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| Morfologia | Portuguesa NOCOES INTRODUTORIAS Vamos comegar 0 nosso estudo, tentando assimilar alguns conceitos basi. cos. Temos que saber, antes de mais nada, quais as tarefas da morfologia e quais as unidades da lingua que pretendemos descrever. CONCEITO DE MORFOLOGIA Na constituigao do termo morfologia encontram-se os elementos. (morf(o)] € [logial, do gr. morphé = ‘forma’ e logia = ‘estudo’. A partir daf, j4 podemos inferir que a morfologia, referindo-se a uma lingua como a portuguesa, é a parte da gramética que descreve a forma das palavras, Os gramaticos e lin- gilistas parecem unanimes quanto a isso. $6 para fixar, citemos duas defini- ces semelhantes: a) A morfologia, como disciplina lingtifstica, trata da forma interna das palavras, mais precisamente de sua estrutura (Ortega, 1990:3). b) Morfologia é 0 estudo da estrutura interna das palavras (Jensen, 1990:1). Saber que a morfologia se ocupa da forma representa muito pouco, se no temos uma idéia exata do que seja forma. Nas definicGes citadas aci- ma, este termo € sindnimo de estrutura, 0 que ainda nao nos satisfaz, se no compreendermos bem a nogao de estrutura. Mas, pelo menos, nao sera dificil perceber que toda estrutura contém elementos intimamente relacio- nados. Raciocinando por esse Angulo, entendemos que as palavras so constitu- das de unidades menores que, combinadas, produzem um significado. As pa- lavras, portanto, apresentam forma e significado e, como nao costumam ser empregadas isoladamente, exercem também uma fiungdo em cada enunciado onde aparecem. Forma, fungio e significado sio elementos solidérios e interdependentes, de tal modo que s6 num plano de abstragao um existe sem os outros. Dai a definigao de Carreter (1962); aL Forma é 0 aspecto sob o qual se apresenta um elemento lingiistico, com “abstiagao de seu sentido e fungo. com a Cremos que ja € possivel entender entio que a morfologia tem por objeto de estudo: a) a forma interna das palavras, ou seja, sua estrutura; 4 b) a relagio formal entre palavras; ©) 0s principios que regem a formacao de novas palavras. PALAVRA E VOCABULO Geralmente os dois termos so usados indistintamente para designar um ado de fonemas que expressam um significado. Assim, os conjunto orden W, Jal, nesta seqiiéncia, formam o substantivo luta que signi- fonemas /V/, /u/, fica, por exemplo, ‘combate’. Entretanto, na preposi¢gao fonemas ao qual nai podemos atribui ga bdsica entre os vocdbulos luta e de. Se quisermos, porém, relacionar o termo luta com outro qualquer, como jidade de um elo. Temos: de, observamos que ha um conjunto de dois rum significado. Ha, entao, uma diferen- serpentes, sentimos a nece luta <— de > serpentes Os vocabulos luta e serpentes esto associados e ambos expressam idgias. O de, ao contrario, parece vazio, apresentando apenas uma fungao. © que uma forma tem na 1968). Assim, a preposi- to © [s] final de serpen- ‘A funcao pode ser entendida como a apli em vista de seu valor gramatical (Camara Jr. lingua ao de tem a funcao de relacionar dois termos, end} tes tem a de indicar o plural Com base nessa distingao, reservamos 0 termo palavra somente para os vocdbulos que apresentam significado lexical. E facil tirar uma conclusio: Toda palavra é vocabulo, mas nem todo vocdbulo é palavra Os yocdbulos que nao sao palavras, como as preposigoes & conjungoes, 40, na terminologia de Cémara denominam-se instrumentos gramaticais Jr. (1970), formas dependentes (pois nao funcionam isoladamente num enunciado), ao contrario das palavras, que normalmente sao formas livres (nomes, verbos, pronomes) e, como tais, podem existir sozinhas num enun- ciado. Em linhas gerais, rece para os vocdbulos que, em outra terminolo; categoremas. Os lexemas, em numero ilimitado, abrangem os nomes (subs- tantivos, adjetivos e advérbios de modo) e os verbos. Mas é de ressaltar que, a distingao coincide com a que Carvalho (1974) ofe- se denominam lexemas € entre Os categoremas, © autor inclui os Pronomes € advérbios (excetuando-se os de modo), além naturalmente dos arti ‘80S, Preposigdes e conjungoes. Resta esclarecer que alguns autores preferem outra distingdo, segundo a qual 0 vocibulo seria a palavra encarad: ‘4 apenas como conjunto de fonemas, sem se levar em conta o significado ou fungao. Assim, o termo palavra se aplicaria tanto aos lexemas quanto aos instrumentos gramaticais. E vocdbulo seria a forma concreta com que cada Palavra, lexical ou gramatical, ocorre nas frases (Azeredo, 2000:69), Fixemos as seguintes nogGes: * Os vocibulos divergem quanto 2 estrutura e significado. Alguns se cons- tituem apenas de um elemento, outros apresentam varios constituintes. + Ha dois tipos de significado: o lexical © O gramatical. * As palavras representam idéias e, assim, tém ignificado lexical. * Os vocdbulos que nao traduzem idéias so instrumentos gramaticais e servem para estabelecer relagGes entre as palavras. * Sao palavras as formas livres, geralmente nomes, pronomes e verbos. * Nao sao palavras as formas dependentes, como as preposi¢&es e conjungoes. MOREE E MORFEMA. Vimos que a morfologia estuda a forma ou estr A estrutura € constitufda de elementos associados ¢ uma das tarefas sera a de identificd-los. Eles constituem as menores unidades formais dotadas de i ficado e, por isso, se denominam morfema. ‘utura interna das palavras. ni- Em principio, todo morfema se compde de um ou varios fonemas, e destes difere, fundamentalmente, pelo fato de apresentarem significado (Gleason Jr., 1978). Como € facil de perceber, isoladamente os fonemas nada significam. Se Pronunciamos /p/ ou /t/, ninguém associa ao som emitido nenhuma idéia. Mas, de modo oposto, em geral s6 existe o morfema quando a unidade mini ima apre- senta um significado. E 0 que basicamente afirmam as seguintes definigdes: 4) Os morfemas siio os elementos minimos das emissbes lingtifsticas que contém um significado individual (Hockett, 1967; § 14.1). b)_Um morfema € a unidade minima no sistema de expressiio que pode ser correlacionada diretamente com alguma parte do sistema do contetido (Gleason Jr., 1978:58). c) Um morfema pode ser definido como “unidade gramatical minima dis , uma subunidade da palayra, que niio pode s em termos gramaticais (Lang, 1990;22), r Significativamente sub- 13 d) Os morfemas siio as menores unidades significativas que podem cons- tituir palavras ou partes de palavras (Nida, 1962: § 1.1). ¢) Morfema é a menor parte indivisfvel da palavra que, por sua vez, tem uma relagio direta ou indireta com a significagao (Dokulil, ap. Vachek,1970:49), Se quisermos usar os termos de modo bem preciso, deveremos compreen- der que o morfema é uma entidade abstrata que nao se confunde com uma finica e mesma forma. Na pratica, um morfema pode apresentar variagoes for- mais. Assim, se observarmos as palavras vida c vital, parece evidente que em ‘ambas existe um mesmo morfema, que se realiza como [vid] e [vit]. A realiza- io de um morfema se denomina de morfe e, quando hd mais de uma, ja pode- mos adiantar que constituem alomorfes. Insistamos entéo no fato de que o morfe é a concretizagiio de um morfema, ou seja, uma seqiiéncia fonémica minima a que se pode atribuir um significado. Essa distingao é muito semelhante a que existe entre fonema © fone. O fonema constitui uma entidade abstrata que, quando se realiza, pode consis- tir em sons diferentes. O [t], por exemplo, nao se pronuncia do mesmo jeito em tela e tive. A realizagio de um fonema se denomina de fone e, como sempre ha mais de uma possivel, todo fonema na pratica apresenta diversos alofones. ] . ; Nem sempre, porém, os autores sao rigorosos quanto a isso. E assim 0 termo morfema costuma ser usado em contextos em que seria mais preciso falar-se de morfe. Mas € bom pelo menos guardar a analogia: morfema :: fonema morfe fone SEMANTEMA E MORFEMA Semantema € a parte da palavra em que se concentra 0 significado lexical basico, confundindo-se pois com o que geralmente se denomina de raiz. Trata-se na realidade de uma espécie de morfema, o que concentra 0 nticleo significativo da palavra. Mas, por isso mesmo, pode opor-se aos demais tipos de morfema. Assim, temos dois modos de interpretar. Num conceito amplo, morfema € qualquer unidade lingitistica dotada de forma e significado. Neste sentido, 0 semantema é um tipo de morfema que se combina com outros para a reali- Zag¢ao ou circulagao do vocdbulo entre os falantes da lingua. Num conceito restrito, reserva-se 0 termo morfema aos elementos que se opdem ao semantema, e este se refere 4 parte fundamental ou niicleo significativo do vocabulo. 14 _ CLASSIFICAGAO DOS MORFEMAS. Varias sao as classificagdes para os morfemas. Uma delas os divide em: a) Morfema Lexical Constitui o nucleo semAntico da palavra e, como j4 sabemos, costuma ser denominado de semantema. E a parte comum a um grupo de palavras aparen- tadas pelo vinculo de significagao. Assim, [caval] em: cavalo, cavalar, cavala- riga, cavalaria, cavaleiro, cavalete etc. b) Morfema Derivacional Exemplos: caval + [eiro} caval + (aria) Os morfemas [aria] e [eiro] sao derivacionais porque possibilitaram a cria- do de novas palavras a partir da forma primitiva cavalo. 15 Abulo de que se Originam outros através do imitiva € 0 YOC: D u ee s vocdbulos derivados se denominam for- so da derivagio. Oo. mas secunddarias. c) Morfema Categérico Exemplos: peru + [a] peru + [s] and + [o] [s] e [0] nfo criam novas palavras. Apenas indicam as sumem. O [a] marca o feminino em perua, 0 [s] assi- [o] traduz a nogao da primeira pessoa singular (eu) Gricos podem, pois, ser denominados de morfemas aticais. Sua fungao é a de permitir que as formas tegorias préprias dos nomes ou dos verbos. Os morfemas [a]. flexGes que as formas as: nala o plural em perus € 0 em ando. Os morfemas categ' flexionais ou morfemas gram se apresentem nas diversas cal © termo categoria tem aqui sentido restrito & equivale a flexao. Ha para ‘os nomes duas categorias: a de género e a de ntimero. O género tem as subeategorias de masculino e feminino. O ntimero, as subeategorias de singular e plural. Nos verbos encontram-se as categorias de modo, tem- po, aspecto, numero e pessoa, divididas em diversas subcategorias. d) Morfema Relacional Exemplos: Falo com Jc Livro de Joao. As preposigGes de ¢ com funcionam como elo entre duas palavras. Dis- tinguem-se dos morfemas categéricos ou dos derivacionais porque nao sao s_presas. Observemos que as flexOes sempre aparecem apos 0 integrando 0 corpo fonoldgico do vocabulo. De modo igual, os agregando-se a uma raiz, obede- forma semantema, elementos que produzem novas palayra cem ao mesmo principio. As preposigGes, ao contrario, sao vocabulos morficamente aut6nomos, sendo possivel usar outras palayras entre elas e os termos que se Ihes seguem. E ttl, pois, fixar que a possibilidade de intercalagao ou de disjungio carac- teriza as chamadas formas dependentes. Assim, em “livro de Joao”, podemos separar a preposicio do substantivo pela introdugao de outros vocabulos, como em “livro de teu primo e grande amigo Joao”. A disjungao ocorre, por exem- plo, com os pronomes dtonos que possuem mobilidade em relagdo aos yerbos de que dependem. Em “eu me chamo José”, 0 clitico me facilmente se desloca para depois do verbo, comprovando que nao se trata de forma presa 16 que aluno € 0 termo principal oy phe determinante. Consid, ésubordinado ou ideran. ase Peaieriaibe observamos também que morfologicamente See um sintagma, em que [(iJoso] se associa a [estud] numa relagig de dependéncia. udioso € um sintagma em Resumindo: +O morfema se distingue do fonema pelo fato de apresentar significado, + O morfema é uma entidade abstrata que pode realizar-se sob diversas denominadas de alomorfes. ae, morfema esta para o morfe assim como fonema est4 para o fone, = O semantema € a parte da palavra em que se concentra 0 significado lexical basico. ; = Os morfemas podem ser classificados em: a) lexicais (raizes); < b) derivacionais (sufixos, infixos e prefixos); c) categéricos (desinéncias nominais € verbais); d) relacionais (preposigOes, artigos, conjungoes, pronomes relativos); e) classificatérios (vogais temiaticas). OUTRAS DENOMINAGOES ‘Adotamos neste livro a distingao entre morfema e semantema, por julgar- mos que tais termos satisfazem aos objetivos de nosso estudo. Todavia, na lite- ratura lingiiistica, hé uma série de outras designagdes cujos conceitos as vezes nao divergem tanto do de morfema. S6 a titulo de ilustragao, vamos a seguir esclarecer algumas delas. GRAMEMA E LEXEMA Tais termos, freqlientes na terminologia de Pottier, correspondem basica- mente a distingao entre morfema gramatical e morfema lexical Os gramemas podem ser formas presas (no caso de afixos que se articulam com os nicleos significativos dos lexemas) ou formas soltas (como se verifica com 0s artigos, as preposigoes ¢ alguns advérbios). Os lexemas, por seu turno, constituem as unidades de base do léxico e perten- cem a inventérios ilimitados e abertos, uma vez que novos radicais podem ser criados, Pottier emprega ainda outros termos, como lexia, elemento do léxico que se ‘opée ao morfema ¢ a palavra. A lexia é a unidade funcional significativa do discurso ¢ se classifica em simples (cavalo), composta (cavalo-marinho) e complexa (a cavalo). 18 GLOSSEMA E PLEREMA ‘O conceito de glossema equivale praticamente ao de morfema, mas tem aplicagdo mais geral, desde que inclui também o de tagmema, conforme a explica¢ao de Spang-Hansen (1967). Tanto num caso como em outro, consti- tui um elemento do sistema lingiistico (Holt, 1967) e, quer no plano da ex- pressdo quer no plano do contetido, é identificado como uma invariante irredutivel, uma forma minima no sujeita a novas divisdes. Vale observar que o termo se prende a corrente da glossemitica, que teve em Hjelmslev um de seus maiores representantes. Tal corrente propunha que a lingua fosse descrita como um fim em si e no como meio. Ou seja, como uma estrutura sui-generis, fechada em si prépria. Com relagao ao termo plerema, igualmente proprio da glossemitica, pode- se entender que se trata de uma unidade do conteddo que permite um numero infinito de variantes. Como figura de contetido, o plerema opde-se ao cenema, elemento vazio de significado que, por isso, corresponde ao fonema. Distin- gue-se o plerema central, associado & nogio de tema ou radical, do plerema marginal, aplicavel ao que se denomina de afixo (Fernandez, 1973; Holt, 1967). MONEMA E SINTEMA O termo monema, de acordo com Martinet (1985), foi cunhado por Henri Frei para designar a unidade significativa minima. Ainda segundo Martinet (1993), ha uma identidade perfeita entre o conceito de monema para Frei e 0 de morfema para os lingilistas americanos. Contudo, Martinet tenta defender que os dois termos devem ter conceitos diversificados. Enquanto o morfema seria 0 segmento do enunciado que corresponde a um significado, 0 monema consistiria no efeito de sentido que corresponde a uma diferenga formal. Na pratica, porém, torna-se dificil perceber a distingo. O proprio Martinet (1985) define o monema como unidade dotada de um contetido semintico e de uma expresso fOnica articulada em unidades distintivas e sucessivas, que io os fonemas. Em Debaty-Luca (1986) h4 definigdes andlogas: a) Monema é todo signo cujo significante ¢ indivisivel. b) E qualquer signo cujo significante nao pode ser analisado sintagmaticamente. c) E.um signo cujo significante é insegmentavel, isto &, nao divisivel em Significantes menores. 19

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