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A vida é feita

de escolhas
e uma boa dose de coragem
Jana Favato

A vida é feita
de escolhas
e uma boa dose de coragem

1a edição

São Paulo, 2018


Copyright © 2018, Jana Favato

Preparação
Adriana Calabró

Revisão
Sumaya de Souza Lima

Ilustrações e diagramação
Giovana Pasquini

Foto de capa
Songbird839/iStock.com

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


F272v Favato, Jana
A vida é feita de escolhas e uma boa dose de coragem
/Jana Favato. 1 ed. --São Paulo: Nuria Basker, 2018.
96p

ISBN 978-85-5692-003-4

1. Ética: valor moral: felicidade. 2. Ética individual. 3.


Literatura brasileira: Novela. 4. Mulheres: História de vida.
I. Título.

CDU
17.022.1
171
821.134.3(81)-32
920.72

Maria das Graças Sacco


CRB 6-297
graca_sacco@hotmail.com

1a edição, 2018

Todos os direitos reservados desta edição à


Nuria Basker Criatividade, Livros & Afins
Agradeço a toda a humanidade, que em sua continuidade
e eternidade possibilita a nossa evolução.
Aos meus pais, que me concederam a vida e cuidados, aos
meus familiares e a todos que vieram antes.
Aos mestres, que pelo caminho nos mostram o reflexo da
joia que está em nosso peito.
À Sangha Simplesmente Yoga e ao nosso mestre e mentor
Marco Schultz.
Ao Daniel Favato, amor da minha vida, meu companheiro
e meu salvador.

Dedico este livro a um ser incrível que passou rapidamente


por nossa era, Renata Yahn, cujo brilho nos olhos nos
inspirava a Ser.
Sua Presença contagiante conectava as pessoas e,
magicamente, trazia seu melhor à tona.
Ascendeu uma fagulha e me levou a escrever este livro,
que contém seu amplo sorriso em todas as páginas.
A vida é feita de escolhas, de muitos mistérios, e sem
dúvida, é sofrimento. Que possamos ser livres para escolher.
Sua imensa Luz nunca se apagará. De onde você estiver,
receba meu amor.
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Prefácio

Os lobos saudáveis e as mulheres saudáveis têm certas características


psíquicas em comum: percepção aguçada, espírito brincalhão e uma
elevada capacidade para a devoção. Os lobos e as mulheres são gregários
por natureza, curiosos, dotados de grande resistência e força (...) Têm
uma determinação feroz e extrema coragem.
Clarissa Pinkola Estés

Eu não poderia deixar de lançar mão da autora do clássico


Mulheres que correm com lobos para iniciar este prefácio. Não em um
livro escrito pela Jana.
No início de 2016, Jana e eu éramos duas entre dezenas de
pessoas presentes no primeiro módulo do curso de Formação e
Aprofundamento em Yoga e Meditação com Marco Schultz, em
São Paulo. Naquele dia, as palavras de compaixão e força de nosso
futuro mestre já nos alertavam sobre o movimento de entrega que
haveríamos de empreender. A partir dali, seria preciso quebrar as
máscaras e imergir, sem garantia de oxigênio; deixar rasgar a pele,
camada por camada, e permitir adentrar a carne, expondo avessos,
veias e vasos. Era imperioso sangrar. Sangrar até a morte.
No mesmo dia, com seu jeito pragmático e definidor, Jana con-
vidou rapidamente a mim e mais duas colegas para acompanhá-la

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no almoço. As devidas apresentações só seriam feitas mais tarde,
com todas já sentadas à mesa, ansiosas e famintas, aguardando seus
pratos. Como aperitivo, muitas histórias, sorrisos de admiração
e lágrimas nos olhos. “Mas que boa sorte a minha estar aqui”,
pensava eu, tomada de encanto pela grandeza daquelas mulheres
que já começavam a se tornar minhas grandes professoras. Hoje,
percebo que não haveria melhor local e momento para saborear
o entusiasmo de Jana ao contar sobre como as mudanças em seu
estilo de vida e alimentação haviam salvo sua existência.
Os meses seguintes já guardavam as surpresas do nosso processo
de transformação, do nosso caminho de encontro do dharma
em meio às manifestações do karma. Jana passaria por mais uma
cirurgia, a última, ainda sem se dar conta de que a aventura rumo
ao centro de si mesma só estava começando. Foi nessa ocasião que
tive a alegria de conhecer Daniel, seu marido, parceiro e cúmplice
desta, de outras e de todas as vidas possíveis.
Sua luta para domar a Endometriose mostrou ser um treino
em campo não apenas para o corpo, mas para a mente. Com a
doença e por meio dela, Jana foi capaz de vasculhar o seu passado
sem lamentos e culpas, apenas perdoando a si e aos outros por
uma existência carente de consciência. Acompanhar parte de
seu percurso pelo caminho do instinto sagrado e primordial – a
aceitação de sua poderosa divindade feminina – foi para mim um
grande privilégio.
Não à toa, ao saber mais de sua história por meio da personagem
Liz e conhecer seus inúmeros desafios, veio-me a célebre frase
“Não se nasce mulher, torna-se mulher”, de Simone de Beauvoir.
Nela, “tornar-se” é verbo reflexivo que supõe, em sua definição,
um movimento de transformação, uma mudança que faz com
que alguém deixe um estado e passe a outro. Não há, para mim,
processo de mutação mais forte do que a compreensão daquilo
que em nós precisa morrer para dar energia ao que merece nascer.

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Assim, tal e qual irmãs paridas da mesma grande mãe universal,
eu e Jana fomos testemunhas oculares do nascimento uma da outra.
Juntas, face a face, pela primeira vez abrimos os olhos e entendemos
que nunca estivemos nem nunca estaremos separadas – de nós, de
nada, de ninguém. Aqui, ali e além. E não haveria condição senão
esta para existirmos: unidas, na eternidade, pelo enredo de uma
trama sem fios, pelo indivisível, o vazio, o tudo que é nada. Como
diria nosso mestre, em razão do que simplesmente É.
Que assim seja. Assim é.
Sat nam!

Sumaya de Souza Lima

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Sumário

Introdução ...................................................... 13
1. Ser condicionado ........................................ 17
2. Pedido de socorro ....................................... 25
3. O colapso do eu ......................................... 41
4. A escolha fundamental ................................ 49
5. Sentindo-se viva .......................................... 57
6. A doença como caminho ............................. 63
7. Encontrando seu propósito .......................... 81
8. O fim da Normose ...................................... 91
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Introdução

A lagarta passa por processos intensos, enfrenta um casulo escuro


e se refaz, transformando-se em uma colorida e inspiradora
borboleta. O mesmo acontece conosco. Ao enfrentar obstáculos,
percebemos como eles podem ser poderosos. Quanto mais
profundo o sofrimento, mais rica a história pode se tornar e
inspirar o mundo. Isso, claro, desde que escolhas conscientes sejam
tomadas a partir do que nos acontece.
Assim aconteceu com Liz, que passou 40 anos sem esperança de
dias mais claros e limpos, vivendo com sua mente congestionada
em meio a um grande engarrafamento.
Como muitas pessoas, Liz encarou uma doença do corpo
físico, mas só depois entendeu que ela mesma havia provocado
esse desalinhamento. Sua essência e seu Ser buscavam uma vida
muito diferente daquela tecida por duas décadas, e ela se viu em
um emaranhado que exigia algo além das suas possibilidades.
Como se estivesse sendo guiada pelas mãos de anjos, teve mestres
de diferentes áreas e em diferentes vestimentas que dividiram sua
sabedoria em forma de ensinamentos e experiências, o que lhe
possibilitou trilhar o caminho da transformação.
Liz fez uso de uma poderosa ferramenta – suas sombras. As
mesmas que vivem em nós na forma de medo, segredo e negação.

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Parece contraditório? Não para Liz, que viu na escuridão um
poder, uma alavanca para o caminho da luz. Ao reconhecer a
existência de nossas sombras, podemos literalmente iluminá-las,
e sua força nos catapulta em direção ao seu lado oposto. Assim,
descobrimos em nós um tesouro escondido que está à disposição
do mundo e que nele deve ser integrado e explorado.
Essa etapa não é simples, mas é possível a qualquer um de
nós. Trata-se de um mergulho profundo no autoconhecimento. É
trilhar o caminho de dentro, abrindo portas interiores e viajando
nas camadas de nosso Ser rumo à essência, à joia rara que habita
nosso coração – uma viagem que nos proporciona tremenda
liberdade, paz e plenitude.
A história de Liz teve a Mãe Natureza como estrela, sua prin-
cipal ferramenta para conectar-se consigo mesma, sentir-se parte
integrante e inseparável da Terra e tornar a metamorfose possível.
A nutrição do corpo e da alma a guiou pelo caminho. E essa
história deu início a muitas outras que, certamente, não terão fim.
Acompanhar os passos de Liz nos inspira a fazer escolhas e a
não deixar a vida nos arrastar pelos acontecimentos, que passam
rápido como um trem-bala, com horário e local de destino, e não
nos permite perceber a viagem e contemplar as belezas, as tantas
nuances do caminho. A história nos estimula a observar, avaliar,
optar, definir e, sobretudo, a arriscar, aprender a viver na incerteza,
confiando no campo das infinitas possibilidades. São atitudes que
certamente demandam uma boa dose de coragem – um presente
que a vida concedeu a Liz como um amuleto da sorte.
Para muitos, a coragem é algo distante, que não se apresenta de
forma natural. Mas courage, o “coração que age”, vem de dentro;
não das emoções, mas daquele ponto central de contato com a
nossa alma. E está disponível a todos nós.
A vida é como uma encruzilhada de rodovias em uma
metrópole: sempre nos apresentará diversas opções de caminhos
que nos levarão a diferentes destinos, entre eles, os que nos

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enganam e fazem dar voltas para chegar ao mesmo lugar. Escolher
é optar pela forma de fazer a viagem, reconhecendo, observando
e aceitando as curvas daquela estrada, desfrutando e curtindo a
jornada que, de fato, é a única coisa que temos. Todo o resto é
projeção, desejo ou memória de caminhos que nos imaginamos
trilhar.
Com uma jornada carregada de sentido, podemos experienciar
nossa capacidade de expressão e nossa essência mais profunda, e
não apenas passar pela vida vendo seus acontecimentos. Podemos
entrar em contato com a divindade do universo em suas infinitas
formas e sentir a benção que é viver.
Ainda que não seja possível conseguir o visto para o destino
que desejamos – porque nem sempre é –, podemos escolher com
consciência trilhar um caminho indesejado, mas que faça fronteira
com o que almejamos, até que seja viável cruzá-la.
Escolhas inconscientes acabam por nos manter em caminhos
que não levam a nenhum lugar, pois nos fazem emperrar na
repetição, em ações condicionadas e viciadas que tornam normal
tudo o que fazemos ao nos adequarmos ao status quo. As trilhas
evolutivas nos trazem brilho nos olhos, estimulam nossa atenção
e presença e nos fazem transbordar a divindade que cada um de
nós possui.
Vejamos então a jornada percorrida por Liz – essa história
feita de escolhas que, em algum ponto, tornaram-se conscientes e
transformaram-se em seu passaporte para a liberdade.

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1.
Ser condicionado
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Liz vivia no modo automático como bilhões de pessoas no mundo
moderno. Totalmente condicionada.
Repetir uma ação sem se dar conta dela, por anos e anos: qual
seria o antídoto para esse tipo de vida?
Após duas décadas de vida corporativa, como profissional e
membro de uma empresa, Liz era um grande exemplo de condi-
cionamento. O mundo vendia esse estilo de vida como um modo
indispensável, como a única forma razoável de se conseguir seja lá
o que fosse necessário para ser feliz.
Quando adolescente, seu convívio com pessoas que viam a
formação escolar como único meio de ter uma vida decente
despertou nela uma preocupação. No último ano do curso técnico
de Administração, Liz ouvia os colegas falando sobre qual curso
superior escolheriam, enquanto ela ainda não tinha uma ideia
formada. Em seu primeiro emprego, em uma indústria de celulose,
onde trabalhava com treinamento e desenvolvimento, Liz notava
o quanto os empregados se dedicavam a cursos de extensão, pós-
graduação e mestrado para subir a escada corporativa, sempre
em busca de uma situação melhor, com salários e benefícios
recompensadores.

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Foi com esse espelho que ela cresceu. Longe da família e
buscando sua independência financeira, Liz não enxergava
outra forma de seguir a vida e vencer. Doava-se, muitas vezes de
forma incondicional, a seus empregos e a sua carreira, procurando
se estabelecer em uma área de atuação que a levasse a alcançar um
lugar no topo.
À medida que subia a escada da carreira profissional, Liz sentia
que estava cumprindo seu dever na vida. Com isso, sem perceber,
criava uma imagem inflada de si mesma, sobre o que já havia se
tornado e onde ainda poderia chegar. Ela ambicionava continua-
mente posição, status, bens... E nada parecia ser suficiente.
Liz passava a semana preocupada em tratar bem o chefe, em ser
querida pelos colegas, em viver situações e projetos desafiadores
e excitantes, em receber uma promoção, em cumprir prazos e em
não ter conflitos com as pessoas. Ao mesmo tempo, seus próximos
desejos já estavam sendo elaborados em seu inconsciente: tudo
o que o dinheiro poderia comprar, como uma viagem ou uma
reforma na casa, ou coisas que dependiam menos do dinheiro e
mais de sua dedicação, como uma promoção ou a perda de alguns
quilos.
Enquanto isso, dentro de seu conhecimento e limitação, pen-
sava se alimentar bem, mas constantemente perdia refeições, fazia
lanches rápidos e terceirizava sua nutrição à indústria, não dedi-
cando tempo sequer para sua compra semanal de alimentos.
Liz estava certa de que tratava bem os colegas, funcionários,
clientes e todas as pessoas que conhecia e com quem se rela-
cionava. Não tinha consciência de que a atenção que dedicava
aos seus próprios problemas era mínima, quase insignificante. Ela
acreditava doar algo ao próximo diariamente. No fundo, vivia em
seu próprio mundo, em sua ideia de vida feliz, e nunca deixava
de desejar mais e mais, apegando-se nas projeções construídas ao
longo de sua vida, especialmente em ter uma casa, estabelecer um

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porto seguro. Sentia que, se conquistasse isso, todo o vazio que
tinha dentro desapareceria.
O ego – aquele eu condicionado, os pensamentos repetitivos,
as ideias formadas, as projeções, o eu ilusório – sempre pedia mais.
E, naturalmente egoísta, egocêntrico, criava nela ainda mais dis-
tanciamento do mundo, pois a cada degrau da escada corporativa,
Liz se deparava com responsabilidades maiores, menos tempo para
si e mais viagens. A balança pendia para a sua vida profissional,
fazendo com que a vida pessoal fosse negligenciada. A sensação
de “eu e meu” crescia, e Liz precisava seguir adiante nesse modelo
para sobreviver, pois já não conseguia viver com menos do que
tinha conquistado até ali. Seu sonho da casa própria estava muito
próximo, e a imagem de uma pessoa bem-sucedida também.
Seria esse condicionamento o gatilho para que Liz criasse uma
imagem ilusória de si mesma e estabelecesse uma relação fria e
superficial com as pessoas, o mundo e a vida? Teriam nascido daí a
infelicidade, a insatisfação, os conflitos, a depressão e uma sensação
de falta?
Ela sentia imenso prazer em realizar seu trabalho de gestão e
comunicação. Havia trabalhado duro para chegar até ali, pagando
por seus estudos, aprendendo idiomas e dedicando-se integral-
mente à carreira. Mas carregava alguns traumas, como a imposição
de autoridade e a hierarquia excessiva vivida em sua adolescência,
e esse traço forte de memória sempre a colocava em apuros em
suas relações.
Sentia muita raiva interior, pois fora privada de fazer suas
escolhas desde muito cedo, e projetava essa bolha de emoções
confusas e mal resolvidas em suas relações, sempre repletas de
conflito. Já no auge de sua carreira, buscou apoio na psicanálise,
que a ajudou por um tempo, mas seu desequilíbrio era constante;
aos poucos, percebia o quanto era difícil estabelecer relações
duradouras, fosse com amigos, trabalho ou família. Estava claro
que havia algo tremendamente errado com ela.

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A raiva é algo não resolvido dentro de nós ao qual reagimos
sempre que um fator externo nos joga contra as nossas
limitações. Ainda sem consciência disso, enquanto ia tecendo
sua história, Liz buscava ser uma pessoa bem formada, educada,
atualizada e correta para conseguir lidar com o mundo que
não conhecia e no qual ninguém havia lhe ensinado como se
comportar. Oferecia os espinhos para quem lhe tocasse sem a
devida atenção; escondia debaixo de seus tapetes essa pessoa mal
resolvida, pois lá dentro era sensível como uma pétala de rosa;
sentia-se inferior, pouco amada, tornando-se uma pessoa perdida
e pouco compreendida.
Liz projetava sua energia para realizar, para ser, para crescer,
para, pelo menos, igualar-se aos outros. Tentava entender se era
capaz de estar à altura dos demais, enquanto algo lhe dizia que
ela era grande, que poderia fazer algo fenomenal. Nesse conflito
interno, sua impulsividade se declarava em ações movidas pelos
motivos errados, pois fazia por mágoa, por um passado mal re-
solvido e pela falta de algo dentro de seu peito, que se mostrava
um abismo, um cânion de onde, de tão vasto, era possível ouvir o
eco de sua própria dor.
Seria esse eco falta de amor? E o que havia mesmo debaixo
desses tapetes de Liz? Ao entrar nessa esfera de condicionamentos,
ela não se dava conta dos motivos de fazer o que fazia. As sombras
haviam tomado conta de sua vida e, quanto mais alguma situação
ou pessoa apontava essas sombras, mais ela as negava. Ela se ar-
rastava por anos e anos sempre motivada pelas projeções que fazia
do mundo, esse eterno espelho de seu próprio ego.
Entenderia Liz o real motivo de sua existência? Usaria ela seu
tempo nesse mundo para se libertar dessas reações, passando a
responder às situações em vez de reagir a elas?
Liz vivia nessa espiral há 23 anos. Estava dando voltas em torno
de seus fantasmas, daquilo que seu coração havia registrado e que
sua mente insistia em repetir.

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Foram anos de separação de sua família, amigos e conhecidos.
Por viajar para outros países e morar em diferentes cidades, ela
não se prendia a nada e criou uma situação de amnésia mental,
selecionando os episódios de que queria se lembrar e esquecendo-
se completamente dos demais, como se tivesse pintado um arco-
íris no céu somente com as cores de que gostava.
Esse estilo de vida cigano favorecia sua amnésia, e ela não se
permitia criar laços. O céu traçado no dia de seu nascimento
apontava a Lua em Capricórnio, o que lhe trouxe virtudes
como organização, disciplina e a necessidade de ter tudo bem
administrado. Por isso ela investia qualidade em tudo o que fazia.
Muitas vezes, passava por cima de si mesma para cumprir o que
prometia, colocando a vida pessoal dentro de um baú para ser
aberto quando encontrasse tempo. As pessoas confiavam nela,
pois como era guiada por sua verdade, definia bem onde colocar
sua energia, seus valores reais. Era vista como uma guerreira na
linha de frente de uma batalha. Com liderança natural, assumia as
responsabilidades pelo que se propunha a fazer, deixando pouco
espaço para outros lutarem ao seu lado. Dava conta do recado,
ainda que em sacrifício de seu bem-estar.
Liz sempre conseguia alcançar seus objetivos, mas não percebia
o quanto essas conquistas custavam a ela e a todas as pessoas com
as quais se relacionava. Suas rotineiras explosões de impaciência e
intolerância com situações que não eram perfeitas rendiam frutos
desagradáveis, acima de tudo, a ela mesma.
Ao termos uma reação de raiva, por discórdia, competição ou
desentendimento, comunicamos essa emoção às nossas células. Ao
menor sinal de elevação de voz e agressividade, jogamos toda essa
energia negativa para o mundo, para dentro e para fora. Esse jorrar
de pensamentos e ações são pura e simples energia.
Essas mesmas ondas negativas vinham também de fora,
daqueles que as recebiam de Liz e as mandavam de volta como

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um bumerangue curvado no ar.
Liz estava afundada em camadas e mais camadas dessa teia de
energia negativa. Por outro lado, não deixava de ser uma pessoa
alto astral. Sua astróloga garantia que era por causa do Sol em
Gêmeos, mas ela mesma preferia acreditar que um gene inspirado
de algum antepassado havia se tornado dominante sobre os outros
genes da família que insistiam em deixá-la para baixo.
Profundamente positiva, dinâmica e ativa, Liz inspirava confi-
ança e contagiava os colegas. No escritório, diziam que ela fazia
brilhar o mais escuro dos cenários. Mas dentro dela, não era a
mesma coisa, e as sombras atuavam. Talvez um eclipse do Sol era
do que ela precisava para se dar conta.
Seu temperamento forte, sua impaciência e o sentimento de
inferioridade expressado pela sua necessidade de afirmação, o
que gerava tremenda agressividade de fala e de ações, marcaram
sua imagem tanto para ela mesma, que estava afundada em seus
condicionamentos, quanto para os outros, que só conseguiam ver
essas características evidentes em seu comportamento.
Liz atravessava o mar negro, águas profundas e raivosas, e não
enxergava uma boia, barco ou salva-vidas. Estava à deriva.

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2.
Pedido de socorro
Um dia, Liz acordou e sentiu uma cólica impossível. A maior
entre todas que já havia sofrido de forma intensa. Entendeu que
aquilo era um recado.
Meses antes, tinha começado um processo de entendimento
do próprio corpo por meio da prática de Yoga e meditação. Tudo
estava muito no começo, mas ela sentia algo mudando, como
se percebesse seu corpo por dentro. E, pela primeira vez, pôde
observar também o movimento de sua mente.
Notou as emoções e os sentimentos que a rondavam numa
espiral mental constante e barulhenta, seguida de pensamentos,
pensamentos e mais pensamentos. Alguns a arrastavam por minu-
tos e criavam novas emoções, outros passavam e a levavam a criar
fantasias, reais viagens em sua mente.
Duas décadas de expectativas de conquistar sonhos e realizar
projetos já haviam se passado até Liz se dar conta de que a corrida
para chegar ao pódio não teria fim. Ela havia se tornado escrava
dos constantes e ininterruptos impulsos mentais que lhe figura-
vam em forma de desejos. Ao conquistar uma medalha, em vez de
se contentar, ela já visualizava o próximo desafio.
A vida havia sido dura em sua infância e adolescência, reflexo
de uma tragédia familiar: a perda do pai quando ainda era um

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bebê de apenas três meses de vida. Talvez como bebê ela sentisse
menos a perda do que as quatro irmãs e a mãe, que certamente
ficaram devastadas com a partida do pai, companheiro e marido.
No bairro em que moravam, eram vistos como uma família
que inspirava ternura e afeto. Uma daquelas histórias de muito
amor, de um casal jovem com cinco meninas adoráveis e com
toda a vida pela frente. No dia do acidente, a sensação foi tão
forte que era possível sentir a tensão no ar. A rua estava repleta
de vizinhos, amigos e familiares tentando entender o que havia
acontecido e prontos para prestar apoio e atenção à família.
A mãe era jovem, nem havia chegado aos 30 anos, e viu-se
em uma situação emocional e financeira de tremenda dificuldade.
Esse fato marcaria a vida dessas mulheres para sempre, pois en-
quanto precisavam aprender a lidar com a ausência, tinham que
construir sua vida, sua ideologia, sua personalidade e sua estrutura
emocional.
Liz e suas irmãs foram criadas com outras famílias que faziam
parte de uma organização religiosa. Os pais faziam parte dessa
entidade há alguns anos, e todo o grupo trabalhava para arrecadar
fundos e bens para doar a outros. Receberam ali muito amor, sen-
tiram-se acolhidas, e a família pôde se manter unida até a entrada
de todas as filhas na adolescência.
Na organização, havia um sistema que direcionava e orientava a
vida de todos que participavam, desencorajando que seus membros
tomassem decisões próprias. Aquela estrutura dizia como a vida,
o mundo e até o futuro deveriam ser. Esse controle excessivo fez
com que nenhuma das irmãs pudesse viver fora daquele ambiente,
conhecer pessoas diferentes, ter amigos e experimentar a vida
com liberdade. Por isso, elas puderam frequentar a escola somente
até o Ensino Fundamental.
Mas toda a rigidez daquele sistema instaurado acabou por
levar a um rompimento das relações, o primeiro com que Liz
teve contato em sua vida. Suas quatro irmãs deixaram a casa de

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sua mãe para buscar compreender mais sobre o mundo, formar
suas próprias opiniões, encontrar suas próprias respostas, fazer
suas próprias escolhas. Já Liz, com apenas 13 anos, foi aconselhada
a permanecer ali, e acatou o conselho de pessoas que por ela
olhavam.
A saída das irmãs mexeu profundamente com sua cabeça, com
seu coração, e a fez pensar em seu futuro, revelando seu Primeiro
Despertar.
Até aquele momento, influenciada a viver por uma ideologia,
Liz não se dava conta de como era o mundo lá fora. Ao mesmo
tempo, era muito ligada à mãe, e entendia o quanto era impor-
tante continuar ao lado dela após mais esse fato brusco da vida.
Liz começou a ver que era possível estudar, conhecer mais do
mundo e, ao mesmo tempo, permanecer ao lado da mãe. Meses
mais tarde, conseguiu uma bolsa de estudos e começou a cursar o
Ensino Médio. Contudo, muitos conflitos foram gerados dentro
de sua casa, pois o sistema em que vivia não permitia que desfru-
tasse das duas coisas.
Antes de concluir o primeiro ano do Ensino Médio, Liz teve
de fazer sua primeira escolha. Mesmo com todas as dúvidas e o
medo de dar um passo de rebeldia, ela resolveu deixar a casa da
mãe, mudando-se para a casa de uma das irmãs. Ela engoliu tudo
o que sentia e encarou esse difícil passo de sua caminhada.
Nos anos seguintes, Liz seguiu a vida, continuou os estudos
e, aos poucos, formou seu conceito próprio sobre uma vida de
sucesso. A seu ver, ser independente era a mais importante meta
a alcançar.
Como havia crescido em uma situação financeira muito difícil,
Liz não conheceu muitas pessoas, não viajou ou teve convívio
social como crianças e adolescentes costumavam ter, nem aulas
de natação, violão e balé. Além disso, era impedida de falar com
homens, simplesmente por serem do sexo oposto. Ambas as

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situações se configuraram como algo extremamente difícil de
lidar, e a única certeza que ela tinha era de que precisava ser livre,
que queria escolher o que fazer, quando fazer, como fazer... Para
isso, precisava de dinheiro, de sua independência financeira.
Liz pensava em como sobreviver sem ter uma casa para morar
e uma forma de sustento, e ainda como fazer todas as infinitas
atividades que ela começava a vislumbrar. O caminho era sem
dúvida o profissional. Se ela conquistasse uma formação, pode-
ria encontrar um trabalho estável e evoluir sistematicamente, até
conquistar seus tão desejados sonhos.
O curso de formação técnica em Administração levou-a a
escolher cursar também a graduação na mesma área. Sua cidade
não oferecia muitas opções, e ela ainda não estava certa de qual
carreira desejava seguir. Essa foi a segunda grande escolha de Liz,
a formação acadêmica.
Liz batalhou por uma vaga de estágio enquanto se formava no
Ensino Médio; esse estágio virou um emprego estável e possibili-
tou que, na sequência, ela ingressasse na faculdade.
Embora nessa altura ela ainda não soubesse, anos mais tarde,
vendo fotos e documentos guardados pela mãe, Liz descobriu que
havia seguido exatamente o caminho de seu pai, que também era
um administrador. Seu foco e empenho lhe conferiram trabalhos
estáveis, que possibilitaram, ainda que com muita dificuldade, cus-
tear sua moradia, suas necessidades básicas e os estudos. E ela não
queria parar.
Liz levitava em sua nova vida. Havia brilho em seus olhos, ela
conquistava a cada dia mais liberdade para conhecer o mundo
e a si mesma, ao mesmo tempo que transbordava de alegria por
descobrir suas habilidades. No último ano de faculdade, uma pro-
fessora entusiasta trouxe o Marketing à sua vida. Sem ligar os fatos,
seu lado geminiano escolheu naturalmente o caminho da comu-
nicação, e o Marketing a fisgou: um encontro. Sua terceira escolha
seria muito acertada, e debruçou-se sobre os livros para entender

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como conseguir um emprego nessa área, o que aconteceria dois
anos mais tarde.
Liz despertava admiração nas pessoas de seu convívio pela in-
tensa paixão com que falava e na determinação em se superar
cada dia mais. O entusiasmo em realizar os projetos que lhe eram
designados contagiava a todos. Um ano após iniciar em seu pri-
meiro emprego na área de Marketing, ela recebeu um convite e
foi selecionada para uma vaga importante para seu momento, algo
que a levaria a aprender mais profundamente sobre a carreira que
desejava seguir.
Foram quatro anos de um trabalho árduo, o que atrasou sua
formatura na faculdade por um ano. Em fins de semana, feriados,
dias e noites ela se dedicava integralmente à empresa de tecnolo-
gia, que era totalmente inovadora e líder de mercado. Os olhos de
Liz brilhavam sempre que participava de eventos, conferências e
palestras, e ela começava a se inspirar naquelas figuras que lideravam
sua empresa, inundada por um mundo vivo, dinâmico, atraente e
completamente fora da referência em que havia crescido.
No terceiro ano, teve a chance de se mudar para a Capital e
trabalhar no escritório central da empresa. Suas tarefas mudaram
e ela estava ainda mais ocupada com o trabalho. Participava dos
encontros anuais do departamento, que reuniam mais de 100 pes-
soas e onde havia trabalhos, projetos e palestras apresentados em
inglês e traduzidos para o português. Entendia o quanto o inglês
seria importante se quisesse subir os degraus de sua carreira. Algo
lhe mostrava que havia uma voz lá dentro sendo ignorada, e ela
não sabia se era curiosidade ou desejo de ter mais, mas enxergou
a possibilidade de morar em outro país para aprender o idioma.
Com 27 anos, Liz havia crescido rapidamente em sua profissão.
Trabalhava em uma grande empresa, tinha seu carro e seu aparta-
mento e progredia em sua função. A decisão de aprender um novo
idioma arriscava essa estabilidade e as conquistas até ali, e pensar
nisso era um tremendo frio na barriga, seguido de uma excitação

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pelo desconhecido. Ainda assim, ouviu essa voz interior e decidiu
largar tudo para morar e estudar na Inglaterra, planejando falar o
idioma e, quem sabe, descobrir um pouco mais do mundo. Estava
aberta até para mudar de profissão se outros caminhos também
fizessem seus olhos brilhar.
Liz embarcou para Londres com um semestre todo pago para
estudar em uma escola de inglês, algumas libras no bolso e uma
tremenda disposição.
A chegada foi bem traumática. Logo no aeroporto, ela não
sabia o que fazer, não entendia o agente da imigração e precisou
de tradutor. Uma vacina contra a Febre Amarela no braço direito
gerou confusão, e ela foi salva por um brasileiro que também
estava na salinha dos exames e conseguiu explicar o que era a
marca.
Outro brasileiro lhe deu apoio nessa chegada, oferecendo um
cantinho em sua casa por duas semanas, apresentando a vizinhança
e a escola e tornando o choque de cultura mais ameno.
Embora não tivesse nenhuma base de inglês, em poucas semanas
– de muito estudo – Liz desenvolveu-se bem na comunicação
oral e, após dois meses, conseguiu seu primeiro trabalho na
chapelaria de um restaurante famoso na zona central da cidade.
Não demorou a conhecer pessoas de outras partes do mundo
que estavam vivendo a mesma aventura que ela. Assim, dividiu
moradia, mudou algumas vezes de emprego, sempre melhorando
no idioma, buscando se desenvolver e ganhar um pouco mais.
Bancar o alto custo de vida britânico não era fácil.
Liz já estava finalizando o primeiro semestre na escola e agora
precisava renovar o visto. Muitos conhecidos contavam o quanto
era difícil, e ela podia ser enviada de volta ao Brasil antes de
concluir sua formação. Mas trabalhou duro e, com a ajuda de
pessoas que estavam ao seu redor, conseguiu juntar dinheiro para
a renovação.

32
Com um ano de visto pela frente, Liz começou a viver e a
curtir mais sua vida na Inglaterra. Trabalhou como hostess em
um restaurante que recebia celebridades e teve até a felicidade de
receber Mick Jagger em uma das noites.
Ela tinha aspirações. Sabia que a vida como garçonete e hostess
era temporária, mas ainda assim as sombras da infância insistiam
em fazê-la sentir-se inferior. A cultura inglesa cooperava com esse
sentimento. Seu objetivo era conseguir cursar uma pós-graduação
antes de voltar para casa mas, aos poucos, sentia que não conse-
guiria. Então começou a estudar a cultura das pessoas com quem
convivia, imaginando se seria possível fazer esse curso em outro
país, sem ter de voltar ao Brasil. E foi assim que, após um ano e
meio em Londres, Liz embarcou para Barcelona – novamente
com muita coragem e pouco dinheiro na mala.
Seu inglês afiado e alguns conhecidos de Londres facilitaram o
caminho até um emprego em um bar, logo na chegada. O visto de
permanência na Espanha era de 90 dias, e ela não tinha um plano
sobre como resolver esse ponto. Foi vivendo um dia de cada vez.
Pouco mais de um mês após sua chegada, Liz foi assaltada em
plena Europa, algo que não imaginava ser possível. Com isso, per-
deu dinheiro e cartões, mas, por sorte, o passaporte ficou. Soz-
inha em um país em que não falava o idioma, sem dinheiro e
sem amigos, sentiu-se desamparada. Mas contatos na Inglaterra
novamente a ajudaram, e rapidamente ela recebeu novos cartões,
além de ter trinta dias pagos com antecedência na pensão em que
estava. Era mais um respiro até que conseguisse se restabelecer.
A ligação com estrangeiros também aconteceu em Barcelona, e
Liz fez amigos, encontrou local para morar e um emprego. Fez sua
inscrição no curso de pós-graduação em Marketing e desfrutou seu
tempo na viva e colorida cidade que certeiramente havia escolhido.
Uma brasileira recém-chegada tornou-se rapidamente uma
amiga, e logo foram morar juntas, tornando-se cúmplices nessa
incrível aventura.

33
Ao término dos 90 dias de visto, Liz decidiu ficar um tempo
a mais na Espanha, mas ilegalmente, já que não tinha como
voltar ao Brasil para a renovação. Porém, em seu último mês de
permanência, houve uma oportunidade de continuar naquele
país, pois o governo havia perdoado os imigrantes ilegais, bastando
apenas que comprovassem moradia. Infelizmente, Liz não tinha
comprovantes. Assim, entendeu que estava na hora de voltar para
casa. Sua jornada havia terminado e uma nova etapa estava para
se iniciar.
Sua temporada completa na Espanha durou um ano, o suficiente
para completar o curso. Então saiu de Barcelona com um coração
transbordante de experiências, memórias e amigos que a apoiaram
durante essa passagem transformadora.
Após dois anos e meio entre Londres e Barcelona, Liz retornou
ao seu país com os idiomas inglês e espanhol, uma pós-graduação
em Marketing e uma visão de 360 graus da vida, uma abertura
de horizontes. Era como se a muralha que a separava do mundo
tivesse sido finalmente derrubada.
A pessoa que embarcou sem dúvida não foi a mesma que
regressou. Uma simples viagem de alguns dias muda algumas
percepções, mas viver sozinha em outro continente, com pessoas
que falam outra língua, e ainda ter de estudar e se sustentar havia
sido uma experiência muito mais forte que qualquer previsão
feita por Liz. Conhecer outras culturas, conviver com pessoas que
cresceram com outras referências e valores e, claro, as dificuldades
de ser estrangeira fizeram de Liz uma nova pessoa.
Sentia imenso orgulho de seu feito. Sua visão de mundo havia
mudado radicalmente, pois aprendera muito sobre civilidade,
consciência, respeito ao outro e sobre nações que oferecem
acesso ao conhecimento e atendem às condições básicas de seus
cidadãos, possibilitando que as pessoas não permaneçam perdidas
durante toda a vida tentando descobrir quem são.
Liz percebeu que aquele era seu momento e, de volta ao Brasil,

34
iniciaria a busca de emprego na área de Marketing, na esperança
de continuar sua escalada. Seu coração, contudo, estava mudado.
Ela queria dividir com o mundo sua descoberta. Seguia com
resquícios de seus traumas, mas visualizava um mundo amplo,
repleto de oportunidades a todos, e atribuía ao conhecimento e à
informação essa porta para o novo mundo.
Com esse ideal, Liz entrou para um canal de TV educativo,
onde pôde exercer sua nova visão de cidadania, o que incluía
facilitar às pessoas o acesso ao conhecimento. Ali, ela não utilizava
os idiomas que havia aprendido, mas usava amplamente seus novos
conhecimentos em Marketing e sua forma leve de ver a vida.
Embora parecesse tudo perfeito, foi exatamente nesse momento
que Liz rachou. O peso dos anos na Europa, sozinha e por sua
conta, veio à tona, e uma crise emocional fez com que ela se
perdesse de seu caminho e se desconectasse de sua essência. Sem
preparação para lidar com as pessoas e as pressões do dia a dia, ela
resolveu encarar a terapia e a Psicanálise. Iniciava uma fase que
levaria anos de trabalho, dessa vez, sobre o divã.
Antes de sua temporada fora do país, Liz já fazia parte de um
grupo de percussão, e esse escape era o que a ajudava a equilibrar
suas faltas emocionais. De volta ao Brasil, voltou a frequentar a
banda. Foi quando conheceu Gael, seu futuro marido e verda-
deiro anjo da guarda em sua vida.
Liz havia participado do grupo em épocas diferentes de
Gael, por isso não haviam se conhecido até então. Gael tocava o
tamborim lindamente, enquanto Liz tocava o surdo. Não demorou
muito até ela mudar para o tamborim e tocar ao lado dele. A
história dos dois começou logo que se encontraram, e o amor
pelo instrumento e pela música fortaleceu o amor um pelo outro.
O casal namorou por um ano antes de juntar os trapos e ir
morar junto. Ele, biólogo, muito tranquilo e um pouco mais novo;
ela, como se pode imaginar, cheia de pressa e sempre correndo

35
atrás de algo. Em pequenas doses, Gael começou a ajudar Liz a
se encontrar. Embora muito diferentes, ambos tinham objetivos
de vida muito parecidos: buscavam segurança, cumplicidade,
estabilidade emocional e financeira, afeto e amor.
Dois anos mais tarde, presa a uma teia de atritos e conflitos
por ser uma pessoa muito direta, determinada e transparente em
suas relações com os colegas de trabalho da TV, Liz recebeu uma
nova proposta de emprego. Ela não sabia trabalhar sua inteligência
emocional e, embora fosse muito competente, não era querida
pela maioria. Não estava certa sobre sua decisão, já que a área em
que trabalharia envolvia projetos de pesquisas para desenvolvi-
mento de saúde e ambiental, e ela estava feliz com a finalidade
de seu trabalho. Para Liz, após a temporada na Europa, o tempo
de dedicação ao trabalho deveria significar um produto final que
levasse uma contribuição significativa para quem o consumisse.
Esses pequenos lampejos de consciência mostravam que Liz
era uma idealista. Ela estava condicionada em um modelo de vida,
mas notava que uma voz baixinha lhe exigia uma forma de viver
mais coerente com quem realmente era. Em contrapartida, a ne-
cessidade de estar em harmonia com as pessoas ao seu redor, ser
alguém e de conquistar estabilidade e segurança gritavam dentro
de sua cabeça. A essa altura, ela não conseguia compreender e
deixar essa voz se expressar.
Liz aceitou o trabalho, mas infelizmente essa escolha não foi
acertada: apenas um ano mais tarde, perdeu o emprego. O campo
de atuação era extremamente técnico, e sua formação não se mos-
trou adequada para aquela posição.
Liz e Gael haviam acabado de se casar e tinham todo um
casamento para pagar. Também haviam comprado uma casa
financiada na planta, mas o sonho se desfez rapidamente, pois
tiveram de vendê-la para passar por esse período entre empregos.
Com uma forte depressão e sem fé em si mesma, Liz entrou

36
em um período sabático. Não sabia onde havia errado e, enquanto
tentava entender, fazia trabalhos autônomos, mas nada se firmou.
Procurava emprego e realizava entrevistas, mas certamente que
sua falta de confiança estava refletida nesses encontros.
Se Liz era uma idealista, como ela conseguiria trabalhar em
uma empresa de consumo? Acontece que o mercado de sua
cidade não oferecia muitas oportunidades, e sua vida não lhe dava
o luxo de esperar por esse emprego dos sonhos. Então teve a
oportunidade de voltar, e dessa vez no mercado de consumo, no
varejo, na área de alimentação. Um conhecido a indicou para uma
entrevista e dessa vez algo mudou, pois conseguiu a vaga. Liz não
estava bem, mas não questionou o trabalho. Ela precisava colocar
vários pontos nos is e sua casa dependia de sua renda.
Em poucos meses, a afinidade que tinha com a profissão a
levou a aceitar o convite de mudar para outro Estado, onde seria
aberta uma fábrica em uma cidade que, para ela, representava a
Capital do consumo no país.
De olhos fechados, ela disse “sim”, mas sem realmente pensar
nas consequências de seus atos para sua carreira, para sua família
e, especialmente, para os funcionários da empresa que não deseja-
vam ser transferidos.
As consequências reverberaram em seu íntimo nos anos se-
guintes. Aceitar a mudança fez com que ela fosse odiada por
alguns que, por não se mudarem, acabaram perdendo seus em-
pregos. Liz não era uma pessoa insensível, muito pelo contrário.
Ela era definitivamente uma pessoa perdida e desconectada de si,
o que a fazia ter atitudes incoerentes.
Durante essa temporada em um novo Estado, embora tenha
construído uma nova empresa, com novas pessoas que lá foram
trabalhar, Liz não enxergava que, se a empresa havia dispensado
funcionários que não queriam a mudança, também poderia dis-
pensá-la logo que ela não fosse mais útil a seus planos. Quando

37
percebeu sua fragilidade na empresa, Liz partiu em busca de outro
emprego antes que fosse tarde. A vida havia mostrado que sua am-
bição em crescer na carreira lhe custara um pedaço de sua alma, e
ela não queria fazer parte daquela empresa. Tentaria começar de
novo.
Vivendo na principal cidade do país, Liz se viu no lugar dos
sonhos para quem busca uma carreira, e rapidamente conseguiu
um novo emprego, em uma administradora de shopping center.
Sentia-se cheia de coragem e determinação para realizar
os planejamentos e para subir mais alguns degraus na escada
profissional. Sabia que estava em uma empresa séria, que havia
conquistado uma posição de responsabilidade que a levaria a
crescer, aprender e, por fim, justificar sua mudança para a cidade
onde só se trabalha.
Gael também se mudou. A empresa em que trabalhava tinha
sede na cidade, o que tornou fácil sua transferência. Ele, que até
então não vislumbrava novos caminhos para sua carreira, começou
a se contagiar com o ritmo e a visão de vida de Liz. Estavam fe-
lizes vivendo em um apartamento de 47 metros quadrados, com
seu cão e seu fusca.
Liz trabalhava em um negócio de puro consumo. Sua função
era desenvolver campanhas para as pessoas comprarem mais e
mais, mesmo que não precisassem realmente daquilo que com-
pravam. Chegou ao ápice da ilusão de sua imagem, pois era
coordenadora de vários shoppings e lidava com grandes orça-
mentos e campanhas. Havia comprado um bom carro e se sentia
radiante sendo uma verdadeira executiva de Marketing.
Em uma corriqueira semana, Liz se reuniu com os gestores
e fornecedores de um dos shoppings para jantar. Algo muito
intrigante aconteceu nesse encontro.
No mesmo dia em que conheceu Liz, um fornecedor, atento
à forma como a via falar com as pessoas, passou-lhe um belo

38
sermão. Muito direto, ele se referiu a eventos muito particulares
da vida de Liz, detalhes que ele não tinha como saber, como o
fato de ela ter sido criada dentro de uma organização espírita.
Liz entendeu que quem lhe falava ali, naquela mesa de jantar, era
outro alguém.
“Intelectualmente você está muito bem, mas precisa crescer
moralmente, respeitar as pessoas”, dizia o homem. Liz levou um
choque, uma chacoalhada. “Há muito tempo sua família tenta se
reunir, você precisa estar mais próxima dela”, continuou. “E você
tem grandes chances de engravidar nos próximos dois anos, mas
tem algo ao seu lado que a está atrapalhando”. Perplexa com tais
revelações, Liz ficou sem palavras. Internamente ela conseguiu
agradecer, acolher. Havia recebido um grande presente.
Gael era louco para ser pai, enquanto Liz adiava a vinda de
filhos o quanto podia. Acreditava que perderia o timing de sua
carreira e pensava em tudo o que ainda queria realizar. Finan-
ceiramente, seria mais difícil tendo de criar filhos. E sabia que
precisava evoluir moralmente, não queria ser uma mãe que não
soubesse dar educação e princípios. Mas era disso que o homem
havia falado?
Os meses seguintes foram bem difíceis. Pela primeira vez na
vida, ela conseguiu se observar, embora superficialmente. Enten-
deu que seu jeito apressado e transformador atropelava os outros
e que já havia chegado onde sempre desejou. Os amigos já tinham
filhos e ela seguia nessa escalada sem fim. A voz interior voltou a
sussurrar em seu ouvido:
– O que você está fazendo?
– Estou batalhando para ter um salário melhor e, para isso, pre-
ciso estar aqui nesta cidade, neste tipo de emprego. Não posso me
dar o luxo de tentar trabalhar naquilo que gosto.
– Mas você já parou para pensar no preço de estar numa cidade
tão cara, distante da sua família, adiando ter filhos e ficando longe
do Gael de três a quatro noites por semana?

39
Era dezembro. Essa avalanche de reflexões invadiu seu coração.
Passados quatro meses daquela conversa com o fornecedor, Liz
resolveu não só ter filhos, mas comprar uma casa e sair do aluguel.
Refletiu sobre como era a vida na cidade onde estava e percebeu
que a anterior lhe oferecia mais conforto, além de estar mais perto
de amigos e mais próxima de sua família.
E assim Liz embarcou para mais uma nova fase de sua vida.

40
3.
O colapso do eu
Liz e Gael haviam passado os últimos anos pesquisando imóveis
na planta e preços de casas e apartamentos em diferentes regiões.
Eles sonhavam com a casa própria, um lugar que tivesse a cara
deles, que pudessem reformar, pintar. Onde seriam eles mesmos.
A vida então trouxe a Liz um novo presente. Justamente na
cidade em que se conheceu e casou, o casal conseguiu dar entrada
numa casa bem pequena e aconchegante, num bairro fora do
centro urbano e rodeado de matas e áreas preservadas, exatamente
onde ela sonhava morar. Liz estava voltando para casa.
Nesses dois anos em outra cidade, Gael havia mudado de em-
prego, o que proporcionou aos dois uma situação financeira mais
favorável. Como especialista de produtos de uma multinacional,
ele estava colhendo os frutos de sua dedicação e já começava a ser
reconhecido pelos seus esforços. O casal decidiu então que Gael
continuaria trabalhando onde estava, a 600 km de distância, mas
retornaria para casa todo fim de semana. Ambos encararam essa
nova fase com disposição, seguindo a voz de seus corações.
Iniciando uma nova fase de vida nessa casa, Liz estava determi-
nada a ter o filho que tanto havia adiado. E durante um ano, eles
tentaram engravidar naturalmente, mas não tiveram sorte.

43
Foi quando mais uma vez apareceu uma proposta de trabalho
que fez Liz pensar que sua história com o Marketing ainda não
estava resolvida. Percebeu que lhe fazia falta estar envolvida com
uma atividade produtiva e, embora esses meses sabáticos tivessem
feito com que ela refletisse sobre o excesso de identificação com
a carreira, decidiu voltar.
Na mesma época, recebeu o convite para participar da gestão
do grupo musical em que ela e Gael participavam. Seu amor por
essa banda era facilmente percebido por qualquer pessoa que a
conhecesse. Liz havia conhecido a família que fundou a banda
muito antes de conhecer Gael. Ela ainda morava em sua cidade
natal quando foi passar um Carnaval com sua melhor amiga em
uma cidade próxima, e assim tomou o primeiro contato com o
grupo. A relação com a banda substituía de alguma forma a relação
com sua família. Sua necessidade de afeto e pertencimento, aliada
à empolgação de tocar um instrumento e se divertir, fizeram com
que colocasse aquelas pessoas em um pedestal muito alto durante
anos de sua vida.
Com o passar dos anos, os integrantes da banda se tornaram
amigos íntimos, e ela e Gael, padrinhos e afilhados de casamento
daquela galera animada e sempre disposta a uma nova aventura.
A paixão pelo grupo era tão intensa que eles não faziam nenhum
programa fora desse ambiente, a ponto de penalizarem a família de
ambos, já que o casal não encontrava tempo para nada mais além
de participar de shows, encontros e festas. Eram dois boêmios,
rodeados de amigos, música e bebida.
Como praticamente todo agrupamento de pessoas, tanto a
empresa onde Liz trabalhava quanto o grupo musical eram regidos
pela competição. Os dois locais se configuravam como um palco
onde as pessoas se apresentavam e representavam.
Liz foi reconhecida rapidamente no trabalho e, em um ano, foi
promovida duas vezes. A corporação tinha planos ousados e, sendo

44
uma holding que controlava o desenvolvimento imobiliário, a
comercialização e a administração dos hotéis, a equipe cresceu
muito rápido, trazendo profissionais de diferentes segmentos e
cidades do país. Quando Liz foi escolhida para conhecer a sede
da dona dos hotéis em Nova York, pôde ver as caras torcidas e as
panelinhas se formando ao seu redor, pois tinha sido escolhida
pelo chefe como seu braço direito.
A ascensão meteórica de Liz, passando de gerente a vice-
presidente em apenas um ano, gerou muitos conflitos nas relações
internas da empresa, pois naturalmente espelhamos nossas sombras
nos outros. Ao vermos alguém bem-sucedido, pode acontecer de
uma ponta de inveja aparecer por achar que não estamos à altura.
Ou ainda de nos sentirmos inferiores porque não recebemos o
mesmo tratamento e a mesma oportunidade. De uma forma ou
de outra, Liz tampouco ajudava a amenizar essas sensações, pois
era muito focada e não se permitia sentir, estava sempre olhando
para frente, para o trabalho e para as responsabilidades sobre seus
ombros. Mais e mais ela se tornava uma pessoa superficial nas
relações, enxergando apenas a tarefa em si.
No grupo musical a história não era diferente. Em um ano, Liz
incentivou as pessoas e se dedicou a implantar todas as mudanças
estruturais de que apenas ouvira falar durante aqueles 15 anos
de participação. E a mesma mentalidade usada na empresa onde
trabalhava ela repassava à banda. Conduzia brilhantemente uma
comunicação com transparência e inspirava as pessoas a se juntar
aos projetos que apresentava.
Tais mudanças, embora necessárias, ocorreram de forma brusca
para o ambiente, ocasionando a divisão da banda e inúmeros
conflitos entre os que ficaram. Ao fim de um ano e meio, não
era possível sequer explicar o que havia acontecido, pois de tão
forte e intenso o processo de mudança, quase ninguém conseguiu
acompanhar. Liz, embora conseguisse explicar fato a fato, não

45
se dava conta de que havia se transformado em uma máquina e
que a velocidade que imprimia era humanamente insustentável,
inclusive para ela.
Ela estava completamente perdida de si. Sabia que vivia um
ano muito rápido, brusco, e sentia isso em sua pele. Gael foi
a pessoa que mais sofreu nesse período, pois eles mal se viam.
Quando estava em casa, Liz tinha de trabalhar ou participar de
algum evento da banda, e seu envolvimento com o grupo musical
só aumentava. Gael se sentia deixado de lado, abandonado. E Liz
somente ia adiante.
O fato triste dessa história de amor então aconteceu. Liz pediu
a separação de Gael, fazendo desabar o mundo sobre suas cabeças.
Ao todo, foram 23 anos de trabalho desde que saíra da casa
de sua mãe. Para que pudesse perceber em que ponto estava seu
orgulho, sua arrogância, sua constante falta de respeito e atenção
à sua essência e sua falta de limites consigo e com outros, algo
imenso precisava acontecer em sua vida.
Mas Liz foi rápida em recobrar o senso, e logo retomou seu
casamento. Os dois meses que passou longe de Gael mostraram
que os defeitos de ambos não eram maiores que o amor que
sentiam, mas que a distância física havia se acumulado à falta de
atenção de um com o outro. Ela sequer considerou esse evento
uma escolha; foi, antes, um tremendo tropeço, que felizmente
conseguiu corrigir a tempo.
Liz sofreu uma grande rasteira da vida. Disse muito “sim” para
os outros, o que significava “não” para ela mesma. Por não se
respeitar e não se dar o devido valor, acabou por perder o respeito
dos outros.
Seria possível para ela enxergar essa queda brusca como um
grande aprendizado, uma oportunidade que a vida lhe apresentava?
Ela havia chegado ao fundo do poço e dali não podia ir para
nenhum outro lugar senão para cima.

46
Enxergou como a vida era perfeita e como lhe trouxe situações
e pessoas que, como mestres, mostraram o reflexo de seu mundo
interior. Era isso que Liz projetava para fora. Compreendeu que
esses comportamentos nasciam dentro dela, do conjunto de pro-
jeções, pensamentos e emoções criados diariamente. Liz havia se
acostumado a agir automaticamente, não questionava ou media o
efeito do que fazia. Estava inconsciente.
Esse pedido de socorro foi escutado nos quatro cantos
do mundo de Liz, e ela se tornou alguém com quem poucos
conseguiam estar, uma pessoa evidentemente desalinhada.
Mas por que será que evitamos as pessoas que julgamos de-
salinhadas? Por que não demonstramos compaixão para com as
pessoas que pecam? A palavra “pecado” vem do grego hamartia,
que significa “errar o alvo”.
Pecamos ao ter ânsia de acertar, ao jogar uma energia no mun-
do como algo que vem de dentro e precisa de uma resposta, que
pode sair atravessada, ser mal interpretada, confusa e inúmeras
vezes incorreta perante os olhos dos outros. Algo até moralmente
inaceitável.
Liz vivia o colapso de sua persona. Vejamos qual foi a sua
escolha: viver na infelicidade, culpando-se pelo que fez e assim
seguir espalhando sentimentos negativos ao mundo, ou enxergar
seus equívocos, aprender com eles, evoluir, tornar-se um ser hu-
mano mais benéfico e usar essa sombra como um degrau? Só ela
mesma poderia responder.

47
4.
A escolha fundamental
A vida mostrava que uma nova camada de Liz precisava ser re-
movida. Um tremendo incômodo se instaurou, e ela via tudo ao
seu redor desmoronar.
Liz entendia que algo precisava mudar, sentia-se tremenda-
mente perdida vendo a vida escorrer entre seus dedos. A salvação
viria de sua terceira escolha, e de mais um rompimento.
Courage, do latim, “coração que age”. A coragem vem do
coração, como um estado de espírito. Liz consultou o coração
para tomar essa decisão.
Ainda que sacrificasse boa parte de sua vida emocional e
desestabilizasse sua vida financeira, ela estava certa de que esse era
o caminho a seguir.
Esse impulso fez com que os capítulos Marketing e grupo
musical fossem encerrados em sua vida. A essa altura, ela nem
sabia o que isso significava, mas resolveu se abrir, deixar a vida
acontecer e o novo entrar.
Por ser uma pessoa muito prática, criou um método de
avaliação do estilo de vida que levava. Desde que saiu da casa da
mãe, teve dificuldade em custear a vida, alguns momentos mais
que outros. Ao mesmo tempo, não economizava para ter o que
desejava dentro de casa.

51
Liz e o marido não esbanjavam, tampouco eram megalo-
maníacos. Em sua vida simples, possuíam um imóvel financiado,
um automóvel de alguns anos de uso, uma ajudante semanal para
a organização da casa e seus desejos realizados todas as semanas
no supermercado. Aos fins de semana, para tentar “compensar” a
vida atribulada, esbaldavam-se em saídas, bebidas e churrascos em
sua casa.
Sua área profissional exigia aparência impecável, por isso Liz
fazia visitas frequentes a salões de beleza e comprava roupas,
sapatos, cosméticos e acessórios com regularidade.
Todas essas necessidades foram criadas a partir de um estilo
de vida que alimentava seu desejo por pequenos prazeres, aquela
identificação do ego que sempre tem a ilusão de uma necessidade,
especialmente porque se compara com outros.
Se ela ao menos conseguisse mudar seu estilo de vida...
Então colocou tudo na ponta do lápis. Começou com o
automóvel: seguro, IPVA, manutenção periódica, combustível,
estacionamentos diversos – cerca de 24 salários mínimos por
ano. A ajudante em casa: 12 salários mínimos por ano. Roupas,
acessórios, sapatos e cosméticos: mais 6 salários mínimos por
ano. No salão de beleza: 6 salários mínimos por ano. E a alimen-
tação fora de casa, como almoço, lanches e happy hour: outros 12
salários mínimos por ano.
Surpreendentemente, Liz chegou a uma média de 4 salários
mínimos por mês com despesas que poderiam ser consideradas
supérfluas para uma vida que não contemplasse esse modelo tradi-
cional ou “normal”, o único que ela conhecia até ali. E concluiu
que parte importante de sua renda líquida era destinada a manter
seu emprego, junto com aparência e desejos criados em função
dele. Poderia economizar esse valor mensalmente e ainda redu-
zir outras despesas se mudasse seus hábitos em casa e se tomasse
coragem para abandonar a carreira que tanto lhe exigia e que ao
mesmo tempo lhe trazia tantos conflitos.

52
Por um lado, teria todo o tempo do mundo, poderia cuidar de
sua saúde, de seu bem-estar como um todo e encontrar respos-
tas para a inquietação em seu coração. Para isso, deixaria para o
marido a responsabilidade do sustento de ambos, e ela sabia que
poderia contar com ele. Quando o consultava antes de tomar uma
decisão, ele sempre respondia: “Isso fará você feliz?”.
Em todos os momentos, seja qual fosse o novo projeto, Gael
apoiava a esposa incondicionalmente. Ele sempre a estimulava a
sonhar, a ousar e buscar respostas para suas inquietações. Claro,
ele enxergava o que poucos conseguiam: a parte divina de Liz.
O apoio de Gael era a ponte para que ela pudesse encontrar esse
tesouro dentro de seu peito.
Feliz dela em ter essa possibilidade na vida. Alinhar-se a sua
essência era indiscutivelmente mais importante do que simples-
mente continuar fazendo dinheiro.
Dessa forma, o desespero daquele momento começou a se des-
fazer e Liz tomou o caminho racional. Havia recebido propostas
de trabalho durante os primeiros meses e não sabia muito bem
como lidar com elas, pois seu coração lhe dizia que voltar ao
Marketing não era sua escolha.
Nesse meio tempo, e ainda sem perceber a importância que
isso teria em sua vida a partir dali, Liz tomou a decisão acertada:
iniciou-se nas práticas de Yoga e começou a dar mais atenção a
sua alimentação.
Ela se preparava para finalmente engravidar, algo a que não
havia se dedicado profundamente, que adiou por medo de per-
der sua posição profissional, por não saber lidar com a educação
de um filho. Sempre pensava em como a maternidade seria uma
mudança radical em sua vida prática.
Mas algo mágico ocorreu naquele tempo, enquanto pensava
em deixar a carreira e se dedicar somente a si mesma. Em poucas
semanas de Yoga e meditação, algo dentro de Liz acabou sendo
profundamente tocado. Mestres e professores de diferentes épocas

53
a inspiraram através de seus livros e histórias, e ela pôde enxergar
outras camadas da vida.
Era o início de um desabrochar que se iniciava pela simples
conexão que estabeleceu consigo mesma, pois ao olhar para sua
essência, observou algo além de sua contínua energia realizadora
e de seus traumas.
Seu professor trouxe os preceitos éticos do Yoga para a prática
durante a aula. O segundo yama, “veracidade”, foi um enorme
ensinamento, algo que chegou no momento em que ela se sentia
pressionada a escolher mais uma vez.
Veracidade é praticar a verdade, independentemente da situ-
ação. Apoiada no primeiro yama, a “não-violência”, a veracidade
é uma forma de ser sincera consigo mesma e com os outros, sem
causar dano, sem machucar.
Seu antigo chefe da empresa de hotéis a havia convidado para
um novo projeto e ela sabia que esse não era mais o seu caminho.
Mas a projeções de imagem sobre si mesma e as cobranças sociais
que ela achava existir a pressionavam.
No entanto, Liz olhou para dentro de si e disse “sim”. Ela sabia
que a partir dali não teria mais volta. Finalmente, assumiu que
não era a persona que criou, sabia que não precisava da carreira
e do peso que experimentara durante décadas. Sabia que havia
feito tudo o que podia até ali, passando por cima de si mesma –
dizendo “não” para si mesma –, tentando controlar tudo o que
lhe acontecia.
Ela entendeu que um barco precisa do motor para se mover,
mas que muitas vezes é a vela que o conduz, o vento, que chega
de forma imprevisível, sem planejarmos, e que pode nos conduzir
por distâncias ainda mais longas. Reconheceu que o universo é
potencialidade pura, e que ela era um ser de infinitas possibilidades.
Liz encarou uma nova vida e fez, com muita coragem, sua
escolha fundamental: optou por ela mesma, por finalmente ouvir
sua voz interior.

54
Sem emprego e aberta para uma nova atividade profissional,
iniciava-se ali um novo capítulo de sua vida. Estava sentida, sim,
havia deixado seus grandes amigos e a banda para trás, pois sua
saída acabou por romper aquelas relações.
Porém, a voz tinha muito a dizer. A jornada interior se iniciava
e ela sabia que em algum momento esse incômodo cessaria.

55
5.
Sentindo-se viva
Pouco tempo mais tarde, de fato apenas dois meses após iniciar
as práticas de Yoga, Liz tornou-se vegetariana. O fato se deu após
a leitura do livro de um professor brasileiro que passou por uma
forte doença, encontrou sua cura e a dividiu com o mundo por
meio de técnicas e leituras profundas que falavam com pessoas
que levavam essa vida “normal”, como ela.
Essa nova trajetória demandava, contudo, bastante esforço e
estudo. Era preciso reaprender a se alimentar.
No Brasil as escolas não ensinam a crianças e adolescentes os
princípios básicos da alimentação, restando esse papel aos pais, que
por sua vez também não tiveram orientação profissional e apenas
transmitem o que funciona para eles.
Somos seres condicionados, e a menor ação que fazemos di-
ariamente vem da repetição incessante, que por consequência se
torna um hábito. No entanto, essa influência de pais e avós foi
enfraquecida nas últimas gerações, pela atraente oferta publicitária
de alimentos práticos, processados e prontos. Infelizmente essa
também havia sido a realidade de Liz nas últimas décadas.
Buscando informações em livros, artigos e revistas e se apoiando
em fontes na internet, televisão e mesmo nos mercados, ela desco-
briu um novo universo: a riqueza do mundo vegetal.

59
Cores vivas, formas diversas, sabores e propriedades extras que
ocasionam bem-estar e promovem a saúde haviam sido obscure-
cidos pelo seu organismo, intoxicado até então.
Liz passou a ver algo simples e básico: como a vida humana é
mantida através dos nutrientes extraídos da terra.
O desafio do planeta para alimentar uma população cada vez
mais crescente e os impactos que essa forma de produção gera ao
meio ambiente são enormes. A emissão de gases com transporte
e distribuição dos alimentos e a debilidade da terra, saturada com
tantos químicos, leva a pobreza de nutrientes à mesa das famílias.
Um contraponto: a produção de alimentos por pequenos pro-
dutores, que enriquecem a terra com nutrientes dos próprios restos
de alimentos e promovem a combinação de plantações próximas,
favorecem a melhoria do solo, potencializando a ação dos nutrien-
tes dos alimentos.
Liz desafiou-se a eliminar de sua dieta os previamente atraentes
alimentos processados e a substituí-los por vegetais orgânicos, nu-
tritivos e cheios de vida e por uma variedade de cereais e grãos –
que tinham um custo mais baixo do que imaginava e eram pouco
conhecidos pela população em geral. Deixou para trás qualquer
tipo de carne e reduziu substancialmente o consumo de leite e
seus derivados.
Com o tempo, o ato frequente de preparar seu próprio ali-
mento e de ir à feira de produtores todo domingo trouxe-lhe mais
sensibilidade. Liz conectou-se mais à terra e à vida.
Todo esse esforço não era mais apenas pela sua saúde – que estava
cada vez melhor –, era uma expressão de seu ser e a responsabilidade
e a conexão que sentia com o universo.
Gael presenteou Liz com um livro de receitas vegetarianas para
contribuir com seu processo de mudança. Afinal, não é natural
para uma pessoa que cresce como carnívora tornar-se repentina-
mente vegetariana.

60
Empolgada com tantas receitas criativas, ricas em nutrientes e
extremamente simples e diversas, Liz decidiu cozinhar seguindo
todas as receitas do livro, em um desafio que lançou não apenas
para si mesma, mas para outros. Sua ideia era convidar amigos
e familiares a participar, preparando os pratos, fotografando e
publicando semanalmente em seu blog.
Que conexão! Após 40 anos levando uma vida automática e
mantendo seu organismo no sentido de luta ou fuga, Liz sentiu-se
conectada. Uma paz interior tamanha a invadiu.
Era o chamado da terra. Era seu Sagrado Feminino ali se
revelando.
Liz simplesmente dizia “sim” para esse sentimento de profun-
didade e intimidade com a mãe-terra e com o universo.

61
6.
A doença como caminho
A Endometriose é, na maioria dos casos, a forma do corpo da mulher
demonstrar que suas necessidades emocionais mais profundas estão
em conflito direto com que o mundo exige dela.
Linda Sparrowe

Em poucos meses, diversas transformações no corpo e na mente


de Liz se apresentaram. E não demorou muito para algo ainda
mais sutil ocorrer. Antes mesmo de iniciar o desafio de cozinhar
as receitas do livro que o marido lhe dera, Liz começou a perceber
dores pelo corpo que até então enxergava apenas como dores
cotidianas, geradas pelo estresse, como a escoliose ou a gastrite
que a acompanhavam desde a juventude.
Após alguns exames, a primeira descoberta foi de cistos nos
ovários, que em um primeiro momento aparentavam ser normais.
No entanto, após três meses, confirmou-se a presença de uma
doença cruel para as mulheres: a Endometriose.
Assim, seis meses após tomar a principal escolha de sua vida,
Liz iniciava mais uma dura história.
A doença tem base genética, essa é a principal descoberta sobre
a Endometriose, um mal que atinge cerca de 20% das mulheres.
Não tem cura e se manifesta de formas diferentes dependendo até
da região do país onde a mulher nasceu. Um real mistério.
Segundo o livro Os 10 mandamentos para o sistema imunológico,
dos médicos Elinor Levy e Tom Monte, o desenvolvimento da
Endometriose é estimulado por uma baixa no sistema imunológico.
É causada pela alimentação deficiente em nutrientes, pelo

65
sedentarismo e pelos efeitos psicossomáticos do estresse. Quanto
mais grave esse quadro, mais agressiva a doença pode se tornar.

O diagnóstico
Durante uma consulta à ginecologista, devido ao atraso de sua
menstruação em alguns dias, às fisgadas nos seios e à queixa de
cólicas fora do ciclo, a médica solicitou à Liz uma ultrassonografia
da pelve. O resultado desse primeiro exame foi um cisto funcional
de 3 cm em cada ovário. A médica não dissertou sobre o tema,
simplesmente disse ser “normal”, e pediu a Liz que voltasse em
três meses para acompanhamento.
Durante esse tempo, Liz sentia ainda mais dores. À medida
que se alimentava melhor e praticava Yoga, fortalecia o corpo e
adquiria ainda mais sensibilidade para perceber as dores e com-
preender sua localização, pois na Endometriose elas variam. A
mulher pode simplesmente sentir fisgadas generalizadas em todo
o abdômen.
Liz realizou a segunda ultrassonografia. A médica que condu-
ziu o exame a alertou, dizendo que havia mais cistos do que no
primeiro exame e que, portanto, indicaria uma ressonância mag-
nética. Liz teve a iniciativa de falar sobre a Endometriose da irmã,
ao que a médica respondeu dizendo ser essa uma possibilidade,
mas que a médica responsável deveria solicitar investigações com-
plementares, pois não poderia ser diagnosticada através de exames
isolados. A médica não afirmou que Liz tinha a doença, mas seus
olhos confirmavam que havia algo de muito errado.
Liz começou a ler sobre o assunto. Por se tratar de uma doença
complexa, era preciso se consultar com quem tinha experiência.
Nas décadas anteriores, muitos médicos simplesmente retiravam
o útero e os ovários das mulheres por não saberem tratá-los. Mas
no tempo em que Liz se deparou com a doença, os especialistas

66
em Endometriose já lidavam com os sintomas de acordo com o
estágio e a situação individual de cada paciente.
Por exemplo, se a paciente quisesse engravidar e tivesse a
doença no estágio profundo, o profissional avaliaria a fertilização
in vitro antes ou depois da cirurgia, de acordo com o risco que
a doença estivesse apresentando para a saúde naquele momento.
Com os exames em mãos, Liz voltou à sua médica, que lhe disse
novamente que o resultado era normal. Como continuava sentindo
cólicas e formigamentos, era impossível não questionar aquele
diagnóstico tão superficial. A médica perguntou onde ela queria
chegar e ainda afirmou que “ter cólicas no período menstrual é
normal e ter cólicas no período de ovulação é natural. Por isso,
essas dores e o resultado do ultrassom são normais”. Liz não se
conformou. Ela queria investigar, buscar mais informações e fazer
a ressonância sugerida pela profissional que realizara o seu exame.
Liz sentia um um mix de sentimentos, agravados por uma
médica que não estava sensível para o tipo de doença que ela
poderia estar desenvolvendo, o que só aumentava sua ansiedade.
Depois, soube que muitos ginecologistas não reconhecem de
imediato os sintomas da doença. No caso de Liz, eram ausentes as
cólicas fortes que acometem a maioria das mulheres, que chegam
a ser hospitalizadas. Se naquele momento ela não insistisse em
realizar a investigação, sabe-se lá o que poderia ter ocorrido.
Liz se antecipou e agendou o exame no dia seguinte à con-
sulta, mesmo sem a guia. Também buscou recomendação de um
profissional em Endometriose para iniciar o tratamento e marcou
consulta para a semana seguinte.
Ao final da ressonância magnética, o médico foi até ela e
confirmou, sem sombra de dúvidas, que ela tinha Endometriose
profunda – o estágio mais avançado –, e que a enfermidade
acometera parte do seu intestino. Embora tenha passado por vários
exames posteriormente, esse foi o momento do real diagnóstico.
Encarar um fato como esse não é simples para ninguém.

67
Contudo, quando estamos identificados com o nosso eu ilusório,
ao nosso corpo e à persona que criamos, isso se torna ainda mais
profundo e difícil.
Liz buscou as imagens do exame e começou a se ver por
dentro, entendendo causas e localizando dores que vinha sentindo.
Esse foi um momento de muito medo. Seria só Endometriose?
Será que a doença havia acometido o útero e os ovários e teria
de retirá-los? Seria possível a fertilização? Em caso positivo,
seria antes ou depois da cirurgia? Aliás, seria preciso cirurgia? O
que será que havia causado essa doença? As dúvidas rondavam
e eram desconfortáveis, mas talvez a parte mais dura fosse a de
assumir aquela nova condição. Liz nunca tinha estado doente ou
hospitalizada e sempre foi uma realizadora, graças a sua disposição
e saúde.
Por outro lado, sua vida havia sido regida pelo estresse, pela
pressa e pela ansiedade. Descobriu nesse momento que recentes
estudos denominavam a Endometriose como “a doença da
mulher moderna”, da executiva que atrasa a maternidade, não se
alimenta bem e é praticamente sedentária. Mensagem recebida e
absorvida. Esse foi o choque de realidade. Muitos aprendizados
viriam a partir daí.
Embora seja uma doença complexa e de certa forma misteriosa
para os médicos, Liz não pensou nela com sentimentos ruins. É o
endométrio que permite o alojamento do embrião na parede do
útero (nidação). É ele também que, durante os primeiros meses de
gravidez, permite a formação da placenta, que vai proporcionar, ao
longo de toda a gestação, nutrientes, oxigênio, anticorpos e outros
elementos ao feto, bem como eliminar todos os produtos tóxicos
resultantes do metabolismo, essencial à sobrevivência, à saúde e ao
desenvolvimento do novo ser. O endométrio se renova mensal-
mente para que isso ocorra, então, ao final, ele só quer colaborar
com a geração de um novo ser humano. Aliás, toda a região da
pelve existe com essa finalidade. Por seus órgãos terem trabalhado

68
sem sucesso todos os meses por mais de vinte anos, algo acabou
saindo errado, acreditava ela.
Os aprendizados até ali batiam como um sino em sua cabeça.
Onde estamos dia a dia que não escutamos nosso próprio corpo?
Não devemos nunca pensar que uma pequena dor é normal,
sequer a dor de cabeça. Essa é a forma como nosso corpo nos
avisa que algo não vai bem.
A consulta periódica ao ginecologista é fundamental e não
devemos nos contentar com a resposta “é normal” se sentirmos
que não é. Precisamos ouvir mais nosso corpo e nosso coração.

A primeira cirurgia
Entre diagnóstico e cirurgia foram apenas 40 dias. Em apenas
10 dias era preciso pegar a guia com o médico e submetê-la ao
convênio, consultar o anestesista, submeter-se à colonoscopia e à
ressonância de abdômen, fornecer amostra no banco de sangue,
obter doadores de sangue, submeter-se à pré-internação no
hospital, adquirir remédio manipulado para preparo intestinal e
preparar corpo e mente para o dia da cirurgia. Mais um estresse na
vida de Liz, mas dessa vez, por uma boa causa: ela mesma.
Faltando apenas dois dias para o procedimento, o convênio
ainda não havia autorizado a cirurgia. O hospital dizia que
provavelmente a falha era de Liz, que não havia feito a consulta
pré-internação. Já o convênio dizia que ela faria apenas quando
o procedimento fosse aprovado. Seu marido tentava falar com o
convênio e ela falava com o hospital. Liz resolveu ir para casa e
usar uma sabedoria que havia aprendido com o professor de Yoga:
“entrego, confio, aceito e agradeço”.
No dia da cirurgia, Liz chegou ao hospital bem cedo. O
departamento financeiro havia enviado o orçamento e o convênio
não o localizava. Liz e seu marido sentaram-se na sala de internação

69
e, em posição de lótus, buscando calma e tranquilidade, ela
permaneceu ali até o quarto do CTI ser liberado.
Acompanhada por um funcionário do hospital, Liz foi
identificada com uma pulseira e depois encaminhada para a sala
de espera no bloco cirúrgico. Em minutos, uma funcionária
do hospital chamada Maria apareceu para buscá-la. Ainda
acompanhada do marido, Liz foi para o vestiário onde um short,
camisola e descartáveis para pés e cabeça esperavam por ela. Assim
vestida, ela se despediu do marido. Não se sabia qual deles estava
mais nervoso.
Maria entregou a ela outra camisola dobrada e o envelope com
os exames. O hospital era bem antigo, e a sala para a qual foi con-
duzida ficava no corredor interno do bloco cirúrgico. Cadeiras
de ferro, cadeiras de rodas e outros móveis compunham a sala de
azulejos em tom verde-claro, em um ambiente literalmente frio.
Olhou para o envelope que carregava e reparou nos números.
Em todos os momentos de sua vida, os números 7 e 13 (juntos
ou separados) fizeram companhia e sentido para ela. Não poderia
ser diferente dessa vez: aos 39 anos, 3 meses e 7 dias, estava pronta
para uma grande cirurgia e era a paciente 19001307.
Outra enfermeira veio e, segurando-a pela mão, caminhou
com Liz até a sala de cirurgia. Na fria sala, havia duas outras en-
fermeiras, que a cumprimentaram pelo nome, deitaram-na e logo
puseram um tubo aquecedor abaixo de seus lençóis. Liz tremia
muito, e certamente não apenas de frio.
Logo veio o médico anestesista, que se apresentou e disse que
todos esperavam ansiosos por ela. Em seguida, entrou na sala o
médico ginecologista que faria a cirurgia. Liz perguntou a ele se
seria necessário retirar o ovário direito, que estava muito preju-
dicado. Ele pediu que ficasse tranquila, disse que não retirariam
nenhum órgão e, segurando sua mão, conversou com ela até que
a anestesia fizesse efeito.
O próximo momento de consciência foi quando acordou

70
seis horas mais tarde, ainda na sala de cirurgia, sentindo uma dor
inexplicável. O anestesista disse que já lhe havia injetado morfina
e pediu para que ela ficasse calma.
Liz via apenas as sombras de diversas pessoas que a transporta-
vam para uma maca. Enquanto sentia aquela dor, ouviu uma das
enfermeiras dizendo: “Vocês nunca sentiram dor de cólica, por
isso não entendem”.
E ouviu na sequência a voz do marido. Estava ansiosa por
esse momento, ver que havia sobrevivido sem complicações e
poder reencontrá-lo. No entanto, sentia tanta dor nesses poucos
segundos que passou pelo corredor em direção ao CTI que só
conseguia sinalizar com a mão para que ninguém se aproximasse.
Gael insistiu e conseguiu entrar, mas ela não conseguia conversar,
e a dor a deixava irritada. Minutos depois, a morfina finalmente
começou a fazer efeito e, chorando, Liz pediu à enfermeira que
ligasse para Gael, para poder se desculpar. De um aparelho celular
pré-pago, a enfermeira ligou e gastou seus créditos. Natalie era
seu nome. Liz nunca se esqueceria dessa atitude.
Passado aquele momento, Liz se sentiu estranha, como se fosse
sair do corpo. Estava sonolenta, mas com medo de dormir e não
acordar mais. Não tinha coragem sequer de se tocar e descobrir
quantos cortes tinha no abdômen.
Havia um relógio na sala, sem funcionar. Com a morfina, Liz
ficou confusa sobre as horas, quanto tempo havia passado, quanto
tempo a cirurgia havia durado. Ganhava remédios, agulhadas e
raios-x de pulmão de tempos em tempos. Não via a hora de
amanhecer para ver seu marido novamente, dizer que estava bem
e viva.
Até então, não sabia como havia sido a cirurgia. Foi então
que apareceu o médico, com uma aura quase visível, e pegou
novamente em sua mão, dizendo que tudo havia corrido muito
bem. Liz disse que ele era um anjo e o agradeceu. Ele respondeu
dizendo que anjos só aparecem para quem merece. Não sabendo

71
se era dia ou noite, Liz sentiu-se tremendamente confortada.
A médica de plantão avisou mais tarde que Liz iria para o
quarto. Por volta do meio-dia, seu marido apareceu e, com os
enfermeiros, ela foi levada para o apartamento.
Os dias se seguiram um pouco tensos. Os médicos acompanha-
vam seu progresso e colocaram pequenas metas a serem cumpridas
diariamente: comer, evacuar e andar, nessa ordem. Nesse intervalo,
remédio na veia, coleta diária de sangue, fisioterapia. Liz evoluiu
bem e, no quinto dia, recebeu alta.
Em casa, com o marido, a mãe e seus cães, dormiu a melhor
noite de sono de sua vida. Começava outra etapa, de muito repou-
so, injeções diárias de anticoagulante no abdômen e entendimento
do novo funcionamento do intestino e do reto, que haviam sido
“reformados” – agora, tinha apenas um terço do reto.
A laparoscopia lhe deixou cinco furos e, para a retirada de
parte do intestino, um corte de 12 cm. Houve vazamento do se-
roma, uma complicação normal ocasionada por um líquido que
se acumula abaixo da pele. Especialmente em cirurgias longas,
esse líquido leva tempo para ser drenado. Liz precisava de anal-
gésicos quando sentia a mesma dor que teve na saída da cirurgia,
provavelmente devido à ação dos órgãos curando-se das feridas.
A alimentação saudável foi uma forte aliada de Liz em sua
recuperação, e ela sentia que a cada refeição tomava um remédio
preventivo que fortalecia seu corpo físico, suas emoções e mudava
a frequência de seus pensamentos.
Poucos dias após a cirurgia, Liz decidiu voltar a morar na
cidade onde seu marido trabalhava. Eles deveriam ficar juntos
para se fortalecerem. Alugaram uma casa e lá se foram eles e seus
dois cães, embarcando em uma nova fase, um recomeço.
A mudança foi suave e a recuperação, rápida. Logo que chega-
ram, pesquisaram as opções para, enfim, engravidar. Ela sabia que
era uma corrida contra o tempo, afinal, estava se aproximando de
seus 40 anos de idade.

72
O médico confirmou o que Liz já sabia: uma mulher com
Endometriose profunda – ainda mais na idade dela – deve realizar
fertilização in vitro, o modo mais eficaz de engravidar. A doença
prejudica o funcionamento das trompas e dos ovários, e qualquer
outro método seria inócuo.
Liz e Gael sabiam que existiam possibilidades, e sua imensa
vontade de gerar uma vida os guiou nesse caminho.

Fertilização in vitro (FIV)


A partir dali, o casal começava uma odisseia na tentativa de
gerar um filho. A primeira fertilização foi bem-sucedida, levando
a uma gestação muito celebrada, mas que infelizmente durou
apenas seis semanas.
Diversos exames mais tarde, Liz descobriu que a Endome-
triose havia atingido suas trompas internamente, o que poderia
ser a causa do aborto. Outro exame acusou uma doença rara, a
Trombofilia, uma predisposição do corpo a causar coágulos no
sangue, levando à trombose, algo tratável durante a gravidez, mas
que poderia ser outra causa do aborto que sofrera.
Por recomendação médica, Liz teve de realizar uma nova
cirurgia, desta vez, para a retirada das trompas, antes de tentar uma
nova fertilização.
Meses mais tarde, sua segunda FIV gerou três embriões per-
feitos. A implantação foi bem-sucedida, mas a gravidez não
ocorreu. Após tanto esforço e investimentos financeiros, Liz e
Gael se viram arrasados. A frustração os fez acreditar que nunca
seriam pais biológicos. Decidiram não falar mais sobre o assunto
e tocar a vida adiante.
Liz acompanhava sua saúde periodicamente, pois sabia que sua
doença era severa. Meses após sua última FIV, ela se deu conta de
que estava em tempo de realizar novo exame de acompanhamento
da Endometriose, que deve ser feito a cada seis meses.

73
Liz já havia conhecido um médico especialista na doença, con-
vidado por seu ginecologista na segunda cirurgia. Ele realmente
a impressionou com seu conhecimento sobre a doença. Por um
longo período, conversou com ela e seu marido no quarto do
hospital, contando o que aprendeu em 20 anos de estudos e sobre
as experiências com pacientes que não voltaram a desenvolver a
doença após seu método de cirurgia. Disse que, infelizmente, a
cirurgia que realizou em Liz não contemplara o seu método, pois
o médico ginecologista quis apenas retirar as trompas em vez de
limpar toda a doença. Agora, ele estava focado em realizar a FIV,
pois acreditava que o tempo de Liz estava se esgotando, tanto pela
idade, quanto pela condição dos ovários após a primeira cirurgia.
Existem duas linhas de pensamento entre os médicos ao se
realizar o diagnóstico da Endometriose. A primeira é de que se
deve primeiro avaliar o estágio da doença e a idade da mulher;
se ela estiver enquadrada em certas condições – que são definidas
por uma referência europeia antiga –, ela deve ser primeiro en-
caminhada para um tratamento de reprodução, depois, deve tratar
a doença; ou realiza-se a cirurgia para uma limpeza dos focos da
doença na pelve, melhorando o ambiente inflamatório, mas sem
tocar nos ovários, ou seja, a doença permanece no organismo. A
outra é que se trate a doença com cirurgia, independentemente
da idade avançada da mulher ou do estágio da doença. Mas claro,
com o devido cuidado com os ovários, pois a intenção é retirar
os focos da doença de onde for possível e tornar o organismo
saudável para que a gestação ocorra e evolua.
Sem saber desses fatos, Liz escolheu a primeira linha
na primeira e na segunda cirurgia. O nível de inflamação
causado pela Endometriose era extremamente alto, e o
ambiente se tornava menos propício para uma gravidez. Mas, por
outro lado, se uma cirurgia limpasse apenas parte das inflamações,
a doença severa voltaria a crescer, e cada cirurgia realizada se
transformaria em fibrose, aumentando a aderência entre os órgãos.

74
Liz entendeu tudo isso em sua consulta com o médico espe-
cialista. E também soube pela nova ressonância magnética que seu
ureter estava comprometido. Ela poderia perder seu rim esquerdo.
Por outro lado, o médico havia acompanhado sua dor com o
insucesso dos tratamentos de reprodução. Para ele, restava ainda
esperança para uma gravidez. Para Liz e seu marido, esse não seria
o objetivo de uma possível cirurgia, pois infelizmente sua situação
financeira os impedia e não existiam programas ou subsídios para
um casal com o seu perfil ter um tratamento de reprodução sem
custos.
Liz procurava não pensar nisso. Decidiu entregar para o universo.

Terceira cirurgia
Os planos de saúde em geral não cobrem despesas de cirurgias
feitas com equipes especializadas, contudo, é possível obter parte
por reembolso. Liz decidiu realizar a cirurgia.
Meses mais tarde, a vida de Liz passaria por novas mudanças.
Rodeada de receitas,Yoga, novos hábitos e comida natural, Liz
tinha ótimos resultados nos exames e um bem-estar e disposição
que ela não conhecia até então. Desde a descoberta da vitali-
dade nos alimentos e tendo a alimentação como pilar, ela havia
empreendido projetos para levar essa mensagem para que outras
pessoas também conquistassem essa mudança de vida.
Liz decidiu usar seu tempo, esforços e aprendizados até ali para
ajudar outras pessoas a se alimentarem melhor sem precisarem,
contudo, abandonar suas vidas. Começou escrevendo; depois,
iniciou o desafio de cozinhar as receitas vegetarianas do livro e
divulgá-las. Mais tarde, com a compreensão do healthy plate, “prato
saudável”, que é a atual versão da pirâmide alimentar para a OMS
– Organização Mundial de Saúde, ela desenvolveu um produto
natural e integral e decidiu fabricá-lo.

75
Passado um tempo, a empresa não havia chegado ainda a seu
ponto de equilíbrio, e seus investidores, não tendo a compreensão
do negócio, desistiram de seguir adiante, o que levou Liz e Gael
a um prejuízo grande, que se somou às fertilizações in vitro que
ainda não haviam sido totalmente pagas.
Liz se viu novamente em busca de emprego. Por mais que lhe
custasse, estava decidida a retornar a sua antiga profissão, que para
ela era a única saída.
Com a cirurgia se aproximando, surgiu uma entrevista de em-
prego para início imediato. Qual seria a escolha de Liz? Os últi-
mos dois anos haviam-lhe ensinado que o corpo é o meio pelo
qual a vida se mantém. Melhorou e muito sua saúde com a mu-
dança de alimentação e estilo de vida, e a doença era amenizada
por isso, embora somente seria evitada pela cirurgia.
Definiu que faria a intervenção independentemente do re-
sultado da entrevista de emprego. Fez mais uma vez uma escolha
importante e optou pela verdade, pelo seu Ser, acreditando que
em tempo a parte financeira se resolveria.
Iniciou os exames pré-operatórios para sua terceira cirurgia
e descobriu um endometrioma – um cisto de Endometriose no
ovário esquerdo. Em sua primeira cirurgia, o médico cortara um
pedaço do ovário direito para retirar cistos que comprometiam
a fertilidade, agora, seu ovário esquerdo estava comprometido.
Seu coração voltou a bater forte, pois suas chances de se tornar
mãe desapareciam aos poucos, como se fizesse parte de um plano
superior que corria assim, por capítulos.
No dia da cirurgia, Liz estava pronta e muito tranquila, afinal,
nos últimos dois anos perdera a conta de quantas anestesias,
lavagens intestinais e exames já havia feito.
Pensava no quanto a doença a deixara debilitada. Na primeira
cirurgia, falava com pena de si mesma, com medo e como se sua
vida estivesse sob constante risco. Agora, a sensação era diferente.
Sabia que a doença viera para ensinar, para transformá-la em

76
alguém mais consciente e realmente sensível ao outro, algo que
desconhecia até então. Sentiu-se protegida, sabia que tinha de
passar por mais uma.
Quando acordou, Liz deu-se conta de que a cirurgia havia du-
rado o dobro do previsto: 12 horas. Passou a mão sobre a barriga
e sentiu uma bolsa de colostomia. Ainda sob efeito da anestesia,
sorriu. Pensou que dali para frente evacuaria pela bolsa e que esse
era mais um efeito de seu karma. Simplesmente acolheu o fato.
Eram 4 horas da manhã quando Liz chegou ao quarto, onde
Gael já a esperava. Nas pernas, além de meia para pressão, havia
um aparelho para estimular a circulação. Sorrindo, ela disse ao
marido que queria um daqueles. Seu humor estava nas alturas.
Gael havia recebido o médico um pouco antes, e ele lhe contara
sobre toda a cirurgia, descrevendo-a como uma das mais difíceis
de sua carreira. Liz ouvia o marido contar e, aos poucos, veio
a compreensão de que havia passado por um momento muito
delicado, pois qualquer erro médico e a sua vida teria mudado.
A bolsa de colostomia era um dreno que, além de extrair
o excesso de líquido entre os órgãos, avisaria se o intestino se
rompesse, oferecendo mais tempo para os médicos agirem. Liz a
usaria apenas até sua alta do hospital.
Desde a base do reto, sua enervação estava comprometida, e
sua pelve, completamente colada ao intestino, revestida de uma
teia fina e esbranquiçada como uma teia de aranha, com tramas
bem fechadas. Os ureteres e o intestino pareciam um só, e os
médicos os desprenderam com tesourinha, milímetro a milímetro,
salvando assim também os rins.
O útero, depois de solto, foi preso externamente por um botão,
e o ovário esquerdo, preso em um dos pontos da cirurgia. O cisto
no ovário esquerdo foi aspirado, ficando apenas parte dele, onde
seus últimos óvulos estavam depositados.
A recuperação em hospital parece uma corrida, o paciente pre-
cisa vencer obstáculos diários para receber alta. São diversos tipos

77
de profissionais que entram e saem do quarto de hora em hora,
medicando, impondo fisioterapia, comida, limpeza do ambiente,
coletando sangue para exames. Assim era o momento de Liz.
Ela tentava dormir, mas a quantidade de remédios a prejudicava.
No primeiro dia, teve uma alucinação, a primeira de sua vida.
Acordou e viu um dragão chinês vermelho sentado ao lado de seu
pé e o espantou; ele saiu voando e assumiu a forma de uma espiral
até desaparecer. No segundo dia, descobriu que o antibiótico
lhe causava alergia, então recebeu mais um medicamento. No
quarto dia, teve uma crise forte de gastrite, e por isso recebeu
sete medicações, tendo nessa noite uma bad trip. Não conseguia
ficar com os olhos abertos, tampouco podia dormir. Perdeu o
controle de sua mente e visualizava imagens em quadros, um
após o outro, como se estivesse sonhando acordada. Sobreveio a
irritação, e Liz teve de ser supervisionada para não cair da cama
ou arrancar o dreno. Após uma forte crise de vômito, finalmente
pôde se acalmar.
No quinto dia, já melhor, foi liberada para ir para casa sem o
dreno e sem o botão. Seu desafio a partir daí seria outro.
Desde a primeira cirurgia, seu intestino havia sofrido fortes
ajustes. Liz passou a evacuar de três a quatro vezes ao dia, e seu
corpo não aceitava uma dieta pobre em fibras. Mas desta vez, a
cada movimento que realizava, sentia intensas cólicas na área final
do intestino.
Liz buscava se ajustar a essa única repercussão física da Endo-
metriose em sua vida. Aos poucos, sua saúde física voltaria aos
eixos, e não apenas ela.
Logo após a cirurgia, Gael recebeu uma excelente notícia vinda
do trabalho, e os compromissos financeiros do casal puderam ser
totalmente quitados. A vida voltava a se equilibrar.
Aquele era um ano particularmente especial, com inúmeros
aprendizados. As situações traziam a visão de que, mesmo sem
controle sobre os acontecimentos, a intenção tem muito poder.

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Liz entendeu que o corpo não fica doente – a doença é uma
condição do Ser. Ao lidar com ela, somos passíveis de cura.
A doença é, na verdade, um mal escondido debaixo de um de
nossos tapetes; é uma sombra que, ao manifestar-se, expõe aquilo
que tentamos esconder de nós mesmos, oferecendo a possibili-
dade de entrarmos em contato com o sintoma e captar sua real
mensagem. Ao deixar esse sintoma totalmente consciente, é pos-
sível torná-lo supérfluo, e ampliamos a nossa consciência sobre
aquilo que nos falta, ou que evitamos trazer à luz.
Para Liz, o conceito de que a doença nos faz honestos e nos
permite fazer a escolha de seguir um caminho alinhado à nossa
essência, alinhado ao coração, começou a fazer mais sentido do
que nunca. A doença estava ali para mostrar o que escondia de si
mesma, e isso se tornou uma alavanca na direção da expansão de
sua consciência.
Quanto ao sonho de ser mãe, Liz entendeu que isso fazia parte
de um plano maior da vida sobre o qual ela não tinha controle.

79
7.
Encontrando seu propósito
Liz agora via sua doença e o mundo com outros olhos. Para que
serviria a vida senão para nos dar essa oportunidade de voltar para
casa e ter a lembrança do Ser?
Passados dois anos desde sua principal escolha, sentia a necessi-
dade de dividir uma nova visão, mostrar o caminho, apoiar pessoas
que ainda estavam na situação que ela viveu por tantos anos.
O despertar é um processo que não tem data para acontecer,
não tem tempo certo e pode ocorrer por intermédio de uma
palavra, um exemplo, ou pode tardar até nossos últimos suspiros.
Liz estava extremamente grata aos mestres que a ajudaram em seu
despertar e decidida a usar seu tempo e esforço para proporcionar
atitudes e energias positivas.
Foi então que uma luz se acendeu. Liz havia voltado para casa,
para o seu próprio Ser, pois havia perdido a ambição desenfreada
de fazer e conquistar. Ela finalmente entendeu que o Ser é o que
o mundo precisa, e que as projeções que fazemos são fruto da
personagem que criamos. Nesse momento, ela viu que poderia
ser simples, e começou uma comunhão maior com todos ao seu
redor.
Em seus encontros com a família, Liz buscava curar as feridas
do passado e valorizar cada momento junto dela. Com amigos

83
e conhecidos antigos, ela tentava relembrar momentos que sua
mente bloqueou. Com as pessoas que teve algum conflito, ela ten-
tava buscar perdão. Seu coração estava curado. Liz estava pronta
para voltar a ter uma atividade profissional, pois sabia que não iria
mais ferir as pessoas. Dentro dela não havia mais feridas.
Mas como definir sua nova vida profissional? Seria possível es-
colher um caminho com mais propósito e tirar seu sustento dele?
Após a doença, Liz passou a entender que o mundo tem pes-
soas que se encontram em situações muito difíceis, com doenças
bem mais graves que a dela – às vezes, sequer são aparentes –, e
que todos dependem de amor para passar pelo seu processo de
transformação.
Os ensinamentos desse período a haviam despertado para a
codependência de todos os seres vivos. É preciso ter o outro para
comer, vestir-se, divertir-se, para viver a vida prática e, acima de
tudo, para dar sentido à vida, pois sem amor o mundo se consome,
e o amor só é possível por meio do vínculo com o outro.
Seu coração lhe apontava um novo caminho. Liz faria uma
formação em Yoga e, como professora, repassaria às pessoas o que
havia aprendido sobre alimentação e autocuidado.
Assim Liz iniciou seu curso, que se mostrou, na verdade, um
caminho de autoconhecimento. No primeiro módulo, sentiu-se
perdida e intrigada quando ouviu uma das primeiras palavras de
seu professor: “Você não precisa de um personagem complexo,
porque é simples. O agora invoca: descalça, renuncia”. Uau! Tudo
o que ela havia feito até ali era tentando se tornar algo mais...
Sentindo como se as peças de um quebra-cabeças se encaixasse
em sua mente, Liz concordou imediatamente com ele.
Ainda guiada pelo ego, Liz não havia percebido todo o aparato
que criara em torno de si para ser alguém – o que incluía a nova
busca por uma profissão. Agora, ela se dava conta de que teria de
renunciar a esse alguém por ela criado e voltar a ser ninguém. So-
mente por essa via ela experimentaria o autoconhecimento, que

84
possibilita perceber onde sai o ego – o eu ilusório – e entra o Self,
o nosso Eu Maior, a divindade em cada um todos nós.
O ano estava se mostrando supremo, esplendoroso, magnífico!
No primeiro mês, Liz leu os livros indicados e se surpreendeu
com uma filosofia totalmente nova e completamente coerente
com seus pensamentos, com respostas para as perguntas que ela
se fazia desde menina, quando foi iniciada na doutrina espírita.
Questões sobre quem somos, de onde viemos e como opera a
nossa mente, algo tão simples e tão lógico para ela.
Meses mais tarde, durante um retiro na Montanha Encantada,
Liz passou alguns momentos de silêncio e pôde ouvir melhor o
ruído de sua mente. Ainda havia muito conflito e julgamento. Ela
percebeu que era viciada em seu ego e, ao conviver com cerca
de 100 pessoas nesses dias, incluindo as amigas que fez no curso,
notou que vivia apenas no mundo aparente. Uma vivência em
torno da prática da respiração levou Liz para um lugar profundo,
e ela saiu dali chorando. Não sabia explicar, mas chorou dias a fio,
sentindo-se muito sensível.
Para Liz ainda era difícil falar de religião. Ela preferia acreditar
que existia algo maior, uma ordem, uma força, uma energia. Ali,
em contato com essa energia, ficou impossível não acreditar no
Grande Mistério.
Durante os meses seguintes, Liz se sentiu renascer, após viver
situações duras, desafiadoras, intrigantes e reveladoras.
Em uma sessão terapêutica de Constelação Familiar, obteve
uma resposta em relação a seu pai. Havia grande pressão dos seus
antepassados, representados pelo avô de parte paterna, para que
seu pai lhes concedesse um homem como neto. Liz sabia desse
fato, mas foi naquele instante que compreendeu o que a levou a
desenvolver seu lado masculino, aquele que dá conta, que realiza,
que provê. Essa experiência possibilitou que entendesse sua im-
possibilidade de ser mãe, pois nesses anos todos havia se afastado
de seu lado intuitivo, evitando olhar e compreender o outro em

85
sua dor ou em sua alegria. Essa percepção sutil levou muita paz ao
seu coração, e ela conseguiu aceitar finalmente o fato de não ter
conseguido ser mãe.
Liz teve uma pequena amostra de como poderia andar por um
caminho mais leve, entendendo que depende de como se olha
para ele. Passou a se encantar ainda mais pela simplicidade, pela
vida na sua mais básica expressão. Desapegou-se da autoimagem,
da necessidade de se apresentar impecável diante dos outros, de
gastar com essa máscara social. Descobriu, inclusive, que era ex-
tremamente simples e que tudo o que criou para o personagem
que viveu durante 20 anos era pura fantasia, que no fundo do seu
coração não desejava nada daquilo. Ser uma pessoa de sucesso
era na verdade ter abundância de amor, ter qualidade de vida, ter
tempo para viver e poder olhar para os pássaros e as flores, poder
encontrar as pessoas e olhar em seus olhos para ver sua essência,
sua alma. A beleza exterior é apenas um complemento.
Passou a valorizar cada atividade, cada local e cada criação do
universo em um nível ainda mais profundo, com admiração e sen-
tido de conexão. Liz aprendeu a confiar nela mesma, sintonizando
energias e qualidades que a ajudavam e que, consequentemente,
ajudariam a humanidade. Era assim que ela se sentia.
Nesse mesmo ano, durante a formação em Yoga, começou a
ministrar cursos de alimentação saudável, transmitindo a outras
pessoas uma verdadeira sabedoria para viver em equilíbrio. Poder
conversar com as pessoas sobre a linha de alimentação que lhe fez
bem foi uma forma de mostrar que o autocuidado e o carinho
consigo mesma foi o remédio fundamental para viver bem. Como
amar os outros se não amar a si?
Visualize o alimento que está à sua frente. Trilhe mentalmente
o caminho que ele percorreu entre plantio, colheita, transporte e
manuseio para chegar até você. Pense que uma galinha bota um
ovo por dia, e alguns médicos nos recomendam comer seis ovos
diariamente. Somos sete bilhões de pessoas e, em média, 160 mil

86
novas diariamente, por isso, técnicas como melhorias genéticas,
estimulantes, químicos e condições precárias de criação são
impostos a animais e plantas para nos manter alimentados.
A alimentação é o pilar central de nossa vida material e, à
medida que nos conscientizamos do que comemos e dos efeitos
gerados em nosso corpo, nossas emoções e nossos pensamentos,
despertamos.
Ao notar esses detalhes, despertamos para a interdependência
como seres no universo, para a abundância e a riqueza da mãe
natureza, e nos conectamos, saímos do condicionamento mental
e nos tornamos pessoas conscientes e capazes de realizar melhores
escolhas. Cuidamos de nós mesmos e, consequentemente,
cuidamos melhor do mundo.
A vida de Liz já estava transformada. Em menos de três anos de
conexão consigo mesma, já conseguia acessar o que estava dentro
de si, de bom e de mau.
Entendeu a energia criadora do universo e percebeu como
tudo está conectado. Aprendeu que toda reação de raiva que tinha
significava exatamente isso, uma reação. Reagia a algo que estava
dentro dela, uma memória de um fato antigo que lhe doía e estava
preso no esquecimento.
A prática de Yoga, respiração e meditação foi retirando aos
poucos suas camadas e ensinando-a a observar os acontecimentos
a ponto de compreendê-los e poder, com o tempo, modificar seu
comportamento.
Como poderia Liz não ter tratado as pessoas com raiva, sentir
rancor, ser competitiva ou ser dura se durante toda a vida ela havia
buscado exatamente afirmação, reconhecimento e amor?
Não lhe coube ser diferente, pois a vida que tivera a ensinou
que, se quisesse ser alguém, teria de trabalhar duro, e foi o que fez.
Em qual capítulo de seus anos no Marketing e na Administração
ela recebeu uma escola diferente?
Sim, Liz era um espelho das relações que teve na vida adulta

87
somadas às situações extremas que viveu em sua infância. Mas não
precisava ser mais, e a cada dia ela entendia e enxergava uma nova
camada e uma área intocada em si que poderia ser aprimorada.
Esse era um exercício constante e diário a que ela se dedicava
com disciplina e ardor. No passado, sua constante impaciência e
pressa foram o reflexo da exigência com que havia sido criada,
que se somava ao senso de inferioridade que sentia. Ela precisava
provar que não era tão pequena e, por isso, era extremamente
exigente com os outros que estavam ao lado enquanto realizava
essa tarefa.
Seu caminho fazia mais sentido a cada dia, na alimentação
e no Yoga. Seus cursos de alimentação saudável rapidamente
começaram a ser requisitados. Ao mostrar a simples receita do
suco de clorofila ou de um pão de polvilho e batata-baroa, Liz
encantava pela simplicidade, praticidade e rapidez. Via o brilho
nos olhos das pessoas, o que lhe respondia que sim, ela estava no
caminho.
Liz se conectou a várias pessoas e, aos poucos, levou o curso
a cidades vizinhas. Encontrou e semeou muito amor com trocas
de receitas, abraços e palavras de carinho. Nem ela sabia que seus
conhecimentos culinários de anos, desde aqueles que aprendeu
com sua mãe e sua avó até os vistos em programas de TV, eram tão
desejados pelas pessoas que levavam a vida “normal”, tão cheia de
compromissos e pobre em tempo e qualidade. Liz levava alimento
para a alma.
Seus estudos em nutrição e alimentação natural fizeram sen-
tido, e ela entendeu que o que havia vivido nos últimos anos,
quando pensava que estava simplesmente ociosa, valia ouro para
as pessoas que seguiam a vida sem ter a oportunidade que ela teve,
de dar um tempo no dia a dia atribulado.
Pensou assim que o céu seria o limite e desejava profunda-
mente levar esses saberes adiante para mais e mais pessoas.
Ainda não sabia como fecharia a conta de sua vida financeira,

88
mas Liz tinha uma imensa benção em sua vida: seu marido. O
apoio incondicional de Gael era fundamental para que ela se
reencontrasse.
Gael via Liz se transformar, sair do seu casulo. Ele era a pessoa
que mais a admirava e queria ver sua cura completa. As cirurgias
haviam retirado partes já obsoletas de Liz e operaram mudanças
também nele. Viviam uma vida nova, superando seus problemas
passados e cheios de esperança no futuro.
Liz sabia que, se estivesse alinhada consigo, seria uma pessoa
benéfica para seu marido, sua família, seus amigos, seus vizinhos,
sua comunidade e para o planeta. E era esse o seu propósito.
Somos seres interdependentes e viemos desempenhar um pa-
pel a partir do talento único que possuímos, de algo que fazemos
exclusivamente e que cabe no mundo como contribuição.
Liz entendeu que só podemos ser encarados como um todo
se houver completude, apoio e amor. Do contrário, seremos uma
ilha, teremos a eterna sensação de “eu” e “meu” e acreditaremos
sempre merecer mais, fazer mais e ser mais, como ela fez por tan-
tos anos ao tentar tampar o buraco emocional que tinha em seu
peito escalando a escada corporativa.
Sim, podemos fazer e merecemos tudo de melhor. Mas essa
riqueza nos é concedida à medida que doamos algo ao universo. E
se lembrarmos que somos um, é indispensável o equilíbrio entre
dar e receber. Ao pensar como parte do todo, perdemos o interes-
se desenfreado em ter e fazer.
Liz se sentia mais e mais desapegada e estava focada em ofere-
cer ao outro, não em receber. Sabia que o universo a proveria
daquilo que ela realmente precisava, por isso poderia confiar e
seguir adiante escutando sua intuição, fazendo aquilo que era ver-
dadeiro para ela. Enquanto deixava a vida acontecer, lembrou-se
do quanto a intenção e o desejo eram poderosos.
Sempre tomava decisões consultando antes seu coração e re-
fletindo se aquela era a melhor escolha, se beneficiaria não apenas

89
ela mesma, mas todos ao seu redor. Aprendeu uma técnica e pas-
sou a utilizá-la, perguntando-se “como posso ajudar?” em vez de
“o que vou ganhar com isso?”. Podia sentir uma brisa chegar ao
seu rosto a cada vez que considerava os outros em suas escolhas.
Passou a observar o quanto o universo é perfeito, como to-
das as coisas existem independentemente de nossa vontade ou
ação. Como um fluxo constante e ininterrupto conduz a vida que
acontece: as flores crescem, a chuva cai, as estações passam.
Ela sabia que estar ali, vendo e entendendo tudo, era a sua
maior benção. Era como receber água e adubo para fazer brotar os
frutos, pois percebeu qual a sua parte no contexto do viver. Suas
raízes estavam profundas e sua árvore, crescendo e se ramificando.
Liz recebeu uma nova chance e pôde fazer uma escolha para
o bem: expressar sua divindade num mundo feito de deuses que
precisavam desse reflexo, de um espelho para se apropriarem de
quem são. E ela não hesitou em fazer essa escolha tão sutil.

90
8.
O fim da Normose
O ser humano introduziu na planilha uma nova qualidade
evolutiva, que é a evolução intencional, consciente, voluntária.
Uma pessoa evolui se quiser, se desejar, à medida que
enveredar num caminho de individuação. Há que sair dos
trilhos populares e viciados da normose para as incertas
e criativas trilhas evolutivas, onde enfrentará seus medos,
atravessará muitos portais e, em algum momento justo,
florescerá com vigor, ternura e poesia.
Roberto Crema

A pressão de ser “normal” é compulsória a todas as pessoas. Em


todo o mundo é preciso viver dentro de uma matrix para não ser
enquadrado como louco ou hippie.
Apesar de tudo que tinha vivido, Liz ainda enfrentava ocasionais
conflitos nessa área. Durante os últimos anos, contara com o apoio
de coaches (mentores), que desenvolveram linhas de pensamento
e cursos sobre como viver de forma autônoma e não ter um tra-
balho fixo. Ela pesquisava e se atualizava sobre assuntos diversos
para não se perder no caminho. Contudo, pensamentos negativos
a rondavam constantemente. “Será que vai faltar dinheiro? O que
estou fazendo é suficiente? Devo retornar à antiga profissão até
conseguir me estabelecer nessa nova atividade?”. Essas eram per-
guntas que a deixavam insegura, como se segurança fosse ter uma
profissão ou um emprego.
O fato é que não é simples construir uma nova profissão e
fazer dela a atividade que lhe trará sustento financeiro. Requer
estudo, dedicação e, acima de tudo, tempo. E a mente não é
adaptada para se abrir à vida e confiar. Especialmente se temos
sombras que não receberam a luz, teremos o medo como um
companheiro de jornada.

93
Liz sabia que antigos porões de sua mente a aprisionavam,
empurrando-a para enquadrar-se no mundo normal. Fazia fortes
projeções, como dizer que tinha uma nova profissão, uma ativi-
dade que lhe gerava sustento como nos 23 anos anteriores.
Estava Liz deixando que a Normose guiasse sua vida?
Por que há toda essa pressão em sermos “normóticos”, seres al-
tamente produtivos, com horários de trabalho estabelecidos, uma
aposentadoria que nos garanta conforto na velhice, uma renda
que nos garanta comodidades e uma reserva para tempos difíceis?
Claro, se estamos fixados no futuro, temos essa sensação de
precisar de garantias. Acontece que a vida só existe aqui e agora,
é só o que temos. Passamos nossa existência preocupados com o
que será de nós e nos esquecemos de lembrar que nossos maiores
bens estão conosco neste momento.
Liz percebia sua respiração, o funcionamento de seu corpo e
a possibilidade de viver concedida pelo sopro fundamental que
recebeu ao nascer. O Yoga e a meditação eram ferramentas funda-
mentais para se lembrar disso a cada instante.
Por que será que estamos aqui? Qual o sentido de termos
nascido? Qual nosso papel nessa existência? Será que viemos
mesmo para ter uma casa, um carro, um trabalho, reproduzir e nos
divertir sempre que tivermos a chance?
Será que viemos para ser escravos de trabalhos de que nem
sempre gostamos e que muitas vezes nos levam a condições que
prejudicam nossa saúde física e mental? Será que as pessoas que
fazem tudo certinho e conquistam tudo que sonharam têm seu
futuro garantido? E mais, será que têm paz?
Liz trilhou esse caminho e ainda assim não conquistou
nenhuma garantia. Na verdade, a vida que levou tirou-lhe algo
ainda maior: a possibilidade de ser mãe. Para Liz e seu marido, essa
seria a realização maior de suas vidas, mas sabe-se lá por que não
tiveram essa benção. Quem sabe, Liz enxergaria mais tarde que
existem realizações maiores para ela nessa vida.

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Se antes considerava que era muito pouco dar cursos de
alimentação, ao iniciar seu movimento de conexão, Liz se viu
inspirando pessoas, levando esperança e amor somente pelo fato
de ter-se tornado uma pessoa benéfica para seu entorno. Nessa
mensagem positiva e leve, ela soube que poderia transformar vi-
das e causar uma cascata de eventos positivos, pois essa era a única
consequência possível de sua escolha final, de seu propósito.
Por benção do universo, Liz reconquistou sua saúde mesmo
após viver na Normose por tantos anos, e assim pôde fazer a es-
colha certa para ela, para seu íntimo, para seu Ser. Reconhecer isso
lhe dava forças para não se entregar ao mundo normal e seguir a
mensagem do coração, sua intuição, e ir em frente, independente-
mente das dificuldades da vida prática e das projeções e fantasmas
de seu passado.
As escolhas de Liz transformaram sua vida, e ela sabia que cada
uma delas foi importante para mostrar algo a seu respeito. Às vezes
a vida não nos concede o poder da escolha, pelo menos não aquela
que desejamos. Reais tragédias podem se instaurar em nossas
vidas, deixando-nos de mãos e pés atados. No entanto, a maneira
como nos relacionamos com o que nos acontece também é uma
escolha. Podemos enxergar o copo meio cheio ou o copo meio
vazio. Para além da nossa vontade, a vida segue seu fluxo, e aceitar
o que nos acontece talvez seja a mais importante escolha a fazer.
Essa é a receita da felicidade que Liz descobriu – a equanimidade.
A não resistência aos acontecimentos. A vida fecha uma porta para
abrir outras, para haver a renovação deve existir a desconstrução,
pois o novo só vem se o velho se for. Existe sempre um plano maior
do que aquilo que nossa mente consegue ver.
Liz entregou sua vida realizando as escolhas de forma
consciente. Jogou sua intenção ao mundo e deu início a uma
prática diária de disciplina para não ser novamente tomada por
condicionamentos mentais, tampouco se identificar com todo o
inconsciente coletivo que nos incita à Normose. Ela não era mais

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uma ovelha no rebanho e não precisava mais seguir o exemplo da
maioria.
Ela sabia, lá no fundo, que a pressão seria aos poucos abrandada.
Confiava no plano maior, no universo, no Grande Mistério.
Liz era uma borboleta aprendendo a bater suas lindas asas
coloridas e formosas, a voar pelos campos com o vento batendo
em sua face e com o gosto do néctar das flores em seus lábios.
Nunca é tarde para realizar escolhas corretas, para trilhar um
caminho mais sintonizado com nosso coração, para nos curar do
passado, para descobrir nossos talentos únicos e doá-los ao mundo.
O universo em sua perfeição está disponível, agora, para em-
preendermos a nós mesmos, para realizar nossa metamorfose e
jogar o que de melhor temos no peito, espalhando-o mundo
afora. A escolha é sempre nossa.

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