente, à Justiça. Juíza. bidas, portanto.
(grifos nossos) Ao ser questionada quanto a fatores como a desin-
formação, o medo do contágio pela doença e receio da
As assistentes sociais fazem parte do Projeto Novo
denúncia por estar Łsicamente próxima do agressor durante
Acolher, vinculado à 2ª Vara, o qual busca fornecer um
o isolamento, a Juíza concordou que esses fatores inibem a
atendimento humanizado, escuta ativa e esclarecimentos
mulher agredida a procurar ajuda.
diversos às mulheres vítimas de violência doméstica. Dur-
ante a quarentena, o projeto funcionou de forma remota, Acredito que a desinformação é fator fundamental
por meio de ligações telefônicas. Acontece que, segundo a da inibição da mulher agredida a procurar ajuda,
equipe, a quantidade de contatos telefônicos foi bastante pois medos e receios são superados pela agressão
sofrida. É preciso buscar, cada vez mais, formas
inexpressiva, só tendo aumentado no mês de maio, com a
de acesso da agredida à rede pública de contenção
repercussão do projeto após uma reportagem jornalística. à violência doméstica e familiar contra a mulher.
No programa, houve a divulgação do contato da Vara. Com Juíza.
a ajuda da mídia, houve um boom no número das ligações,
tendo se normalizado, porém, logo em seguida. Sobre o questionamento acerca de o Sistema de
Justiça Criminal, sozinho, ser capaz de proteger a mulher
Depois da divulgação, na TV, uma mulher que vítima de violência doméstica, respondeu destacando a im-
nunca tinha prestado queixa ligou na expectativa portância das equipes interdisciplinares na facilitação do
de fazermos algo por ela, por telefone. Outro ponto
é a desinformação mesmo, de que a rede de pro- acesso da mulher à Justiça, tocando em pontos importantes
teção continuou atendendo e a forma que se estava como conŁança recíproca e atendimento humanizado. Em
atendendo. Eu digo isso porque logo após aquela relação ao Projeto Novo Acolher, destaca-se que muito vem
reportagem sobre o Novo Acolher na TV, teve um sendo feito em relação ao foco na mulher, na construção do
aumento de ligações. Mas, logo depois, voltou ao
normal. Além da maior diŁculdade em pedir ajuda, seu empoderamento, em melhorar sua autoestima e ofere-
com a presença constante do agressor em casa. As- cer novas possibilidades de vida após a violência.
sistente Social 3. Aponta a magistrada, também, que esse apoio dos pro-
Łssionais multidisciplinares não é importante apenas para a
Em pesquisa anterior, na mesma Vara, foi possível

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vítima de violência, pois funciona, também, como um redu- não a denúncia ou queixa, entendeu-se que, por mais que
tor de reincidência dos ofensores. as mulheres de classes mais abastadas sofram, igualmente,
violência doméstica, a forma como desejam lidar como
Entendo que no Sistema de Justiça Criminal,
conłito difere bastante das atitudes tomadas por mulheres
quando se trata especiŁcamente de violência
doméstica e familiar contra a mulher, estão de classes mais baixas. Então, muitas das mulheres
integrados os setores interdisciplinares, destaca- Łnanceiramente privilegiadas que estavam em contato
damente assistentes sociais, psicólogos e advo- direto com seu ofensor, no isolamento, podem ter preferido,
gados, que atuam nas varas especializadas, ob-
simplesmente, o silêncio ou a separação. Inclusive, é fato no-
tendo resultados surpreendentemente redutores
da reincidência de casos. Atualmente não há de se tório que o número de divórcios aumentou em todos os es-
falar em nenhuma entidade ou instituição que tra- tados do país. Em Pernambuco, por sua vez, o aumento foi de
balhe isoladamente. Juíza.
80% [869].

Acerca do mesmo tema, sobre se acredita que as mu- A mulher de classe social mais privilegiada, ao
invés de realizar denúncia ou queixa, geral-
lheres vítimas de violência passam por situações de des- mente põe Łm ao relacionamento, evitando outras
crença, preconceitos e revitimização dentro do Sistema de exposições. Somente algumas poucas preferem
Justiça Criminal, se posicionou aŁrmando que o processo acionar o agressor. Juíza.
de vitimização institucional pode ocorrer em todos os es-
Sobre o mesmo tema, a psicóloga se pronunciou de
paços de poder mas que, em relação às varas especializadas,
forma similar, adicionando que a mulher vítima, quando
percebe um cuidado em evitar que isso ocorra. Segundo ela,
também mãe, geralmente prioriza o conforto Łnanceiro dos
uma forma de evitar esse despreparo de proŁssionais seria a
Łlhos, evitando uma futura escassez de recursos Łnanceiros,
seleção criteriosa.
principalmente quando o ofensor é o provedor do lar.
A descrença, preconceitos e revitimização podem
ocorrer dentro de qualquer sistema, entretanto Tem os Łlhos também, que é um fator de pre-
no tocante à Justiça Criminal, temos cuidado de ocupação para prestar queixa, a diŁculdade no
inúmeras formas para evitar, ao máximo, que sustento dessas crianças. Muitas têm a situação
tais situações aconteçam. Sempre é muito difícil de violência tão naturalizada, até pelas questões
e trabalhoso lidar com o comportamento humano, sociais já enraizadas, que não conseguem per-
seja das vítimas, dos agressores ou do pessoal que ceber o relacionamento abusivo vivenciado, não
trabalha no setor, tendo cada um suas peculiar- conhecem outra forma de relacionar-se, princi-
idades a serem veriŁcadas e adaptadas. Fazemos palmente de forma mais saudável e numa comu-
uma criteriosa seleção com certa antecedência, nicação não violenta. Psicóloga.
de modo a que os grupos de atuação nesse campo,
estejam preparados para lidar com as mais diver- Sobre o maior obstáculo para a mulher solicitar uma
sas situações. Juíza. medida protetiva de urgência (inłuência da família, medo,
ameaças, desconhecimento de que está em um processo abu-
Em relação à situação Łnanceira (classe social) da
sivo, etc...), respondeu que:
mulher agredida e sua inłuência na decisão de realizar ou

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diciário. Durante o período de isolamento algumas


Um pouco de cada coisa, porém, entendo eu, que podem temer formas de violência mais graves,
o maior obstáculo é o desconhecimento da mulher caso o agressor Łque sabendo da sua intenção de
de que está em um processo abusivo, até porque denunciá-lo; a conivência mais intensa com esse
ela, muitas vezes, revida as agressões e, por isso, homem também podem prejudicar essa procura,
não procura a Justiça. Juíza. bem como o desconhecimento de algumas sobre
os canais que estão abertos e disponíveis para acol-
Quanto à ideia de relacionamento abusivo e ciclo her essa mulher e orientá-la nessa missão. O medo
da violência, uma das psicólogas da Vara, ao ser entrev- de sair, em relação a contaminação também pode
estar contribuindo. Psicóloga.
istada, apontou a questão da dependência emocional como
um fator que inibe as denúncias ou queixas, ainda mais no
Já em relação às assistentes sociais, quando entre-
período da pandemia.
vistadas, aŁrmaram a mesma linha de raciocínio para a
De acordo com ela, é preciso que o processo de des-
queda dos números de solicitação de medidas protetivas de
prendimento da relação abusiva deva vir de dentro para fora.
urgência na Vara. Em relação à pandemia, além da incerteza
Como forma de estimular a mulher, porém, uma boa opção
já intrínseca ao conłito doméstico, tem-se o perigo de con-
seriam as políticas públicas de conscientização e enfrenta-
tágio, a preocupação com saúde e moradia, a exposição dos
mento à violência doméstica, apontando as diversas formas
Łlhos ao vírus, as questões econômicas, enŁm.
de abusos, muitas vezes invisibilizadas no cotidiano.
Medo da vitimização secundária, vergonha, medo
São comuns a essa época de pandemia, como: a de- de contágio, proximidade do agressor...Assistente
pendência dessas mulheres aos acusados; muitas Social 1.
vezes não é nem a dependência física, é a emo-
cional mesmo, que impedem a quebra desse ciclo. Tem o fato de a pandemia também trazer mais in-
O tempo de cada uma é diferente, por mais que certezas de saúde e de moradia no caso de afasta-
possam ter informações ou, até serem orientadas mento do lar do agressor ou pela tomada de decisão
sobre a situação de violência vivenciada, sobre da mulher. As questões econômicas têm pesado
a importância da denúncia...o "click" é dado no também. Assistente Social 2.
tempo dela, o basta é dado quando algo faz ela en-
xergar a necessidade desse basta por ela. Algumas Uma situação que me chamou a atenção é que
já disseram em entrevistas, "foi muito SIM, can- as algumas mulheres, que têm Łlhos, estão com
sei, cheguei no meu limite e agora eu darei NÃO!". medo de sair de casa e se expor, bem como as
Psicóloga. crianças, à pandemia, para poder prestar queixa
de um fato novo, de novas situações de violência.
Na opinião da psicóloga, além da pressão social, de Ou até mesmo para fazer a primeira denúncia. As-
sistente Social 3.
não se enxergarem dentro de um relacionamento abusivo
e do medo da denúncia, ainda há os fatores externos da Quanto aos atendimentos do Projeto Novo Acolher,
pandemia em si. de responsabilidade das assistentes sociais, só cresceu em
Fatores já conhecidos como esses, somados às ligações quando houve reportagem na televisão, divulgando
diŁculdades da pandemia, podem ser responsáveis o número de acesso à rede de apoio. Por conta da pandemia,
pela diŁculdade das mulheres em buscarem o ju- a internet vem sendo utilizada de forma larga para tentar fa-

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cilitar o acesso à justiça da mulher em situação de violência. servado. Assistente Social 3.


Contudo, é preciso falar sobre pandemia e como as
As falas da equipe de proŁssionais da 2ª Vara de
mulheres idosas não conseguem manejar aparelhos tec-
Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher do Recife
nológicos[870], já que não raramente dependem do auxílio de
convergem no mesmo sentido. A pandemia acabou por inłu-
terceiros para acessar plataformas online, como os aplicat-
enciar, diretamente, os já conhecidos fatores de risco, além
ivos. Tais medidas de controle e prevenção, porém, possuem
de ter trazido novos desaŁos a serem enfrentados não apenas
naturalmente um viés excludente, já que nem sempre as
pelo Judiciário, mas por todos os atores dentro e fora da es-
denúncias por internet ou telefone são acessíveis a mulheres
fera pública.
e seus recortes regionais, sociais, nanceiros, culturais,
etários, etc.[871].
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sendo assim, a pandemia do COVID-19 acabou por
A análise dos dados quantitativos, além de expor uma
potencializar um medo que, outrora, já era realidade. No
problemática já antiga, mostra como os corpos femin-
período pandêmico, porém, a mulher acaba tendo que fazer
inos são um dos mais vulneráveis a situações emergenciais
uma “escolha”. Como na maioria dos casos a vítima já vem
como uma pandemia. O acesso à justiça, nesses casos, se
lidando com uma relação problemática, acaba por escolher
torna bastante problemático, o silêncio em casa aumenta
entrar no mesmo ambiente que o agressor para evitar o con-
e as agressões se tornam mais invisibilizadas. Apesar da
tágio da doença.
implementação de programas remotos (online e por meio
Percebo a junção de dois medos...se car em casa, de ligação telefônica), ainda foi possível perceber um ver-
tenho medo da violência, se sair, tenho medo da
dadeiro desconhecimento de grande parte da população
pandemia; medo por medo, a violência é algo que
elas já conhecem e que, em muitos casos, já vêm quanto a esses novos procedimentos. Nas falas da equipe,
administrando há anos. Sair de casa para denun- rełete-se sobre o esforço diário em compreender a cultura
ciar, muitas vezes tendo que levar as crianças, na qual estaremos inseridas, já que a mulher vítima de
em alguns casos, deve assustar mais. Talvez esse
violência se culpa pela violência sofrida bem mais do que
seja um dos fatores que justiquem a redução do
número de denúncias aqui em Pernambuco. As- opta em receber ajuda.
sistente Social 3. Ainda, nem sempre a ajuda pretendida será através do
caminho criminal. É correto aŁrmar, nessa perspectiva,
Quanto ao Estado de Pernambuco, acredita-se que as
que a subnotiŁcação nesses casos sempre foi um problema
políticas públicas voltadas à prevenção do COVID-19 inu-
comum, pois, além de todas as diŁculdades estruturais de se
enciaram, também, os dados de violência doméstica, já que
chegar até a mulher, a criminalização oferecida assusta e re-
o isolamento social, desde março, foi largamente apoiado
pele aquelas que não desejam o caminho punitivo para o seu
pelo governo estadual, de forma bastante rígida.
ofensor.
Acredito que o fato de Pernambuco ter adotado Com o isolamento social, a vulnerabilidade das mul-
precocemente ações de combate ao coronavírus, heres agredidas Łca, mais ainda, reclusa às quatro paredes
com campanhas massivas incentivando o isola-
mento social, pode ter colaborado para a queda dos de um lar, nem sempre doce. Os números apurados no
números. É uma hipótese, diante do que tenho ob- período de pandemia, portanto, não rełetem a realidade

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EZILDA MELO

social concreta, de muita violência. Após a łexibilização da


quarentena, percebeu-se que os pedidos de medidas prot-
etivas de urgência na 2ª Vara voltaram a crescer como out- MUITO ALÉM DO VÍRUS: A LEI MARIA DA
rora, sendo o fenômeno percebido pela equipe multidiscip- PENHA E AS MÚLTIPLAS VULNERABILIDADES
linar de forma clara. ENFRENTADAS POR MULHERES TRANSEXUAIS
Importa apontar, por Łm, que o Sistema de Justiça Crim- NO CONTEXTO DA PANDEMIA
inal, sozinho, é incapaz de lidar com situações complexas,
Maria Júlia Poletine Advincula[872]
ainda mais em situações de emergência, quando então dem-
Túlio Vinícius Andrade Souza[873]
onstra toda a sua ineŁcácia. É imprescindível, portanto,
o acolhimento humanizado para abraçar problemas reais, 1. UMA LEI QUE FALA DE GÊNERO
interseccionalidades, marcadores de risco e situações par- 1.1 Lar (doce?) lar
ticulares de mulheres que não se limitam a um processo ou A Lei Maria da Penha[874], promulgada em 2006, foi
um número cadastrado. De mulheres que se escondem. De pioneira no âmbito legislativo nacional acerca dos direi-
mulheres que, no silêncio, estão pedindo socorro. tos humanos das mulheres, obrigando o Estado brasileiro
a desenvolver medidas ecazes de proteção àquelas em
situação de violência. Antes dela, porém, suas precursoras
no assunto - e inuenciadoras diretas - foram a Convenção
sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação
contra a Mulher (CEDAW, 1979[875]) – promulgada pelo De-
creto nº 89.460, de 20/03/1984, a qual se apresentou como o
primeiro tratado internacional sobre o assunto; e, em 1996,
a Convenção de Belém do Pará[876], promulgada pelo Decreto
n° 1.973, de 01/08/1996, trazendo a ideia de violência con-
tra a mulher com base em qualquer ato ou conduta violenta
pautada no gênero, já em seu art. 1º. Tendo em vista, port-
anto, esse terreno fértil a nível internacional, os trabalhos
desenvolvidos na área sobre violência de gênero e patriar-
cado (como Andrade[877], Pasinato [878] e Saoti [879]), princi-
palmente tecendo críticas à ausência de uma lei especíca,
houve forte pressão dos movimentos feministas para que
o Estado brasileiro se pronunciasse quanto a possíveis for-
mas de proteger mulheres vítimas de violência de gênero.
O estopim ocorre com o emblemático caso da farmacêutica
Maria da Penha Fernandes, o qual trouxe ao país a sentença
condenatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos
(OEA) - a qual obrigou o Brasil, enm, a tratar essa temática

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através de legislação especíca. teja à frente da Vara Especializada ou Juizado. Ou seja, o que
Segundo Machado [880], a Lei Maria da Penha é fruto se observa, no Judiciário, é “a recorrência a discursos atrela-
de um lugar de memória dos movimentos feministas bra- dos a preconceitos sexistas, construídos na esfera social, que
sileiros, já que traz toda uma luta secular em prol da ban- se reproduzem em sua atuação [...] diretamente inuencia-
deira da igualdade de gênero. Porém, antes de ser promul- dos por estereótipos de gênero [883]”. Uma lei de tamanha im-
gada em 2006, o Brasil – e o mundo – passava por muitas portância não pode, porém, car à mercê das ideologias de
transformações na forma de enxergar a mulher, ainda no quem a aplica.
nal do século XX. Apesar da incidência de diversas pautas
contra a violência de gênero (inclusive a familiar e conjugal) 1.2 Quem “merece” ser chamada de mulher?
terem dado um boom entre as décadas de 1970 e 1980 (lapso A Lei Maria da Penha buscou proteger mulheres, e
temporal conhecido como Década da Mulher), a prática da aqui reiteramos o argumento já apresentado de que mulher
violência contra as mulheres, desde cedo, foi presente na é quem se reconhece como, sem maiores explicações des-
história da sociedade e das famílias brasileiras, muito ali- necessárias e excludentes. Entendemos que a condição de
mentadas por uma herança machista e patriarcal. gênero é, antes de tudo, um pertencimento e, além disso, foi
Nessa perspectiva, socialmente construída, ou seja, é sempre passível de (re)
construções.
[...] estudos históricos que abordaram a família e as Apesar das distintas interpretações que o termo “mu-
relações familiares a partir do Łnal do século XVII
apontam para a presença de abusos físicos contra a lher” ocupa na aplicação da mencionada Lei, no que diz res-
mulher nas relações conjugais. Na maior parte das peito à orientação sexual, ela dispõe claramente que, sendo
vezes esses conłitos permaneciam circunscritos às mulher, esta não é uma questão que deve ser levada em
relações familiares e ao espaço da cada e seu trans- consideração, ou seja, para a sua aplicação, esse critério não
bordamento para o espaço público parece ter ocor-
rido em momentos nos quais os excessos cometidos pode ser considerado para gerar exclusões. A saber:
pelos agressores pareciam comprometer os projetos de Art. 2º.
desenvolvimento da ordem social. (PASINATO, 2004, Toda mulher, independentemente de [...] orientação
p. 02-03[881]) sexual, [...] goza dos direitos fundamentais inerentes
à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportun-
No entanto, apesar de sua importância (inclusive
idades e facilidades para viver sem violência, preser-
simbólica), seu aspecto prático-forense parece destoar da- var sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento
quilo que o legislador, de forma clara, trouxe ao texto legal. moral, intelectual e social. (grifos nossos)
Nesse cenário, estudos já apontam[882] que a aplicação da
Convém, ainda, sobre o tema, trazer o enunciado do
lei é bastante heterogênea, inclusive a depender de contex-
art. 5º da Lei:
tos especícos como Vara (magistrado/a), cidade e Estado.
Sendo assim, os mecanismos implementados para coibir e Art. 5º
Para os efeitos desta Lei, conŁgura violência domé-
prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher
stica e familiar contra a mulher qualquer ação ou
com a Lei Maria da Penha nem sempre conseguem abarcar omissão baseada no gênero que lhe cause morte,
todas as denições gênero, se resumindo, apenas, a questões lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano
biológicas e/ou binárias, a depender, portanto, de quem es- moral ou patrimonial.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

[...] ento nacional recente (CNJ, 2017[889]), 24 (vinte e quatro)


Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas
magistrados/as, de 6 (seis) capitais do país, foram entrevista-
neste artigo independem de orientação sexual. (gri-
fos nossos)[884] dos/as quanto à formação especíca na área. Durante as en-
trevistas, apenas 4 (quatro) declararam possuir capacitação
Segundo Butler (1999)[885], é necessário compreender anterior em violência de gênero e/ou violência doméstica.
gênero como normas que regulam a cultura de uma socie- Abaixo, selecionamos 3 (três) falas apresentadas na
dade - logo, não é difícil imaginar que em um país com pesquisa citada, ipsis litteris, buscando apontar o abismo
padrões de comportamento homofóbicos, transfóbicos, entre quem aplica a Lei Maria da Penha e o que ela repre-
machistas, misóginos, etc., haja um verdadeiro silencia- senta.
mento de todas essas questões, inclusive no âmbito institu-
“Olha, eu não tive nenhum curso em formação de gên-
cional. ero. Eu diria a você que eu sou autodidata.” ( Juiz 1)
Foi necessário, por exemplo, uma Ação Direta de Con-
stitucionalidade (ADC)[886] para legitimar que a Lei Maria “Curso, curso, não. Nós temos eventualmente algu-
mas palestras, feitas por alguns outros doutos juízes
da Penha não estava indo contra a igualdade formal entre ou outras pessoas da área, que a gente até assiste e
homens e mulheres disposta na Constituição. O julgamento acompanha, mas curso especicamente, de violência
dessa questão ocorreu somente em 2012. Ou seja, há apenas de gênero, eu nunca z e nunca participei”. ( Juiz 15)
8 (oito) anos, nossa Suprema Corte decidiu “legitimar” uma “Não, porque não é pelo gênero. A lei fala de homem
norma que estava em vigor desde 2006. Esta que, no im- e mulher. O critério é biológico. O homem que é trans-
aginário popular, ainda é vista com desdém, inclusive nos formado é um homem. E se ele disser que é uma
discursos sobre uma “Lei João da Penha” para proteger ho- samambaia?” ( Juiz 23)
mens. As colocações supramencionadas preocupam, pois
Entendemos que a defesa desse argumento falacioso demonstram que, apesar das potencialidades da Lei nº
está atrelada à falta de conhecimento sobre gênero e a 11.340/06 de transcender a lógica binária e heteronorma-
violência que o permeia no país. As mulheres brasileiras tiva de nossa sociedade (binômio sexo feminino/sexo mas-
possuem três vezes mais chances de sofrer violência domé- culino), na prática, as regras sociais são, muitas vezes, re-
stica e familiar do que os homens, segundo dados do Insti- produzidas.
tuto de Pesquisa Econômica Aplicada – Ipea[887]. A população As destinatárias da Lei devem ser interpretadas de
trans (travestis, transexuais e transgêneros) é diariamente uma forma ampla, dentro do conceito de mulheridades
dizimada, dados que nos colocam no ranking mundial do (vários contextos de mulheres). Para compreender nossa
maior número de transfeminicídios. Somos, também, em le- norma e, principalmente, aplicá-la a um caso concreto, é
vantamento realizado pela Organização Mundial da Saúde necessário desconstruir certos preconceitos e, ainda, saber
(OMS)[888], o quinto país com as maiores taxas de fem- diferenciar o vocabulário especíco dessa área tão extensa,
inicídios – ou seja, matamos mulheres por, simplesmente, para entender, por exemplo, o que seria identidade de gên-
serem mulheres. ero, sexo biológico, orientação sexual, etc.
Entretanto, por mais que compreender as várias nu- Nessa lógica, “as ideias gestionadas pelas Teorias Fem-
ances do que é gênero seja essencial, através de levantam-

468 469
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

inistas e plantadas pela Teoria ‘Queer’ causaram uma mu- damento da consciência coletiva que é estruturada
na crença de que a identidade de gênero é uma ex-
dança paradigmática na concepção contemporânea de su-
pressão do desejo dos cromossomas e dos hormônios.
jeito de direitos (2018, p. 2012)[890]”. Na mesma perspectiva, O que este transbordamento signica? Que não existe
compreende-se que: aparato conceitual, linguístico que justica a exist-
ência das pessoas trans. Mesmo entre os gays, é no-
O trinômio sexo-gênero-sexualidade é uma constante tório que a violência mais cruenta é cometida contra
que acompanha cada ser humano vivente. A trans- aqueles que performatizam uma estilística corporal
gressão de qualquer uma dessas condições, para além mais próxima ao feminino. Portanto, há algo de
de causar problemas individualmente identiŁcáveis poluidor e contaminador no feminino (com diversos
nos sujeitos, acaba por desestabilizar uma estrutura graus de exclusão) que precisam ser melhor explor-
social, política e jurídica que está vigente e que impõe ados. (grifos nossos)
trajetórias de vida, comportamentos e decisões a cada
um de nós, fazendo com que um simples passo na dir- Não por acaso o Brasil é conhecido como o país
eção contrária coloque o indivíduo numa teia de in-
do transfeminicídio, segundo a ONG Internacional Trans-
segurança jurídica e social, bem como numa orbe de
violência física, moral e psíquica que sempre leva à gender Europe[893], mantendo em 2020 o topo do violento
inserção desses sujeitos no rol de seres humanos de ranking que carrega há anos. Portanto, percebe-se de forma
segunda categoria. (2018, p. 217-218[891]) muito clara uma dupla vulnerabilização das mulheres trans,
Nesse contexto, onde cam as pessoas transgêneras, quando registramos marcadores sociais da diferença em
transexuais, travestis, intersexuais, não-binárias, enm? É relação a gênero.
necessário que haja comprovação de uma cirurgia de re- 2. GÊNERO E VIOLÊNCIA CONTRA MULHERES
designação sexual, como o senso comum - erronea- TRANSEXUAIS NO CONTEXTO DA PANDEMIA
mente - costuma reproduzir? Primeiramente, é necessário Quando nos propusemos a escrever esse artigo, recon-
compreender que sexo, libido (comportamento sexual) hecemos que, desde já, integrantes da comunidade LGBTQIA
e autoconhecimento apenas devem ser analisados à luz + (lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, transexuais,
da interferência estatal quando for para possibilitar uma travestis, queer, intersexo, assexuais e demais denom-
maior proteção desses grupos, considerados historicamente inações) estão mais vulneráveis a situações de violências
vulneráveis. E aqui, portanto, a crítica no momento de no ambiente doméstico, condição potencializada quando
pandemia decorrente do COVID-19, identicando ainda não existe a aceitação das “dissidências” por parte dessas
mais quem são as parcelas marginalizadas da pirâmide so- famílias. Esses pressupostos convergem com os resultados
cial. Mulheres são vulneráveis, mas mulheres trans ou preliminares do estudo de Cerqueira-Santos, Ramos & Gato
travestis são ainda mais. Nessa linha, o diálogo precisa en- (2020)[894]. A mencionada pesquisa aconteceu entre os dias
frentar não apenas a questão gênero, mas todos os liames 9 e 22 de maio de 2020, no Brasil, ou seja, durante a
do que é esse amplo conceito. Nas palavras de Berenice pandemia, e teve 926 pessoas como amostra. Além do que
Bento [892]: foi mencionado, ainda pontuaram que o connamento com
Se o feminino representa aquilo que é desvalorizado a família pode não ser, nesse cenário, o ambiente mais seguro
socialmente, quando este feminino é encarnado em para sujeitos LGBTs; que o afastamento das redes de apoio
corpos que nasceram com pênis, há um transbor- dos jovens LGBT+ durante o isolamento social (amigos/as,

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

namorado/a) pode fragilizar esse grupo e que a saúde mental temporâneo, realizou a pesquisa “Diagnóstico LGBT+ na
dessa população está mais suscetível para o desenvolvim- pandemia: desaos da comunidade LGBT+ no contexto de
ento de transtornos mentais. isolamento social em enfrentamento à pandemia de Cor-
Reconhecendo a urgência e necessidade de inter- onavírus”[898]. A coleta de dados ocorreu de maneira online
venção efetiva nessa temática, a Organização das Nações entre os dias 28 de abril e 15 de maio e foram analisados
Unidas (ONU) solicitou que os países oferecessem proteção 9.521 formulários.
às pessoas LGBT+ contra possíveis preconceitos e ações dis- Para essa ocasião, nos chamou atenção duas
criminatórias quando da procura a assistência médica dur- colocações de mulheres transexuais com relação ao seguinte
ante a pandemia, armando que “essa população pode hesi- questionamento: “Você sentiu algum impacto na pandemia
tar em procurar serviços médicos e ser especialmente vul- de Covid-19 que tem relação com o fato de você ser LGBT+?”.
nerável à Covid-19”[895]. Quais sejam, in verbis:
É possível perceber, então, que mesmo que seja uma
"Antes da pandemia eu já sofria transfobia por
comunidade tão diversa, fragilidades podem ser compar- parte da família, mas todos trabalhávamos. Com essa
tilhadas. No entanto, não podemos deixar de levar em pandemia passamos a Łcar juntos com mais frequên-
consideração outros fatores que atravessam essa população cia e pela não aceitação familiar e por violência psic-
ológica por parte de minha mãe saí de casa (ela já
e, por consequência, geram vulnerabilidades especícas.
havia me expulsado). Estou desolada e nada bem
Nesse caso, especicamente, tratamos sobre as questões de psicologicamente." (Mulher trans preta hétero classe
gênero, ou seja, como o marcador de ser uma mulher tran- D)
sexual pode aguçar situações de violência no contexto da
"A população trans em sua maioria, vive situações de
pandemia. vulnerabilidade afetiva, psicológica e Łnanceira por
Linn da Quebrada, atriz, cantora e compositora bra- fatores que antecedem a pandemia, assim, estão ex-
sileira, ao reetir sobre as questões supracitadas, arma: postas às mazelas da situação atual." (Mulher trans
parda hétero classe C)
“Pessoas trans já viviam em isolamento social antes da
pandemia”[896]. Nesse mesmo sentido, a jornalista Clara As- A partir dos excertos citados, parece car evidente,
sunção, em uma reportagem da “Rede Brasil Atual”[897], então, que o contexto pandêmico não criou novas vulner-
aponta que mulheres e homens transexuais são o segmento abilidades sociais, primordialmente, mas acentuou expo-
mais vulnerável da população LGBT e que relatam, com nencialmente as já existentes que, por múltiplas questões
maior frequência e intensidade, o medo do desemprego, da e interesses diversos (institucionais, governamentais e ne-
falta de renda e de acesso à saúde na pandemia. cropolíticos, por exemplo), são invisibilizadas cotidiana-
Esses indicadores nos levam a reetir, então, sobre a mente.
elevada suscetibilidade da população transexual, no con- Do nosso lugar, como autores, mas também potenciais
texto da pandemia, sofrer múltiplas violências. Em busca operadores da lei, nos preocupa, diante de tudo que foi men-
de coletar dados para nortear futuras políticas públicas cionado, o acesso dessas mulheres transexuais às leis que
de prevenção e enfrentamento a essas violências, o colet- garantam sua integridade física e psíquica, como a Lei Maria
ivo #VoteLGBT, com a contribuição da Box1824, empresa da Penha. Certamente, por circunstâncias tão diversas, não
de pesquisa e análise de comportamentos do mundo con-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

deve ser fácil acessar esses direitos. soas transexuais, mesmo quando comprovada a sua intensa
Girardi (2020)[899] arma que noticação de casos de vulnerabilidade e necessidade.
violência contra as mulheres subiu durante a pandemia
de Covid-19, segundo dados do Ministério da Mulher, da 3. O CONTEXTO PANDÊMICO
Família e dos Direitos Humanos (MMDH). Segundo a autora, Apesar dos crescentes números de violência contra
a quantidade de denúncias recebidas no canal 180 subiu mulheres trans e travestis, não há no país uma fonte in-
quase 40% em abril, quando o isolamento social já dur- stitucional que apure esses dados alarmantes, o que mos-
ava mais de um mês, comparado ao mesmo mês de 2019. tra, ainda mais, a política de omissão quanto a essa parcela
Aponta, também, que esse número não cresceu apenas para – um reexo da clara omissão institucional que permeia
as mulheres cisgêneras. esses corpos. Em pesquisa recente apurada pela ANTRA,
O levantamento da Associação Nacional de Travestis nos dois primeiros meses de 2020, houve aumento de 90%
e Transexuais (Antra)[900] aponta que houve um aumento de no número de casos de assassinatos de travestis no país,
49% nos assassinatos de mulheres transexuais e travestis em comparação com o mesmo período de 2019[901]. Ainda
entre janeiro e abril de 2020. Girard (2020) destaca que, em segundo o mesmo levantamento, 99% das pessoas entrev-
junho, por ser o mês do orgulho LGTQI+, “a transfobia e a istadas, pertencentes ao grupo LGBTQIA+, armaram não
falta de acesso dessas mulheres à Lei nº 11.340/2006, con- sentir segurança no Brasil. Apesar da criminalização recente
hecida como Lei Maria da Penha, é debatida”. Isso porque, os da homofobia pelo Supremo Tribunal Federal (STF), em
dados escancaram a urgente necessidade de pensar mecan- 2019, não é possível dizer que as vias tradicionais do Sis-
ismos de assegurar esses direitos. tema de Justiça Criminal podem proteger essas pessoas. A
Salutar discutir, ainda, sobre a cisnormatividade in- pandemia mostra, claramente, essa lacuna ainda invisível.
stitucional, que pode inuenciar na subnoticação de casos São essas mulheres que sofrem, também, violência
de violências sofridas por mulheres transexuais. doméstica, quando o Brasil possui índices extremamente
alarmantes no que diz respeito a essa questão. São, assim,
Além de os casos serem mais comuns e menos noti- pandemias conjuntas: COVID-19, violência doméstica,
Łcados, a advogada especializada em atendimento
a mulheres Gabriela Souza atenta para os tipos de homofobia, transfobia, feminicídio, machismo e demais
crimes que são cometidos. "Mulheres trans e travestis violações. Não é possível, nesse contexto, falar de violência
sofrem crimes com muito mais ódio que mulheres cis. contra as mulheres sem pontuar as mulheres em condições
Enquanto uma mulher cis é assassinada a facadas, de maior vulnerabilidade, ainda mais em um país no qual os
uma mulher trans tem a garganta cortada. Isso acon-
tece porque juntam o machismo com a transfobia", marcadores de diferença só mostram como já vivemos entre
explica. (GIRARD, 2020) vários contextos pandêmicos de morte, sempre ignorados.

Dessa maneira, todos os atravessamentos citados e o


descaso estatal para assegurar e garantir a aplicação de dire-
itos para todas, todos e todes, marcados por um período de
pandemia global, parece dicultar a criação e aplicação de
mecanismos jurídicos para atendimento e proteção de pes-

474 475
PANDEMIA E MULHERES

ais (BONIO et al, 2019)[904]. Alguns aspectos relacionados à


vida cotidiana das mulheres mudaram diante da pandemia
ATRÁS DAS MÁSCARA: MULHERES NA como por exemplo a sobrecarga de trabalho doméstico, ex-
LINHA DE FRENTE DA COVID – 19 posição à violência e vulnerabilidade econômica.
As atividades laborais das mulheres somando com
Marly Perrelli[902]
afazeres domésticos que a maioria realiza, com a suspensão
A notícia em dezembro de 2019 sobre a disseminação de aulas e a exigência de que famílias Łquem em casa,
do novo Coronavírus denominado SARS-CoV-2, causador da têm deixado muitas mulheres ainda mais sobrecarregadas,
doença covid - 19, originado na China, causou surpresa no provocando sintomas de estresse. Para aquelas que estão
mundo inteiro. A dimensão global dos rełexos da covid -19, em regime de home oŃce, equilibrar o trabalho remunerado
fez com que a Organização Mundial de Saúde (OMS) recon- com os cuidados com a família tem indicado a dupla ou tri-
hecesse a sua transmissão como uma pandemia, declarando pla jornada de trabalho.
uma Emergência em Saúde Pública de Importância Nacional A sobrecarga de trabalho para as proŁssionais linha
(ESPIN). Diante do aumento dos casos, o Brasil emitiu em de frente na pandemia provocou níveis elevados de estresse
janeiro de 2020 a Portaria n°188[903] no Diário OŁcial da em razão do tempo de exposição ao risco, exposição a
União indicando o marco inicial para as estratégias de saúde mortes em larga escala, possibilidade de infectar outras pes-
para a prevenção e enfrentamento da doença. soas e afastamento da família e amigos (TAYLOR, 2019)[905].
Diante da repercussão sobre o contágio do coron- Os desaŁos enfrentados pelas proŁssionais da saúde podem
avírus que causou uma série de mudanças na busca de uma ser um gatilho para o desencadeamento ou a intensiŁcação
consciência coletiva para minimizar danos à saúde e con- de sintomas de ansiedade, depressão e estresse (BAO et al,
struir ações conjuntas que visem zelar pelo bem-estar de 2020)[906], especialmente quando se trata daquelas que tra-
todos. Iniciou-se com as orientações de permanecermos balham em contato direto com pessoas que foram infect-
afastados Łsicamente, nos deparando com diŁculdades que adas pelo vírus.
tem despertado os mais diferentes sentimentos e reações. O medo do contágio pelo novo coronavírus vem
Preocupação, medo, pânico, ansiedade, desgaste emocional, causando fadiga nas proŁssionais e desencorajando a inter-
estresse entre outros aspectos psicológicos acometem agir com a família e de maneira próxima com outras pes-
todos os proŁssionais de linha de frente neste momento soas, o que tende a aumentar o sentimento de isolamento.
pandêmico. As mudanças frequentes nos protocolos de atendimentos,
Em relação as mulheres o cenário se diferencia no em decorrência de novas descobertas sobre a covid - 19 e
sentido de impactos proŁssionais, sociais e emocionais. As todos os procedimentos e o tempo despendido para colocar
mulheres representam, em média, 70% dos trabalhadores e remover os equipamentos de proteção individual, desta
da saúde, segundo estimativas da Organização Mundial da aumenta a exaustão relacionada ao trabalho (ZANG et al,
Saúde. São as mulheres que primordialmente estão na linha 2020)[907].
de frente da responsabilidade pelos cuidados, inclusive da Neste contexto de emergência de saúde pública a
população adoecida, sejam eles domésticos ou institucion- atuação das proŁssionais linha de frente pode apresentar
desequilíbrio psicológico extremo, chamado fadiga de com-

476 477
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

paixão ou trauma vicário, ocorre em pessoas que vivenciam atual.


situações de extremo sofrimento e em pessoas que não Outra aspecto emocional que foi detectado as pro-
sofreram diretamente um trauma mas passam a apresentar ssionais linha de frente é o estresse agudo que se baseia
sintomas psicológicos decorrentes da empatia por quem o nos sintomas de humor negativo, sintomas dissociativos, de
sofreu. Também chamada de fadiga por empatia, este sof- fuga e alerta, memórias recorrentes, involuntárias, angust-
rimento emocional é caracterizado pelo esgotamento emo- iantes e invasivas do evento, sonhos aitivos e recorrentes
cional e físico, sendo uma ameaça à saúde, qualidade de vida com o evento e reações dissociativas (p. ex., ashbacks) em
e da trabalhadora (LAGO & CODO, 2010)[908].  que sentem como se o evento traumático estivesse acon-
Quando as prossionais são afastadas de suas funções tecendo novamente, sofrimento psicológico ou siológico
laborais pode ter experiência de sentimentos como: raiva, intenso ao lembrar do evento (p. ex., ao entrar em um
irritabilidade, frustração e tristeza. Em algumas situações local similar, ouvir sons semelhantes aos escutados dur-
as prossionais se recusam a descansar por acreditar que ante o evento), incapacidade persistente de experimen-
devem estar em alerta a maioria parte do seu tempo (Brooks tar emoções positivas (p. ex., felicidade, satisfação, senti-
et al., 2020)[909], o que sugere a importância da atenção psic- mentos amorosos), sensação alterada da realidade (p. ex.,
ológica a essa população no contexto de pandemias. sentir-se atordoada, o tempo desacelerando, percepções
É necessário mencionar também que muitas pros- alteradas), incapacidade de lembrar uma parte import-
sionais no Brasil não têm experiências na atuação em ante do evento traumático, esforços para evitar memórias,
emergências desta magnitude, como o caso da covid -19, o pensamentos ou sentimentos angustiantes associados com
que representa fatores estressores adicionais em razão das o evento, esforços para evitar lembranças externas (pes-
incertezas do término da pandemia. Neste momento pode soas, lugares, conversas, atividades, objetos, situações) as-
ocorrer o transtorno de adaptação que é decorrente dos sociadas ao evento, distúrbio do sono, irritabilidade ou
estressores que provocam desequilíbrio emocional. Tam- explosões exacerbadas, resposta exagerada de sobressalto.
bém chamada de transtornos de ajustamento que apresen- Essas são manifestações do estresse agudo, pelas quais a
tam sintomas como: tristeza, desesperança, falta de prazer, prossional linha de frente é acometida em decorrência
crises de choro, nervosismo, ansiedade, preocupação, do nível de exigências das atividades laborais na pandemia
desespero, insônia, diculdade de concentração, sensação (SHOJAEI& MASOUMI, 2020)[911].
de estar oprimido e pensamentos suicidas. Esses sintomas Todos esses fatores podem prejudicar diretamente
emocionais são resposta ao contexto do trabalho contur- aatençãodas prossionais de saúde, bem como seudesem-
bado na pandemia, sendo os aspectos relacionados à carga penhoe capacidade detomada de decisão, podendo inclu-
horária, ao medo elevado de exposição ao coronavírus, à sive pedir demissão pelo alto nível de pressão no ambiente
morte constante de pessoas e à incerteza que podem con- de trabalho. São comuns os sentimentos de culpa e não
tribuir para oaparecimentoouagravamentodequadros de- pertencimento provando o adoecimento físico e emocional
pressivose/ouansiosos (LIPP, 2007)[910]. Portanto, em meio (BARROS-DELBEN, 2020)[912].
àpandemiadecovid-19, alguns fatoresestressorestendem Sendo assim, sugere-se a realização de intervenções
a se intensicar, tendo em vista, justamente, a sobrecar- voltadas à orientação sobre sintomas psicológicos que as
gado período deisolamento social decorrentes docenário prossionais podem apresentar nesse contexto (ex.: es-

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EZILDA MELO

tresse, depressão, ansiedade e insônia; Zang et al., 2020)[913],


bem como estratégias de enfrentamento e autocuidado
(ex.: gerenciamento de estresse e importância dos momen- AUMENTO DA VIOLÊNCIA CONTRA MULHER
tos de descanso). Adicionalmente, considerando os relatos A PARTIR DO INÍCIO DA PANDEMIA DO
de proŁssionais da saúde sobre preocupações e sentimento COVID-19: PROPOSTAS DE ENFRENTAMENTO
de isolamento pelo afastamento da família e dos amigos,
Selma Pereira de Santana[916]
psicólogos podem contribuir para o fortalecimento da rede
Samyle Regina Matos Oliveira[917]
de apoio, ao incentivá-las a manter contatos frequentes, dur- Mayana Sales Moreira[918]
ante os intervalos no trabalho, por meio de telefonemas,
mensagens de texto, áudio e vídeo. Isso tende a beneŁciar A Lei Maria da Penha (11.340/2006) foi responsável
também a saúde mental das pessoas da rede de apoio das pro- pela criação de mecanismos para coibir e prevenir a violên-
Łssionais da saúde, pois mantê-las informadas pode reduzir cia doméstica e familiar contra a mulher, em observância ao
as emoções negativas, como o medo (BANERJEE, 2020)[914]. texto constitucional (§ 8º do art. 226 da CFRB/88), à Con-
Sendo assim, considera-se primordial que as necessidades e venção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Violência
as vozes de mulheres e sejam incluídas no centro das ações e contra a Mulher, à Convenção Interamericana para Prevenir,
respostas durante a emergência em saúde pública provocada Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, bem como de
pela Covid-19. outros tratados internacionais raticados pelo Brasil.
As heroínas Paula, Sandra, Camila, Patrícia, Maria, Por outro lado, apesar de ter se tornado uma grande
entre outras tantas mulheres que morreram atuando incan- referência internacional, algumas questões relacionadas a
savelmente na covid -19, elas foram conhecidas por trás de Lei 11.340/2006 continuam a ser amplamente debatidas,
suas máscaras, não se esconderam, mas tentaram se pro- com destaque especial para a mudança da ação penal e a
tegem e foram vencidas pelo vírus, mas não por sua cap- possibilidade ou não de aplicar a Justiça Restaurativa nos
acidade de lutar bravamente até o Łm[915]. casos de violência contra a mulher. Em certa medida, essas
questões estão relacionadas a autonomia da vítima. Assim,
é possível vislumbrar a Justiça Restaurativa como uma pro-
posta de enfretamento à violência doméstica e que tenha re-
spaldo nos eixos da Lei Maria da Penha?
Para responder a essa questão, o presente estudo, real-
izado por meio de levantamento bibliográco e análise de
dados, tem início com uma abordagem acerca dos eixos pre-
sentes na Lei Maria da Penha. Em um segundo momento,
traz dados da violência contra a mulher, a partir do início
da pandemia do covid-19, responsáveis por comprovar um
aumento signicado desse tipo de crime. Por m, discute se
é possível ou não aplicar a Justiça Restaurativa e se é correto
conceber como tal, as práticas aplicadas exclusivamente

480 481
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

com autores, ou mesmo com as vítimas da violência domés- como o afastamento do lar.
tica, separadamente. A concessão dessas medidas de urgência em favor da
mulher são, muitas vezes, essenciais para a sua proteção,
1. ANÁLISE DOS TRÊS EIXOS DA LEI MARIA DA mas encontra óbice na diculdade de scalização de seu
PENHA cumprimento, principalmente porque a própria Lei Maria
Para que se possa realizar uma análise do panorama da Penha não estabeleceu essas diretrizes, em que pese
da violência contra mulher após o início da Pandemia do prever, desde 2018, em seu art. 24-A, o crime de “descumpri-
Covid-19, necessário se faz, ainda que de forma breve, tecer mento de medidas protetivas de urgência”[920].
algumas observações sobre os três eixos da Lei Maria da Necessário se faz, portanto, realizar um acompan-
Penha, no que concerne a proteção da vítima, a prevenção da hamento mais efetivo e direcionado do cumprimento des-
violência e a responsabilização do ofensor. sas medidas, a m de que estas possam, de fato, impender
a sua nalidade de proteção a mulher. Por esta razão, novas
1.1 A PROTEÇÃO À VÍTIMA:
orientações têm sido adotadas, o que tem possibilitado um
O primeiro eixo da Lei Maria da Penha se refere, em
melhor acompanhamento no cumprimento das medidas
razão de seus próprios objetivos, à proteção da vítima, como
impostas. Dentre essas novas diretrizes, é importante citar a
forma de diminuir as desigualdades de gênero e a vulnerabi-
utilização de tornozeleiras eletrônicas, que registram even-
lidade da mulher, que sempre marcaram a história. Trata-se,
tual aproximação do ofensor com a vítima e possibilitam,
portanto, de ação aŁrmativa que busca minimizar os efeitos
após a comunicação do descumprimento ao magistrado, a
deletérios de décadas e décadas de discriminação, que aca-
adoção de medidas mais drásticas, como a decretação da
bam culminando na violência doméstica contra a mulher.
prisão preventiva, além da responsabilização do agressor
Por esta razão, a Lei Maria da Penha reconheceu a
pela prática do crime previsto no art. 24-A da Lei Maria da
necessidade de combater a violência contra mulher e, ao
Penha[921].
mesmo tempo, de adotar medidas públicas e ações sólidas,
Além disso, o CNJ está elaborando, em atendimento ao
visando a proteção da ofendida. Foi exatamente nesse con-
disposto no art. 3º, parágrafo único da Lei nº 13.827/2019,
texto que a lei instituiu as medidas protetivas de urgên-
um “sistema integrado de informações para o acompan-
cia que obrigam o agressor e aquelas destinadas à ofendida,
hamento de medidas cautelares para a proteção da vítima
previstas em seus artigos 22 e 23, respectivamente.
de violência doméstica”[922], denominado Banco Nacional de
As medidas protetivas podem ser concedidas pelo juiz
Medidas Protetivas de Urgência. A criação desse sistema in-
a requerimento do Ministério Público ou da ofendida, in-
tegrado tem a nalidade de viabilizar um controle maior
dependente de oitiva das partes, como forma de assegurar
em relação ao efetivo cumprimento das medidas protetivas,
proteção física e psicológica à vítima contra o seu agressor.
bem como permitir a produção de dados, inclusive es-
Uma simples análise do artigo 22[919] da lei demonstra que as
tatísticos, que auxiliem no combate a violência doméstica
medidas de proteção a mulher que são direcionadas ao ofen-
contra a mulher.
sor buscam impedir ou, ao menos diŁcultar, a reiteração da
violência já perpetrada, tais como a suspensão da posse de 1.2 A PREVENÇÃO DA VIOLÊNCIA E RESPONSABIL-
arma de fogo, a proibição de se aproximar da ofendida, bem IZAÇÃO DO AUTOR

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

A Lei Maria da Penha, além de buscar coibir a violên- do agressor por uma equipe multidisciplinar que, na dicção
cia doméstica e familiar contra a mulher, prevendo mecan- do art. 29, será “integrada por prossionais especializados
ismos de proteção, também trouxe um tratamento mais nas áreas psicossocial, jurídica e de saúde”.[924]
rigoroso para os agressores, tendo em vista que vedou ex- Diante desse panorama, a implementação prática des-
pressamente, em seu artigo 41, a aplicação da Lei nº sas e outras ações de caráter preventivo é imperiosa. Para
9.099/95 que dispõe sobre os Juizados Especiais Criminais, além do caráter retributivo da sanção imposta ao agressor,
além de outras medidas mais gravosas. é necessário a adoção de políticas públicas de conscien-
A vedação à aplicação da Lei nº 9.099/95 tem como tização e educação, que diminuam as desigualdades de gên-
objetivo precípuo evitar que o agressor seja beneŁciado ero e o machismo enraizado na sociedade. Em outras pala-
pelos institutos despenalizadores previstos na aludida lei, vras, não basta punir a agressão realizada, é preciso evitá-la.
como a transação penal e a suspensão condicional do pro-
cesso, aplicando-se a qualquer crime praticado em situação 2. PANORAMA DA VIOLÊNCIA CONTRA MULHER
de violência doméstica e familiar contra a mulher, inde- APÓS A PANDEMIA DO CONVID – 19
pendente da pena abstratamente cominada para o delito. Feita essa breve digressão sobre os eixos da Lei Maria
Percebe-se, desta forma, que a Lei Maria da Penha, ao menos da Penha, necessário se faz analisar eventual aumento dos
no que concerne a responsabilização do agressor, tem uma casos de violência doméstica após o início do isolamento so-
clara inclinação retributiva, com a previsão de institutos cial imposto em razão da Pandemia do Covid-19. Em linhas
que, de alguma forma, retiram benefícios ou trazem um tra- iniciais, vale lembrar que a casa, local de convivência entre
tamento mais rigoroso para o mesmo. pessoas, normalmente do mesmo núcleo familiar, é um am-
Sem adentrar na análise da eŁcácia retributiva da biente que, por suas peculiaridades, via de regra, transmite
lei penal, é necessário pontuar que o combate a violência uma sensação de segurança e de tranquilidade, como se a
doméstica e familiar, por ser fenômeno multidimensional, violência e os problemas que aigem a sociedade atual não
não pode Łcar adstrito a seara criminal, envolvendo, para pudessem ali adentrar.
muito além disso, questões de cunho cultural, social e edu- Essa é uma percepção falsa, contudo, quando se anal-
cacional. O combate, portanto, perpassa pela prevenção e, isa a questão sob a ótica da mulher. Isto porque é no ambi-
consequentemente, pela luta contra o machismo, a discrim- ente doméstico que acontecem os maiores casos de violên-
inação de gênero e para assegurar o empoderamento da mul- cia contra a mulher no Brasil [925]. Segundo dados do Conselho
Nacional de Justiça, o ano de 2019 terminou com mais de
her. [923]
um milhão de processos de violência doméstica, um cresci-
Não se pode olvidar, contudo, que a própria Lei
mento de quase 10% (dez porcento) se comparado com o
Maria da Penha, reconhecendo o caráter multidimensional
ano de 2018.[926] A casa, portanto, não é um local seguro para
da violência doméstica, prevê medidas de caráter prevent-
a mulher brasileira.
ivo, como o comparecimento do agressor a programas de
Fixada essa premissa de insegurança da mulher em seu
recuperação e reeducação, o acompanhamento psicossocial
próprio lar, eventual indagação sobre o aumento da violên-
do agressor, por meio de atendimento individual e/ou em
cia doméstica durante o período de isolamento social oca-
grupo de apoio, bem como a possibilidade de atendimento
sionado pela Pandemia do Covid-19 parece despicienda. Se

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

em tempos de “normalidade” os números já são alarmantes, contrário.


é forçoso, infelizmente, imaginar o aumento desse índice Isto porque, em que pese a aludida redução do número
neste período de Pandemia. de boletins de ocorrência registrados e do número de me-
Isto porque, embora se entenda que a imposição do didas protetivas concedidas, houve, por outro lado, um au-
isolamento social por parte do Estado decorra de uma ne- mento signicativo em vários Estados no número de denún-
cessidade de contenção do vírus, é certo, também, que cias telefônicas realizadas, seja para a Polícia Militar, por
essa medida pode acarretar, para mulher vítima de violên- meio do número 190, seja pelo canal de denúncia “Ligue
cia doméstica, consequências diversas daquelas vivenciadas 180”. Segundo os dados da pesquisa[929], no mês de abril de
pelo restante da população. Com o isolamento social e a 2020, período em que o isolamento social já havia iniciado,
necessidade de permanecer em casa há, por exemplo, um houve um crescimento de 37,6% no número de denúncias
aumento signicativo da convivência dessa mulher com o telefônicas feitas por meio do “Ligue 180” se comparado
seu agressor, além de possível diminuição de renda, fatores, com o mesmo período no ano de 2019.
estes, que contribuem para o aumento dos próprios índices A explicação para esses dados parece simples: o isola-
de violência doméstica. mento social diculta a adoção de algumas medidas por
De acordo com pesquisa realizada pelo Fórum Bra- parte da vítima, como registros de boletim de ocorrência e
sileiro de Segurança Pública, entre março e abril de 2020, solicitação de medidas protetivas, em razão das limitações
houve um crescimento de 22,2% no índice de feminicídios impostas pelo próprio isolamento em si e, também, pela
no Brasil, com a morte de 143 mulheres em situação proximidade da mulher com o seu agressor dentro de casa.
de violência doméstica ou pelo simples fato de ser mul- A diminuição no índice de registros de boletins de ocorrên-
her[927]. Apesar desse crescimento em relação ao feminicídio, cia, portanto, não demonstra que houve uma redução dos
houve uma redução signicativa no número de registros de casos de violência doméstica que, infelizmente, continuam
boletins de ocorrência nas delegacias entre março e abril de acontecendo. Esses dados comprovam apenas que a mulher
2020 se comparados com o ano de 2019. A título de exem- tem encontrado diculdade em pedir socorro, se valendo,
plo, vale citar a redução de 25,5% em relação ao crime de quando possível, da denúncia anônima telefônica, por ser a
lesão corporal dolosa decorrente de violência doméstica e via mais acessível, rápida e segura nesse momento.
de 28,2% dos casos de estupro e de estupro de vulnerável. Diante desse triste cenário, o CNJ recomendou a
De igual forma, o número de medidas protetivas concedidas adoção de um registro eletrônico de ocorrências em crimes
reduziu em vários Estados, como Pará, Rio de Janeiro, São relacionados à violência doméstica, com a nalidade de au-
Paulo e Acre[928]. mento o acesso à Justiça das mulheres vítimas de violência
Esses números, se interpretados de forma isolada, doméstica durante a Pandemia. Além da criação desse canal
parecem indicar, ao contrário do que se armou antes, que o virtual, “a recomendação indica o envio virtual (upload) de
isolamento social decorrente da Pandemia não acarretou no dados e arquivos – como documentos, fotograas, exames
aumento dos índices de violência doméstica contra mulher médicos ou laudos – que demonstrem a materialidade da
no Brasil. Contudo, uma análise, ainda que perfunctória, dos infração, assim como os pedido de medidas protetivas de
demais dados coletados na pesquisa realizada pelo Fórum urgência”[930].
Brasileiro de Segurança Pública, comprova justamente o A recomendação do CNJ corrobora, portanto, a

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

armação de que a violência doméstica contra a mulher encontrar espaço para a JR dentro de uma lei que levou a dis-
aumentou durante o período de isolamento social, em que cussão para esfera criminal e fortaleceu o poder estatal.
pese a redução do número de ocorrências registradas. A Pois bem, antes de responder, é preciso esclarecer que
adoção de medidas preventivas é imperiosa e urgente, sendo não é pacíco entre os estudiosos da Justiça Restaurativa a
necessário discutir, como se fará a seguir, medidas de enfren- denição de um único conceito. Portanto, esse caráter de
tamento da violência doméstica contra a mulher. indenição ou de múltiplas concepções para as práticas res-
taurativas pode inuenciar, em alguma medida, na dicul-
3. A JUSTIÇA RESTAURATIVA E OS GRUPOS REFLEX- dade de construção de bases epistemológicas sólidas[932]. De
IVOS acordo com a Resolução 225 do CNJ[933], em seu artigo 1º, a
A análise sobre os três eixos da Lei Maria da Penha, no Justiça Restaurativa(JR) constitui-se como um conjunto or-
que concerne a proteção da vítima, a prevenção da violên- denado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e ativi-
cia e a responsabilização do ofensor, bem como acerca dades próprias, que visa à conscientização sobre os fatores
dos dados fornecidos pelo Fórum Brasileiro de Segurança relacionais, institucionais e sociais motivadores de con-
Pública, observados, sobretudo, após o início da Pandemia itos e violência, e por meio do qual os conitos que geram
pelo Covid-19, permitem discutir algumas possibilidades dano, concreto ou abstrato, são solucionados observando-se
de enfretamento da questão como a Justiça Restaurativa e critérios especícos.
outras ações de apoio aos autores e às vítimas da violência. Conforme pode ser observado, a construção de um
Se por um lado a Lei Maria da Penha foi fundamental conceito de JR transita entre teoria e prática e entre um
para ampliar o entendimento da complexidade que envolve ser ou não ser. Em outras palavras, há quem diga que “A
a violência contra a mulher, por outro, conduziu a discussão justiça restaurativa é uma prática ou, mais precisamente,
para a esfera criminal. Desse modo, “a lei recolocou o prob- um conjunto de práticas em busca de uma teoria”[934]. Mas há
lema da violência contra as mulheres no eixo agressor-ví- também quem defenda a existência de um conceito aberto
tima e recolocou nas mãos do Estado, através do judiciário, a da Justiça Restaurativa que caminha pela concepção do en-
tutela da mulher”[931], o que cou evidenciado também com contro, da reparação, da transformação e dos valores res-
a mudança na ação penal que deixou de ser condicionada à taurativos[935].
representação para ser pública incondicionada. O encontro, segundo Pallamolla[936], é a concepção
A partir dessa constatação, as visões sobre o assunto “que melhor expressa uma das ideias centrais do movim-
se dividem da seguinte forma: a) defensores da aplicação ento, ao armar que vítima, ofensor e outros interessados
da Justiça Restaurativa como retomada do problema para no caso devem ter a oportunidade de encontrar-se em um
o eixo ampliado agressor-vítima e comunidade; b) críticos local não tão formal e dominado por especialistas (advoga-
da aplicação da Justiça Restaurativa, a favor da manutenção dos e juízes, por exemplo) como os fóruns e tribunais”. Dessa
do controle estatal. Considerando essas visões, o presente forma, através do encontro as partes assumem “posições
texto se propõe a responder se é possível vislumbrar a ativas nas discussões e na tomada de decisões sobre o que
Justiça Restaurativa como uma proposta de enfretamento à deve ser feito com relação ao delito, sempre com a ajuda de
violência doméstica e que tenha respaldo nos eixos da Lei um facilitador”.
Maria da Penha? Em outras palavras, o desao consiste em A concepção da reparação prioriza a reparação da ví-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

tima e admite que, em certos casos, a reparação possa não apenas a punição/responsabilização dos autores desse
ser imposta ao autor; e, por Łm, a concepção da trans- tipo de violência, mas também a ressignicação, tanto para
formação concebe a justiça restaurativa como um meio de o autor, quanto para a vítima/família. Por essa razão, há
transformação da vida em sociedade (vítima, ofensor e, por quem defenda que os grupos reexivos são uma nova forma
vezes, comunidade)[937]. Desses conceitos, decorrem algumas de Justiça Restaurativa que pode ser utilizada antes, durante
questões: a Justiça Restaurativa exige a reparação do dano e e após a investigação e o processo penal [939].
a transformação da vida em sociedade para ser denominada O encaminhamento do autor da violência doméstica
como tal? para os grupos reexivos “pode ser utilizado como política
Segundo Vera Regina[938], a resposta para a pergunta pública tanto de prevenção à violência doméstica, quanto
supramencionada deve ser aŁrmativa, isso porque visando a proteção da vítima”[940]. Vieira de Carvalho destaca
que a busca pela proteção da vítima não afasta um concomi-
O que se evidencia das matrizes teóricas analisadas,
é que se a Justiça Restaurativa transita, quanto aos tante atuar em prevenção e em educação (dada a cultura
seus objetivos, de uma concepção micro (reparação patriarcal e machista), de modo que a responsabilização não
de dano) a uma concepção macro (transformação), se restringe, apenas, a punição (prisão), havendo de se apro-
ambas mediadas pela centralidade do encontro, o
fundar a reexão em torno de quem pratica a violência e de
seu espaço não se limita ao sistema de justiça ou
ao sistema de justiça penal, estando convidada a que modo esse cenário pode ser evitado no mesmo ambi-
se expandir nos relacionamentos transversais viven- ente familiar ou em eventuais relacionamentos futuros do
ciados em todos os espaços comunitários e sociais, autor.
para a resolução de diferenças (nominadas como con-
Além dos grupos para homens, há também os que são
łitos, crimes, contravenções, violências) em famílias,
escolas, comunidades, hospitais, empresas, bem como para as mulheres, voltados ao oferecimento de apoio psic-
entre os povos. ológico, social e que contribui para que o fortalecimento
da vítima. A ideia desses centros de apoio é reduzir o tão
Nesse sentido, em relação especiŁcamente à violência aguçado desequilíbrio entre vítima-ofensor. A esse respeito,
doméstica, torna-se relevante discutir não apenas a possi- é preciso trazer a seguinte reexão: se o ponto central da
bilidade do encontro vítima-ofensor e em alguns casos, da Justiça Restaurativa é o encontro vítima-ofensor, será cor-
própria comunidade, como também a perspectiva da trans- reto conceber que as práticas aplicadas exclusivamente com
formação que pode estar contemplada nos Grupos Rełex- autores, ou mesmo com as vítimas da violência doméstica,
ivos para autores de violência contra a mulher e nos Grupos separadamente, são Justiça Restaurativa? Nesse sentido, ret-
de apoio às mulheres vítimas desse tipo de crime. omando o conceito da Vera Regina[941], os Grupos Reexivos
e de Apoio às Mulheres estariam centrados na concepção
3.1 OS GRUPOS REFLEXIVOS PODEM SER DEFINI-
da transformação (macro), mas não transitariam, necessar-
DOS COMO JUSTIÇA RESTAURATIVA?
iamente, pela concepção micro da reparação de dano (que
Os grupos rełexivos que também podem ser denom- pode ou não ocorrer) e nem mesmo seriam mediados pela
inados de centros de responsabilização para os autores da centralidade do encontro.
violência doméstica são encontros que visam contemplar Portanto, apesar da evidente importância da criação
dos Grupos Reexivos e de Apoio às Mulheres como pro-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

postas, ora defendidas, para enfrentamento da violência heres; c) o risco da banalização da violência doméstica (con-
contra a mulher, a denominação de Justiça Restaurativa siderando que, simbolicamente, a JR é aplicada a crimes de
talvez não seja a mais adequada. Obviamente, essa armação menor potencial ofensivo), dentro outros. Com efeito, se
contraria boa parte dos autores da Justiça Restaurativa que partirmos da premissa que a aplicação ou não da Justiça
rearmam que a JRnão tem só um conceito e não tem só uma Restaurativa depende muito mais da voluntariedade das
prática. partes envolvidas do que do grau de ofensividade do crime/
Contudo, a crítica ora apresentada tem por objetivo conłito, já descontruímos boa parte desses imbróglios. É
tensionar o surgimento de premissas básicas para denom- preciso cuidar de como os facilitadores conduzirão a pró-
inar o que é ou não Justiça Restaurativa, colocando como pria Justiça Restaurativa e se farão os pré-círculos de forma
ponto central o encontro “vítima-ofensor” e, em alguns adequada. Assim, há grandes chances de que os resultados
casos, da própria comunidade. Os desdobramentos desse en- sejam exitosos.
contro regido pela voluntariedade das partes, a reparação ou
transformação, podem ou não acontecer. É preciso ter claro 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
também que os círculos de construção de paz, a CNV e a pró- Portanto, a partir dessas considerações, é possível
pria mediação são exemplos de técnicas utilizadas na Justiça aŁrmar que a Justiça Restaurativa, assim como os Grupos Re-
Restaurativa, mas não são, separadamente a própria. Nessa łexivos e de Apoio às Mulheres que utilizam técnicas da JR,
linha, tanto as técnicas que podem ser aplicadas nos mais podem ser, perfeitamente, mecanismos capazes de abraçar a
diversos espaços de controle social informal, inclusive, nos complexidade dos elementos relacionados à violência con-
próprios Grupos reexivos e de Apoio às Mulheres, quanto a tra a mulher.
própria Justiça Restaurativa, podem ser utilizadas dentro ou Não restam dúvidas, que a justiça penal sozinha é
fora do Poder Judiciário. incapaz de resolver. Desse modo, é possível sim, associar di-
Uma vez feito esse esclarecimento, é preciso falar versos mecanismos distintos como os que foram supramen-
efetivamente na Justiça Restaurativa enquanto proposta cionados com a Łnalidade de oferecer a vítima, a família e ao
concreta de enfretamento aos crimes de violência domé- próprio ofensor, possibilidades de ressigniŁcar esse tipo de
stica. Primeiramente, pode-se elencar os seguintes pontos conłito/crime.
positivos: a) a voluntariedade do encontro da vítima-ofen- Ademais, a proposta de descentralizar o controle
sor, e em algumas situações, da comunidade; b) os pré- estatal não signiŁca a exclusão da Łgura do Estado, mas
círculos que avaliam condições gerais das partes que estão por outro lado, a ampliação da solução para eixo agressor-
dispostas a terem um encontro equilibrado; c) autonomia vítima e comunidade, o que evidentemente, atenderia, os
da vítima para externar suas necessidades; d) responsabil- eixos da Lei Maria da Penha no tocante à proteção da vítima,
ização do ofensor; e) reparação do dano causado, visando a a prevenção da violência e a responsabilização do ofensor.
satisfação da vítima.
Em contrapartida, geralmente são apontados como
problemas: a) a relação de desequilíbrio entre o homem e
a mulher, mais do que em outro conito (o encontro pode
demarcar esse desequilíbrio); b) A revitimização das mul-

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PANDEMIA E MULHERES

sexo feminino no atendimento de saúde, justiŁcam a es-


colha do objeto de investigação. Nessa toada, parte-se do se-
O DIREITO À SAÚDE DAS PACIENTES NO BRASIL guinte problema de pesquisa: as medidas de enfrentamento
NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19 da pandemia têm englobado a proteção especíŁca do direito
à saúde das mulheres no contexto brasileiro?
Patrícia Verônica Nunes Carvalho Sobral de Souza[942]
Thiago de Menezes Ramos[943] O objetivo da pesquisa é investigar a proteção do
Sirley Meclaine da Graça Melo[944] direito à saúde das mulheres no contexto da atual pandemia
da COVID-19. Para a consecução do objetivo proposto, foram
A crise sanitária global ocasionada pela SARS-CoV-2, estabelecidas algumas opções metodológicas, a seguir apre-
a COVID-19, constitui uma signiŁcativa ameaça para as so- sentadas e justiŁcadas. Como o estudo se volta para os direi-
ciedades contemporâneas. Nesse contexto, tem-se exigido tos e garantias aplicáveis às mulheres no contexto do atendi-
novas posturas por parte da Administração Pública e da mento de saúde, a pesquisa se alicerça no campo dos Direitos
sociedade civil, tanto pela morte de pacientes e dos proŁs- Humanos, com ênfase no direito à vida, saúde e integridade
sionais de saúde, quanto pelos rełexos sociais e econômicos pessoal.
advindos da crise. Em 11 de março de 2020, o surto da A metodologia parte de uma abordagem qualitativa,
COVID-19 foi caracterizado pela Organização Mundial de em virtude da necessidade de investigação do tema a par-
Saúde (OMS) como uma pandemia[945], ou seja, uma nova en- tir de revisão de referenciais teóricos sobre os direitos hu-
fermidade com propagação mundial [946]. manos dos pacientes no contexto do atendimento de saúde.
No Brasil, a Lei nº 13.979, de 6 fevereiro de 2020[947] A abordagem qualitativa também se justiŁca pela necessi-
dispõe sobre as medidas para o enfrentamento da emergên- dade de análise da problemática a partir de aspectos da
cia de saúde pública de importância internacional, decor- realidade que não podem ser quantiŁcados[949].
rente do coronavírus, responsável pelo surto de 2019. As O estudo tem, quanto aos objetivos, caráter explor-
medidas estabelecidas na norma objetivam a proteção da atório. Colacionam-se precedentes de Cortes internacion-
coletividade e, nessa perspectiva, emergem discussões e di- ais de direitos humanos, tendo em vista o fenômeno da
lemas em torno da proteção jurídica de grupos em situação internalização do direito humano à saúde, o qual assume
de vulnerabilidade social, a exemplo das mulheres. dimensões muito claras diante da atual crise sanitária.
De acordo com a Organização das Nações Unidas A pesquisa jurisprudencial tem por delimitação temática
(ONU), a pandemia não apresenta apenas desaŁos sobre os os posicionamentos exarados pela Corte Europeia e Corte
sistemas mundiais de saúde, mas com o compromisso com Interamericana de Direitos Humanos sobre o direito à saúde,
a igualdade e a dignidade humana, de modo que se os inter- pandemia e proteção dos pacientes no segmento da assistên-
esses e os direitos das mulheres forem tidos como prior- cia médica. No âmbito doméstico, investiga-se a proteção
idades pelos países, pode-se superar a crise mais rapida- do direito à saúde das pacientes a partir de casos concretos e,
mente e criar comunidades e sociedades mais igualitárias e também, por meio do tratamento do tema sob a perspectiva
resilientes[948]. do Ministério da Saúde.
A vulnerabilidade da saúde das mulheres na atual A pesquisa está estruturada em duas partes. Na pri-
crise sanitária, aliada ao cenário de mortes de pacientes do meira parte, realiza-se uma contextualização do problema a

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

partir da proteção dos pacientes na perspectiva dos Direitos identicar aqueles que tenham tido contato com o vírus[954].
Humanos. Já na segunda parte, esmiúça-se a vulnerabilidade Para a OMS, há um crescente consenso internacional
da saúde das pacientes no Brasil no contexto da pandemia da de que todas as pessoas sujeitas aos cuidados de saúde têm
COVID-19. direito fundamental à privacidade, à condencialidade de
suas informações médicas, ao consentimento ou recusa ao
A PROTEÇÃO DOS PACIENTES NA PERSPECTIVA DOS
tratamento e a ser informado sobre os riscos relevantes
DIREITOS HUMANOS
sobre os procedimentos médicos[955]. Nesse sentido, na pro-
A crise sanitária decorrente da pandemia da COVID-19
teção da saúde, orbitam fatores entre direito à vida, bem-
coloca em evidência a importância do direito à saúde e
estar físico e psíquico e, sobretudo, a própria dignidade
da adoção de medidas para a sua promoção por parte
humana. Destaca-se também que a própria OMS, no atual
dos Estados. Nesse viés, a proteção de direitos aplicáveis
cenário, depende da cooperação dos Estados para a adoção
aos pacientes no atendimento de saúde assume contornos
de medidas para contenção de doenças, visto que inexiste
jurídicos muito claros, na medida em que os problemas
órgão jurisdicional responsável por julgar os Estados pela
sanitários atuais e os desaŁos nesse setor colocam em xeque
violação das suas normas[956].
o direito à vida e a garantia de permanecer vivo.
De tal modo, as respostas globais para os problemas
Para a Corte Interamericana de Direitos Humanos
decorrentes da pandemia devem estar em sintonia com
(CIDH), os direitos à vida e à integridade pessoal estão direta
a proteção da dignidade e dos direitos humanos[957]. Esse
e imediatamente ligados aos cuidados de saúde[950]. Já para
entendimento é perlhado, inclusive, pela jurisprudência
a Corte Europeia de Direitos Humanos (CEDH), no contexto
internacional. A CIDH assenta que na atual crise sanitária,
da assistência médica, as obrigações positivas em torno do
o direito à saúde deve ser garantido, respeitando-se a digni-
direito à vida exigem que os Estados adotem normas que
dade humana e os princípios fundamentais da bioética,
obriguem os hospitais, privados ou públicos, a tomarem me-
consoante as normas interamericanas sobre disponibili-
didas apropriadas para a proteção da vida dos pacientes[951].
dade, acessibilidade, aceitabilidade e qualidade, adequadas
As referidas medidas incluem a implementação, supervisão
às circunstâncias geradas pela pandemia[958]. Com efeito, a
e execução do funcionamento efetivo dessa estrutura regu-
autonomia dos pacientes é fundamental, de modo que as
latória[952].
discussões éticas podem favorecer a construção de sistemas
Esse entendimento torna a problemática afeta aos dir-
sanitários mais acessíveis, se consideradas sob o prisma da
eitos humanos e coloca a Łgura do paciente enquanto sujeito
justiça distributiva e do indivíduo [959], do sujeito em si visto
de direitos. O paciente é a pessoa que se encontra em contato
como titular de direitos.
com os serviços de saúde, esteja saudável ou doente, e o seu
A problemática também possui desdobramentos dir-
atendimento se refere à prevenção, tratamento de doenças e
etos com conitos existenciais. A dor e o sofrimento das pes-
a preservação do seu bem-estar físico e mental por meio de
soas sujeitas aos cuidados em saúde, bem como as relações
serviços oferecidos por proŁssionais de saúde[953].
com prossionais de saúde e no ciclo familiar sinalizam
Cabe versar que os pacientes contaminados pela
esses conitos. A saúde não é somente um dado biológico
COVID-19 detém o direito de ter seus dados conŁdencializa-
bruto nem, tampouco, um parâmetro que se alcance de
dos, mesmo que as autoridades possam adotar medidas para
modo completo pelas mãos de médicos, pois ela está anin-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

hada no paciente, no seu modo de vida, nas suas preten-


A VULNERABILIDADE DA SAÚDE DAS PACIENTES
sões, anseios e expectativas[960]. Em razão disso, há um ele- NO BRASIL NO CONTEXTO DA PANDEMIA DA COVID-19
vado grau de envolvimento existencial nas questões afetas à
saúde, o que é potencializado na atual pandemia.  A aplicabilidade de direitos voltados para as pessoas
Além disso, a proteção da pessoa inserida no contexto que se encontrem no contexto de atendimento de saúde
dos cuidados em saúde se dá porque ela é vulnerável e é, sem dúvidas, um dos maiores desaŁos decorrentes da
detentora de valor único e intrínseco, central em seu pro- atual crise sanitária. No Brasil, as violações de direitos dos
cesso terapêutico. Assim, a condição de vulnerabilidade do pacientes constituem uma categorização ainda não adotada
paciente impõe aos Estados a sua proteção por meio de nor- de maneira expressa, dada a inexistência de sanções especí-
mas e instrumentos que, de fato, os tornem concretos[961]. Na Łcas por violações de direitos dos pacientes[963].
condução das escolhas e prioridades dos Estados, a saúde se Não há no ordenamento jurídico brasileiro legislação
torna ao mesmo tempo um desao e uma necessidade de en- nacional [964] que discipline o regramento de direitos aos
vergadura mundial. pacientes, como a privacidade, a conŁdencialidade das in-
Esses dilemas colocam à tona a própria noção de vida formações médicas, o consentimento ou a recusa ao trata-
em comunhão, solidariedade social e práticas humanistas. mento. Desde 2016, tramita no Congresso Nacional o Pro-
Os desaos congregam não somente a necessidade de enxer- jeto de Lei nº 5559/2016, que tem por objetivo dispor sobre
gar o problema a partir de um olhar global e humanitário, os direitos dos pacientes[965]. A propositura aguarda atual-
mas também de ressignicar os valores sociais e as práticas mente parecer da Comissão de Constituição e Justiça e de
adotadas na gestão dos recursos públicos e nas relações in- Cidadania.
tersubjetivas. Na área da saúde, o país adotou algumas medidas ex-
No âmbito do humanismo, por exemplo, parte-se do cepcionais de enfrentamento da pandemia. Por meio da Lei
pressuposto de que todo ser humano é um microcosmo, e nº 13.989, de 15 de abril de 2020, o uso da telemedicina
cada ser passa a ser visto como um universo em si mesmo, foi regulamentado no país durante a crise[966]. Em termos
um ser único, que, se é parte de um todo, é também um regulatórios, a lei estatui que o médico deverá informar
todo à parte[962]. Nessa toada, cada paciente é um ser único, ao paciente todas as limitações dessa prática, em virtude
com sentimentos, dores e necessidades especícas que tran- da impossibilidade de realização de exame físico durante
scendem o próprio atendimento de saúde e as relações es- a consulta. Estabelece ainda que a prestação desse serviço
tabelecidas entre os prossionais de saúde e familiares. Os deverá seguir os padrões normativos e éticos usuais do aten-
riscos e danos à integridade física e psíquica que a pandemia dimento presencial. Ocorre que a norma é silente em relação
traz para os pacientes infectados pela SARS-CoV-2 intensi- à autonomia dos pacientes, visto que não dispõe de direitos,
cam a vulnerabilidade que é a característica fulcral das como o direito à segunda opinião médica, privacidade e re-
pessoas sujeitas aos cuidados de saúde. Tecidas essas consid- cusa ao tratamento médico diante da telemedicina.
erações, passa-se para a abordagem dos direitos de pacientes Diante dessa nova realidade sanitária sem prece-
com condições especícas de vulnerabilidade, quais sejam, dentes, a vulnerabilidade das pacientes é posta em posição
as mulheres. de destaque. Em 10 de julho de 2020, uma jovem de 27
anos, que estava grávida, morreu de COVID-19 em Telêmaco

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Borba, na região dos Campos Gerais do Paraná. A paciente o acompanhante permitido deverá ser de convívio diário
estava internada desde 8 de junho no Hospital do Rocio, em
da paciente, para que a permanência junto à parturiente
Campo Largo, na Região Metropolitana de Curitiba. Grávida
de nove meses, contraiu a doença e precisou fazer uma não aumente suas chances de contaminação. Assim, caso
cesárea de emergência, tendo o bebê nascido saudável [967]. o acompanhante não seja de convívio próximo da paciente
Em situação semelhante, Aline Cristina de Oliveira, de 35 nos dias anteriores ao parto, não deve ser permitida a sua
anos, contraiu a doença no sétimo mês de gestação e, após
presença. A nota técnica ainda estabelece que em qualquer
ser internada em 16 de abril, veio a óbito em 12 de maio de
2020, após parto cesariano realizado no Hospital Federal de situação, não deve haver revezamentos de acompanhante,
Bonsucesso, no Rio de Janeiro [968]. a Łm de minimizar a circulação de pessoas no hospital. Os
As mulheres no contexto da atenção à saúde neces-
acompanhantes devem Łcar restritos ao local de assistência
sitam de cuidados especiais, cuja vulnerabilidade é intensi-
Łcada na pandemia. Nesse sentido, surgem os seguintes à parturiente, sem circulação nas demais dependências do
questionamentos: qual o tratamento jurídico conferido às hospital.
mulheres que necessitam de cuidados de saúde na atual crise Nesse viés, veriŁca-se que o Brasil possui re-
sanitária? As gestantes possuem proteção especíŁca diante comendações especíŁcas para a proteção das pacientes
dessa nova realidade? gestantes. Apesar disso, os desaŁos que são postos na prática
Em 10 de abril de 2020, o Ministério da Saúde emitiu revelam que as mulheres têm vivenciado uma situação de
nota técnica como o objetivo de fornecer recomendações vulnerabilidade ainda mais acentuada. Isso é comprovado
para os proŁssionais de saúde que atuam no cuidado a com a multiplicidade de casos concretos atuais envolvendo
gestantes e recém-nascidos no pré-parto, parto e puerpério. mortes de mulheres grávidas que, diante do atual cenário,
De acordo com o disposto na Nota Técnica nº 9/2020[969], morreram sem ter a possibilidade de conhecer e conviver
toda parturiente e seu acompanhante devem ser triados com os seus Łlhos.
para casos suspeitos ou conŁrmados de COVID-19 antes da Para além dos aspectos técnicos, o reconhecimento e a
sua admissão no serviço obstétrico. garantia de direitos aplicáveis às pacientes constituem uma
Os casos suspeitos de contaminação serão consider- necessidade primordial no contexto da crise sanitária, o que
ados se a mulher grávida esteve em contato com ambiente torna a problemática de interesse dos Estados na perspec-
que signiŁque exposição, independentemente de ser em tiva da proteção do direito fundamental à vida.
sua residência ou lugar que possa frequentar. Do mesmo
CONSIDERAÇÕES FINAIS
modo, se o ambiente frequentado pela gestante possui caso
O presente estudo teve por objetivo investigar a pro-
suspeito ou conŁrmado, mesmo estando a paciente assin- teção do direito à saúde das pacientes no contexto da
tomática. Por Łm, caso relate febre aferida ou referida, tosse atual pandemia da COVID-19. A crise sanitária evidencia a
ou dor de garganta e caso apresente resultado de exame posi- importância da proteção do direito à saúde e da adoção de
tivo para SARS-CoV-2 nos últimos 14 dias. medidas para a sua promoção por parte dos Estados. Nesse
Para as mulheres que testem positivo para o vírus, sentido, a vulnerabilidade das mulheres é acentuada, na me-

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EZILDA MELO

dida em que as necessidades especíŁcas das pacientes tam-


bém são afetadas pelos problemas sanitários atuais.
Na primeira parte do estudo, pode-se constatar que MÃES DE TODOS, SUJEITOS DE NINGUÉM:
há um crescente consenso internacional de que os pacientes ANÁLISE DAS EMPREGADAS DOMÉSTICAS
são titulares de direitos especíŁcos, aplicáveis no âmbito BRASILEIRAS SOB A ÓTICA DA MATERNAGEM
do atendimento de saúde. Há precedentes de cortes inter- E DESIGUALDADE RACIAL
nacionais de direitos humanos reconhecendo a relação entre
Sandy dos Reis Silva[970]
o direito à vida, a saúde e a integridade pessoal como facetas
Renato Bernardi[971]
da dignidade humana e, sobretudo, como responsabilidade
dos Estados. Esse entendimento também se estende ao atual As abordagens sobre a temática das vulnerabilidades
período de pandemia. são múltiplas, podendo abranger quaisquer pontos da socie-
Na segunda parte, foi demonstrado que a vulnerabi- dade, de modo a buscar soluções para essa mazela social.
lidade das pacientes é uma realidade. Isso é comprovado Em vistas disso, o presente trabalho intenciona evidenciar
diante dos casos atuais no Brasil de mulheres grávidas con- de quais maneiras o segmento especíŁco da classe das tra-
taminadas e que vieram a óbito por complicações durante o balhadoras domésticas brasileiras vem sendo atingido pelo
parto. As violações de direitos dos pacientes ainda não con- atual cenário da pandemia causada pelo vírus da COVID-19.
tam com uma categorização jurídica especíŁca e, no âmbito Em razão da herança histórica e patriarcal, a desigual-
normativo, o país conta com nota técnica exarada pelo Min- dade de gênero sofrida e vivenciada por essas mulheres tem
istério da Saúde que indica alguns procedimentos a serem o efeito semelhante à uma mola propulsora da exclusão e
adotados por proŁssionais de saúde no tratamento das par- marginalização. Nesse contexto, empregaremos o conceito
turientes. O problema também assume contornos existen- e deŁnição de interseccionalidade, qual seja uma maneira de
ciais, pois a vulnerabilidade dos pacientes não se limita ao interligar os fatores de raça e classe para explicar a desigual-
atendimento de saúde, mas nas relações entre médicos e dade de gênero. Ademais, o artigo trilha o caminho da ma-
pacientes, e, também, no seio da relação entre familiares. ternagem, deŁnida como a construção social da imagem da
Portanto, a problemática não é limitada ao campo mulher- mãe ideal, que não encontra limites ou obstáculos
sanitário, pois envolve a busca por medidas alternativas na para zelar pelos Łlhos, protegendo e cuidando dos mesmos
gestão pública e uma ressigniŁcação dos valores que per- em tempo integral e, em contrapartida, as consequências da
meiam as relações sociais. exclusão das empregadas domésticas brasileiras desse im-
aginário.
Desse modo, por meio da metodologia dedutiva,
em conjunto com a revisão da literatura e a análise de
dados quantitativos e qualitativos do Instituto Brasileiro
de GeograŁa e Estatística (IBGE), a pesquisa parte da
perspectiva geral das desigualdades sofridas pelas empre-
gadas domésticas brasileiras em sentido à especiŁcidade

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

da mulher estereotipada como a mãe ideal, cuidadora por


Desde o período da escravidão, a condição de
imposição biológica da natureza. O objetivo é demonstrar vulnerabilidade das trabalhadoras domésticas tem
os resultados das consequências que atingem essas mul- sustentado muitos dos mitos duradouros sobre a
heres e trabalhadoras que não se enquadram nos padrões “imoralidade” das mulheres negras. Nesse clássico
“círculo vicioso”, o trabalho doméstico é considerado
determinados pela construção de uma sociedade delineada
degradante porque tem sido realizado de modo de-
pelo patriarcado, além das questões históricas da falácia da sproporcional por mulheres negras que, por sua vez,
liberdade pós-abolição, mascarada pela ideia da democracia são vistas como “ineptas” e “promíscuas”. (DAVIS,
racial. 2016, p. 101)

A autora estadunidense, ao sustentar que a abolição da


COVID-19, PANDEMIA E RESTRIÇÕES DE DIREITOS:
escravatura foi consumada apenas em sentido legal, com a
MULHER, NEGRA E EMPREGADA DOMÉSTICA
libertação das correntes, também se contrapõe ao paradoxo
A construção histórica do Estado brasileiro se deu por
da ideia de democracia racial. Davis (2019, p. 89) diz ainda
meio da exploração e colonização dos povos, o que, por si
que, com o advento da libertação, surgiu a necessidade da
só, representa o cerceamento da dignidade e dos direitos hu-
criação de novas instituições para a incorporação e controle
manos, e ao analisarmos as vivências das mulheres escravas,
social dos ex-escravos, como é o caso das prisões[975].
essa situação apresenta o outro extremo da dor: a privação
No que se refere ao cenário econômico, às mulheres
de dispor do próprio corpo.
recém libertas foi oferecida a possibilidade de um trabalho
Nesse contexto, o estudo das relações entre raça e
remunerado, chamado de trabalho doméstico. Cabe salien-
economia são indissociáveis da desigualdade[972], vez que a
tar que, embora a realidade a que Davis se reŁra diga respeito
exploração e a mercantilização das mulheres negras repre-
aos Estados Unidos de meados da década de 1860, em muito
sentam o funcionamento do mercado capitalista, oriundo
não se difere daquilo que é vivenciado no Brasil do século
de relações históricas e interesses estatais.
XXI.
Nas lições de Sérgio Pinto Martins (2019), o escravo
Com o advento da Lei Complementar nº 150/2015[976],
era mantido sob a ótica de um objeto, sofrendo o processo
também conhecida como Lei dos Empregados Domésticos,
da coisicação dos corpos, não possuindo quaisquer tipos de
o trabalho doméstico foi regulamentado e possibilitou gar-
direitos, principalmente os trabalhistas. Sob essa perspec-
antias e direitos até então nunca contemplados, como dir-
tiva, o entendimento era de que não se fazia necessário gar-
eitos básicos já conquistados por outras categorias de emp-
antir proteção àquele que nem ao menos era sujeito de dir-
regados. A LC não restringe o trabalho doméstico [977] à Łgura
eitos[973]. Assim, de maneira forçada, essas mulheres foram
da empregada doméstica, porém, essa são as protagonistas
submetidas a esse processo, a m de que nunca alcançassem
mais atingidas pelos impactos da pandemia que assolou o
o lócus social de sujeitos de direito, mas tão somente de ob-
Brasil no ano de 2020.
jetos meramente substituíveis.
Segundo dados divulgados pela Pesquisa Nacional por
Angela Davis, lósofa e ativista marxista, e[974] faz uma
Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) referentes
profunda análise sobre a construção da condição de vulner-
ao trimestre encerrado em novembro de 2019[978], 6,356 mil-
abilidade das mulheres que outrora eram escravas dentro do
hões de brasileiros realizam serviços domésticos. Desses, os
regime legal:

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

que possuem registro em carteira são 1,757 milhão, o menor empresas que, até o momento, não adotavam o modelo [980].
patamar registrado desde que a série foi iniciada, em 2012, No entanto, essa realidade não atinge as empregadas
pelo Instituto Brasileiro de Geograa e Estatística (IBGE). domésticas que precisam se deslocar todos os dias de suas
Em contrapartida, 4,598 milhões atuam na informalidade, a casas até o local de trabalho, e manterem o funcionamento
maior quantidade já registrada até o momento [979]. da casa de seus empregadores, os quais, na maioria das vezes,
É fato que a categoria prossional dos empregados estão seguros enquanto trabalham no regime do home-
domésticos é formada majoritariamente por mulheres: os oŃce. São essas mulheres que têm suas vidas expostas ao
dados da mesma pesquisa indicam que elas são 97% do perigo de contágio enquanto se deslocam pelas ruas, pelo
quadro de doméstico. Mulheres essas que, assim como toda a transporte público lotado, mas que são facilmente substi-
classe, têm seus direitos trabalhistas e sua condição pessoal tuíveis caso venham a falecer em razão do inimigo invisível.
vilipendiados. As mesmas mulheres que dedicam boa parte de suas
Durante o período da pandemia do Coronavírus, as vidas ao ofício, mas que não desfrutam de inúmeros priv-
mulheres que são chefes de família e contribuem essencial- ilégios, pois esses seriam de direito somente daqueles que
mente, senão de modo integral, para o sustento da família, concedem seus empregos e pagam seus salários. Em fever-
além de serem, em grande parte, trabalhadoras informais eiro desse ano, o ministro da Economia, o economista Paulo
e de famílias de baixa renda, se encontram sob extrema Guedes, ao se referir sobra a cotação do dólar que atingiu
pressão. a marca de R$ 4,35, citou um suposto łuxo de empregadas
Essa lógica se reete no discurso governamental e nas domésticas indo à Disney em tempos de dólar baixo, o que
diretrizes dos órgãos de saúde: manter o funcionamento classiŁcou como "uma festa danada"[981].
apenas dos serviços tidos como essenciais, desde que sejam O que se pode veriŁcar é como o os atributos
atendidas as recomendações necessárias de higiene e pro- econômicos e aquisitivos, o gênero e a raça tratam o poder
teção. Desde que a Organização Mundial da Saúde (OMS) como eixo estruturante na deŁnição dos papeis sociais das
decretou a pandemia do COVID-19, em 11 de março de mulheres brasileiras que são empregadas domésticas. Essas
2020, inúmeros setores comerciais e de prestação de servi- não seriam dignas de desfrutarem de momentos de satis-
ços tiveram suas atividades interrompidas, o que se vê ainda fação pessoal, mesmo após anos de árduo trabalho e esforço,
na fase atual, a exemplo dos decretos que vem sendo pub- mas os seus empregadores, em sua maioria pessoas que
licados pelos governos estaduais e pelos municípios. vendem a imagem de benfeitores, são merecedores, pois esse
Frente à necessidade de adaptação diante dessa nova é o łuxo natural do capitalismo.
realidade, são muitos os setores que adotaram o chamado Em 17 de março desse ano, no Rio de Janeiro, ocorreu o
home-oce, termo que traduzido do inglês literal signica óbito de uma empregada doméstica, com suspeita de Coron-
“escritório em casa”, e dá nome às atividades de trabalho avírus, que teria sido contraído de sua patroa, a qual viajou
realizadas à distância, por meio da internet. Também conhe- para a Itália e testou positivo. Na visão de Djamila Ribeiro, a
cido como trabalho remoto ou teletrabalho, essa foi a estra- maneira como foi noticiada a morte dessa mulher[982] rełete
tégia adotada pelos setores da economia para manter a pro- o racismo institucional e estrutural, ao privar o luto por
dutividade e lucro, e evitar a aglomeração e disseminação uma vida que, na realidade, era vista como objeto.
do vírus, e vem se mostrando um grande atrativo para várias O mesmo ocorre em relação à solidão institucional,

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

pois “[...] em tudo que li, não encontrei o nome dela, sempre de que todas elas nasceram com o desejo e a obrigação de se
se referem a ela como “doméstica” (RIBEIRO, 2020, S.N.)[983]. tornarem mães, para só então se tornarem mulheres felizes e
Essa e muitas outras mulheres estão morrendo todos os dias, realizadas.
mas seus nomes, rostos e histórias não estão sendo noticia- As maternagens são inúmeras, e advêm de uma vivên-
dos, porque os donos desse espaço também se julgam donos cia diferente e única de cada mulher. Se não se pode equip-
de seus corpos, utilizados como objetos descartáveis e sub- arar suas vivências em todos os aspectos, levando em con-
stituíveis. sideração apenas a condição de gênero, devemos garantir
Mulheres foram silenciadas por séculos, adotando que fatores como raça, sexualidade e classe também sejam
uma postura de bom comportamento e submissão. Não observados.
é mais do que obrigação de um país com histórico es-
Eliza quase não percebe a injustiça generalizada da
cravocrata, classista e patriarcal permitir e possibilitar que escravidão. Sua subserviência feminina a incita a en-
essas mulheres recongurem sua história e se rearmem en- tregar-se ao seu destino de escrava e às vontades de
quanto pessoas, concretizando a passagem de objeto para su- seu senhor e de sua senhora, bons e gentis. Somente
quando sua condição de mãe é ameaçada ela encon-
jeito de direitos.
tra forças para se erguer e lutar. Como uma mãe que
se descobre capaz de levantar um carro se uma de suas
A MATERNIDADE E A MATERNAGEM COMO LUGAR crianças estiver presa embaixo dele, Eliza vivencia um
DE PODER surto de poder materno quando descobre que seu lho
A condição de gênero estabelecida pelos ditames so- será vendido. Os problemas nanceiros de seu “gentil”
ciais e históricos, cunhados pelo patriarcado, faz com que senhor fazem com que ele venda Pai Tomás e o lho
de Eliza, Harry – apesar, é claro, dos apelos compade-
as mulheres sofram restrições principalmente na escolha de cidos e maternais de sua esposa. Eliza pega Harry e
suas prossões. Dito isso, o trabalho doméstico pode incluir instintivamente foge, porque “acima de tudo estava o
tarefas como limpar a casa, cozinhar, lavar e passar roupas, amor materno, transformado pela agonia extrema de
cuidar de crianças e pessoas idosas ou doentes, e até mesmo sentir um terrível perigo se aproximando”. A coragem
de Eliza como mãe é fascinante. [...] A falta de veros-
cuidar de animais doméstico, ou seja, prossões de cuidado similhança dos atos melodramáticos de Eliza não im-
de terceiros, sempre estabelecendo uma condição de de- portava a Stowe – porque Deus transmite dons sobre-
pendência, onde a mulher deve ser o elo forte e protetor. humanos às afáveis mães cristãs. A questão é que,
A princípio, é necessário que se faça a distinção dos ao aceitar totalmente o culto à gura materna cara-
cterístico do século XIX, a autora falha por completo
conceitos de maternidade e maternagem, que são popular- em captar a realidade e a sinceridade da resistên-
mente compreendidos como sinônimos. A maternidade se cia das mulheres negras à escravidão. Inúmeros atos
refere à condição biológica, do ato da mulher gerar uma vida de heroísmo realizados por mães escravas foram
e carregá-la em seu corpo, criando um laço de parentalid- registrados. Essas mulheres, ao contrário de Eliza,
eram levadas a defender seus lhos pela repulsa vee-
ade, ao passo que a maternagem se refere ao processo de mente à escravidão. A origem de sua força não era
construção psicológica e emocional, que envolve cuidado, um poder místico vinculado à maternidade, e sim suas
afeto, entre outras características. experiências concretas como escravas. Algumas delas,
Cabe ressaltar que ambos os conceitos deveriam rep- como Margaret Garner, preferiram matar suas lhas
para não testemunhar sua chegada à vida adulta sob
resentar uma escolha da mulher, e não uma imposição social a brutal circunstância da escravidão. Eliza, por outro

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

lado, é bastante indiferente à desumanidade com- os cuidados com a casa e com a carreira. (SILVA; LIRA,
pleta do sistema escravista. Se não se visse ameaçada 2017, p. 251)[985]
pela venda do Łlho, ela provavelmente teria vivido
feliz para sempre sob a tutela benevolente de seu sen- O primeiro impasse que é imposto à essas mulheres,
hor e de sua senhora. (DAVIS, 2016 pgs. 40-41) de maneira a culpabilizar as mesmas, é a visão de que in-
Nessa passagem de sua obra[984], Angela Davis faz uma serção de mulheres no mercado de trabalho e o exercício da
crítica à visão romântica das mulheres negras e escravas que maternidade e maternagem não são realidades que possam
se sacriŁcam diante do sofrimento dos Łlhos, não por uma existir concomitantemente. Nessa lógica, o trabalho livre e
questão de resistência e perseverança, mas por conta de um assalariado das mulheres colocaria à prova sua capacidade
atributo divino, natural das mulheres. Na modernidade, o de ser mãe e, consequentemente, prejudicaria o desenvolvi-
conceito de maternagem tem trilhado o caminho do cuid- mento de seus Łlhos.
ado sem limites, sem obstáculos, reforçando a visão de que Desse modo, temos a Łgura da mulher que é a empre-
as mulheres negras são naturalmente resistentes a quaisquer gadora, que trabalha fora, é assalariada, busca a ascensão so-
tipos de dores e sofrimentos, pois só assim serão reconhe- cial e proŁssional, mas que não consegue lidar com as múlti-
cidas como mulheres de verdade. Portanto, a experiência plas jornadas de trabalho, fazendo referência aos cuidados
de existência de maternidade e da ausência de maternagem do lar e dos Łlhos no âmbito da vida pessoal. No outro ex-
que atinge as empregadas domésticas brasileiras provém de tremo, temos a empregada doméstica, mulher que se tornou
uma vivência escravagista, racista e classicista, pois as mães Łgura essencial para a manutenção saudável da casa e da vida
negras, brasileiras e domésticas se tornam a base e o elo familiar. Em outras palavras, é o ato de se retirar de seu lugar
de força das famílias de seus empregadores, mas não dispõe para estar no lugar do outro.
dessa mesma vivência com seus Łlhos biológicos. Aquilo que está sendo ignorado ou menosprezado é o
fato de que as empregadas domésticas também são vítimas
É fato que as mulheres estão mais presentes no mer-
da dupla jornada de trabalho, pois o trabalho doméstico re-
cado de trabalho e nos bancos das universidades.
Estão assumindo cargos de cheŁa e proŁssões que munerado é maneira que essas mulheres têm de se inserir no
antes eram primordialmente masculinas. Elas saíram mercado de trabalho e conquistar a independência econôm-
do lar, mas a responsabilidade com ele ainda é delas. ica.
Essas mulheres se veem divididas entre o cuidado
Mas a questão é: diante de um cenário de pandemia
com a casa/família e a dedicação à carreira. Mesmo
inseridas no mercado de trabalho e tendo com a global, com o crescente número de mortos e infectados por
mesma carga horária dos homens são delas, quase COVID-19 e inúmeras recomendações e decretos que proi-
sempre, a responsabilidade de manter a casa e os Łl- biram o funcionamento de ambientes escolares, como as
hos bem cuidados. Os parceiros, apesar de pesquisas
creches, por exemplo, qual é a solução para essas empre-
mostrarem uma maior participação dos homens nes-
sas tarefas, ainda não compactuam, na totalidade, gadas domésticas que têm Łlhos? A solução encontrada pela
com a ideia de que esse tipo de trabalho é importante maioria dessas mulheres é continuar trabalhando, ainda que
para a família e, desta forma, deveria ser dividido isso implique na necessidade de delegar o cuidado de seus
igualmente. Assim, aquelas que pertencem a uma
Łlhos e Łlhas para outras mulheres, principalmente se util-
classe mais privilegiada, encontram na contratação
da empregada doméstica, uma maneira de conciliar izando das relações familiares, como no caso em que suas

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

mães ou sogras. O peso da escolha está entre enfrentar o caos superação de um modelo de organização e estruturação fa-
de um vírus mortal, silencioso e invisível, ou de buscar o miliar e social, pautado nas diferenças de gênero, que se
sustento próprio e de sua família, evitando que enfrentem fazem ultrapassados e prejudiciais.
ainda mais diculdades além das quais sempre foram expos- Essa desigualdade se acentua ainda mais quando a
tos. mulher que é mãe enfrenta diariamente uma restrição de
Desse modo, é possível vericar que as condições soci- direitos, pois, ainda que se esforce para não o fazer, irá inev-
ais, e até mesmo trabalhistas, como a intensa jornada de tra- itavelmente transmitir essa condição aos Łlhos, independ-
balho e multiplicidade de funções, que cercam o exercício entemente do gênero, ainda que a tendência é de que as mu-
da maternidade, principalmente das mulheres negras, são lheres sejam as mais prejudicadas, vide o alto percentual de
consequências do ato de excluir e isentar a participação dos mulheres que são empregadas domésticas no Brasil.
parceiros homens, sejam eles seus cônjuges, companheiros
ou pais de seus lhos e lhas. A divisão sexual do trabalho se CONCLUSÃO
apresenta como muito mais que um obstáculo na vida des- A pandemia do vírus da COVID-19 vem, diariamente,
sas mulheres mães, mas sim como uma maneira de selar o fu- ganhando o poder de exacerbar as desigualdades existentes
turo dessas crianças, principalmente se forem meninas. e revelar as deŁciências que até então vinham sendo ma-
O estímulo desde a infância primária com brinca- quiadas pelos discursos de progresso e igualdade, nos sist-
deiras e brinquedos que simulam cuidados domésticos e emas sociais, políticos e econômicos.
maternos denotam a construção patriarcal de que às mul- Ao se atentar para uma análise do atual panorama, não
heres cabem as funções de cuidado, porque para isso nas- podemos afastar a perspectiva de gênero, tornando invisível
ceram e foram criadas. Não obstante, o obstáculo está sendo as distintas e problemáticas situações vivenciadas pelas mu-
estabelecido nos padrões de maternagem, que se tornam im- lheres em nosso país.
possíveis de serem alcançados. As diferentes formas de discriminação estão forte-
A escritora nigeriana Chimamanda Ngozi Adichie mente associadas aos fenômenos de exclusão social que dão
(2014)[986], em sua obra “Sejamos Todos Feministas”, reforça azo aos problemas vividos pela Łgura da mulher brasileira,
que a questão de gênero não possui limites ou fronteiras, negra e empregada doméstica, e que permitem que sejam
pois é relevante no mundo inteiro. importante em qualquer criados mais obstáculos para que os grupos marginalizados
canto do mundo. Em sua visão “é assim que devemos come- superem a realidade que lhes fora imposta, sem a chance de
çar: precisamos criar nossas lhas de uma maneira diferente. escolha.
Também precisamos criar nossos lhos de uma maneira Fatores como gênero e raça são determinantes em
diferente.” (ADICHIE, 2014, p. 30). nosso país para deŁnirem os padrões de desigualdade e ex-
“E se criássemos nossas crianças ressaltando seus tal- clusão social, tais como no mercado de trabalho, no qual as
entos, e não seu gênero? E se focássemos em seus interesses, mulheres, especialmente as negras, vivenciam as situações
sem considerar gênero?” (ADICHIE, 2014, p. 44)[987]. É no mais desfavoráveis ao terem suas possibilidades de acesso ao
questionamento de Chimamanda que buscamos encontrar emprego e as condições o exercerão deŁnidas pela condição
caminhos diferentes a serem trilhados pelas novas gerações, de ser mulher e negra.
desde a mais tenra idade, demonstrando a necessidade de O cenário do trabalho doméstico no Brasil permanece

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

sob a roupagem de problema da soma de desigualdades de ensinou o que é resistir a tantas tentativas de silenciamento
classe, de gênero e de raça, fatores que na realidade são e violações.
indissociáveis e que se intensiŁcam quando necessitam es-
colher entre a sobrevivência pelo sustento familiar, por via
do emprego, ou por sobreviver ao vírus, por meio do isola-
mento social e permanência em casa.
Essas mulheres sempre foram o principal alvo das dis-
criminações, seja na escravidão, sem o poder da escolha; na
libertação das correntes, sem nenhum direcionamento do
que viria a ser a vida a partir de então; ou na inserção no mer-
cado de trabalho, onde passam a ser remuneradas, mas en-
frentam condições precárias, muitas vezes se submetendo à
informalidade pela necessidade de sustentar sua família.
Em relação aos Łlhos e Łlhas dessas mulheres, a culpa
imposta às mesmas se intensiŁca. Ser mãe é uma con-
strução lenta, gradativa, que envolve descobertas, escolhas,
obstáculos e medos. Não bastando essas mulheres sofrerem
restrições de seus direitos, ainda têm de enfrentar o julga-
mento social de que não são boas mães quando não podem
estar presentes no desenvolvimento de suas crianças em
tempo integral, e quando passam mais tempo gerenciando
uma casa e uma família que não são suas.
O poder de denúncia social da pandemia está nos
detalhes mais cotidianos: está na relativização do conceito
do que é serviço essencial, do que é o trabalho doméstico,
nas relações de poder que se apresenta na possibilidade
dos empregadores se manterem seguros no conforto de suas
casas, exercendo o trabalho remoto, enquanto suas empre-
gadas estão a enfrentar a exposição da própria saúde aos ris-
cos do contágio pelo vírus da COVID-19.
Que nenhuma mulher seja mais ou menos import-
ante que a outra, e que seus Łlhos possam desfrutar de
um desenvolvimento saudável, na presença e companhia de
suas genitoras. Que essas não se cobrem e se culpem por
não reproduzirem com perfeição aquilo que lhes foi ensin-
ado sobre o que é ser mãe e mulher, porque ninguém lhes

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PANDEMIA E MULHERES

Convém observar que é por volta do século XIX,


quando a democracia anula os chamados privilégios de
PANDEMIA, PATRIARCADO E ESTÉTICA: UMA sangue, e a chamada emancipação feminina começa a dar
ABORDAGEM HISTÓRICO-FILOSÓFICA DO seus primeiros passos, que a sociedade a partir da esté-
"SER MULHER" NUM PARALELO ENTRE GILDA tica passa a trilhar uma visão mais una, onde homens e
DE MELLO E SOUZA E CLARICE LISPECTOR. mulheres não são mais considerados como termos opostos
e antagônicos, mas sim como duas faces de uma mesma
Rachel Pereira Dias Calegario[988]
humanidade[990]. Porém, dois séculos depois, continuamos a
Muito se discute sobre o signicado do termo “Ser lutar por nossos direitos, direitos esses muitas vezes elem-
Mulher”, e muito mais atualmente, quando vivenciamos entares.
a pandemia do Covid-19. Ser mulher numa sociedade Logo, para compreendermos e aprofundarmos essas
machista, autoritária e patriarcal sempre foi sinônimo conexões, necessário se faz um paralelo entre o entendi-
de luta constante por igualdade e isonomia, mesmo que mento proposto pela lósofa Gilda de Mello e Souza, gura
em diversos períodos históricos as mulheres se mantives- elementar para o entendimento sobre a importância da esté-
sem caladas, ainda assim, seu silêncio pode ser entendido tica dentro do processo de emancipação feminina, mais pre-
como uma forma de protesto, como bem assegura Virginia cisamente, em seu signicado social e político que passam a
Woolf[989] (2019), quer dizer o que é uma mulher? Eu lhes caracterizar o “Ser Mulher” numa sociedade extremamente
asseguro: não sei. patriarcal.
A repressão entre as mulheres ocorre desde a Grécia Também, na outra ponta, para contrabalancear a
Antiga até o século XXI, portanto, até o momento em que o discussão, necessário se faz a fundamentação no discurso
mundo é tomado pela pandemia do Covid-19. É importante crítico-literário proposto por Clarice Lispector em crônicas
observar ainda que sempre zemos parte de uma sociedade pontuais que também nos levam a reexão sobre a termino-
misógina, que se fundamenta no ódio e aversão às mulheres. logia “Ser Mulher” hoje, em plena pandemia do Covid-19.
Partindo deste contexto, e traçando um paralelo
PATRIARCADO E ESTÉTICA: UMA ABORDAGEM HIS-
entre conceitos como patriarcado e estética, pretendemos
TÓRICO-FILOSÓFICA DO “SER MULHER” DA GRÉCIA
trabalhar uma abordagem histórico-losóca do “Ser Mul-
ANTIGA AO SÉCULO XX
her”, seguindo a concepção histórica do feminino e transpas-
É indispensável, para o entendimento do estudo pro-
sando por conceitos advindos da estética, campo losóco
posto, compreendermos dentro de uma retrospectiva his-
que tem por objeto de estudo da natureza do belo e dos fun-
tórica e losóca, e constantemente relacionando a esté-
damentos da arte.
tica, que as mulheres sempre foram silenciadas enquanto su-
Assim, a literatura enquanto produção artística e
jeito de direito e pertencimento, e enquanto cidadãs.
movimento cultural, por exemplo, no campo da esté-
Partindo deste pressuposto, observamos a falta de
tica, sempre apresenta mudanças elementares em diversos
identidade no que diz respeito ao gênero feminino, a partir
setores da atividade social, tais como: política, religião,
da Grécia e Roma antigas, onde a mulher era compreendida
ciência.
através do recato, sendo, portanto, esteticamente invisível,

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como bem propõe Souza: e forma. Assim, a forma, que simboliza o masculino, traz
sentido, essência. Enquanto a matéria, que representa o fem-
A moda não é um fenômeno universal, mas próprio
de certas sociedades e de certas épocas. De maneira inino, é o receptáculo, signicando uma matéria desprovida
geral, podemos dizer que os povos primitivos a descon- de forma, é aquele compartimento onde se recebe o sêmen e
hecem (talvez a grande signiŁcação religiosa e social nada mais.
atribuída à roupa e aos enfeites represente um empe-
Portanto, como estabelece Chauí (2019), neste con-
cilho às manifestações de mudança), que entre gregos
e romanos ela se limita a alguns setores, como a texto mítico-losóco, a representação da gura feminina
variação dos estilos de penteado.[991] começa num mundo matriarcal, que gera a própria vida,
porém, quando se transforma em receptáculo, perde sua
Sendo assim, conforme pontuado por Chauí (2019)[992]
majestade, passando a signicar uma receptora que gera o
o recato no mundo antigo, pode ser entendido com o re-
homem, a vida então passa a se originar no macho.
sultado de sua graciosidade, de seu labor e de sua domestici-
Convém observar que a mulher é neste sentido, ma-
dade, sendo assim lembradas em suas lápides, uma vez que
téria sem forma, desprovida de qualquer papel para a
não possuíam nem mesmo nome próprio.
geração de vida, e ainda portadora da morte, uma vez que o
As mulheres que por sua vez, fugiam desde padrão e
feto pode morrer durante o processo de gestação.
eram lembradas por seus feitos, que ultrapassam o ambiente
É preciso considerar que continuando a caminhada
doméstico, são percebidas pela sociedade como lascivas,
histórica, na Idade Média, é a Igreja que passa a identicar a
ambiciosas, ardilosas, propensas a todo o tipo de perversi-
mulher e o sexo, sendo que a mulher era vista apenas como
dade.
sexo, e este por sua vez só possuía sentido para a reprodução,
Isso ocorre até hoje. Tudo era bom enquanto no
demonstrado assim um velho costume misógino, como bem
mundo só haviam homens e deuses, tudo muda com a
pontua Araújo [997]:
criação da mulher, o que Łca claro quando se analisa o Mito
de Pandora[993], ou até mesmo o Jardim do Éden[994], onde em Tudo conłuía para o mesmo objetivo: abafar a
ambos os casos o encantamento do divino é transgredido sexualidade feminina que, ao rebentar as amarras,
pela Łgura feminina. ameaçava o equilíbrio doméstico, a segurança do
grupo social e a própria ordem das instituições civis
Esse entendimento é perfeitamente observado e eclesiásticas. A toda-poderosa Igreja exercia forte
quando, se observa a Łgura de Eva, no Paraíso, quando a mu- pressão sobre o adestramento da sexualidade fem-
lher entra no contexto mitológico, a desgraça é inaugurada, inina. O fundamento escolhido para justiŁcar a re-
surgindo então, trabalho, dor, nascimento e morte. Outro pressão da mulher era simples: o homem era superior,
e, portanto, cabia a ele exercer a autoridade. Araújo
momento em que se percebe situação similar no texto (2018, p. 45-46).
bíblico é no livro de Jó [995], uma vez que se torna estabelecido
que o homem que nasce da mulher tem vida curta e cheia de Também São Paulo, na Epístola aos Efésios[998], não
tormentos. deixa dúvidas quanto a isso: “As mulheres estejam sujeitas a
O papel da mulher também é sintetizado no con- seus maridos como ao Senhor, porque o homem é a cabeça
texto social, através do entendimento ŁlosóŁco proposto da mulher, como Cristo é a cabeça da Igreja (...) Como a
por Aristóteles[996], ao apresentar a dicotomia entre matéria Igreja está sujeita a Cristo, estejam as mulheres em tudo su-

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jeitas aos maridos. ” Logo, convém observar que o macho era e falta, é a impossibilidade da satisfação, do desejo, segundo
o Cristo do lar, e a mulher condenada eternamente a pagar Freud[1000] (2010). Desta forma, compreende-se que a Łgura
pelo erro de Eva. da mulher no Matriarcado gera Vida, e no Patriarcado gera
A mulher se torna mais uma vez identicada com Mal MaléŁco.
uma gura mítica, desta vez como bruxa, percebida como o No século XIX e XX, ocorre um contraste com a im-
“Mal Maléco”, sem exceção, são crédulas, lascivas, capazes agem medieval, conforme estabelece Souza (2005), surge a
de todas as torpezas sexuais. Este pensamento misógino é moral vitoriana, onde a mulher agora é frígida, e por isso é
expresso cruamente no célebre tratado de demonologia es- histérica. Assim, nunca é apresentada a Łgura da construção
crito por dois padres dominicanos Heinrich Kramer e Jakob feminina como uma coisa unitária, logo, a mulher nunca é
Sprenger, intitulado Malleus Malecarum, em 1486, con- gente.
forme externavam: Portanto, nos dizeres da professora Gilda de Mello e
Souza, ainda hoje, depois de mais de um século de conquis-
Houve uma falha na formação da primeira mulher,
por ter sido ela criada a partir de uma costela recurva, tas femininas, a mulher ainda se move como estranha num
ou seja, uma costela do peito, cuja curvatura é, por mundo feito pelos homens e em contradição com sua índole,
assim dizer, contrária a retidão do homem. E como, naquela época era, na verdade, a prisioneira submissa de um
em virtude dessa falha, a mulher é animal imperfeito,
universo que, incomunicável, não suspeitava o łuir de sua
sempre decepciona a mente. Kramer & Sprenger[999]
(1991, p.116) alma subterrânea.

Para combater essa gura maligna, é instituída a A IMAGEM DO FEMININO E O DISCURSO SOBRE AS
Inquisição, ou Tribunal do Santo Ofício uma instituição MULHERES NA SOCIEDADE PATRIARCAL: UM ESTUDO EM
eclesiástica de carácter "judicial", que tinha por princi- GILDA DE MELLO E SOUZA
pal objetivo "inquirir heresias". Surge ainda outra gura no É bom lembra que essa multiplicidade exprime que a
nal da Idade Média que também identica a gura femin- feminilidade não é algo natural, e sim uma criação histórico-
ina, porém dentro de uma perspectiva do Amor Cortês, a do cultural. Todas as imagens da mulher, do feminino, sejam
Trovador, que compunha e cantava composições poéticas. negativas ou positivas tendem ao seu corpo, nunca se refere
Desta forma, o poeta ama a dama, a mulher perfeita, a dama a sua alma.
perfeita por sua beleza espiritual, sempre inalcançável. Essa Importante observar ainda que, conforme demon-
idealização é perfeitamente observada nos romances de strado por Gilda de Mello e Souza, as produções dessa im-
cavalaria, onde o amor é um sentimento impossível, que re- agem, vem sempre do discurso masculino, de forma que as
cusa o matrimônio, que é entendido como uma profanação mulheres nunca falam. O que existe é um discurso sobre as
ao amor perfeito. mulheres e não das mulheres, portanto, pedagogicamente
Não se pode esquecer que a condenação da mulher tem-se um discurso para as mulheres, elas são destinatárias
como sexo, como sujeito de prazer a partir dos Trova- desse discurso, e não produtoras de um discurso.
dores, se desloca, e se transforma em objeto de desejo, por Assim, é por causa do silêncio das mulheres, que é
isso sua ausência essencial. Enquanto o prazer é algo que possível ter um discurso masculino sobre elas, é este ponto
sempre pode ser satisfeito, o desejo é por essência, carência que precisa ser rompido. Segundo Woolf[1001] (2019), existe

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um o quase imperceptível, mas efetivo, entre os tiranos acidade para o verdadeiro pensamento, porque o pensa-
que ameaçam os povos e os tiranos que atuam no interior mento se ocupa com o universal, que é objeto das ciências,
das famílias. O repúdio que, calorosamente é feito aos pri- da losoa, das artes. O pensamento trata das coisas no geral,
meiros, não costuma, no entanto se estender aos do mundo da universalidade das coisas. A mulher não é capaz disso,
doméstico. pois está destinada ao particular, por natureza. Não tem cap-
Outro conceito que também acaba sendo utilizado acidade de pensar, não pode pensar.
como ferramenta de controle masculino, é o conceito de Assim, destinadas ao silêncio, o que sobra das pro-
maternidade. A maternidade serve desta forma para denir, fundezas das mulheres é o soluço. Ela chora, ela soluça,
controlar, domar, subjugar o núcleo essencial do corpo fem- porque ela não pode falar, é necessário assim sendo, romper
inino, domando e controlando sua sexualidade. Assim, a este silêncio. Gilda de Mello e Souza e Clarice Lispector[1003],
maternidade suplanta todos os outros atributos femininos, rompem esse silêncio. Com Gilda de Mello e Souza, essa
passando a ser vista como sua natureza, um instinto femin- ruptura se dá pela estética relacionada à roupa, propondo
ino. uma diferença entre sexo e classe a partir da vestimenta, da
Convém observar que o feminismo só foi possível moda, anal, a moda é controle social, principalmente sobre
quando a pílula anticoncepcional surge. Antes, o que havia as mulheres.
eram discursos da mulher, mas enquanto movimento e pos- Convém observar ainda, que o mesmo entendimento
sibilidade social, cultural, que só se completa quando a pí- do “Ser Mulher” também é discutido e ampliado em Virginia
lula entra em cena. Antes, somos maternais por instinto. Woolf, em sua obra “As Mulheres devem chorar...ou se unir
Desta forma, conforme entendimento da lósofa contra a guerra”, senão vejamos:
Marilena Chauí, as mulheres pertencem ao campo da na-
Todas nós sabemos ler. Mas nenhuma, a não ser Poll,
tureza, enquanto os homens, dotados de razão, vontade e
jamais de seu ao trabalho de ler. Eu mesma, por
liberdade instituem o mundo cultural e histórico, onde as exemplo, sempre achei eu o dever de uma mulher
mulheres não são agentes deste mundo. era passar sua juventude tendo Łlhos. (...). En-
Também segue o mesmo direcionamento, Gilda de quanto trazíamos crianças ao mundo, eles, supúnha-
mos, traziam ao mundo os livros e as pinturas. Nós
Mello e Souza, onde as mulheres têm uma vida atribuída,
povoávamos o mundo. Eles o civilizavam. Mas agora
cujo sentido é extrínseco a elas, e não pertencentes a elas. Os que sabemos ler, o que nos impede de julgar os re-
homens são cultura e história, as mulheres estão na cultura e sultados? Antes de trazermos outra criança ao mundo,
na história. devemos jurar que iremos procurar saber que mundo é
esse.[1004]
Logo, convém observar que as mulheres não têm lib-
erdade, tem destino, já que fazem parte do mundo natural. O Também, segundo Souza (2005), quando observamos
mundo da sensibilidade feminina é, portanto, restrito, par- a inserção da mulher no mercado de trabalho na segunda
ticular, pertencente a seus lhos, seu marido, sua casa, seu metade do século XIX, o que se percebe é uma mulher dila-
fogão, seu bordado...a marca do sensível é ser particular, é o cerada entre dois pólos, vivendo simultaneamente entre
“mundinho” dela[1002]. dois mundos. Assim, para viver dentro da prossão adaptou-
É preciso considerar então que seu destino é voltado se à mentalidade masculina da eciência e do despojamento,
para o particular, uma vez que as mulheres não têm cap-

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copiando os hábitos do grupo dominante, surgindo desta espaço administrar as mesmas situações de conito que out-
forma como símbolo de inferioridade, e que muitas vezes rora ocorriam em espaços diversos, e no momento se estab-
perdura até hoje. elece num único local: a casa, na família.
Logo, convém observar, tomando por base o pensa-
A MULHER NO SÉCULO XXI: A PANDEMIA E mento cartesiano de René Descarte, com o Cogito, Ergo Sum
O AUTORRETRATO DO “SER MULHER” EM CLARICE (Penso, logo existo), que o “Ser Mulher” é um ser pensante, e
LISPECTOR que agora com a pandemia do Covid-19, essa mulher precisa
É preciso considerar que a mudança cronológica de se estabelecer enquanto ser pensante, armando sua im-
um século para outro, historicamente, não ocorre apenas portância na sociedade enquanto indivíduo produtivo, pen-
com o término de um século para outro, mas sim em razão sante, trabalhador.
de grandes marcos históricos. Portanto, o grande marco que Nesse sentido, Clarice Lispector, em sua crônica
estabelece o início do século XXI, pode ser percebido a Trabalho Humano [1005], apresenta de maneira concisa essa
partir da pandemia do Coronavírus ou mais precisamente relação entre o Cogito, de Descartes, e o estabelecimento do
Covid-19. “Ser Mulher” enquanto indivíduo produtivo e necessário a
As mudanças de paradigmas vêm ocorrendo em todos estrutura social.
os setores da sociedade, da saúde à educação, da política
à economia, em aspectos tecnológicos, prossionais, cul- Talvez esse tenha sido o meu maior esforço de vida:
para compreender minha não inteligência fui obrig-
turais, e tomando como referência a reexão apresentada, ada a tornar-me inteligente. (Usa-se a inteligência
podemos armar que um velho paradigma se restabeleceu para entender a não inteligência. Só que depois o in-
com mais força: a questão do “Ser Mulher” numa sociedade strumento continua a ser usado - e não podemos col-
extremamente patriarcal. her as coisas de mãos limpas.)[1006]
É importante observar que com a chegada do Ocorre ainda, outro aspecto que também precisa ser
Covid-19 as relações sociais foram reestruturadas, hoje o observado, e que diz respeito as relações intrínsecas e ex-
paradigma estabelecido é o do afastamento social. Assim, trínsecas do “Ser Mulher”, anal como se estabelece no con-
neste contexto social, a família que sempre foi a célula texto da pandemia o interior e o exterior dessa mulher!?
estruturante da sociedade, agora se reestrutura em nichos Hoje, a mulher precisa administrar uma completude
ainda mais fechados, anal, se o afastamento social é prior- de funções já pré-estabelecidas de forma muito mais
idade, a necessidade de contato mais direto entre os entes genuína, por exemplo: a mulher é mãe integralmente, mas
que formam a unidade familiar se torna mais pungente. até antes da pandemia também era professora para seus l-
É neste contexto que a mulher passa por uma nova hos em um determinado período do dia, ou seja, quando
sobrecarga de funções, anal, a casa torna-se de uma só vez ajudava no acompanhamento das lições escolares. Agora a
o espaço do doméstico e do prossional, do maternal e do situação se modicou.
feminino, das lutas e sucessos, das angústias e dores. Nesse sentido, convém observar, que na escola pres-
Assim, a mulher que já sofria desde a metade do século encial sempre existiu a gura da professora, a prossional
XX com uma sobrecarga de trabalho, para se estabelecer en- da educação, aquela que transmite conteúdos seculares aos
quanto indivíduo na sociedade, passa agora em um mesmo alunos. Agora, com a virtualização do ambiente escolar, a

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mulher é mãe e professora de seus lhos durante as 24 horas mulher continua lutando por um espaço na sociedade.
do dia, não apenas enquanto mediadora nas atividades es- É importante observar que este espaço atualmente
colares, seja ela professora ou não, tenha ela didática ou não. está sendo concebido numa estrutura de afastamento social,
Anal, se a escola agora faz parte do ambiente domé- assim, é na casa, é no virtual que o “Ser Mulher” precisa ser
stico, para a mulher, não existe mais uma separação tem- construído, compreendido e concebido.
poral entre o tempo de casa com os lhos, e o tempo dos Somos seres de luta, somos seres fortes conforme ap-
lhos na escola, agora ambas as situações estão interligadas, resentado nesta análise histórico-losóca. Mesmo no am-
o que gera ainda mais desgaste a esse “Ser Mulher”, uma biente virtual, continuamos percebendo as diferenças pro-
vez que a sociedade patriarcal estabeleceu que com o afas- ssionais com relação à cargos e salários, a desgastante jor-
tamento social cabe a ela administrar esse duplo papel., e nada da mulher agora é uma, é o ovo, que Clarice Lispector
ainda exercer uma prossão. nos apresenta. Sem início ou m. Uma forma única, porém,
Convém observar que Clarice Lispector, na crônica O forte, apesar de demonstrar fragilidade, e que contém nele,
Ovo e a Galinha[1007], apresenta uma reexão que transmite toda a esperança de que apesar de tudo, a luta ainda vale a
diretamente o sentimento e o sentido do “ser mulher”, a par- pena ser vivida.
tir da situação esboçada. Assim, a pandemia do Covid-19 nos mostra que a mu-
lher é um ser muito mais forte do que ela própria possa vir
De manhã na cozinha sobre a mesa vejo o ovo. Olho
o ovo com um só olhar. Imediatamente percebo que a compreender. Hoje, a mulher é mãe, esposa, companheira,
não se pode estar vendo o ovo. Ver o ovo nunca se prossional, indivíduo, e acima de tudo: insubstituível.
mantém no presente: mal vejo um ovo e já se torna
ter visto o ovo há três milênios – No próprio instante CONCLUSÃO
em que se vê o ovo ele é a lembrança de um ovo – Só Partindo da concepção histórico-losóca do “Ser
vê o ovo quem já o tiver visto – Ao ver o ovo é tarde
demais: ovo visto, ovo perdido (...). Como o mundo o Mulher” no contexto da pandemia do Covid-19, através do
ovo é obvio. (...) O ovo é a alma da galinha. A galinha retrato apresentado por uma sociedade patriarcal, é na esté-
desajeitada. O ovo certo. A galinha assustada. O ovo tica, através de uma conexão entre Gilda de Mello e Souza
certo. (...) O ovo é coisa que precisa tomar cuidado. e Clarice Lispector que compreendemos o sentido do termo
Por isso a galinha é o disfarce do ovo. Para que o ovo
atravesse os tempos a galinha existe. Mãe é para isso. “Ser Mulher”.
(...). Esta é a minha simplicidade. Ou é isso mesmo eu Nessa análise, também muito nos enriqueceu o en-
eles querem que me aconteça, exatamente para que o tendimento de Virginia Woolf sobre patriarcado, e o estab-
ovo se cumpra. É liberdade ou estou sendo mandada? elecimento da gura feminina na sociedade a partir do sé-
Pois venho notando que tudo o que é erro meu tem sido
aproveitado. Minha revolta é que para eles eu não sou culo XX. Virginia sempre viu a ligação e continuidade entre a
nada, eu sou apenas preciosa, eles cuidam de mim família patriarcal e as estruturas do Estado.
segundo por segundo, com a mais absoluta falta de Convém observar que neste viés, homens autoritários,
amor, sou apenas preciosa. Lispector[1008]. sempre exerceram total dominação sobre as mulheres, de
Finalizando este autorretrato do “Ser Mulher” com- forma que estas estavam até metade do século XIX subju-
posto pela escrita de Clarice Lispector, observamos que em gadas ao ambiente doméstico.
pleno século XXI, no contexto da pandemia do Covid-19, a Eram as chamadas “Anjo da Casa”, como bem apresenta

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Virginia Wolf, em seu ensaio Prossões para Mulheres[1009]. mos no século XXI, e nossa luta continua.
Assim, a mulher se destacava nas difíceis artes da vida em
família, era aquela que se sacricava diariamente, e que era
intensamente compreensiva. Desta forma, as mulheres esta-
vam vedadas as possibilidades de desenvolvimento intelec-
tual, artístico, cientíco, sendo ainda barradas no exercício
do trabalho remunerado, e ainda vedada a possibilidade de
pensar e discordar, argumentar e criar. Assim, se a literatura
de Virginia e Clarice, e a pesquisa cientíca de Gilda podem
ser lidas como uma resposta estética ao contexto do femin-
ino na história, na losoa e na arte, também é certamente a
resposta feminina à sociedade em que viveram.
É com esperança, conforme tão bem expresso por
Clarice Lispector, em sua crônica Uma Esperança[1010], que
compreendemos a força e o dinamismo sempre existente no
“Ser Mulher” em toda a sua trajetória histórica.
Aqui em casa pousou uma esperança. Não a clás-
sica, que tantas vezes verica-se ser ilusória, embora
mesmo assim nos sustente sempre. Mas a outra, bem
concreta e verde: o inseto (...) esperança é coisa secreta
e costuma pousar diretamente em mim, sem ninguém
saber. (...). Uma vez, aliás, agora é que me lembro,
uma esperança bem menor que esta, pousara no meu
braço. Não senti nada, de tão leve que era, foi só
visualmente que tomei consciência de sua presença.
Encabulei com delicadeza. Eu não mexia o braço e
pensei: “e essa agora? O que fazer?” Em verdade nada
z. Fiquei extremamente quieta como se uma or
tivesse nascido em mim. Depois não me lembro o que
aconteceu. E, acho que não aconteceu nada.[1011]

Agora, na pandemia do Covid-19, essa mulher, busca


mais uma vez seu resgate enquanto indivíduo. Seu papel
continua sendo extremamente desgastante, por tudo em
que acaba sendo subjugada nesta sociedade patriarcal, e
também extremamente fortalecedor, uma vez que com a
força que apenas o “Ser Mulher” possui em si, ela consegue
se desvencilhar das amarras impostas pela sociedade. Entra-

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PANDEMIA E MULHERES

Com base nas palavras da escritora Conceição Evar-


isto, em todas as estancias principalmente nas de poder de-
A MULHER NEGRA EM TEMPOS DE PANDEMIA vemos ocupar estes espaços.
Susilene Ferreira de Oliveira[1012] A mulher negra deve escrever sua história, já que
Romilda Maria de Jesus[1013] ela não é contada por mais ninguém. Para a mul-
her negra, escrever é um ato político. Temos de nos
“Eu quero sair, meu Deus eu não aguento mais esta apropriar das nossas histórias. Se não as contarmos,
Łcarão esquecidas. [1014]
pandemia “, foi aos berros que vi o pânico no rosto da minha
amiga Rosangela, que com os olhos lacrimejados pediu ajuda Decidi pesquisar sobre esta nova realidade que é a
através do grupo das amigas. Mais tarde, outra amiga, Con- Pandemia do COVID-19, na vida de mulheres negras, real-
ceição Leal² de outro segmento, um pouco mais velha e bem izando entrevistas online a mulheres com características
mais contida, me liga e diz “Oh Susi Feoli, por favor pede que se assemelham as duas amigas citadas acima. Esta-
para as nossas amigas, você a Peron, Letícia e Toninha pas- mos vivendo uma pandemia, termo empregado quando
sarem aqui na porta de casa, não precisa sair do carro, é muitos casos de uma determinada doença ocorrem em
só passar bem devagar que eu olho pela fresta do portão, vários continentes. Anal o que vem a ser COVID-19, uma
Susinha, só preciso ver minhas amigas, estou com tantas doença respiratória viral causada por um corona vírus,
saudades”. Fiquei assustada com as duas declarações, uma cujos sintomas iniciais incluem febre, tosse e diculdade
feita por Rosangela e outra por Conceição Leal e constatei, respiratória, podendo evoluir para situações de pneumon-
minhas amigas estavam surtando. Ambas são mulheres ia, falência dos rins e de outros órgãos e eventual morte.
líderes, comunicativas, ativas, mulheres que ajudam outras Para alguns, uma guerra contra um inimigo imperceptível,
mulheres, partiu daí minha curiosidade sobre os sentimen- silencioso e poderoso, que já tirou a vida, até agora, de
tos provocados pela pandemia do COVID -19 em mulheres muitas e muitas pessoas em todo o planeta. No país hoje che-
negras na cidade de Uberlândia. gamos a incrível marca de 80.120 mortes por covid19[1015],
Devem estar se perguntando porque mulheres negras, no estado de Minas Gerais 2.004 vítimas, e na cidade de
respondo, porque não, primeiro por ser o fenótipo das Uberlândia, segundo o Centro de Estudos, Pesquisas e Pro-
minhas amigas além do meu, depois porque uma das prin- jetos Econômico-Sociais da Universidade Federal de Uber-
cipais áreas de atuação da maioria das mulheres negras são lândia (CEPEES/UFU) contabilizam 188 óbitos pela doença.
de contato direto com o público, elas são (enfermeiras, pro- Com a pandemia do novo corona vírus, o município teve
fessoras, massagistas, terapeutas, domésticas, cuidadoras, adotar medidas restritivas de funcionamento das atividades
educadoras, passadeira, cozinheiras, empreendedoras, ad- econômicas, fazendo efeito cascata sem atividade, sem
vogadas, mãe de santo e etc.) mulheres que cuidam de pes- movimentação nanceira, sem emprego, a cidade perdeu
soas, cuidam do outro e nem sempre cuidam de si. Outra cerca de cinco mil vagas de trabalho em dois meses, sendo
questão que me chamou a atenção, é por ambas ocuparem que a atividade que mais teve impacto foi o setor de servi-
posição de liderança em seus meios, exercerem a função ços.
de aglutinadoras e estarem sempre antenadas em tudo e a
Em março, o município sentiu os efeitos da crise
todos.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

econômica causada pela pandemia, e teve saldo nega- humano, percebe que neste momento de PANDEMIA as pes-
tivo de 1.279 postos de trabalho. No mês de abril, a
soas se tornam próximas para ajudar e acreditar que tudo vai
situação se agravou ainda mais, e Uberlândia teve
saldo negativo de 3.715 vagas de emprego. Foram dar certo.
registradas 3.963 admissões e 7.678 demissões.[1016] Desde criança, aprendemos a dividir, ajudar umas às
outras, somos criados tendo em mente a prática com-
A Covid-19 não pediu licença para modicar a vida das unitária, esta crença social nos faz mais humanos nas
pessoas no mundo inteiro, assim como fez com que as insti- relações especialmente entre mulheres, entendendo que
tuições se reinventassem, as pessoas também precisaram de nossa sobrevivência depende uma da outra.
se reinventar para dar continuidade à vida. Jussara técnica em enfermagem há 20 anos, vem en-
Em entrevista com a massoterapeuta, esteticista a 28 frentando algumas peculiaridades, como estão na linha de
anos, Edna Santos de Oliveira, se redescobriu como cuid- frente contra o corona vírus, quando estão fora de suas ativi-
adora função que vem ocupando para ter renda e cumprir dades se deslocando para casa, nos transportes coletivos, ou
com seus compromissos em virtude da PANDEMIA. “Minha vão ao mercado/farmácia, percebi que á um distanciamento
prossão é cuidar, eu passei de uma prossão para outra mais das pessoas no sentido negativo, como se eles fossem o pró-
cuidando do ser humano, e hoje cuido da Dona Hilda uma prio vírus. Outra questão apontada por ela é que acabam
senhora de 95 anos que é uma enciclopédia, todos os dias torna-se a única esperança para as pessoas infectadas já que
ela me ensina alguma coisa, da forma mais sublime que um estes são privados de estar com suas famílias.
ser humano poderia aprender, antes eu tinha uma agenda “As pessoas, tem que parar e pensar um pouco e ver
de cinquenta e duas mulheres e hoje tenho ela com muito que nós somos de carne e osso.Nos deixamos nossa família,
carinho e gratidão”. Edna teve que se reinventar e se redesco- nossa própria vida para nos doar para cuidar das pessoas e a
brir para dar continuidade aos projetos já começados e por grande maioria das pessoas fora da instituição de saúde não
isto sua religião é ATITUDE vê isso. Por tudo aquilo que a gente abre mão para estar na
Outra entrevistada Nubia Cristina Alves da Silva Coja Linha de Frente recebendo pessoas, cuidando, dando amor
professora de educação física aposentada, coloca que essa atenção que é muito difícil é muito doloroso, pois acaba
pandemia é uma circunstância alheia a nossa vontade que que, os pacientes, não tem contato com ninguém da família.
não deve ser vista de uma forma tão simplicada. As pessoas Passa o tempo todo isolado, o único contato que eles têm é
têm que perceber que não é hora de ódio, não é hora de ter com a gente da enfermagem”.
empatia de ter desamor, mas sim hora de sofremos juntos Às vezes eu demoro um pouco a pegar no sono, porque
e abraçarmos aqueles que estão perto, e acreditarmos que co tentando revisar tudo que aconteceu no plantão, cada
tudo vai passar. Ela coloca que buscou fazer alguns acolhi- pessoa a gente nunca sabe quando que a gente pode estar ou
mentos nesse instante, colaborar doando alimento aquelas não contaminada. So tenho uma certeza que essa PANDEMIA
pessoas necessitadas, fazendo visitas a pessoas idosas, levar vai passar sim.
uma palavra motivacional e um momento de oração. Pro- “Eu sou a Rosângela Pereira de Souza Costa. Isola-
curou também fazer algumas aulas de alongamento para for- mento vem me causando muita sensação. Primeiro que eu
talecimento físico. Sempre com a mensagem de que tudo irá tô aprendendo a me conhecer melhor. Certeza, não gosto
passar. Núbia acredita e se interessa pelas relações entre o ser muito do que eu estou vendo,porque eu sinto que eu sou um

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pouquinho egoísta, mesmo não podendo encontrar com os a gente manda coisas boas, o universo nos retorna igual.
amigos, eu quero, aí eu co brava vejo sou que só estou pen- “O ser humano é muito egoísta é preciso ter solidarie-
sando em mim. As pessoas estão receosas se resguardando, dade, compaixão companheirismo, as pessoas se colocarem
mas às vezes eu co brava mesmo assim. Estou aprendendo no lugar uma das outras, nem tudo é dinheiro, nem tudo é
fazendo alguns artesanatos, e sinto falta de um abraço, estou só você, essa é a oportunidade de sermos criativos. As nossas
dando mais valor à família, a pessoas, eu queria muito poder diculdades são maiores que os nossos sonhos, maiores que
abraçar todo mundo bem apertado. O Isolamento já está me as nossas atitudes, é o momento da gente buscar sair dessa
deixando Maluquinha, obcecada em limpeza com as coisas, pandemia, eu tenho fé e é com muita fé que vejo que logo
mas isso vai passar espero que isso passe rápido. Acho que eu tudo isso vai acabar se Deus quiser”.
co doida de verdade.
Parece, pois, que a luta entre razão e fé não é apenas
Telma, empresária na área de cosméticos, consultora localizada, mas contínua, já que sempre há esclare-
de beleza, prestadora de serviços exclusivamente na área cidos, esclarecimentos e resistência a esses esclareci-
comercial, sua maior angústia em meio a este caos que está mentos. A razão se rebela com o estabelecido e quando
se impõe, torna-se um dogma incutido nos homens de
acontecendo no mundo, nesta PANDEMIA é saber quando vai
cada tempo[1017].
passar ou se vai passar. Saber se ela cará bem, se seus l-
hos seus familiares caram bem de saúde. Ver tantas mortes Nesta mistura de fatos e crenças as pessoas precisaram
acontecendo, cada dia mais, ver a irresponsabilidade de cer- se reinventar se reconectar, se reconhecer e se reencontrar
tas pessoas em não seguir as normas, isto é muito angust- foi assim que durante este processo de PANDEMIA a coautora
iante. Romilda Maria foi ao reencontro da sua ancestralidade e traz
No ambiente de trabalho por ser autônoma parar é um histórico de mulher negra com atividades desenvolvidas
tranquilo “lutando a gente consegue”, sente-se como se est- dentro da temática étnico racial com palestras, rodas de
ivesse de férias forçada, operando vagarosamente em aten- conversas africanas, curso de formação para professores,
dendo individual. Com o tempo ocioso Telma começou a rodas do sagrado feminino, terapeuta integrada, adepta das
reetir sobre valores que realmente importam frisar nas religiões de matriz africana, congadeira e técnica em enfer-
coisas que gosta sobre a forma de agir consigo, com o magem linha de frente nos cuidados com indivíduos afeta-
próximo, para com a sociedade, procurou estudar, ler mais, dos pela Covid 19.
buscar mais conhecimento para caminhar prossional- Lembrando que  desde que mulheres africanas
mente, segundo ela, “coisas que a gente não percebe no dia a aportaram como escravizadas deste lado do Atlântico,
dia, com o trabalho, correria e tudo mais”. Uma destas coisas temos viabilizado condições para manutenção da saúde,
é “cada um fazer a sua parte, se prevenir, cuidar do próximo, diante de surtos e epidemias. De amas- de- leite, mães
não se aproveitando da pandemia para tirar vantagem do pretas, domésticas, cozinheiras, benzedeiras, curandeiras,
pânico da outra pessoa, é desumano, e é nessa hora que a parteiras, à auxiliares de enfermagem, técnicas de enferma-
gente separa o joio do trigo”. Tudo que esta acontecendo gem e enfermeiras Carregamos, além do conhecimento téc-
eu penso que é benção de Deus, que veio para abrir os nos- nico-cientíco, tecnologias ancestrais do cuidar, que con-
sos olhos, para nos ensinar, só que muitas pessoas não veem frontam o poder médico sobre o corpo, transmitindo a vi-
assim, tudo vai para o universo, tudo colabora para. Então se

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

talidade para o re-existir.” bedoria popular como o trabalho com ervas medicinais na
E nesse re-existir me conectei com a minha ances- produção de tinturas, xaropes, garrafadas ou vinho medi-
tralidade africana como um porto seguro para que os as- cinal, pomadas, óleos medicinais , chás e a disponibilização
pectos psicológicos vivenciados dentro do ambiente hos- de um conhecimento milenar a partir da pratica terapêutica
pitalar não produzissem efeitos colaterais graves na saúde dentro do consultório a cura das emoções através do útero
mental e física pois é impossível estar de frente nesta com uso de vaporização uterina e ginecologia natural .
pandemia no seu aspecto mais crítico que é prestar cuidados Uma vez que esse período impossibilitou o encontro
a alguém com possibilidade eminente de morte e não ser nas rodas de conversas e trabalhos coletivos passei a acol-
afetado no aspecto psicológico. her mulheres em um trabalho individualizado de resgate
Quando referimos a ancestralidade africana, nos de auto estima   e empoderamento pessoal a partir do
referimos aos nossos ancestrais diretos e indiretos, uma vez reconhecimento do seu próprio corpo enquanto território
que existe um conjunto de ancestrais. “Não precisa ser uma sagrado com base na sabedoria ancestral que reside nossa
pessoa ou espírito que conhecemos ou imaginamos. Pode força e é por meio do resgate de nossa ancestralidade que po-
ser uma árvore (...). É possível que seja um riacho correndo demos re- existir e re- reiventar formas de ser mulher.
longe. Portanto, o que importa é compreender que qualquer São esses saberes passados geração, por geração, por
pessoa que perdeu o corpo físico é um potencial ances- bocas de mulheres, letras de mulheres, artes de mulheres,
tral” (Somé, 2003, p. 28[1018]). corpos de mulheres, sangue de mulheres que devolvem
Os ensinamentos ancestrais africanos estão na minha a vida autônoma, insubmissa e prazerosa, a vida mulher.
base de formação  pois, como arma Oliveira, “A ances- Nosso corpo é transgressão, nossa mente é magia, nossa vida
tralidade é como um tecido produzido no tear africano: na é revolução. Então escolher outro caminho é um imperativo
trama do tear está o horizonte do espaço; na urdidura do à sobrevivência! Nos reconectar com os saberes tradicionais
tecido está o tempo. Entrelaçando os os do tempo e do e ancestrais, para nós mulheres marginais, é uma atitude em
espaço cria-se o tecido do mundo que articula a trama e busca de uma vida plena e verdadeira.

a urdidura da existência” (2007, p.245)[1019]. Ao tecer uma As minhas Ancestrais eu saúdo


As minhas Ancestrais eu honro
reconexão com minha ancestralidade me reencontrei com As nossas ancestrais eu chamo
minhas origens e meu tear. Pois como diz Sodré O reencon- As Curandeiras, Parteiras, Rezadeiras, Benzedeiras
tro com passado só se dá na reconstrução da memória por Mulheres de força, Łbra, garra e determinação.
um sistema de valores que coincide com o quadro social Fazem da erva, o remédio
Do Chá, o calmante
presente, ele próprio uma lembrança estável e dominante Do Banho, a Limpeza
(a exemplo do mito como estrutura dinâmica de revelação Nos campos, nas cidades
do real), mas aberto à indeterminação da realidade (Sodré, Nas casas, nas colinas
Sãos Elas as donas da Sabedoria
2001, p. 85).[1020] Rostos marcados pelas histórias da Vida,
E assim eu movimentei o meu tear teci minhas tra- Em suas mãos um terço, no seu pescoço um patuá
mas que me sustentam nesta pandemia através do retorno No seu peito a FÉ
São elas as senhoras da fala mansa, do punho deter-
as práticas ancestrais baseadas em conhecimentos e sa-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

minado e da força de vontade mesmo, com os elementos da natureza a Fé, é do ser humano,
Com humildade nos deixam os ensinamentos apren-
buscar uma ligação com o divino, com ancestralidade em
didos na escola da Vida
A melhor professora: A Grande Mãe momento de medo,o retorno ao sagrado a espiritualidade, a
Com seu novelo de lã, nos ensinam o tecer dos sonhos si a família e o que traduz e a música de Gilberto Gil:
Com seu compartilhar, nos ofertam a possibilidade de
fazermos cada dia um Novo Amanhecer Andá com fé eu vou/ Que a fé não costuma faiá/
São elas as senhoras que há tempos nos mostram... o Andá com fé eu vou/ Que a fé não costuma faiá/Que
verdadeiro sentido contido na palavra MULHER! a fé 'tá na mulher/ A fé 'tá na cobra coral/ Oh oh/
Carol Shanti. Num pedaço de pão/ A fé 'tá na maré/ Na lâmina de
um punhal/ Oh oh/ Na luz, na escuridão/ A fé 'tá na
CONCLUSÃO manhã/ A fé 'tá no anoitecer/ A fé 'tá viva e sã/ Certo
ou errado até/ A fé vai onde quer que eu vá/ Mesmo a
A partir da escuta as vivências e experiências de quem não tem fé/ A fé costuma acompanhar (…).
mulheres negras neste período de pandemia, mulheres que
fazem parte da minha estória de vida, mulheres de segui-
mentos e movimentos de luta, mulheres que colaboraram
na construção da minha trajetória que pude observar que
este período vem sendo muito conturbado, um verdadeiro
exercício de transformação de comportamentos.
Esta pandemia do novo corona vírus COVID-19, é
extraordinariamente grave com ramiŁcações em diversos
setores, na economia, na educação, na saúde, nas políticas
sociais e culturais, no modo de realização das atividades e no
novo comportamento das pessoas.
Nas falas das entrevistadas vemos uma fragilidade
para com as proŁssionais da área da saúde, tão preocu-
padas e disponíveis a cuidar do outro que precisam ser
cuidadas, estão entrando em depressão, exaustas, fragili-
zadas. Da mesma forma percebemos nas falas que também a
população ou pessoas que não estão ligada a área da saúde,
também estão sendo afetadas pelo isolamento, à um descon-
forto e uma sensível desorientação, a tensão psicológica,
esses e outros transtornos e medos poderão culminar em de-
pressão, ansiedade, stress deverá ser tratada.
A economia irá levar centena de milhões de pessoas
da rede de serviços essenciais, pequenas e médias emp-
resas especialmente aqueles realizados por mulheres negras
para a pobreza. A volta a ancestralidade ao contato consigo

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PANDEMIA E MULHERES

Embora haja o recrudescimento de casos de violência


doméstica e familiar, observa-se que em alguns estados da
A CONCESSÃO E FISCALIZAÇÃO DAS MEDIDAS federação, houve diminuição no número de medidas prot-
PROTETIVAS DE URGÊNCIA DURANTE A etivas concedidas. Neste sentido, o presente artigo pretende
PANDEMIA CAUSADA PELO COVID-19 explorar a diŁculdade na concessão e Łscalização das me-
didas protetivas de urgência durante a crise sanitária, bem
Tássia Louise de Moraes Oliveira[1021]
como as ferramentas e mecanismos legais que vêm sendo
Declarada em março de 2020 pela Organização Mun- concebidos ou debatidos, para atenuar a delicada prob-
dial da Saúde (OMS), a pandemia do Covid-19, doença lemática.
causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), impactou o Neste contexto, ressalte-se a novel Lei 14.022/20,
mundo. O vírus letal desenvolve a doença infecciosa, que foi publicada no Diário OŁcial da União no dia 08 de julho de
identiŁcada por cientistas na cidade de Wuhan, na China, 2020, que dispõe sobre medidas de enfrentamento à violên-
em dezembro de 2019. Como medida de prevenção, a OMS cia doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentam-
recomendou a quarentena e isolamento social da popu- ento à violência contra crianças, adolescentes, idosos e deŁ-
lação no período da incidência da pandemia. Além da crise cientes durante a pandemia.
sanitária e econômica, em decorrência do isolamento social Visando atingir os Łns propostos, o presente artigo
imposto, a pandemia trouxe como efeito secundário o au- divide-se em 02 tópicos. De partida, disserta-se sobre as
mento da violência doméstica contra as mulheres. medidas protetivas de urgência previstas na vulgarmente
Noticiado diariamente pelos órgãos de comunicação conhecida como Lei Maria da Penha. No tópico subse-
em massa, o aumento da violência doméstica durante a quente, expõe-se os fatores que diŁcultam as concessões e
pandemia consiste em complexa questão social, que de- Łscalização das medidas protetivas de urgência durante a
manda abordagem e soluções especíŁcas. Na primeira atual- pandemia, bem como as medidas de enfrentamento criadas.
ização de um relatório, o Fórum Brasileiro de Segurança DA LEI 11.340 E AS MEDIDAS PROTETIVAS DE
Pública (FBSP) destaca que os casos de feminicídio cres- URGÊNCIA
ceram 22,2%, entre março e abril deste ano, em 12 estados A Lei 11.340/2006 representou relevante avanço no
do país, comparativamente ao ano passado. combate à violência física, psicológica, sexual, patrimonial
Tal crescimento nos casos de violência doméstica e moral, contra a mulher, na seara doméstica e familiar.
durante a pandemia, além da natural subnotiŁcação, ex- Neste contexto, com o objetivo de compensar desigualdades
plica-se pela convivência forçada e mais próxima com os históricas entre os gêneros masculino e feminino, e como
agressores, maior diŁculdade de deslocamento para deleg- meio de estímulo à inserção e inclusão de um grupo social
acia ou outros locais em que possa pedir socorro, a sus- vulnerável nos espaços sociais, promovendo-se a isonomia
pensão do atendimento presencial pelo Poder Judiciário, constitucional entre homens e mulheres, de modo a atender
não havendo audiências presenciais que ajudam no processo ao comando constitucional inserto no art. 5º, inciso I, da
de notiŁcação do ofensor, bem como o medo de contrair o Constituição brasileira.
vírus. Outrossim, a Lei Maria da Penha foi criada não apenas
para atender ao disposto no art. 226, § 8º, da Constituição

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Federal, que determina que “o Estado assegurará a assistên- Americanos, que citava o Estado brasileiro como respon-
cia à família na pessoa de casa um dos que a integram, sável pela violação de direitos humanos, dando repercussão
criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de internacional ao caso de Maria da Penha[1023].
suas realizações”, mas como meio de dar efetivo cumpri- Assim, cinco anos após a publicação do referido rela-
mento aos tratados internacionais raticados pelo Estado tório, com o objetivo de coibir e reprimir a violência domé-
brasileiro. stica e familiar contra a mulher e superar uma violência
No ano de 1975, a Organização das Nações Unidas arraigada na cultura machista da sociedade brasileira, en-
realizou na cidade do México a I Conferência Mundial sobre trou em vigor a Lei 11.340/2006, que Łcou conhecida como
a Mulher, proclamando no ano de 1975 como Ano Inter- Maria da Penha, em face do símbolo de resistência do caso de
nacional da Mulher e de 1975 até o ano de 1985 a Década Maria da Penha Maia Fernandes[1024].
das Nações Unidas para a Mulher. Como resultado da referida Em sede de direitos humanos, com o advento da
Conferência, surge a Convenção sobre a Eliminação de Todas popularmente conhecida como Lei Maria da Penha, o Brasil
as Formas de Discriminação contra as Mulheres, ou simples- se tornou o 18º país da América Latina a aperfeiçoar sua
mente Convenção da Mulher, adotada pela Assembleia Geral legislação sobre a proteção da mulher. Em que pese os
da Organização das Nações Unidas em 18 de dezembro de notáveis avanços, a novel legislação também não está isenta
1979, entrando em vigor no dia 03 se setembro de 1981[1022]. de críticas. Neste sentido, segundo Damásio de Jesus, a Lei
Ademais, a referida Convenção passou a possibilitar a 11.340 consiste em:
adoção de ações armativas (discriminação positiva), uma
Estatuto eivado de impressionantes inconstitucion-
vez que a promoção da igualdade de gênero passa não apenas alidades, imperfeições, contradições, confusões, pés-
pelo combate à discriminação contra a mulher, mas tam- sima técnica e imperfeições de redação, a nova lei será
bém pela adoção de políticas compensatórias capazes de objeto de inúmeras críticas e aplausos, submetendo-
se mais uma vez o estudioso do Direito brasileiro
acelerar a igualdade de gênero.
a intenso esforço de interpretação. Foi, entretanto,
A Lei 11.340 entrou em vigor no dia 22 de setembro de um avanço em nossa legislação, devendo ser aper-
2006, tendo cado popularmente conhecida como Lei Maria feiçoado[1025].
da Pena em virtude da grave violência de que foi vítima
Malgrado as críticas, que não podem ser ignoradas,
Maria da Penha Maia Fernandes, que, no dia 29 de maio de
a Lei Maria da Penha signiŁcou relevante avanço no trata-
1983, na cidade de Fortaleza, fora vítima de disparo de uma
mento aos casos de violência contra a mulher no seio domé-
espingarda deagrado por seu próprio marido. Em decorrên-
stico e familiar. Neste sentido, criando ferramentas que
cia deste disparo, Maria da Penha cou paraplégica. Uma
possibilitem a maior efetividade, a Lei introduziu no orde-
semana após a primeira agressão, a vítima sofreu uma nova
namento jurídico brasileiro as Medidas Protetivas de Urgên-
violência por parte do seu então marido Marco Antônio
cia, previstas nos arts. 22 a 24 da referida Lei.
Heredia Viveros, que a atingiu com uma descarga elétrica en-
As Medidas Protetivas de Urgência (MPU) previstas na
quanto Maria da Penha tomava banho. Em razão da demora
Lei 11.340/2006 são espécies de tutelas de urgência, de na-
da demora da justiça brasileira para julgar o caso, a Comissão
tureza satisfativa, que visam garantir direitos fundamentais
Interamericana de Direitos Humanos publicou, em abril de
e coibir ou fazer cessar a violência no âmbito das relações
2001, um relatório, emanado da Organização dos Estados

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

domésticas e familiares, nos termos do já referido art. 226, § caráter satisfativo e devem permanecer enquanto forem
8º, da Constituição da República Federativa do Brasil. necessárias para garantir a integridade física, psicológica,
Assim sendo, as MPU encerram, por si mesmas e moral, sexual e patrimonial da vítima, portanto, estão des-
por sua natureza, a Łnalidade desejada, independente da vinculadas de inquéritos policiais e de eventuais processos
propositura de qualquer outra ação, haja vista que não cíveis ou criminais. Elas visam proteger pessoas e não pro-
buscam acautelar outro feito em si, mas a integridade física, cessos e se assemelham aos writs constitucionais, como o
psíquica, sexual, moral e patrimonial da mulher que, no âm- mandado de segurança e o habeas corpus[1027].
bito da unidade doméstica, familiar ou em qualquer relação Corroborando o entendimento de que as Medidas Pro-
íntima de afeto, é vítima de qualquer ação ou omissão ba- tetivas de Urgência têm caráter autônomo e natureza sat-
seada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento fí- isfativa, de modo que independem de qualquer outra ação
sico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, nos principal contra o suposto agressor, o Superior Tribunal
termos do art. 5º da Lei n. 11.340/2006. Indo além, Didier Jr. de Justiça, em fevereiro de 2014, reconheceu a autono-
e Oliveira esclarecem que, mia e das Medidas Protetivas de Urgência previstas na Lei
11.340/2006:
À mulher que se aŁrme vítima de violência doméstica
ou familiar é garantido um procedimento diferen- DIREITO PROCESSUAL CIVIL. VIOLÊNCIA DOMÉ-
ciado para a obtenção de medidas jurisdicionais que STICA CONTRA A MULHER. MEDIDAS PROT-
lhe concedam tutela inibitória ou reintegratória do ETIVAS DA LEI N. 11.340/2006 (LEI MARIA DA
ilícito aŁrmado; ou seja, medidas que sirvam para PENHA). INCIDÊNCIA NO ÂMBITO CÍVEL. NA-
impedir o ilícito, a sua repetição ou a sua con- TUREZA JURÍDICA. DESNECESSIDADE DE INQUÉ-
tinuação. A Lei Maria da Penha prevê a possibilidade RITO POLICIAL, PROCESSO PENAL OU CIVIL EM
de concessão, em favor da mulher que se alegue ví- CURSO. 1. As medidas protetivas previstas na Lei
tima de violência doméstica ou familiar, de medidas n. 11.340/2006, observados os requisitos especíŁcos
provisionais, dando-lhes, porém, o nome de medidas para a concessão de cada uma, podem ser pleiteadas
protetivas de urgência. A natureza jurídica, no ent- de forma autônoma para Łns de cessação ou de
anto, como já anunciado, é a mesma: providências acautelamento de violência doméstica contra a mu-
de conteúdo satisfativo, concedidas em procedimento lher, independentemente da existência, presente ou
simpliŁcado, relacionadas à parte do conłito (no caso, potencial, de processo-crime ou ação principal con-
do conłito familiar e doméstico)[1026]. tra o suposto agressor. 2. Nessa hipótese, as medidas
de urgência pleiteadas terão natureza de cautelar
Outrossim, as medidas provisionais podem ser cível satisfativa, não se exigindo instrumentalidade a
outro processo cível ou criminal, haja vista que não se
obtidas pela instauração de um procedimento cautelar, mas busca necessariamente garantir a eŁcácia prática da
que tenha caráter satisfativo. Ou seja: a demanda para a tutela principal. "O Łm das medidas protetivas é pro-
obtenção de tais medidas é satisfativa, mas se processa pelo teger direitos fundamentais, evitando a continuidade
procedimento cautelar, que é mais simples. Resumindo a da violência e das situações que a favorecem. Não são,
necessariamente, preparatórias de qualquer ação ju-
questão acerca da natureza jurídica das Medidas Protetivas dicial. Não visam processos, mas pessoas" (DIAS.
de Urgência, Diniz esclarece: Maria Berenice. A Lei Maria da Penha na justiça. 3
O entendimento atual é de que as medidas protetivas ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012).
são tutelas de urgência autônomas, de natureza cível e de 3. Recurso especial não provido. (STJ Relator: Min-

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

istro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: aplicação da Lei n. 11.340/2006.


11/02/2014, T4 – QUARTA TURMA).
A CONCESSÃO E FISCALIZAÇÃO DAS MEDIDAS PRO-
Neste cenário, no ano de 2017, conforme dados ex- TETIVAS DE URGÊNCIA DURANTE A PANDEMIA CAUSADA
traídos coletados pelo Conselho Nacional de Justiça, houve PELO COVID-19
236.641 Medidas Protetivas de Urgência concedidas no ano O isolamento social imposto com o Łm de conter
de 2017 no Brasil. Noutro viés, não se pode perder de vista a disseminação do novo coronavírus e manutenção da es-
que as Medidas Protetivas de Urgência consistem em re- tabilidade do sistema público de saúde trouxe como efeito
strições de direitos fundamentais, de modo que as mesmas secundário o aumento da violência doméstica e familiar.
só podem ser concedidas e subsistir se houve elementos Ressalte-se que esse aumento não consiste em exclusividade
sérios e concretos de que o suposto ofensor virá a prati- brasileira. A violência doméstica também cresceu em out-
car um atentado contra a suposta vítima. A manutenção de ros países que foram afetados pela pandemia.
qualquer medida sem o atrelamento a esta realidade cara- Atualmente, conforme atual legislação, constatada a
cteriza ilegalidade das mais odiosas, devendo o Magistrado prática de violência doméstica e familiar contra a mulher,
ser cuidadoso na análise da veracidade das alegações que o juiz pode aplicar de imediato ao agressor as seguintes
fundamentam o pedido das MPU, em especial agora com a medidas protetivas de urgência, em conjunto ou separada-
criminalização do seu descumprimento. mente: suspensão ou restrição do porte de armas; afasta-
Outrossim, conforme entendimento do Superior Tri- mento do lar; e/ou proibição de determinadas condutas,
bunal de Justiça, o descumprimento de tais Medidas não entre elas, aproximação física, contato ou visita à ofendida,
conŁgurava o delito de desobediência, previsto no art. 330 familiares e testemunhas.
do Código Penal, sob o argumento de que o descumprimento Ocorre que, durante a pandemia, as diŁculdades na
de ordem ou medida judicial somente conŁgura o crime de concessão e Łscalização das medidas protetivas de urgên-
desobediência quando não há previsão de sanção especíŁca cia são ampliadas. Neste contexto, tem-se que a maior
para o caso, sendo que a Lei Maria da Penha previa medidas convivência com o ofensor, diŁculdades de deslocamento
extrapenais para os casos de descumprimento. para registrar ocorrência e buscar ajuda, o não acesso à
Ocorre que, com o advento da Lei 13.641/2018, que informação ou internet, a suspensão do atendimento pres-
introduziu o art. 24-A na Lei n. 11340/2006, o descumpri- encial por parte de órgãos do Poder Judiciário, Ministério
mento das Medidas Protetivas passou a ser crime tipiŁcado Público e Defensoria Pública explicam a retração no número
no ordenamento jurídico brasileiro. de medidas protetivas concedidas em alguns estados da fed-
A nova legislação foi resultado de proposta feita em eração.
2015 pela Coordenação Nacional da Campanha Comprom- Tem-se, ainda, como fatores que explicam o recru-
isso e Atitude, vinculada à Secretaria de Políticas para as descimento da violência doméstica durante a pandemia a
Mulheres (SPM), da Presidência da República. A campanha é perda ou diminuição da renda familiar em razão do desemp-
resultado da cooperação entre o Poder Judiciário, o Minis- rego, suspensão das atividades laborais, sobrecarga das tare-
tério Público, a Defensoria Pública e o governo federal com fas domésticas, incluindo o cuidado dos Łlhos fora da escola,
a Łnalidade de articular o sistema de Justiça para a efetiva aumento do consumo de bebidas alcoólicas, isolamento da

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vítima de seus amigos e familiares, e outras situações que o bimestre com seis vítimas e o encerrou com 15 (150%).
aumentam o tensionamento nas relações domésticas. Os números caíram em apenas três estados: Espírito Santo
Registre-se que, em decorrência das dimensões con- (-50%), Rio de Janeiro (-55,6%) e Minas Gerais (-22,7%)[1032].
tinentais do Brasil e desigualdades regionais, econômicas e Acrescente-se, ainda, a recomendação do Conselho
sociais, as estatísticas nos números de registro de ocorrên- Nacional de Justiça[1033] no sentido de evitar-se o aprisiona-
cia, pedidos e concessão de medidas protetivas de urgência mento durante a pandemia, em especial dos cidadãos per-
apresentam variações, sendo que houve aumento nos regis- tencentes ao grupo de risco. Ademais, em razão do trabalho
tros em alguns estados, ao passo que se observa a diminu- remoto adotado pelos Tribunais brasileiros e suspensão dos
ição em outras unidades da federação, como, por exemplo, atendimentos e audiências presenciais, as prisões tendem a
Rondônia, que registrou redução no número de medidas pro- ser revogadas ou relaxadas por excesso prazal, o que tende a
tetivas de urgência iniciadas nos quatro primeiros meses do diminuir a eŁcácia e efeito inibitório pretendido em caso de
ano comparado ao mesmo período do ano passado [1028]. descumprimento das medidas protetivas de urgência.
Conforme dados da pesquisa intitulada “Um vírus e Outrossim, ainda que a mulher consiga obter a
duas guerras”[1029], entre os meses de março e abril deste medida protetiva de urgência pleiteada, tem-se que a noti-
ano, durante a pandemia do novo coronavírus, apontou que Łcação do suposto agressor se torna ainda mais diŁcultosa
os casos de feminicídio no País aumentaram em 5% em durante o período de conŁnamento social. Registre-se, neste
relação a igual período de 2019. Somente nos dois meses, contexto, que a medida protetiva pleiteada passa a ter valid-
195 mulheres foram assassinadas, enquanto em março e ade após a intimação do ofensor. Deste modo, é possível que
abril de 2019 foram 186 mortes. Entre os 20 estados bra- a mulher registre a ocorrência policial, consiga obter a me-
sileiros que liberaram dados das secretarias de segurança dida protetiva, mas ainda tenha que retornar ao lar e con-
pública, nove registraram juntos um aumento de 54%, out- tinuar a conviver com o agressor, mesmo tendo em seu favor
ros nove tiveram queda de 34%, e dois mantiveram o mesmo medida protetiva de urgência.
índice[1030]. Dessarte, veriŁca-se a diŁculdade em se determinar o
Destarte, segundo dados do Fórum Brasileiro de Seg- afastamento do lar do agressor em razão da pandemia, uma
urança Pública[1031], registros que conrmam queda na aber- vez que o isolamento social inviabiliza que o mesmo seja
tura de boletins de ocorrência, evidenciando que, ao mesmo recebido em outras residências e pela sua rede de apoio
tempo em que as mulheres estão mais vulneráveis durante a (amigos e familiares). Tem-se, ainda, que o aumento do
crise sanitária, têm mais diculdade para formalizar queixa desemprego e a crise econômica, além de aumentarem a vul-
contra os agressores e, portanto, para se proteger. nerabilidade social, muitas vezes impedem que os supostos
Ainda de acordo com o relatório "Violência Domé- ofensores possam alugar um outro imóvel para se retirarem
stica durante a Pandemia de Covid-19", os casos de fem- do lar de convívio.
inicídio cresceram 22,2% entre março e abril deste ano em Como medida de enfrentamento, registre-se a
12 estados brasileiros, tendo um aumento de 117 para 143 aprovação, em 09/07/20, do Projeto de Lei 1444/2020, de
ocorrências. No Acre, o aumento de casos foi de 300%. Tam- autoria da deputada Alice Portugal (PCdoB-BA). O texto
bém tiveram destaque negativo o Maranhão, com variação prevê celeridade à aplicação da Lei Maria da Penha durante a
de 6 para 16 vítimas (166,7%), e Mato Grosso, que iniciou pandemia, por meio da saída do agressor da casa ou o abrigo

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da vítima em uma casa de apoio, estabelecendo a ampli- timas de violência doméstica e familiar
ação de vagas em abrigos, que deverão cumprir as normas de Além das discussões legislativas e edição de leis que
combate ao vírus, como distanciamento entre as famílias; visam o enfrentamento da violência doméstica durante o
ambientes ventilados e higienizados; e oferta de máscaras período de pandemia, verica-se iniciativa por parte de
para proteção individual. O poder público Łcará respon- empresas, governo e da sociedade com o m de viabili-
sável pelo aluguel de casas, quartos de hotéis, espaços e zar que a vítima possa buscar auxílio e socorro durante
instalações privados, quando não houver vagas disponíveis a pandemia. Assim, iniciativas que propõem um “X” ver-
nos abrigos para essas mulheres. melho de batom estampado na palma da mão em uma
Pontue-se a edição da Lei 14.022/20, que criou me- farmácia, um botão de pânico num aplicativo de loja online
didas de enfrentamento à violência doméstica e familiar de eletroeletrônicos e até um vídeo fake de automaquiagem
contra a mulher e combate à violência contra crianças, ado- que, na prática, orienta a fazer denúncias.
lescentes, idosos e deŁcientes durante a pandemia. A norma Registre-se, outrossim, iniciativas isoladas, como a
determina que, enquanto perdurar o estado de emergência proposta pela 3ª Vara de Violência Doméstica de Salvador,
de saúde decorrente do coronavírus, os prazos processuais, que propõe um serviço de teleatendimento do serviço so-
a apreciação de matérias, o atendimento às partes e a con- cial para orientações e encaminhamento de providências
cessão de medidas protetivas que tenham relação com atos para a Rede de Encaminhamento [1034].
de violência doméstica e familiar cometidos contra mul- Diante desse cenário, tem-se que o isolamento social
heres, crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com determinado como medida de prevenção de proliferação do
deŁciência serão mantidos, sem suspensão. Covid-19 trouxe consigo diversos efeitos secundários, como
Ainda, o registro da ocorrência de violência domés- a crise econômica e o aumento da violência doméstica e fa-
tica e familiar contra a mulher e de crimes cometidos contra miliar, sendo este um tema social complexo de difícil en-
criança, adolescente, pessoa idosa ou pessoa com deŁciên- frentamento.
cia poderá ser realizado por meio eletrônico ou por meio Assim, com as diculdades impostas pelo con-
de número de telefone de emergência designado para tal Łm namento social, tem-se que os já naturalmente existentes
pelos órgãos de segurança pública. obstáculos para denúncia e repressão são majorados pelas
Tem-se, ademais, o Projeto de Lei 2510/2020, diculdades de acesso aos meios de pedir socorro, bem
aprovado pelo Senado Federal no dia 08 de julho de 2020, como pela ausência de informações de como proceder em
que obriga moradores e síndicos de condomínios a infor- caso de violência doméstica.
marem casos de violência doméstica às autoridades compe-
tentes. O projeto, aprovado em votação simbólica, será en- CONSIDERAÇÕES FINAIS
caminhado à Câmara dos Deputados. Além da crise sanitária e econômica, em decorrência
Consigne-se a edição do Projeto de Lei 2688/2020, que do isolamento social imposto, a pandemia trouxe como ef-
prevê que durante estado de calamidade pública ou situação eito secundário o aumento da violência doméstica contra
de emergência pública seja criada plataforma eletrônica na as mulheres. Tal majoração explica-se por diversos fatores
internet exclusiva para o recebimento, processamento e en- de vulnerabilidade social, econômica e de gênero, poten-
caminhamento, aos órgãos competentes, de denúncias de ví- cializados pela pandemia, que diculta consideravelmente

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EZILDA MELO

o acesso das vítimas aos meios oŁciais de denúncia, orien-


tação e encaminhamento.
Assim, observa-se que, durante o período da ANEXOS
pandemia, em razão da dimensão continental e diferenças
regionais do país, estados da federal registraram aumento
nas estatísticas de violência doméstica, ao passo que outras [1]
Arquiteta e Urbanista. Pós-Graduanda em Conservação Preventiva de
unidades da federação tiveram retração em seus números. Bens Culturais Móveis Eclesiásticos pela PUC Minas. Ex-bolsista do Pro-
Neste contexto, diante das diŁculdades causadas pela grama de Iniciação Cientíca e Tecnológica pelo CNPq. E-mail: an-
dreza_asr@hotmail.com.
pandemia à concessão e Łscalização das medidas protetivas [2]
Advogada. Pós-Graduanda em Direito Processual Civil pela Universi-
de urgência que visam coibir a violência doméstica e famil- dade Católica do Salvador | UCSal. E-mail: brunagalvao.severo@gmail.com.
iar, diversas iniciativas foram criadas e projetos de lei conce- [3]
Advogada. Pós-Graduanda em Direito Penal e Criminologia pela PUCRS.
bidos visando atenuar a problemática e trazer soluções que Especialista em Direito Público pela Faculdade Baiana de Direito. Ex-bol-
viabilizem a facilitem o acesso das vítimas aos órgãos oŁci- sista do Programa de Iniciação Cientíca e Tecnológica pelo CNPq. E-mail:
carla.estela_@hotmail.com.
ais estatais. Tais iniciativas, embora não resolvam o tema, [4]
Advogada e Poetisa. Especialista em Direito Público pela Faculdade
por ser complexo e enraizado na cultura machista e patri- Baiana de Direito. Ex-membra da Comissão Especial de Promoção da Igual-
arcal, buscam viabilizar, na prática, as ferramentas jurídicas dade Racial da OAB/BA. E-mail: maisaclobo@gmail.com.
[5]
introduzidas no ordenamento jurídico brasileiro através da CONAQ; ISA. Quilombolas Sem Covid-19: Vidas Quilombolas Importam.
Lei 11.340/2006. Disponível em: <https://quilombosemcovid19.org>. Acesso em: 27 Jul
2020.
[6]
Chamamos atenção para a Resolução n. 11 de 26 de março de 2020, que
ataca os direitos territoriais dos grupos quilombolas de Alcântara. BRASIL,
Secretaria-Geral da Presidência da República. Resolução n. 11 de 26 de
março de 2020. Diário Ocial da União. Disponível em: <https://
www.in.gov.br/en/web/dou/-/resolucao-n-11-de-26-de-marco-
de-2020-249996300>. Acesso em: 03 Ago 2020.
[7]
FOCO, Congresso em. Bolsonaro: “Quilombola não serve nem para
procriar”. Disponível em: <https://congressoemfoco.uol.com.br/especial/
noticias/bolsonaro-quilombola-nao-serve-nem-para-procriar/> Acesso

em: 10 Jul 2020.

[8]
FOCO, Congresso em. Op. Cit.
[9]
BRASIL, Constituição Federal (1988).Constituição da República Feder-
ativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráco, 1988.
[10]
ALMEIDA, Alfredo Wagner Berno de. Terras de Quilombo, Terras In-
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[11]
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2020. [22]
CONAQ; ISA. Op. cit.
[12]
CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o Feminismo: A Situação da Mul- [23]
CONAQ; ISA. Op. cit.
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[24]
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[16]
Este é um trecho da canção “Comida”, em que o eu lírico realiza uma tal no Contexto da Globalização e seu Papel AŁrmativo na Construção de
chamada aos cidadãos para uma tomada de consciência sociopolítica, Políticas Públicas no Mundo Lusófono. Disponível em: <le:///C:/Users/
bem como denota que além da luta contra a pobreza, também devemos CARLA/Downloads/A%20IDENTIDADE%20CULTURAL%20COMO
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[18]
Em memória de Carivaldina Oliveira da Costa, conhecida como Tia
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Políticas Públicas a Quilombolas. Disponível em: <https:// uma das principais líderes quilombolas do país, que lutou pela regu-
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civil-publica-para-garantir-politicas-publicas-a-quilombolas.html>. bém chamada de Griot, termo designado para quem tem vocação de
Acesso em: 10 Jul 2020. transmitir histórias e conhecimentos de seu povo, faleceu no dia 10
[19]
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recomenda-adocao-de-medidas-assistenciais-as-comunidades- 2020.
quilombolas/>. Acesso em: 12 Jul 2020. [30]
“Art. 6º: São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o tra-
[20] balho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social,
BAHIA.BA. DPE Vai Apurar Denúncia de Violação dos Dir-
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2020. Gráco, 1988.
[21] [31]
Parafraseando Caetano Veloso na canção “Reconvexo”, que é construída “Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a
a partir das relações entre a província do “Recôncavo”, em referência a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer
cidade de Santo Amaro, no interior da Bahia, e seu oposto cosmopolita e restrição, observado o disposto nesta Constituição”. BRASIL, Constituição

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Federal (1988). Op. Cit. ington, DC: Center for Global Development. Disponível em: https://
[32] bit.ly/2ZIPi7d. Acesso em 29 jun. 2020.
Este trabalho foi desenvolvido no âmbito das atividades do projeto de
[49]
extensão universitária “Aliança de Mulheres Migrantes, Apátridas e Refu- ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU). Violência contra as mul-
giadas (AMMAR), vinculado ao programa de Extensão Política Migratória heres e meninas é pandemia invisível, aŁrma diretora executiva da ONU
e Universidade Brasileira da Universidade Federal do Paraná. Todas as Mulheres. 07/04/2020. Disponível em https://bit.ly/3fNwTvF. Acesso
autoras são integrantes do projeto de extensão. em: 20 jul. 2020.
[33] [50]
Doutora. Professora de Direito Internacional da UFPR. tatyanafried- Cabe destacar que nos termos da Convenção Relativa ao Estatuto
rich@yahoo.com. dos Refugiados de 1951, refugiada é toda pessoa deslocada de maneira
[34]
Doutora. Professora do Departamento de Psicologia da UFPR. elaine- forçada, que possui um fundado temor de perseguição em seu país de ori-
schmitt@hotmail.com. gem, decorrentes de atores estatais ou não, com base nas cinco categorias
[35] elencadas na Convenção: raça, religião, nacionalidade liação a grupo so-
Psicóloga Clínica. Mestranda em Psicologia (UFPR). priscilafortini@ cial ou opinião política. Na América Latina, por força da Declaração de
gmail.com. Cartagena de 1984, também é compreendido como fator de perseguição a
[36]
Graduanda em Psicologia (UFPR), manucobusato@gmail.com. situação de grave violação de direitos humanos. Por sua vez, a Organização
[37]
Graduanda em Ciências Biológicas (UFPR), woodbeline91@gmail.com. Internacional para as Migrações dene como migrante qualquer pessoa
[38]
que, independentemente da causa, cruza uma fronteira internacional ou
Graduanda em Direito (UFPR), jul.naara12@gmail.com. de um Estado. Nesse sentido, apesar das especicações de cada situação,
[39] especialmente aquelas relacionadas ao status de refugiada, é possível
Graduanda em Direito (UFPR), naraveigaborges@gmail.com.
[40] compreender que a migração em sentido amplo também contempla a
Bacharela em Direito (UniSantaCruz). Acadêmica em Administração
situação de pessoas refugiadas. Sobre as distinções, vide: FRIEDRICH,
Pública (UFPR). tfsavariego@gmail.com.
Tatyana Scheila; BENEDETTI, Andrea Regina de Morais. A visibilidade dos
[41]
Assessora Jurídica MPPR. Mestre em Direitos Humanos e Democracia invisíveis e os princípios de proteção aos refugiados: notas sobre aconteci-
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[42]
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[78]
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[85] Fórum Brasileiro de Segurança Pública, FBSP. Nota Técnica Violência
GONZALEZ, Lélia. A categoria político-cultural de amefricanidade. In:
doméstica durante a pandemia de COVID-19. Ed 2, 2020.
Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, Nº 92/93 (jan/jun), 1988.
[104]
[86] Fórum Brasileiro de Segurança Pública, FBSP. Nota Técnica Violência
LUCE, Mathias Seibel. Teoria Marxista da dependência: problemas e
doméstica durante a pandemia de COVID-19. Ed 2, 2020.
categorias - uma visão histórica. 1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2018.
[105]
[87] AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade?. Belo Horizonte-MG:
Fazendo referência ao livro de Eduardo Galeano, “as veias abertas da
Letramento, 2018. Termo utilizado por esta autora.
América Latina”.
[106]
[88] Mestranda em Desenvolvimento Social pela UNIMONTES – Universi-
MBEMBE, Achille. Necropolítica: biopoder, soberania, estado de ex-
dade Estadual de Montes Claros (MG). Bacharel em Direito pelas Facul-
ceção, política de morte. São Paulo: n-1 edições, 2018, p. 34.
dades Santo Agostinho (Montes Claros/MG). Bolsista da Coordenação de
[89]
FRANCO, Marielle. UPP A redução da favela a três letras: uma análise Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior – Brasil (CAPES). E-mail:
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n-1 edições, 2018, p. 20. [107]
Professor Titular da UNIMONTES - Universidade Estadual de Montes
[90]
MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1 edições, 2018, Claros (MG). Doutor em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais
p. 157. – UFMG. Doutor em Ciências Sociais pela Universidade do Estado do Rio de
[91] Janeiro – UERJ. Pós-Doutoramento Faculdade de Letras da Universidade do
MBEMBE, Achille. Crítica da razão negra. São Paulo: n-1 edições, 2018,
Porto (2017/2018). E-mail: eltondx@hotmail.com.
p. 75.
[108]
[92] ZIZEK, Slavoj. The pervert’s guide to ideology (O Guia pervertido da
CARNEIRO, Aparecida Sueli. Racismo, sexismo e desigualdade no
ideologia); Dir. Sophie Fiennes, 2012).
Brasil. São Paulo: Selo negro, 2011, p.15).
[109]
[93] HIRATA, Helena. KERGOAT, Danièle. Novas Congurações da divisão
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2019.
[110]
[94] MIGUEL, Luis Felipe. BIROLI, Flávia. Feminismo e política: uma
Ibidem.
introdução. 1 ed. – São Paulo: Boitempo, 2014.
[95]
Ibidem. [111]
Ibidem.
[96]
AKOTIRENE, Carla. O que é interseccionalidade?. Belo Horizonte-MG: [112]
MINISTÉRIO DA MULHER, DA FAMÍLIA E DOS DIREI-
Letramento, 2018, p. 19.
TOS HUMANOS. Coronavírus: sobe o número de ligações para
[97]
Ibidem, p. 20. canal de denúncia de violência doméstica na quarentena.
[98] Disponível em: https://www.gov.br/mdh/pt-br/assuntos/noticias/2020-2/
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560 561
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

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[114]
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ticando.com/2015/03/13/os-paradoxais-desejos-punitivos-de-ativistas- licou durante o connamento; e Singapura e Chipre registraram um
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[115]
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[125]
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[116] [126]
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Conforme: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/
[117]
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Conforme: http://www.forumseguranca.org.br/wp-content/
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Conra-se, a título de exemplo: https://g1.globo.com/monitor-da-
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gestao-do-sus/. Acesso em: 16 jul. 2020.
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[119]
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Conra-se em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/
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[121]
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Marins. - 1. ed. - São Paulo: Boitempo, 2020. www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2020/04/assassinatos-de-mulheres-
[122]
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Advogada criminal. Mestra em Direito e Especialista em Direitos Hu- Acesso em 09.05.2020.
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Janeiro. Coordenadora do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais no RJ. noticia/2020/04/20/relatos-de-briga-de-casais-aumentam-431percent-
Ex-presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro. Uma desde-o-inicio-do-isolamento-provocado-pelo-coronavirus-diz-
das fundadoras do Movimento da Mulher Advogada. estudo.ghtml. Acesso em 09.05.2020.
[132]
[123]
Advogada criminal. Membro da Comissão Especial de Estudos do Dir- “Art. 3º - Serão asseguradas às mulheres as condições para o exercício
eito Penal da OAB/RJ. efetivo dos direitos à vida, à segurança, à saúde, à alimentação, à educação,
[124] à cultura, à moradia, ao acesso à justiça, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à
“Em abril, a ONU Mulheres divulgou dados sobre o aumento de cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e

562 563
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

comunitária. [145]
Advogada. Professora. Mestra em Direito pela UFBA. Autora. E-mail:
§ 1º - O poder público desenvolverá políticas que visem garantir os direitos ezildamelo@gmail.com.
humanos das mulheres no âmbito das relações domésticas e familiares no [146]
sentido de resguardá-las de toda forma de negligência, discriminação, ex- Advogada. Doutoranda em Ciências na Escola de Artes, Ciências e
ploração, violência, crueldade e opressão. Humanidades, da Universidade de São Paulo - SP. Mestre em Ciências pela
§ 2º - Cabe à família, à sociedade e ao poder público criar as condições ne- EACH/USP. Especialista em Gênero e Sexualidade/UERJ. Colaboradora da
cessárias para o efetivo exercício dos direitos enunciados no caput.”. Associação Brasileira Prossional pela Saúde Integral de Travestis, Tran-
[133] sexuais e Intersexos - Abrasitti. Membro da Comissão da Diversidade Sex-
Grupo criado pela Portaria do CNJ n.º 70, de 22 de abril de 2020. ual e de Gênero da OAB/Santo Amaro – SP.
[134]
Disponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/ [147]
Psicóloga, comunicadora, artista plástica, ativista trans. Membra-fun-
uploads/2020/04/Portaria702020-DJE111-24042020.pdf. Acesso em dadora da Associação Brasileira Prossional pela Saúde Integral de Traves-
09.05.2020. tis, Transexuais e Intersexos - Abrasitti. Recém-eleita para o Conselho Mu-
[135] nicipal de Políticas para Mulheres da Prefeitura Municipal de São Paulo.
https://www.cnj.jus.br/sinal-vermelho-cnj-lanca-campanha-de-
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29.06.2020. [148]
BUTLER, Judith. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para
[136] uma teoria performativa de assembleia. Tradução de Fernanda Siqueira
O Projeto de Lei n.º 1.444/2020, ainda em tramitação, está disponível
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idProposicao=2242763. Como último andamento, consta que, em sileira, 2018.
08.06.2020, a Mesa Diretora determinou a criação de uma Comissão Espe- [149]
DUARTE, Madalena; OLIVEIRA, Ana. Mulheres nas margens: a violên-
cial para analisar a matéria. Último acesso em 12.06.2020. cia doméstica e as mulheres imigrantes. Sociologia, Porto , v. 23, p.
[137]
Feminista. Mãe. Historiadora. Professora. Advogada. E-mail: ezil- 223-237, jun. 2012 . Disponível em: https://bit.ly/39fgptR. Acesso em:
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[143] princípio do isolamento: foram apenas 496 chamadas nas duas pri-
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564 565
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

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[158]
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[162]
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dias alternados para circulação de pessoas durante estado de emergên- em: <https://thinkolga.squarespace.com/> Acesso em: 15 abr. de 2020.
cia. ACIDH, que apesar do Decreto estabelecer clausula de proibição de
discriminação, não previa o respeito pela identidade e/ou expressão de [171]
gênero em seu conteúdo e, apesar dos esclarecimentos feitos por altas OLIVERA, Caroline. Menos renda, mais violência: mulheres estão
autoridades de que as pessoas trans não deveriam ser discriminadas neste entre os mais afetados pela pandemia. Brasil de Fato, São Paulo, 06
contexto, ocorreram atos durante a sua vigência. Mulheres trans detidas abr. 2020. Disponível em: https://www.brasildefato.com.br/2020/04/06/
pelas forças de segurança em cumprimento destas restrições no Peru sof- menos-renda-mais-violencia-mulheres-estao-entre-os-mais-afetados-
reram abusos físicos e verbais por parte dos agentes de ordem pública; pela-pandemia. Acesso em: 16 abr. 2020.
inclusive, foram obrigadas a repetir frases que negam a sua identidade [172]
ESTEVANS, Gabrielle. Coronavirus, isolamento social e a so-
de género autopercebida, tais como "quero ser homem". A CIDH vericou brecarga de mulheres mães. Hypeness, sem data. Dispon-
que o mesmo ocorreu no Panamá, quando uma mulher trans defensora de ível em https://www.hypeness.com.br/2020/03/coronavirus-isolamento-
direitos humanos foi detida pela polícia enquanto distribuía sacos de ali- social-e-a-sobrecarga-de-mulheres-maes/. Acesso em: 16 abr. 2020
mentos a pessoas que viviam em situação de pobreza. A detenção se deu [173]
num dia reservado à circulação de mulheres, com o fundamento de que o CAETANO, Rodrigo. COVID-19: dupla jornada aumenta vulnerabili-
documento de identidade da detida reetia o género masculino. Dispon- dade das mulheres, diz ONU.
[174]
ível em: http://www.oas.org/pt/cidh/prensa/notas/2020/081.asp Acesso Brasil tem 77% das mortes de gestantes e
em: 11 jun. 2020. puérperas por Covid-19 registradas no mundo, diz
[163]
Op. cit. estudo. Disponível em: https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/
[164]
noticia/2020/07/14/brasil-tem-77percent-das-mortes-de-gestantes-e-
Disponível em: https://revistahibrida.com.br/2020/04/15/ puerperas-por-covid-19-registradas-no-mundo-diz-estudo.ghtml Acesso
instituicoes-lgbtqi-lancam-campanha-coletiva-para-o-coronavirus-saiba- em: 19 jul. 2020.
como-doar/ Acesso em: 13 jun. 2020. [175]
[165] Brasil tem 77% das mortes de gestantes e
Op. cit. puérperas por Covid-19 registradas no mundo, diz
[166] estudo. Disponível em https://g1.globo.com/bemestar/coronavirus/
MELLO, Kátia Sento Sé. COVID-19 nas prisões bra-
sileiras e seletividade penal e produção de corpos descartáveis. noticia/2020/07/14/brasil-tem-77percent-das-mortes-de-gestantes-e-
Disponível em: http://anpocs.com/images/stories/boletim/boletim_CS/ puerperas-por-covid-19-registradas-no-mundo-diz-estudo.ghtml. Acesso
Boletim_n44.pdf Acesso em: 14 jun. 2020. em: 19 jul. 2020.
[167] [176]
Advogada (Araújo, Soares, Barreto e Abreu Advogados Associados). Declaração e Plataforma de Ação da IV Conferência Mundial Sobre a
Professora de Direito (FAD/UERN). Mestre em Direito (UFRN). Doutoranda Mulher - Pequim, 1995. Disponível em http://www.onumulheres.org.br/
em Direito (UFPR). Integra o Projeto de Extensão Socializando o Direito wp-content/uploads/2013/03/declaracao_beijing.pdf. Acesso em: 19 jul.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

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[177] pelo Parceiro Íntimo Contra a Mulher: Ação e produção de evidência. Geneva:
Segundo a ONU-Mulheres, “é importante garantir o acesso a serviços
OMS; 2012. p. 11-17.
e cuidados de saúde sexual e reprodutiva. Dados de pandemias anteriores
[185]
indicam que os esforços de contenção frequentemente desviam recursos dos Brasil. Presidência da República. Secretaria de Políticas para as Mul-
serviços de saúde de rotina, exacerbando a falta de acesso aos serviços, in- heres (SPM).Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mul-
cluindo cuidados de saúde pré e pós-natal e contraceptivos” (ORGANIZAÇÃO heres. Brasília: SPM.
DAS NAÇÕES UNIDAS – MULHERES (ONU MULHERES). Gênero e Covid-19 [186]
Disponível em: <https://www.camara.leg.br/noticias/661087-
na América Latina e no Caribe: dimensões de gênero na resposta. crescem-denuncias-de-violencia-domestica-durante-pandemia>. Acesso
Mar. 2020. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/ em: 13 jul. 2020.
uploads/2020/03/ONU-MULHERES-COVID19_LAC.pdf. Acesso em: 16 [187]
abr. 2020). Disponível em: www.mapadoacolhimento.org. Acesso em: 10 jul.
[178] 2020.
Quanto aos Direitos Sexuais e Reprodutivos das mulheres especica [188]
a resolução que devem os Estados: “53. Garantizar la disponibilidad y con- Quando a recomendação do isolamento social passa a ser obrigatória.
tinuidad de los servicios de salud sexual y reproductiva durante la crisis de la [189]
Com um “X” vermelho na palma da mão, que pode ser feito
pandemia, incrementando, en particular, las medidas de educación sexual in- com caneta ou mesmo um batom, a vítima sinaliza que está em
tegral y de diseminación de información por medios accesibles y con lenguaje situação de violência. Com o nome e endereço da mulher em mãos,
adecuado, con el objeto de alcanzar a las mujeres en su diversidade”. (CIDH os atendentes das farmácias e drogarias que aderirem à campanha de-
– COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. Resolução 01, verão ligar, imediatamente, para o 190 e reportar a situação. Dispon-
de 10 de abril de 2020. Pandemia e Direitos Humanos nas Américas. Dis- ível em: <https://www.cnj.jus.br/sinal-vermelho-cnj-lanca-campanha-de-
ponível em: http://www.oas.org/es/cidh/decisiones/pdf/Resolucion-1-20- ajuda-a-vitimas-de-violencia-domestica-na-pandemia/>. Acesso em: 13
es.pdf. Acesso em: 16 abr. 2020). jul. 2020.
[179]
São citadas: pessoas maiores e pessoas de qualquer idade que têm [190]
Disponível em: https://contrafcut.com.br/noticias/violencia-
afecções médicas preexistentes, pessoas privadas de liberdade, mulheres, domestica-aumenta-431-de-acordo-com-relatos-de-rede-social/. Acesso
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meninos e adolescentes, pessoas LGBTI, pessoas afrodescendentes, pes- [191]
soas com deciência, trabalhadores e pessoas que vivem na pobreza e ex- Advogada Criminalista. Graduada em Direito pela Universidade Ca-
trema pobreza, especialmente trabalhadores informais e pessoas nas ruas; tólica de Pernambuco. Pós-graduanda em Ciências Penais. Pesquisadora
bem como defensores de direitos humanos, líderes sociais, prossionais de em Criminologia Crítica e Gênero. Mediadora de Conitos no Centro
saúde e jornalistas. MEDIAH. E-mail para contato: contato@giselemeneses.adv.br.
[180] [192]
MBEMBE, Achille. Necropolítica. Trad. Elisabeth Famomir Archam- Graduanda em Direito e Pesquisadora em Direitos da Propriedade Int-
bault. Melusina, 2011. electual, tecnologia e inovação pela Universidade Católica de Pernambuco
[181]
(UNICAP). Paralegal na Tôrres Gadêlha Advocacia (TGA). Agente de marcas
Ibid. na Como Registrar. Mediadora de conitos no Centro MEDIAH. Membro
[182] da Comissão de Direito e Startups da OAB/PE. E-mail: juliahelena.as@
Assessora Jurídica de Juiz de 1° grau no Tribunal de Justiça da
Paraíba (TJPB), lotada no Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra gmail.com.
a Mulher na Comarca de João Pessoa/PB. Conciliadora na Justiça Federal [193]
Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nota técnica: Violência domé-
da Paraíba – JFPB. Bacharela em Direito pela Faculdade Maurício de Nas- stica durante a pandemia de COVID-19 - ed.1. p. 12. 2020.
sau. Especialista em Ciências Criminais pela Faculdade Internacional da [194]
Paraíba – FPB. Pós-graduada em Gestão Pública Municipal pela Universi- Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nota técnica: Violência domé-
dade Estadual da Paraíba – UEPB. E-mail: francisca.nayana@tjpb.jus.br/ stica durante a pandemia de COVID-19 - ed.1. p. 13. 2020.
[195]
WhatsApp: (83) 9 8878-1358. BIANCHINI, Alice; BAZZO, Mariana Seifert; CHAKIAN, Silvia. Crimes
[183] contra mulheres: Lei Maria da Penha, Crimes Sexuais e Feminicídio. Edi-
Disponível em:
tora JusPodivm - 2a ed. 2020.
https://nacoesunidas.org/?post_type=post&s=Mulheres+no+centro+da
[196]
+luta+contra+a+crise+Covid-19>. Acesso em 03 de julho de 2020. Nesse sentido, segundo a Organização Mundial da Saúde, os dois gru-
[184] pos mais afetados pela disseminação do vírus são os idosos e pessoas com
Organização Mundial de Saúde (OMS). Natureza, magnitude e conse-

568 569
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

situação de saúde já debilitada, como as pessoas com doenças crônicas. bit.ly/39ceF4u. Acesso em 19 mar. 2020.
"The COVID-19 virus infects people of all ages. However, evidence to date sug- [209]
Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nota técnica: Violência domé-
gests that two groups of people are at a higher risk of getting severe COVID-19
stica durante a pandemia de COVID-19 - ed.2. 2020.
disease. These are older people; and those with underlying medical conditions.
[210]
WHO emphasizes that all must protect themselves from COVID-19 in order Feminicídio: 61% das vítimas são mulheres negras, aponta relatório.
to protect others". WORLD HEALTH ORGANIZATION. Coronavirus disease Disponível em: https://bit.ly/3fLfJ1K. Acesso em: 18 jul. 2020.
2019: situation report - 51. Data as reported by national authorities by 10 [211]
"Gender-based violence is not just a social issue. It is also an economic
AM CER March 2020. Disponível em: https://bit.ly/39qE8HD. Acesso em: issue that directly aŀects the value of assets within capital markets. Reducing
18 abr. 2020. GBV is an investment in Łnancial stability. During times of crisis, this be-
[197]
O "achatamento da curva" é um conceito utilizado pela epidemiolo- comes even more true. For example, when nations need Łnancial assistance,
gia no controle de disseminação de vírus. Esse conceito foi adotado pelos sovereign or government debt is usually issued by a nation to help with its
pesquisadores das mais diversas áreas, com a pandemia do coronavírus, redevelopment. By incorporating gender-sensitive loan terms and conditions
a partir da efetividade das medidas de isolamento social para o con- in debt investments or in loan-restructuring negotiations, multilaterals such
trole do número diário de casos. SPECKTOR, Brandon, 2020. Coronavirus: as the World Bank and the International Monetary Fund can be a powerful
what is 'łattening the curve', and will it work?. Disponível em: https:// leverage to address GBV within receiving countries". Disponível em: https://
bit.ly/2ZIYHvo. Acesso em: 18 abr. 2020. blogs.unicef.org/blog/łattening-the-curve-Łnance-and-the-pandemic-of-
[198] gender-based-violence/. Acesso em: 18 abr. 2020.
MLAMBO-NGCUKA, Phumzile. Violência contra mulheres e meninas
[212]
é pandemia das sombras. Disponível em: https://bit.ly/3eP208J.. Acesso Disponível em: https://meteacolher.org. Acesso em: 18 abr. 2020.
em: 18 abr. 2020. [213]
Disponível em: https://bit.ly/3fNRO1E/. Acesso em: 18 abr. 2020.
[199]
WORLD HEALTH ORGANIZATION. COVID-19 and violence against [214]
Aplicativo de denúncias de violação de direitos humanos já está dis-
women: what the health sector/system can do. Disponível em: https:// ponível. Disponível em: https://bit.ly/3fPVGPB. Acesso em: 20 abr. 2020.
bit.ly/30yZ2QH. Acesso em: 18 abr. 2020. [215]
[200] Brasil se abstém em votação na ONU contra discriminação de mul-
MLAMBO-NGCUKA, Phumzile. Violência contra mulheres e meninas heres e meninas. Folha de S. Paulo. Disponível em: https://bit.ly/30tgXbv.
é pandemia das sombras. Disponível em: https://bit.ly/2CUxa12. Acesso Acesso em: 17.07.2020.
em: 18 abr. 2020. [216]
[201] THOMPSON, Augusto. Quem são os criminosos? O crime e o crim-
Covid-19: Women trapped between a deadly virus and a deadly inoso: Entes políticos. pg. 7,8. 2ª edição. Editora Lumens Juris, Rio de
partner. Disponível em: https://bit.ly/3heuF8K. Acesso em: 18 abr. 2020. Janeiro, 2007.
[202]
ONU MULHERES. Gênero e Covid-19 na América Latina e no [217]
Lei 11.340/06, art. 5º Para os efeitos desta Lei, conŁgura violência
Caribe: Dimensões de Gênero na Resposta. 2020. Disponível em: https:// doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada
bit.ly/2ZMRcUw. Acesso em: 19 mar. 2020. no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psic-
[203]
Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nota técnica. Violência domé- ológico e dano moral ou patrimonial: I - no âmbito da unidade doméstica,
stica durante a pandemia de Covid-19. p. 13. 2020. compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou
[204] sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas.
Coronavirus: Five ways virus upheaval is hitting women in Asia. Dis-
[218]
ponível em: https://bbc.in/2WEUXci. Acesso em: 18 mar. 2020 RIBEIRO, Djamila. Caso do menino Miguel Otávio é a síntese das
[205] relações desse país. Disponível em:https://bit.ly/3eP1h7v. Acesso em:
Covid-19: Women trapped between a deadly virus and a deadly
16.07.2020.
partner. Disponível em: https://bit.ly/3fNy2Dq. Acesso em: 18 abr. 2020.
[206]
Sinal Vermelho: CNJ lança campanha que ajuda vítimas de violência [219]
Graduação em Direito e Especialização em Processo pela UNITO-
doméstica na pandemia. Disponível em: https://bit.ly/30q8zJK. Acesso LEDO de Araçatuba/SP. Mestre em Direito pelo UNIVEM de Marília/
em: 12 jul. 2020. SP. Cursa o Programa de Doutoramento em Ciências Jurídicas pela
[207] UENP-Universidade Estadual do Norte do Paraná, sob a orientação
TJPE lança canal de orientação para mulheres vítimas de violência
doméstica. Disponível em: https://bit.ly/30wWgex. Acesso em: 20 abr. do Professor Doutor Renato Bernardi. Link para o Lattes: http://
2020. lattes.cnpq.br/1948241510029657. Email: hpancotti@gmail.com.
[220]
[208]
Brasil: um país assassino de mulheres. Disponível em: https:// Realizou estágio de pós-doutorado no CESEG (Centro de Estudios de
Seguridad) da Universidad de Santiago de Compostela, Espanha. Doutor

570 571
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

em Direito do Estado (subárea Direito Tributário) - PUC-SP. Mestre em drome respiratória aguda grave. On: https://covid.saude.gov.br/. Acesso em
Direito Constitucional - ITE-Bauru. Professor efetivo dos cursos de Bachar- 09 julho 2020.
elado, Mestrado e Doutorado, Membro da Comissão Executiva do Colegiado [234]
Advogada. Pesquisadora-bolsista da Escola do Governo do Estado do
do Curso de Graduação e Membro da Comissão de Coordenação do Pro- Rio Grande do Norte. Mestranda em Constituição e Garantia de Direitos e
grama de Mestrado e Doutorado em Ciência Jurídica, todos do Curso de Especialista em Direito Administrativo pela Universidade Federal do Rio
Direito do CCSA - UENP, Campus de Jacarezinho. Coordenador Pedagógico Grande do Norte – UFRN. Especialista em Direito Civil e Empresarial pela
do PROJURIS Estudos Jurídicos Ltda. Procurador do Estado de São Paulo Universidade Potiguar – UNP e Especialista em Processo Civil pelo Centro
desde 1994. Email: bernardi@uenp.edu.br. Universitário do Rio Grande do Norte – UNI/RN. Membro do IDASF. E-mail:
[221]
A Constituição Federal brasileira procurou explicitar a proteção da saraivahemily@gmail.com.
maternidade e da gestante, de forma muito simbólica, já que a contingên- [235]
Advogada. Especialista em Direito Administrativo pela Universidade
cia social da incapacidade já se encontrava prevista no inciso I, mas o Federal do Rio Grande do Norte – UFRN. Membro do IDASF. E-mail: rebeca_
legislador constituinte quis enfatizar o compromisso no inciso II, verbis barbalho@hotmail.com.
Art. 201. A previdência social será organizada sob a forma do Regime
Geral de Previdência Social, de caráter contributivo e de liação obriga-
[236]
tória, observados critérios que preservem o equilíbrio nanceiro e atuarial, MADALENO, Rolf. Direito de família - 8. ed., rev., atual. e ampl. - Rio de
e atenderá, na forma da lei, a:I - cobertura dos eventos de incapacidade Janeiro: Forense, 2018, p. 106).
temporária ou permanente para o trabalho e idade avançada; II - proteção [237]
STF: ADI 5.938, DJE 23.09.2019, Relator Min. Alexandre de Morais,
à maternidade, especialmente à gestante; julgada em 29.05.2019.
[222] [238]
SARLET, Ingo Wolfgang. Comentários à Constituição do Brasil. 2ª ed. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. COVID-19: Ministério da Saúde lança
CANOTILHO et al. São Paulo: Saraiva Educacional, 2018. nota com orientações para atendimento de gestantes. Disponível em:
[223]
NAN YU PhD et al. Clinical feasctures and obstetric and neoatal https://aps.saude.gov.br/noticia/7818. Acesso em: 13 jul. 2020.
outcomes of pregnant patients with COVID-19 in Wuhan, China: a retro-
spective, single-centre, descriptive study.In: The Lancet- Infectious Dis- [239]
BRASIL. Secretaria Nacional de Políticas para as Mulheres. Cartilha
eases, vol. 20, Issue 5, may 2020.pages 559-564. “Mulheres na COVID-19”. Disponível em: https://www2.camara.leg.br/
[224]
Ibid. atividade-legislativa/comissoes/comissoes-permanentes/comissao-de-
[225] defesa-dos-direitos-da-mulher-cmulher/noticias/cartilha-201cmul-
MORAIS, Alexandre (2019.) heres-no-covid-19201d-do-ministerio-dos-direitos-humanos. Acesso em:
[226] 12 jul. 2020.
Vide ADI nº 6342, ADI nº 6344, ADI nº6346, ADI nº 6352, ADI
nº6354, ADI nº6375, ADI nº6380. [240]
FURLAN, Mara Cristina Ribeiro Furlan; JURADO, Sonia Regina; ULI-
[227] ANA, Catchia Hermes; et al. Gravidez e infecção por Coronavírus: des-
Nova redação atribuída pela EC 103/2019 ao artigo 26 e seus parágra-
fos da Lei 8.213/91. fechos maternos, fetais e neonatais – Revisão sistemática. Revista Cui-
[228] darte, 2020.
Redação do §3º do artigo 26 da Lei 8,213/91. [241]
“We report placental pathology from 16 patients with SARS-CoV-2
[229]
Redação do § 2º do artigo 26 da Lei 8.213/91. infection. No pathognomonic features are identied; however, there are
[230] increased rates of maternal vascular malperfusion features and inter-
Vide Fls. 10 do Boletim Epidemiológico Especial divul-
villous thrombi, suggesting a common theme of abnormal maternal cir-
gado pelo SUS em maio de 2020. Disponível em: https://
culation, as well as an increased incidence of chorangiosis.” (SHANES,
www.saude.gov.br/images/pdf/2020/May/21/2020-05-19---BEE16---
Elisheva D; MITHAL, Leena B; OTERO, Sebastian; et al. Placental Pathology
Boletim-do-COE-13h.pdf. Acesso em: 07 jul. 2020.
in COVID-19. American Journal of Clinical Pathology. Vol. 154, Pág. 23–32,
[231]
Uma reportagem investigativa realizada pela Revista Piauí aponta que Ed. 1º, Jul. 2020).
para 10 pessoas que morreram vítimas do COVID 19 existem mais 8 que [242]
Pode-se mencionar o mosquito Aedes Aegypti que disseminou o Zika
morreram de Síndromes Respiratórias Agudas de Natureza diversa, o que
vírus infectando várias mulheres no período de gestação, dando origem
é absolutamente incomum em situações de normalidade sanitária.
a doença denominada microcefalia (malformação congênita). Sobre o as-
[232]
CONTARATO, Fabiano. PL 2.564/20. sunto vide: FRANÇA, Catarina Cardoso Sousa; SARAIVA, Hemily Samila da
[233]
Os dados foram obtidos no painel do coronavírus do Ministério da Silva; BARBALHO, Rebeca de Souza. Análise da responsabilidade civil na
Saúde brasileiro e não consideram os casos de morte em razão da sín- atuação do estado nos casos de microcefalia: direito à saúde na aplicação

572 573
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

de políticas públicas. In: MELO, Ezilda (Org.) Direito e Maternidade (livro mente; Monitoramento da frequência cardíaca fetal; Monitoramento da
eletrônico) – Ed. 1 º. – São Paulo: Tirant lo Blanch, 2020. contração uterina; Planejamento individualizado do parto; Abordagem
[243] baseada em equipe multidisciplinar; Alterações no padrão da frequência
“Additionally, the numbers of pregnant women reported having the cardíaca fetal podem ser um indicador precoce da piora da respiração
same conditions (being of similar age to the population with COVID-19) materna. Deve-se avaliar com cautela se o parto fornece benefícios à uma
have still been very low.1 Thus, additional information is critically needed gestante gravemente doente. A decisão quanto ao parto deve considerar
to inform key decisions, such as whether pregnant health care work- a idade gestacional do feto e deve ser feita em conjunto com o neo-
ers should receive special consideration, whether to separate infected natologista.” (MINISTÉRIO DA SAÚDE. Fiocruz. Coronavírus e gestação.
mothers and their newborns, and whether it is safe for infected women 20/03/2020. Disponível em: https://portaldeboaspraticas.i.ocruz.br/
to breastfeed. There are other unanswered questions specific to pregnant atencao-mulher/coronavirus-gestacao/. Acesso em: 18 jul. 2020.
women, such as whether pregnant women are more severely aected and [249]
whether intrauterine transmission occurs.” (GONÇALVEZ, Ana Katherine. BRASIL. CONSELHO NACIONAL DE SECRETARIAS MUNICIPAIS DE
The Real Impact of the Coronavirus Disease 2019 (covid-19) on the Preg- SAÚDE (CONASEMS). Guia Orientador para o enfrenta- mento da
nancy Outcome. Revis Bras Ginecol Obstet - Vol. 42, pg. 303–304, 2020). pandemia Covid-19 na Rede de Atenção à Saúde. Brasília. Maio de 2020.
[244] Disponível em: www.conass.org.br/wp-content/uploads/2020/05/
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Políticas de Saúde – Instrumento-Orientador-Conass-Conasems.pdf. Acesso em: 18 jul. 2020.
SPS. Assistência Pré-natal: Manual técnico. - 3ª edição - Brasília, 2000. [250]
Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_11.pdf. MENDONÇA, Fabiano. Introdução aos direitos plurifuncionais: os
Acesso em: 18 jul. 2020. direitos, suas funções e a relação com o desenvolvimento, a eciência e
[245] as politicas públicas. Natal/RN, 2016, p. 67.
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Políticas de Saúde – [251]
SPS. Assistência Pré-natal: Manual técnico. - 3ª edição - Brasília, 2000. Dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde
Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cd04_11.pdf. pública de importância internacional decorrente do coronavírus respon-
Acesso em: 18 jul. 2020. sável pelo surto de 2019.
[246] [252]
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. COVID-19: Ministério da Saúde BRASIL. SECRETARIA DE ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Nota Téc-
lança nota com orientações para atendimento de gestantes. Brasil. nica 01/2020 - orientações sobre o atendimento de pré-natal diante da
Disponível em: https://aps.saude.gov.br/noticia/7818. Acesso em: 13 jul. pandemia do COVID-19. Disponível em: https://
2020. atencaobasica.saude.rs.gov.br/upload/
[247] arquivos/202004/01135503-01112134-nt-01-orientacoes-sobre-sobre-
BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção Primária à o-atendimento-de-pre-natal-na-pandemia-do-covid-19-
Saúde. NOTA TÉCNICA Nº 7/2020-COSMU/CGCIVI/DAPES/SAPS/MS. atualizada31-03-2020.pdf. Acesso em: 14 jul. 2020.
Disponível em: http://www.ans.gov.br/images/stories/gestao_em_saude/ [253]
parto_adequado/SEI_MS_-_0014259571_- Vide a título de exemplo: GUIMARÃES, Alexandre. Gestante
_Nota_Tecnica__3__COSMU.pdf. Acesso em: 13 jul. 2020. de alto risco com suspeita de Covid-19 consegue reali-
[248] zar exame com auxílio da Defensoria. Disponível em: www.defen-
“Limitar o acesso de visitantes e prossionais de saúde a quartos
soriapublica.mt.gov.br/-/14454673-gestante-de-alto-risco-com-suspeita-
de pacientes com uma conrmação ou caso suspeito; considerar oxige-
de-covid-19-consegue-realizar-exame-com-auxilio-da-defensoria. Acesso
noterapia precoce (saturações alvo de O2 ≥95% e / ou pO2 ≥70mmHg);
em: 10 jul. 2020.
considerar ventilação mecânica precoce quando houver evidência de
[254]
avanço da insuciência respiratória. Técnicas de ventilação não invasiva FURLAN, Mara Cristina Ribeiro Furlan; JURADO, Sonia Regina; ULI-
podem ter um pequeno aumento do risco de aspiração em gravidez; ANA, Catchia Hermes; et al. Gravidez e infecção por Coronavírus: des-
Prevenção de sobrecarga de uidos – utilizar uidos intravenosos de fechos maternos, fetais e neonatais – Revisão sistemática. Revista Cui-
maneira conservadora, a menos que haja instabilidade cardiovascular; darte, 2020.
Controle empírico de antibióticos – considerar terapia antimicrobiana [255]
Defensoria Pública do Estado de São Paulo. Ação Civil Coletiva n.
devido ao risco de infecções bacterianas sobrepostas; Rastreio de outras
1006473-71.2020.8.26.0361, proferida pela Vara da Fazenda Pública,
infecções respiratórias virais e infecções bacterianas (devido ao risco de
Foro de Mogi das Cruzes/SP.
coinfecções); Considerar o tratamento empírico para a gripe, enquanto
[256]
se aguarda o teste diagnóstico; Se houver suspeita de choque séptico, BUCCI, Maria Paula Dallari. Direito Administrativo e Políticas
instituir um tratamento imediato e direcionado; Não utilizar rotineira- Públicas. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 248 e 249.
mente corticosteroides – o uso de esteróides para promover a maturidade [257]
GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo:
fetal em parto prematuro antecipado pode ser considerado individual- Malheiros, 2011, p. 28.

574 575
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

[258] em: 15 jul. 2020.


ROSSEAU, Jean Jacques (1712-1778). Do contrato social: princípios
[268]
de direito político. Tradução: Antônio P. Machado; estudo crítico Afonso No Projeto de Lei n.° 3065/2020, do autor Tiago Dimas - SOLIDARI/TO,
Bertagnoli. Ed especial- Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2016, p. 39. que Institui o Programa Emergencial de Apoio ao Grupo de Risco durante
[259] o estado de calamidade pública decorrente do coronavírus traz que
“(...) O serviço público, como evidente dever do Estado, é contemplado
deixem de ir ao trabalho os prossionais de saúde que compõem o grupo
na própria Constituição. Está-se, pois, em face de matéria constitucional
de risco, bem como informa à população as condições de risco para o cor-
e que envolve direitos básicos da cidadania e da própria dignidade da
onavírus: viii) gestação de alto risco. Disponível em: https://www.camara.
pessoa humana.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito
leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1899955&le-
Administrativo- 32. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2014,
name=PL+3065/2020. Acesso em: 15 jul. 2020.
p.770).
[269]
[260] No Projeto de Lei n.° 3418, de 2020. Autoria: Senadora Mara Gabrilli
Serviço público é: “toda atividade prestada pelo Estado ou por
(PSDB/SP), Senadora Kátia Abreu (PP/TO), Senadora Leila Barros (PSB/DF).
seus delegados, basicamente sob regime de direito público, com vistas
Amplia a duração da licença-maternidade e da licença-paternidade dur-
à satisfação de necessidades essenciais e secundárias da coletivi-
ante o período de calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislat-
dade.” (CARVALHO Filho, José dos Santos. Manual de direito administrat-
ivo nº 6, de 20 de março de 2020, e da emergência de saúde pública de
ivo – 33. Ed. rev., atual. e ampl. – São Paulo: Atlas, 2019, p. 550).
importância internacional decorrente do coronavírus (covid-19). Ex-
[261]
BRASIL. Ministério da Saúde. Política Nacional de Promoção da plicação da Ementa:Autoriza empregadores privados e públicos e a ad-
Saúde / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Secre- ministração pública a prorrogar o período de licença maternidade e pater-
taria de Atenção à Saúde. – 3. ed. – Brasília: Ministério da Saúde, 2010. Dis- nidade pelo prazo de cento e oitenta dias durante o período de vigência
ponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/ da calamidade pública da Pandemia da Covid-19. Disponível em: https://
politica_nacional_promocao_saude_3ed.pdf. Acesso em: 03 jul. 2020. www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/142631.
[262]
Vide art. 23, II, da CF/88. Acesso em: 15 jul. 2020.
[270]
[263]
PAGANI, Rodrigo de Souza. Em busca de uma administração pública Lei Nº 14.020, DE 6 DE JULHO DE 2020. Brasília.6 de julho de
de resultados. In: Controle da Administração Pública. PEREZE, Marcos Au- 2020; DOU de 7.7.2020. Disponível em: www.planalto.gov.br/ccivil_03/
gusto; SOUZA, Rodrigo Pagani de (Org.). Ed. Fórum, 2017. p. 40. _ato2019-2022/2020/Lei/L14020.htm. Acesso em: 15 jul. 2020.
[271]
[264]
JUSTEN FILHO, Marçal. Direito Administrativo da Emergência “A cláusula da reserva do possível – que não pode ser invocada pelo
– um modelo jurídico: alguns dizem que, depois da pandemia, Poder Público, como o propósito de fraudar, de frustrar e de inviabilizar a
nada será igual ao que era antes. Alguns dizem que, depois implementação de políticas públicas denidas na própria Constituição –
da pandemia, nada será igual ao que era antes. 2020. Dispon- encontra insuperável limitação na garantia constitucional do mínimo ex-
ível em: https://www.migalhas.com.br/depeso/325042/direito-adminis- istencial, que representa, no contexto de nosso ordenamento positivo, em-
trativo-da-emergencia-um-modelo-juridico. Acesso em: 15 jul. 2020. anação direta do postulado da essencial dignidade da pessoa humana.”.
[265]
(STF, 2 Turma, ARE 639337/SP, Rel, Min. Celso de Mello, DJ 23/8/11). Vide,
JUSTINO, Gustavo. Os efeitos da pandemia no Direito Administrativo a título de ilustração, AgRAI 474.444/SP, rel. Min. Marco Aurélio; AgRRE
brasileiro. Produção de Faculdade de Direito da USP FDUSP: São Paulo, 410.715/SP, rel. Min. Celso de Mello; AGRRE 436.996/SP, rel. Min. Celso de
2020. (25 min.), Youtube, P&B. Disponível em: https://www.youtube.com/ Mello.
watch?v=L1Dljcnr3Es. Acesso em: 15 jul. 2020. [272]
[266]
Ação Civil Pública n. 0000266-21.2020.5.19.0005,
No Projeto de Lei n.° 3056/2020, Autor Schiavinato - PP/PR, Estab- proferida pela 5ª Vara do Trabalho de Maceió. Disponível
elece, em caráter excepcional e imediato, a prorrogação do m do prazo da em: <https://www.anamatra.org.br/images/Ação_Civil_Pública_Cível_-
licença à gestante, beneciando as seguradas do regime próprio e do _Sindicato_dos_Enfermeiros_AL.pdf. Acesso em: 10 jul. 2020.
regime geral da previdência social. Disponível em: https://www.camara. [273]
leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1899788&le- Ação Civil Coletiva n. 1000353-66.2020.5.02.0058, proferida pelo
name=PL+3056/2020. Acesso em: 15 jul. 2020. TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 2ª REGIÃO, 58ª Vara do
[267]
Trabalho de São Paulo. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/dl/
No Projeto de Lei n.° 1615/2020, autora: Marília Arraes (PT-PE): afastamento-prossionais-saude.pdf. Acesso em: 10 jul. 2020.
Determina a licença de trabalhadores incluídos nos grupos de risco do [274]
COVID-19, grávidas e puérperas em virtude do estado de calamidade Vide ARISTÓTELES. A política. [Tradução Roberto Leal Ferreira. - 2 Ed.
pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 2020. Disponível 2000]. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
[275]
em: https://www.camara.leg.br/propostas-legislativas/2244105. Acesso Vide LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo civil. [Tradução

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Marsely de Marco Dantas; apresentação e notas Daniel Moreira Miranda 1 visão de Paul Ricoeur". E-mail: hildabentes@uol.com.br
ed., 2014]. São Paulo: EDIPRO, 1690. [283]
Ética, política e direito. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p. 216.
[276]
MONTESQUIEU, Charles de Secondat. O Espírito das Leis. [Apre- [284]
Surfando na pororoca: o ofício do mediador. Coordenadores Orides
sentação Renato Janine Ribeiro; Tradução Cristina Murachco]. São Paulo:
Mezzaroba, Arno Dal Ri Júnior, Aires José Rover, Cláudia Servilha Monteiro.
Martins Fontes, 1996 – obra de 1748.
Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004, vol. III, p. 146-158.
[277]
Para Montesquieu (1996, p. 148 e 149) “Tudo estaria perdido se o [285]
Ética da alteridade e direitos humanos: uma discussão necessária à
mesmo homem ou o mesmo corpo dos principais, ou dos nobres, ou formação jurídica contemporânea. In: NALINI, José Renato; CARLINI, An-
do povo, exercesse esses três poderes: o de fazer leis, o de executar as gélica (Coords). Direitos humanos e formação jurídica. Rio de Janeiro:
resoluções públicas e o de julgar os crimes ou as divergências dos indi- Forense, 2010, p. 15.
víduos”. [286]
[278]  In: Documentos de cultura, documentos de barbárie: escritos es-
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo – 12 ed. São colhidos. Tradução Celeste H. M. Ribeiro de Sousa et al; seleção e apre-
Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 34 e 35. sentação Willi Bolle. São Paulo: Cultrix: Editora da Universidade de São
[279]
SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. – 5 ed. Mal- Paulo, 1986, 160-175.
heiros, São Paulo, 2014, p. 43. [287]
 A justiça perante uma crítica ética da violência. In: Justiça e
[280]
Entre os doutrinadores que entendem que o controle judicial não memória: para uma crítica ética da violência. São Leopoldo, RS: Editora
encontra óbice no Princípio da Separação do Poderes, pode-se citar a tí- Unisinos, 2009, p. 87-88.
tulo de exemplo: COMPARATO, Fábio Konder. Ensaio sobre o juízo de con- [288]
Op. cit., p. 160-175.
stitucionalidade de políticas públicas. – Brasília: Revista de Informação [289]
Legislativa. 35 n. 138 abr./jun. 1998; GRINOVER, Ada Pellegrini Grinover; Ibid, p. 88.
WATANABE, Kazuo. O controle jurisdicional de politicas públicas. – 2 ed. [290]
Ibid, p. 88-89.
Forense, 2013; BARROS, Marcus Aurélio de Freitas. Controle Jurisdicional [291]
de Políticas Públicas: parâmetros objetivos e tutela coletiva. – Porto O que é feminismo ético. In: BENHABIB, Seyla et al. Debates
Alegre: Sergio Antonio Fabris, 2008. feministas: um intercâmbio losóco. Tradução Fernanda Veríssimo.
[281] Introdução Linda Nicholson. São Paulo: Editora Unesp, 2018, p. 127-128.
Como exemplo, se pode citar a decisão do STF: ADPF 45, [292]
DJU 04.05.2004, Relator Min. Relator Celso de Mello, julgada em Gênero patriarcado violência. 2. ed. São Paulo: Expressão Popular:
29.04.2004. “Não obstante a formulação e a execução de políticas Fundação Perseu Abramo, 2015, p. 18.
públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por [293]
Ver a dissertação Adriana Sussekind de Mendonça, A vida cultural no
delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre Rio de Janeiro durante a segunda guerra mundial através do diário do jur-
reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de con- ista Carlos Sussekind de Mendonça. 123 f. Dissertação de Mestrado (Pro-
formação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo. (...) É que, grama de Pós-Graduação em Memória Social). Universidade Federal do Rio
se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável ou procederem com de Janeiro, Rio de Janeiro, 2013. Disponível em: http://
a clara intenção de neutralizar, comprometendo-a, a ecácia dos direitos www.memoriasocial.pro.br/documentos/Disserta%C3%A7%C3%B5es/
sociais, econômicos e culturais, afetando, como decorrência causal de Diss325.pdf. Acesso em: 2 mar. 2015.
uma injusticável inércia estatal ou de um abusivo comportamento gov- [294]
ernamental, aquele núcleo intangível consubstanciador de um conjunto BLAY, Eva Alterman. Violência contra a mulher e políticas públicas.
irredutível de condições mínimas necessárias a uma existência digna e In: Estudos Avançados, São Paulo, v.17, n. 49, set. 2003. Disponível em:
essenciais à própria sobrevivência do indivíduo, aí, então, justicar-se- http://www.scielo.br/scielo.php?
á, como precedentemente já enfatizado – e até mesmo por razões fun- script=sci_arttext&pid=S0103-40142003000300006. Acesso em: 2
dadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção mar. 2015.
[295]
do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja Assassinato de mulheres e direitos humanos. São Paulo: USP, Curso
fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado.”. de Pós-Graduação em Sociologia: Editora 34, 2008, p. 38.
[282] [296]
Membro honorário da Rede Brasileira Direito e Literatura (RDL). Modernizando a desigualdade: reestruturação da ideologia de gênero
Pesquisadora do Grupo de Pesquisa Direito e Literatura: um olhar para as no Brasil, 1914-1940. Tradução Lólio Lourenço de Oliveira. São Paulo: Edi-
questões humanas e sociais a partir da Literatura, na Pontifícia Universi- tora da Universidade de São Paulo, 1999, p. 90.
dade Católica de Minas Gerais - PUC Minas, trabalhando na linha de pesqu- [297]
isa "Direitos Humanos e Literatura: alteridade e identidade narrativa na Ibid, p. 90.

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

[298] [314]
Ibid, p. 90. Pois, mais de 100milhões de pessoasem todo o mundonãopossuem
[299] um lugar para viver, enquanto mais de 1 bilhão reside em moradias inad-
A dignidade humana e o conceito de pessoa de direito. In: SARLET,
equadas (Organização das Nações Unidas – ONU, 2019).
Ingo Wolgang Sarlet (Org.). Dimensões da dignidade: ensaios de losoa
[315]
do direito e direito constitucional. Tradução Ingo Wolgang Sarlet; Luís HEIDEGGER, Martin. Construir, Habitar, Pensar. In: Ensaios e Confer-
Marcos Sander; Pedro Scherer de Mello Aleixo; Rita Dostal Zanini. 2. ed., ências: Martin Heidegger. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel,
rev. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009, p. 194. Márcia Sá Cavalcante Schuback. 5. ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paul-
[300] ista: Editora Universitária São Francisco, 2008c. (Coleção Pensamento Hu-
Direitos humanos no segundo pós-guerra: entre as respostas racional-
mano).
istas da modernidade e o desao das vulnerabilidades. In: STRECK, Lenio
[316]
Luiz; ROCHA, Leonel Severo; ENGELMANN, Wilson. Constituição, sist- HEIDEGGER, Martin. Idem.
emas sociais e hermenêutica: anuário do programa de Pós-Graduação em [317]
HEIDEGGER, Martin. Construir, Habitar, Pensar. In: Ensaios e Con-
Direito da UNISINOS: mestrado e doutorado. Porto Alegre: Livraria do Ad- ferências: Martin Heidegger. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel,
vogado Editora; São Leopoldo: UNISINOS, 2012, p. 128. Márcia Sá Cavalcante Schuback. 5. ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paul-
[301]
Theorising Globalisation's Social Impact: Proposing the Con- ista: Editora Universitária São Francisco, 2008c. (Coleção Pensamento Hu-
cept of Vulnerability. Review of International Political Economy, mano).
v. 13, n. 4, p. 632-655, Oct. 2006. Disponível em: http:// [318]
www.jstor.org/stable/25124092?seq=1#page_scan_tab_contents. Acesso HEIDEGGER, Martin. Idem.
em: 06/12/2017; Report on the World Social Situation, 2003: Social Vul- [319]
MEDINA, Patrícia. A Relação homem-natureza, a fenomenologia do
nerability: Sources and Challenges. New York: United Nations Publication, cuidar e a dimensão formativa. 158p. Tese de Doutorado (Programa de
2003. Disponível em: http://www.un.org/esa/socdev/rwss/docs/2003/ Pós-Graduação em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade
Federal de Goiás, Goiânia, 2011
fullreport.pdf. Acesso em: 06 dez. 2017, p. 632-655. [320]
HEIDEGGER, Martin. A questão da técnica. In: Ensaios e Conferências:
[302] Martin Heidegger. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Márcia
A conŁssão de Leontina e fragmentos. Seleção dos textos Maura Sar-
Sá Cavalcante Schuback. 5. ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Edi-
dinha. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996. (coleção clássicos de ouro).
tora Universitária São Francisco, 2008a. (Coleção Pensamento Humano), p.
[303]
Ibid, p. 19. 11-38.
[304] [321]
Ibid, p. 7-8. HEIDEGGER, Martin A Coisa. In: Ensaios e Conferências: Martin Hei-
[305]
Ibid, p. 58. degger. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Márcia Sá Cavalcante
[306]
Schuback. 5. ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Editora Universitária
Ibid, p. 60-61. São Francisco, 2008b. (Coleção Pensamento Humano), p. 144-164.
[307] [322]
Ibid, p. 59. MEDINA, Patrícia. Idem.
[308] [323]
Ibid, p. 59. MEDINA, Patrícia. A Relação homem-natureza, a fenomenologia do
[309] cuidar e a dimensão formativa. 158p. Tese de Doutorado (Programa de
Doutora (UFG) e Mestre (PUCRS) em Educação. Pedagoga
(FAPA) e Bacharel em Direito (UFT). Professora Universitária. E-mail: Pós-Graduação em Educação) – Faculdade de Educação, Universidade
patriciamedina@uft.edu.br. Federal de Goiás, Goiânia, 2011.
[310] [324]
Biomédica (CEULP) Cito patologista (Fundação Carlos Chagas). Espe- ... do céu e da terra, dos mortais e dos divinos.
cialista em Saúde da Família (UNINTER) e Mestranda em Ciências da [325]
HEIDEGGER, Martin. Construir, Habitar, Pensar. In: Ensaios e Con-
Saúde (UFT). E-mail: izabelamedinadambros@outlook.com.
ferências: Martin Heidegger. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel,
[311]
Engenheira Civil (IFTO), Especialista em Gestão de Processos e Qualid- Márcia Sá Cavalcante Schuback. 5. ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paul-
ade. (Centro Universitário Internacional). E-mail: hizadoraconstanza@ ista: Editora Universitária São Francisco, 2008c. (Coleção Pensamento Hu-
gmail.com. mano)
[312] [326]
PAUL, P. Formation du sujet et transdisciplinarité, histoire de vie pro- HEIDEGGER, Martin. A questão da técnica. In: Ensaios e Conferências:
fessionnelle et imaginale. Paris: Harmattan, 2003. Martin Heidegger. Trad. Emmanuel Carneiro Leão, Gilvan Fogel, Márcia
[313]
HEIDEGGER, Martin. Ser e tempo. 12. ed. Trad. de Márcia Sá Caval- Sá Cavalcante Schuback. 5. ed. Petrópolis: Vozes; Bragança Paulista: Edi-
cante Schuback. Petrópolis: Vozes, 2002. Partes I e II. tora Universitária São Francisco, 2008a. (Coleção Pensamento Humano), p.

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11-38. [343]
Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Nota técnica: Violência domés-
[327]
Na atualidade, câncer, depressão, obesidade, ansiedade.... tica durante a pandemia de Covid-19. Ed. 2. Publicado em 29/05/2020, p. 2.
[328]
Doutora em Direito penal pela Universidad Pablo de Olavide (Es- Disponível em: https://tinyurl.com/ybfks2c8. Acesso em: 26/07/2020.
[344]
panha). Professora de Direito Penal da Uniaeso (Olinda). E-mail: izabella- Ibid., p. 5. Disponível em: https://tinyurl.com/ybfks2c8>. Acesso em
barrosmelo@gmail.com. 26/07/2020.
[329]
Gostaria de agradecer às professoras e colegas de Insituição Sandra [345]
HASSEMER, Winfried. Direito penal. Fundamentos, estrutura política.
Helena de Andrade, pelas revisões realizadas e Carolina Salazar e Nataly Porto Alegre: Safe, 2008, p. 216
Queiroz, pesquisadoras de temas relacionados às violências contra a mul- [346]
her, cada uma delas dentro de suas áreas de atuação, por compartilharem ALBRECHT, Peter-Alexis. El derecho penal en la intervención de la
os informes do Ipea, do Pnud e o Dossiê Feminicídio, que contribuíram política populista. Trad. Ricardo Robles Planas. VV.AA. (ed. española). La
com o levantamento de dados estatísticos apresentados nesse texto. insostenible situación del Derecho penal. Granada: Comares, 2000, p. 473
[330]
e ss. MENDOZA BUERGO, Blanca. El derecho penal en la sociedad del riesgo.
De acordo com o legislador: O homicídio contra a mulher por razões Madrid : Civitas, 2001, p. 55. BORJA JIMÉNEZ, Emiliano. Globalización y
da condição do sexo feminino [art. 121, § 2º, VI], sendo esta conŁgurada concepciones del derecho penal. Estudios Penales y Criminológicos. Nº. 29,
em situações de violência doméstica ou por menosprezo ou discriminação 2009, pp. 165 e ss. Disponível em: https://tinyurl.com/yy7grtu2. Acesso
contra a mulher [art. 121, § 2º -A, I, II Cp]. em 26/07/2020.
[331] [347]
MACHADO, Isadora Vier; ELIAS, Maria Lígia G. G. Rodrigues. Fem- “[…] la vivencia subjetiva de los riesgos es claramente superior a la
inicídio em cena. Da dimensão simbólica à política. Tempo social. V. 30. Nº propia existencia objetiva de los mismos”. SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. La
1, 2018, p. 288. expansión del derecho penal: aspectos de la política criminal en las socie-
[332]
Ibid., p. 287. dades postindustriales. 3ª. ed. Montevideo: B de F, 2011, pp. 26 e 27 [Texto
[333] em itálico de acordo com o original]. A respeito da presença do risco nas
HASSEMER. Winfried. Rasgos y crisis del Derecho Penal moderno. An- sociedades pós modernas vid. BECK, Ulrich. La sociedad del riesgo. Hacia
uario de derecho penal y ciencias penales, T. 45, F. 1, 1992, pp. 240. una nueva modernidad. Trads. Jorge Navarro/ Daniel Jiménez/ María Rosa
[334] Borrás. 5ª. impresión. Barcelona: Paidós, 2014.
Id., Direito penal. Fundamentos, estrutura política. Porto Alegre: Safe,
2008, p. 223. [348]
TAMARIT SUMALLA, Josep María. Paradojas y patologías en la con-
[335] strucción social, política y jurídica de la victimidad. Indret. Nº. 1, 2013, p.
Atlas da violência, 2019, p. 35. Disponível em: www.ipea.gov.br.
Acesso em: 26/07/2020. 3. Disponível em: https://tinyurl.com/y4dvd4fx. Acesso em 26/07/2020.
[336] [349]
Ibid., p. 38. Disponível em: www.ipea.gov.br. Acesso em: 26/07/2020. A respeito dessa realidade, se manifestam TAMARIT SUMALLA, Josep
[337] María. Indret, 2013, pp.16 e ss. / GIL GIL, Alicia. Sobre la satisfacción de
Ibid., p. 39. Disponível em: www.ipea.gov.br. Acesso em: 26/07/2020. la víctima como n de la pena. Indret: Revista para el Análisis del Dere-
[338]
Ibid., p. 40. Disponível em: www.ipea.gov.br. Acesso em: 26/07/2020. cho. Nº. 4, 2016, pp. 5 e ss. Disponível em: https://tinyurl.com/yy9mzwhd.
[339] Acesso em 26/07/2020. /FRISCH, Wolfgang. Transformaciones del dere-
Fórum Brasileiro de segurança pública. Disponível em: https://
cho penal como consecuencia del cambio social. Revista de estudios de la
forumseguranca.org.br/estatisticas. Acesso em: 26/07/2020. Mais dados
justicia. Nº. 21, 2014, p. 31.
podem ser encontrados em: www.tinyurl.com/dossiefeminicidio. Acesso
[350]
em: 26/07/2020. TAMARIT SUMALLA, Josep Maria. Indret: Revista para el Análisis del
[340] Derecho. 2013, pp. 4 – 8.
PNUD. Nota Técnica: Los impactos económicos del COVID-19 y las
[351]
desigualdades de género. Recomendaciones y lineamientos de políticas Ibid., p. 8.
públicas. Publicado em 06/04/2020, p. 9. Disponível em: https:// [352]
Ibid., pp. 13 e ss.
tinyurl.com/y34zmbsq. Acesso em: 26/07/2020. [353]
[341] GIL GIL, Alicia. Indret: Revista para el Análisis del Derecho. 2016, pp.
Ibid., p. 9. Disponível em: https://tinyurl.com/y34zmbsq. Acesso em: 5 e 6. TAMARIT SUMALLA, Josep Maria. Indret: Revista para el Análisis del
26/07/2020. Derecho. 2013, p. 5
[342]
ALENCAR, Joana, et al. IPEA. Nota técnica N°. 78: Políticas públicas [354]
Nesse sentido, a respeito das vítimas de terrorismo: TAMARIT SU-
e violência baseada no gênero durante a pandemia da Covid-19: Ações pre- MALLA, Josep María. Indret, 2013, p. 22.
sentes, ausentes e recomendadas. Publicado em 06/2020, pp. 7-8. Dispon- [355]
ível em: https://tinyurl.com/yxk2ktw9. Acesso em: 26/07/2020. ACALE SÁNCHEZ, María. Del Código penal de la democracia al Código

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EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

penal de la seguridad. Pérez Álvarez, Fernando (Coord.). Serta: in me- parte en destruirlas”. BECCARIA, Cesare. De los delitos y de las penas - Con el
moriam Alexandri Baratta. Salamanca: Ediciones Universidad Salamanca, «Comentario» de Voltaire (1766). Trad. Juan Antonio de las Casas. Madrid:
2004, p. 1202. / FARALDO CABANA, Patricia, Luces y sombras del papel Alianza Editorial, 2014, p. 137.
atribuido a los intereses patrimoniales de la víctima durante la ejecución [364]
Sobre ressocialização, MUÑOZ CONDE, Francisco. La resocialización
de condenas por terrorismo. Oñati Socio-legal Series. V. 4. Nº. 3, p. 454./
del delincuente, análisis y crítica de un mito. CPC. Nº. 7, 1979, pp.
LLOBET ANGLÍ, Mariona. La cticia realidad modicada por la Ley de
91-106. / GARCÍA-PABLOS DE MOLINA, Antonio. La supuesta función re-
Cumplimiento Íntegro y Efectivo de las Penas y sus perversas consecuen-
socializadora del Derecho penal: utopía, mito y eufemismo. ADPCP. T. 32.
cias. Indret: Revista para el Análisis del Derecho. nº. 1, 2007, p. 15. Dispon-
F. 3, 1979, pp. 645-700.
ível em: https://tinyurl.com/yy9mzwhd. Acesso em 26/07/2020.
[365]
[356] Sobre as penas indeterminadas impostas sob o propósito do trata-
PÉREZ CEPEDA, Ana Isabel. Del derecho penal como carta magna de
mento curativo. JIMÉNEZ DE ASÚA, Luis. La sentencia indeterminada. El
la víctima al programa social del derecho penal en el Estado de Biene-
sistema de penas determinadas a posteriori (1913), Madrid: Marcial Pons,
star. Pérez Álvarez, Fernando/ Núñez Paz, Miguel Ángel/ García Alfaraz,
2013.
Isabel (Coords.). Universitas vitae: homenaje a Ruperto Núñez Barbero.
[366]
Salamanca: Ediciones Universidad de Salamanca, 2007, p. 620. No mesmo BARATTA, Alessandro. Criminología y sistema penal. Buenos Aires: B de
sentido, BUENO ARÚS, Francisco. Terrorismo: algunas cuestiones pendi- F, 2004, p. 79.
entes, 2009, p. 108; FARALDO CABANA, Patricia. OSLS, 2014, p. 446. [367]
Nesse sentido, vid. ROXIN, Claus. Problemas básicos del Derecho penal.
[357]
GIL GIL, Alicia. Indret, 2016, p. 3. TAMARIT SUMALLA, Josep María. In- Trad. Diego-Manuel Luzón Peña. Madrid: Reus, 1976./ GÜNTHER, Klaus.
dret, 2013, p. 16. / SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Una crítica a las doctrinas Crítica da Pena I. Trad. Flavia Portela Püschel. Portela Püschel, Flavia /
penales de “la lucha contra la impunidad” y del “derecho de la víctima al Rodríguez de Assis Machado, Marta (Orgs.). Teoria da responsabilidade no
castigo del autor”. Revista de estudios de la justicia. Nº. 11, 2009, p. 49. Dis- Estado Democrático de Direito. Textos de Klaus Günther. São Paulo: Saraiva,
ponível em: https://tinyurl.com/yy6cxknz. Acesso em 26/07/2020. 2009, p. 58.
[358] [368]
GIL GIL, Alicia. Indret, 2016, p. 4. A respeito dessa polêmica, Silva Sobre as teorias absolutas clássicas da pena vid. KANT, Immanuel.
Sanchez analisa a inuência da obrigação do Estado de castigar, em con- Fundamentación para una metafísica de las costumbres (1785). Trad. Rob-
traposição ao seu direito de castigar posto que a satisfação do interesse da erto R. Aramayo. Madrid: Alianza Editorial, 2012. / HEGEL, Georg Wil-
vítima que tem se apresentado como uma nova nalidade da pena. SILVA helm Friedrich. Filosofía del Derecho (1820). Prólogo y nota bibliográca:
SÁNCHEZ, Jesús-María. Revista de estudios de la justicia. Nº. 11, 2009, p. Juan Garzón Bates. 1ª ed. México: Dirección general de publicaciones,
35. 1975.
[359] [369]
GIL GIL, Alicia. Indret, 2016, p. 3. Sobre o Neoretribucionismo, vid. VON HIRSCH, Andrew. Censurar y
[360] castigar. Trad. Elena Larrauri, Madrid: Trotta, 1998.
A respeito do tema, vid: SILVA SÁNCHEZ, Jesús-María. Revista de estu-
[370]
dios de la justicia, 2009, pp. 35-56. / GIL GIL, Alicia, Indret. 2016, pp. 4 e ss. ROXIN, Claus. Política criminal y dogmática jurídico penal en la
[361] actualidad. Trad. Carmen Gómez Rivero, in Roxin, Claus, La evolución de
Nesse sentido, BARATTA, Alessandro. Funciones instrumentales y
la política criminal, el derecho penal y el proceso penal. Valencia: Tirant lo
simbólicas del Derecho penal: una discusión en la perspectiva de la crim-
Blanch, 2000.
inología crítica. Baratta, Alessandro. Criminología y sistema penal (compil-
[371]
ación in memoriam). Buenos Aires: B de F, 2004, pp. 57-88. VON HIRSCH, Andrew. Censurar y castigar. Madrid: Trotta, 1998, p. 77.
[362] [372]
“Las leyes penales no sirven solamente para los nes instrumentales HASSEMER, Winfried. Direito penal. Porto Alegre: Safe, 2008, p. 228.
de la efectiva persecución penal, sino que deben fortalecer los valores y [373]
Ibid., p. 217.
las normas sociales”. ALBRECHT, Peter-Alexis. La insostenible situación del [374]
Derecho penal, 2000, p. 478. Também reconhecem o papel do Direito penal Sobre Direito penal simbólico, vid. HASSEMER, Winfried. Direito
nesse sentido HASSEMER, Winfried. Direito penal. Porto Alegre: Safe, penal, 2008, pp. 209-230./ DÍEZ RIPOLLÉS, José Luis. El derecho penal
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[419] 2020
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Ibidem, p. 13-15.
Adoptado por la CIDH el 10 de abril de 2020. p. 17. [433]
[420] GOMES, op. cit., 2019b, p. 28-35.
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590 591
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

[436] CNPQ/UNIT. E-mail: rebecajamilly@hotmail.com.


GOMES, D. F. L. op. cit., 2019a, p. 112.
[457]
[437] Graduanda em Direito, 6º período. E-mail: joannaamaralm@
Ibidem. p. 111-116.
gmail.com.br
[438]
GOMES, D. F. L. op. cit., 2019b. [458]
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[439]
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[449]
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Ibidem, p. 119-120. %20prescri%C3%A7%C3%A3o%20da%20assist%C3%AAncia%20de
[454]
CATTONI DE OLIVEIRA, Marcelo Andrade; GOMES, D. F. L. op. cit., p. 92. %20enfermagem.. Acesso em: 20 jun. 2020.
[463]
[455]
Pós-doutora e Doutora em Direito Público (UFBA). Doutora em CÂMARA DOS DEPUTADOS. Projeto de Lei nº 2295, DE 2000. Dispõe
Educação e Mestra em Direito pela Universidade Federal de Sergipe sobre a jornada de trabalho dos Enfermeiros, Técnicos e Auxiliares de
(UFS). Especialista em Direito do Estado e Especialista em Direito Mu- Enfermagem. Disponível em: http://imagem.camara.gov.br/MostraInte-
nicipal (UNIDERP). Especialista em Direito Civil e Processo Civil pela graImagem.asp?strSiglaProp=PL&intProp=2295&intAnoProp=2000&int-
Universidade Tiradentes (UNIT). Especialista em Auditoria Contábil pela ParteProp=1#/. Acesso em: 20 jun. 2020.
Universidade Federal de Sergipe (UFS). Professora titular de Graduação [464]
MAINARDI, Giulia; CASSENOTE, Alex; GUILLOUX, Aline; MIOTTO,
e Pós-graduação da Universidade Tiradentes (UNIT). Líder do Grupo de Bruno & SCHEFFER, Mário. What explains wage diŀerences between
Pesquisa em Direito Público, Educação Jurídica e Direitos Humanos. Dir- male and female Brazilian physicians? A cross-sectional nationwide
etora Técnica do Tribunal de Contas do Estado de Sergipe. Currículo study. BMJ Open, Volume 9, Issue 4, March 2020. Disponível em: https://
Lattes: http://lattes.cnpq.br/7502386530836336. Orcid:  https://or- bmjopen.bmj.com/content/9/4/e023811.full. Acesso: 02 jul. 2020.
cid.org/0000-0002-3725-6339. E-mail: patncss@gmail.com. [465]
[456] Ibidem.
Graduanda em Direito, 9º período, integrante do grupo GPDPEJ – dire- [466]
ito público educação jurídica e direitos humanos na contemporaneidade BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

592 593
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/consti- [478]


tuicao.htm. Acesso em: 14 jul. 2020.
[467]
Ibidem. [479]
Doutoranda em Direito pelo PPDG-UNICAP. Mestra em Ciências
[468] Jurídicas (UFPB) e Mestra em Ciência da Informação (UFPB). Atuou como
Ministério da Saúde distribui mais de 10 milhões de equipa-
mentos de proteção a proŁssionais de saúde. Disponível em: Assessora de Fortalecimento Sócio-Político e como Secretária da Mulher e
https://www.saude.gov.br/noticias/agencia-saude/46749-ministerio-da- Direitos Humanos do município de Caruaru-PE. É pesquisadora do Recife
saude-distribui-mais-10-9-milhoes-de-equipamentos-de-protecao-a-pro- Estudos Constitucionais – REC- CNPq. Atua na Clínica Interdisciplinar de
ssionais-de-saude. Acesso em: 05 jul.2020. Direitos Humanos da UNICAP e é Conselheira na Comissão da Mulher –
[469] OAB Pernambuco.
Mais de 4 mil prossionais foram contaminados pela COVID-19. CO- [480]
FEN, 20 abril 2020. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/mais-de-4- Doutor em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco – UFPE
mil-prossionais-de-enfermagem-foram-contaminados-pela- (2005). Mestre em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco –
covid-19_79240.html. Acesso em: 02 jul. 2020. UFPE (2000). Master em Teorias Críticas do Direito pela Universidad In-
[470] ternacional de Andalucía, Espanha (1998). Professor Adjunto da Universi-
Resolução Cofen nº 421. Disponível em: http://www.cofen.gov.br/ dade Federal de Pernambuco. Professor do Programa de Pós-Graduação em
resolucao-cofen-no-5642017_59145.html. Acesso em: 26 jun 2020. Direito da Universidade Federal de Pernambuco – UFPE. Professor do curso
[471]
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a Política Nacional de Segurança e Saúde no Trabalho - PNSST. Dispon- Universidade Católica de Pernambuco Coordenador Adjunto do Programa
ível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/de- de Pós-Graduação em Direito da Universidade Católica de Pernambuco.
creto/d7602.htm. Acesso em: 02 jul. 2020. Professor da UNIAESO. Professor pesquisador do grupo de pesquisa Desi-
[472] gualdades e Decisão Jurídica CNPq - UFPE. Estágio Pós-Doutoral no CES-
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Interdisciplinar de Direitos Humanos da UNICAP.
[473]
Covid-19: OMS divulga guia com cuidados para saúde mental dur- [481]
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[474]
BRASIL. Medida Provisória nº 927, de 22 de março de 2020. Dispõe [482]
GONZALEZ, Lélia. Por um feminismo afro-ladino-americano. In HOL-
sobre as medidas trabalhistas para enfrentamento do estado de calami-
LANDA, Heloisa Buarque (org.). Pensamento feminista hoje: perspectivas
dade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março
decoloniais. Rio de Janeiro: Bazar do Tempo, 2029b.
de 2020, e da emergência de saúde pública de importância internacional
[483]
decorrente do coronavírus (covid-19), e dá outras providências. Dispon- PIRES, Thula Rafaela de Oliveira. Por um constitucionalismo ladino-
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[475] diaspórico. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019, p. 285.
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[484]
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[501]
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[491] em 13 de julho de 2020, p. 02.
OXFAM BRASIL. Nós e as desigualdades- 2019. São Paulo: OXFAM/IN-
STITUTO DATAFOLHA, 2019. [502]
Aqui nos referimos ao processo de colonização do continente ameri-
[492] cano com a chegada do europeu e à pretensão da universalização do seu
COMISSÃO ECONÔMICA PARA A AMÉRICA LATINA E O CARIBE-CE-
PAL/ONU. Trabalhadoras remuneradas do lar na América Latina e no sistema de valores. Ver DUSSEL, Enrique. 1492 - O encobrimento do outro:
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https://oig.cepal.org/sites/default/les/pt- [503]
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mensões de gênero na resposta. Brief Março 2020. Dispon-
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priedade. In Jornal Sul 21, Capa de 13 de julho de 2020. Dispon- ONU-MULHERES-COVID19_LAC.pdf. Acesso em: 26 mai. 2020.
ível em: https://www.sul21.com.br/opiniaopublica/2020/07/a-batalha- [504]
feminista-pela-propriedade-por-luci-cavallero-e-veronica-gago/ Acesso PL 1402/2020 que quer a concessão de adicional de insalubridade
em 13 de julho de 2020. aos Agentes Comunitários de Saúde e aos Agentes de Combate às En-
[494]
demias e o PL 2494/2020 que propõe que o adicional de insalubridade a
CESAIRE, Aimé. Discursos sobre o colonialismo. Trad. Noémia de empregados dos estabelecimentos de saúde expostos ao COVID-19 seja de
Sousa. Lisboa: Sá da Costa, 1978. 50% sobre o salário. Já o PL 2521/2020 elenca e busca assegurar a trabal-
[495] hadores em atividades essenciais direitos adicionais, a exemplo: avaliação
SEGATO, Rita. Contra-pedagogías de la crueldad. Buenos Aires: Prom-
eteu, 2018. periódica, assistência em saúde mental, proteção econômica e social, pro-
[496] teção jurídica e pessoal. Para trabalhadores do campo, dois projetos que
A plataforma é alimentada por uma robô que monitora através de beneciam mulheres: o PL3715/2020 que fala do Programa Barraginhas
dados públicos, avanços e retrocessos dos direitos das mulheres no Con- e demais ecotécnicas para recuperação e perenização hídrica e o PL
gresso Nacional. 2235/2020 que fala sobre a criação do Fundo Garantia-Safra e de instituir
[497] o Benefício Garantia-Safra com destino a agricultura familiar impactado
Revista AZMina, data_labe, É Nóis e Gênero e Número em 2020.
[498] pela estiagem ou excesso hídrico no caso de decretação de estado de ca-
FERREIRA, Letícia; LIBÓRIO, Bárbara. Só 2% dos PLs propostos pela Câ- lamidade ou situação de emergência. O PL 2119/2020 prevê o Benefício
mara na pandemia têm recorte de gênero. In AzMina/DataLabe/ÉNÓIS/ Pecuniário Especial para dependentes dos prossionais de saúde que fa-
Gênero e Número - COVID-19 cobertura especial. Capa de 08 de julho leceram em decorrência de infecção causada pelo COVID-19 em razão da
de 2020. Disponível em: https://azmina.com.br/reportagens/so-2-dos-pls- exposição de suas atividades de enfrentamento à emergência de saúde
propostos-pela-camara-na-pandemia-tem-recorte-de-genero/ -. Acesso pública.
em: 08 jul. 2020 [505]
[499] TAKEMOTO, Maira; MENEZES, Mariane; ANDREUCCI, Carla; NAKARA-
Dois dos projetos de lei, visam proteger a pessoa idosa. Vale destacar MURA-PEREIRA, MArcos; AMORIM, Melania; KATZ ,Leila; KROBEL,Roxana.
a importância diante dos novos arranjos de retirada de direitos no âm- The tragedy of COVID‐19 in Brazil: 124 maternal deaths and count-
bito previdenciário. O PL 1888/2020 que foi sancionado recentemente ing In International Journal of Gynecology and Obstetrics. July, 2020.
dispõe sobre prestação de auxílio nanceiro pela União às Instituições de Disponível em: https://obgyn.onlinelibrary.wiley.com/doi/abs/10.1002/
Longa Permanência para Idosos (ILPIs) em 2020 em razão do impacto do ijgo.13300. Acesso em 10 de julho de 2020.
COVID-19. O segundo, o PL 3371/2020 dispõe sobre scalização das in- [506]
stituições de longa permanência e normas de saúde a serem observadas CAVENAGHI, Suzana. Mulheres chefes de família no Brasil: avanços
pelas entidades de atendimento. e desaŁos. Rio de Janeiro : ENS-CPES, 2018. Disponível em: https://
[500] www.ens.edu.br/arquivos/mulheres-chefes-de-familia-no-brasil-estudo-
INSTITUTO UPDATE. Mulheres contra COVID-19 na política latino- sobre-seguro-edicao-32_1.pdf. Acesso em: 20 jun. 2020.

596 597
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

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ero e Número - Dossiê: Um retrato das mães solo na pandemia - jun. 2020. maio de 2020.
Disponível em: http://www.generonumero.media/retrato-das-maes-solo- [515]
FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico,
na-pandemia/. Acesso em: 20 jun. 2020. reprodução e luta feminista. Trad. Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante,
[508] 2019 e FEDERICI, Silvia. Calibã e a bruxa: mulheres, corpo e acumulação
O PL 2438/2020 viabiliza autorização para o Governo Federal disponi-
bilizar até 70% dos estoques públicos de alimentos da Companhia Nacional primitiva. Trad. Coletivo Sycorax.São Paulo: Elefante, 2017.
de Abastecimento- CONAB, empresa pública nascida nos anos 90 que tem o [516]
Na Argentina e no Brasil, as mulheres reapresentam o debate durante
papel de gerir as políticas agrícolas e de abastecimento. Como ela gere estoques
a pandemia, a necessidade de precisar ser considerado como essencial
públicos e estratégicos de milho, arroz, feijão, café e outros. O PL prevê que a
para pensar questões como a renda mínima, por exemplo, independente-
mulher provedora de família monoparental receba duas cestas básicas, assim
mente de calamidade pública por retratar em si, continuidade e aprofun-
como as gestantes, condição estendida para famílias com crianças e pessoas
damento das desigualdades estruturais.
idosas.
[517]
[509] INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA- IBGE. Pes-
Embora não seja exclusividade das mulheres mães, há uma sobrecarga
quisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua- PNAD Contínua
a considerar como expressiva. No contexto de pandemia e de isolamento
“Outras formas de trabalho – 2018”. Disponível em: https://
social em casa pode reverberar na saúde mental, pensando nisso, o PL
biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101650_informativo.pdf .
2163/2020 pretende determinar aos meios de comunicação a divulgação
Acesso em: 15 jul. 2020. Ver também INSTITUTO BRASILEIRO DE
do serviço "ligue 188", destinado ao atendimento gratuito e sigiloso de
GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA- IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de
pessoas em sofrimento psíquico.
Domicílio Contínua- PNAD Contínua. Segundo trimestre, 2019. Dispon-
[510]
O PL 3023/2020 pretende criar o Programa Renda Básica Brasileira ível em:, https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/habitacao/9173-
que pretende uniŁcar o Seguro Defeso, Programa Bolsa Família, Bolsa Verde, pesquisa-nacional-por-amostra-de-domicilios-continua-trimestral.html?
Programa de Fomento às Atividades Produtivas Rurais e o Programa de edicao=25199&t=destaques. Acesso em: 15 jul. 2020.
Erradicação do Trabalho Infantil, estabelece critério e regulamenta. Prevê [518]
ainda que mulheres provedoras de família monoparental receberia duas cotas. BOUERI, Aline Gatto. Maioria entre desempregados e sobre-
[511] carregadas por tarefas de cuidados, brasileiras e argentinas sof-
SILVA, Vitória Régia da. Um retrato das mães solo na pandemia In Gên- rem mais com ajustes. In Revista Gênero e Número- set. 2019.
ero e Número - Dossiê: Um retrato das mães solo na pandemia - jun. 2020. Disponível em: http://www.generonumero.media/mulheres-reforma-
Disponível em: http://www.generonumero.media/retrato-das-maes-solo- trabalhista-brasil-argentina-desempregadas-sobrecarregadas/. Acesso em:
na-pandemia/. Acesso em: 20 jun. 2020. 20 abr. 2020.
[512]
A proposta ainda prevê que, sendo o homem provedor de família mon- [519]
GAGO, Verónica; CAVALLERO, Luci. Um leitura feminista da dívida:
oparental, possa receber duas cotas do auxílio, desde que possua e com-
vivas, livres e sem dívidas nos queremos. Trad. Helena Vargas. Porto Alegre:
prove a guarda exclusiva da criança.
Criação Humana, 2019.
[513]
Somado a isso, a enorme diŁculdade com a questão pensão, situação [520]
FEDERICI, Silvia. O ponto zero da revolução: trabalho doméstico,
piorada durante a pandemia. No estado de São Paulo o Tribunal de Justiça
reprodução e luta feminista. Trad. Coletivo Sycorax. São Paulo: Elefante,
informou queda de 70% nos pedidos judiciais de pensão no mês de abril.
2019.
No ano anterior haviam sido contabilizados 17,6 mil pedidos e agora, 5,1
[521]
mil, uma realidade que rełete os impactos dos atendimentos remotos de INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA- IBGE.
órgãos como a Defensoria Pública, além de uma parte, ainda menor, de Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Contínua- PNAD Contínua -
mulheres que se individam para arcar com os honorários de advogados, já COVID 19. Disponível em: https://covid19.ibge.gov.br/ Acesso em: 15 jul.
que precisam acionar a justiça para exigir direitos da criança. Ver BER- 2020.
THO, Helena. Pedidos de pensão alimentícia caem 70% em São Paulo.In [522]
Vale destacar que o PL 2667/2020 propõe criar o Programa Emer-
Gênero e Número - Dossiê: Um retrato das mães solo na pandemia -
gencial de Geração de Emprego e Renda para redução de desemprego,
jun. 2020. Disponível em: http://www.generonumero.media/retrato-das-
garantindo renda e recuperação econômica e fornecimento de bens e ser-
maes-solo-na-pandemia/. Acesso em 20 de junho de 2020.
viços ligados ao contexto de pandemia por COVID-19.
[514]
BIROLI, Flávia. Divisão sexual do trabalho e democracia. In Dados [523]
O PL 1666/2020 quer criar o programa Cartão Brasileiro de Ali-
vol.59 no.3 Rio de Janeiro July/Sept. 2016. Disponível em: https:// mentação, para oferecer recursos para aquisição de alimentos para pes-
www.scielo.br/scielo.php? soas em situação de vulnerabilidade social no período de calamidade

598 599
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

pública por COVID-19. e Câmara de Deputados, sendo que 10 delas são desfavoráveis. Ver
[524] LIBÓRIO, Bárbara. Um a cada quatro projetos de lei sobre direito das mul-
OXFAM BRASIL. Nós e as desigualdades- 2019. São Paulo: OXFAM/IN-
heres no Congresso é desfavorável. In AzMina/DataLabe/ÉNÓIS/Gênero e
STITUTO DATAFOLHA, 2019; INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E
Número. Capa de 25 de junho de 2020. Disponível em: https://
ESTATÍSTICA- IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio Con-
azmina.com.br/reportagens/1-a-cada-4-projetos-de-lei-sobre-direito-das-
tínua- PNAD Contínua. Segundo trimestre, 2019. Disponível em:, https://
mulheres-no-congresso-sao-desfavoraveis/ -. Acesso em: 25 jun. 2020 e
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na última década. In Revista AzMina/DataLabe/ÉNÓIS/Gênero e
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Número. Capa de 30 de junho de 2020. Disponível em: https://
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azmina.com.br/reportagens/so-um-pl-propos-a-descriminalizacao-do-
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uploads/2019/10/Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf.. Acesso em: 20
mai. 2020. [538]
[530]
Idem Op Cit, p.06.
O PL 3291/2020 propõe alteração no Código Penal para aumentar as [539]
penas de crimes contra a dignidade sexual. Há um projeto, o PL 3289/2020, tramita no Senado que propõe autori-
[531]
zar a utilização de recursos do Fundo Nacional para a Criança e Adoles-
Lembrando que segundo DataSUS e dados do Fórum Brasileiro de cente para auxiliar programas de acolhimento familiar ou institucional,
Segurança Pública (2019), no ano anterior houveram 277 óbitos fetais por em decorrência da pandemia de COVID-19.
anencefalia. [540]
[532]
Para crianças de até seis anos, pago preferencialmente à mulher, e se
Segundo Libório, a maior parte da atividade legislativa é prejudicial ao comprovada a existência de quatro ou mais crianças na unidade familiar,
direito reprodutivo das mulheres. A autora aponta que na última década, seria pago em dobro
somente um PL foi proponente da descriminalização do aborto, em [541]
relação aos 69 projetos de lei que em 80% pedem sua criminalização. Em QUIJANO, Aníbal. Colonialidad y modernidad-racionalidad. Trad. de
2020, sob pandemia, já foram apresentadas 11 proposições entre Senado Wanderson Flor do Nascimento. In: BONILLO, Heraclio (Comp.). Los con-
quistadores. Bogotá: Tercer Mundo/Flacso, 1992; Ver também MALDON-

600 601
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

ALDO-TORRES, Nelson. Sobre la colonialidad del ser: contribuciones al 5) cuidar da organização do domicílio (pagar contas, contratar serviços,
desarrollo de un concepto. In: CASTRO-GÓMES, Santiago; GROSFOGUEL, orientar empregados); 6) fazer compras ou pesquisar preços de bens para
Ramón. El giro decolonial. Rełexiones para una diversidad epistémica o domicílio; 7) cuidar dos animais domésticos; e 8) outras tarefas domés-
más allá del capitalismo global. Bogotá. Siglo del Hombre; Universi- ticas
dad Central; Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Ponti cia [551]
O trabalho em cuidado de pessoas é investigado com base em seis
Universidad Javeriana; Instituto Pensar; 2007.Ver ainda CASTRO-GÓMEZ,
conjuntos de atividades , dentre as quais: 1) auxiliar nos cuidados pes-
Santiago. Decoloniazar la universidad. La hybris del punto cero y el diálogo
soais (alimentar, vestir, pentear, dar remédio, dar banho, colocar para
de saberes. In: Santiago Castro-Gómez y Ramón Grosfoguel (Orgs.). El giro
dormir); 2) auxiliar nas atividades educacionais; 3) ler, jogar ou brincar;
decolonial: reexiones para una diversidad epistémica más allá del cap-
4) monitorar ou fazer companhia dentro do domicílio; 5) transportar ou
italismo global. – Bogotá: Siglo del Hombre Editores; Universidad Central,
acompanhar para escola, médico, exames, parque, praça, atividades soci-
Instituto de Estudios Sociales Contemporáneos y Ponticia Universidad
ais, culturais, esportivas ou religiosas; e 6) outras tarefas de cuidados.
Javeriana, Instituto Pensar, 2007.
[552]
[542] IBGE. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua – PNAD
AMORIM, Elba Ravane; CONTASTI, Katherine. De Dilmas à Marielles:
Contínua. Outras formas de trabalho - 2019. Disponível em: https://
Análise da ausência de um marco legal sobre a violência contra a mulher
biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101722_informativo.pdf.
na arena política. In FERRAZ, Carolina. Manual Jurídico Feminista. Belo
Acesso em 17 jul. 2020.
Horizonte, Letramento, 2020. [553]
O GLOBO. Casos de abusos a trabalhadoras domésticas crescem dur-
[543]
Mestra em Ciências Criminais e Especialista em Ciências Penais pela ante pandemia da covid-19. Disponível em: https://oglobo.globo.com/
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Graduada sociedade/casos-de-abusos-trabalhadoras-domesticas-crescem-durante-
em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Pro- pandemia-da-covid-19-24529311. Acesso em: 17 jul. 2020.
fessora do Curso de Direito da Universidade La Salle (Unilasalle/RS). Ad- [554]
Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/
vogada criminalista. E-mail: lauragigante@gmail.com. redacao/2020/03/19/primeira-vitima-do-rj-era-domestica-e-pegou-
[544] coronavirus-da-patroa.htm. Acesso em: 17 jul. 2020.
Especializanda em Direito Penal Empresarial e Graduada em Direito
pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Ad- [555]
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada - IPEA; ONU Mulheres. Vul-
vogada criminalista. E-mail: juliatfusinato@gmail.com. nerabilidades das trabalhadoras domésticas no contexto da pandemia
[545] de covid-19 no Brasil. Nota técnica n. 75, jun. 2020. Disponível em:
ŽIŽEK, Slavoj. Bem-vindo ao deserto do viral! Coron-
avírus e a reinvenção do comunismo. Disponível em: https://blogd- https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/
aboitempo.com.br/2020/03/12/zizek-bem-vindo-ao-deserto-do-viral-cor- nota_tecnica/200609_nt_disoc_n_75.pdf. Acesso em 18 jul. 2020.
onavirus-e-a-reinvencao-do-comunismo/. Acesso em 14 jul. 2020. [556]
Disponível em: https://apps.who.int/iris/bitstream/
[546] handle/10665/311314/WHO-HIS-HWF-Gender-WP1-2019.1-eng.pdf?
Tampouco se tenta universalizar ou essencializar a categoria “mul-
heres”; como se verá no decorrer do texto, são muitas as particularidades sequence=1&isAllowed=y. Acesso em: 18 jul. 2020.
que nos diferenciam. [557]
Disponível em: https://
[547] www.nexojornal.com.br/expresso/2020/03/24/Quais-os-impactos-da-
SCOTT, Joan. Gênero: uma categoria útil de análise histórica. Edu-
cação & realidade, v. 20, n. 2, p. 71-99, 1995, p. 86. pandemia-sobre-as-mulheres. Acesso em: 18 jul. 2020.
[548] [558]
PEDRO, Joana Maria. Traduzindo o debate: o uso da categoria gênero na Disponível em: https://nacoesunidas.org/mulheres-na-linhas-de-
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[549] [559]
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Heloisa Buarque de; SZWAKO, José Eduardo (Orgs.). Diferenças, igualdade. onaviruse/who-rights-roles-respon-hw-covid-19.pdf?
São Paulo: São Paulo: Berlendis & Vertecchia, 2009, p. 119. sfvrsn=bcabd401_0. Acesso em: 18 jul. 2020.
[550] [560]
Na Pesquisa, as atividades consideradas como afazeres domésticos são PARENT IN SCIENCE. Produtividade acadêmica durante a pandemia:
agrupadas em oito conjuntos, assim identicados: 1) preparar ou servir Efeitos de gênero, raça e parentalidade. 2020.
alimentos, arrumar a mesa ou lavar louça; 2) cuidar da limpeza ou ma- [561]
CANDIDO, Marcia Rangel; CAMPOS, Luiz Augusto. Pandemia reduz
nutenção de roupas e sapatos; 3) fazer pequenos reparos ou manutenção submissões de artigos acadêmicos assinados por mulheres. Blog
do domicílio, do automóvel, de eletrodomésticos ou outros equipamentos; DADOS, 2020. Disponível em: http://dados.iesp.uerj.br/pandemia-reduz-
4) limpar ou arrumar o domicílio, a garagem, o quintal ou o jardim; submissoes-de-mulheres/. Acesso em: 17 jul. 2020.

602 603
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

[562] quisa Econômica Aplicada.- Brasília : Rio de Janeiro : Ipea. 2019.


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Disponível em: https://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/TDs/
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td_2528.pdf. Acesso em 13.07.20 às 09:28.
Disponível em: http://www.generonumero.media/pandemia-diculta-
[574]
acesso-contraceptivos-no-sistema-de-saude/. Acesso em: 18 jul. 2020. Ibid.p.10
[563] [575]
Takemoto, Maira L S; et. al. The tragedy of COVID‐19 in Brazil: Ibid. p.19
124 maternal deaths and counting. International Journal of Gynecology [576]
Ibid p.13
and Obstetrics. Disponível em: https://obgyn.onlinelibrary.wiley.com/doi/
[577]
abs/10.1002/ijgo.13300. Acesso em: 18 jul. 2020. NASCIMENTO, Abdias. O Genocídio do Negro Brasileiro: Processo de
[564] um racismo mascarado.Ed. Paz e Terra. 1976.
FUSINATO, Júlia Tormen; ALBUQUERQUE, Laura Gigante; OSORIO, [578]
Fernanda Corrêa. O outro lado da pandemia: isolamento social CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo. Este artigo foi apresentado
e a violência contra as mulheres em tempos de Covid-19. Dis- no Seminário Internacional sobre Racismo, Xenofobia e Gênero, organi-
ponível em: https://linkedin.com/pulse/o-outro-lado-da-pandemia-isola- zado por Lola Press em Durban, África do Sul, em 27 – 28 de agosto 2001.
mento-social-e-contra-laura/. Acesso em: 15 jul. 2020. Publicado em espanhol na revista LOLA Press nº 16, novembro 2001.
[565] [579]
Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/ Ibid.
noticias/violencia-contra-as-mulheres-e-meninas-e-pandemia-invisivel- [580]
hooks, bell. Não sou eu uma mulher. Mulheres negras e feminismo. 1ª
arma-diretora-executiva-da-onu-mulheres/. Acesso em: 18 jul. 2020. edição 1981. Tradução livre para a Plataforma Gueto. Janeiro 2014. p.14
[566] [581]
Os tipos de violência exemplicados na pesquisa foram: “xinga- hooks, bell. Teoria feminista: da margem ao centro. São Paulo. Perspec-
mentos, insultos, empurrões, agarrões, espancamento ou ameaças com tiva. 2019.
arma” Disponível em: https://ufmg.br/comunicacao/noticias/violencia- [582]
hooks, bell. Teoria feminista: da margem ao centro. São Paulo. Perspec-
domestica-pode-ter-aumentado-no-brasil-aponta-pesquisa-com-
tiva. 2019. p.32
participacao-da-ufmg. Acesso em: 18 jul. 2020.
[583]
[567] Sobre as disputas acerca do caráter essencial do serviço domé-
Disponível em: https://prefeitura.poa.br/smdse/noticias/prefeitura-
stico. Disponível em: https://www.cartacapital.com.br/blogs/sororidade-
registra-diminuicao-nos-casos-de-violencia-domestica-denunciados-
em-pauta/na-pandemia-por-que-servico-domestico-e-classicado-como-
durante. Acesso em: 18 jul. 2020.
essencial/. Acesso em: 08 jul. 2020.
[568]
Disponível em: https://ponte.org/mulheres-enfrentam-em-casa-a- [584]
O discurso foi proferido como uma intervenção na Women’s Rights
violencia-domestica-e-a-pandemia-da-covid-19/. Acesso em: 18 jul.
Convention em Akron, Ohio, Estados Unidos, em 1851. Em uma reunião
2020.
de clérigos onde se discutiam os direitos da mulher, Sojourner levantou-
[569]
Graduada em Direito pela PUC/RS. Advogada. Mestra em Direito e So- se para falar após ouvir de pastores presentes que mulheres não deveriam
ciedade - Unilasalle/RS. Multiplicadora do Teatro do Oprimido de Augusto ter os mesmos direitos que os homens, porque seriam frágeis, intelectual-
Boal (2019). E-mail: silva.karengg@gmail.com. mente débeis, porque Jesus foi um homem e não uma mulher e porque,
[570] por m, a primeira mulher fora uma pecadora. Disponível em: https://
Eu empregada Doméstica no TEDx. Disponível: https://
www.youtube.com/watch?v=_d_n-z3s8Lo. Acesso: 19/06/2020 às 23:29. www.geledes.org.br/e-nao-sou-uma-mulher-sojourner-truth/. Acesso em
08 jul. 2020.
[571]
CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo. Este artigo foi apresentado [585]
no Seminário Internacional sobre Racismo, Xenofobia e Gênero, organi- hooks, bell. Vivendo de amor.16p. Zine.Tradução de Maísa Mendonça.
zado por Lola Press em Durban, África do Sul, em 27 – 28 de agosto 2001. Ed. Monstro dos Mares.
Publicado em espanhol na revista LOLA Press nº 16, novembro 2001. [586]
hooks, bell. Vivendo de amor.16p. Zine.Tradução de Maísa Mendonça.
[572] Ed. Monstro dos Mares.
Ponto Zero: Perspectivas feministas em debate. 07 de julho de 2020,
19h - 21 de julho de 2020, 20h. Evento online. [587]
Sobre Vidas Negras Importam acessar: https://
[573] brasil.elpais.com/brasil/2020-06-06/vidas-negras-importam-chacoalha-
PINHEIRO, Luana; LIRA, Fernanda; REZENDE, Marcela; FONTOURA,
Natália. Relatório Os Desaos do Passado no Trabalho Doméstico parcela-de-brasileiros-entorpecida-pela-rotina-de-violencia-racista.html.
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dados da PNAD Contínual. Texto para discussão / Instituto de Pes- [588]
EVARISTO, Conceição.Escrevivência. Disponível em: https://

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[589]
CARNEIRO, Sueli. Enegrecer o feminismo. Este artigo foi apresentado [600]
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no Seminário Internacional sobre Racismo, Xenofobia e Gênero, organi-
“isolamento social” no Paraná. Gazeta do Povo, 23/03/2020. Disponível
zado por Lola Press em Durban, África do Sul, em 27 – 28 de agosto 2001.
em: https://www.gazetadopovo.com.br/parana/seguranca-parana-
Publicado em espanhol na revista LOLA Press nº 16, novembro 2001.
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[590]
2020.
Professora adjunta do curso de psicologia da Universidade Estadual [601]
do Centro-Oeste (UNICENTRO-PR). Doutora em Psicologia (FFCLRP-USP). BRASIL. Lei n. 14022, de 07 de julho de 2020. Altera a Lei nº
Coordenadora do Núcleo Maria da Penha-NUMAPE/I (SETI/UGF). Email: 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, e dispõe sobre medidas de enfrentam-
kalexsandra@unicentro.br. ento à violência doméstica e familiar contra a mulher e de enfrentamento
[591] à violência contra crianças, adolescentes, pessoas idosas e pessoas com
Professora adjunta do curso de psicologia da Universidade Estadual deciência durante a emergência de saúde pública de importância inter-
do Centro-Oeste (UNICENTRO-PR). Doutora em Psicologia Social e Insti- nacional decorrente do coronavírus responsável pelo surto de 2019.Dispon-
tucional (UFRGS). Coordenadora do Núcleo de Estudos e Defesa dos ível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2019-2022/2020/lei/
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[597]
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o período de enfrentamento da emergência de saúde pública de iwidCI6ImViMDkwNDIwLTQ0NGMtNDNmNy05MWYyLTRiOGRhN-
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SANTOS, Boaventura Souza. A cruel pedagogia do vírus. Coimbra: Alme-
Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf. Acesso em: 06 jul. 2020.
dina, 2020.
[610]
Relatório temático sobre mulheres privadas de liberdade (junho de

606 607
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

2017). Marcos Vinícius Moura Silva (consultor). Brasília. Ministério da 2017). Marcos Vinícius Moura Silva (consultor). Brasília. Ministério da
Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Disponível em: <http:// Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Disponível em: http://
depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/ depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/
copy_of_Infopenmulheresjunho2017.pdf. Acesso em: 06 jul. 2020. copy_of_Infopenmulheresjunho2017.pdf; Acesso em> 06 jul. 2020.
[611] [622]
Atlas da violência 2019. Organizadores: Instituto de Pesquisa Idem, p. 60.
Econômica Aplicada; Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Brasília: Rio [623]
“No fechado tem bastante gente no controlado. À noite, as guardas
de Janeiro: São Paulo: Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada; Fórum
passam com vidrinho, de porta em porta, colocando. A caixinha de remé-
Brasileiro de Segurança Pública. Disponível em: <https://www.ipea.gov.br/
dio de cada andar é enorme. E a maioria é vício. A maioria é pra tirar a
atlasviolencia/download/12/atlas-2019>, acesso em: 06/07/2020. “Para
cadeia”. Ver: QUEIROZ, Nana. Presos que Menstruam. Rio de Janeiro: Record,
além da questão da juventude, os dados descritos nesse relatório trazem
2015, p. 147.
algumas evidências de um processo extremamente preocupante nos úl-
[624]
timos anos: o aumento da violência letal contra públicos especícos, “Aqui a gente não tem direito, não é escutada, não tem direito de se ex-
incluindo negros, população LGBTI, e mulheres, nos casos de fem- pressar, de querer alguma coisa e de ter alguma coisa. Muitas vezes a gente não
inicídio.” (p.6). é tratada como pessoa, mas como bicho” (trecho da entrevista com FCGO in
[612] ARGÜELLO, Katie; MURARO, Mariel. Ob. cit., loc. cit.).
Ibidem, p. 49.
[625]
[613] Relatório temático sobre mulheres privadas de liberdade (junho de
Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019. Fórum Bra-
2017). Marcos Vinícius Moura Silva (consultor). Brasília. Ministério da
sileiro de Segurança Pública. Ano 13.Luis Flavio Sapori (org.). Dispon-
Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Disponível em: <http://
ível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/
depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-.mulheres/
Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf. Acesso em: 06 jul. 2020.
copy_of_Infopenmulheresjunho2017.pdf. Acesso em: 06 jul. 2020.
[614]
BARATTA, Alessandro. Introdução à criminologia da droga. in: EL- [626]
Resolução 62/2020. Conselho Nacional de Justiça. Dis-
BERT, Carlos Alberto. Criminología y sistema penal: compilación in me-
ponível em: https://www.cnj.jus.br/wp-content/uploads/2020/03/62-
moriam. Buenos Aires: B de F, 2004, p. 132-133. ARGUELLO, Katie. O
Recomenda%C3%A7%C3%A3o.pdf. Acesso em: 06 jul. 2020
fenômeno das drogas como um problema de política criminal. Revista da
[627]
Faculdade de Direito - UFPR, n. 47, Curitiba, 2012, p.187. MOURA, Rafael Moraes. Decisão a favor de mulher de Queiroz é ‘muito
[615] rara’, dizem ministros do STJ.Disponível em: https://noticias.uol.com.br/
ALMEIDA, Sílvio. Racismo estrutural. São Paulo: Sueli Carneiro; Pólen,
ultimas-noticias/agencia-estado/2020/07/10/decisao-a-favor-de-
2019, p.33-34.
mulher-de-queiroz-e-muito-rara-dizem-ministros-do-stj.htm.
[616]
Atlas da violência 2017. IPEA e Fórum Brasileiro de Segurança [628]
FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. 8ª ed. Petrópolis: Vozes, 1987.
Pública. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/portal/
[629]
images/170602_atlas_da_violencia_2017,pdf. Acesso em: 12 jul. 2020. SANTOS, Juarez Cirino dos. A Criminologia Radical. Florianópolis:
[617] Tirant Lo Blanch, 2018, p.83.
VITALE, Alex S. The end of policing. Brooklyn:Verso, 2017, p.131-132.
[630]
[618] Anuário Brasileiro de Segurança Pública 2019. Fórum Brasileiro
Cf. LIMA, Raquel da Cruz. Mulheres e tráŁco de drogas: uma
de Segurança Pública. Ano 13. Luis Flavio Sapori (org.). Dispon-
sentença tripla. Disponível em http://ittc.org.br/mulheres-e-traco-de-
ível em: https://forumseguranca.org.br/wp-content/uploads/2019/10/
drogas-uma-sentenca-tripla-parte-i/. Acesso em: 08 jul. 2020
Anuario-2019-FINAL_21.10.19.pdf. Acesso em: 06 jul. 2020.
[619]
Relatório temático sobre mulheres privadas de liberdade (junho de
2017). Marcos Vinícius Moura Silva (consultor). Brasília. Ministério da
Justiça. Departamento Penitenciário Nacional. Disponível em: http:// [631]
Acadêmica de Direito na UFPR – Universidade Federal do Paraná.
depen.gov.br/DEPEN/depen/sisdepen/infopen-mulheres/ Email: rahmeier.larissa@gmail.com.
copy_of_Infopenmulheresjunho2017.pdf. Acesso em: 06 jul. 2020 [632]
[620] Acadêmica de Direito na UFPR – Universidade Federal do Paraná.
ARGUELLO, Katie. Mulheres encarceradas no Brasil: vulnerabili- Email: leticiamgs97@gmail.com.
dades decorrentes da discriminação de gênero. IN: CARVALHO, Salo; [633]
GIAMBERARDINO, André; ROIG, Rodrigo Duque Estrada (orgs.) Cárcere sem Primeira vítima do RJ era doméstica e pegou coronavírus da patroa.
fábrica. Rio de Janeiro:, Revan, 2019. Ver também: QUEIROZ, Nana. Presos Disponível em: https://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/
que Menstruam. Rio de Janeiro: Record, 2015. redacao/2020/03/19/primeira-vitima-do-rj-era-domestica-e-pegou-
[621] coronavirus-da-patroa.htm?
Relatório temático sobre mulheres privadas de liberdade (junho de a_source=56d95533a8284936a374e3a6da3d7996. Acesso em: 14 jul.

608 609
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

2020. soa ou à família, no âmbito residencial destas [grifo meu]”. Decreto-Lei nº


[634] 5.452, de 1º de maio de 1943 (Consolidação das Leis do Trabalho – CLT).
Rio de Janeiro tem o metro quadrado mais caro do Brasil. Disponível
[639]
em: https://diariodorio.com/rio-de-janeiro-tem-o-metro-quadrado-mais- “Art. 1º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que
caro-do-brasil/. Acesso em: 14 jul. 2020. presta serviços de natureza contínua e de nalidade não lucrativa à pes-
[635] soa ou à família no âmbito residencial destas, aplica-se o disposto nesta
EDELMAN, Bernard. O Direito captado pela fotograa. Para melhor
lei”. Lei nº 5.859 de 11 de dezembro de 1972.
compreensão do leitor, incluímos uma citação da obra de Bernard Edel-
[640]
man, sobre a fotograa do direito e do cinema: “Presentemente, aquilo de “Art. 1º Ao empregado doméstico, assim considerado aquele que
que vou falar parecerá ser uma questão ínma, minúscula, sem relação com a presta serviços de forma contínua, subordinada, onerosa e pessoal e de
ambição que pretendia ter. Vai tratar-se, com efeito, do direito da fotograa e nalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no âmbito residencial
do cinema, isto é, duma questão mais do que modesta: a dos problemas juríd- destas, por mais de 2 (dois) dias por semana, aplica-se o disposto nesta Lei”.
icos postos, levantados pela irupção técnica e económica do cinema e da Lei Complementar nº 150, de 1º de junho de 2015.
fotograa. Ora, acabaremos por descobrir que, nesta ínma questão, se en- [641]
OLIVEIRA, Creuza. Em: Entrevista ao portal Blogueiras Negras na
contra todo o direito condensado, todas as formas que o governam, as visíveis
III Conferência Nacional de Promoção da Igualdade Racial – CONA-
e as invisíveis”. P. 35(41). Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/
PIR no ano de 2013. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?
pluginle.php/4898381/mod_resource/content/1/EDELMAN%2C
v=CjG4zfPomoM. Acesso em: 14 jul. 2020.
%20Bernard.%20O%20direito%20captado%20pela%20fotograa
[642]
%20%281%29.pdf. Acesso em: 14 jul. 2020. LOPES, Juliana Araújo. Constitucionalismo brasileiro em pretuguês:
[636] trabalhadoras domésticas e lutas por direitos. 2020. 329 f. Dissertação
“Fala-se muito que os trabalhadores empregados domésticos não
(Mestrado em Direito) - Universidade de Brasília, Brasília, 2020.
produzem lucro, como se fosse algo que se expressasse, apenas e tão somente,
[643]
em forma monetária. Nós produzimos saúde, limpeza, boa alimentação e seg- LOPES, Juliana Araújo. Constitucionalismo brasileiro em pretuguês:
urança para milhões de pessoas. Nós, que sem ter acesso a instrução e cul- trabalhadoras domésticas e lutas por direitos. 2020. 329 f. Dissertação
tura, em muitos e muitos casos, garantimos a educação dos lhos dos patrões. (Mestrado em Direito) - Universidade de Brasília, Brasília, 2020. p. 33.
Queremos ser reconhecidos como categoria prossional de trabalhadores [644]
LOPES, Juliana Araújo. Constitucionalismo brasileiro em pretuguês:
empregados domésticos e termos direito de sindicalização, com autonomia trabalhadoras domésticas e lutas por direitos. 2020. 329 f. Dissertação
sindical. Esta carta foi apresentada à Assembleia Nacional Constituinte (Mestrado em Direito) - Universidade de Brasília, Brasília, 2020. p. 28.
– ANC no dia 05/05/1987 pelo movimento associativo de trabalhadoras [645]
domésticas, na Subcomissão dos Direitos dos Trabalhadores e Servidores MAIOR, Jorge Luiz Souto. De “pessoa da família” a “diarista”. Domés-
Públicos”. LOPES, Juliana Araújo. Constitucionalismo brasileiro em pretu- ticas: a luta continua!. P. 2-3 Disponível em: https://
guês: trabalhadoras domésticas e lutas por direitos. 2020. 329 f. Disser- www.jorgesoutomaior.com/uploads/5/3/9/1/53916439/
tação (Mestrado em Direito) - Universidade de Brasília, Brasília, 2020. de_pessoa_da_fam%C3%ADlia_a_diarista._dom%C3%A9sticas-
[637] _a_luta_continua.pdf. Acesso em: 10 jul. 2020
Quando, presentemente, a Constituição equipara os direitos das domés-
[646]
ticas aos dos demais trabalhadores as mesmas gritas ressurgem no que tange à Vulnerabilidade de trabalhadoras domésticas aumentam na
desgraça em que a classe média vai cair, chegando-se mesmo a difundir a ideia pandemia. Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-
de que a lei causará um grande mal às próprias trabalhadoras, vez que estas humanos/noticia/2020-06/vulnerabilidade-de-trabalhadoras-
serão conduzidas à sua própria sorte porque os empregadores (ou patroas, domesticas-aumentam-na-pandemia. Acesso em 18 jul. 2020.
como se diz), “irritados” com os custos conseqüentes dos novos direitos, além [647]
IPEA. ONU MULHERES. Nota Técnica no 75: Vulnerabilidade das tra-
de não votarem nos políticos que encabeçaram a alteração, ainda promoverão
balhadoras domésticas no contexto da pandemia de COVID-19 no
o desemprego em massa das domésticas, substituindo-as por “diaristas”, que
Brasil. P. 10. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/
não possuem os mesmos direitos”. MAIOR, Jorge Luiz Souto. De “pessoa da
uploads/2020/06/213247_NT_Disoc-N_75_web.pdf. Acesso em 18 jul.
família” a “diarista”. Domésticas: a luta continua!. P. 4. Disponível em:
2020.
https://www.jorgesoutomaior.com/uploads/5/3/9/1/53916439/
[648]
de_pessoa_da_fam%C3%ADlia_a_diarista._dom%C3%A9sticas- IPEA. ONU MULHERES. Nota Técnica no 75: Vulnerabilidade das tra-
_a_luta_continua.pdf. Acesso em: 10 jul. 2020 balhadoras domésticas no contexto da pandemia de COVID-19 no
[638] Brasil. P. 10. Disponível em: http://www.onumulheres.org.br/wp-content/
“Art. 7º Os preceitos constantes da presente Consolidação salvo
uploads/2020/06/213247_NT_Disoc-N_75_web.pdf. Acesso em: 18 jul.
quando fôr em cada caso, expressamente determinado em contrário, não
2020.
se aplicam: a) aos empregados domésticos, assim considerados, de um
[649]
modo geral, os que prestam serviços de natureza não-econômica à pes- MALLOY, James M.. The Politics of Social Security in Brazil. Pittsburgh:

610 611
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

University Of Pittsburgh Press, 1979. stico e desproteção previdenciária no Brasil: questões em análise. Rev-
[650] ista Katálysis, Florianópolis, v. 13, n. 1, p. 40-48, jan. 2010. p. 45.
SERAU JR., Marco Aurélio. Seguridade social e direitos fundamentais.
[664]
4 ed., rev., atual. e ampl., Curitiba: Juruá, 2020. p. 35. SERAU JR., Marco Aurélio. Seguridade social e direitos fundamentais.
[651] 4 ed., rev., atual. e ampl., Curitiba: Juruá, 2020. p 123.
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[665]
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[652] trabalhadoras domésticas e lutas por direitos. 2020. 329 f. Dissertação
SERAU JR., Marco Aurélio. Seguridade social e direitos fundamentais.
(Mestrado em Direito) - Universidade de Brasília, Brasília, 2020. p. 94.
4 ed., rev., atual. e ampl., Curitiba: Juruá, 2020. p. 35.
[666]
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content/uploads/2020/06/213247_NT_Disoc-N_75_web.pdf. Acesso onizadores. A autoridade do direito canônico em matéria de casamento
em: 18 jul. 2020. foi conservada até a lei de 1890, que instituiu o casamento civil. A des-
[663] peito da rechaçada, continuou a exercer, indiretamente, grande inuên-
SILVA, Amanda Kelly Belo da; SILVA, Franciclézia de Sousa Barreto;
cia. A lei civil reproduziu várias regras do direito canônico, e algumas
MEDEIROS, Milena Gomes de; LIMA, Rita de Lourdes de. Trabalho domé-
instituições eclesiásticas se transformaram em instituições seculares, tal

612 613
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

como ocorreu, de regra, nos países católicos.” (GOMES, Orlando. Direito de [691]
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BORGES, Lize. Mãe solteira não. Mãe Solo! Considerações sobre Mater- tem-auxilio-emergencial-de-r-1200-negado-e-acusam-ex-companheiros-
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Doutora e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo.
quences of Maternity Leave Policies: Evidence from Brazil. FGV Digital Graduação em Direito pela Universidade Federal do Pará. Advogada. Pro-
Repository. RP / PPA –Papers, 2016. Disponível em: https://portal.fgv.br/ fessora no curso de graduação em Direito e Professora na Pós-Graduação
think-tank/mulheres-perdem-trabalho-apos-terem-lhos. Acesso em: 22 da Universidade Federal do Pará. Ex-pesquisadora bolsista da Fundação
jul. 2020. Ford. Membro da Rede de Pesquisa Junction Amazonian Biodiver-
[690]
MACHADO, Cecilia; NETO, Valdemar P. The Labor Market Conse- sity Units Research Network Program (JAMBU-RNP). Belém-Pará. E-mail:
quences of Maternity Leave Policies: Evidence from Brazil. FGV Digital lumascaŀ@yahoo.com.br. Instagram @lumascaŀ. Contato telefônico: (91)
Repository. RP / PPA – Papers, 2016.Disponível em: https://portal.fgv.br/ 981231737.
think-tank/mulheres-perdem-trabalho-apos-terem-lhos. Acesso em: 22 [702]
Doutora e Mestre em Direito pela Universidade de São Paulo.
JUL 2020. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais. Profes-
sora do UniBH e da Una. Advogada especializada em Direito de Família e

614 615
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

das Sucessões. Belo Horizonte/MG. E-mail: laura@laurabrito.com.br. Con- fortalecer políticas sólidas e legislação aplicável para a promoção da igual-
tato telefônico: (31) 986339386. dade de gênero e o empoderamento de todas as mulheres e meninas em
[703]
Graduanda do curso de Direito da Universidade Federal do Pará todos os níveis.
[711]
(UFPA). Membro do grupo de pesquisa "Teoria do Direito, Meio Am- Nesse sentido, vale a pena conferir a parceria rmada pelo Instituto
biente e Justiça. Membro do grupo de pesquisa “Financiando Dir- Coca Cola e a ONU Mulheres.  Disponível em: http://
eitos”. Voluntária no Projeto de Extensão “Assessoria Jurídica como www.onumulheres.org.br/wp-content/uploads/2019/12/Caderno-de-
Instrumento de apoio à Agência de Inovação Tecnológica (UNIVER- Leitura-Projeto-G%C3%AAnero-e-Direitos-Humanos-Construindo-Di
SITEC)”. LinkedIn: https://www.linkedin.com/in/luiza-maziviero/. E-mail: %C3%A1logos-para-a-Autonomia-Econ%C3%B4mica.pdf. Acesso em: 08
luizamaziviero@gmail.com. jul. 2020
[704] [712]
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Mulheres. Cadernos Jurídicos, ano 15, n. 38, São Paulo: Escola Paulista da In: REILLY, Niamh. International Human Rights of Women. Singapura:
Magistratura, jan./abr. 2014, p. 21-22. Springer, 2019, p. 230-231.
[705] [713]
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[706]
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[714]
21. MIRANDA, Cynthia M. Brasil, Canadá e a Integração de Políticas de
[707]
PIOVESAN, Flavia. A Mulher e o Debate Sobre Direitos Humanos no Gênero a partir da Plataforma de Ação de Pequim. Interfaces Brasil/Can-
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[715]
40. DURAN, Camila V. Governança Econômica Global de Desigualdade de
[708]
Aprovação parcial do tratado. Gênero: Uma Agenda para a Pesquisa Jurídica Brasileira na pós-crise da
[709]
COVID-19. Working Paper - NEPEI/IRI/USP, São Paulo, n. 4, jun. 2020, p.
PIOVESAN, 2014, p. 25. 9.
[710] [716]
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ponível em: https://nacoesunidas.org/pos2015/ods5/. Acesso em 10 de [717]
julho de 2020. Os principais pontos são: 5.1Acabar com todas as formas GOONESEKERE, Savitri W. E. The Indivisibility of Rights and Substan-
de discriminação contra todas as mulheres e meninas em toda parte. tive Equality for Women. In: REILLY, Niamh. International Human Rights
5.2 Eliminar todas as formas de violência contra todas as mulheres e of Women. Singapura: Springer, 2019, p. 45.
[718]
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sexual e de outros tipos 5.3 Eliminar todas as práticas nocivas, como Women’s Empowerment: What Prospects for Delivery?. In: KALTEN-
os casamentos prematuros, forçados e de crianças e mutilações genitais BORN, Markus; KRAJEWSKI, Markus; KUHN, Heike (org.). Sustainable De-
femininas 5.4 Reconhecer e valorizar o trabalho de assistência e domé- velopment Goals and Human Rights. 5. ed. Cham, Suíça: Springer, 2020,
stico não remunerado, por meio da disponibilização de serviços públicos, p. 97.
infraestrutura e políticas de proteção social, bem como a promoção da [719]
VIOTTI, Maria Luiza R. Declaração e Plataforma de Ação da IV Con-
responsabilidade compartilhada dentro do lar e da família, conforme os
ferência Mundial sobre a Mulher “Pequim, 1995”. In: BRASIL. PRESIDÊN-
contextos nacionais 5.5Garantir a participação plena e efetiva das mul-
CIA DA REPÚBLICA. Instrumentos Internacionais de Direitos das Mul-
heres e a igualdade de oportunidades para a liderança em todos os níveis
heres. Brasília: Secretaria Especial de Política para as Mulheres, 2006, p.
de tomada de decisão na vida política, econômica e pública 5.6Assegurar
148-149.
o acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e os direitos reprodutivos,
[720]
como acordado em conformidade com o Programa de Ação da Conferên- VIOTTI, loc. cit.
cia Internacional sobre População e Desenvolvimento e com a Plataforma [721]
CHOPRA, 2015, n.p, apud ODERA, Josephine A.; MULUSA, Judy. SDGs,
de Ação de Pequim e os documentos resultantes de suas conferências
Gender Equality and Women’s Empowerment: What Prospects for Deliv-
de revisão 5.aRealizar reformas para dar às mulheres direitos iguais aos
ery?. In: KALTENBORN, Markus; KRAJEWSKI, Markus; KUHN, Heike (org.).
recursos econômicos, bem como o acesso a propriedade e controle sobre
Sustainable Development Goals and Human Rights. 5. ed. Cham, Suíça:
a terra e outras formas de propriedade, serviços nanceiros, herança e os
Springer, 2020, p. 95-118.
recursos naturais, de acordo com as leis nacionais 5.bAumentar o uso de
[722]
tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e com- VIOTTI, op cit., p. 150.
unicação, para promover o empoderamento das mulheres 5.c Adotar e [723]
DURAN, Camila V. Governança Econômica Global de Desigualdade de

616 617
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

Gênero: Uma Agenda para a Pesquisa Jurídica Brasileira na pós-crise da noticias/2020-2/abril/aplicativo-de-denuncias-de-violacao-de-direitos-


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de parto, parto e pós-parto imediato. § 1º O acompanhante de que trata
jul.2020)
o caput deste artigo será indicado pela parturiente. § 2º As ações dest-
[772]
 “Art. 7º As ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados inadas a viabilizar o pleno exercício dos direitos de que trata este artigo
contratados ou conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS), constarão do regulamento da lei, a ser elaborado pelo órgão competente
são desenvolvidos de acordo com as diretrizes previstas no art. 198 da do Poder Executivo”. (BRASIL, 2005, op. cit.)

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[783] Campina Grande (UFCG). Bacharela em Direito. Especialista em Direito
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Penal e Processual Penal pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). E-
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[784] (UEPB). Mestranda em História pela Universidade Federal de Campina
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Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/en/covid19/item/1028- Frase inspirada na letrada música Eu e a Brisa, do compositor Johny
protocolo-de-atendimento-no-parto-puerperio-e-abortamento-durante- Alf.
a-pandemia-da-covid-19. Acesso em: 08 jul. 2020. [795]
Adotamos um nome ctício para a docente narrada, como forma de
[785] preservar sua privacidade, o pseudônimo de Atena faz referência à deusa
“A implantação de medidas não-farmacológicas tem apenas um objet-
ivo: preparar o sistema de saúde para assistência de um grande número de que segundo a mitologia grega, representa a sabedoria, e é associada tam-
casos de COVID-19. (...)Não possibilidade de evitar a pandemia, há so- bém à Educação.
mente a possibilidade de diminuir o pico epidêmico em número de casos [796]
HAVARI, Yuval Noan. Na batalha contra o Coronavírus, faltam líderes
e distribuí-los ao longo do tempo a m de preparar os sis- à humanidade. Tradução Odorico Leal, Ed. Companhia das Letras, São
temas de saúde”. (MINISTÉRIO DA SAÚDE. Boletim Epidemi- Paulo, 2020.
ológico n. 8. Secretaria de Vigilância Em Saúde. 2020. Dispon- [797]
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A imposição de restrição em alguns casos utilizou como pretexto a ne-
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da parturiente e seu lho, neste aspecto a Associação de Ginecologistas e Covid-19 e o papel temporalizador do Direito, In: COVID-19 E DIREITO
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[808] Acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-
Secretária Adjunta de Políticas para as Mulheres SPM - PSA (2013 –
mail: dudaandrades@hotmail.com.
2016). E-mail: cristinapp@terra.com.br
[814]
[809] Acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-
Secretária de Políticas para as Mulheres SPM - PSA (2013 - 2016). E-
mail: ma_julialima@outlook.com.
mail: saconchao@uol.com.br
[815]
[810] Acadêmica de Direito na Universidade Estadual de Londrina (UEL). E-
Consultora ADM - PSA (1990 - 1992). E-mail: sonia.calio@gmail.com
mail: nataliaslvlima1997@gmail.com.
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relli2002@yahoo.com.br. Doutora em Ciências Jurídico-Criminais pela Faculdade de Direito da
[903] Universidade de Coimbra. Mestre em Ciências Jurídico-Criminais. Profes-
http://www.in.gov.br/en/web/dou/-/portaria-n-188-de-3-de-
sora do PPGD UFBA. Promotora do Ministério Público Militar da União. E-
fevereiro-de-2020-241408388
mail: selmadesantana@gmail.com
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Doutoranda em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
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A matriz epistemológica apresenta como autores mais citados: Fou-
doméstica contra as mulheres. Brasília: Secretaria Nacional de En-
cault, Santos, Habermas, Bauman, Bourdieu e Durkheim. Vericou-se que
frentamento à Violência Contra as Mulheres/Secretaria de Políticas
categorias das Epistemologias do Sul podem ter aproximações com cada
para as Mulheres-Presidência das República, 2011. Disponível
um desses autores, mas se ressalta que a constatação de tais anidades
em: http://portal.mec.gov.br/docman/marco-2012-pdf/10182-14-pacto-
somente pode ser dar se realizado um aprofundamento nas concepções
enfrentamento-violencia-contra mulheres/le, p. 4. Acesso em
de cada um deles. Por não estar contemplado entre os objetivos desta
10/07/2020.
pesquisa, eis que demandariam um tempo considerável de levantamento,
[924]
BRASIL. Lei Maria da Penha. Lei nº 11.340, de 07 de optou-se em explanar breves aproximações, mais evidentes. Os dados
agosto de 2006. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ quantitativos apontaram que menos da metade das pesquisas liam-se a
_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em 10/07/2020. uma corrente epistemológica claramente denida, portanto, a hipótese
[925] da pesquisa exposta no último capítulo - liação a uma corrente epis-
BRASIL. Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência Con-
temológica – não pode ser conrmada. Além disso, há pouca preocupação
tra as Mulheres. Secretaria de Políticas para as Mulheres-Presidên-
com a manutenção de uma vigilância epistemológica constante, caindo
cia da República. Pacto nacional pelo enfrentamento à violência
por terra a outra parte da hipótese (profundidade na citação dos autores
doméstica contra as mulheres. Brasília: Secretaria Nacional de En-
de base epistemológica) (MENDES, 2018, p.146 -147).
frentamento à Violência Contra as Mulheres/Secretaria de Políticas
[933]
para as Mulheres-Presidência das República, 2011. Disponível Art. 1º. A Justiça Restaurativa constitui-se como um conjunto or-
em: http://portal.mec.gov.br/docman/marco-2012-pdf/10182-14-pacto- denado e sistêmico de princípios, métodos, técnicas e atividades próprias,
enfrentamento-violencia-contra-mulheres/le. Acesso em 10/07/2020. que visa à conscientização sobre os fatores relacionais, institucionais e so-
[926] ciais motivadores de conitos e violência, e por meio do qual os conitos
CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Dispon-
que geram dano, concreto ou abstrato, são solucionados de modo estru-
ível em: https://www.cnj.jus.br/processos-de-violencia-domestica-e-
turado na seguinte forma:
feminicidio-crescem-em-2019/. Acesso em 10/07/2020.
I – é necessária a participação do ofensor, e, quando houver, da vítima,
[927]
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. NOTA TÉCNICA: bem como, das suas famílias e dos demais envolvidos no fato danoso, com
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19 – a presença dos representantes da comunidade direta ou indiretamente
ED.2, p. 2. Disponível em https://forumseguranca.org.br/wp-content/ atingida pelo fato e de um ou mais facilitadores restaurativos;
uploads/2020/06/violencia-domestica-covid-19-ed02-v5.pdf. Acesso em II – as práticas restaurativas serão coordenadas por facilitadores restaura-
08/07/2020. tivos capacitados em técnicas autocompositivas e consensuais de solução
[928] de conitos próprias da Justiça Restaurativa, podendo ser servidor do tri-
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. NOTA TÉCNICA:
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19 – bunal, agente público, voluntário ou indicado por entidades parceiras;
ED.2, p. 5-6. Disponível em https://forumseguranca.org.br/wp-content/ III – as práticas restaurativas terão como foco a satisfação das necessi-
uploads/2020/06/violencia-domestica-covid-19-ed02-v5.pdf. Acesso dades de todos os envolvidos, a responsabilização ativa daqueles que con-
em: 08 jul. 2020 tribuíram direta ou indiretamente para a ocorrência do fato danoso e o
[929]
empoderamento da comunidade, destacando a necessidade da reparação
FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇA PÚBLICA. NOTA TÉCNICA: do dano e da recomposição do tecido social rompido pelo conito e as suas
VIOLÊNCIA DOMÉSTICA DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19 – ED.2, implicações para o futuro.
p. 5-6. Disponível em https://forumseguranca.org.br/wp-content/up- [934]
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[967] www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/lcp/lcp150.htm>. Acesso em 07 jul
GESTANTE DE 27 ANOS MORRE DE COVID-19 EM TELÊ- 2020.

640 641
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

[977] [988]
O termo trabalhador doméstico se refere a toda pessoa do sexo fem- Especialista em Direito Civil pela Pontifícia Universidade Católica
inino ou masculino que presta serviços de forma contínua, subordinada, de Minas Gerais (PUC-MG). Bacharel em Direito pela Faculdade Multivix
onerosa e pessoal e de nalidade não lucrativa à pessoa ou à família, no - Cachoeiro de Itapemirim-ES, Pesquisadora do Laboratório de Política
âmbito residencial destas, por mais de 02 (dois) dias por semana, nos ter- Comportamento e Mídia da Fundação São Paulo (PUC-SP), Professora de
mos do art. 1ª, caput, da mencionada Lei Complementar. Metodologia da Pesquisa Cientíca e Filosoa das Religiões (CETEBES),
[978] Bacharel em Sistemas de Informação pela São Camilo - ES, Especialista
IBGE. Pesquisa nacional por amostra de domicílios: PNAD. Rio de
em Educação Prossional e Tecnológica pelo IFES/ES, Especialista em Psic-
Janeiro: IBGE, 2020. Quadro sintético do 1º Trimestre: jan-fev-mar/2020.
opedagogia Clínica e Institucional pela São Camilo – ES, Especialista em
Disponível em: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/popu-
Informática Educativa pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Ge-
lacao/17270-pnad-continua.html?edicao=27762&t=downloads. Acesso
rais (PUC/MG), Bacharel em Sistemas de Informação, pela São Camilo –
em: 06 jul. 2020.
ES, Licenciada em Pedagogia pelo Centro Universitário São Camilo - ES. E-
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ADICHIE, Chimamanda Ngozi. Sejamos Todos Feministas. Tradução (SP), set. 2019. Disponível em: http://app.casadosaber.com.br/course/
de Christina Baum. São Paulo: Companhia das Letras, 2014, 77p. mulheres.marilena. Acesso em: 18 jun. 2020.

642 643
EZILDA MELO PANDEMIA E MULHERES

[1003] Escola. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/filosofia/o-con-


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[1005] 2003
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em: 20 jun. 2020. filosofia da educação brasileira. Curitiba: Gráfica Popular, 2007
[1006] [1020]
Ibidem, p. 145. - SODRÉ, Muniz. O terreiro e a cidade: a forma social negro-bra-
[1007]
LISPECTOR, Clarice. O ovo e a galinha. Disponível em: https:// sileira. Petrópolis: Vozes, 1988.
claricelispector.blogspot.com/search?q=o+ovo+e+a+galinha. Acesso em:
10 jul. 2020. [1021]
Doutoranda em Direito pela Universidade Federal da Bahia - UFBA.
[1008]
Ibidem., p. 321. Mestra em Direitos Fundamentais e Justiça pela Universidade Federal da
[1009] Bahia - UFBA. Especialista em Ciências Criminais pela Pontifícia Uni-
WOOLF, Virginia. ProŁssões para Mulheres e outros artigos femin- versidade Católica de Minas Gerais - PUC/Minas. Especialista em Direito
istas. Tradução Denise Bottmann. Porto Alegre: L&PM, 2019. Processual Civil pela Universidade de Santa Cruz do Sul - UNISC. Espe-
[1010] cialista em Direitos Difusos e Coletivos pela Fundação Escola Superior do
LISPECTOR, Clarice. Disponível em: https://
claricelispector.blogspot.com/search?q=Esperan%C3%A7a. Acesso em: Ministério Público do Rio Grande do Sul - FMP/RS. Bacharela em Direito
07 jul. 2020. pela Faculdade Ruy Barbosa - FRB. Advogada e Conciliadora junto ao Tri-
[1011] bunal de Justiça do Estado da Bahia. Professora das disciplinas de Direito
Ibidem., p. 122.
Penal e Direito Processual Penal na Universidade Regional da Bahia. E-
[1012]
Mestre em Teatro (Universidade Federal de Uberlândia). Especial- mail: Louise_tassia@hotmail.com.
ização em Interpretação teatral. Especialização Orientação Sexual. Espe- [1022]
LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada.
cialização em Planejamento Educacional. Graduação em Artes Plasticas,
3ª ed. ampl. e atual. Salvador: Juspodvium, 2015, p. 903.
UFU - Universidade Federal de Uberlândia. Atriz. Funcionária Pública. E-
[1023]
mail: susifeoli@yahoo.com.br. FERNANDES, Maria da Penha Maia. Sobrevivi... posso contar. 2ª ed.
[1013]
Graduada em pedagogia especialista em educação para relações Fortaleza: Armazém da Cultura, 2012, p. 108.
[1024]
étnicos raciais, história e cultura africana e afro-brasileira. Terapeuta in- LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada.
tegrada. E-mail: romildamariadejesus12@gmail.com. 3ª ed. ampl. e atual. Salvador: Juspodvium, 2015, p. 905.
[1025]
[1014] JESUS, Damásio de. Violência contra a mulher: aspectos criminais
Disponível em: https://www.google.com/search?q=Publicado%3A
da Lei 11340/2006. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015, p. 52.
+02+Agosto%2C+2013+-+10h11+Escrito+por%3A+Secretaria+de+Pol
[1026]
%C3%ADticas+para+as+Mulheres+da+Presid%C3%AAncia+da+Rep DIDIER Jr, Fredie; OLIVEIRA, Rafael. Aspectos processuais
%C3%BAblica&oq=Publicado%3A+02+Agosto%2C+2013+- Acesso em: civis da Lei Maria da Penha. Disponível em: https://www.mpma.m-
24 jul. 2020+10h11+Escrito+por%3A+Secretaria+de+Pol p.br/arquivos/CAOPDH/caop_dh/documentos/Aspectos_Processuais_Civ-
%C3%ADticas+para+as+Mulheres+da+Presid%C3%AAncia+da+Rep is_da_Lei_Maria_da_Penha.pdf. Acesso em: 19 fev. 2020.
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pce.mp.br/nespeciais/promulher/artigos/Medidas%20Protetivas%20de
noticia/2020/07/20/casos-e-mortes-por-coronavirus-no-brasil-em-20-
%20Urgencia%20-%20Natureza%20Jur%C3%ADdica%20-
de-julho-segundo-consorcio-de-veiculos-de-imprensa.ghtml Acesso em:
%20Anailton%20Mendes%20de%20Sa%20Diniz.pdf. Acesso em: 19
24 jul. 2020
fev. 2020.
[1016]
Disponível em: https://g1.globo.com/mg/triangulo-mineiro/ [1028]
Segundo matéria veiculada no site do Tribunal de Justiça
noticia/2020/05/28/uberlandia-fecha-mais-de-4-mil-postos-de-
do Estado de Rondônia. Disponível em: https://www.tjro.jus.br/
trabalho-segundo-primeiro-caged-de-2020.ghtml Acesso em: 24 jul.
noticias/item/12445-violencia-domestica-durante-pandemia-queda-no-
2020
[1017]
numero-de-medida-protetivas-de-urgencia-preocupa>. Acesso em: 13 jul.
CABRAL, João Francisco Pereira. Conflito entre Razão e Fé.  Brasil 2020.

644 645
EZILDA MELO

[1029]
O levantamento faz parte do monitoramento quadrimestral da série
de reportagens “Um vírus e duas guerras“, que será publicada ao longo de
2020, e é resultado de uma parceria colaborativa entre as mídias inde-
pendentes Amazônia Real, sediada no Amazonas; Agência Eco Nordeste,
no Ceará; #Colabora, no Rio de Janeiro; Portal Catarinas, em Santa Catarina;
e Ponte Jornalismo, em São Paulo
[1030]
Disponível em: https://ponte.org/mulheres-enfrentam-em-casa-a-
violencia-domestica-e-a-pandemia-da-covid-19/. Acesso em: 13 jul. ABOUT THE AUTHOR
2020.
[1031]
Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/direi-
tos-humanos/noticia/2020-06/casos-de-feminicidio-crescem-22-em-12- Carla Estela Rodrigues, Ezilda Melo, Maria
estados-durante-pandemia. Acesso em: 13 jul. 2020.
[1032]
Júlia Poletine
Disponível em: < https://www.uol.com.br/universa/noti-
cias/agencia-brasil/2020/07/09/camara-aprova-medidas-para-proteger- As organizadoras da obra são advogadas com atuação na pro-
vitimas-de-violencia-domestica.htm>. Acesso em: 13 jul. 2020.
[1033] teção de mulheres. No Instagram podem ser encontradas e
Recomendação 62, de 17 de março de 2020.
[1034]
quem quiser dialogar sobre a obra pode mandar mensagem
Segundo matéria veiculada pelo site do Tribunal de Justiça do Estado
da Bahia. Publicado em: < http://www5.tjba.jus.br/portal/violencia-do-
para o e-mail: pandemiaemulher@gmail.com
mestica-3a-vara-de-violencia-domestica-de-salvador-oferece-servico-de-
teleatendimento-para-vitimas-com-processos-na-unidade/>. Acesso em: @carlaestelarodrigues
13 jul. 2020.
@ezildamelo
@juliapoletine.adv

Em breve estará nas redes sociais o Observatório das Mul-


heridades.

646
PANDEMIA E MULHERES
Trata-se de coleção com foco nas repercussões interdiscip-
linares da pandemia na vida das mulheres brasileiras. Diante
do silêncio e desta omissão pública, resta aos movimentos
de mulheres e dos demais grupos vulnerados, procurarem
por si sós, instrumentos para dar visibilidade e legitimidade
para pautas urgentíssimas e procurarem unir forças para sair
desta situação.
Diante deste panorama, propomos mais um observatório
para ajudar no planilhamento destes dados e sugeriremos
propostas políticas neste ano eleitoral para mulheres can-
didatas que se conectem com essa preocupação. Trata-se
do “Observatório das Mulheridades”, que nasce da necessi-
dade de sistematizar informações, problematizar situações
e apontar soluções para melhorar as condições das mul-
heres vulneradas, em qualquer contexto que seja, durante a
Pandemia do Coronavírus. Este projeto contará com blog, in-
stagram, canal de YouTube, podcast e fará ciclo de palestras
com as pessoas participantes do projeto coletivo.

Pandemia E Mulheres - Volume 01


No Volume 01 da coleção "Pandemia e Mulheres, feita com
a colaboração de 78 autores, distribuídos em 36 artigos,
foi escrito com um olhar voltado para as consequências
da pandemia na vida das mulheres, sem nenhum tipo de
nanciamento/custeio para a pesquisa, a não ser a colab-
oração entre todos que participaram, apresentou dados lo-
cais, discutiu problemas, fez análises críticas de situações
enfrentadas no cotidiano das mulheres no contexto da
pandemia. Dialoga com as questões de gênero, classe e raça.
Serve como um mapeamento inicial que aglomera várias
vozes sobre a questão da mulher no Brasil pandêmico.

Pandemia E Mulheres - Volume 02


Na obra "Pandemia e Mulheres - volume 02", temos 42 ar-
tigos, escritos por 86 pesquisadores brasileiros. Os recortes
temáticos Łcaram enumerados nas seguintes perspectivas
de abordagens teóricas: direito das mulheres quilombolas,
direitos das mulheres imigrantes e refugiadas, a questão do
isolamento da mulher e as repercussões em sua saúde, o
aumento da violência doméstica que contou com cinco tex-
tos distintos, a questão dos marcadores interseccionais de
classe, raça e gênero tiveram seis artigos, dois artigos sobre
o Legislativo e as normas de proteção às mulheres, a abor-
dagem sobre a questão das mulheres trans foi apresentada
em dois artigos, cinco artigos trataram sobre as mulheres
grávidas, a questão do direito do trabalho e renda para mu-
lheres Łcou evidenciado em duas análises, a ética da alteri-
dade foi colocada a partir da ŁlosoŁa, da literatura e da esté-
tica, a epistemologia do cuidado e o autocuidado da mulher,
textos sobre mulheres encarceradas apareceram duas vezes
nesta coletânea, as mulheres na linha de frente no combate
ao vírus, trabalho doméstico das mulheres Łcou eviden-
ciado em três abordagens distintas e que dialogam entre si, a
inter-relação entre a maternidade solo e a pandemia, os dir-
eitos internacionais de proteção às mulheres, o ensino tele
presencial e os efeitos nas vidas das mulheres, a gestão fem-
inista no espaço público, a justiça restaurativa no contexto
da violência contra a mulher.
Proof

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