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FRANCK MAUBERT Q@YZAHAR Sumario Morada do caos Conversas com Francis Bacon Bacon & Bacon Referéncias biograficas Agradecimentos 19 Titulo original s me quitte pas des yeux Lodeur du sang humain ne (Conversations avec Francis Bacon) sTradugao autorizada da primeira ediga0 francesa, publicada em 2009 por Mille et ‘Une Nuits, departamento he Librairie Arthéme Fayard, de Paris, Franga Copyright © 2009, Librairie Arthéme Fayard Copyright da edicdo brasileira © 2010 Jorge Zahar Editor Ltda. rua México 31 sobreloja | 20031-144 Rio de Janeiro, ®y tel (21) 2108-0808 | fax (21) 2108-0800 editora@zahar.com.br | wwwzahar.com-br Todas as fotos do livro sao de autoria de Franck Maubert. Todos os direitos reservados. ‘A reprodugio nio autorizada desta publicagao, no todo ou em parte, constitui violacio de direitos autorais. (Lei 9.610/ 98) Grafia atualizada respeitando 0 novo Acordo Ortogréfico da Lingua Portuguesa Preparacdo: Tamara Sander | Revisao: Sandra Mager, Joana Milli Projeto grafico: Carolina Falcao | Capa: Rita da Costa Aguiar Imagem da capa: © The estate of Francis Bacon, Estudo para um retrato, 1971 (6leo sobre tela), Francis Bacon (1909-92), licenciado por Autvis Brasil, 2010 / © Coleco particular / The Bridgeman Art Library CIP-Brasil. Catalogacao na fonte O cheiro do sangue humano nao desgruda seus olhos de mim. Esquito, Euménides Morada do caos Uma imagem: a dos créditos iniciais de um filme entre a vida e a morte, O tiltimo tango em Paris. Na penumbra do cinema Victoria, a figura — um corpo, o de George Dyer? ~ surge na tela como uma deflagracao. Vocé é imediata- mente arrebatado. Vocé sente alguma coisa fisica. Seriam 0s rasgos do saxofone de Gato Barbieri? Ou seria por causa daquele corpo, apenas daquele corpo que se contorce, da- quele corpo enrodilhado que grita sua dor? Cores de san- gue e de vida, as das carnes venenosas de um cad4ver ma- quiado. As de um corpo mu e isolado. Acho que foi assim que descobri, pela primeira vez, uma imagem de Francis Bacon. Percebi-a primeiro como imagem, antes de captar seu aspecto puramente pictorico. Provavelmente eu tinha visto outros quadros seus, em outros lugares, antes de re- ceber um segundo choque. Foi na Galeria Claude Bernard, espaco baixo e escuro, onde eu tinha a curiosa sensacdo de entrar nos proprios quadros e neles me dissolver. A pintura ali encontrava toda sua intensidade, exercendo ao paro- xismo seu poder de seduc40. Como um clamor paralisante. Possivelmente a manifestacdo do que o proprio artista cha- mava “the brutality of fact” ao falar de Picasso. Dali em diante, para mim Francis Bacon, mais que qual- quer outro artista, iria encarnar a pintura. Uma evidéncia. Franck Mabey juventude, sua pintura ng oad ‘asi essa €pora de all a -ra na gente, Vive na ge: mim. Ela agarra na gente, Seuss eralizada” — crise moral, cele Desde de mais ¢ a as em crise 8¢ os Fisica ret ae sonage inglés John Russell, vivem ag escreveu o critico “emo ; : com lembram incessantemente que a vida é “e 10S lado en 7 ; ja entre nascimento e cerbadas, um vizinho de hospital, de asilo, engl s, O terror esta presente, instalado em gens que berram em silencio. Uma crueldade veemente ¢ visivel, revelada por homens emparedados numa moldurg espacial. A qualquer momento podemos nos deparar com, atroz, um acidente nos reduz a um pacote de misculos abertos. Na expectativa, possivel, de uma ressurreicao, Meu trabalho como jornalista de arte, na LExpress, anos 80, me deu a oportunidade de aspirar a um encor morte. Essa vida ue esticad que nog Pe vises exa nds mesmo’ com 0 artista. Conseguir isso nao foi facil. Apés ped entrevista 4 sua galeria londrina, a Marlborough G fui obrigado assim mesmo a esperar quase trés: de receber um convite, que eu nao esperava ma Miss Valerie Beston, chamada de Miss B. pelo artista forma, nessas circunstancias, Conversas com Francis Bacon despensa de feno e ao abrigo do cocheiro, situados acima da estrebaria transformada em garagem, por uma estreita ¢ ingreme escada que era melhor subir em jejum. O que, a priori, nao incomodava 0 artista. Alias, nao era raro ele re- ceber vocé com uma gargalhada, no corredor do andar, um copo na mao. O homem ¢ elegante: botinas pretas justas, calca de flanela cinza, uma jaqueta de couro, camisas cor- de-rosa, uma gravata escura de tric, um qué de astro de ck. O olho azul-claro e cabelos tingidos num estudado acaju. Essa criatura terrivelmente viva sabia compartilhar seu senso agudo do tragico e do cémico misturados — como num de seus autores favoritos, William Shakespeare. As- sim, Francis Bacon podia desconcertar por sua simplicidade e lucidez, aliadas a uma natural delicadeza e violéncia, me- dida e desmedida. WR rhode) A Rte tala: i. SS ata ce \ \ ' Conversas com Francis Bacon Durante minha primeira visita, em 1982, Bacon me avi- sou: “Dormi muito mal, tive uma crise de asma.” A des- Peito disso, estava de bom humor € extremamente cortés. Fiquei surpreso com o conforto elementar e familiar no qual ele vivia desde o inicio dos anos 60. Desse alojamento precario, Francis Bacon mantivera as cordas a guisa de pas- sarela € 0 assoalho de tacos de madeira. Os trés cémodos distribuiam-se da Seguinte forma: quarto-canto escritério, cozinha-lavatorio e atelié, naturalmente, como mostram fotografias publicadas aqui ou ali na imprensa. Assim que chego, ele me empurra para 0 canto escrité- rio, me faz sentar e desaparece na cozinha, de onde volta com café. Tenho tempo apenas de observar a colcha da cama bordada, lembranca de uma de suas temporadas em Tanger, uma cémoda Boulle Louis XIV carcomida e um sofa, estilo difuso, em veludo puido sobre 0 qual se amon- toam camisas em seus saquinhos plasticos da lavanderia. E, um pouco por toda parte, livros e mais livros. Obras de Giacometti, Georges Bataille, Picasso, sobre arte egipcia... Sobre o aparador da lareira, as obras completas de Proust, numa edic4o francesa, e uma fotografia em molduca dav Franck Ma » convidado mal-educado,, B 0 cin? 0 Comigo, 0 ho é ” , dizer. Nao in 2 ae fave] jlicito, como raramente €. Por instantes = 5, 6¢ , eiro nut um rem i cios¢ a secreta ° -onversas, pata ir pegar uy essas cor P peg ma arrafy de café, dependendo da hora, ele a ar. uma furia Durante yinho ou xicaras rastava para a cozinha-lavat6rio, onde era ‘ia a javabo pintado e repintado, um varal de roupa acioall banheira compacta, OS utensilios da cozinha ; com os de higiene... Espetadas nas paredes, reprodueg de suas obras: “E para conviver com elas, me imp E, depois, vou colocar o qué?” Finalmente, aposento principal, o atelié. O antro, gar ciosamente preservado. A realidade vai muito que eu entrevira até entao nos catalogos e : ele nao é 0 primeiro nem o ultimo artista a com sua mulher em seu atelié mostra o camadas de jornais e detritos diversos. Bacon, restos de todo tipo juncam o « Conversas com Francis Bacon 17 roxo, amarelo vivo, rosa choque — correm pelo chao, so bem na porta e pelas paredes. O atelié, iluminado por uma claraboia no teto e uma lampada solta, constitui uma imensa paleta. E um convite a pintar. Esse caos é 0 proprio cerne da imaginacao pictérica de Bacon. Eu o vi trabalhar num triptico dedicado ao toureiro Sanchez Mejias, morto em combate, a partir de um poema de Garcia Lorca. Mais tarde, fiquei sabendo que ele conservou apenas 0 quadro da direita do triptico. O artista nao desvenda todas as suas fontes, nao conta seus segredos de fabrica, alguns dos quais foram revelados depois de sua morte, 4 luz de documentos descobertos, justamente, na confusao de seu atelié. Durante uma de minhas visitas — tera sido a primeira? — sugeri-lhe deixar-se fotografar por uma modesta camera descartavel comprada no aeroporto. Sao, creio, as inicas fotos que tirei na vida. Ele se prestou a brincadeira, posou alegremente e me deixou captar a esmo algumas imagens indiscretas dos lugares. Essas fotos tém mero valor de tes- temunho. As “conversas” que se seguem deram-se em francés, lin- gua que ele dominava com a engrenagem de um velho dialético. Elas retinem a maioria dos grandes temas que Francis Bacon, obstinado, nao cessou de abordar, de rei- terar ao longo da vida: a arte, a vida, a morte, as paix6es, grandes temas universais, mas também seu trabalho, suas amizades, suas viagens, suas leituras, 0 alcool, Picasso, Giacometti, Velazquez, of course, até seu interesse pelos vi- deastas... Falar o divertia. Falar o excitava. Falar, para ele, org uma arte. Nao hesitava ava em pisa re , dissecar uma ideia, em | : ju tar com tthe um inch4-la, equipado com vitiog Palavyy Preconizando t zZ ambém, 4 * Sua aseunito, er para me jhor destr sc fosse 0 CasO um discurso habilmente tortuoso até na me como se quisesse, mais uma vez, desperta CVOCaRi " iT seus familiares. Sempre exigente, as vezes lacunar. mé adorava provocar ~ € seduzia, nao sem humor. conversas gravadas e as anota ; ic6es feitas durante encontros, tentei pincar as declaragdes que Conversas com Francis Bacon O artista me mostra sua casa. FRANCIS BACON: Aqui, tinham dois quartos, derrubei uma parede. FRANCK MAUBERT: Ora, nao tem abajur, apenas lampadas soltas como nos ateliés de antigamente e... como nos seus quadros. FB: Prefiro as iluminac¢es mais agressivas e nao gosto muito de abajures, é o que usam nas salas de bilhar. Nao gosto de decoragées para casas, é inutil. FM: No entanto o senhor foi decorador... FB: O que fazer quando somos jovens? Quando somos jo- vens, avangamos e nao sabemos muito aonde vamos. Entéo, por ane Bios rae ? Mas nio fiz nada de original. Franck wna r, e até ve ndedor de lingerie feminin, ; a, particula orador. E engracado, eu que tenhg a Entin, ao disse, dee 4, moveis € desenhei tapetes! Que p, a yracao cre! me ' a dect hor desenhava moveis, cadeiras, mesas pu; O sen espelhos Ainda é possivel vé-los em algum liga nha, nao sei bem onde; fora: pp: Talvez na Alemai : i durante a guerra... Uma mulher alema com pa: Qual era 0 espirito desse mobiliario? busier ¢ Charlotte Perriand. Na época, eu achava of Iho deles interessante. Eu desenhava mesas, es poltronas nesse espirito, e cheguei a comprar uma cadeiras, que eu apreciava como escultura. Mas, deira, nao era nada confortavel. Eram belos objeto: “dinicos”. : ru: E dai que vem sua inclinacao pelo que « Conversas com Francis Bacon 3 eM: Clinico é frio, distante? rp: Uma espécie de realismo, mas nao necessariamente frio. Ser “clinico” nao é ser frio, é uma atitude, é como decidir alguma coisa. Mas é verdade que em tudo isso ha frieza e distancia. A priori, nao ha sentimentos. E, paradoxalmente, pode provocar um enorme sentimento. “Clinico” é estar o mais proximo possivel do realismo, no mais recondito de si. Alguma coisa de exato e afiado. O realismo é uma coisa perturbadora... FM: Uma relacao direta com sua vida e sua pintura, tal- vez? FB; Sim, sem duvida alguma. E sobre nés mesmos que de- vemos trabalhar em primeiro lugar... Eu queria alcancar uma pintura “clinica” no sentido em que Macbeth é cli- nico. Os grandes poetas sao formidaveis disparadores de imagens. Suas palavras sao indispensaveis para mim, me estimulam, me abrem as portas do imaginario. rM: Tenho a impressao de que o senhor é atraido pela poe- sia, naturalmente, mas principalmente pelas tragédias. Se- sarcomas ee Franck Mabe asta uma palavra Esquilo nao tem igual As vezes, b judam. A pi ; as me ajua jam pintar, sim, e sobre }s poet hakespe 4 falacao, arroubos liricos, G ; OSto, aci aspecto. C i wo ; st are pode dizer coisas tao agudas a viver. « sing es, ha muit a 10, de Macbeth... Nada mais aterrador, mais h que Macbeth Eo concentrado do mal. d rw: O senhor parece precisar ser impactado por pal a imagens para pintar. Isso Ihe é realmente indispensg as vez de tud rp: Sou desse jeito. As coisas banais, comuns, nao me are. batam. Nao gosto das coisas superficiais. E mais forte que eu. Quando leio os ultimos versos de “The second de Yeats, fico mais tocado do que por qualquer p hist6rica, qualquer imagem de guerra. Levanta-se, pega na prateleira de sua estante a antologia. ¢lé numa voz quase neutra, sem énfase: Fe: “And what rough beast, its hour come around at ‘Slouches towards Bethlehem to be born.”* Conversas com Francis Bacon 25 rm: Como 0 senhor se acha no caos que é 0 seu atelié? Toda essa “sujeira” é antagOnica a sua ideia de pintura “clinica”, nao? rp: E verdade, é um pouco nojento, mas isso nao é o essen- cial. As vezes me ajuda... O essencial esta em outro lugar. FM: Seus “disparadores” podem também ser fotografias ou imagens, nao é? FB: Sim, claro, imagens com vida, como as do olho cor- tado do Cao andaluz de Bufwuel e Dali. £ fantastico! A fotografia me da uma ajuda, me serve de apoio, me sus- cita e provoca imagens. A fotografia me permite arrancar, depois eu risco, subtraio, apago. No fim, nao resta mais muita coisa da fotografia originaria. Na verdade, ela me liberta da necessidade de exatiddo. B um maravilhoso dis- parador. Sabe, logo depois de sua invenco, a fotografia transformou totalmente a pintura e a visao dos pintores. A fotografia engendra ouras imagens. Quem pode ignorar isso? Ha instantaneos que nenhum pintor poderia captar. Movimentos... Frang kM, ber mento dos corpos, ma: f 8 fal tava g pordage™ do movi abore tei ir mais longe qu a sempre ten wade cao. a pu A image™ entao é necessdtia para a : 4 partida... ia ponto de magem é uma fonte, €, mais que i que isso, um as, mas you encontrar uma palavra majg Bla sugere, € ainda mais violenta. Gosto da forca dag vras. Quem pode substituir Yeats, T.S. Eliot, Shal Racine, Esquilo? A leitura de Esquilo me impée i ; engendra- -as dentro de mim. Nunca me cansarei ‘acca : ores me estimulam. Seu poder continua insul sacudir a realidade e torn4-la ainda mais crua, re; Sim, 4 it grador de idei aut para rm; Compreendo que a pintura sinistra de Esquilo, todo seu horror o tenha seduzido, cet 7 e a0 lado dele... seus crimes € quase insignificant re: Sim, a Oréstia é consideravel, ha nela uma vigor e uma profundidade incomparaveis. Fran, ck May ben 28 ambém o choque das im, z Agens 4 a pu: Nao houve t raceme i ido Potemkin, de Eisensteiny berrando n° Encoura¢a _ ssa baba que berra, que han a, é, Potemkin. é nao pode imaginar, cecou, VOC! sombrou, obcecou : ‘a a ~ tentei usar essas fotos, para a boca, mas nao fung; nunca funcionou. A imagem em Eisenstein é melhor também tinha descoberto um livro, quando estaya all ris, com pranchas sobre as doengas da boca, Pranchas em cores magnificas. .. Do mesmo vermelho que a sotaina dy papa. Tudo isso me obcecava. FB. rm: Interessou-se por outros cineastas? rs: Amo o cinema, como o do Bufiuel do inicio ou, m : outro género, o de Antonioni, do qual me sinto p do Deserto vermelho, de La Notte... Na Franga, o de Jeat Godard; este dividiu. Mas esqueco os titulos: Alphav Conversas com Francis Bacon 9 2 pretos, dos vermelhos e das iluminagées douradas... Acho que é em grande parte inspirado numa histéria real. Ha também uma pega de teatro de John Osborne, A Patriot for Me, sobre essa historia... rm: Qual foi a primeira obra de arte que 0 marcou? rp: Todas essas lembrancas estao bem distantes. Eu devia ter uns 20 anos. Morava perto de Chantilly, na casa de uma familia onde aprendia francés e decorava apartamentos. Que horror aquilo tudo! Havia o Museu de Condé, onde eu tinha visto uma pintura admiravel de Nicolas Poussin, O massacre dos inocentes. Fiquei extasiado... O mais belo grito da pintura. FM: Mais que o de Edward Munch? FB: Esse eu descobri mais tarde. rM: E foi o quadro de Poussin que lhe despertou a vontade de pintar? Qual foi o clique? FB: Nao, nado exatamente, mas adoro as composicGes de Poussin. E seus azuis e amarelos! Magnifico! Seu “grito” me fez refletir, eu quis representar 0 melhor grito humano. O clique foi um pouco mais tarde com Picasso. Picasso, em | 0, n Franck Maup ert pos enormes. Aquelas c ‘enas d, le pos forni em e t nidos abrem e fech, a ‘am, Cabineg nto tive tive uma sensacio estr, ‘anha, mulheres com cor] heres com Cor] Naquele mom! isso é uma fonte de sensacées Para mim, 44 enti realmente von tade de pj le pint, ar. que mul de banho. E ainda hoje sait da galeria, S ru: Bo que fez? FB: Experimentei, fiz uns desenhos, umas a muito conclusivo. a Nada ntio o verdadeiro clique foi o qué? FM: BI Mais tarde i , em Londres, tive outro “clique”, , COMO voce voce FB: diz, di , diante da bancada do setor “agougue” nas | ‘as lojas Har- ae adoro os vermelhos, os azuis, os a = ee carne, nao é an Qu ica me ie sempre surpreendente nao carne. E depois ha um ee s Conversas com Francis Bacon 3 rm: A carne pertence ha muito tempo a histéria da pintura. n todo caso, o senhor nao conhecia nem Rembrandt, por mplo, antes de sentir essas emogées? ao. E nao era uma emogao estética, pois nossas emo- es raramente sao estéticas... Era Rembrandt quem dizia: e: o cheiro da pintura nao é saudavel.” Por que sempre desnudar os corpos? 10 eu lhe disse, minha pintura é primordialmente do to. E um instinto, uma intuigdo que me leva a pintar tarne do homem como se ela se espalhasse para fora do po, como se ela fosse sua propria sombra. Vejo-a dessa ira. O instinto esta misturado 4 vida. Tento aproximar to 0 mais perto de mim e gosto desse confronto com a essa verdadeira escoriac4o da vida em estado bruto. Conversas com Prancis Bacon 2 mais forte, e nao somos, afinal de contas, homens nus face aos sentimentos? pm: Seria possivel afirmar que sua pintura é autobiografica re: Pensei, num certo momento, em contar toda minha vida como uma reportagem, desde o nascimento. Depois desisti da ideia. Sabe, a vida é um verdadeiro desastre. Nunca alcancei 0 que eu queria. rm: Maso senhor pratica, 4 sua maneira, uma autoanilise... FB: Pode ser que no fim das contas eu faca uma longa ana- lise, permanente, sobre mim mesmo. (Ri.) Isso me lem- bra “o desregramento dos sentidos” de que falava Arthur Rimbaud. Sim, talvez seja isso que eu ponha em pratica. Trabalho sobre mim mesmo. rm: O senhor disse em algum lugar: “Fui sempre um oti- mista, mesmo nao acreditando em nada.” FB: Em nada. Nada. Quando morremos, nao prestamos mais para nada. S6 nos resta ser enfiados num saco plastico Frang kM, ber s6 é boa para os politicos: uma maneira eogr le digas pessoas: Por que homens inteligentes co disc; mo Claudel era iJéncio. Ele se levan i range levanta, dd alguns passos, senta-se g Se de Plina, rt S. Bligg z ou m crentes? daescrivaninha onde estamos. rm: Nada de religiao, tudo bem, mas form: is ee a deteve-se no tema da crucificacdo a de. - Nao con pintando cruci i Ta cificag6es, e€ pintou outras du: inte = , a Sim, mas isso nao era religioso. sae Tepresentacao da O rosto de Francis Bacon exerce certa fascinagéo. Sempre em movimento, Assimétrico, dd a impressdo de se desarticular. Su- cessivamente sua pdlpebra franze, seu olho se revolve, sua boca se distorce. Vendo-o falar, como nao pensar num de seus autor- retratos? FM: Acho que era André Breton que dizia a respeito de Marcel Duchamp: “Ha pessoas que nascem extraordinarias e ha outras que se tornam extraordinArias,” rs: Extraordinarias? Sabe, muita gente me diz que sou um grande pintor. Mas eu nunca saberei se sou um grande pin- tor... Pinto apenas com meu instinto. Apenas tento recriar as imagens que tenho no meu cérebro. rm: O senhor aprendeu a pintar? FB: De forma alguma. Nunca sei como fazer uma tela. A coisa vem — ou nao vem — com o trabalho. Sabe, se pinto, é um pouco por acaso. Aprendi sozinho e nunca pensei que fossem se interessar pela minha pintura. O fato de viver isso 6 uma sorte. Nunca pensei em fazer, como se diz, uma carreira. Tenho horror a essa palavra, nao tem nada a 35 F Tanck Ma rabalhei, trabalhei. Durante dez 4 in yo, Eut or comigo i ver ct js vezes ainda me acontece de » ey — Pensay uia tudo. E pe destt ta: d a continuado a destruir tudo! dever a a necessidade. wie ssa razao, essa Nl » QUE Og pu: B é por ¢ enhor con, tinua? ep: Continuo talvez porque minha obsessao foge 0 mey controle. A criagao é uma necessidade absoluta que todo o resto. Bu nao pensava em ganhar a vida com minha pintura, pensava apenas em me explicar comigo mesmo, ss criagdo é como 0 amor, vocé fica impotente. E uma neces. sidade, ponto final. Na hora, a gente nao sabe muito como as coisas acontecem. O importante é que acontega. Para 9 individuo, isso é tudo. Depois, podemos nos divertir, char explicagdes... No que me diz respeito, é em primeiro lugar para mim mesmo. Naturalmente, se podemos vive é melhor. ¥: O senhor é autodidata e aprimorou técnicas qu nhor mesmo criou... z s: Nao sei como fazer uma tela. Descobri ando, Por exemplo, preparo mit jonversas com Prancis Bacon 2 co de 1a, imitando flanela. Estavam convencidos de pastel: ficaram brancos quando lhes expliquei que lente mergulhara meu indicador e um Pano na Oeira que recobre o chao do meu atelié. O que 4 que a poeira para uma roupa cinza? & ideal as aqui. Depois, fixei-o como um pastel, sobre iquarela cinza. Vocé nao aprende esse tipo de jas-Artes, verdade, nao aprendi nada numa escola de arte. lo olhamos ao nosso redor quem saiu de uma... stre. Nao me arrependo de nada. Sim, me arre- ao ter aprendido grego antigo. Disso, sim, me . Dessa forma eu poderia ter lido meus autores . Infelizmente, por falta de cultura, fiquei res- 4o. E um pouco frustrante. hos daria a um jovem pintor? Bo s? Ora, nada, nenhum conselho especial. Ape- aceitar quem ele é. E s6 abordar temas que 0 Outro dia, Estamos Sentados ag Tedor de Sud mesg atulhadg de SOs documentos S4arrafas ¢ Copos Francis Bacon eo FM: Alguma Viagem 0 Marcou? FB: Amo a Europa eo Egito, ainda que a, queé igual a Broadway. Fuia Itdlia, a Napoles, . Marchand Claude Bernard. Na Villa Médicis Bak thus, sempre simpaticissimo, Oplano do mudado, estava co; Balthus. Dos 23 re sidentes, 17 €speravam filhos, c do, é Procriacio. .. (Risos,) Eles no Conversas com Francis Bacon 0 Como pintores ou poetas, eles dao tudo em suas obras, E é possivel esperar outra coisa? Giacometti, por exemplo: nao acrescenta nada conhecé-lo. O essencial é que suas obras nos tocam. Mas certamente existe uma interacao entre a obra ¢ o homem... Até mesmo aqui, em Londres, nao co- nheco quase ninguém. Dois pintores ou dois poetas que se encontram nao se dizem nada. Nada, ficam mudos. Ri com sua risada em cascata. FB: Desculpe essa bagunga toda... Chega de café. Vamos tomar um pouco de champanhe hoje, certo? Vamos do seu quarto-escritério para a cozinha-lavatério, onde, acima de uma banheira com pés, estdo penduradas meias e cue- cas. Ele abre uma geladeira pequena onde estéo guardadas al- gumas garrafas. Escolhe uma de Krug e nos serve uma prova, em tacas simples, apds té-la aberto com delicadeza. Por iniciativa propria, poe-se a discorrer sobre Ingres... rB: Monsieur Bertin, de Ingres, é uma constatagdo compa- ravel a uma pagina de Proust. Ele fez grandes imagens, de- -estar, alj arealidade abandona seus fantasmas. (Risos.) a a onde ; . Ss.) eng feiura pode ser interessante e fascinante, ni a : , NAO ach; a? ru: A famosa “beleza dos feios”’. i Queado a maioria das pessoas jul sae * oe nao compreendem ae oa — ae E uma questao de oeesiall 2 z le. Na verdade, de instinto. Mas, ial , anversas com Francis Bacon FM: O senhor é um solitario? FB: De certa forma. Conhe¢o gente nos pubs, mas as pes- soas nao gostam de mim. FM: E a critica? FB: Que critica? (Dd um tempo, depois num tom quase alegre.) Li alguém que escreveu a respeito da minha pintura: “A carne do avesso do rosto, que olha.” Acho isso bem perti- nente, concorda? Fm: Uma cabeca-carne... O senhor se diz mal-amado, mas assim mesmo adquiriu uma notoriedade internacional. FB: Nao me queixo. Meus quadros sao muito dificeis de vender, vocé sabe disso. Essa moda de comprar telas para se forjar uma identidade é aberrante, nao acha? Isso ajuda Franck M, jstirem Hoje, a pintura é cong; ox iderag etimento mais C0 ‘ as contemporaneos compreenderam formam seu trabalho numa m, pM muito forma fabricado, artificial, como sh, ie tudo € de tal ito Schnabel, mas ha muitos outros, J4 ey pintura, da pintura que nao mente, eu compatriota David Hockney? pp: Hoy nabel Ci de verdade da ew: Ea pintura de s rp: Conheci muito bem David, mas nao 0 vejo mai ; como aos outros. Sua exposi¢ao na Tate fez muito sucesso que a minha. Era mais acucarada, podia-se ir em familia... rM: E os outros pintores? re: Na pintura contemporanea, nao existe nada. aesperanca de descobrir jovens, mas nao existe n é triste é que hoje tudo é muito académico. Pi a opescoco do academicismo... Em seus Maar ou Marie-Thérése Walter, vemos 0 FM: E.., Balthus? anversas com Francis Bacon ce yp: Ah! Aprecio particularmente as videoesculturas da ar tista belga, acho, Marie-Joe Lafontaine Em especial seu trabalho inspirado em Garcia Lorca. Ela tinha recriado 0 espaco de uma arena com varios televisores. O espectador se via cercado pelas imagens. Eu me lembro também de Victoria. E interessante: duas mulheres discutindo. Era extraordinario, ela acrescentava uma impossibilidade... E na White Chapel, em 1986, intitulava-se, creio, As lagrimas de ago: pensamos estar vendo rostos, mas sao eles que nos veem e fitam. rM: E possivel aprender a ver, a ser sensivel e receptivo? Fisionomia de quem se interroga. rs: E dificil explicar por que Joyce é um grande escritor. Ulisses é seu melhor livro, ele torturou, pulverizou, des- mantelou a lingua... Ele inventou uma técnica, um estilo, que leva bem longe. Gosto daqueles que pesquisam, des- montam, desossam, inventam. Dai meu grande interesse pela obra de Picasso. Gosto imensamente de Picasso. FM: O que o apaixona tanto em Picasso? FB: Tudo. Todo Picasso. O homem € fascinante. E toda sua obra fervilhante, imprevisivel. Sua escultura, seus desenhos. Sem ele, acho que eu nunca teria tocado num Pincel. FM: O senhor também alimenta uma verdadeira paixdo Pela arte egipcia. Franck yy ay gipcia- A estatuaria egipcia é 4 f - ma pp: Adoro a arte e dade escandalosa. Levanta-se, pega "4 lareira um livro-d é pese [bum dedicag Abre-0 ao acaso. 0 ao f pr: A estatuaria egipcia é a maior dace . - ; Esse escriba com oS olhos debruados em 0. Veja, ees 6 : verde. plo: é de um realismo que salta aos olho; Es Ss Com: © Uma de. flagracao. Era o que os surrealistas queri 2 : i nao conseguiram. Apenas Picasso, as a chegado 1a. ae tenha Vira as paginas e se detém. Aproxima o li pouc dos olhos. aa re: E uma esc| a: a em madeira de sicémoro, a a 7 veg forca na expressao! Voot freee eo. Cairo, Rahotep e sua c maravilhosas que conheco, _ * Folheia o livro em siléncio, depois prossegue. Conversas com Francis Bacon pm: O que 0 leva a continuar? rp: Quero trabalhar até a morte. Fazer melhor me estimula. Fazer muito melhor. Alguma coisa que me toca ru: Onde busca energia? rp: Nao sei. Sabe, nado tenho nenhuma razio. Sou otimista por natureza, ainda que no acredite em nada. Sou uma espécie de niilista otimista. Hahaha! Ri, vira de costas, a garrafa de chablis da Harrods na mdo, pronto para nos servir. rs: E um pouco acucarado esse vinho, nao acha? £ difici- limo achar bons vinhos na Inglaterra. E possivel encontrar, mas, sobretudo o branco, a precos exorbitantes. E muito caro, mas enfim... Muitas vezes me arrependo de nao ter mais meu apartamento em Paris. Eu ficava na rue de Bi- rague, entre a Place des Vosges e a rue Saint-Antoine. Eu tinha um cémodo grande no segundo andar, a luz era boa. Melhor que aqui. Pinto sempre 4 luz do dia. E adoro a luz de Paris, Prefiro-a 4 de Londres. Mas gostava mais de sair que de trabalhar! Na minha opiniao, Paris é a cidade mais bonita. Sempre fui lé de tempos em tempos. Depois, deixei cae lt ppp icine Beppe Pae a Frame Merten . wk . ventkovic. E fe tinha um belo apartame rn: Biss : to de > By grico, mas na0 gosto muito do seu trabatho, Ele srriparic : ‘ave, t senha se inspirado um pouco no que eu fazia Mas dos outros, s¢ isso nos leva maig his nao “sarrupiat Sua mulher era um pouco... como dizer? Intrigante e yw: Acho que ele utilizou setas, como 9 senhor Quando o senhor aponta, por exemplo, um joelho f Desculpe, mas nao compreendi a “utilidade” dessas Setas, rw: E verdade, elas nao tém mais razao de ser, voce primeiro a me dizer isso. Essas setas sto uma mi Se acrescentarmos uma seta nesse rosto de exemplo (Me mostrando a reproducdo de um b antiguidades egipcias), seria totalmente idiot: " Muitos pintores o imitam hoje em f com Francis Bacon Conversas ‘ a; Como éum dia de Francis Bacon? O senhor Parte ime diatamente para a pintura, assim que acorda? rs: Ah, nao! Dou um tempo e tomo ch4, muito cha. De- pois, vou para o cémodo ao lado, o atelié, Quando estou trabalhando em alguma coisa, tenho vontade de ir logo. Isso pode levar alguns dias, muitos dias, algumas semanas, Jame aconteceu de pintar tripticos em dez dias. Quando a coisa anda, é fantastico. Nunca sabemos essas coisas, Em geral, paro por volta de uma da tarde e vou ao restaurante. Adoro 0 intervalo do almogo. rp: E depois? FB: Bom, a tarde, passeio, vou a um pub, depois a outro. E 0 tempo passa até a noite. As vezes visito um amigo... Sendo, circulo. “Drift”, “drift” em inglés, um pouco como um barco... (Pega um diciondrio, que tem sempre ao alcance da mao.) Foi minha amiga Sonia Orwell quem me deu este diciondrio. FM: Perambular? FB: Nao, nao exatamente. E “to fool around”. Aqui esta, € “se deixar levar”, “ficar & deriva” Rol ts i=l Ce § Pmt » beber. Vinho. Compreend, Ndo. “0 mui pp: E, gost tipo de vinho durante minha vid TO ben a. Sin goes Bebi todo a sutileza em cada garrafa. Beby lf owe MUito, Rey ha tant sempre muito... E 0 Alcool nao me ajud. ‘a Na pi intura pelo contrario! ru: O senhor comegou essa “deriva” na i sua; parece, E uma escolha, essa vida, digamo: Juv i , 8, “abe | ica | | rp: Gosto dessa palavra. “Caos”. Minha vida ah z hae i Vida nao passa de uma série de eventualidades. ea 2 - Como a de togy individuo, certo? a FM: Talve jouco mais que a suj eZ uM pouc de um ijeito qualquer, s.com Francis Bacon Conversa zs wi; Dai a sua paixdo pelo jogo ' E pp: Talvez. Gosto muito de jogar na roleta. Adoro 0 acaso em todos os dominios. Mas, de toda forma, terminamos sempre perdendo, nao é verdade? siléncio, depois ele prossegue. rs: Detesto a Irlanda. Nasci la, mas meus pais eram ingle- ses. E meu pai era protestante, fui batizado assim; mas, na realidade, ele nao era muito protestante, eu tampouco. Dispenso as religides. rm: Guarda, apesar de tudo, algumas boas lembrangas de sua infancia? rg: Eu gostava muito da minha av6, ela era fantastica, ca- sou-se trés vezes, dava festas fabulosas, frequentadas pelo Aga Khan. Lembro-me dos quartos arredondados de sua casa, “Farmleigh”. Eu dormia num desses quartos. rm: Arredondados como as formas que o senhor pinta? Bragos arriados, dé de ombros. EB: Who knows? Fm: Em que condic6es deixou seus pais? F8: Olhe, 6 uma historia bem curiosa. Um dia, meu pai Soube das minhas preferéncias sexuais, depois, em outra casio, me surpreendeu vestindo lingerie da minha mae. Eu devia ter 15, 16 anos, nado muito mais. Ele ficou de tal Franck Maubere 60 me botou porta afora. Por fj ” ir m, ) The sostoso que a fim de que ele me edu ICasse, - Ble forma desg' entregou 4 um amigo me dava trés livros POF més. nsciéncia de sua homossexual ‘ual dade 2 rm: O senhor tinha CO! a! Bu transava com os meninos da anhia dos cavalaricos, isso y di homossexual, isso sim. : sciéncia? Hahahi FB: Con amava a comp: estrebaria, tudo. Eu ja era completamente ru: E como se vive a homos: i sexualidade a0s 15 a1 NOs? rs: Sal be como é, era como uma deficiéncia. E - Eu nao podia fazer absolutamente nada quanto a isso. Mm: Entdo era dificil? FB: Sem] i aoe gostei das pessoas mais velhas do que pa i a nama u era um fora da lei e ainda sou um Po aan on ser natural. Isso nao é vida. O senh a E mn Ao amor é uma doenga dolorosa, penosa, mas eel ad m Francis Bacon Conversas c0 Cs mulher, que foi modelo de André Derain e namorada de Georges Bataille. px: Quais eram suas ambig6es quando crianga? O que que- ria fazer ou ser? ys: Ora, nada! Absolutamente nada. Eu queria nao fazer nada. Sonhar, talvez. Por que se fazer perguntas nessa idade? rm: Entao 0 que acontece quando seu pai o entrega a esse “amigo”? rs: Ele queria que ele me educasse. Era um grande sedutor de mulheres. Viajamos pela Europa. Nos hospedavamos em grandes hotéis e nos fixamos em Berlim. Devia ser 1926. Ber- lim era, naquele momento, a cidade mais livre do mundo. E, em matéria de educacao, me vi na atmosfera de O anjo azul. Fu: Eo que se faz em Berlim aos 16 anos de idade? ra: A Berlim daquela €poca era dificil, e acho que mais tarde, sem que eu tivesse consciéncia, isso influenciou mi- nha pintura. Todas as noites, percorriamos os bares e caba- rés, Nas ruas, havia todos aqueles pequenos espetaculos de Franck M, aber, sin, mas isso no ME interessava em nada, nunca apr re: Sim, i { : e pressionis™0. é um lixo, 0 lixo da pinturg den ‘U cici 0 &X ‘ . 4 choque nao se ‘ 5, o chog leu. Aceita Pr ais ropa ¢ entral. Comige um pouco de vinho? Ble nos serve mecanicamente, brindamos. em; O senhor Jé muito, parece... ’ rs; Claro! Como imaginar a vida sem a literatura 4 . , Seas livros? B uma fonte fabulosa, um poco para o imagins.: Marcel Proust é um cirurgiao. Com a Recherche, - = cou uma disseccao. Prati. rm: Entre seus contemporaneos, tem preferéncias? Siléncio antes de deixar escapar: FB: Gosto muito de Aragon e de Marguerite Duras. Foi ela quem escreveu em algum lugar: “Para criar, € preciso colocar a liberdade na prisio.” a «com Prancis Bacon a comers acon nos serve wma taga de chablis, depois fica pensativo, px: Liem algum lugar que o senhor nao gosta de filosofia. Isso na verdade me espantou. re: Quem disse isso? Dizem todo tipo de coisas sobre mim. ym: Por que sobre o senhor? rs: Provavelmente eu falo demais. Risos, Esvazia sua taga e logo pega a garrafa para enché-la de novo. rs: Um pouco de vinho? rm: Outro dia, o senhor me disse: “Ha 0 nascimento e a morte. Entre os dois, ha a vida. Ponto final, isso é tudo...” FB: Sim, é isso. E acrescento até que, entre os dois, faze- mos 0 que podemos. Mas quando eu morrer ficarei, de toda forma, extasiado se encontrar alguma coisa, ainda Franck Mabe f necessaria a mentira para chega, ra sais corregao a ae a verdade muda A verdade é a mentirg mie ver os politicos, os economistas... Quem detém : weraede? Ninguém detém a verdade de forma definitiy, nto a pena falar da pintura Porque £ depois, nem vale ta no fim nao se diz absol pintura, fico sempre um Pp jutamente nada. Quando falam de jouco perdido. yu: O senhor fala sobre ela com outros pintores? rn: Numa ocasiao, eu conversava com Giacometti e falj, vamos de Picasso. Ele me disse: “Ah, mas por que tod essas variacdes?” Respondi: “Ah, mas por que nao?” £ = maneira de trabalhar. Ninguém pode censura-o por isso, rm: E bem verdade que depois da sua primeira Crucifica- do seu trabalho também ficou homogéneo, Parece que o senhor escava cada vez mais 0 mesmo sulco, Fs: Sim, nao posso fazer outra coisa, Prossigo em meu tre balho com a mesma obsessao, nao posso fazer diferente. Penso que nunca mudamos. Mesmo Picasso, no! eas com Prancis BACOM 6 cons Um pouco de vinho? FB Giacometti nao fez “variag6es”, mas como nao o ad- eu: mirat? pe: £. Souna verdade um grande admirador de seus dese- nhos. Seus desenhos sao mais nervosos. Quando falamos de pintura, o que podemos dizer? O que podemos dizer das ndes obras de Velazquez? De um grande Rembrandt? Dos pastéis de Degas? De Cézanne? Das obras-primas de van Gogh? Ele chegou perto da verdade. Com todos os grandes artistas, é sempre um passar 4 margem. A pin- tura é uma linguagem em si, € uma lingua 4 parte. Nin- guém é capaz de falar dela. E por que falar? O melhor € contempla-la. Siléncio. rs: Tenho uma grande admiracio pelos pastéis de Degas, seus nus femininos, aquela mulher de costas cujos ossos percebemos, como uma espinha de peixe sob a pele. Comento uma plaquette dedicada a Giacome numa prateleira de seu quarto-escritorio, on selevanta, dé alguns passos, a folheia e volta a perto da escrivaninha, Examina a foto do p e Franck M, ‘Auber, 66 5 senhor pintou 0 retrato, yan? i quem ¢ heci Giacometti no fim de sua vid: ‘a, ZOstaya de heio de bondade. Ele tinha o ag Era um homem superinteligens s nao efetivamente a a Pin. pp: Sim. Con! seu rosto formoso c triste, mas nao 0 era. lavamos de tudo. De tudo, ma: tura. Ele tinha essa caracteristica, compreendia todos og aspectos de um tema a0 mesmo tempo, como : 5 oH ao redor. Depois da guerra, eu tinha uma amigo Sirasse tirado umas fotos de Giacometti, em seu atelié cal » quando ele fazia seu Cao... rM: Esse Cao, do qual ele dizia: “ , : “Sou eu. Um dia , Me vina rua, como se eu fosse 0 cao.” rs: B, aquele jeito triste... Mas ele nao er sozinh s. cA a 40 i sim. Ah, seu atelié era uma verdadeira naturez; Z ‘a morta, FM: Oseu atelié também é wu: o de Giacometti. Se es _B: Nao tao bonito! (Risos.) Sentados no restaurante Bibendum, em Londres, diante de “is garrafa de Chateau Léoville Las Cases 1961. pe: A vida é chocante. Tudo que dizem também... yw: Talvez, nem tudo... rw: Mas quase. (Gira o vinho em seu copo, admirando sua tex tura.) Que vinho, observe seus tons de vermelho... Rem. brandt... FM: Quais sao seus projetos? a: Espero sempre fazer melhor. Persigo a pint = é possivel alcanca-la. Quero traball Vee Coe ls ie ; ro ded ad /

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