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R E V : 1 2 D E N O V E M B RO DE 2 0 14

MICHAEL TUSHMAN

HILA LIFSHITZ-ASSAF

KERRY HERMAN

Houston, temos um problema: a NASA e a inovação aberta

Era janeiro de 2011 e Jeff Davis, chefe da Diretoria de Ciências da Vida Espacial (SLSD,
Space Life Sciences Directorate) na NASA (National Aeronautics and Space Administration ou
Administração Nacional do Espaço e da Aeronáutica), e Elizabeth Richard, estrategista sênior
da empresa Wyle Integrated Science and Engineering Group, ficaram no fundo do auditório
assistindo ao workshop que eles passaram várias semanas preparando. Intitulado "Inovação
aberta: lições aprendidas e próximos passos", o workshop reuniu diversos professores muito
conhecidos por suas pesquisas em inovação aberta (ou, em inglês, open innovation).

Quando cortes drásticos no orçamento forçaram Davis e Richard a repensar os


processos de pesquisa e trabalho da SLSD, em 2005, a inovação aberta surgiu como uma
ferramenta que os membros da organização poderiam utilizar para seguirem com suas
pesquisas e tecnologia e colaborar com a eficiência da saúde e do desempenho humano no
espaço. Em 2008, como parte de um plano estratégico maior para garantir que a SLSD
operasse dentro do novo escopo orçamentário, Davis introduziu a inovação aberta,
apresentando-a como uma das várias alternativas que permitiriam que os cientistas e
engenheiros da SLSD continuassem com suas pesquisa e inovação com parceiros de fora da
organização. A partir de 2008, Davis realizou esforços contínuos, tanto formais quanto
informais, para disseminar a inovação aberta como uma abordagem viável na pesquisa e
desenvolvimento tecnológico da SLSD.

O diretor e a estrategista organizaram o workshop para apresentar as percepções de


projetos pilotos de inovação aberta que tiveram grande sucesso no outono anterior. Cerca de
60 membros da equipe de liderança da SLSD foram convidados a participar do evento. Vários
desses membros haviam sido os primeiros a adotarem a inovação aberta e estavam
entusiasmados com a promessa dessa alternativa de pesquisa e a experimentação. Por outro
lado, muitos outros haviam demonstrado pouco interesse, estavam confusos quanto à
abordagem e, em geral, estavam céticos e resistentes.

Davis e Richard estavam entusiasmados com o workshop, especialmente com a


apresentação de resultados desafiadores que mostraram o quanto a inovação aberta poderia
ser eficiente na SLSD. A dupla de líderes esperava que os resultados e o evento convencessem
os membros da SLSD a incorporarem a inovação aberta às suas pesquisas cotidianas. Eles
tinham trabalhado no planejamento por semanas, esperando que os resultados dos projetos
pilotos persuadissem seus colegas mais resistentes.

Em vez disso, Davis e Richard ficaram atônitos no fundo da sala enquanto alguns
colegas rejeitavam de forma retumbante os resultados como se não tivessem relação com seus
trabalhos. Eles ficaram surpresos com a reação emocional aos projetos pilotos de inovação
aberta. Alguns estavam descrentes de que pessoas de fora, e não especialistas, poderiam
ajudar a resolver grandes problemas científicos; outros resistiam em integrar a inovação
aberta em seus laboratórios, chamando-a de inadequada para suas pesquisas especializadas.
Muitos expressaram relutância na incorporação dessa abordagem ao seu trabalho cotidiano.
De volta ao seu escritório, Davis observou: "Eu realmente não esperava essa resposta. Temos
fornecido informações sobre essa abordagem por dois anos. Foi como ver uma bola
murchando. É frustrante". Richard disse: "Não. Foi pior. Foi como uma bola de vidro se
espatifando".

A NASA e a SLSD

Em 20 de julho de 1969, a NASA enviou homens à Lua. A partir dessa conquista


monumental, a agência passou a ser o local central da inovação na exploração espacial,
produzindo novidades tecnológicas e científicas com implicações significativas tanto para o
espaço quanto para a Terra. Em 1972, o programa Apollo enviou o último astronauta a
caminhar na Lua. A partir de 1981, o programa do ônibus espacial (space shuttle) ajudou a
construir a Estação Espacial Internacional (ISS, International Space Station). A partir do final
dos anos 90, a ISS passou a funcionar como base de pesquisa para os astronautas das nações
parceiras e para pesquisa espacial contínua. A NASA liderou o desenvolvimento da ISS, que
envolveu outros 14 países, continuou a enviar astronautas ao espaço e a lançar ônibus
espaciais, mandou veículos robóticos de exploração para Marte e implantou o telescópio
Hubble, ações que contribuíram para a compreensão humana do universo. Com a conclusão
programada da ISS em 2010 e o plano de aposentadoria do programa Shuttle em vista, a NASA
anunciou sua próxima meta ambiciosa: o programa Constellation, que convidava parceiros da
indústria a explorar e refinar conceitos que "ajudariam os Estados Unidos a retornar à Lua e,
finalmente, viajar para Marte e mais além".

As ciências da vida sempre foram parte integrante do Johnson Space Center (JSC), o
coração das operações envolvendo naves espaciais tripuladas da NASA. Localizado em
Houston, Texas, o JSC operou pela primeira vez em 1963. O centro incluía laboratórios de
pesquisa, instalações de teste, um aeroporto capaz de operar em quaisquer condições
meteorológicas, instalações de lançamento e outras infraestruturas necessárias para
coordenar e monitorar todos os voos espaciais tripulados dos EUA, bem como fornecer
instalações de planejamento e treinamento para o corpo de astronautas. Os laboratórios de
pesquisa e desenvolvimento (P&D) da NASA tinham uma longa história de desenvolvimento
de produtos inovadores, incluindo espuma com memória de forma, lentes resistentes a riscos
e arranhões, detectores de fumaça ajustáveis, termômetros de ouvido e muitos outros. A
divisão que viria a ser a SLSD foi estabelecida em 1977.

A missão da SLSD era ser líder mundial na compreensão da fronteira espacial e das
oportunidades, capacidades e limitações dos seres humanos que vivem e trabalham nessa
fronteira. Os cientistas, pesquisadores e médicos da SLSD estudavam as melhores maneiras de
otimizar a saúde dos astronautas em todas as fases das viagens espaciais e assegurar que eles
permanecessem saudáveis durante uma missão. A diretoria gerenciou e implementou uma
ampla gama de pesquisas científicas e desenvolvimentos tecnológicos para cumprir essa
missão, concentrando-se na saúde humana e na produtividade no espaço antes, durante e
depois da experiência real de voo espacial, incluindo suporte para funções baseadas no solo. A
SLSD supervisionava diversas disciplinas e pesquisas implicadas na relação entre o homem e
os voos espaciais. Isso incluía operações e pesquisas biomédicas, com laboratórios dedicados
a perda óssea e muscular, imunologia, neurociência, bioquímica nutricional, simulação de voo
espacial e fisiologia do exercício. A diretoria também supervisionava programas e projetos de
apoio a pesquisas em tecnologia avançada de alimentos e integração de voos à ISS, bem como
serviços clínicos, incluindo medicina de voo, higiene industrial e medicina ocupacional. Em
2002, Davis foi nomeado diretor da SLSD; anteriormente ele havia atuado como cirurgião de
voo, chefe da clínica de medicina de voo e chefe da divisão de operações médicas.

Pesquisando na SLSD

A pesquisa era realizada com o uso de laboratórios terrestres, ambientes de


microgravidade e simuladores de instalações espaciais. A SLSD era composta por
aproximadamente 1.000 profissionais das áreas de medicina, ciência, engenharia e
desenvolvimento de estratégias; cerca de 80% dos funcionários eram terceirizados e muitos
deles eram originários da empresa Wyle Integrated Science and Engineering Group.
Trabalhadores terceirizados atuavam em todos os tipos de projetos e atividades da NASA.
Todas as atividades relacionadas a compras e orçamento, no entanto, eram da exclusiva
competência da agência.

A pesquisa e a engenharia na SLSD se concentravam no sistema humano, incluindo


padrões e requisitos relacionados à saúde da tripulação. As soluções incluíam contramedidas
como protocolos de exercícios e regimes farmacêuticos, ferramentas de diagnóstico e
produtos médicos, trajes para atividades extra veiculares e equipamentos, como sistemas de
monitoramento de ar e água.

Peritos em seu domínio

A SLSD era uma organização experiente orientada para a tecnologia, com


conhecimento significativo de como trabalhar com pessoas fora de seus limites. A exploração
do espaço era um campo bem definido, com apenas um pequeno número de atores públicos
(agências governamentais, universidades) e privados (prestadores de serviços para a
indústria aeroespacial), muitos dos quais se conheciam ou haviam trabalhado juntos ao longo
de décadas de pesquisa. Para muitos na comunidade das ciências da vida, a SLSD representava
o topo da engenharia espacial e do know-how de pesquisa. O sucesso na área exigia um alto
nível de expertise e especialização profissional e educacional. Claras hierarquias e processos
organizacionais reforçavam esses elementos. Pessoas de fora frequentemente viam os
cientistas da NASA como milagrosos solucionadores de problemas que trabalhavam em
questões de vida ou morte em ambientes perigosos, como o retorno seguro da tripulação da
Apollo 13 em 1970, depois que um grave mau funcionamento ameaçou a missão. Os membros
da organização celebravam silenciosamente estes esforços heroicos, tipicamente com senso
de humor: "Actually, it is rocket science”1, diziam as camisetas de membros da equipe e
adesivos em carros no estacionamento da NASA.

Cientistas e engenheiros eram atraídos para a SLSD pela possibilidade de trabalhar em


grandes e empolgantes problemas da ciência espacial. Um deles disse: "Tenho interesse em
lugares que me permitem acessar um problema, elaborar um plano e executar uma solução, e
depois ser capaz de pensar e resolver problemas ainda maiores". Muitos escolheram trabalhar
na SLSD em vez de buscar empregos mais lucrativos na indústria e se viam como "os
cérebros" por trás dos veículos que permitiam viagens e explorações seguras no espaço. Um
pesquisador explicou: "Muitas pessoas vêm trabalhar aqui não porque não conseguiriam
ganhar dinheiro em outro lugar. Talvez até ganhassem mais dinheiro em outro lugar e
tivessem uma carreira de sucesso, mas elas vêm porque querem a oportunidade de ser
inovadoras. Elas querem a oportunidade de contribuir com algo que ninguém jamais fez
antes".

Os pesquisadores da SLSD tendiam a abordar os problemas de pesquisa a partir de


duas perspectivas diferentes: a dos engenheiros, concentrados em como fazer a máquina,
sistema ou dispositivo funcionar, e, em contrapartida, a dos cientistas, concentrados em
entender por que a máquina, o sistema ou o dispositivo funciona. Um pesquisador explicou:
"por exemplo, temos uma falha em um equipamento: metade das pessoas na sala dizem
'conserte agora, conserte agora, conserte ontem!' e a outra metade diz: 'por que falhou? O que
está errado? Há sequer algo errado?'". O pesquisador acrescentou: "Temos que descobrir
como equilibrar essas duas abordagens para obter uma resposta rápida, porém significativa,
para os problemas complicados que enfrentamos no dia a dia". Os problemas de pesquisa
normalmente eram longos, muitas vezes levavam vários anos para serem resolvidos e exigiam
a colaboração de especialistas de fora do campo. A SLSD tinha uma longa história de trabalho
em uma rede colaborativa bem desenvolvida com organizações públicas e privadas. Davis
observou: "A maior parte do orçamento de pesquisa é paga em bolsas, com pesquisas

1Nota do tradutor: Quando utilizada na negativa, a frase "it is not rocket science" ("isso não é ciência de foguetes",
em tradução livre) é uma expressão idiomática da língua inglesa que significa que algo não é tão difícil quanto
parece. Assim, as camisas e adesivos traziam a frase na afirmativa, fazendo um jogo de palavras que reforçava a
dificuldade e a importância do trabalho dos cientistas da NASA.
realizadas no JSC e em múltiplas instituições colaboradoras".

A SLSD sempre buscou os mais altos padrões de qualidade e segurança; como observou
um cientista, "se você comete um erro aqui, pessoas morrem". De fato, desde o início dos anos
90, a organização estava obcecada pela segurança, introduzindo um novo nível de aversão ao
risco, o que alguns temiam gerar um ambiente destrutivo para a inovação. Alguns se
preocupavam que a estrutura e os processos da SLSD estivessem tornando-se complexos
demais ao longo do tempo e outros reclamavam que esse conjunto era asfixiante para a
inovação. Um pesquisador disse: "Você quase odeia ter uma nova ideia por causa da
quantidade de pessoas que terá que consultar". Em relação à burocracia, outro observou:
"Eles não fazem pesquisa, eles apenas têm que preencher todos aqueles formulários".

Uma plataforma em chamas

Em 2005, apesar da visão ambiciosa do programa Constellation, a SLSD teve cortes


profundos no orçamento de P&D (de aproximadamente US$ 330 milhões para US$ 175
milhões), demitindo 13 funcionários de tempo integral e extinguindo cerca de 80 postos
terceirizados. Os cortes significaram uma perda em algumas capacidades essenciais devido às
reduções de pessoal, contratos e subsídios. No entanto, apesar dos cortes no orçamento,
esperava-se que a SLSD continuasse a impulsionar a inovação em soluções para problemas
complexos.

Os cortes forçaram Davis e a liderança da SLSD a repensar como o departamento


conduziria as pesquisas. Os recursos restritos levantaram preocupações sobre como
continuar certas atividades críticas e geraram distrações e preocupações constantes sobre seu
financiamento. Muitos pesquisadores experimentaram uma diminuição da sensação de
liberdade na tomada de riscos e da experimentação. "Eu pensei: 'O que vou fazer? Como
vamos continuar a fomentar a inovação?'", lembrou Davis.

Trazendo a inovação aberta para a NASA

De meados de 2006 a 2010, Davis e sua equipe realizaram vários esforços


organizacionais formais e informais para ajudar a instalar um ambiente na SLSD que
permitisse a pesquisa e a inovação sob o novo regime financeiro. No início de 2006, Davis
reuniu sua equipe de liderança em um exercício de visualização montado por Richard para
fazer um brainstorming de estratégias. A partir dos dados coletados, Davis, com o apoio de
Richard, formulou um plano estratégico. O plano concentrava-se em aumentar a colaboração e
as alianças com organizações externas a fim de manter o volume da atividade de P&D da SLSD,
apesar da redução do orçamento.

De 2007 a 2009, Richard e Davis definiram um processo para selecionar 20


organizações acadêmicas, industriais e governamentais e aprender com elas outros modelos
de inovação e colaboração com pessoas de fora. A equipe organizou uma série de palestras
com o nome Innovation Lecture Series para trazer especialistas externos e discutir a inovação
aberta. Um workshop realizado em agosto de 2008 apresentou uma empresa de camisetas em
que artistas enviavam ideias e as mais populares, indicadas pelas encomendas prévias dos
clientes, eram produzidas. Mas houve muitos céticos. Um cientista lembrou: "Nós éramos
inovadores. Por que precisávamos ter palestras sobre isso ou reuniões e iniciativas
especiais?". Richard acrescentou: "Os especialistas técnicos não podiam relacionar a
experiência de uma empresa de camisetas com inovação aberta à pesquisa, desenvolvimento e
operações aeroespaciais. Eles questionavam a conexão disso com os voos espaciais e seu
trabalho". No dia seguinte, o departamento de recursos humanos do JSC conduziu uma sessão
de um dia para a liderança da diretoria sobre mudança cultural. A maioria dos cientistas
considerou esse workshop um evento de baixa prioridade.

Na primavera de 2008, Davis participou de um curso de educação executiva no qual


aprendeu de forma mais específica sobre a inovação aberta como forma de colaborar e
fomentar a inovação com um orçamento reduzido. Logo depois, de volta à SLSD, dois líderes
entusiasmados do projeto, curiosos para aprender mais, se ofereceram para conduzir um
estudo de mercado para identificar prestadores de serviços de inovação aberta que poderiam
ser uma boa opção para os interesses de pesquisa da SLSD.

Em meados de 2009, o estudo foi concluído e redigido por Richard. Os resultados


apresentaram algumas surpresas. Richard observou: "Quando perguntados por que buscavam
alianças estratégicas, 100% dos participantes do estudo responderam que tiveram que
colaborar para inovar. Eles não poderiam alcançar seus objetivos estratégicos por si mesmos".
As entrevistas revelaram que essas alianças complementavam recursos e competências
internas; ajudavam a adquirir novas ideias e abordagens para a solução de problemas;
traziam serviços, licenças ou patentes necessárias e ajudavam, posteriormente, a desenvolver
e executar planos. "Isso é algo que já sabíamos que fazíamos bem", disse Davis, acrescentando:
"O uso de prestadores de serviços de inovação aberta para buscar soluções para alguns dos
desafios com os quais trabalhamos externamente ganhou tração como uma estratégia séria".

Em julho, Davis e Richard convidaram outro professor para conduzir um workshop


para os profissionais de P&D baseado em um artigo do periódico acadêmico Harvard Business
Review intitulado "Que tipo de colaboração é adequada para você?”. Davis observou:
"Selecionamos cerca de 12 desafios e seus responsáveis para participarem do workshop e
analisarem se a inovação aberta poderia ser um caminho para encontrar as soluções que
faltavam". Embora as descobertas do estudo de mercado estivessem de acordo com a longa
tradição da SLSD de colaboração com pessoas de fora, a colaboração por meio da inovação
aberta continuava sendo vista por muitos de seus membros como pouco tradicional. Alguns
tinham preocupação em compartilhar pesquisas confidenciais, outros estavam incrédulos
sobre encontrar especialistas qualificados desconhecidos fora da organização e outros
reclamavam por ter que fazer "trabalho adicional". Davis disse: "Comunicávamos
constantemente que nosso trabalho era encontrar a melhor solução, não fazer todo o trabalho
nós mesmos". Richard lembrou: "Alguns continuaram a ver isso como o projeto de estimação
de Jeff. Parecia um trabalho extra para eles, que já estavam trabalhando com limitações".

Os desafios do programa piloto

Davis e Richard decidiram que não havia melhor maneira de aprender mais sobre
inovação aberta e avaliar sua adequação às necessidades da organização do que reunir
evidências. No verão de 2009, o professor Karim Lakhani, que havia realizado um seminário
sobre inovação para a SLSD no início de 2008, entrou em contato com Davis. A plataforma
Crowdsourcing TopCoder estava fazendo uma análise para entender a dinâmica da
participação de solucionadores e tinha pedido ajuda a Lakhani. O professor pensou que buscar
desafios mais interessante aumentaria a participação na TopCoder e procurou Davis para ver
se a SLSD teria desafios para a plataforma de crowdsourcing. Davis tinha conhecido Lakhani
durante seu curso de educação executiva e achou que a proposta valia a pena.

Davis e sua equipe decidiram que realizar vários desafios pilotos de inovação aberta
poderia ajudar a convencer os membros da organização. Por meio de uma concorrência
baseada na pesquisa de mercado anterior, a InnoCentive e yet2.com foram selecionadas como
plataformas de inovação aberta. A InnoCentive tinha uma rede de solucionadores formada por
cerca de 300 mil indivíduos espalhados pelo mundo; a yet2.com operava de forma
ligeiramente diferente, agindo como intermediadora entre organizações com desafios e
organizações com capacidade de resolver os problemas. A TopCoder se dedicava
especificamente a desafios de software e tinha cerca de 300 mil solucionadores de problemas,
desenvolvedores de software e artistas criativos registrados em todo o mundo. Cada
fornecedor realizou sessões de treinamento para a SLSD.

Em novembro de 2009, Davis e Richard promoveram um workshop introdutório


liderado pela InnoCentive e yet2.com, convidando cerca de 30 pesquisadores e médicos de
todas as unidades de P&D da SLSD para aprenderem mais sobre as plataformas e a
abordagem. Em seus comentários introdutórios ao workshop, Davis observou que a "inovação
aberta é uma caixa de ferramentas para futuros desafios. Com ela, podemos reagir mais
rapidamente – em vez de esperar por chamadas de pesquisa e tecnologia, podemos resolver
nosso problema em poucas semanas". Alguns ficaram entusiasmados e outros viram isso
como uma forma de obter apoio adicional dentro da organização. A maioria das equipes
expressou a vontade de experimentar a solução de desafios estratégicos de P&D para o ano
seguinte por meio da inovação aberta. Muitos voluntariaram-se para se juntar a Davis e sua
equipe, aprender sobre inovação aberta e ajudar a fomentar a compreensão sobre a
abordagem entre outros colegas. Um pesquisador explicou: "Eu vejo isso como um ganho para
todos. O financiamento para esta abordagem está vindo do bolso dele". Outro membro disse:
"Eu quero que isso seja uma publicidade sobre minha pesquisa, para que clínicos de fora da
NASA comecem a trabalhar com os problemas que me interessam". No entanto, em meio ao
interesse de alguns, para a maioria, continuava pouco claro o que realmente era a inovação
aberta.

Em 2010, o programa Constellation foi cancelado e toda a organização sofreu um


choque. Um cientista lembrou:

"É difícil. A NASA é agora um ambiente realmente estressante. Eu ouvi de


pessoas que estão aqui há 25 anos que nunca foi assim. Muitas mudanças estão
ocorrendo. Os orçamentos estão ficando cada vez mais apertados, lay-offs... Tudo isso
tem deixado as pessoas estressadas. Elas estão perdendo muito de seus recursos para
pesquisa. Portanto, é difícil ter essa história de inovação. Isso está meio nebuloso;
estamos tentando entender, especialmente quando se fala de plataformas. Ninguém
tem tempo para isso; eles não entendem o que isso faz por eles. Eles tiveram que
perder pessoas, perder trabalho e agora você vem com essa coisa de inovação e eles
têm que se envolver. 'E eu tenho que fazer isso além do que já estou fazendo?'".

Davis, Richard e a equipe estavam preocupados que o moral da SLSD fosse atingido,
que os pesquisadores estivessem preocupados com a segurança de seus empregos e suas
pesquisas e que manter a inovação se tornasse ainda mais desafiador. Davis disse: "Eu sabia
que outras instituições haviam enfrentado esses desafios externalizando seus departamentos
de inovação. Mas minha intuição era manter as coisas integradas dentro da diretoria".

A equipe continuou batalhando por formas de permanecer inovadora diante dessas


restrições orçamentárias. No outono de 2009, a equipe escolheu 12 desafios, com base em
uma lista de lacunas de conhecimento tecnologia da SLSD. Cada problema foi refinado em uma
declaração de problema que poderia ser abordada por uma ampla gama de disciplinas e
conhecimentos técnicos. Estes desafios foram, então, lançados em uma ou mais das
plataformas disponíveis. Um deles buscava um algoritmo para prever um evento de erupção
solar. As erupções solares são fortes explosões de radiação que afetam a saúde da tripulação
em órbita terrestre baixa ou no espaço profundo e podem interferir significativamente em
sistemas GPS, satélites e equipamentos de rádio, além de criar tempestades geomagnéticas.
Por décadas, os esforços da NASA e de acadêmicos foram capazes de prever uma erupção com
apenas 1 a 2 horas de antecedência. O desafio era encontrar um algoritmo que pudesse prever
um evento desses com 4 a 24 horas de antecedência, precisão de 50% e um intervalo de
confiança de dois sigmas.

A InnoCentive hospedou sete desafios, a yet2.com ficou com seis e a TopCoder


executou um desafio adicional para encontrar um algoritmo para otimizar a elaboração de um
kit médico lunar. Os desafios foram lançados por curtos períodos (em geral, de alguns dias a
algumas semanas), com participantes trabalhando virtualmente de todo o mundo em ciclos de
P&D curtos e de ritmo acelerado.

Por meio de uma concorrência, a SLSD também lançou um site interno de inovação
aberta, NASA@work, que coordenava os desafios da NASA em uma plataforma baseada na
InnoCentive, aberta apenas à comunidade da agência. A equipe trabalhou em 20 desafios, dois
para cada um dos 10 centros da NASA. Um cientista disse: "A NASA@work fez sentido para
mim. Seria embaraçoso descobrir que alguém está trabalhando exatamente naquilo que eu
estou fazendo, mas eu não sei. Precisamos ao menos saber o que está acontecendo dentro da
NASA". O projeto piloto NASA@work encampou desafios de junho a outubro de 2010.

Em conjunto com os projetos pilotos, Davis e Richard estabeleceram uma equipe de


planejamento estratégico e implementação para continuar a apoiar as iniciativas. Para
intensificar seus esforços de comunicação e educação a respeito da inovação aberta, eles
continuaram promovendo a série de palestras trimestralmente, trazendo especialistas em
pesquisa acelerada, abordagens sem fins lucrativos para o avanço da inovação, inovação
aberta, gamificação e outras metodologias para o avanço da inovação nos setores corporativo,
governamental e acadêmico. Após as primeiras palestras, o comparecimento diminuiu.

Os desafios e seus resultados

Mais de 2.800 solucionadores de mais de 80 países participaram dos desafios da


InnoCentive e da yet2.com. Prêmios em dinheiro foram concedidos para cada desafio. Os
desafios da InnoCentive receberam muitos acessos de pessoas interessadas e,
consequentemente, muitas inscrições. A solução vencedora para o desafio de prever com mais
precisão uma erupção solar cumpriu esse objetivo com uma antecedência de 8 horas, com
85% de precisão e intervalo de confiança de três sigmas – muito além do resultado esperado e
uma melhoria de ordens de magnitude sobre as capacidades preditivas existentes. A solução
foi fornecida por um engenheiro semiaposentado de radiofrequência de New Hampshire. A
história foi divulgada nacionalmente pela imprensa e até mesmo o diretor de tecnologia do
governo dos EUA, Aneesh Chopra, a destacou em um vídeo no YouTube sobre inovação aberta.
Outro dos desafios resultou na descoberta de um material único (grafite flexível) com
potencial para uso na embalagem de alimentos em missões espaciais de longa duração. O CEO
da InnoCentive observou: "Até agora, muitas pessoas em todo o mundo não tinham a
oportunidade de ajudar a resolver alguns dos problemas enfrentados pela NASA. Agora,
qualquer pessoa com interesse e capacidade pode causar um impacto em como os Estados
Unidos exploram a fronteira final. O compromisso da NASA Space Life Sciences com a
inovação aberta é uma prova de que é possível explorar soluções de qualquer contribuinte".

O projeto piloto da yet2.com teve 5.621 acessos, ou interesses iniciais, e 234 respostas
totais. Ao final do desafio, a yet2.com tinha 30 propostas ativas para os seis desafios. Uma
delas identificou várias novas abordagens para a obtenção de imagens da estrutura óssea no
espaço e tinha potencial para resultar na formação de um consórcio de acadêmicos e atores da
indústria para desenvolver novas tecnologias.

O desafio da TopCoder resultou em um algoritmo de otimização para o kit médico de


viagens espaciais. O algoritmo foi incorporado ao modelo médico integrado (IMM, Integrated
Medical Model) existente e melhorou as capacidades desse modelo para o projeto de futuros
kits médicos. No início de 2010, Davis encaminhou os resultados da TopCoder para Jason
Crusan, diretor de tecnologia do programa de exploração humana na sede da NASA em
Washington, D. C. O desafio despertou seu interesse e ele e Davis discutiram a oportunidade
de conduzir mais desafios. Crusan e Lakhani elaboraram juntos um artigo científico para
articular a teoria por trás da inovação aberta em termos que interessassem aos pesquisadores
e cientistas da NASA, com a descrição dos benefícios para a organização na exploração desse
novo modelo de inovação e seu potencial para novas pesquisas em ciências sociais. Lakhani
lembrou:

"As abordagens de inovação aberta, e os concursos em particular, ofereceram


uma maneira totalmente nova de organizar a inovação e a solução de problemas.
Embora houvesse alguns exemplos comerciais de uso sistemático de inovação aberta,
não havia exemplos de seu uso em agências governamentais e em agências voltadas
para a engenharia. Além disso, embora houvesse muita teoria econômica sobre o
desenho ideal dessas competições, ainda não havia provas empíricas reais em cenários
de inovação. Esta é uma nova maneira de resolver os problemas. Ela envolve uma
mudança real do processo, incluindo a definição de problemas de forma que pessoas
fora dos domínios tecnológicos possam resolvê-los, o estabelecimento prévio de
critérios de solução e a reflexão sobre como avaliar as soluções à medida que elas são
apresentadas. O artigo relatou casos sobre a resolução de desafios algorítmicos e
computacionais reais para a NASA, ao mesmo tempo em que explorou os limites do
nosso conhecimento sobre a concepção de concursos”.

Mais tarde, em 2010, a NASA e o Instituto de Ciências Sociais Quantitativas (IQSS,


Institute for Quantitative Social Science) da Universidade de Harvard criaram o Harvard-NASA
Tournament Lab (NTL) para continuar explorando oportunidades de desafio, com Lakhani
como principal pesquisador. Na mesma época, a SLSD lançou o Centro de Saúde Humana e
Performance da NASA (NHHPC, Nasa Human Health and Performance Center), um centro
virtual para facilitar o intercâmbio de boas práticas de inovação aberta e inovação
colaborativa, tendo como membros organizações da própria NASA e de outras agências
federais, além de representantes da indústria, universidades e organizações sem fins
lucrativos.

Falha no lançamento

Em janeiro de 2011, Davis e Richard reuniram todos os dados sobre os desafios para
apresentar à SLSD. "Sabíamos que os resultados eram espetaculares", disse Davis. "Estávamos
muito entusiasmados com o quanto esses resultados eram convincentes sobre como a
inovação aberta poderia ser uma maneira importante de se trabalhar na SLSD".

Uma vez que os resultados do desafio foram apresentados no workshop, Davis passou a
discutir como executar os próximos passos: da experimentação à integração da inovação
aberta nos projetos e pesquisas do dia a dia dos membros. Isso provocou diversas reações.
Alguns estavam intrigados com a abordagem, observando-a como um ganho para todos ou
uma "ótima maneira de sair de nossa bolha", e outros a consideravam valiosa para algumas
situações e diziam que ela "acrescentava uma nova peça ao nosso kit de ferramentas". No
entanto, outros estavam altamente incrédulos. Um membro preocupado com a
confidencialidade das pesquisas da organização perguntou: "Não há um problema em usar
isso e nós sermos a NASA?”. Outro estava altamente descrente quanto à ideia de ter uma
discussão na internet sobre seu desafio. Vários advertiram que, como abordagem, a inovação
aberta poderia apresentar uma falsa confiança de que a plataforma proporcionava uma busca
abrangente de soluções relevantes fora dos limites de suas organizações. "Você coloca tudo
isso lá e depois não tem mais nada, e as pessoas vão dizer: 'fomos na InnoCentive e não
encontramos nada, então não está sendo feito'. A InnoCentive não é o mundo inteiro, a
yet2.com não é o mundo inteiro. As pessoas têm que perceber que elas não são soluções
milagrosas".

Muitos na plateia sentiram que a experiência levantou preocupações mais amplas. Um


membro do laboratório disse: "Por que precisamos expandir nossas parcerias externas para
inovar? Nós somos a NASA. Somos os únicos que conhecemos o espaço. E nós já inovamos".
Outro destacou o conflito que a inovação aberta, como um modelo de pesquisa, apresentava
em relação à sua educação e treinamento profissional: "A história do método científico vai
contra a inovação aberta. Em nossa formação, resolver problemas pelo método científico é
pegar todas as informações, sintetizá-las, fazer análises e chegar a uma conclusão. Então,
pedir que outras pessoas resolvam o problema é como trapacear!". Outro observou: "Nós já
resolvemos problemas científicos difíceis. Nós somos a NASA". Outro pesquisador observou
que a inovação aberta exigiria de seus colegas uma mudança "em suas cabeças sobre como
eles fazem seu trabalho Eles não estão acostumados dizer: 'temos um problema e não
sabemos como resolvê-lo; vocês conseguem?'". Ele acrescentou, enfaticamente: "Isso é o que
esses caras fazem. Eles não estão fazendo um bilhão de outras coisas para voos espaciais. Eles
fazem equipamentos de voo e fazem os melhores. Isso é o que eles fazem. Eles são a NASA;
eles são os cérebros por trás dos veículos. Não há ninguém que saiba melhor o que eles
precisam saber para fazer o que eles fazem. Eles são os únicos". Confiar em soluções de fora
poderia implicar que o pesquisador não era mais o especialista no problema em estudo e/ou
que ele poderia perder o controle sobre o problema e sua solução potencial.

Davis e Richard voltaram devagar aos seus escritórios. A reação geral ao workshop
havia sido um grande e decepcionante "e daí?" entre o público. "Eu simplesmente não
conseguia entender por que todo mundo não estava tão entusiasmado quanto eu", disse Davis.
"Os resultados sugeriam que poderíamos fazer grandes desenvolvimentos por uma fração do
custo, e quem sabe quantas ideias novas e empolgantes poderiam surgir com desse tipo de
colaboração?". Em vez disso, exceto por algumas, as respostas haviam sido quase
uniformemente negativas. "A síndrome do 'não inventado aqui' era forte", disse Richard. Os
dois se sentaram calmamente com suas notas amarrotadas ao lado. "Como isso aconteceu?
Como as reações poderiam ser tão negativas? O que devemos fazer?", perguntou Davis.

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