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O direito na economia globalizada: breve síntese do


pensamento de José Eduardo Faria
O direito na economia globalizada: breve síntese do pensamento de
José Eduardo Faria

Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Publicado em 07/2017. Elaborado em 07/2017.

Trata-se de análise sobre a obra "O direito na economia


globalizada', de José Eduardo Faria, em que discorre sobre os
impactos que a globalização tem gerado na transformação do
direito brasileiro.

INTRODUÇÃO

O autor destaca que o pensamento jurídico atual parece encontrar-se numa


situação análoga àquela em que se achava o pensamento econômico no término
dos tumultuados anos 20; ou seja, frente aos desafios de encontrar alternativas
para a exaustão paradigmática de seus principais modelos teóricos e analíticos, tal
o impacto gerado por todas estas transformações em seus esquemas conceituais,
em seus pressupostos epistemológicos, em seus métodos e em seus
procedimentos.

O autor recorda que após a grande depressão (final da década de 20), os conceitos,
as premissas, os axiomas, os postulados, as categorias, as hipóteses e os métodos
até ali dominantes, que vinham conferindo à economia o status de ciência, viram,
subitamente, esgotar grande parte de seu potencial analítico e exaurir sua
operacionalidade, perdendo em velocidade geométrica sua aceitação, e por
consequência, sua legitimidade.

Vencida a fase inicial do desafio da transnacionalização dos mercados de insumos,


produção, capitais, finanças e consumo, o autor afirma que vivemos atualmente a
etapa relativa às mudanças jurídicas e institucionais necessárias para assegurar o
funcionamento efetivo de uma economia globalizada.

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Sobre a velocidade do fenômeno da globalização, o autor explica que quanto mais


veloz e acentuada for, mais ela exerce um profundo impacto transformador nos
sistemas políticos e normativos forjados em torno de determinados postulados
(como o do monopólio do exercício legítimo da violência pelo Estado) e
determinados princípios (como o da legalidade, da hierarquia das leis e da
segurança do direito), levando seu poder de controle, decisão, direção e comando
a ser crescentemente pressionado, condicionado e atravessado por uma pletora de
entidades multilaterais, organizações transnacionais, grupos nacionais de pressão,
instituições financeiras internacionais etc.

Na sequência de seu pensamento o autor recorda que neste contexto da


globalização a tendência é que os direitos individuais, direitos políticos e direitos
sociais há tempos institucionalizados sejam crescentemente “flexibilizados” ou
“desconstitucionalizados”.

O autor aborda também a questão da necessidade de adaptação das normas


jurídicas para acompanhar as novas relações que surgem no contexto de uma
economia globalizada, quando afirma que as normas tradicionais abstratas, gerais
e impessoais, articuladas em termos hierárquicos por uma estrutura
constitucional, têm sua efetividade crescentemente desafiada pelo aparecimento
de regras espontaneamente geradas nos diferentes ramos e setores da economia, a
partir de suas necessidades específicas (como é o caso dos procedimentos
normativos oriundos das práticas mercantis adotadas pelas empresas
transnacionais na economia mundial).

1. NAÇÃO, ESTADO E SOBERANIA: O IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO

O autor recorda que a identificação da natureza das instituições de direito surgidas


com a globalização econômica, o mapeamento das práticas normativas emergentes
com esse fenômeno e o exame dos inúmeros e complexos desafios teóricos,
problemas analíticos e questões metodológicas por elas interpostas ao pensamento
jurídico passam pela importante questão da efetividade do próprio princípio da
soberania do Estado-nação, enquanto condição epistemológica necessária da
teoria jurídica moderna.

Para o autor, a natio, em seus primórdios, expressa uma realidade pré-política –


mais precisamente, uma integração cultural a partir de uma união de pessoas com
a mesma procedência, com a mesma identidade coletiva, com a mesma
experiência histórica. Esse sentido vai alcançar o século XV, quando, então, o
termo “nação” passa a ser cada vez mais empregado com propósitos políticos.
Desde então, a ideia de nação, segundo José Eduardo Farias, é condicionada pela
expansão concomitante e interdependente entre a crescente burocratização da
Administração Pública, por um lado, e a evolução e extensão da cidadania, por
outro. A partir do século XVIII a nação inclui a societas civilis (os cidadãos com

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direito de compartilhar e participar da elaboração das leis, da construção das


instituições governamentais e de sua condução) e a “consciência nacional” se
transforma numa poderosa forma de mobilização, de coesão e afirmação social.

Sobre a evolução do Estado, o autor inicia sua exposição ressaltando que Estado é
oriundo da palavra Stato, particípio do verbo stare, e designando “organização
estável”. O conceito de Estado indica e descreve um padrão específico de
ordenamento político que começou a adquirir corpo a partir do século XIII, com a
expansão urbana e comercial; desenvolveu-se com os conflitos entre Igreja,
baronato, suseranos feudais, monarcas e burguesia mercantil em torno da
unificação de estruturas de poder territorialmente fragmentadas e da aplicação de
regras de direito válidas para todos os habitantes. Vinculada à consolidação desses
Estados, a soberania, em seu significado moderno, diz respeito a um poder de
mando incontestável numa determinada sociedade política; a um poder
independente, supremo, inalienável e, acima de tudo, exclusivo.

Considerando ser a espinha dorsal da Teoria Geral do Estado, a elaboração teórica


do conceito de soberania tem em vista, pelo menos, três objetivos básicos: a) A
transformação da força bruta (Macht) em domínio (Herrschaft); b) A conversão do
poder de fato em poder de direito, e; c) A outorga do processo político de uma
estrutura normativa capaz de propiciar a conjugação de estabilidade com
mudança e de legalidade com legitimidade.

Para o autor, essa elaboração teórica se desenvolve no começo do século XIX com
base na concepção de soberania como expressão do poder político
“incontrastável”; expande-se com o advento, décadas mais tarde, das doutrinas de
direito público alemão sobre a personalidade jurídica do Estado como “centro de
imputação de deveres e obrigações”; e vai resultar, a partir do século XX, entre
outras concepções, no normativismo kelseniano, que vê soberania como expressão
da unidade de uma ordem coativa; na visão política do ordenamento jurídico
baseada num decisionismo, como a de Carl Schmitt; nas abordagens culturalistas
que a definem como poder de organização jurídica tendo em vista a realização do
“bem comum” e a afirmação de suas decisões nos limites dos “fins éticos de
convivência”; e na distinção feita pela sociologia do direito à titularidade do poder
e a capacidade de seu exercício efetivo, mais precisamente, entre capacidade de
auto-organização e titularidade exclusiva do exercício do poder político na ordem
interna e capacidade de relacionamento externo de forma livre e não subordinada.

Neste sentido, o autor ensina que nos primórdios do Estado moderno o direito é
reduzido à lei imposta pelo soberano, sendo superior a todas as demais fontes de
normatividade. Em um segundo momento, com o advento das declarações e das
Constituições surgidas de três revoluções burguesas – a inglesa de 1688, a norte-
americana de 1776 e a francesa, de 1789 – deflagradas com o fim de impor um
freio ao governo absolutista, de racionalizar o poder monopolizado pelo Estado e

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de legitimar seu exercício por meio da democracia representativa e do aparelho


judicial inteiramente profissionalizado. E em um terceiro momento, o autor
ensina que passou-se à afirmação do princípio da “autodeterminação dos povos”.

Segundo o autor, toda essa engrenagem institucional forjada em torno do Estado-


nação e o princípio jurídico constituído a partir dos princípios soberania, da
autonomia do político, da separação dos poderes, do monismo jurídico, dos
direitos individuais, das garantias fundamentais do judicial review e da coisa
julgada é que têm sido constantemente postos em xeque pela diversidade,
heterogeneidade e complexidade do processo de transnacionalização dos
mercados de insumo, produção, capitais, finanças e consumo.

Quando o Estado não consegue mais regular a fixação dos preços de produtos,
insumos e serviços, cujos mecanismos de operacionalização estão diretamente
relacionados com o mercado global, vê, gradativamente, sua soberania esvaindo-
se, mesmo que formalmente ela ainda exista. Neste sentido o autor explica: (...)
embora em termos formais os Estados continuem a exercer soberanamente sua
atividade nos limites de seu território, em termos substantivos, muito deles já não
mais conseguem estabelecer e realizar seus objetivos exclusivamente por si e para
si próprios. Em outras palavras, descobrem-se materialmente limitados em sua
autonomia decisória. Numa situação extrema, segundo o autor, os Estados
chegam ao ponto de não mais conseguirem estabelecer os tributos a serem
aplicados sobre a riqueza – esta é que, transnacionalizando-se, passa a escolher
onde pagá-los.

Para o autor, o grande desafio é dar conta dessa ruptura entre a soberania formal
do Estado e sua autonomia decisória substantiva, por um lado, e da subsequente
recomposição do sistema de poder provocada pelo fenômeno da globalização, por
outro.

O autor diz que pode ser precipitado e ingênuo se falar em aniquilação da


soberania, mas não há como negar que os formuladores de políticas são forçados a
levar em consideração, com peso crescente, variáveis externas à jurisdição e ao
escopo do Estado.

Uma das facetas mais conhecidas desse processo de redefinição da soberania do


Estado-nação é a fragilização de sua autoridade, o exaurimento do equilíbrio dos
poderes e a perda de autonomia de seu aparelho burocrático, o que é revelado pelo
modo como se posiciona no confronto entre os distintos setores econômicos
(públicos ou privados) mais diretamente atingidos pelo fenômeno da globalização,
em termos positivos ou negativos.

Nesta esteira, o autor explica que os setores vinculados ao sistema capitalista


transnacional pressionam o Estado a melhorar e ampliar as condições de
“competitividade sistêmica”. Entre outras pretensões, eles reivindicam a
eliminação dos entraves que bloqueiam a abertura comercial, a

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desregulamentação dos mercados, a adoção de programas de desestatização, a


“flexibilização” da legislação trabalhista e a implementação de outros projetos de
“deslegalização” e “desconstitucionalização”.

Já os setores defasados tecnologicamente, sem poder de competitividade em nível


mundial, segundo o autor, tendem a ser contra esta abertura de mercado, e por
isso mostram-se cada vez mais dependentes de algum grau de proteção por parte
do Estado para sobreviver ou e modernizar, lutam para retardar, quanto tempo
mais for possível a “inevitável” globalização. Para tanto, requerem a manutenção
de um mercado local “reservado”, mediante obstáculos jurídicos, administrativos,
tarifários e alfandegários à entrada de bens e serviços estrangeiros.

Uma outra faceta desse processo de recomposição do sistema de poder do Estado-


nação são as discussões sobre o sentido, o alcance e o lócus da democraria
representativa na economia globalizada; sobre a substituição da política pelo
mercado como fator determinante do “âmbito público”; sobre a erosão dos
distintos mecanismos de formação da identidade coletiva forjados pela
modernidade; sobre os novos tipos de sociabilidade gerados pela mercantilização
das mais diversas relações sociais, e sobre o caráter cada vez mais difuso e menos
transparente da elaboração de regras jurídicas em matéria econômica, monetária,
financeira, cambial, industrial e comercial.

Outro importante aspecto do desenvolvimento tecnológico e dos meios de


comunicação foi lembrado pelo autor ao esclarecer que quanto mais disponíveis e
sofisticadas são as formas de vinculação eletrônica entre as pessoas, mais amplas
acabam sendo as possibilidades de “encontros sociais” não nas esferas públicas
tradicionalmente constitutivas da cidadania, porém no espaço virtual entre quem
jamais se falou pessoalmente; quanto mais as relações por meio de redes
informatizadas se sobrepõe à proximidade física, o que conduz o “dom da palavra”
a ser restringido pelo recurso a imagens e desterritorializa os universos
simbólicos, mais numerosas e diversificadas são as formas de introspecção e
isolamento sociais.

Como conseqüência, o autor diz que: “ (...) se representar significa uma relação
entre sujeitos, por meio de um diálogo e de um mandato, quanto mais intensa for
essa vinculação eletrônica e quanto maior o isolamento social, por ela produzido,
maior será a fragmentação das identidades coletivas e mais tenderá ser a
velocidade de empobrecimento dos mecanismos de participação e representação
políticos.

O autor explica ainda que o teor da comunicação global acaba também sendo
incompatível com o conjunto de valores de certos países, destruindo consensos,
rompendo alternativas políticas e provocando perda de referências básicas.
Procedimentos democráticos há tempos institucionalizados, podem, segundo o
autor, ser minados com a crescente independência das empresas, setores
econômicos e cadeias produtivas inteiras em relação aos recursos específicos de

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qualquer território nacional, ao mesmo tempo em que mecanismos, ritos e lógicas


políticas tradicionais também correm o risco de perder parte de sua capacidade de
articular e “sincronizar” os diversos processos e mudanças sociais.

Na seqüência de sua exposição, o autor assevera que com o fenômeno da


globalização, as estruturas institucionais, organizacionais, políticas e jurídicas
forjadas desde os séculos XVII e XVIII tendem a perder tanto a sua centralidade,
quando a sua exclusividade. No âmbito de uma economia transnacionalizada, as
relações entre os problemas internacionais e os problemas internos de cada país
vão sendo progressivamente invertidas, de tal forma que os primeiros já não são
mais apenas parte dos segundos; pelo contrário, os problemas internacionais não
só passam a estar acima dos problemas nacionais, como também a condicioná-los.

Com tais fatos, as intervenções regulatórias, os mecanismos de controle e direção


sócio-econômicos e as concepções de “segurança nacional” que
instrumentalizaram as estratégias de planejamento entre o pós-guerra e os anos
70 perdem vigor e efetividade. Como, nesse contexto, a decisão de participar ou
não do fenômeno da economia globalizada muitas vezes acaba ficando fora do
alcance dos legisladores e dos formuladores da política econômica nacional, por
mais estranho ou paradoxal que isso possa parecer, que papel, por exemplo, pode
ser exercido por uma Constituição-dirigente[1]?

O autor ressalta ainda que com a transnacionalização dos mercados e subseqüente


“desterritorialização” da produção, fenômenos que serão examinados no capítulo
2, a própria idéia de Constituição vem gradativamente deixando de ser um
princípio absoluto, passível de ser visto e reconhecido como “norma fundamental”
e centro emanador do ordenamento jurídico (devido a um tendência de um
crescente esvaziamento da forma normativa dos textos constitucionais perante os
novos esquemas regulatórios e as novas formas organizacionais e institucionais
supranacionais). Uma das hipóteses possíveis é sua conversão num documento
meramente simbólico, como uma espécie de “magna carta de identidade
nacional”.

Para o autor, na medida em que a interpenetração das estruturas empresariais, a


interconexão dos sistemas financeiros e a formação dos grande blocos comerciais
regionais se convertem em efetivos centros de poder, o sistema político deixa de
ser o locus natural de organização da sociedade por ela própria. Em vez de uma
ordem soberanamente produzida, o que se passa a ter é uma ordem
crescentemente recebida dos agentes econômicos.

O autor frisa que esta nova ordem tende a transcender os limites e controles
impostos pelo Estado, a substituir a política pelo mercado como instância máxima
de regulação social, a adotar as regras flexíveis da lex mercatoria no lugar das
normas de direito positivo, a condicionar cada vez mais o princípio do pacta sunt

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servanda à cláusula rebus sic stantibus, a trocar a adjudicação pela mediação e


pela arbitragem na resolução dos conflitos e a pôr em xeque a distinção clássica
entre o público e o privado.

Neste sentido, o autor informa que segundo a imprensa especializada na área


econômica, a resolução de mais de 80% dos conflitos mercantis internacionais já
estaria sendo feita por mediação e arbitragem privadas, sobretudo no âmbito da
Europa Ocidental e América do Norte.

Diante deste quadro atual do sistema capitalista global as estruturas


administrativas, políticas e jurídicas do Estado-nação não desaparecem. No
entanto vêem relativizados alguns dos instrumentos básicos que caracterizaram
sua ação nas últimas décadas, como a “gestão normalizadora” dos mercados; a
intervenção nas negociações entre o capital e o trabalho para mantê-los dentro dos
limites como níveis de crescimento de pleno emprego; a produção direta de
insumos e a prestação direta e serviços por meio de empresas públicas; o
estabelecimento de barreiras legais à entrada e saída de capitais e produtos; a
imposição de restrições ao regime de propriedade privada, condicionando-a ao
cumprimento de sua “função social”; e por fim, a utilização de política tributária
com vistas à indução do comportamento e decisões dos agentes econômicos, ao
financiamento dos programas sociais e à distribuição de renda.

2. CRISE DO DIREITO E EXAUSTÃO PARADIGMÁTICA

O autor neste tópico ressalta que dada a impressionante rapidez com que muitos
dos conceitos e categorias fundamentais até agora prevalecentes na teoria jurídica
vão sendo esvaziados e problematizados pelo fenômeno da globalização, seus
códigos interpretativos, seus modelos analíticos e seus esquemas cognitivos
revelam-se cada vez mais carentes de operacionalidade e funcionalidade. E
questiona: de que modo conceitos e categorias construídos em torno do princípio
de soberania, como monismo jurídico, norma fundamental, poder constituinte
originário, hierarquia das leis, direito subjetivo e segurança do direito, podem
captar todo o dinamismo e interdependência presentes no funcionamento de uma
economia globalizada?

Na seqüência de seu pensamento o autor considera precipitado associar as


dificuldades atuais do pensamento jurídico a um conjunto de proposições, como
por exemplo as formuladas pelo positivismo normativista, ou, então forjados pelas
correntes de inspiração analítica.

Para o autor essa idéia de crise configura um conceito analítico que serve para
opor uma ordem ideal a uma desordem real, na qual a ordem jurídica é
contrariada por acontecimentos para os quais ela não consegue oferecer soluções
ou respostas técnica e funcionalmente eficazes.

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Desta forma, para o autor, a crise hoje vivida pelo direito positivo e pelo
pensamento jurídico, em face das transformações provocadas pelo fenômeno da
globalização econômica guarda alguma semelhança com este tipo de diagnóstico.
No entanto, ela o transcende em muito, a ponto de expressar o descrédito da
própria noção de fronteira do conhecimento. Durante muito tempo acreditou-se
que o estágio atual do pensamento jurídico tinha incorporado as formulações, os
conceitos e as categorias mais importantes aparecidas no passado. E embora se
soubesse que a história do pensamento jurídico é formada por controvérsias,
polêmicas e rupturas, aceitava-se que, de algum modo, as verdades surgidas no
passado estariam incluídas no presente.

O autor frisa ainda que sem a técnica da dogmática jurídica, sem a capacidade de
(a) converter leis e códigos em técnicas de controle social, fundada antes em
mecanismos formais do que na coação pessoal, (b) fazer das normas jurídicas
medidas universais de comportamento social não vinculadas a nenhum conteúdo
material; (c) sistematizar, de modo coerente, a legislação sob a forma de uma
hierarquia de normas superpostas, em cujo âmbito as inferiores se subordinam às
superiores num movimento linear e unidirecional e fundamentação e validez; (d)
forjar técnicas para a “inter-individualização” processual dos conflitos com a
finalidade de permitir seu “desarme”, sua “dispersão” e sua “biodegradação” pelas
instituições judiciais; (e) de se expressar pela linguagem objetiva, clara, unívoca e
precisa, viabilizadas pelo recurso a normas genéricas e impessoais
hierarquicamente dispostas sem ordenamentos completos, sem lacunas ou
antinomias, e por abstrações como a ideia de igualdade perante a lei “ou o
primado da autonomia da vontade”, o direito positivo dificilmente teria condições
operacionais de desempenhar seus papeis básicos de reduzir incertezas; de unir e,
ao mesmo tempo, separar; de viabilizar a divisão e a atomização de uma sociedade
concebida como um sistema de indivíduos independentes e de realizar sua
unificação; de asseverar a previsibilidade das expectativas, o cálculo econômico e a
certeza jurídica; de promover a garantia jurisdicional da constitucionalidade; de
assegurar o equilíbrio dos poderes etc.

Toda esta sofisticada técnica, acima esboçada, é que está sendo posta em questão
pelo complexo fenômeno da globalização econômica, envolvendo a um só tempo
uniformidade e diferenciação, integração e fragmentação, continuidade e ruptura,
codificação e deslegalização, controles diretos e controles indiretos, formalismo e
informalismo, disciplina e punição, acumulação de riquezas e regulação privada,
ordem jurídico-positiva estatal nacional e ordens normativas autônomas
infranacionais e supranacionais.

Dando continuidade a sua exposição, o autor aborda a questão dos métodos da


ciência jurídica e a exaustão paradigmática desta ciência em face desta nova
ordem supranacional que penetra fortemente as bases jurídico-institucionais do
Estado-nação. São, nas palavras do autor, momentos de revolução paradigmática.

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Para desenvolver sua exposição o autor recorre aos ensinamentos de Kuhn, para
quem, uma disciplina somente se converte em ciência quando uma comunidade de
especialistas firma uma opinião comum quanto ao seu paradigma, isto é, ao
conjunto de problemas relevantes e de padrões estandardizados de abordagem.

O interesse para a ciência, volta-se, portanto, quase exclusivamente para uma


extensão do âmbito de aplicação de um determinado paradigma a questões por ele
originariamente não tematizadas. E continua, dizendo que uma ciência “madura”
é fruto de uma sucessão de tradições, cada qual com sua própria teoria e seus
próprios métodos de pesquisa, cada qual guiando uma comunidade de cientistas
durante um certo período de tempo. Nesse sentido, da mesma maneira como um
paradigma é uma crença partilhada pelos membros da comunidade científica, uma
comunidade científica é um conjunto de cientistas reunidos em torno de um
paradigma. Consequentemente, a autoridade de uma proposição científica passa a
se fundamentar em sua capacidade de gerar consenso no âmbito de uma dada
comunidade. Em suma: um determinado raciocínio ou um dado argumento não é
considerado “científico” por ser resultante da aplicação global de um método
qualquer, mas por ser produto da aplicação de modelos e de enfoques
consensualmente aceitos, o que singulariza como evidente, verdadeiro e certo.

Por fim, o autor conclui este ponto afirmando que há momentos em que os
paradigmas entram em crise, onde passam a viver um período de turbulência e de
anormalidade – na linguagem Kuhniana, atingindo o status de ciência
extraordinária.

3. GLOBALIZAÇÃO E DIREITO: OBJETIVOS DO TRABALHO

O autor inicia este tópico, destacando que ao atingir o estágio de “ciência madura”,
na acepção dada por Kuhn a esse termo, a dogmática jurídica se destaca por seu
conhecido rigor analítico, por sua racionalidade basicamente formal, pela precisão
de sua linguagem e por seu “plurismo” metódico, encarando o poder inerente à
produção normativa como uma instância autônoma em relação à economia e à
política.

Na sequência o autor assevera que na dinâmica do processo de globalização da


economia os fluxos de matérias-primas, de serviços, de bens, de recursos
financeiros, de informações e de conhecimento especializado passam cada vez
mais a obedecer à lógica própria desses mercados, que é independente das
intenções dos sujeitos.

O autor explica que será visto nos próximos capítulos que a globalização
econômica é um fenômeno altamente seletivo, contraditório e paradoxal, jamais
podendo ser tomado como sinônimo de universalização no que se refere, por
exemplo, à partilha equitativa de seus resultados materiais e ao acesso de todos ao
que é comum. Portanto, por globalização se entende basicamente essa integração

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sistêmica da economia em nível supranacional, deflagrada pela crescente


diferenciação estrutural e funcional dos sistemas produtivos e pela subseqüente
ampliação das redes empresariais, comerciais e financeiras em escala mundial,
atuando de modo cada vez mais independente dos controles políticos e jurídicos
ao nível nacional, esse fenômeno, como afirma Habermas, acaba comprometendo
mortalmente a “idéia republicana de comunidade”.

O Capítulo 2 aponta rapidamente as origens históricas da globalização e se detém


mais aprofundadamente sobre os desdobramentos contemporâneos do processo
de transnacionalização dos mercados, insumos, produção, consumo, finanças e
capitais. Este capítulo dedica uma especial atenção ao papel exercido pelas
sucessivas ondas de transformação tecnológica na substituição da sociedade
industrial pela sociedade informacional, à subseqüente conversão do modelo
“fordista” de produção no paradigma da “especialização flexível” e à consolidação
da economia internacional numa “economia-mundo”.

O capítulo 3 discute alguns dos principais problemas político-jurídicos


enfrentados pelo Estado-nação para a afirmação de sua autoridade, a
implementação de suas decisões e imposição de suas normas gerais e
padronizadoras. Dentre estes problemas destacam-se sua “ingovernabilidade
sistêmica”, sua conhecida “crise fiscal”, sua tão decantada “inflação legislativa” e
seu “trilema regulatório”.

O capítulo 4 examina as diferentes ordens normativas existentes na economia


globalizada, como as regidas pelo “direito da produção”, pela Lex Mercatoia e pelo
“direito sistêmico”; põe em discussão o desafio de sua articulação numa
perspectiva funcional, em face dos imperativos técnicos do fenômeno da
globalização; analisa a emergência de mecanismos normativos baseados menos
em sanções e mais em simples procedimentos de negociação, estratégias de
conciliação; e por fim, procura mostrar como a transnacionalização de mercados,
ao introduzir novas formas de contratualidade nas relações entre os atores
econômicos, converte contratos atípicos em contratos típicos, e, com isso, recoloca
em novos termos a própria teoria contratual.

O capítulo 5 trata basicamente das conseqüências políticas e das conseqüências


sociais da transnacionalização dos mercados e de algumas de suas implicações
jurídicas. Ele aponta o caráter essencialmente fragmentador e a naureza
potencialmente anômica do fenômeno da globalização, em termos de
esvaziamento do processo democrático, maior velocidade na mobilidade social
descendente, ampliação dos níveis de pobreza, relativa e absoluta, aumento das
marginalidades econômica, social e criminal, enfraquecimento das organizações
sindicais, aceleração dos movimentos migratórios, etc.

Por fim, o 6º capítulo apresenta um enfoque mais especulativo. Formula críticas


às contribuições mais recentes de alguns teóricos empenhados em desenvolver
modelos analíticos capazes de dar conta das implicações jurídicas da globalização

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econômica, pondo em dúvida a viabilidade tanto das idéias de auto-organização,


auto-regulação e “reflexibilidade normativa” quanto da crença na capacidade do
direito neutralizar problemas sociais complexos e provocar mudanças com
objetivos “compensatórios” e “distributivistas”. E procura fazer uma avaliação
prospectiva dos possíveis desdobramentos institucionais normativos desse
fenômeno. A menção às experiências de formação de blocos regionais e
desenvolvimento de um “direito comunitário”, como sucedâneo à fragmentação
jurídico-institucional provocado pela globalização econômica, deve ser entendida
apenas e tão-somente como uma tentativa de encontrar fundamentação empírica
para sustentar, dentro do possível, as afirmações feitas ao longo do referido livro.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Tratou-se, nas linhas acima, de se fazer uma abordagem crítica acerca do conteúdo
do  livro 'O Direito na Economia Globalizada', de autoria de José Eduardo Faria.
Este livro, de uma atualidade impressionante, discorre sobre os impactos e os
reflexos que o fenômeno da globalização tem gerado na transformação do direito
brasileiro. A principal tônica, que dita os fatores políticos, sociais e econômicos é a
economia de mercado global, moldada pelas lógicas e pelos interesses do capital
transnacional, que procura espaços competitivos, do ponto de vista social e
principalmente econômico, para se reproduzir e se acumular.

Neste quadro de interesses, que extrapolam, em muitos, os limites da soberania


nacional, um quadro de transformações, na sociedade (comportamento de
consumo), nos governos e nas políticas, tem sido colocadas como fundamentais
para que investimentos de capitais globais possam repousar sobre o solo dos
países que se inserem ou querem se inserir no mercado global. Nesta direção,
surge um pacote de proposições legislativas que objetivam flexibilizar legislações
nacionais que geram, naturalmente, encargos e ônus para os investidores
internacionais. Nestes termos, aspectos legais relacionados  a  relações
consumeristas, trabalhistas, tributárias e ambientais precisam ser alterados para
que o livre mercado encontre espaço para reproduzir-se livremente.

No entanto, não se pode, mesmo que haja interesses econômicos relevantes,


deixar-se esvaziar um quadro de proteções construídos ao longe de lutas e de
processos históricos apenas para se atender a interesses externos ou
predominantemente externos. Se alguma necessidade de mudança houver, com
impactos na legislação social e ambiental, que o seja por fatores e necessidades
internas, para fazer face à superação de um quadro de dificuldades, que por si só é
limitador de direitos fundamentais e da própria dignidade a pessoa humana, que
lhes é basilar.

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02/05/2023, 22:18 O direito na economia globalizada segundo José Eduardo Faria - Jus.com.br | Jus Navigandi

5. BIBLIOGRAFIA

FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. 1 ed. 4. tiragem.


São Paulo: Malheiros, 2004.

NOTAS

[1] J.J. Gomes Canotilho  define Constituição-dirigente como aquela onde o


legislador ordinário já não é mais totalmente soberano em matéria de direito
econômico e social, devendo pautar suas decisões pelos princípios e diretrizes
programáticas definidos pelo poder constituinte; princípios e diretrizes que não
são apenas de caráter negativo, mas também de natureza positiva, na medida em
que estão voltados à consecução de determinadas metas e objetivos materiais. 

Autor
Carlos Sérgio Gurgel da Silva

Professor da Faculdade de Direito da Universidade do Estado


do Rio Grande do Norte, no Campus de Natal; Advogado
especializado em Direito Ambiental; Doutor em Direito pela Universidade de
Lisboa (Portugal); Mestre em Direito pela UFRN; Especialista em Direitos
Fundamentais e Tutela Coletiva pela Fundação Escola Superior do
Ministério Público do Rio Grande do Norte; Presidente da Comissão de
Direito Ambiental da OAB/RN (2022-2024); Geógrafo; Conselheiro
Seccional da OAB/RN (2022-2024); Conselheiro Titular no Conselho da
Cidade de Natal (CONCIDADE).

Informações sobre o texto


Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Carlos Sérgio Gurgel da. O direito na economia globalizada: breve síntese
do pensamento de José Eduardo Faria. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-
4862, Teresina, ano 22, n. 5221, 17 out. 2017. Disponível em:
https://jus.com.br/artigos/59167. Acesso em: 2 maio 2023.

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