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CAPITULO 1 TEORIA HISTORICO-CULTURAL E EDUCAGAO INFANTIL: concep¢oes para orientar 0 pensar e 0 agir docentes se desenvolve, 1, Para um inicio de conversa... Nosso objetivo aqui é discutira relagdo entre a Teoria Histérico- a Educagio Infantil, enfatizando algumas concepgdes e alguns ¢ ‘que podem contribuir para uma atuagio critica e consciente das professoras e dos professores dessa etapa da educagaio basica A Teoria Hist6rico-Cultural é uma teoria da psicologia que visa com- preender e explicar o complexo processo de formagio humana e que nos permite conceber as professoras ¢ os professores de Educagdo Infantil como intelectuais cuja funglo € organizar de forma intencional o processo de for- magi social da personalidade da crianga, como discutiremos a seguir. A Teoria Histérico-Cultural surgiu nos anos 20 do século passado na antiga Unitio Soviética, como fruto de uma construgdo ¢% senta uma revolusdo na forma de pensar o desenvolvimento da pessoa em sua totalidade e, consequentemente, o seu processo de educagao. Como disse Paulo Freire, “Nao é possivel fazer uma reflexio sobre © que & a educagdo sem refletir sobre 0 proprio homem” (FREIRE, 2014, . 33). Complementamos a frase deste educador brasileiro dizendo que nao € possivel refletir sobre 0 “proprio homem"” sem a adogao de uma teoria Teoria Historico-Cultural se apresenta como um campo do saber que pode contribuir para uma pedagogia que apoia a escola e a educagdo que buscam ro proresoras € PrOFESSOTES, Pensa ga \balho anterior, as oriangas. Em tral discutiny 30 pata eC oi Teoria Historico-Cultural (TEIX Re para nossa a discutimos especificament capitulo, COMO sig pair para 0 trabalho pedagozico na Educagto Infangs on 2 Objetivo da Educasio Infantil i ia Histérico-Cultural ¢ ‘pjeto de estudo da Teoria foue da personalidade. Sendo assim, 0 abjetivo da Fducay social da personalidade das criangs 1 & prom “one wie a escola da infncia orienta o seu pensar € 0 seu agir pel, 1 quando nés, professoras e professores: ponbilizamos para o acesso das eriangas o conhecimento his. toncamente produzido pela humanidade e organizamos ne oportnizem a compreensdo do mundo e a critica das rages aesisis, quando deixamos de estimular o individualism, a com. figdo e 0 consumismo ¢ passamos a estimular a agdo coletiva, iriedade e a cooperacao entre as crian¢as; ~ Criamos e pesquisamos metodologias que envolvam as criangas ma Vida que acontece na esco ~ Redefinemos o uso de materiais tradicionalmente marcados pelo uso individual e passamos a utilizé-los de modo coletivo, pata a realizagdo de projtos coletivos; ~ Organizamos vivéncias e oferecemos recursos auxiliares que favo- regam o surgimento de formagdes qualitativamente novas — 95 oformagoes, que contribuam para que a crianga faga hoje com a xilio de outro 0 que poderd vir a fazer amanhii sem ajuda extema; Possibilitamos que as criangas desenvolvam a capacidade de ar gumentagdo e incentivamos a participagaio a expressdo de sit opinito sobre situages e fatos; Envolvemos as criangas no planejamento, na organizagao do espa? 1a eesti do tempo, na definigao das relagdes e das atvidades: ~ Quando nos posicionamos como intelectuais criticos da Educas®® a I que abrevia a infincia e lutamos para assegurar UM ucaeio Infantil que acolhe, escuta e promove o acesso de 0888 Conversando com professoras@ patessores as criangas como uma Edi ‘com os preconceitos contra as criancas ~ especialmente as da cl trabathadora ~ e que cor jangas aprendam a > Para que possam ingas, como sujeitos capazes de posicionar- -se de modo critico e sensivel 3. As criangas sio diferentes umas das outras que explica a formagao da personalidade é ae da pessoa, nas diferentes relagd i 1997). Desse modo, ao assur professores da Educagdo Infant considetadas no trabalho doc ‘Nao podemos compreender a relagdo entre 0 processo de formagao da personalidade da crianga e sua pertenga social de forma mecanicista, como se a crianga fosse um “produto” de seu meio social. A pertenga social da erianga deixa as suas mareas, mas a formagdo de sua personalidade nao é um reflexo direto da comunidade a que pertence, mas resultado de uma centre a personalidade e 0 meio em que a crianga é elemento ativo na d da influéneia do meio sobre seu desenvolvimento. Esta s véncia em que tanto as particulari crianga so importantes para definir a formagiio da pers palavras,a crianga fltraa influéncia que o meio exerce sobre ela, a partir de sua situagdo social de desenvolvimento, ou seja, da experiéneia por ela acumulada que € internalizada sob a forma de qualidades humanas em desenvolvimento. Desse modo, uma proposta de Educagao Infantil que orienta 0 seu pensar e o seu agir pela Teoria Historico-Cultural tem como principio expli- cativo para a formago da personalidade consciente da crianga as relagdes sociais coneretas vividas por ela e que so, na escola, organizadas por nés, professoras e professores. A melhor forma de acompanhar 0 processo de formacao social da per- sonalidade humana da crianga é criar meios que possibilitem sua expresso, luma vez que o processo de internalizagio, isto é, da erianga tornar seu aquilo € social, envolve dialeticamente a internalizagao e a externalizagao dos Significados vivenciados em sua realidade social. lvimento da per’ ny 44, Comoaconeese o dese! Laucagio no sistema conceitual “o-Cultural 5. Olugar da edu da Teoria Historic ae ne — ea educacao em seu sentido restrito ~ tar ca da escola oO ja personalidade se explica pela existéncia so oa Tanga, "educr significa organizar a vida" (VIGOTSK1, 200, a omo arma 0 autor, “Nao concordamos com of 72 yocesco educativo nas mos, das forgas espontineas da vid se GOSKI 200.77). Para consiru uma futura sociedad lve, jut oaeeeritiea: pressamos organizat a vida na escola para isso, A educage ¢ democris Tapes, a educago escolar, desempenham papel esr esse processo. proce 6. Concepedes ¢ conceitos para orientar 0 trabalho pedagégico na Educacao Infantil ‘érico-Cultural, como toda teoria, constitui-se de un si esse modo, os conceitos por ela constituidos — como? oncito de cringa, de inflncia e de Educagio Infantil ~ estao intrigais possibilitando conceber © processo educativo sob nova perspectiva. Rest ands, professoras e professores, compreender e dar vida a esses con 6.1 Concepgio de cri ice Para a Teoria Histérico-Cultural, a erianga & um sujeito ative, Pa Pante do processo social de formagao de sua personalidade. ‘TEORIANISTORICO-CUt Convorsnnde com profess IA EDUCAGAO INFANTIL 6.2 Concepeiio de infancia Percebendo que a formagio e 0 desenvolvimento das qualidades hu- sentido a0 que vive ~ € ni mani espontineo -, a inflncia passa a ser compreendida como o tempo da for- magio da personalidade (VIGOTSKI, 2000, 2001, 1996), A infaincia do ser 6.3 Concepgao de desenvolvimento Diferente de varias teorias que procuram explicar 0 desenvolvimento hhumano e do proprio senso comum, que concebem o desenvolvimento como algo natural e esponténeo, para a perspectiva histérico-cultural, 0 desenvol- vimento humano é uma possibilidade, pois depende das experiéncias ~ das das aprendizagens ~ que as geragdes mais velhas propdem para as novas geragdes. Na geral do desenvolvimento cultural” posta por Vigotski em 1931 (VIGOTSKI, 2000, p. ipicas do psiquismo humano ~ como, por exemplo, a fal 1aginagdo — aparece em cena duas vezes ou em doi plano social terior da propria pessoa). E a relagio lética. Isto significa que o vivid s pela crianga como se fosse um espelho. Os processos vivides no sto reconstruidos pela erianga no plano psicoligico. Isso se aplica a todas \égicas superiores: 8 fala, ao pensamento, & meméria, 20 todas as fungdes que constituem a inteligéncia 3s de todas as fungdes superiores e suas relagdes reais das pessoas”, a person: relagdes esto escreve Vigotski em 1929 (VIGOTSKI, 2000a, p. 26). Portanto, enquanto para algumas t processo de desenvol ‘mento aconteceria, de certa forma, de maneira independente do processo 4 nectiva histirico-cultural, 0 process m proceso de educa skiana de ser hi icato e emancipag ule de no: € a cope Valoriza a competigo entre 0§ ho encial para 0 avango de nossos pet tno como um cen s° (VYGOTSKY, 19914, p12), além de nossos Diterente da ideologia liberal que Vigotski entende a coaperagao como es reebe o desenvolvimento a presenga, 08 © co ee emancipagao: a conguista ¢ a manutengdo da autonomia e da liberdade sag valores essenciais no processo de formagdo humana. Essa concepeaio do ser hhumano orienta o trabalho pedagégico com as criangas pequena to nos ccomprometem os com uma educagdo que promova a formacao € 0 desenvo). vimento das maximas qualidades humanas em cada crianga. © conceito de “situagao social do desenvi conceito de desenvolvimento formulado por Vigotski. Com este conceito, Vigotski supera 0 conceito cronolégico de idade: nao é a idade da er que define suas possibilidades, mas 0 conjunto do que foi vivido e a ms como o vivido foi internalizado (VIGOTSKI, 2006a). Por isso, a situagao fo desenvolvimento envolve o lugar que a crianga cupa nas rel sociais de que participa, condiciona a forma da crianga se relacionar com a vida em uma determinada idade e constitui a forga que faz. emergir as neo formagdes. Este conceito constitui a base e a estrutura da personalidade em uma determinada idade psicolégica e, como tal, & produto da atividade que guia o desenvolvimento humano nas trés idades que constituem o periodo de 0 a6 anos. Considerando, o que discutimos acima de que é a existéncia social conereta da pessoa, nas diferentes relagdes sociais de que ela participa ‘a sua personalidade, entendemos que a situagao social de desenvol vimento ¢ fruto — no s6, mas principalmente ~ da qualidade da comunicacio emocional do bebé com os adultos no primeiro ano de vida, da qualidade de atividade manipulatéria, ou seja, da interagao das criangas com os objetos que organizamos para elas entre I e 3 anos e, na idade pré-escolar, fruto de brincadeira de faz de conta. que form {TEORIAHISTORICO-CULTURAL NA EDUCAGAO INFANTIL as sejoranndo com professoras 8 professores ‘ mnizarmos a vida, lade das criangas. a 6 um meio privi iterferir no proceso de format esquema conceitual «) (VIGOTSKI, 2003, p. 77), composto por trés elementos centrais na escola: a professora ou 0 professor, a er educativo, portanto, kente ativo: © aluno, o professor e o meio exis- tente entre eles do ativos” (VIGOTSKI, 2003, p. 79). Todos tém, portanto, igual importancia, ndo havendo nada passivo ou inativo. Tratar a escola como meio social do proceso de formagdo da per- sonalidade requer que tenhamos clareza do conceito de meio para a Teoria social educativo vai além da sala de referéncia da quadra de esportes, biblioteca e demais ambientes da escola da infincia, Ele envolve dialeticamente a professora ou o professor, as criangas e todas as “oburchenies” (conceito que trataremos a seguir) criadas, visando a promogdo do desenvolvimento da turma de criangas. 6.6 Papel do professor Se “educar significa organizar a vida” (VIGOTSKI, 2003a, p. 220), que papel cabe a nds, professoras e professores, nese processo? Nao somos so- mente observadores, facilitadores ou “mediadores” entre a crianga ea cultura mento. Nossa tarefa exige muito mais responsabilidade, com promisso € consequentemente, mais e melhor formagdo. Nos, professoras € professores, somos os “organizadores do ambiente social educativo”, os inteleetuais que conduzem com base cientifica as relagdes sociais educativas das criangas com outras eriangas, das criangas com professoras e professores € demais profissionais da escola ¢ das criangas com os contetidos da © Tais proposigdes assinalam a necessidade de uma formagao cientifica especifica que nos possibilitard ser intelectuais de nossa prdpria pratica, profissionais que pensam, planejam, executam, registram, avaliam e trans- formam a pratica juntamente com as criangas, tendo uma teoria ou teorias como fundamento. Para elucidar o conceito de “processo educativo” e a concepsao de professor como “organizador do meio social educative", Vigotski criow outras dias cate- orias tedricas, que podem orientar nosso trabalho na Educagao Infantil: 0 conceit de obutchenie e o conceito de zona de desenvolvimento de relevancia ide Vigotski ¢ sua deformagdo dificulta a i janto da cone éa palavra “inst a sugere que a melhor tradugao seri a tradugdo do termo para o idior que a melhor tradugao seria “proc ino-aprendizas Diante dessas questdes ¢ apos estudos ¢ andl do sistema conceitual de Vigotski como um todo, temos optado por ura propria palavra “obutchenie” e considerado que dentre as tradugies pe portugués do Brasil, a que mais se aproxima da ideia de Vi pressio "situagdes de ensino-aprendizagem” ¢ nao trugd tuagio de ensino”, pois em todas elas 0 con cariter dialtico, deixando sempre um dos elementos do processo edutatie agem que promoveos , arelagio q senvolvimento, mas a obutcher . Ea obutchenie que impulse o professor ou professora ea realidade s a person: fem nosst Pe ‘de obthe* (PRESTES, 2012). Desse modo, Pectiva, dentro do sistema conceitual de Vigotski, 0 conceito 6.8 Zona de desenvolvimento pri -Cultur na Educagio Infantil é 0 conceito de zona de desenvolvi ou proxi de outra pessoa, Os adje derar 0 pa sibilitar o desenvolvimento. A ou entre e para o desenvolvimento. 10 ou iminente imoconceitodosistemacones por Vigotski e que pode orientar 0 trabalho ped: vento inal -gundo Prestes (2012), 1a de desenvolvi por Vigot 8: 0d I chave da obuchenie como uma as sendo realizada em uma -as mais experientes e menos experientes, gera possil Hii autores que falam em duas zonas de desenvolvimento. No entanto, ¢ importante esclarecer que Azona vimento “Coneanes ap acs cpatareexae un gots dn ono oy me can ue ce (serene tet tes 5 pss ry norm mn sue natn a a ep oe a eek hanes See eee Tota ocr Sram pane outa re, — ceito aponta para @ Pos essoras e professores da Educagio Inf um nivel do desenvol st com a ajuda, com a jento préximo ow imi jos os demais cor jos neste capitulo e indica a os ra oe plane 'corganizar o trabalho pedagégico na Educagaoiitny fandamentado nos tréseritérios éticos propostos por Vigot cooperagao ea emancipagao. A a¢do compartilhada entre adultos ¢ centre as proprias criangas (cooperagao) permite que todos os sujeitos eno. idos no processo educativo se superem, que possam ir ao maximo de sex niveis de desenvolvimento (supera¢do), tornando-se cada vez mais auténotns ‘emais ativos em seus processos de formaco humana (emancipa¢io). 7. Para finalizar nossa conversa... Entendemos que é sempre um desafio pensar as contribuigdes de un sistema teérico para a educagao, principalmente, quando se trata da educage de criangas. Conscientes de que a fungio da teoria ¢ permitir @ compreensin da realidade, possiblitar a critica dessa realidade e sinalizar possbiliades & rmudanga, no oferecemos “receitas”, mas tentamos traduzir os principios ge da teoria de Vigotskie alguns de conceitos centrais, por meio de breves refs sobre atitudes necessérias ao nosso pensar e agir pedag icos como profissiont « Entendemos que esse sistema conceitual orienta 0 pensar € 0 28! saga Inf 5 na realizagao ¢ efetivacdo de uma proposta de Educagao - critica que nao visara alfabetizar a crianga, nem apenas observar 8 -;CORIAHISTORICO-CULTURAL. NA EDUCAGAO INFANTIL: 30 TerQeraando com professoras@ professores ‘mostramos, desde pequenas, a realidade como ela ¢, repleta de contradigaes, sem falseamento, abrindo caminhos para a sua compreensiio do mundo por meio da relagio social que gera a zona de desenvolvimento iminente ou proximo, de acordo com cada idade. Nos, professoras e professores, temos um importante papel nesse processo, Cabe a nés disponibilizar 0 maximo possivel de elementos da realidade para as criangas ¢ abrir espagos para que elas possam expressar, imaginar e rectiar o que thes é apresentado. A imaginagao constitui uma ponte para o “pensamento abstrato” ~ que vai além da aparéncia das coisas ~e para “agao volu GOTSKI, 2009, 2008). Ambos, pensamento abstrato e ago voluntiria, levam a crianga a pensar por si e a negar a sub- servigneia &s praticas e rituais domesticadores da escola e da sociedade, de uum modo geral, No entanto, da mesma forma que criticamos o trabalho na escola da inféineia que busca promover o desenvolvimento infantil de forma fragmentada, também ndo apoiamos as agdes para tornar as criangas “mais, inteligentes” ou “mais competentes”. © maximo desenvolvimento humano no depende somente da educagao que as criangas recebem na escola da infincia, mas também de suas condigdes objetivas de vida. Desse modo, ser professora ¢ professor da Educagao Infantil € algo desafiador, pois além de nosso trabalho pedagégico na escola com as criangas, pr ‘engajar na luta da nossa classe profissional e social. Assim, di contribuiremos com a nossa ago docente consciente para mudangas que queremos ver no mundo. Um outro mundo & possivel. Comecemos entio acon Preparemos desde jd a cangdo “que faga acordar os homens € adormecer as eriangas” (ANDRADE, 2002).

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