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Atos de Pesquisa em Educação - ISSN 1809-0354

Blumenau, v.14, n.2, supl.1, p.745-771, out./nov. 2019


DOI: http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2019v14n2s1p745-771

O DOCENTE EM FORMAÇÃO E O DOCENTE FORMADOR:


UMA VISÃO SOBRE A TECNOLOGIA DIGITAL NA GRADE CURRICULAR

THE TEACHER IN TRAINING AND THE TEACHER:


A VISION ON DIGITAL TECHNOLOGY IN THE CURRICULUM

EL DOCENTE EN FORMACIÓN Y EL DOCENTE FORMADOR:


UNA VISIÓN SOBRE LA TECNOLOGÍA DIGITAL EN LA GRAN CURRICULAR

FALCÃO, Patricia Mirella de Paulo


patricia.mirellaf@gmail.com
UFSCar - Universidade Federal de São Carlos
https://orcid.org/0000-0003-2164-4246

MILL, Daniel
mill.ufscar@gmail.com
UFSCar - Universidade Federal de São Carlos
https://orcid.org/0000-0002-8336-3645

RESUMO As mudanças advindas da utilização das tecnologias digitais têm sido


amplamente debatidas, com isso, tornou-se senso comum que as crianças e jovens
dominam os dispositivos de maneira mais hábil do que seus pais e professores.
Neste viés, a formação docente encontra-se em um momento crítico. Assim, foram
realizadas entrevistas com dois coordenadores e setenta e cinco alunos do curso de
Pedagogia, objetivando identificar seus conhecimentos sobre as tecnologias
disponíveis. Os resultados demonstram que a maioria dos alunos aponta a
necessidade da utilização da tecnologia digital na educação; porém, não estão
sendo preparados para tal. Verificou-se que embora existam disciplinas na grade
curricular afins ao tema, parece haver uma espécie de inércia ou desconhecimento
sobre a real necessidade da utilização das tecnologias digitais na escola.
PALAVRAS-CHAVE: Educação Superior. Formação Docente. Tecnologias Digitais.

ABSTRATC Changes coming from the use of digital technologies have been widely
debated and with this speeches propagate that children dominate such devices more
effectively than teachers, so the teacher training is at a time critical. Were interviewed
2 coordinators and 75 students of the pedagogy course, aiming to identify their
knowledge about such technologies. In the end, the data show that students are
aware about the need to use digital technology in education, but are not being
prepared for it. We conclude that even though there are disciplines in the curriculum
of pedagogy courses, there seems to be a kind of inertia or ignorance of the real
need for the efficient use of digital technologies within the school stage.
KEYWORDS: Digital Technologies. Higher Education. Teacher Training.

RESUMEN Los cambios provenientes de la utilización de las tecnologías digitales


han sido ampliamente debatidas y con ello discursos propagan que los niños
dominan tales dispositivos de manera más efectiva que los profesores, por lo tanto,
la formación docente se encuentra en un momento crítico. Fueron entrevistados 2
coordinadores y 75 alumnos del curso de pedagogía, con el objetivo de identificar
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sus conocimientos sobre tales tecnologías. Al final, los datos demuestran que los
alumnos están conscientes de la necesidad de utilizar la tecnología digitale en la
educación, pero no están siendo preparados para ello. Concluimos que aunque
existan disciplinas en la red curricular de los cursos de pedagogía, parece haber una
especie de inercia o desconocimiento sobre la real necesidad acerca del uso
eficiente de las tecnologías digitales dentro del escenario escolar.
PALABRAS-CLAVE: Educación universitaria. Formación docente. Tecnologías
Digitales.

1 INTRODUÇÃO

Inúmeros debates trazem à luz a temática Educação e Tecnologia por


diversas correntes e discursos. A década de 80 foi um importante marco na inserção
do computador nas escolas, ou ao menos, o início de uma prometida mudança na
educação.
Contemplamos novas políticas governamentais, programas e recursos para
viabilizar a informática educacional e o esboço de mudanças na parametrização do
ensino, almejando a tecnologia como salvadora do processo ensinar/aprender. Com
isso, a realidade de tal época foi amoldurada às verdades dos discursos, das
responsabilidades das escolas e, sobretudo, dos professores que poderiam se tornar
desnecessários frente às máquinas e suas promessas. Seria difícil ou impossível
prever como se dariam tais mudanças.
Desde então, ao que parece, muitas incertezas sobre a temática
permanecem. Alguns discursos foram vencidos, como o da obsolescência do
professor, ou ainda que todas as escolas estariam efetivamente utilizando as
tecnologias emergentes no ensino. Já outros foram confirmados, como a velocidade
e propagação das informações através da internet.
Atualmente, a sociedade contemporânea se faz conhecida como sociedade
da informação, e novos discursos ganham formas e força. Talvez, uma das maiores
mudanças seja a facilidade quase que nata, da maioria das crianças da presente
geração, em manusear os dispositivos das tecnologias digitais e seus recursos. Tal
fato desencadeia outros, como o impotente papel do professor frente a essa
verdade, sendo este um simples expectador ou mediador entre o novo humano e as
máquinas.
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Isso se dá, quase sempre, pelo fato de que a área da Educação caminhe a
passos desproporcionais quando relacionada à evolução tecnológica e suas hastes
sedutoras. Sedutoras, porque os discursos muitas vezes nascem do interesse
comercial e industrial em expor seus dispositivos tecnológicos, associados a uma
aliança comercial de interesses mútuos ou através do forte apelo midiático.
Outra questão a ser suscitada é a aparente falta de uma taxonomia a ser
adotada pela área da Educação. A ausência de uma classificação sobre os recursos,
dispositivos e finalidades, resulta em desconhecimento. Enquanto crianças e jovens
se referem a terminologias da informática em um mundo paralelo à escola, quase
como um novo dialeto, a distância entre as possibilidades educativas e a utilização
por entretenimento são vertiginosamente crescentes.
Assim, a era da informação parece um tanto “desinformada” no que tange às
tecnologias emergentes, e o papel que devem desempenhar como um importante
marco como efetivo recurso para o aprendizado e seus conteúdos. Precisamos
pensar possibilidades para a formação docente com uma disciplina esclarecedora
sobre a História da Tecnologia na Educação, sua taxonomia e, acima de tudo, sua
aplicabilidade. Buscamos retratar um pequeno fragmento de tal realidade no
presente trabalho.

2 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O presente artigo foi desenvolvido no âmbito do Grupo de Estudos e Pesquisa


Horizonte da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Apresenta como
objetivo central avaliar os conhecimentos de um grupo de estudantes universitários
sobre a utilização das tecnologias digitais na educação. Entre os objetivos
específicos, buscamos compreender como tais estudantes fazem uso destas
tecnologias em seu cotidiano, e o quanto percebem sua aplicação na Educação.
Também entrevistamos dois coordenadores para conhecer a opinião deles a
respeito da preparação docente. Complementarmente, analisamos as grades
curriculares dos cursos.
O trabalho aqui proposto caracterizou-se como uma pesquisa
qualiquantitativa. Vilelas (2009, p. 103) define que “os estudos quantitativos admitem
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que tudo pode ser quantificável, que é possível traduzir em números as opiniões e
as informações, para em seguida, poderem ser classificadas e analisadas”. O autor
também afirma que os estudos qualitativos consideram que há uma relação
dinâmica entre o mundo real e o sujeito, “centrando-se no modo como os seres
humanos interpretam e atribuem sentido à sua realidade subjetiva” (VILELAS, 2009,
p. 106). Para Mazzotti e Gewandsznajder (2002):

As pesquisas qualitativas fornecem implicações decorrentes da natureza


dos dados predominantemente qualitativos, como descrições detalhadas de
situações, eventos, pessoas, interações e comportamentos observados;
citações literais do que as pessoas falam de suas experiências, atitudes,
crenças e pensamentos (MAZZOTTI; GEWANDSZNAJDER, 2002, p. 132).

Deste modo, a presente investigação caracteriza-se como qualiquantitativa.


Bauer e Gaskell (2002) argumentam que há muita discussão sobre as diferenças
entre pesquisa quantitativa e qualitativa. Resumidamente, para os autores, a
pesquisa quantitativa trabalha com números, usa modelos estatísticos para explicar
os dados. Em contraste, a pesquisa qualitativa evita números, observa com
interpretações as realidades sociais. Admitimos para esse estudo, ambas
alternativas, bem como as afirmativas dos demais autores aqui citados.
Os sujeitos participantes da pesquisa foram estudantes do curso de
Pedagogia da fase intermediária até a final do curso, pertencentes às redes
particular e pública de ensino. Entrevistou-se, também, dois coordenadores dos
cursos de Pedagogia em questão. Acreditávamos, que em este público escolhido
para o corpus da pesquisa teria amplo acesso e conhecimento sobre os recursos
das tecnologias digitais, bem como opiniões delineadas com relação a tais
tecnologias quando aplicadas à educação.
O procedimento de coleta de dados aconteceu em dois momentos distintos,
sendo o primeiro através de entrevista semiestruturada com os coordenadores dos
cursos, e o segundo através de envio de questionário on-line para os estudantes que
aceitaram participar. Os registros dos questionários foram feitos diretamente no
programa Lime Survey e sistematizados e analisados de acordo com o estudo
teórico. As respostas recebidas foram suficientes e satisfizeram o número
necessário para nossa coleta, e posteriores conclusões.
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Importante registrar que ocorreu minucioso estudo nas grades curriculares


dos cursos de pedagogia das universidades participantes, a fim de conhecer se
existiam e quais seriam as disciplinas que trabalhariam a Educação e a Tecnologia,
bem como se a legislação em vigor contempla a importância dessa temática na
universidade.

3 FORMAÇÃO DOCENTE E ALGUNS DISCURSOS DA SOCIEDADE DIGITAL


Importantes filósofos contribuíram com o tecer da multiplicidade social e
influenciaram a formação da estrutura do modelo escolar contemporâneo, com isso
colaboraram para a trajetória da tríade História-Filosofia-Educação. Tal como Platão,
que tinha como essência de sua vida a filosofia, e por isso o pensar, dedicou-se a
perscrutar a política e a formação dos cidadãos1, o que, de certa maneira, já
referenciava o papel de um educador. Uma das questões centrais do pensamento
de Platão era como “conhecer as coisas do mundo se elas estão em constante
transformação?” (BRAGA; GUERRA; REIS, 2011, p. 18).
Esse questionamento nos remete ao papel do professor na constante
transformação do cenário educacional, especificamente a respeito da incorporação
das tecnologias digitais dentro da prática docente, pois talvez, estas contribuam
mais velozmente para tais transformações. Como uma reflexão à questão proferida
por Platão, Lévy (1999) argumenta acerca da inevitável transformação do mundo, e
por consequência, da educação e seu papel como pensador-docente, pois para ele:

Frente à rápida ascensão de um fenômeno mundial, desestabilizador, que


coloca novamente em questão várias posições adquiridas, hábitos e
representações, parece-me que meu papel enquanto pensador, especialista
ou professor certamente não é ir no sentido da corrente mais forte e instigar
as angústias e o ressentimento das pessoas ou do público (LÉVY, 1999,
p.211).

Para a formação e consolidação do modelo de ensino contemporâneo,


recebemos muitas heranças, oriundas de diversos povos. Segundo Moran (2013),
este modelo precisa com urgência ser repensado e remodelado, pois:

1Platão acreditava que o melhor dos dirigentes seria o filósofo, a escola tinha o propósito claro de
formar, educando um novo tipo de cidadão. Nesse sentido, formar era buscar a verdadeira paideia,
isto é, uma nova cultura baseada na filosofia (BRAGA; GUERRA; REIS, 2011, p.17).
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Enquanto a sociedade muda e experimenta desafios mais complexos, a


educação formal continua, de maneira geral, organizada de modo previsível,
repetitivo, burocrático, pouco atraente. Apesar de teorias avançadas,
predomina, na prática, uma visão conservadora, repetindo o que está
consolidado (MORAN, 2013, p.12).

Dessa maneira, em um passado não tão distante, os discursos permeavam o


imaginário sobre como as novas tecnologias fariam dos professores figuras
obsoletas e transformariam as escolas. Aos poucos, esses discursos ganharam
outras formas, trazendo ao professor a responsabilidade de promover a
tecnologização do ensino.
Em constante metamorfose, tais discursos ganharam vida, validando o
professor como mediador e, com isso, diminuindo a aspereza em responsabilizá-lo
como detentor do conhecimento acerca do assunto Tecnologias Digitais de
Informação e Comunicação - ou TDIC, como nos referenciaremos deste ponto em
diante - no espaço escolar. Sabendo que entre o mediador e o mediado, existe uma
mediação, nos referimos aos dispositivos das tecnologias digitais, que necessitam
estar claramente definidos como possibilidades na educação.
Nesse sentido, “nosso papel fundamental na educação escolar é de ser
mediadores interessantes, competentes e confiáveis entre o que a instituição propõe
em cada etapa e o que os alunos esperam, desejam e realizam” (MORAN, 2013, p.
12).
Exemplificando outros discursos, Libâneo (2006) trabalhou questões em uma
época em que as novas exigências educacionais e o docente travavam grande
embate, principalmente com a recém-chegada da ferramenta “computador”. Na
visão do autor:

Tem sido frequentes afirmações de que a profissão de professor está fora


de moda, de que ela perdeu seu lugar numa sociedade repleta de meios de
comunicação e informação. Estes seriam muito mais eficientes do que
outros agentes educativos para garantir o acesso ao conhecimento e a
inserção do indivíduo na sociedade. Muitos pais já admitem que melhor
escola é a que ensina por meio de computadores, porque prepararia melhor
a sociedade informacional (LIBÂNEO, 2006, p. 13).

Vencidos ou não tais discursos, o docente parece ser confrontado a todo o


momento com “novidades” educacionais, produzidas a uma velocidade célere. Mal o
tempo permite o aprendizado de um recurso, outro já está sendo apresentado, ou
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ainda, o conhecimento se torna obsoleto por razões muitas vezes mais políticas,
técnicas e comerciais do que educacionais.
Neste cenário educacional, destacamos de maneira breve os docentes em
formação, cujo foco está na palavra formação, ou seja, na preparação para se
tornarem efetivamente docentes quando saírem dos muros das universidades. Estes
ainda, muitas vezes, não possuem experiências profissionais, não acompanharam
as tentativas de mudanças ou os avanços na educação brasileira. Há uma vital
questão quando o assunto é esta formação do ser, pois, “precisamos questionar
atualmente, quem é o “novo” ser humano a ser formado?” (MILL, 2013, p. 12).
Por isso, é importante compreender a formação docente sob o aspecto da
utilização das tecnologias digitais, ou seja, determinado tipo de tecnologia sendo
introduzida na educação – oficialmente ou não - e novos perfis de aluno chegando
às universidades com novas práticas culturais, no que se refere à sociedade digital.
Mill (2013) debate uma importante reflexão a respeito da mudança cultural que
permeia nossas vidas e, por consequência, todos os envolvidos e responsáveis pelo
processo educativo, pois para o autor:

A cultura ciberespacial e o discurso tecnológico levaram a noção de


educação a um patamar de uso intensivo de dispositivos e artefatos, além
de mudanças nos processos pedagógicos. Na euforia pela busca de
fórmulas mágicas para “salvar” o aluno e o processo de ensino-
aprendizagem, diversos movimentos são percebidos entre educadores,
gestores educacionais e governos. Talvez pela precipitação das ações,
algumas propostas educacionais não atenderam adequadamente (algumas
por excesso e outras por escassez de tecnologias digitais) à atual função da
educação (MILL, 2013, p. 12).

Atualmente, ao que parece, não existe um posicionamento claro, sobre qual


papel o docente em formação deve desempenhar frente às potencialidades e
recursos de tais tecnologias. Há discursos validados pela indústria e comércio,
interessados em expandir suas vendas e introduzir suas incessáveis novidades,
muito mais do que os discursos da área da Educação parecem poder acompanhar.
Além disso, existe todo um complexo e estruturado esquema, por sua vez
burocrático, para adoção dos recursos das TDIC sobre como e o que ensinar. Aliado
à falta de pesquisas conclusivas sobre conteúdo curricular em como trazer tais
tecnologias para o efetivo ganho da educação, muito além de modismos produzidos
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por diferentes épocas. Almeida (1988) trabalhou uma reflexão na década de 80 e, ao


que parece, poucas mudanças aconteceram, pois, o autor afirmava que:

Não há pesquisa de opinião sobre o que pensam os alunos e professores


das escolas públicas oficiais sobre a possibilidade de implantação dos
computadores como instrumento auxiliar no processo de ensino-
aprendizagem. Seria muito esclarecedor sondar a visão sobre tal tema,
inclusive daqueles de escola de periferia de Estados e cidades carentes
(ALMEIDA, 1988, p.47).

Ainda que esta afirmação tenha sido feita há trinta anos, continuamos com
escassez de pesquisas conclusivas, falta de estruturação da grade curricular,
ausência de projetos políticos pedagógicos visando as TDIC na Educação.
Pontuamos especialmente o âmbito da formação docente, no qual normalmente, as
disciplinas que abordam tais tecnologias ainda são escassas e, muitas vezes, não
permitem ao estudante - em sua maioria, com a mentalidade concebida para o
mundo digital – a aplicação acerca desses recursos.

4 A EDUCAÇÃO TECNOLOGICA NA SOCIEDADE GRAFOCÊNTRICA DIGITAL

Nos dias de hoje, as mudanças comportamentais na sociedade têm sido


amplamente debatidas, assim como mudanças no conceito de gerações. Autores
contemporâneos como Cortella trabalham a aceleração tecnológica e as mudanças
sociais advindas desta. O autor afirma que:

Começo do Terceiro Milênio! Profusão exuberante de tecnologia, patamares


científicos inéditos, resultados econômicos estrondosos, produção
magnífica de bens de consumo. Olhando só para as conquistas, tudo é
superlativo! Nos últimos 50 anos tivemos mais desenvolvimento inventivo do
que em toda a história anterior da humanidade [...] (CORTELLA, 2013, p.
15).

Interessante pontuar que as crianças nascidas neste ritmo alucinante de


propagação de informação, não têm como sentir a mudança estrutural e mental a
que um adulto é submetido. Elas estão imersas em um mundo tecnologizado
digitalmente, são “cabeças digitais”, cercadas pelas novidades de certa forma ainda
recentes para o universo adulto, ou uma geração com “cabeças analógicas”.
Dessa maneira, suscintamente, tratamos de dois modelos mentais distintos,
os digitais e os analógicos, convivendo no mesmo espaço, na atual sociedade
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grafocêntrica digital, portanto, uma cultura divergente e ao mesmo tempo,


concomitante. Nossa referência sobre cultura se faz no sentido digital, pois Santaella
afirma que “não há palavra mais difícil de definir do que a palavra cultura, dificuldade
que resulta não da falta de definições, mas do excesso” (SANTAELLA, 1996, p.27).
Como então, definir o papel do docente em meio a um momento de rápida
transição, tanto cultural quanto técnica? O docente em formação é culturalmente
digital, analógico ou ainda em transição entre ambos?
Essas são algumas entre as muitas questões que apenas o decorrer dos anos
e as pesquisas poderão nos responder. Além do mais, estamos em um país de
dimensões continentais, com múltiplas realidades. Mas, independentemente de
regionalismos ou do modelo mental dos docentes brasileiros “a aceleração
tecnológica está sendo tão impressionante que não nos permite afirmações
conclusivas” (SANTAELLA, 1996, p.20).
Alguns discursos tentam inculcar que as crianças da atual geração são mais
inteligentes ou espertas do que as crianças das gerações passadas, e este discurso
ganhou força através da mídia. Sendo assim, a formação docente encontra-se em
um momento potencialmente crítico, pois muitos parecem estar sendo preparados
para interagir com uma população de gênios no que diz respeito à utilização e
conhecimento das TDIC. Nesse sentido, faz-se ainda atual a concepção de Paulo
Freire (1979):
A educação tem caráter permanente. [...] A sabedoria parte da ignorância.
Não há ignorantes absolutos. Se um grupo de camponeses conversando
sobre colheitas, devemos ficar atentos para a possibilidade de eles saberem
muito mais que nós. [...] portanto, não há saber nem ignorância absoluta: há
somente uma relativização do saber ou da ignorância (FREIRE, 1979, p.29).

Destacamos a palavra relativização, pois aparentemente é o que acontece na


utilização das TDIC por crianças. Exclui-se, portanto, o discurso de que as crianças
estejam mais inteligentes à medida que novidades tecnológicas surjam. Uma das
bases pare esta afirmação é justamente a relativização abordada por Freire, ou seja,
elas têm mais tempo livre e acesso, nascem rodeadas por tecnologias, portanto
utilizam conforme lhes apraz.
Parece estarmos em uma fase de transição. Estas vão se aprofundando,
cotidianamente, entre necessidades emergentes, realizações e valores buscando
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preservação. Assistimos ao embate entre quais tecnologias os docentes devem se


especializar e utilizar, como, por exemplo, usar ou não os celulares em sala de aula.
O modelo docente de alguns anos atrás se caracterizava por um ser dotado
de alta inteligência, conhecimento e saberes, de modo que o discurso da época não
aceitava em hipótese alguma que esse professor fosse contrariado em suas
colocações, ainda que pudessem estar, em dados momentos, equivocadas. Além
disso, a suprema autoridade fazia com que houvesse uma barreira intransponível
entre professor-aluno, e de nenhuma maneira sua fala poderia ser questionada,
fazendo o modelo de ensino autoritário. Sendo assim, “o professor ainda é um ser
superior que ensina a ignorantes. Isto forma uma consciência bancária. O educando
recebe passivamente os conhecimentos, tornando-se um depósito do educador”
(FREIRE, 1979, p.38).
Essa afirmação foi feita apenas há 35 anos, pouquíssimo tempo se
considerarmos a trajetória da Educação, ou ainda da Ciência. Há 35 anos
pensávamos analogicamente. Atualmente, muitos docentes à frente desta geração
de pedagogos egressos foram formados com tais pensamentos. Ou seja, para o
atual docente em processo de formação acadêmica, há uma forte ligação com
“cabeças analógicas”, pois estes são uma parcela daqueles que os formam.
Portanto, se faz necessário pensarmos nas tecnologias digitais como
dispositivos a serem empregados na mediação professor-aluno, pois, a todo o
momento a relação do homem com o mundo se dá através de meios. Não seria
diferente no caso dos docentes.
O quarto postulado de Vygotsky (2003) afirma que toda atividade humana é
possibilitada através da mediação, e estes são instrumentos técnicos e sistemas de
signos, historicamente construídos, para fazerem o papel de mediadores entre os
homens e deles para com o mundo. Outros autores como Rego corroboram com:

Entende-se assim que a relação do homem com o mundo não é uma


relação direta, pois é mediada por meios, que se constituem nas
“ferramentas auxiliares” da atividade humana. A capacidade de criar essas
“ferramentas” é exclusiva da espécie humana. O pressuposto da mediação
é fundamental na perspectiva sócio-histórica justamente porque é através
de instrumentos e signos que os processos de funcionamento psicológico
são fornecidos pela cultura (REGO, 2012, p. 42).
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Sendo assim, acreditamos que o docente necessitaria utilizar as TDIC como


forma de linguagem mediadora, para serem assertivos e despertar interesse pela
construção do conhecimento desta geração digital, desde o ensino básico até o
superior. A este tema “há certos aspectos decorrentes da emergência das TDIC que
já não podem ser ignorados nas reflexões sobre o ensino-aprendizagem, e muito
menos nas práticas pedagógicas contemporâneas” (MILL, 2013, p. 7).
Este papel deve ser considerado pelos professores que formam, aqueles que
possuem a experiência do ensino, que trilham o caminho da educação e que estão à
frente como líderes pela própria experiência que os anos lhes permitiram. Moran
(2013) contribui sobre o papel do professor, pois a estes cabem a missão como
formadores, além de administrar e propor a interação entre as novas cabeças
digitais e as experientes cabeças analógicas. Nas palavras do autor:

Há um diálogo crescente, muito novo e rico entre o mundo físico e o


chamado mundo digital, com suas múltiplas atividades de pesquisa, lazer,
de relacionamento e outros serviços e possibilidades de integração entre
ambos, que impactam profundamente a educação escolar e as formas de
ensinar e aprender a que estamos habituados (MORAN, 2013, p.14).

A tarefa não é fácil. No entanto, quanto mais o tempo avança e as


potencialidades pedagógicas oferecidas pela utilização de tais tecnologias forem
deixadas de lado, mais a educação estará fadada a perder. Nascerão novas formas
de utilização para as TDIC, inculcadas pela geração digital nem sempre em prol da
Educação. Corremos o risco sistematicamente da subutilização, que ao que parece,
já é dominante.
O docente tem o papel único, pois ainda segundo Moran, Masetto e Behrens
(2013) a formação deve ajudar os alunos a acreditarem em si, a buscarem novos
caminhos pessoais e profissionais, a lutarem por uma sociedade mais justa, por
menos exploração, que dê confiança aos jovens para que se tornem adultos
realizados, afetivos, inspiradores. Por isso, é importante analisarmos as grades
curriculares das universidades referentes às tecnologias digitais e seu ensino.

4.1 EDUCAÇÃO E TECNOLOGIA: O CURRÍCULO E A FORMAÇÃO DOCENTE


O Ministério de Educação (MEC) é o órgão responsável pelos conteúdos
curriculares, cabendo a este órgão as atribuições sobre a Política Nacional de
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Educação (PNE), englobando a educação geral brasileira. Entre suas


responsabilidades estão a criação e atualização dos Parâmetros Curriculares
Nacionais (PCN), através da Lei de Diretrizes e Bases (LDB) que resumidamente
visa propiciar a todos os cidadãos a formação básica, por isso a formulação de
diretrizes capazes de nortear os currículos.
Assim, importa conhecer a grade curricular do ensino superior em Pedagogia,
bem como verificar se existem disciplinas que intencionam a preparação dos
docentes para trabalharem com as TDIC. Para isso, foram visitadas duas
universidades, aqui denominadas Delta e Gama, pertencentes a rede pública e
particular respectivamente, localizadas em Minas Gerais. As Diretrizes Curriculares
Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia (licenciatura)2 são
estabelecidas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE). Dentro das Diretrizes
para o Curso de Pedagogia, ressalta-se o Art 5º, incisos VI e VIII:
VI - ao uso competente das Tecnologias de Informação e Comunicação
(TIC) para o aprimoramento da prática pedagógica e a ampliação da
formação cultural dos (das) professores (as) e estudantes; [...] VIII -
desenvolvimento, execução, acompanhamento e avaliação de projetos
educacionais, incluindo o uso de tecnologias educacionais e diferentes
recursos e estratégias didático-pedagógicas [...] (BRASIL, 2015).

Tais diretrizes preveem a formação dos egressos também para trabalharem


com as tecnologias digitais. Deste modo, é necessário pensar não somente no
professor utilizando as TDIC para aperfeiçoamento de suas aulas, mas também
como incentivador e mediador do processo de ensino-aprendizagem, ensinando os
seus alunos a trabalharem com tais tecnologias, construindo assim seus
conhecimentos. Ao mesmo tempo, cabe ressaltar, que os docentes em formação
inicial sofrem com uma sobrecarga de conteúdos abarcados pelas diretrizes
educacionais, assim, fazendo-se sempre necessária a formação continuada, para
que com o tempo, o docente possa dar conta da imensa gama de conhecimento e
conteúdo concernentes às práticas de sala de aula.
Moran (2013, p. 12) explica que:

2
As Diretrizes Curriculares para o Curso de Graduação em Pedagogia foram estabelecidas pelo
Conselho Nacional de Educação Conselho Pleno de Resolução Nº 2, de 1º de Julho de 2015, o qual
define as Diretrizes Curriculares Nacionais para a formação inicial em nível superior (cursos de
licenciatura, cursos de formação pedagógica para graduados e cursos de segunda licenciatura), e
para a formação continuada. Fonte: http://portal.mec.gov.br, acessado em setembro de 2018.
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A maioria das instituições superiores brasileiras se distancia velozmente da


sociedade e de suas demandas, pois na maior parte do tempo os alunos
frequentam as aulas porque são obrigados e não por real interesse.

Mill (2013) ressalta que um dos múltiplos fatores que podem corroborar para
este distanciamento é a não adequação das propostas curriculares das escolas ao
contexto sociotécnico atual, que limita as possibilidades de formação adequada ao
cidadão contemporâneo. Este, quem sabe, possa ser o cerne da questão do
desinteresse por parte dos alunos.
Mill e Jorge complementam a discussão sobre a importância de uma revisão
curricular e a inserção de disciplinas ligadas à utilização da TDIC, pois discorrem
que:

Sendo a escola a nossa principal agência de letramento, parece claro que


ela é também uma instância de busca da conscientização das necessidades
específicas do letramento tecnológico (digital). No contexto que vem se
configurando nos últimos anos, a educação, de um modo geral, e a escola,
mais especificamente estão sendo convidadas a repensar suas propostas
curriculares (MILL; JORGE, 2013, p.66).

A grade curricular da Universidade Delta oferece para seus alunos disciplinas


que contemplam o assunto Tecnologia e Sociedade em três períodos distintos. Tais
disciplinas ocorrem desde início até o final do curso, sendo elas Educação e
Tecnologia: Sociedade da Informação e do Conhecimento; Educação e Tecnologia:
Mediação Tecnológica; e Educação e Tecnologia: Mídias e Educação.
A Universidade Gama propõe a seus alunos disciplinas que contemplam o
assunto Tecnologia e Sociedade em dois períodos distintos, sendo no primeiro e
oitavo semestres. Durante o primeiro semestre, a disciplina é Tecnologia da
Informação e da Comunicação; e no oitavo, dentro da disciplina Seminários,
trabalha-se conceitos como estudos e práticas de inovações no campo da
Educação, englobando neste caso, o uso das tecnologias e entre outras temáticas.
Importante destacar que entre as universidades alvo do estudo, a da rede
pública apresenta maior abrangência da temática Tecnologias Digitais na Educação,
quando comparada à universidade particular. Posterior à análise curricular,
procedemos com a entrevista aos coordenadores do curso de Pedagogia das
universidades visitadas, apresentadas a seguir.
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4.2 A COORDENAÇÃO PEDAGÓGICA UNIVERSITÁRIA E A FORMAÇÃO DE


SEUS ALUNOS
A opinião dos coordenadores do curso de Pedagogia constitui-se em um rico
conjunto de informações, pois além de possuírem vasta experiência na área
educacional, são formados como cidadãos críticos, exercem posição de liderança e
é esperado que possuam visão estratégica. Para isso, aplicamos entrevistas
semiestruturadas e apresentamos os trechos relevantes. Segundo Valente (2007),
existe a necessidade de formadores no processo, pois para o autor:

Embora um indivíduo possa aprender muitos conceitos e estratégias de


resolução de problema interagindo com objetos e pessoas do seu mundo,
como mostrou Piaget, à medida que esses conceitos e estratégias tornam-
se mais sofisticados, é muito difícil construí-los sem a ajuda de pessoas
mais experientes (VALENTE, 2007, p. 65).

A Universidade Gama possui um coordenador do sexo masculino e a


Universidade Delta do sexo feminino. O Quadro 1 apresenta os principais trechos
das entrevistas.

Quadro 1 - Entrevistas com os coordenadores das universidades pesquisadas


(continua)
A. Por que as disciplinas que trabalham TDIC fazem parte da grade curricular desta
universidade?
Coord. É uma proposta interdisciplinar do currículo da universidade e cada vez mais está sendo
Delta valorizado com as mudanças de trazer a tecnologia para dentro das escolas através da
universidade [sic].
Coord. Eu penso que o objetivo dessas disciplinas é justamente permitir que os alunos do curso
Gama de Pedagogia, que estão se preparando, possam organizar de alguma maneira – tenho
entendido assim – essa relação com as tecnologias dentro do processo de ensino.
Muitas vezes a gente percebe ou identifica uma certa utilização da tecnologia descolada
dos processos de educação, de ensino, como se não dialogassem [sic].
B. Em sua opinião essa disciplina dentro da grande curricular é satisfatória e prepara os
alunos para trabalharem com os recursos de tecnologias digitais?
Coord. Não. Eu acho que primeiro é a formação dos professores, para trabalhar nessa área, ela
Delta ainda é muito técnica, ela não está correlacionada à prática pedagógica. Eu vejo
também que, infelizmente, a ênfase dada a português e matemática ainda está acima da
própria área de tecnologia, mas vejo mais a formação do professor que está essa devida
importância [sic].
Coord. Não sei se são satisfatórias, eu até questiono um pouco hoje essa organização do
Gama processo de formação por disciplinas, elas sofrem. Eu acho que essa característica
serem organizadas em blocos muito diferenciados nas várias áreas de conhecimento,
acho que depende da capacidade dos aprendizes perceberem essa relação, essa
pertinência entre as tecnologias e os processos de aprendizagem [sic].
C. Você acredita que o estudante deste curso está sendo bem preparado para utilizar as
tecnologias digitais em sua vida profissional, principalmente se trabalhar no futuro com
crianças?
Coord. Eu acho que não, desperta uma possibilidade, mas a possibilidade no sentido de jogos,
Delta mas a real importância que tem, a fundo, eu acredito que não [sic].
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(continuação)
C. Você acredita que o estudante deste curso está sendo bem preparado para utilizar as
tecnologias digitais em sua vida profissional, principalmente se trabalhar no futuro com
crianças?
Coord. Eu não sei, acho que essa questão da preparação é bem relativa, eu tenho consciência
Gama de que aquilo que a gente tem podido fazer do ponto de vista de preparação para
utilização das tecnologias é uma iniciação, claro que ela tem que formar e dar condições
do aluno poder sair e exercer sua profissão, mas também não sei dizer que medida eles
percebem essa pertinência entre as tecnologias e a concepção de aprendizagem e
também de ensinar [sic].
D. Se comparamos o perfil dos estudantes universitários com o perfil das crianças,
relacionando ao uso e conhecimento das tecnologias digitais, qual a sua opinião?
Coord. Totalmente diferentes. Eu vejo que tem diferença do meu para o aluno da faculdade,
Delta tem diferença do meu perfil para o deles. Eles têm muito mais informação, não
conhecimento sobre os recursos. Agora sobre eles lá e as crianças que estão chegando
aqui totalmente diferentes, de que maneira, concentração, atenção, né, eles ficam muito
no computador mas isso mais do que interessa, acho que até é um desafio para o
professor que trabalha com os recursos tecnológicos, não sei se seria interesse mas
despertar para esse outro lado do papel [sic].
Coord. Eu não sei se tem muita diferença, eu acho que eles têm uma competência e diferentes
Gama habilidades para utilização das tecnologias, vindo de encontro às suas necessidades. Eu
não consigo ainda perceber em que medida eles percebem as possibilidades que as
tecnologias trazem para os processos de aprendizagem. Eles são bons para jogar, bom
para buscar informações diferentes na internet, mas quando chega na escola, essa
capacidade acho que não é todo mundo, eu não percebo isso com os alunos, eu dou
aula também na Psicologia, por exemplo, essa capacidade de aproveitar esses
recursos, essas habilidades de busca no contexto da área de conhecimento que está
estudando eles têm, mas não sei que medida isso repercute em estratégias de
aprendizagem e de aprofundamento [sic].
E. De acordo com sua experiência, qual o grau de importância dado pelos estudantes
universitários para as disciplinas com conteúdo de tecnologias digitais aplicadas à
Educação?
Coord. Eu ainda acho que tem uma valorização menor, eu ainda não vejo como o essencial.
Delta Talvez eles vejam muito assim: “Como eu vou alfabetizar?”; “Como vou fazer com
geografia?”. Eles não conseguem enxergar que os recursos tecnológicos vão poder
contribuir e trabalhar com eles, eu ainda não vejo totalmente essa parceria, não é das
disciplinas mais valorizadas. Eu penso que os alunos de Pedagogia usam muito recurso,
mas não sabem usar. Eu vejo Facebook e qualquer resenha, qualquer coisa que você
passa é Ctrl C e Ctrl V, temos que ficar muito atentos, até mesmo com o plágio [sic].
Coord. Do ponto de vista da Pedagogia, eu acho que dão muito valor, essas disciplinas que
Gama tratam disso são bem valorizadas, eles percebem a pertinência, a importância de
conhecer as novas tecnologias, as possibilidades que elas abrem para a prática de
ensino, das possibilidades de gerar aprendizagem. Acho que há uma compreensão
disso [sic].
F. Você gostaria de abordar outro aspecto relacionado ao tema proposto nessa entrevista?
Coord. Eu vejo que o professor que trabalha com isso dentro da universidade tem uma visão
Delta mais técnica da Educação, falta a formação de professor para trabalhar com os recursos
tecnológicos. Qual a formação exigida para trabalhar com essa disciplina na faculdade?
Ou é Pedagogia ou tem o curso de Ciência da Computação. Quem vem com o curso de
Ciência da Computação não controla uma escola, sabe muito os recursos das
máquinas, mas não sabe como relacionar isso com a escola, isso consiste em uma
falha. Penso que teria que ter uma especialização, algum curso que fizesse essa ponte.
Eu acho que a faculdade te dá um impulso, só que, por exemplo, artes ou alfabetização
você corre atrás, agora com relação ao professor com recurso tecnológico você não tem
tanto o que correr atrás hoje [sic].
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(conclusão)
Coord. Eu venho discutindo com o grupo para a gente tentar entender como é que as
Gama tecnologias podem dar um suporte ao ensino de forma tal que o professor viabilize um
processo de aprendizagem, no qual o aluno tome conta de sua aprendizagem, se
aproprie dela, de maneira que tenha uma autonomia cada vez mais centrifugada, ou
seja, as novas TIC criam possibilidades novas que a gente não tinha antes, também
pode abrir canais de comunicação com outros estudantes, seja as crianças de quarto e
quinto ano, mas seja também os estudantes de nível superior. Eu recebo e-mails de
leitores de textos meus, que eu escrevi, às vezes fazendo algum questionamento, são
coisas que antes a gente não tinha essa possibilidade. Eu acho que isso é até
subaproveitado e que é uma possibilidade [sic].
Fonte: Dados da pesquisa.

Destacamos estas respostas, pois os entrevistados possuem experiência no


ensino superior, além de serem coordenadores do curso de Pedagogia em redes
distintas. Ao questionarmos se acreditam que as disciplinas ligadas ao ensino das
tecnologias são efetivas no papel a que se propõem, temos duas respostas distintas:
“Não” e “Não sei”. O coordenador Gama explica que haveria falhas na grade
curricular e o coordenador Delta relata que o professor à frente de tais disciplinas
possui uma formação muito técnica, não correspondendo às práticas pedagógicas
de ensino.
Sobre seus graduandos estarem sendo preparados para trabalharem as TDIC
com seus futuros alunos, uma vez mais encontramos: “Não” e “Não sei”. O
coordenador Delta explica que a disciplina desperta nos alunos a possibilidade de
trabalhar com tais tecnologias. O coordenador Gama, justifica de maneira parecida,
que universidade busca ofertar a possibilidade do recurso, mas que cabe ao aluno,
ao longo de sua jornada profissional, buscar seu aprimoramento.
Ressaltamos a pergunta com relação ao perfil dos universitários e das
crianças no que tange as TDIC. Perguntamos se, na opinião deles, esses dois
públicos possuem perfis parecidos e aqui encontramos respostas bem distintas. O
coordenador Delta descreveu como “totalmente diferente” e o coordenador Gama
respondeu “Eu não sei se são tão diferentes assim”, mas as justificativas foram
parecidas. Em suas explanações, o coordenador Delta explica que há bastante
diferença, uma vez que eles (crianças e estudantes de pedagogia) possuem muita
informação em mãos, mas efetivamente pouco conhecimento. O entrevistado da
Universidade Gama relata que há muito domínio em jogos, redes sociais, enfim, em
recursos em que há pouca aplicabilidade efetiva no processo de ensino-
aprendizagem.
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Perguntamos então, se os docentes em formação valorizam a importância


das disciplinas ligadas à Tecnologia e Educação. Uma vez mais, encontramos
respostas bem distintas. Os entrevistados responderam que “não dão valor a tais
disciplinas”, e que “dão muito valor a estas disciplinas”. Para o primeiro entrevistado,
os docentes em formação têm outras preocupações tais como alfabetizar, por
exemplo. O segundo entrevistado percebe que os docentes em formação enxergam
as potencialidades dos recursos das TDIC como aliados nos processos da
educação.
Finalmente, em caráter de pergunta aberta, buscamos entender se havia
alguma expectativa que não fora questionada na entrevista. O entrevistado da Delta
discorreu sobre a formação docente no que diz respeito ao professor que está à
frente da sala de aula na universidade e a falta de uma adequada qualificação.
Trouxe a problemática de que se este professor vier da formação da área da
Computação, trará uma excelente qualificação técnica, porém baixo desempenho
pedagógico e, conclui, ser preciso buscar a formação profissional correta para
lecionar disciplinas de tecnologia voltadas para educação, além de onde encontrá-
las.
Por sua vez, o entrevistado Gama relata sua ansiedade em entender como as
tecnologias digitais podem suportar efetivamente o ensino, viabilizando o processo
de aprendizagem de maneira que o aluno se aproprie delas verdadeiramente, e
construa um sólido conhecimento. Percebemos, portanto com os relatos
apresentados, a complementariedade das respostas dos sujeitos. Sequencialmente,
entrevistamos os estudantes das universidades que concordaram em participar.

4.3 O DOCENTE EM FORMAÇÃO: ALGUNS DADOS RELEVANTES


Foram aplicados questionários on-line a 75 estudantes das universidades
Delta e Gama, cursando desde o intermediário até o último ano, através de
perguntas fechadas e abertas. Consideramos importante ouvir esses sujeitos, pois
esses futuros profissionais poderão atuar junto às crianças do ensino fundamental.
A divisão conforme universidade, gênero e idade estão na Tabela 1.
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Tabela 1 - Distribuição dos entrevistados


UNIVERSIDADE DELTA (REDE PÚBLICA)
SEXO Até 19 anos 20-29 anos 30-39 anos 40-49 anos < 50 anos TOTAL
Homens - 3 - - - 3
Mulheres 1 24 12 2 1 40
UNIVERSIDADE GAMA (REDE PARTICULAR)
SEXO Até 19 anos 20-29 anos 30-39 anos 40-49 anos < 50 anos TOTAL
Homens - 3 - - - 3
Mulheres - 26 2 1 - 29
Fonte: Dados da pesquisa.

A diferença amostral entre o gênero configura-se apenas uma abordagem


quantitativa, não adentraremos aqui na questão do público feminino e o interesse
pelo curso de Pedagogia, para não nos distanciarmos do verdadeiro objeto de
trabalho.
Sequencialmente, procuramos saber quais os dispositivos de TDIC este
público utiliza em seu cotidiano com a intenção de detectar seus conhecimentos e
práticas rotineiras.
Solicitamos aos entrevistados que classificassem por ordem de importância
as finalidades que utilizavam os dispositivos das tecnologias digitais, conforme
Figura 1.

Figura 1 - Motivos de utilização dos dispositivos declarados pelos entrevistados

Fonte: Dados da pesquisa.


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Analisando os motivos apresentados, 29 entrevistados (38%) declararam o


entretenimento e notícias. Sequencialmente, 24 (32%) optaram por redes
sociais/sites de relacionamento/comunicação; 11 (15%) utilizam para navegar sem
finalidades específicas; assim como apenas 11 (15%) admitiram utilizar para fins
educativos. Este último dado é muito importante, uma vez que o docente em
formação, ao que parece, não está utilizando as potencialidades das TDIC em seu
cotidiano para fins educativos. Neste ponto, faz se pertinente a afirmação de Lévy
sobre a existência de três entidades – técnica, cultura e sociedade -, “em vez de
enfatizar o impacto das tecnologias, poderíamos igualmente pensar que as
tecnologias são produtos de uma sociedade e de uma cultura” (LÉVY, 1999, p. 22).
Perguntamos então se antes de ingressar nas universidades, possuíam
conhecimento a respeito das TDIC, conforme Figura 2.

Figura 2 - Conhecimento nas TDIC anterior ao ingresso na universidade.

Fonte: Dados da pesquisa.

Destacamos que a maioria declarou ter ingressado no ensino superior com


conhecimento em tecnologias digitais, e acreditamos pela análise das respostas,
que esse conhecimento foi adquirido de maneira empírica. A questão que suscita
dúvidas é: qual é o nível deste conhecimento?
Desta maneira, abordamos o nível de conhecimento que julgavam possuir
com a seguinte questão: “como você consideraria o seu nível de conhecimento em
TDIC antes de ingressar em seu curso superior?”. As respostas podem ser
verificadas na Figura 3.

Figura 3 - Nível de conhecimento em TDIC anterior ao ingresso no curso superior.


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Fonte: Dados da pesquisa.

Entre os entrevistados, 31 (42%) declararam possuir bom nível de


conhecimento e não necessitar de ajudas de terceiros; 18 (24%) afirmaram certo
nível de conhecimento, mas que precisam de ajuda de terceiros. Destes, 13 (17%)
sabiam o suficiente para desempenhar tarefas rotineiras e, ainda, 12 (16%)
declararam não possuir conhecimento algum, e apenas 1 (1%) declarou ter
conhecimento insuficiente.
Portanto, enquanto 31 (42%) declararam autonomia no uso dos dispositivos,
44 (58%) disseram não ter conhecimento ou ainda precisar de ajuda de terceiros.
Isso significa que a maior parcela dos entrevistados não possuía o conhecimento
empírico que os discursos propagam acerca das TDIC. Para proporcionar uma
análise comparativa, perguntamos: “após ter ingressado no ensino superior, seu
conhecimento referente ao uso das TDIC...”. A Figura 4 apresenta as respostas.
Destacamos que 41 (55%) entrevistados declararam que seus conhecimentos
melhoraram devido às disciplinas cursadas na universidade. Considerando o
universo de 75 entrevistados, é importante ressaltar que 21 (28%) melhoraram
devido ao convívio com os colegas, logo não foi decorrente do ensino e 9 (12%) não
melhoraram após o curso das disciplinas. Outros 4 (5%) entrevistados acreditam que
somente melhorarão com a prática profissional.
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Figura 4 - Nível de conhecimento em TDIC após ingresso no curso superior.

Fonte: Dados da pesquisa.

Para fins comprobatórios, pedimos algumas sugestões de atividades para


serem trabalhadas em sala de aula. Solicitamos, também, que citassem exemplos
juntamente com suas escolhas. As respostas são apresentadas na Figura 5.
Figura 5 - Atividades sugeridas para atividades em sala de aula mediadas por TDIC.

Fonte: Dados da pesquisa.

Do universo de entrevistados, 73 (97%) declaram saber algum tipo de


atividade educativa ligada à utilização dos recursos das TDIC, enquanto apenas 2
(3%) não souberam informar. Em um primeiro momento, essa estatística deixaria
qualquer pesquisador entusiasmado; no entanto, como caráter complementar e
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validador da autenticidade das respostas, solicitamos, conforme Quadro 2 que os


entrevistados exemplificassem as suas escolhas.

Quadro 2 - Exemplos das atividades sugeridas pelos entrevistados


Atividades Comentários complementares as sugestões das atividades
Sites Escola Maria Montessori; MEC; Para pesquisa; Muito bom, mas precisam ser
monitorados porque crianças nessa faixa já acessam as redes sociais; Sobre a
Educativos
extinção; Escola da Vila; Smartkids; Pesquisas; Disponíveis na Internet;
somatematica.com.br; história, geografiaonline; Aprendiz, Biblioteca Virtual do
Estudante Brasileiro, Canal Kids, eAprender, Educacional, Educarede, Estação
Ciência, Terra Educação; ticsnaeducacao.com.br.
Softwares Sistema Objetivo; Tuxpaint, Tuxmath; MEC; Excelente opção, desde que bem
Educativos escolhido e dominado pelo professor; jogos; Na disciplina TIC's, no primeiro
período, tivemos a indicação de alguns programas, mas não lembro dos nomes;
Paint / Word / Photoshop / Powerpoint; Desenvolvimento de Habilidades;
Questionário para fixar conteúdo; educativos.com.br.
Atividades Aulas expositivas com recursos eletrônicos; Pesquisa direcionada na internet; TV
utilizando de escolar; Brasil Escola; Esses são recursos sempre bem utilizados que não saem
tecnologias em desvantagem e sempre ajudam o professor; Aulas mais interativas podem ser
usados filmes, documentários e uma aula por semana utilizando a informática, se
digitais como
a escola possuir computadores; Atividades de geografia e história; Algo que fosse
TV, jogos interessante mesmo para educação; Atividades interdisciplinares ou relacionadas
eletrônicos, aos conteúdos de cada disciplina|; Vídeos / Documentários / Softwares; Variação
computadores das Ferramentas pedagógicas; Apresentação de Conteúdo e Diversão.
Fonte: Dados da pesquisa.

Para os comentários registrados, são necessárias algumas observações. No


item Sites Educativos, diversas respostas não pertencem a categoria de sites e
tampouco educativos, como, por exemplo, o site do MEC que traz informações
pertinentes ao órgão federal ou como Escola Maria Montessouri, que corresponde a
um site institucional. Além de comentários evazivos como “animais em extinção”,
“para pesquisa” ou ainda “ disponíveis na internet”.
Com relação à categoria Softwares Educativos, concluímos que não há
clareza no conceito sites educativos e softwares educativos por parte dos
graduandos em Pedagogia. Foram apontados alguns sites como Educativos ou
Sistema Objetivo, que nada tem a ver com a categoria descrita.
A categoria Atividades utilizando-se de Tecnologias Digitais, ao que parece,
foi a que os entrevistados mais sugeriram corretamente, como exemplo, apontaram
vídeos, documentários e aulas expositivas. Por outro lado, comentários
inconclusivos foram registrados, como: variação das ferramentas pedagógicas;
apresentação de conteúdo e diversão; atividades interdisciplinares ou relacionadas
aos conteúdos específicos de cada disciplina.
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Perguntamos quanto às expectativas profissionais dos futuros docentes em


relação à utilização da TDIC no campo educacional, se estes se sentiam preparados
para tal temática. As respostas são apresentadas na Figura 6.

Figura 6 - Expectativas profissionais para utilização da TDIC

Fonte: Dados da pesquisa.

Para esta questão, ao categorizar entre ‘sim’ e ‘não’, observa-se uma


proximidade entre o número de docentes que se sentem preparados para o trabalho
com a TDIC em suas profissões, e aqueles que não se sentem, não pensaram ou
ainda não responderam. Do total de entrevistados, 38 (51%) responderam que se
sentem preparados e 37 (49%) se encaixam nas demais respostas.
Alguns comentários livres feitos pelos docentes em formação são importantes
como caráter investigativo e estão apresentados no Quadro 3..

Quadro 3 - Comentários sobre preparação profissional para trabalhar com TDIC


PRINCIPAIS COMENTÁRIOS
Trabalhar com essas tecnologias requer domínio de sala, e bom conhecimento para conduzir uma
boa aula. Como sou recém formada, ainda sinto receio em utilizar. Acredito que varia conforme a
rede de ensino que se dá aula, quantidade de alunos por turma e idade.//Durante a disciplina
percebi a importância da boa utilização da tecnologia como ferramenta para o desenvolvimento dos
alunos, e como estes mesmo muito novos, têm uma facilidade para utilizar estes recursos.//Onde
se faz necessário que o professor também aprenda a trabalhar com essas tecnologias, para que o
aluno não perca o interesse pela aula.//Preciso aprimorar meus conhecimentos em tais
ferramentas.//Pesquisa sobre os temas é fundamental para o bom desenvolvimento do trabalho
docente.//O que aprendemos na faculdade não é o suficiente para trabalhar com tecnologias na
sala de aula.//Não me considero totalmente preparada, mas sinto que tive uma boa fase na
faculdade e que a prática auxiliará no trabalho”. //Preciso me preparar mais, ser mais completa na
TI [sic].
Fonte: Dados da pesquisa.
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Os comentários evidenciam certo sentimento de insegurança acerca da


utilização da TDIC como mediação no processo de ensino-aprendizagem. Entre as
opiniões emitidas, podemos dividir dois grandes grupos, o primeiro das respostas
ligadas a algum tipo de receio ou despreparo, e o segundo ligado à percepção ou
importância em se utilizar os recursos abordados.

5 CONCLUSÃO

Pelos dados apresentados, ainda que existam disciplinas formais dentro da


grade curricular dos cursos de Pedagogia, parece haver uma espécie de inércia ou
desentendimento de uma real necessidade em utilização consistente e eficiente das
TDIC dentro do cenário escolar. Conforme defende Setzer (2007), infelizmente,
parece que quase a totalidade da humanidade não está consciente dos problemas
da tecnologia ou, se está, sente-se impotente diante dela.
Além disso, Mill (2013) relata que há certos aspectos decorrentes da
emergência das TDIC que já não podem ser ignorados nas reflexões sobre o ensino-
aprendizagem, e muito menos nas práticas pedagógicas contemporâneas. A cultura
educacional está diretamente relacionada com as tecnologias disponíveis em dada
época, e o uso que se faz destas na Educação deveria relacionar-se às suas
potencialidades pedagógicas.
Certo que esta é uma questão complexa, pois a exemplo das universidades
aqui pesquisadas, a estruturação curricular não depende apenas do corpo docente,
mas sim de um espectro mais amplo, abrangendo órgãos federais. Por outro lado,
dentro do âmbito local, as universidades podem trabalhar iniciativas como projetos
ou oficinas, que proporcionem a condição necessária ao docente em formação em
vislumbrar aplicações com as TDIC em suas práticas escolares.
Considerando que os estudantes deste trabalho cursaram, em média, cerca
de 50% do curso de Pedagogia, era esperado que as atividades relacionadas à
utilização e conhecimento da TDIC dentro do âmbito educacional fossem mais
representativas. Ao perguntarmos a respeito do futuro e se eles se sentiam
preparados para trabalhar com os recursos de tecnologias digitais, apenas 51%
relataram que se sentiam preparados. Para esta questão, destacamos um
comentário: “o que aprendemos na faculdade não é o suficiente para trabalhar com
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tecnologias na sala de aula”. Tal reflexão envolve a análise considerada até o


presente momento, pois ao que parece, o ensino superior não tem preparado o
docente de maneira adequada a trabalhar com a prática efetiva utilizando os
recursos da TDIC na Educação.
Em primeiro momento, trabalhamos a questão de Platão sobre como entender
o mundo se este está constantemente em transformação. Esta afirmação foi feita em
uma época em que, certamente, a ideia de aceleração não era tão intensa como nos
dias atuais. Atravessando épocas, abordamos a questão suscitada por Mill (2013) e
a modelamos para o docente em formação, ou seja, quem é o novo ser humano a
ser formado? Esse novo ser, o docente em formação, ora aluno, ora professor, está
no centro de inúmeras discussões e infindáveis respostas sobre seu papel.
Além disso, vimos que por vezes o discurso tecnológico não parece estar
refletindo realmente a posição docente sobre os ditos nativos digitais. Os
coordenadores dos cursos entrevistados relataram as dificuldades e até que ponto
há realmente um aprofundamento sobre o papel que as TDIC ocupam dentro da
universidade. Além disso, abordaram uma das dificuldades que é a formação do
professor que está formando outros, ou seja, o quão preparado está esse
profissional dentro do âmbito didático e não apenas técnico.
A grade curricular de uma das universidades apresentadas contempla bem
menos disciplinas voltadas para tecnologias de uma forma geral, já a segunda
universidade traz em sua grade curricular um aporte maior para essa temática.
Podemos nesse ponto pensar: não deveria ser equivalente por se tratar do mesmo
curso, ainda que em redes distintas?
Por fim, ao pensarmos na definição do papel do docente em formação, imerso
na cultura digital, podemos compreender a importância do papel da universidade e
dos docentes em exercício, para que auxiliem a formar um docente-mediador capaz
de utilizar as tecnologias digitais tanto para sua qualidade de aula, quanto para
despertar, através da mesma linguagem, o interesse dos alunos sob seus cuidados.
O professor que utilizar tais tecnologias em suas aulas desenvolverá o papel
essencial da comunicação com seus alunos, pois através do uso da TDIC, ele
lançará mão da linguagem que as crianças e adolescentes utilizam para se
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Atos de Pesquisa em Educação - ISSN 1809-0354
Blumenau, v.14, n.2, supl.1, p.745-771, out./nov. 2019
DOI: http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2019v14n2s1p745-771

comunicar e, como isso, a motivação e até mesmo inspiração dos alunos poderá ser
despertada e trabalhada.
Sabemos que a temática é ampla e o presente trabalho apenas relata um
pequeno fragmento da realidade apresentada, longe de esgotar o assunto. Sendo
assim, sugerimos investigação e estudos que possibilitem maior aprofundamento
desde a temática Educação e Tecnologia e suas possibilidades.

PATRICIA MIRELLA DE PAULO FALCÃO


Graduada em Matemática, especialista em e-Commerce e em Informática Aplicada a
Educação. Doutora em Ciência, Tecnologia e Sociedade pela UFSCar. Professora
de Tecnologias para Aprendizagem no ensino fundamental e técnico, com ênfase na
construção do conhecimento. Integrante do Grupo Horizonte (Grupo de Estudos e
Pesquisas sobre Inovação em Educação, Tecnologias e Linguagens).

DANIEL MILL
Professor da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), onde trabalha como
Docente e Gestor de Educação a Distância (EaD). Doutor em Educação pela UFMG,
com pós-doutorado pela Universidade Aberta de Portugual. É membro do Programa
de Pós-Graduação em Ciência, Tecnologia e Sociedade. Como pesquisador, tem
interesse particular pela interseção das temáticas: Trabalho Docente, Tecnologias,
Linguagens, Cognição e Educação a Distância.

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