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Exemplo de um caso para estudo

Jornal Público - Online

Menina desaparecida em Peniche


encontrada sem vida. Pai e
madrasta “fortemente indiciados”
do crime de homicídio
A menina, de nove anos, estava desaparecida desde quinta-feira. PJ diz que
estão “fortemente indiciados de crimes de homicídio, ocultação de cadáveres,
entre outros”.
Carlos Cipriano,
 
Ana Henriques  e
 

Patrícia Carvalho
10 de Maio de 2020, 12:28 actualizado a 10 de Maio de 2020, 17:48

Valentina, a menina de nove anos cujo desaparecimento, em Atouguia


da Baleia, Peniche, foi tornado público na quinta-feira de manhã, foi
encontrada sem vida, este domingo. O pai e a madrasta foram detidos
por suspeita de envolvimento na sua morte.

Fernando Jordão, coordenador da Polícia Judiciária de Leiria, disse


nesta tarde de domingo, em conferência de imprensa, que o pai e a
madrasta da criança, de 32 e 38 anos, estão “fortemente indiciados de
crimes de homicídio, ocultação de cadáveres, entre outros”. 

Os dois foram detidos já esta manhã, afirmou o responsável da PJ,


realçando que a descoberta do corpo da menina só foi possível após a
inquirição a várias pessoas, num trabalho desenvolvido “noite e dia”,
em colaboração com a GNR, a Protecção Civil, autarcas e populares.
Fernando Jordão disse que a PJ está convicta que a menina “morreu na
habitação”, ainda na quarta-feira, e que o corpo foi transportado para o
local onde seria encontrado “já ao fim do dia”. Quanto às
circunstâncias que levaram ao presumível homicídio, o responsável da
PJ disse que ainda estão a ser apuradas, mas que, até agora, as
informações recolhidas apontam para “questões internas do
funcionamento da família”. 

O corpo da menina não foi enterrado, estando apenas “tapado” com


arbustos, no eucaliptal a alguns quilómetros da habitação dos
suspeitos, em Atouguia da Baleia, Peniche, onde foi encontrado,
afirmou ainda. 

Casos com contornos semelhantes

Setembro de 2004: Joana, com oito anos, desapareceu sem deixar


rasto. Inicialmente pensava ter-se tratado de um caso de rapto, mas o
tribunal deu como provado que Leonor Cipriano, juntamente com o
irmão João, tio da menina, espancou a menor e escondeu o
cadáver que nunca foi encontrado. Leonor e o irmão foram condenados
a 16 anos e oito meses de prisão por homicídio qualificado e ocultação
de cadáver.

Abril de 2005: Vanessa Filipa, de cinco anos, morreu na sequência de


queimaduras quando foi obrigada pela avó a permanecer numa
banheira com água a escaldar. Corpo da menina foi atirado ao rio
Douro pelo pai e pela avó, tendo sido encontrado dias depois. A mulher
foi condenada a 18 anos e o pai a 14 anos e nove meses pela morte da
criança e ocultação do cadáver.

Fevereiro de 2012: professora de 47 anos atirou filho de 12 anos da


janela de um hotel, numa das ruas mais movimentadas de Bragança, e
suicidou-se após cometer o crime.

Agosto de 2014: casal matou a filha bebé de quatro meses com água a
ferver em Marvila, Lisboa. Bebé sofreu queimaduras de segundo grau
em 50% do corpo. Pai foi condenado à pena máxima, 25 anos, e mãe a
18 anos de prisão.

Abril de 2015: homem de 33 anos mata filho com três meses à facada,


em Oeiras, depois de a companheira lhe ter dito que queria pôr fim à
relação entre ambos por ele ter recomeçado a beber. Tribunal
condenou pai do bebé a 25 anos de prisão.

Fevereiro de 2019: pai matou filha de dois anos após ter assassinado


a sogra, em Corroios, no Seixal. Homem foi encontrado morto na zona
de Castanheira de Pêra, de onde era natural, no mesmo dia em que o
cadáver da criança foi recuperado pelas autoridades no interior de um
carro. 

Miguel Dantas

A confirmação do pior desfecho para o desaparecimento da criança


chegou ao final da manhã, através de uma nota da Polícia Judiciária
(PJ). Pouco depois, o presidente da Junta de Freguesia de Atouguia da
Baleia, Afonso Clara, em declarações aos jornalistas, dava conta que a
menina tinha sido encontrada num “eucaliptal”, "a alguns quilómetros”
da casa do pai, onde estava a viver temporariamente.

O autarca disse ainda que a descoberta do corpo terá sido consequência


de informações recolhidas pela PJ no âmbito da investigação, e não
fruto do trabalho desenvolvido pelos grupos de busca que estiveram no
terreno. Representantes da GNR e da Protecção Civil de Leiria deram
conta, na conferência de imprensa desta tarde, que cerca de 600
pessoas, entre elementos da GNR, PSP, bombeiros, escuteiros, equipas
cinotécnicas e operadoras de drones estiveram envolvidas nas buscas,
tendo percorrido cerca de quatro mil hectares de terreno. As equipas
ainda não tinham chegado ao local onde foi encontrado o corpo da
menina.

CPCJ diz que criança não estava sinalizada


Valentina já tinha desaparecido uma vez da casa do pai, a 8 de Abril do
ano passado (quando este vivia em Peniche), tendo, na altura, sido
encontrada bem pelas forças de segurança. A menina terá dito que
tinha fugido por ter saudades da mãe. Nessa altura, o caso foi
reportado à Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ), mas
Fernando Jordão disse, esta tarde, não ter conhecimento que desse
contacto tenha resultado qualquer suspeita ou referenciação de algum
problema de negligência ou maus-tratos na família. 

Isso mesmo confirmou o PÚBLICO junto da CPCJ de Peniche e do


Bombarral. Rute Azevedo, presidente da CPCJ do Bombarral, explicou
que esta “nunca recebeu qualquer sinalização da menor ou da família”.
Da CPCJ de Peniche a indicação é exatamente a mesma: “Não temos
qualquer processo aberto em nome da família, nem qualquer
acompanhamento”, disse um elemento da comissão que prefere não ser
identificado.

Ao início da tarde, em declarações ao PÚBLICO, Afonso Clara revelou


que houve dois factos que lhe levantaram suspeitas. Por um lado, a
atitude do pai, operário fabril, que não participou nas buscas e que, ao
longo destes quatro dias, se apresentou sempre “demasiado calmo”.
Por outro, o facto de o homem ter relatado que a criança tinha saído de
casa de pijama e chinelos, o que não faria grande sentido se estava a
pensar em fugir.

O presidente da Junta de Freguesia de Atouguia da Baleia contou ainda


que a mãe da menina participou ativamente nas buscas. “Essa sim,
notava-se que estava angustiada, em sofrimento”, acrescentou o
autarca.

Valentina vivia habitualmente com a mãe


O pai de Valentina e a madrasta vivem na localidade há nove meses. O
casal tem uma filha em comum com menos de um ano, e na habitação
estavam ainda duas crianças, uma com “11/12 anos” e outra de
quatro, filhos de uma relação anterior da mulher. A PJ disse não ter
qualquer indicação se estes menores, terão assistido ao crime.

Já a menina vivia habitualmente com a mãe, descrita como “uma


mulher de trabalho”, na vila do Bombarral, para onde se mudaram
depois da separação. Antes, a família vivia numa aldeia do concelho,
Famões.

Valentina frequentava o 3.º ano da Escola Fernão do Pó, no Bombarral,


e a notícia da sua morte está a ser acompanhada com tristeza e
incredulidade. A mãe de uma amiga de Valentina, que conhecia a
menina desde os quatro anos, sintetizou o desânimo vivido: “Ainda
bem que já não há mais aulas este ano, porque assim as crianças já não
vão ser confrontadas com o lugar vazio.”

O alerta para o desaparecimento de Valentina foi dado pelo pai da


criança, que, na quinta-feira de manhã, se deslocou ao posto da GNR.
Na altura o homem terá dito que a filha foi dormir na noite anterior,
mas já não se encontrava em casa quando ele acordou. 

O caso da pequena Valentina e a


residência alternada
O infanticídio não é, definitivamente, uma questão de género. Do mesmo modo,
a residência alternada não pode ser diabolizada porque um pai – ou uma mãe –
cometeram um ato criminoso inqualificável.
Nuno Cardoso Ribeiro
11 de Maio de 2020, 12:30
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Foi com choque e consternação que todo o país recebeu a notícia da


morte da pequena Valentina às mãos do próprio pai.

A seu tempo se conhecerá a verdade e, em concreto, se a criança foi


assassinada pelo progenitor e em que circunstâncias. Até lá, este
homem e a sua mulher presumem-se inocentes.

Os filicídios são uma realidade dramática, muito especialmente quando


as vítimas são crianças, e a indignação grassou – e bem! – pelas redes
sociais, mas logo surgiram dedos acusatórios vituperando os juízes que
fixam regimes de residência alternada no caso de pais
separados/divorciados, ou convívios contra a vontade das crianças.

Ora, como advogado de família e menores não posso deixar passar em


claro esta infâmia. Fazê-lo equivaleria a admitir que qualquer pai –
homem, entenda-se – é um potencial homicida dos seus filhos!

A realidade, porém, é bem diversa, como evidenciaram os casos


tristemente célebres de Sónia Lima – que afogou as duas filhas em
Paço D’Arcos, Caxias – e da mãe da Joana, no Algarve.

O infanticídio não é, definitivamente, uma questão de género.

Do mesmo modo, a residência alternada não pode ser diabolizada


porque um pai – ou uma mãe – cometeram um ato criminoso
inqualificável.

Ao contrário de muitos operadores judiciários da área da família, não


sou um defensor intransigente do regime da residência alternada. Este
regime poderá ser uma solução para muitas famílias, mas não para
muitas outras. Nalguns casos as crianças devem residir
maioritariamente com a mãe, noutros será mais acertado serem
entregues ao pai. Só caso a caso se poderá determinar qual o regime
que, em concreto, melhor se adequa àquela família em particular.

Na impossibilidade de vigiarmos todas as famílias, em


especial aquelas sem histórico relevante de
disfuncionalidade, resta a certeza de que o caso desta
menina não será, infelizmente, o último

Independentemente da minha posição pessoal sobre a residência


alternada, uma coisa é certa: o triste caso da Valentina não pode servir
de argumento aos detratores deste regime, pois um potencial homicida
do seu filho não deve ter a criança a seu cargo, seja em regime de
residência alternada, seja noutro regime qualquer…

Nos tribunais de família não dispomos de bolas de cristal e as decisões


são tomadas, com maior ou menor acerto, com os dados que estão
disponíveis e com vista ao superior interesse da criança. E este passa,
na esmagadora maioria das situações, por manter contacto com ambos
os progenitores após o divórcio ou separação.

A realidade é que a família, malogradamente, nem sempre é o “porto


seguro” que deveria abrigar as crianças das intempéries. Por muito que
custe admitir, sabemos que é no seio da família que são cometidas as
maiores atrocidades contra as crianças… maus-tratos, negligência e
abuso sexual. Os agressores de crianças são, por via de regra, familiares
ou pessoas próximas da família, tal como o caso da pequena Valentina
parece, mais uma vez, demonstrar.

Na impossibilidade de vigiarmos todas as famílias, em especial aquelas


sem histórico relevante de disfuncionalidade, resta a certeza de que o
caso desta menina não será, infelizmente, o último.

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