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MUSAS

de
Néstor Caballero
(1989)

Tradução: Carolina Virgüez


Avaliado e aprovado: Néstor Caballero.

Direção: Marcelo Morato

com
Gaby de Saboya (Sylvia Plath)
Marcelle Sampaio (Frida Kahlo)

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Para Mariana Eloísa,
AMO onde ficar.

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Cena 1 – Frida e Sylvia / NORTE SUL

(ESCURO.)
SYLVIA: Frida! Frida!
FRIDA: Para de piscar, Sylvia, senão não consigo pintar você.
SYLVIA: Estou sufocando pelo norte, Frida.
FRIDA: Gostaria muito de dançar pelo sul, Sylvia.
SYLVIA: Seus pés estão me apertando.
FRIDA: Deixa eu ver seus olhos.
(Sylvia acende fósforo.)
(LUZ ABRE.)
SYLVIA: E se eles chegarem?
FRIDA: Que deixem de ser bobos e dancem com a gente.
(Entra música 1)
(Frida e Sylvia preparam sua próxima cena.)

Cena 2 – Frida / MENTIRAS

(LUZ NA LATERAL ESQUERDA.)


(Frida maquia sobrancelha e bigode, diante do espelho. Sylvia bate o bolo.)
FRIDA: Sabe qual foi a minha primeira mentira? (ri) Adivinhe, Diego Sapão.
Minha primeira mentira foi o meu nascimento. Sete de julho de 1910.
Disse para mim mesma: vou nascer nessa data e não na outra, na
verdadeira. Não, Diego Sapão, não vou dizer a data verdadeira. Vamos
Frida Kahlo, vamos nascer no México moderno! Eu me pari em plena
revolução. Se mexeu, Diego! Aqui está Dieguito. Nada de azuis,
Dieguito. Nada de azuis como papai... como Diego... como papai sapão...
(BLACK-OUT LENTO NA LATERAL ESQUERDA.)
(Música 1 sai em fade rápido.)

Cena 3 – Sylvia / PRATO DO TED

(SIMULTANEAMENTE ILUMINA-SE A LATERAL DIREITA.)

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SYLVIA: Mãe, o inverno de Londres é que nem eu. A menina é que nem você.
Frieda come e nada lhe faz mal. Adora chucrute. Manda para mim a sua
receita de sopa de couve. O menino é que nem meu pai. Nicolas só come
olhando para o norte. Fecha os olhos quando não é papinha. E a
cenoura… tem dias que tenho que dar cenoura com gelatina para ele.
Odeia leite. Esta sou eu. Gosto de pegar as migalhinhas de cada um dos
pratos. (pausa curta) Mãe, em toda parte há um prato do Ted... em todos
os cantos. O que é que eu faço com o prato do Ted? (pausa curta)
Melhor você não vir, mãe, porque as crianças estão dormindo e o prato
do Ted continua vazio. (pausa curta) Vamos comer deste inverno, Ted.
(BLACK-OUT SOBRE SYLVIA. LUZ NA ÁREA DO ENCONTRO.)

Cena 4 – Frida e Sylvia / CICATRIZ

(Sylvia toca a cicatriz de Frida.)


FRIDA: Para cima... o dedo mais para cima. Aí começa o rabo enroscado.
Continue… continue descendo... essa é a cabeça. Agora mais para
abaixo... essa é o peito sobressaltado. Mais para baixo... aí. Essa é a
mão. Está vendo? Minha cicatriz parece um macaco pendurado pelo rabo,
segurando uma bananinha preta.
SYLVIA: Está ouvindo o Nicolas chorando?
FRIDA. Não é seu filho. É o Diego. Sempre chora quando dorme.
SYLVIA: Ted dorme de olhos abertos.
FRIDA: Assim dormem os poetas. Menos o Breton. Ele dormia com um olho
fechado e o outro aberto. Era surrealista! (ri)
SYLVIA: E eu?
FRIDA: As mulheres poetas não dormem.
(Entra música 2.)
(Sylvia ajuda Frida a colocar a gaze.)
SYLVIA: Lá como é?
FRIDA: Que nem um som.
SYLVIA: De abelhas?
FRIDA: Não. De cavalos.
SYLVIA: E o sabor? Tem um sabor?

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FRIDA: Bem doce.
SYLVIA: Ted não gosta de doce. Quando ele chegar lá, não sei o que será dele.
FRIDA: Manda para ele uma caveira de açúcar.
SYLVIA: Quando tomo chá, ponho um torrão de açúcar no meio dos dentes. E
bebo frio, num copo.
FRIDA: Poesia. Como é?
SYLVIA: Uma confissão.
FRIDA: É como pintar?
SYLVIA: Depois é uma absolvição.
FRIDA: É. Como pintar. E os filhos, Sylvia? Como são os filhos?
SYLVIA: Já estão acordando.
(Sai música 2 em fade.)
SYLVIA: Já estão chorando. Já tenho que ir. Ted está escrevendo. Não quero que
Frieda e Nicolas o interrompam.
FRIDA: (canta) “La cucaracha, la cucaracha,
ya no puede caminar,
porque le falta, porque no tiene
la patica principal”
(BLACK-OUT SOBRE FRIDA.)

Cena 5 – Sylvia / CAMÉLIA INCANDESCENTE

(LUZ NA LATERAL DIREITA.)


(Sylvia arruma os pratos à mesa.)
SYLVIA: Ted? (pausa curta) Ted? Ted. Ted, desce, o jantar está pronto. (para si
mesma) Ted? (silêncio) Você é cruel que nem uma mulher, mas não tão
nervoso. (pausa) Certamente vão tirar fotos. Sempre fiquei mal nas fotos.
Sempre fui tão comprida, tão loura, pareço uma lua de papel japonês.
(passa batom) Mãe, não se preocupe, passei nas provas. (seca os pratos e
os guarda) Aqui, em Londres, recuperarei meus pensamentos. Talvez no
céu recupere o meu coração. (limpa a boca) Sou tão alta, tão grande. Sou
uma enorme camélia incandescente. Não, não tirem mais fotos minhas.
Ted, não deixe que tirem fotos minhas!
(Entra música 3.)

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(BLACK-OUT LENTO SOBRE SYLVIA.)

Cena 6 – Frida / CHUVA FINA

(LUZ NA LATERAL ESQUERDA.)


FRIDA: Ai, que chuva fina, miúda. Não quero chover, Diego. Pára essa chuva
para mim. (pausa curta) Foi-se. Choveu. Meu filho foi isso? Apenas uma
água escura e fria que escorregou no granito liso das minhas pernas?
Dieguito, filho, que fonte ruim, eu sou, que mal sonho de águas. Diego,
quero outro, por favor. Quero outro. Mostrarei o caminho para ele. Meu
filho vai vir se escutar os sussurros. Filho, procure às cegas a minha
respiração de cachorrinho. Lá está ele. Meu menino está vindo. Meu
ventre é o caminho para um riacho, mas às vezes não lembra. (pausa
curta) Será uma menina? Frida pequena? Sim, Diego. Sim. Todo mar é
virgem. Ai, que chuva fina! Ai!
(Sai música 3.)

Cena 7 – Frida e Sylvia / TROTSKY E O PAI

(LUZ PARA AMBOS OS LADOS.)


SYLVIA: Soube desde pequena.
FRIDA: O vinho.
SYLVIA: Ser poeta.
FRIDA: A pimenta.
SYLVIA: Ser professora de literatura.
FRIDA: O açúcar.
SYLVIA: Viajar, conhecer, estar em todos os lugares.
(Frida pega o vinho, a pimenta e o açúcar.)
FRIDA: O médico não terá mais que se preocupar com o meu peso.
SYLVIA: Ter o dom da onipresença.
FRIDA: Esse colete me faz aumentar cinco quilos.
SYLVIA: Ser conhecida como Sylvia Plath, a garota que queria ser Deus.
FRIDA: Este colete deveria ser uma joia.
SYLVIA: Ser poeta e mãe. Uma poeta excelente. Uma mãe perfeita.

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FRIDA: Começa-se com o vinho.
SYLVIA: Frida, se a lua sorrisse, pareceria com você.
FRIDA: Agora essa tequila vagabunda. (bebe um bom gole da tequila e oferece a
Sylvia) Bebe.
SYLVIA: (bebe um pouco. tosse) Frida, a eternidade é um tédio. (coloca para o
lado a garrafa de tequila)
FRIDA: Você tem que pingar um pouco de vinho num dos lados da toalha e
depois cobrir para que eu não possa ver.
(Sylvia assim o faz. Frida pega a garrafa de vinho, bebe um gole e borrifa a toalha.)
FRIDA: Por baixo do seu vinho, o meu.
SYLVIA: Um cadáver refinado?
FRIDA: Mas um cadáver feliz. Passa a tequila, comadre. Vão ter inveja do sorriso
do meu cadáver. (bebe)
SYLVIA: E agora?
FRIDA: Agora a pimenta. (polvilha) Vai você.
(Sylvia deixa cair pimenta na toalha.)
FRIDA: (bebe vinho e tequila) E por último, o açúcar.
(As duas fazem o mesmo jogo com o açúcar.)
SYLVIA: Preferia sal.
FRIDA: Aí não seria um cadáver feliz com essa ferida aberta. Esse é o ciclo da
vida... vinho, pimenta, e açúcar..
SYLVIA: E agora?
FRIDA: Aperta a toalha entre as mãos. Assim. Tem que ficar amarrotada.
(Sylvia assim o faz. Frida aperta e acende um baseado. Fuma.)
FRIDA: Quer fumar?
SYLVIA. Não. Faz mal. Muito mal.
FRIDA. Não se pode pretender ser o morto mais saudável do cemitério... (ri) O
morto mais saudável do cemitério... Que coisa boa. (oferece a Sylvia
novamente) Vai, um tapinha, é da boa. Plantada no cemitério de
Cuernavaca.
SYLVIA: Só uma provadinha.
FRIDA: Uma só... uma só.
(Sylvia fuma, começa a tossir. Frida fuma de novo e oferece a Sylvia. Sylvia fuma.)
FRIDA: Assim, assim, tente segurar a respiração para que possa ver estrelinhas.

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(Enquanto conversam, Frida dá o cigarro para Sylvia, que terminará por fumar de
maneira inconsciente.)
SYLVIA: (ri de repente) Gostei de “Raízes”.
FRIDA: Eu também.
SYLVIA: Densa.
FRIDA: No meu sonho era uma serpente muito velha. Nada como o “peyote” para
a gente voltar à raiz.
SYLVIA. Nunca tinha experimentado drogas. Não estou falando do “peyote”.
Estou falando de “Raízes”. A peça. A peça de teatro. Ai, Frida, uma peça
de teatro de Arnold Wesker.
FRIDA: Acho o teatro chato. Prefiro o cinema.
SYLVIA: “Um Cão Andaluz”?
FRIDA: Não. “Tarzan, o homem macaco”. (ri às gargalhadas)
Esses macacos que entendem o homem são fantásticos.
(Sylvia começa a rir baixinho. Frida dá outra gargalhada. Ambas riem. Bebem.
Fumam.)
FRIDA. Já pode soltar a toalha.
(Ambas estão concentradas observando as manchas da toalha.)
FRIDA: O quê há no seu desenho?
SYLVIA: Meu pai.
FRIDA: O meu é parecido com o velho Trotsky.
SYLVIA: Meu pai morreu quando eu era criança.
FRIDA: Muito grosso... muito rude, o velho Trotsky. Natália diante dele. Ao lado
dela, Diego. E do meu lado o Trotsky que, disfarçadamente começou a
apertar tão forte a minha coxa que quase me fez gritar. Essa era a maneira
dele se declarar.
SYLVIA: Minha mãe foi até o quarto e me disse: papai se foi, Sylvia,
agora está descansando.
(Sylvia coloca música na vitrola – Lado A, faixa 4.)
FRIDA: Lascivo, o velho Trotsky. Adorava ele. Se você tivesse visto, Sylvia, nas
posições que ele me colocava. Gostava do vai e vem... do balanço... do
cavalo galopando, mas da que mais gostava era a da borboleta flutuante.
Essa é muito fácil, você fica com as pernas... Ai, minha nossa Senhora de
Guadalupe, se a cama da minha irmã Cristina falasse.

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(Ambas continuam bebendo.)
SYLVIA: No dia em que meu pai morreu, fui para a escola. É que eu tinha uma
bolsa e não queria perdê-la. Escrevi no meu caderno: prometo não me
casar nunca mais. Levei para minha mãe e fiz com que ela assinasse.
(pausa curta) Minha mãe cumpriu.
FRIDA: Cansei do velho Trotsky. Sempre se culpando. Me chamava de
“Piochita” e depois saía correndo para escrever para mulher dele...
“Natalia, minha única, minha eterna, minha fiel, meu amor e minha
vítima”.
(Sylvia tira o disco da vitrola.)
FRIDA: Seu bobo, eu nunca deixaria o meu Diego por ele.
SYLVIA: Estou enjoada. Estou com vontade de vomitar, Frida.
FRIDA: Acabamos com a tequila e com o vinho.
SYLVIA. Um banheiro! Por favor, um banheiro!
FRIDA: Isso é viver!
SYLVIA. Um banheiro. Um banheiro, Ted, um banheiro!
FRIDA: Tomar banho, fazer amor e tomar banho de novo. Viva a
tequila!
(BLACK OUT NA ÁREA DO ENCONTRO.)

Cena 8 – Sylvia / COLHENDO AMORAS

(AO MESMO TEMPO LUZ NA LATERAL DIREITA.)


(Sylvia está tentando vomitar.)
SYLVIA. Mãe, está fazendo uma manhã linda de dezembro. Não sei se eu contei
para você, mas The New Yorker acabou de comprar um poema meu, que
se chama “Colhendo Amoras”. São setenta e cinco dólares que serão
muito bem recebidos. (pausa) Kennedy me fez sentir tão mal quando
disse que Kruschov não teria onde se esconder, que comecei a me
perguntar se valia a pena trazer filhos a um mundo tão enlouquecido.
(pausa curta) Seria bom se pudéssemos mandar para a lua todas essas
pessoas amantes da destruição. (pausa) Não gosto do serviço religioso da
igreja anglicana. É uma espécie de missa católica sem sal (toca o próprio
ventre) Nicolas, você começou a ficar pesado. Mamãe, lá fora no jardim,

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Ted está plantando morangos. Frieda vai atrás dele com a sua pazinha.
Imita direitinho todos os gestos do Ted. Frieda parece um duendezinho
com essa jaqueta vermelha de capuz. Não sei quando publicarão meu
poema “Tulipas”. (ri) Imagino que quando florescerem. (chora)
(BLACKOUT LENTO SOBRE SYLVIA.)
(Entra música 4.)

Cena 9 – Frida / CRISTINA

(ILUMINA-SE A LATERAL ESQUERDA.)


(Frida usa roupas de homem. Pendura seu traje de tehuana.)
FRIDA: Nessa vida, ou você fode os outros ou está fodido. Deixo aí com você a
Frida Fodida. Você não vai me foder! Que idiota fui. Devia ter
desconfiado quando você a desenhou como uma serpente tentadora e a
você mesmo como Adão. Como não percebi! Claro, você desviava a
atenção rindo da cara dela: porque era burra, que porque ainda ela se
perguntava quem era “Fuenteovejuna”, porque ela sempre que acabava
um filme, perguntava quem era o assassino, e que, claro, pertencia a
F.U.F, Frente Unida das Feias: porque ela era etérea. Etérea? Etérea e
pego vocês dormindo juntinhos? Você e a minha irmã Cristina! Carajo!
Vou embora, Diego, vou embora para Nova Iorque. Vou me divorciar.
Que a Cristina leve o jantar para você. Não suporto isso. A tristeza me
deixa furiosa. Você tem sorte, Frida Kahlo, das vinte e cinco facadas que
a vida te deu, apenas uma matou você.
(LUZ CAI.)
(Sai música 4 em fade.)

Cena 10 – Sylvia / NAQUELE TEMPO

(ILUMINA-SE A LATERAL DIREITA.)


(Sylvia nina a sua máquina de escrever.)
SYLVIA: Naquele tempo arrumo e lavo as panelas de cobre, o aparelho de
chá holandês, o aquecedor a carvão, a mamadeira de suco, as
moscas nas mamadeiras, a vasilha descascada de ágata lá da

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salinha, os galhos, as prateleiras, os livros pretos, o linóleo verde,
os poemas insípidos, a tábua para invocar os mortos, os ombros
inclinados em direção ao abismo, o ramo de narcisos debaixo da
língua, o olho raso d’água de Frieda, o papel de parede rasgado
onde dormem as aranhas, a farinha nas unhas cor-de-rosa de
Nicolas, as amoras para o café, o sótão dos santos inocentes, as
enormes palmas cor de pêssego, o nó na garganta, a macieira
bichada, a madressilva subindo para o quarto das crianças, o
fogão a gás que me abençoa. Deus! Deus, quando meu pai
morreu, jurei que nunca mais iria lhe dirigir a palavra, mas se o
Ted voltar estou disposta a reconsiderar o meu juramento!
(BLACKOUT LENTÍSSIMO SOBRE SYLVIA.)
(Entra música 5. Vai até o fim da faixa.)

Cena 11 – Frida e Sylvia / NA PRAIA ACABA O DESAMOR

(ILUMINA-SE A ÁREA DO ENCONTRO.)


SYLVIA: Já?
FRIDA: Só um momento.
SYLVIA: A curiosidade me mata.
FRIDA: Sua questão é a morte. Parece mexicana.
(Frida vira de frente. O colete tem rostos e flores exóticos, pintados em cores vivas.)
FRIDA: Pode entrar.
SYLVIA. (entrando) Até que enfim. (Observa o colete) É lindo... como o grito
final..
FRIDA: A ideia é pregar uma peça na morte. Pega os colares de madrepérola que
o Picasso me deu de presente.
(Sylvia entrega para Frida alguns colares. Frida coloca por cima do colete. Sylvia
chora.)
SYLVIA: Prometo que não vou perdoá-lo.
FRIDA: Não é bom fazer promessas. As promessas não deixam você dizer te amo.
SYLVIA: Com a outra. Está com a outra.
FRIDA: Fiz essa promessa. Me divorciei. E me casei de novo... com o Diego.
SYLVIA: Ele quer o divórcio.

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FRIDA: E é bonita?
SYLVIA: Não sei.
FRIDA: Poderiam ficar os três.
SYLVIA: O universo se afasta de mim.
FRIDA: Na praia acaba o desamor.
(Sylvia abre sombrinha; Frida levanta a saia.)
SYLVIA: Frida.
FRIDA: Sol! Sol! Sol!
SYLVIA: Frida.
FRIDA: Senta aí.
SYLVIA: Melhor... melhor você se cobrir.
FRIDA: Por quê?
SYLVIA: Alguém pode chegar.
FRIDA: E daí?
SYLVIA: Vão notar. Vão perceber que você...
FRIDA: Não tem nada de mal. As tehuanas não usamos calcinhas!
SYLVIA: (pausa) Onde estará?
FRIDA: Sinta a areia.
SYLVIA: E se eu for para Paris?
FRIDA: Odeio Paris.
SYLVIA: Talvez me acalme num café.
FRIDA: Os franceses se acham os deuses do mundo.
SYLVIA: Levou as minhas palavras.
FRIDA: Principalmente aquela barata velha do Breton.
SYLVIA: Chegará assim para mim? A morte chegará assim?
FRIDA. A morte deveria ser como ir ao cinema. Você se senta, assiste aos filmes
bebendo Milk-shake de chocolate.
SYLVIA: É. A morte foi feita para as palavras.
FRIDA: Nela vão estar todas as cores que eu quiser.
SYLVIA: Estarão os poemas.
FRIDA. Estará o verde, que é uma luz morna e boa.
SYLVIA. Não haverá um café.
FRIDA: Também estará a cor do café, que é como uma pétala de rosa velha, que
se vai.

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SYLVIA: Na morte os poemas serão coloridos? Será azul a
palavra azul ?
FRIDA: O azul é uma cor além da melancolia.
SYLVIA. E se nesse momento as letras desmaiarem? E se na morte as palavras não
se sustentarem? Será assim? Cairão desvalidas num papel sem fundo?
Desmaiadas... amarelas.
FRIDA: O amarelo me faz cosquinhas atrás das orelhas.
SYLVIA. Não. E se nesse momento ele chegar e não me encontrar? E se voltar para
jantar e eu não estiver? E se bater à porta do meu quarto e achar que
estou apenas dormindo? Venha, Ted, estou aqui! Ted respire debaixo do
meu lençol. Ted, por favor, chame mais alto. Grite, Ted. Não estou
dormindo. Não estou escutando você, Ted, quase não consigo escutar
você.
(Sai correndo)
FRIDA: O amarelo. O amarelo é a cor da roupa de baixo dos fantasmas. (ri) E o
sol? O sol é um Olhossauro que nos sonha! (canta e sai) “Mira que si te
quise,
fue por el pelo
Ahora que estás pelona
ya no te quiero.”

Cena 12 – Sylvia / GATOS

(ILUMINA-SE A LATERAL DIREITA.)


SYLVIA: (enquanto procura duas xícaras) Onde passou a noite, Pieker? A essas
alturas da vida! Não tem vergonha? E você também, Bunks. Se isso é
agora imagina depois! Isso não é bom. Além do mais, Frieda perguntou
por vocês. (põe leite nas duas xícaras) Não precisam dizer nada. Sei que
estou acabada. Só ossos. Vou ter que dar um jeito nessas olheiras. São os
calmantes. (acende um cigarro. começa a tossir. serve-se um copo
grande de café. bebe) Bem que podiam me levar com vocês para as
noitadas.
(Entra música 6.)

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SYLVIA: Pieker e Bunks, venham tomar o leite. Está bem frio. Vamos embora para
Londres. Vamos deixar Devon. Que ironia. O Ted falou tantas vezes que
Londres era a morte, e lá está ele. É. Vamos embora. Detesto essa vida de
vaca provedora. Vou embora para Londres. Lá eu sou conhecida.
Promoverei encontros com intelectuais na minha casa. Se o leite não
estiver frio o suficiente não me responsabilizo. Semana passada, na
revista Listener, meu nome foi citado como uma das seis mulheres que
ficarão para sempre na literatura. É uma lista que incluí nada mais e nada
menos que a Mariane Moore e as irmãs Brontë. Eu… eu estou nessa lista.
Nicolas já está com dois dentes. Está tudo virando cacos... meu aparelho
de jantar de porcelana... tudo. Até as minhas amadas abelhas, ontem,
vieram para cima de mim. Gostaria... gostaria. Gostaria tanto de ter o
meu caixote de madeira! O das maçãs. O caixote onde me metia para
brincar, quando era criança Mas... não gostaria de... não gostaria da
minha bola de jogar vôlei! Na escola, quando formavam os times de vôlei
e me escalavam num deles, ficava deprimida por causa das minhas
amigas. “A Sylvia está no nosso time, ou seja: já perdemos” Pieker,
Bunks. Venham! Venham, por favor, eu suplico. Mãe. Mãe, se você
soubesse como é bom conversar com os gatos. Pieker, Bunks... psss...
psss!
(BLACKOUT LENTO SOBRE SYLVIA.)

Cena 13 – Frida / NOVO ANO

(ILUMINA-SE A LATERAL ESQUERDA.)


FRIDA: De quem são essas bolinhas? Da Frida... da Frida. Seu sexo cheira a
essência de carvalho. Seu peito cheira à saudade de uma nogueira. Ao
verde hálito do freixo. No México os vulcões foram extintos porque
você, quando pinta, faz erupção com estas mãos. Só um vulcão conhece
as entranhas do outro. Os seus lábios têm o suco das frutas, o sangue da
romã, a suavidade do sapoti. Nos seus mamilos, a doçura do abacaxi.
Vira. Adoro a sua bundinha!
(Sai música 6.)

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FRIDA: Como estará Natália? Hoje está fazendo um mês que mataram Trotsky.
Essa aí não vai aguentar muito. Natália fica soterrada pelas lembranças.
É. A polícia nos fez passar um momento muito difícil. Que falta de
imaginação. Achar que tínhamos conseguido asilo para ele para
assassiná-lo. Esse ano foi nojento! Deixei a porta aberta para ele ir
embora de vez. Trotsky. Stalin assinando tratados com Hitler. A guerra.
Meu pé, meu casco cada vez mais duro. Está chegando o ano novo!

(Frida acende uma vela festiva dentro de uma caveira.)


FRIDA: Feliz ano novo, meu sapão, meu Buda.
(Entra música 7.)
(BLACK-OUT NA LATERAL ESQUERDA.)

Cena 14 – Frida e Sylvia / FELIZES SEPARAÇÕES

(ILUMINA-SE A ÁREA DO ENCONTRO.)


(Desce a piñata.)
SYLVIA: Não sabia.
FRIDA: Gostou?
SYLVIA. Estou emocionada com a festa que você preparou para mim.
FRIDA. Você tem que comemorar.
SYLVIA: O desassossego?
FRIDA: As separações tem que ser comemoradas como uma festa de aniversário.
Você nasce de novo.
SYLVIA: Já sei como se chama.
FRIDA: Vamos comer o bolo.
SYLVIA. Não quero engordar.
FRIDA: Bolinho de chocolate.
SYLVIA. É mais velha do que ele.
FRIDA: Gelatina de limão. Quem?
SYLVIA: Ela.
FRIDA: Pudim de abacaxi. A outra?
SYLVIA: É casada.

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FRIDA: Come, Sylvia. Não tem problema se você engordar, a depressão sempre é
gorda.
SYLVIA. (comendo) O nome dela é Ássia.
FRIDA: (servindo um prato e comendo) A nova amante do Diego é Maria.
SYLVIA: Ássia... tão distante.
FRIDA: Maria Felix.
SYLVIA: Ássia se hospedou na minha casa. Era minha amiga.
FRIDA. Normal.
SYLVIA: Esteve com o marido dela na minha casa. Eu tinha oferecido a minha
amizade a ela.
FRIDA. Normal. Lógico. Não sei por que a surpresa. Com quem mais poderiam
trair a gente? Com as amigas. Muito difícil que enganem você com uma
inimiga.
SYLVIA: Salvei o meu casamento apesar das alunas dele… que eram jovens, e ela,
uma mulher mais velha… e minha amiga.
FRIDA: Será sempre assim. Amigas... amigos. Foi assim com Noguchi.
SYLVIA: Noguchi?
FRIDA: Um escultor. Chegou lá em casa admirando a obra de Diego e...
SYLVIA: E?
FRIDA: Ficou admirando os meus seios. Era belo, o Noguchi. Parecia
uma pequena joia pré-colombiana.
SYLVIA: Morreu?
FRIDA: Quase. (serve suco) Quer?
SYLVIA: É de que?
FRIDA: Suco de Urubu. (ri) Mentira. (bebe) Noguchi e seus olhos verde-
esmeralda, como já diria Agustín Lara. Toma, bebe, é gostoso. A relação
terminou de um jeito engraçado.
SYLVIA: Ela que coloque em dia a correspondência dele. A Ássia que costure suas
meias.
FRIDA: Noguchi e eu fomos amantes desde que a gente se viu. Era muito intenso.
Nunca ficava cansado. Não me dava tempo nem para pintar. Decidimos
alugar um apartamento porque Diego aparecia nos momentos mais
cruciais. Fui numa loja e escolhi a cama. Uma cama larga de grades
douradas. Larguíssima, que desperdício!

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SYLVIA: Duvido ela acordar a qualquer hora para escutar um poema do Ted.
Imagina!
FRIDA: O vendedor de móveis levou a cama e, como Noguchi e eu estávamos
demorando para chegar ao apartamento, ele teve a ideia de levar a nota
fiscal para o Diego. Foi uma confusão. Diego pegou o revólver e foi
procurar o Noguchi. Apontou a arma no meio da testa dele e disse: “eu
não empresto minha mulher”. Noguchi foi embora para Estocolmo.
SYLVIA: Onde eu falhei?
(Sai música 7.)
FRIDA: Diego não é o marido de ninguém. Nunca será. Mas é um grande
companheiro.
SYLVIA: Logo com a Ássia que fala, fala e não diz nada. O que fomos
nós, Frida?
FRIDA: Musas. No meu caso, uma musa manca.
SYLVIA: Álvarez, o crítico, diz que eu, na minha poesia, dependo cada vez mais
do Ted.
FRIDA: Divorcie-se. A crítica tem que ser contrariada.
SYLVIA. E o que serei então?
FRIDA: Uma artista... uma artista, um laço de fita em torno de uma bomba.
SYLVIA: Sua ausência é pior que os eletrochoques.
FRIDA: A dor deixei nos meus quadros.
SYLVIA. Eu não sou nas minhas cartas. Sou nos meus poemas.
FRIDA: (dá um presente) Toma.
SYLVIA: Não precisava se incomodar. Eu não trouxe nada para você. É o…?
FRIDA: Abre.
SYLVIA: (abre o presente) Uma redoma de vidro! Frida, o que posso dar para
você?
FRIDA: (entrega para ela uma vara embrulhada em papel colorido e aponta
para a “piñata”) Bate nele.
SYLVIA: No bonequinho?
FRIDA: Não é um bonequinho. É uma “piñata”.
SYLVIA: Não tenho coragem.
FRIDA: As “piñatas” são assim, como a vida.
SYLVIA: É que ele é muito bonito.

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FRIDA: Como a dor. Como as surpresas. Tudo é assim. As surpresas a gente só
ganha depois de bater. Depois de quebrar uma coisa bonita, surge uma
mais bonita ainda. Bate.
(BLACK-OUT RÁPIDO.)
(Entra música 8, crescendo.)
FRIDA: Felizes separações!

Cena 15 – Frida e Sylvia / A NOIVA E SAPATO PRETO

(AS LATERAIS ESQUERDA E DIREITA ILUMINAM-SE SIMULTANEAMENTE.)


(Frida está pintando um quadro. Na segunda lateral, Sylvia datilografa.)
(Música 8 sai.)
FRIDA: (enquanto pinta) Aquí, cuatro paredes blancas...
SYLVIA: (enquanto escreve) You do not do, you do not do…
FRIDA: Que transpiran un olor a éter...
SYLVIA: Any more, black shoe.
FRIDA: (observa o quadro) Te llamarás “La novia que se espanta de ver la vida
abierta”.
SYLVIA: In which I have lived like a foot / For thirty years...
FRIDA: Te guardo en mí, como un secreto herido, desde ahora.
(BLACK-OUT SOBRE FRIDA.)
SYLVIA: You do not do, you do not do
Any more, black shoe
In which I have lived like a foot
For thirty years, poor and white,
Barely daring to breathe or Achoo.
(BLACK-OUT LENTO NA LATERAL DIREITA, ENQUANTO VAI SENDO
ILUMINADA A LATERAL ESQUERDA.)

Cena 16 – Frida / MORFINA

(Frida deitada, pinta na perna que amputará.)


FRIDA: Levanta, levanta esse olhar, Diego. Não chore! Os sapos machos
esperneiam, mas não choram Quando... quando me transpassaram o

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osso... Não... transpassaram não. Quando me transplantaram o osso
perguntei para o médico o nome do doador e... Ele disse... Francisco.
Francisco Villa. Já pensou? Francisco Villa como o nosso Pancho Villa.
Com esse novo osso fiquei com vontade de sair do hospital atirando, e
começar então uma outra revolução. Morfina! Diego, morfina. Quero que
me injetem morfina de novo! Te suplico. Diga para eles... diga para eles
que não estou vendo mais os animais avermelhados passeando embaixo
da minha cama. Meu casco já está acordando. Os ferros que ardem já
começaram a me cravar as costas! (Pausa. Adormece. Queixa-se)
Diego... não vou mais cortar o bigode. Serei tão viril como uma orquídea.
(Entra música 9.)
FRIDA: Morfina, morfina, morfina. Cristo não sabe nada! Cristo não usou vinte e
oito coletes durante a sua vida. Um colete de aço, três de couro e o
restante de gesso.
(Sylvia liga o rádio.)
FRIDA: Morfina! Aí está outra vez. Olha, é Judas. Está me olhando de ladinho.
Aí está. Não está vendo? Atrás do quadro dos macacos. Entrarei no
inferno com um pé só. Não se deve chorar os pés que se foram. Um outro
nascerá de novo se você o pintar. Meus pés frutescerão. Pinta um pé para
mim. Morfina, Diego, porra, morfina!
(BLACK-OUT RÁPIDO NA LATERAL ESQUERDA.)

Cena 17 – Sylvia / YEATS

(ILUMINA-SE A LATERAL DIREITA.)


SYLVIA: Se tem algum espírito que deseja se comunicar, que se manifeste. Sim.
Qual é o seu nome? Y...E...A...T...S... Yeats? O poeta? Sim. Querido
Yeats, poeta Yeats. Não estava esperando por você. Desculpe essa minha
roupa, meu cabelo desajeitado, os espelhos enlutados, a boca cheia de
pérolas, a sinusite. Santa Teresinha também tinha sinusite, febre alta e
odiava o frio. Ela não recebeu eletrochoque. Mas eu recebi. Faz tempo.
Querido Yeats. Poeta Yeats, existem dois tipos de eletrochoque. Os
bipolares e os eletro-convulsivos. Isso é... é... como um deus que agarra
você pelas raízes do cabelo e nos rodopios azuis nos faz soltar faíscas.

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Depois você fica inocente como a luz do dia. E... E temos que brincar de
anagramas para aprender de novo as letras. Ninguém acreditou.
(Sylvia desliga o rádio.)
SYLVIA: Estava ouvindo o rádio com a minha mãe. Hitler não tinha morrido ainda.
Eu o tinha visto voando no teco-teco. Eu o vi, num dos seus aviões,
daqueles sem capota. Hitler pilotava, e na poltrona de trás estava Eva
Braun e... ela usava um lenço branco de bolinhas vermelhas na cabeça, e
me deu um adeus, assim, com a mão, lá de cima. Eu estava deitada na
praia. Pegando um sol... em Cabo Cod. Querido Yeats, poeta Yeats. Me
perdoe por alugar a sua casa. Eu vou tomar conta dela. É que eu não
estava suportando mais Devon, nem a caça às vagabundas. Eu... eu vou
limpá-la muito bem. Sou... fico com vergonha de dizer, mas... eu também
sou poeta. Sou... sou uma boa dona de casa. Vou lhe oferecer mel,
coalhada e caviar vermelho. (Dobra-se sobre si mesma. Grito longo.
Fica ereta novamente. Tranquila) Isso que acabou de grasnar foi a ave do
pânico. É ela que me impede de escrever. (Repete o movimento e o grito
anterior. Fica ereta) Ouviu? Ela... ela não me deixa escrever. (Repete
novamente todo o movimento. Fica ereta e respira fundo. Retém a
respiração. Vai soltando o ar lentamente) Vou descendo o meu rosto em
direção ao berço. Meu rosto está indo em direção ao berço. Já. Já está
bem. Não. Não deixarei de ser uma boa mãe. É. Entendo. Antes de ir-me
embora, vou deixar servido o café da manhã das crianças. Querido Yeats.
Poeta Yeats. Me abençoe.
(Sai música 9.)
(BLACK-OUT RÁPIDO SOBRE SYLVIA.)

Cena 18 – Frida / TENHO ASAS DE SOBRA

(ILUMINA-SE A LATERAL ESQUERDA.)


(Frida se enfeita.)
FRIDA: (canta baixinho) Se equivocó la paloma.
Se equivocaba.
En vez del norte se fue al sur.
Se equivocaba.

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Creyó que el trigo era el agua.
Se equivocaba.
(pausa. tranquila) Não quero que o Diego entre, não quero que o meu
menino entre. Virou um sapo velho que berra. Não quero que ele entre
até que pare de chorar. Cristina, por favor, quero ser cremada. Não quero
ir para o túmulo deitada. A morte é uma farra. (enche balão de gás) Este
ano tem sido o ano dos caldos. Caldinho de carne, caldinho de frango,
caldinho de peixe. Caldinho de nada. (Cantarola de boca fechada parte
da canção. Fica cansada.) O que mais querem? Não podem me tirar mais
nada. Quiseram os meus dedos e agora já os têm. Quiseram a minha
perna e a levaram. Quiseram as minhas costas e não estou mais nelas.
Quero... que... que me tragam meu anel de pavão. Numa... numa... numa
bota só dançarei um “jarabe tapatío”. Tenho... tenho asas de sobra. “Se...
se equivocó la paloma... se equivocaba” As águas, para mim, sempre
foram vermelhas.
(Entra música 10, e vai até o fim da faixa.)
FRIDA: (sussurra, de maneira entrecortada, a primeira estrofe da canção) Está...
está. (respira fundo. fica assim por um instante. vai deixando sair o ar
com dificuldade) É... já está. (murmurando) Está anoitecendo na minha
vida... (Estoura o balão.) Que a partida seja breve e que eu não volte
nunca mais. (Morre)
(BLACK-OUT LENTISSIMO SOBRE FRIDA.)

Cena 19 – Sylvia / BALÕES AMARELOS


(ILUMINA-SE A LATERAL DIREITA.)
SYLVIA. (sem se mover, tranquila) Ontem levei as crianças ao zoológico.
Gostaram dos leões... dos elefantes... e dos pinguins que estavam
nadando. Frieda ficou fascinada com a coruja porque também tem
bundinha, como ela. Ontem comemos batatas, maçãs e mel. Tudo da
minha própria colheita. Ontem comprei uma jaqueta verde escuro, uma
saia de lã vermelha e uma pulseira larga, de metal. Ontem cortei o cabelo
bem na moda. Em cima bem curtinho e com uns cachinhos mais
compridos perto da orelha. Fiquei bem moderna. Os caminhoneiros
assoviaram quando eu passei. É incrível. Ontem. Ontem não sabia se

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escrevia um poema, se limpava o chão ou se abraçava as crianças. Mas
ontem eu soube que hoje o meu sonho ficaria repleto de balões amarelos.
(solta balões a gás)
(BLACK-OUT RÁPIDO SOBRE SYLVIA.)

CENA 20 – Frida e Sylvia / DO OUTRO LADO


(LUZ EM TODO O PALCO.)
FRIDA: Quente?
SYLVIA: Frio?
FRIDA: Por onde?
SYLVIA: Pelo norte?
FRIDA: Frio?
SYLVIA: Quente?
FRIDA: Quente.
(Frida e Sylvia cruzam para o espaço da outra.)
(Entra música 11.)
SYLVIA: Quente.
FRIDA: Pelo norte?
SYLVIA: Pelo norte.
FRIDA: Pelo norte o mar das Antilhas. Pelo sul?
SYLVIA: A sombra dos gatos. Pelo leste?
FRIDA: Os cavaleiros, os corpos dos mulatos, as coxas, os cabelos encaracolados,
o riso que derrete os disfarces. Pelo oeste?
SYLVIA: A lua.
FRIDA: A lua... O quê?
SYLVIA: A lua que não tem motivo para se entristecer.
FRIDA: Por quê?
SYLVIA: Porque está olhando com firmeza, lá do seu capuz de osso.
FRIDA: Vamos dançar porque um mundo que é divertido e comestível, do outro
lado, morde.
(Música sobe.)
(LUZ SAI EM FADE.)

Fim

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