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Gisafran Nazareno Mota Jucd Fortaleza: cultura e lazer (1945 - 1960) bordar as condigées de cul entre 1945 e 1960, através da i nifica centrar-se apenas em ai 8tUpos sociais privilegiados; deve-se considera pelos menos favorecidos, © contraste entre as opcies de lazer € iados, valorizadas e destacadas como lernidade, e as escassas oportunidades recidos, em geral limitados pelas nor- lutengao da ordem ptiblica. A presen 5 ptiblicas, espacos freqiientados pelas 2", era, por exemplo, associada a irresponsabi cencia nidades usufruidas Nesse sentido, é visivel cultura dos grupos. prvilegi simbolo de progresso e mod usufruidas pelos menos favo; mas que disciplinavam a man ga de pobres nas praias e festa pessoas de “boa fami lidade ¢ 8 falta de dec Mas a combatida va em recintos saudaveis? €poca ~ manifestada por Havia, entietanto, a Constante vigilancia, q social; pore 6 ide ineios de contiole ¢ dendo da posica g molecagem’, em diversas oca tura e lazer dos fortalezenses imprensa da época, nio sig- tividades desfrutadas pelos ir também as oportu- , desponta- cinemas da Por exemplo, os melhores cinemas vilegiada “soas consideradas de origem pr vie ‘gidas noumas morais orientadoras ko da conde Simbolizavam a expressio da cond’ ‘al © 0 teal m ¢ 0 tipor d social dos, os se coadunavam, pois i ont }Oes impostas variavam, dep agentes envolvidos.! Digitalizado com CamScanner O banho de mar socializando 0 lazer Na década de 30, 0 banho de mar ainda nao fazia parte do pro- rama dos finais de semana. A Praia de Iracema, que era 0 cartio stal da cidade, onde a beleza natural atraia os curiosos, foi des- trufda com o avango do mar, em virtude das obras do Porto do Mucuripe. Entretanto, outros pontos da Area litorinea comegavam a constar na lista dos entusiastas das belezas naturais. Na Barra do Cearé, a oeste de Fortaleza e distante do Centro, N@ d#eada de tinta, orio Cearé, que ali desemboca, fora escolhido como local de pouso o banho de mar dos hidravides que atendiam os viajantes prvilegiados, capazes de assumir os gastos de uma viagem aérea. Um prédio fora instalado ras imediag6es, dispondo de luz elétrica, com banheitos e servigos ee de cozinha com fogio de ferro, a fim de abrigar os passageiros ou P09"=ma dos finals cutiosos dos véos programados. ainda nao fazia de semana. A Praia Embora se afirmasse: “.. dentro em breve, a Barta do Ceara sera ologradoito preferido por todos que desejam respirar um ar puro e : calmo", a opsdo de passeio e freqiiéncia ao local se restringiam aos ° 40 Postal da que acompanhavam ou desejavam observar aqueles que desfruta- cidade, onde a vam das viagens nos hidroviées. No entanto, apés a Segunda Guerra, a Barra do Ceard voltow a set drea exclufda do programa de lazer da elite fortalezense. A pobre- za foi ocupando os terrenos & beira-mar, estendendo-se até a mise- _ "0! destruida com o rabilidade chocante que se concentrava no Pirambu. avango do mar, em O interesse dos fortalezenses pela regio praieira limitava-se as praias Formosa, de Iracema e do Meireles, que ficavam préximas. A de lracema passara a ser valorizada com a construcéo de residéncias, sendo algumas de veraneio; mas as obras do porto e o conseqiiente Mucuripe, avanco do mar diminuiu a extensio daquelas praias, prejudicando 0s simpatizantes dos banhos de mar. Aesperada modernizacio do porto abalara fortemente a op¢do de lazer, que comegara a ser valorizada no pés-guerra, deixando 20s saudosistas apenas a lamiiria poética sobre o que perderam da anti- ga Praia de lracema: “pouco resta ainda de sua decantada beleza e os banhistas quase que nao lhe dio preferéncia”. Entretanto, foi atra- vés dos vapores que, na década de quarenta, chegaram os automé- veis: 0 Lincoln, o Packard considerados mais luxuosos, € os carros Menores como o Renault, além de outros franceses e ingleses. $6 de uma remessa foram desembarcados 60 automéveis, além de cami- hoes. A maioria destinava-se a uso particular ¢ os deselegantes Ieeps iam sendo substitufdos por carros mais confortaveis. de Iracema, que era beleza natural atraia os curiosos, virtude das obras do Porto do Fortaleza: cultura ¢ lazer (1945 - 1960) « 193 Digitalizado com CamScanner aan Como medida de prevengio 20 continu avancy qo Praia de Iracema, foram colocados diques de pedtas, estan a exigua drea para os banhistas. O espaco praiano aberto ais ava apés aquela praia, a partir da Praia do Meiteles, nag some des do Clube dos Didrios, prolongando-se até a Volta da Jeng isso, manifesavase a opiido de que o banho de mar pe = com limitagées, pois as praias foram desfiguradas em toda a sua beleza panorimica A Ereqiéncia & praia do Futuro, situada além do porto, const, tuia apenas um desejo alimentado. E 0 tinico banho publcg oferecido & populagio defrontava-se com nosso velho mat. Cheio de pedras.* Um leitor do jornal O POVO, lembrando a existéncia do jor- nal Praciro, no Recife, boletim dos postos de salvamento e da Diretoria de Documentacéo e Cultura da Prefeitura, distribuido gratuitamente aos domingos, extravasava sua repulsa pelas Praias de Fortaleza: *..podem ser classificadas ... praias infectadas: praias de cavalos; praias de jeaps, e praias de ébrios". Lembrava que, no sentido oeste, a do Pirambu tornara-se imprépria aos banhistas, pois 0 servico de esgoto ali despejava os seus dejetos. A classifica- G40 em praias dos cavalos devia-se ao costume dos que passeavam a cavalo pelas praias e os jecps eram considerados “quadripedes motorizados...” As praias dos ébrios eram as situadas nas proximidades do porto, onde a populacéo pobre habitava e tinha nos botecos uma oportuni- dade de esquecer as agruras da miséria, Por isso, na radical opinifo do missivista, que apenas em parte revelava as limitagGes do lazer praia- Ro, muita gente “..se enche de complexos e prefere o chuvisco de niguel entre paredes de azulejo branco ou a tina de égua dormida com 2 cuia de lado ao mar desprotegido, & praia promiscua..”° Na década de cinglienta, a afluéncia aos banhos de mar cres- ceu e foram instalados dois postos de salvamento de banhistas, situados na Praia do Meireles,¢ Em virtude da crescente afluéncia de usudrios, em 1956 as praias | eram consideradas sujas, com lixo acumulado. Reclamava-se da “.molecagem e mulheres de mé reputacao que invadem trechos pare onde se deslocam as famiflias...". O foco de atracdo chegava 20 late Clube, onde a praia tornara-se muito concorrida, “..a Copacabana em miniatura...” A Praia de Iracema perdera 0 seu brilho com casas estt@~ 194 = Uma nova Histéria do Ceara Digitalizado com CamScanner adas ¢ 0 €Spago do antigo balneério diminuf Sedo tomala por casebes de zinco ede palha, pelos pesfbul Desde 1945, a Secretaria de Seguranca Pblica, tom o ineent- odo jornal catdlico O Nordeste, passou a teprimir ‘ ; ‘a falta de mora- jdade, einante Nas Nossas praias.... A Igreja no combate a moral dade associava-se a0 rigor policial, que impunha a tepresséo como jum recurso sadio, influenciada pelo autoritarismo na relacao Estado esociedade da década anterior. A caca & falta de pudor e a libertina- gem passava & deriva dos problemas sociais que mereciam ser enca. rados com pragmatismo. Por trés da indecéncia, pelo menos em 0 uso de caledes € considerdvel percentual, encontrava-se a miséria dos que se envol- jam com a prostituiggo como safda de sobrevivenci : a jamais deveria ser circunstancias. ra. A praia Formosa ia maillots nas praias O exagero da caca policial também visava atingir os ‘namora- aoe dos indecentes” e “vagabundos” que geralmente se exibiam nas ruas. pessoas catélicas e A “imoralidade” a ser combatida era, sobretudo, oriunda das classes inferiores e tinha de ser repelida, pois acontecia no espago publico. : 20s contessores AA respeito de como a sociedade cearense considerava a virgindade até os anos cingiienta, o jornalista Lustosa da Costa relembra: que nao recomendava-se 1 absolvessem “...as Aquele tempo, comeu, tinha que casar, sea familia de classe média tinha poder de fogo para exigir 0 casamento, tudo bem. Pees cue ee. Se néo, a vitima era discretamente exportada pro Rio, onde as acusarem do uso mocas do Norte, virgens ou nio, tinham excelente aceitagio no mercado matrimonial. Primeiramente, entre nordestinos nostél- gicos dos conterréneos. Falo da classe média, ricos e pobres de caleo nas ruas, enfrentavam o problema sem maiores complicacées. destes”, Até o traje em geral praticado O uso de calgdes e maillots nas praias jamais deveria ser adota- pels alee do por pessoas catélicas e recomendava-se aos confessores que nao irigiam & praia, absolvessem “...as penitentes que se acusarem do uso destes”. Até o tigje de calcao nas ruas, em geral praticado pelos que se dirigiam & Praia, passou a ser combatido® passou a ser combatido, A imponéncia dos clubes como espaco social excludente Como centro de atragdo das principais festas de Fortaleza, desde o final do século XIX, havia a Fénix Caixeral. Embora reserva- da 20s que trabalhavam no comércio, conhecidos como caixeiros, 12s solenidades ali comemoradas o saldo nobre acolhia autoridades ederaise estaduais, além de representantes da imprensa e de outros Setowes de destaque da sociedade. Uma das comemoragées mais Fortaleza: cultura e lazer (1945 - 1960) 195 Digitalizado com CamScanner concorrids ealzavase nos fina ano, quando hava dos diplomas aos que haviam concludo 0 curso de Guarda O lea Cub foi inaugurado em 1981 se stuava ng 4% Joao Pessoa, antiga estrada de Parangaba, considerada mili Estado, pois fora construfda em concreto, o que atrafa e facilitay, lo fuxo de veteulos. O eifiio do clube contebuta para vig baitro, Contava doze sécios fundadores, pertencentes a fang 9 destaque na sociedade." Até a década de vinte, a vida social se restringia as festag dan. antes residenciais, aos filmes exibidos no Majestic e no Moderoe aos domingos e feriados, 4 noite, as retretas realizadas no Baseig Piiblico que atrafam os interessados. Em 1928, 0 Clube Iracema ¢ 0 dos Distios disputavam ny comemoragbes programadas. A selegao dos s6cios se prendia ap rigor estabelecido, Milas de -» pela distingio e pelo alto nivel de educagio [e] ninguém seta capaz, por exemplo, de freqtientar um clube sem estar decente. mente vestido, como ninguém se dirigia a uma senhoraeacon- vidaria para dangar sem a devida apresentacao de alguém que a conhecesse Havia um total de doze clubes na cidade e reconhecia-se 0 con- traste existente: “Fortaleza é, sem diivida, no Brasil, a cidade mais bem provida de clubes de alta categoria, porém, isto além das possi- bilidades do povo*, que s6 tinha como meio de diversio as praas 3s festas religiosas ou as comemoracées realizadas em pracas publicas O Ideal funcionava na Rui Barbosa e possufa 300 sdcios. O cute Libano Brasileiro orgulhava-se de ser 0 tinico a possuir Cinemascope € se localizava-se na Tibiircio Cavalcante. O Comercial fora fundedo om 1934. o Caca e Fesca no principio da década de cinquenta mat Bens do rio Cocé, na Praia do Futuro, onde se praticava oti 20 ako e dispunha de uma estrada com cal tando o desi I¢amento ao longo da praia, ts ‘Scamento dos sécios que vinham da cidade. O late Clu congregava os simpatizantes do esporte a vela. Também funcion vamn a Associacéo Atlética Banco do Brasil, o Clube Militar, 0 Club® Médico Cearense, 0 dos Advogados, o dos Engenheiros, o Ae Clb © Clube dos Oficia net 's da Reserva, sendo o mais popular 0 Cet Sampaio localizado na rua do mesmo nome. i .% sléico A idgia de construir a sede propria do Néutico Bae Cearense, na Praia do Meireles, contribuiu para valorizer # * praieira, mi “0 'esmo localizando-se além da Praia de lracema. O Pt 196 = Uma nova Histéria do Cearé | a Digitalizado com CamScanner BA sede do Nautico Atlético Cearense, 1956: remanescente da época durea dos clubes sociais em Fortaleza. elaborado no final da década de quarenta era de autoria de Emilio Hinko e alimentava a esperanca do surgimento de ‘um prédio majestoso”, que contribuiria para tornd-lo um dos cartées postais de Fortaleza. O apoio do poder municipal ao referido clube expressou-se na aprovacéo de uma lei pela Camara de Vereadores, garantindo duran- te cinco anos a isencdo de impostos, além de cancelar qualquer divi- da da entidade para com a municipalidade.* A nova sede do clube foi inaugurada a 22 de janeiro de 1950. Até 0 jornal O Democrata do PCB, sempre vigilante a criticar os esbanjamentos da burguesia, entusias- mou-se com as comemoracées do evento, estampado em manchete: depois de longos anos de érduas lutas, ora encetadas contra os descrentes, ora levantadas contra a propria natureza, os alme- jados dirigentes do Néutico Atlético Cearense, num esforgo herctileo e sobre-humano, edificaram as majestosas pracas de esportes do querido e tradicional grémio alviverde, que ama- nha, em notdvel solenidade, serdo entregues & familia associa~ da, a fim de que a nossa juventude possa se divertir sadiamen- tee melhorar as condig6es lisicas da raga." © Nautico tornar-se-ia motivo de orgulho dos fortalezenses, sempre exibido com entusiasmo aos visitantes, Criou-se o chavo de classificé-lo como “...um edificio dos mais belos ¢ confortéveis da América do Sul’ e “vir ao Ceard e nao ir a0 Ndutico é como ir a Roma do ver o Papa", Quando da tentativa de obtengao de um emprés- Fortaleza: cultura @ lazer (1945 - 1960) 5 197 Digitalizado com CamScanner = vim no valor de CxS 4,000.000,00 (quatzo milhées de cruzein Nautico, junto a0 Banco do Brasil, a Camara aprovoy 4 = um telegrama ao presidente da Reptiblica, como refi 0 Py efetuiado, Além de um auxilio de CrS 20.000,00 (vinte mil CRieeegg, concedido pela Camara, a Comissio de Finangas eA init aprovou a isengao de impostos e taxas do Clube, ue tanto Cnalte ce os nossos foros de cidade adiantada e Progressista, CONStituindy meritoria ajuda @ iniciativa particular de seus dedlicados \ealicadery e dirigentes”.'* A fundagio do lube ocorrera em 9 de junho de 1929, nq anti Praia Formosa. Além dos carnavals e dos bails considerades¥¢ sos”, havia as costumeiras tertiilias e as vesperais infanto-juvenis, sem. pre “...em um ambiente de distincdo, de ordem e Tespeito...”, Em 1955, anunciava-se como uma das metas prioritdrias de sua diret« trugao de quatro piscinas: uma olimpica, outra de saltos, aprendizagem e a tiltima destinada a criancas.* O bairrismo fortalezense defendia que em telacéo ao Néutico “no Fafs inteiro nao havia coisa me Pernambucano em visita a Fortalez; 8) bly Miss, OG a0 59 Intug. ‘ria a cons a terceira de elhor”, mas o depoimento de um 4, Mesmo no intuito de destacar a lado da moeda: a existéncia de elegantes simpatizar com 9 povo, “...socidvel, com- mavels.., elogiava *..o que hé de mara Ss umidade que pesa sobre nds...” E flava 5, que no aceitariam trocar o “banco dos u © Ferreira, pela Praca Pati Provavelmente,0 tante no conheceu 9 Pirambu ou outros bairros ocupados pela Sempre ctescente na cidade” Em 1949, foi “culBurada, com grande festa, a pista do ipso imo Jockey Club Cearense, qre Posteriormente disporia do edi Clo sede e de arquibancadas. Um Outro clube que passou a ser valo- pein fe = dis Clube, inaugurado em 1954, situado Fe Entretanto, para ¢ i i tae : Sade, nas proximidades do Oi 7 OS Menos afortunados, Fortaleza era uma cide j vem distragoes é a $065... Tudo é meq @, monotonia, repetiCée Preensivo, de contactos a Ihoso no sey clima sem e: Smice, rotin, Como os cut Possufam ¢ havia op, be8 fica : ae ea “vam distante do centro, aos que nao A120 € nem pes , F 0. For ie, fe tit™ agar 08 carros de aluguel n80 | MSUPHOS € rapazes cogain o queixo, tf j : 198 « Uma nova Histsia do Ceara Digitalizado com CamScanner yr tando saber como passear, como divertir-se barato, como tacher 0 vazio dos bares em sadia comunicabilidade.' As telas dos cinemas como signos da modernidade ‘Aempresa Severiano Ribeiro controlava a maioria dos cinemas existentes. PouCo @ POUCO, OS seus concorrentes, inclusive os dos pairs, conhecidos como “poeitas’, foram sendo eliminados pelo poder de expansao daquele grupo. A empresa Jango mantinha os Aempresa cinemas Rex, Odeon e Santos Dumont. O Cine Diogo, construido pelo proprietério que teria o seu nome perpetuado, fora considera- do o mais luxuoso da cidade e também foi adquirido pelo grupo Severiano Ribeiro. Antes do Diogo, o Majestic fora a atragdo dos dos cinemas: que procuravam diverséo. O Moderno também era bastante fre- _existentes. Pouco a qientado. O Diogo, na sua fase inicial, dispunha de boa ventilagao, mas posteriormente 0 ar s6 se fazia sentir no trecho préximo & tela, local que passou a ser disputado pelos espectadores. O Majestic tor- concorrentes, nara-se conhecido como cinema popular e, por isso, proporcionava inclusive os dos boa renda. Era bastante quente, principalmente durante o dia, pois nio dispunha de ventiladores. J4 0 cine Moderno possuia ventilado- res, mas em pequeno ntimero. Ainda permaneciam alguns cines que atendiam os bairros, foram sendo como o de Otavio Bonfim e o Santos Dumont, na Aldeota, que abo- lira 0 abatimento de 50% para os estudantes, além do Atapu que funcionava na Visconde do Rio Branco, préximo ao bairro Sao Jodo do Tauape e 0 América, com fundo correspondente ao Colégio daquele grupo. Juvenal de Carvalho, no Jardim América.” A campanha contra a fre~ qiiéncia de menores a casas de diversées atingiu 0 “Diogo”, onde os vigilantes da moral ficaram decepcionados, pois ‘lé dentro o que nio faltavam eram meninos e meninas que assistiam as cenas ultra- amorosas e as beijoqueiras intermindveis de Clark Gable e Lana Tamer”. © Cine Majestic, construido pelo rico comerciante Dr. Plécido de Carvalho, fora inaugurado em 14 julho 1917. Além de fil mes, também eram ali apresentadas pegas teatrais. O referido cine Ol atingido duas vezes por incéndio.” Acesperanca de modernizagao dos cinemas de Fortaleza reser- oS 8 inauguraco do Sao Luiz, cujo edificio fora iniciado desde ada de quarenta, A demora no andamento da obra repercutia causes da Cémara Municipal, de onde requerimentos par ca lisitando aceleracio des obras ’A polémica acerca ie ; Construir esse cine ampliava-se através dos jornals. ‘constru- Severiano Ribeiro controlava a maioria pouco, os seus bairros conhecidos como “poeiras”, eliminados pelo poder de expansao Fortaleza: cultura e lazer (1945 - 1950) «199 Digitalizado com CamScanner gio fora iniciada, mas 0 prédio inacabado €F tido coma «, que afeia.a Praga do Fereira,e ndo tem havido mode y. : convencer o Sr. Severiano Ribeiro de que deve botar Pata ine aquela obra”. A critica lembrava o contraste entre a ign te concessio de licengas para que as residéncias fossens wh enquanto 0 amontoado de material de construcao Petmanggi cado, durante anos, no centro da cidade.” ce ‘A ‘molecagem” da platéia dos cinemas constituig mate i preocupacio freqiiente da Policia, que, inclusive, chegou 4 ce uma campanha de vigiléncia nos cinemas: “j4 se pode ASSistir a ung fita, sem ouvir as piadas de mau gosto, os gritos e assobios Onten, foram presas onze pessoas acusadas de promover anarquia’, A acsa A*molecagem’ da tepressora da Policia também recebia apoio da Camara M lunicipal que se preocupava com a “falta de decoro que ora se observa Nos Platéia dos cinemas cinemas da cidade, onde atuam pessoas mal educadas e molequey'2 constituia motivo de Uma das tentativas de romper 0 monopiélio do BrUpo Sevetiang Bee Ribeiro sua com a insalago do cine Jangeda que, ape modesto, possufa um bom som, moderna maquina de Projecdoe uma freqiiente da Policia, tela de boa luminosidade, além de poltronas confortéveis. Aque grupo era concessionario dos principais filmes comerciais, destacan chegou a organizar — do-Se os de Tarzan, Lulu Belle, Bandoleiros do Oeste. }& com o novo con, corrente surgiram os filmes italianos e franceses. A. diregio do ee Jangada, do Grupo Cinemar, planejava construir outros cinemas no centro da cidade, contando com 0 aval da vigilancia nos dos do * que, inclusive, campanha de queles que estavam canse- ~tol das promessas a ‘Sao Luiz’ cuja inauguragéo é anuncis — da ha mais de dez anos e cujo arranha-céu jé parece uma ruina chia de visagens a desafiar a paciéncia do Ribeiro”. Para atrair a cientela,a concorténcia reduziu o preco dos ingressos em alguns cinemas.* O depoimento de freqiientadores assiduos dos cinemas nos revela 05 problemas por eles enfrentados, alguns por sinal bastante Curlosos, que ultrapassavam a costumeira reclamagéo contra o calor ou condig6es inadequadas. Em 1951, um dos impasses enfrentades prendia-se ao final das projecdes, A pressa de uma platéia inquiet@ ém retirar-se dos cinemas, nos finais das exibicées,irritava UM qilentador do cine Diogo: Os mais apressados levantavam-se, levando outros espect2- dores a fazerem o mesmo, Por isso muitos fas de Ingrid Bergma? nao Puderam ver os momentos finais do filme Seb o Signe 4 Capricéio.. mar de cabecas impedia a visio do écran Ero "sinal da €poca, Epoca de desmedida sofregud0, ee Siva velocidade, de maléfcaescravidto 3s horas", E deseiav2 st 0% j Historia do Ceara i eave Digitalizado com CamScanner jgt.até os divertimentos se assemelham hoje, Wes obrigatorias, a tristes recreios de colégios (0 vereador Manoel Lourenco solicitara ca Paiblica para “.intensificar 0 pol a trabalhos Arduos, Tigorosos”.* | 0 secretario de Policia e segura iciamento dos chamados ® nemas clegantes de nossa capital, a fim dle por termo ao canalhismo | ne se observa, principalmente aos domingos®. Apesar dea maions ds fies exbidos serem cle procedéncia estrangera, no final da déca. ga de cingtienta j@ funcionava em Fortaleza a “Empresa 90 Cine-Teatro Majestic Palace, na Praga do Ferreira, destruido por um incéndio. Fortaleza: cultura e lazer (1945 - 1960) 201 4 Digitalizado com CamScanner 202m Uma nova Histria do Ceara ani Cinema” que ODLFETA UM xt i 5(00,000,00 (quinhentos mil cruzeiros) para montagem de um, filme : : ‘avida ea obra de Pe. Cicero Roméo Batista = 85 milfmetros sobre a ; 7 1 ainda estava em construcé Em 1957, o cine Sfo Luiz a mined pessors inclufam nos seus roteiros a eae cidade 8 Visita ag * pio, em fase de acabamento. A decorao desma intura em alto televo embelezava o inte sala de projegao, que dispunha de tapetes € nee além de algutnas paredes e pias de mérmore. A longs escadaria da sala de espe, eenentando os corsimées de bronze, dispunha de refrigeracioe akg falantes com sistema estereofénico. Daf a classificacao bairrista “4, maior cinema da América do Sul’. A expectativa fortalezense acirra. va 0 desejo dos entendidos de cinema que aguardavam lancamentos internacionais que ainda nao haviam sido exibidos no Cearé: Qs Brutos também amam, Luzes da Ribalta e diversos outros. Em meados da década de cingiienta apés um incéndio ocorrido, o cine Majest, outrora o melhor da cidade, comegou a ser demolido.* Cinematogrifica do Cer comentad va.a todos, pois @ Pi Prostituigaéo: condenada, mas desejada As “pensées alegres” situavam-se no centro da cidade, de pre- feréncia na parte superior de velhas construgoes, vizinhas ou préxi- mas a casas comerciais. A policia realizava rondas freqiientes nas ruas mais procuradas pelos boémios. Para os de melhores posses, os motéis ambulantes com os cartos de praca, os automéveis dos postos Mazini, Vitéria, Nove, Para, da Praga do Ferreira Com 0 argumento de boa gorjeta, os motoristas levavam 0s casais & Praia do Futuro, entdo sem asfalto e sem risco de assal- to, Ficavam fumando, sentados numa pedra, num monte de areia, fitando as estrelas no céu, enquanto o banco traseiro do automével servia de quarto de casal, Era incmodo as mocas ficavam “manjadas", Ninguém, porém, deixou de namorat, por Jsso 0 proibido tornava o prato mais valorizado.” A policia agia com freqiiéncia no contraditorio combate & pros Uituigao, que nao podia nem seria compensador extinguir, pois #8 uma vez, usando a comparagao feita por Benjamin, entre livios® Putas “cada um deles tem sua espécie de homens que vivem de® | os atormoentant A “caga” destinaya-se aos “.,,Destegrados, invet™ | aarti inundanas tuberculosas e animais repugnant | sitava ea dos baittos de misétiae de fome e na Volta da ]ue™* Se outros locais “ce perdigéo", esse tiltimo situado pe Digitalizado com CamScanner 4 loclizagfo dos grandes clubes ¢ de belas esidenca ims, acs ladrées e criminosos eram procurados” rMasive amunciaves a pris de tés mulheres e tés homens me iarem maconha - "gm outros bairros da periferia, aumentavam as reclamacées contra OS prostibulos. Em Porangabugu eno Campo do Pio ae resfiam ‘mulheres suspeitas’, que costumavam ser apanhadas wlosapazes em automveis, muitas vezes dirigindo embriagados.” {ma campanha de prevencao a sffilis foi organizada pela ‘Sessio de gepressio a0 Meretricio”,dirigida pelo St. Ant6nio Farias Ferreira, ee profilaxiae a educacio das Prostitutas, inclusive nul guavés da exibicao de filmes como 0 Combate a Sfilis.» Aintengao de © Anraial Moura Brasil representava uma das #zonas perigo- ee «gs', bem proximo ao Centro, onde adolescentes e criancas convi- Prostituigao para viam com prostitutas. Nas proximidades do Estédio Presidente __'0°ais distantes do Vargas, na 1ua Marechal Deodoro, “as casas suspeitas” animavam as C&M", apesar de ser noitadas de pandega, gerando protestos contra as “ gritarias e _‘“eeonhecida como bebedeiras das mulheres em trajes semi-paradisfacos”. No Cercado _Protitia, foi sendo 7é Padre, nas ruas desertas e escuras, também se encontravam Broleiada pela *mocinhas prostitufdas”.* circunstancias Anunciou-se, em 1947, uma ‘medida saneadora”. O secreté- _-Provlematicas, que tio de Policia comprometeu-se a “sanear moralmente” o trecho °"voWviam diferentes central da cidade que servia de zona livre. A intencio de transfe- splnioes @ Tit a prostituigéo para locais distantes do Centro, apesar de ser __3meagavam uma reconhecida como prioritaria, foi sendo protelada pelas circuns- S¢gu’@ fonte de renda tincias probleméticas, que envolviam diferentes opinides e amea- para seus cavam uma segura fonte de renda para seus agenciadores. Na sur- agenciadores. dina da vida diéria, as autoridades policiais tinham um pacto com omeretricio fruto de uma incoeréncia moralista, que se incrusta- va na contradigéo entre o discurso e a pratica vivenciada. Enquanto isso, em quarteirées inteiros das ruas centrais, como a Bardo do Rio Branco, Major Facundo, Sena Madureira, Pessoa Anta e mesmo na vizinhanga dos clubes elegantes pontilhavam 3 procuradas “pens6es”.” At€ as tradicionais retretas, que anteriormente representavam ‘um dos principais meios de animacao popular, realizadas em pracas Piblicas, iam perdendo o seu significado, pois afetavam os interes- “Sea tradicéo das “boas familias”. Em 1948, tentou-se reativar as retretas do Passeio Pablico, que tam animadas pela banda de misica do “25° Batalhao de ‘adores’; mas as recatadas pessoas sentiam-se inseguras na Fortaleza: cultura e lazer (1945 - 1960) 203 Digitalizado com CamScanner Como conseqiiéncia da onda de programas, regados a délar e ao refrigerante introduzido pelos americanos no Brasil, as meninas usadas sexualmente passaram a ser taxadas de ‘pobres coca-colas” outrora concorrida praca, “dada a vizinhanga de cagas Susp, cas dem via" O Pasco Pico For um con, lazer no século XIX, qe 408 poveos cata no eecuciment 4 Em 1843, 0 vereador Denizard Macedo relernbrays aime retretas ¢ protestava contra a prética de Futebol pela Brora | as estétuas ornamentais, trazidas da Franga pely. cg te Achiles Boris e pelo bardo de Camocim." © jornal © jn sentot um curioso comentétio acerca do Fasseio Pabjicy, eg claro o testemunho da divisao social dos seus freqiient; reunia a fina flor da nossa alta sociedade, sem ficar ¢ bem a parte mais baixa, que dispunha ... (de espaco mento, sem que se verificasse qualquer mistura.”* A policia, tentando controlar o crescimento de bo; a concessio de licenga para as divers6es dancantes que gramadas, mas o jomal catélico O Nordeste denunciava: “Ezy yt de evitar que tal chaga imunda e putrefacta se exiba acs olin todos, lhes garante o funcionamento”. Até as quermesses,organg das, sobretudo, nos subiirbios, realizavam-se sob controle policia, que procurava restringit as diversoes,relacionando festas dancin com locais suspeitos ou cabarés. Inclusive, a venda de bebidas ales licas s6 passaria a ser permitida a partir das 19 horas. A Cémars Municipal aprovara o projeto que criava o “servigo Anti-Venéreoda Municfpio” e denunciava os espancamentos efetuados pela Pela Estadual contra mulheres e menores, jogadas no “Depésio é Fresos’, numa das atuagdes costumeiras da Policia. © Democrata associava a propagacéo do ntimero de mulhees Prostituidas 4 forca imperialista, presente através da agao dos * louros boys ameticanos’, que se estabeleceram em Fortaleza dura a Segunda Guerra Mundial. As jovens de Fortaleza, Salvador, Rei Natal e Belém haviam sido * ... vitimas indefesas dos soldados é0 délar”. Como conseqtiéncia da onda de programas, regados a délare 40 refrigerante introduzido pelos americanos no Brasil, as meninas usadas sexualmente passaram a ser taxadas de *pobres coca-coas Mesmo as casas populares mantidas pela Legido Brasileira Assisténcia (LBA) eram denunciadas por serem utilizadas por me TZes: Que recebiam protecéo de pessoas de recursos, A1espOs? 5 . : LBA aos ataques agravou a situagao, decidindo vender as casese!# Sando diversas famtlias ao desabrigo.* pacia de Ordem Politic ni adores SqUeCida tan, | para iver, dels, eri 3 fosser pin .€ Social organizou uma mF hha contra o meretricio, mas o Préprio jornal defensor 43 ™ Publica reconhecia os exageros comotides Per isso, recomend Aut fossem evtalos “os excesses", manifestados através de PO 204 » Uma nova Historia do Coats Digitalizado com CamScanner pitrdrias, POs devia-se reagir apenas contra aquelas casas “em. que houver atentado positivo ao decoro ptiblico”. fm Antonio Bezerra, chem familias protestavam contra a agio geuma “importante madame” que mantinha um cabaréno bathe jientado “por gente de alta roda ou que se presume sé-lo”.” Na Praia de lacem, comegavam a surgir as casas de rendez-vous entre as residén- a families de modo semelhante ao verficado na Pia do Meireles. O Moura Brasil se destacava pela baixa prostituigio e pelo sondcio de maconba, Calculava-se era 800 as prostitutas do bair, também conbecidas como as “mulheres do curral’, onde a égua escor- ria pelo calgamento € poucos casebres dispunham de sanitérios.” No Jardim América calculava-se em dez as casas de “mulheres siblicas”. Na rua Delmiro de Farias, localizavam-se trés cabarés, sob achefia das madames Zaré, Gerarda e Laura. Nas ruas Alexandre paratina, Ana Nery e Pe. Cicero outros prostfbulos funcionavam. As madames responsdveis garantiam que autoridades policiais haviam toncedido autotizaco. Como o Centro jé ndo representava o ponto exciusivo da prostituicdo, os bairros acolhiam o excedente e a expl- cago do problema recafa na pobreza: “Nao tem quem possa brincar coma fome, dizem as vitimas do modo de vida cristdo e ocidental’.“ Na zona portudria, no Mucuripe, comegava a surgir a prosti- tuigéo e, por isso, em 1952, 600 mulheres foram ameacadas de des- pejo pela Secretaria de Policia, pois algumas familias exigiram a | MNO Mucuripe, nas transferéncia dos prostibulos para outros lugares. Os botequins e a Sear edie prosituigéo eram os acusados “da degradacao em larga escala” no uma das principals zonas de prostitui¢ao de Fortaleza tvs tebstw FOV : Digitalizado com CamScanner cape que se expand" Na Praia Formosa iy pj en ' vo Moura Brasil ea acusado de agredir uma prosttye, | at be cara a conceder-Ihe a danga : i. ‘Adecantada defesa da moral ptiblica, 0 combate Pi Prog ¢ malandragem criavam um clima de medo constante oe i pobres. “regime de lata”, ou seja, 0 trabalho gratuito ef, it, pesos em obras piiblicas, foi uma imposigéo do sean Sepang Conv Neto, gue ganhou presi e fo elgg da cidade, Sobre a gestdo do referido sectetrio& frente, jornalista Lustosa da Costa apresenta um interessante come Policia, r respeito do regime de “lata”: tig Foram trabalhos forgados para os presos que constuim calgamentos nas ruas da capital. Ceta vez, a Policia recolhey pederastas que vadiavam pelas ruas da cidade e os condenoy 3 lata. Ele passaram, pela Praca do Ferreira, num caminhio da Policia, rumo & tarefa que Ihes era imposta. Naturalmente le, ram a maior vaia. Um dos presos, negéo largo e forte como um armario, no meio de bonecas, reagiut aos apupos distribuindy “bananas? ¢ explicando, com todo orgulho: Nio sou veado, nao. Eu sou é ladrao.* E os casos de represséo aumentavam. Na Aldeota, algumas domésticas, que conversavam numa esquina com trés rapazes, foram espancadas por soldados da Rédio Patrulha, Também um casal de namorados fora perseguido em Jacarecanga. Nos cine Modemo e Majestic, concentravam-se policiais e as lanteras fst lizavam em todas as diregGes, pois ld era onde se reuniam os cass de namorados ¢ a estudantada moleca. A policia era acusada & explorar a prostituigéo, na busca de gorjetas das madames, assim poderiam agir livtemente.* Em maio de 1960, a Secretaria de Seguranca Piblica prometa afastar © meretricio do centro da cidade, desviando-se a rors # Prostituicéo para as imediagées do Farol do Mucuripe, onde 18 ‘esidiam familias de classe média que pudessem ser pert com a vida noturna dos cabarés.® (Secretaria de Policia prometia acabar com os jogs nas tornou-se dificil definir a posicao do 6rgio ante o —. cnvolvimento de policiais com os bicheitos. Parte d0 bas apreendido na caga ao jogo clandestino destinava-se a gratifict Policias, Ficando outra parcela com a Secretaria, Também havi! percentual a ser encaminhado a instituigdes de caridade. 206 = Uma nova Histéria do Coara Digitalizado com CamScanner Ba Im 1950, os agentes indicados para a Petseguigao aos cambistas naam uma gatificacto de CrS 500,00 quinhentos eruzctos). Fi gan go um acordo entre a loteria © os banqueiros para 0 jogo do apo no funcionar 38 seas feitas © a policia no perseguiria 03 rm pstas nos outtos dias, Lara Q Denar, “as negociatas do gover carn am afinal a méscata de ‘moralistas’ que estavam usando”. lira noarreial Aexpressao do humor popular e o carnaval reprimido Oespirito pilhérico do fortalezense sempre se manifestou ao jongo de sua historia. A frequiéncia das vaias populares que eclo- gam na Praga do Ferreira ou as tiradas inteligentes de um Quintino Cunha faziam parte do folclore local. Entretanto, numa sociedade repressiva e defensora de normas rigidas de controle, 0 tom galhofeiro recebia outra denominacao: ‘molecagem” era a taxativa classificatoria dos que defendiam a ordem ptiblica incor- yerada a0 cotidiano de Fortaleza. Para a Policia “..a molecagem nos cinemas e outros centros de diversio popular, bem como na Frage do Ferreira, € um dos grandes e aparentemente insoltiveis problemas de Fortaleza’. E os responsaveis eram, sobretudo, + mocinhos irresponsdveis e indisciplinados”. Na chamada squina do Pecado”, na Praca do Ferreira, onde o vento constante ameacava levantar as saias das mulheres que por ali transitavam, no centro daquela praca, os galhofeiros se instalavam forcando a policia a iniciar uma constante vigiléncia.” Oescritor Abelardo E Montenegro explicava o usual tom zom- teteiro do fortalezense como algo além da rebeldia, uma forma ori- ginal de encarar a crueza da vida: “Hé, inquestionavelmente, uma disposigéo temperamental do cearense para a galhofa. A chalaga constitui uma constante na vida do cabega chata’. A imbricagao da seca com a fome levava o cearense a encatar com 0 fuso os “golpes do destino”, pois * ... a ingua constitui arma poderosa”. E “o cora~ (0 do Cearé-Moleque situa-se € na Praga do Ferreira’. © Catnaval em Fortaleza jamais teve o brilho e originalidade populacéo de das comemoragées esfuziantes que envolviam 4 pital cearense Recife e de Olinda. Contraditoriamente, havia na ca ‘ma severa vigilancia da policia as comemoracdes momesca’, nos Altes e nas ruas. Em 1945, até a realizacEo de corsos foi proibida e Oso de lanca-perfumes nao era permitido nos cubes. Os banhos de "at com fantasias, s6 com a permissio da policia, no hordrio de oito Fortaleza: cultura © lazer (1945 - 1960) m 207 Digitalizado com CamScanner Bioco carnavalesco “Prova de Fogo”, em foto de 1936, horas. Segundo uma nota oficial distribuida reze horas. Seg 7H eria permitido Pela de Seguranga, nao se iE SIA 7 Ba | F © uso de fantasias atentatérias a moral, proibindo-se a pattci- Paco de grupos constitufdos por individuos maltrapilhos a guisa de blocos e empunhando latas, fragmentos de madeira, Feco-reco, espanadores ¢ objetos outros que possam se tornar instrumentos de agresséo sendo os infratozes imediatamente encaminhados & Delegacia de plantéo © uso de uniformes que imitassem os das Forcas Armadss também era vedado. Os estrangeiros que pertencessem aos pases em guerra com o Brasil também estavam impedidos de participa dos festejos. Os ensaios nao poderiam ultrapassar a meia-noite Frotbiu-se também o uso de mascara e mesine as cang6es que att casserm 0 g0verno ou os “bons costumes”.” Conseqiientemente, o camaval de rua recebeu um golpe mor tal. $6 nos clubes elegantes ag Comemoragées carnavalescas s¢ 1 Pavam animadas. Apesar das testrigdes os blocos desfilavam m2 Tape ait rs ablunecdo de carnaivais anterieces Oa blo00s Pres Cae cna Malan da Folia”, “Banco do Amor", nto de Yaar a de Iracema’, “Marujos do Amo!’ “Casamento de Yaya", “Dragio do Mar”, “Baianos*, “Maracatl 42 de Ouro” e *Zombando da lygr® 208 ® Uma nova Historia do Ceara Digitalizado com CamScanner fm 1948, O Nondest criticava o preeito por tercedido a sianca” para a realizacao de festas camaval da dos interessados. O dinheiro distribu “Cidade 'escas, sendo cobrada a ido aos blocos dev 0 ria wr aplicado em benefcio dos pobres Famvintos,P fara a Igreja, se Camaval era uma festa popular, o povo dever apes a comemoré-lo as suas cuss Em 1956, 0 juiz de menores probit o uso de maids ebiguins po camaval, “mas 2 tas cocacolas saem quase despidas, eo que & pion em trejeltos os mais repugnantes. E ndo sao presas,.."" dal entra 0 olhar punitivo em prol da moral As medidas tomadas pela policia para garantir a desejada ordem piiblica geralmente eram rigorosas. No entanto, mesmo na vigilancia sobre a vida noturna entremeava-se a flexibilidade do sis- tema repressor, que variava de acordo com a clientela a ser vigiada A policia estabeleceu trés hordrios para o fechamento dos bares na cidade, de acordo com as respectivas categorias. Os de primeira clas- se, fechavam as 23 horas; os de segunda, as 21 horas ¢ os de tercei- 12, que pontilhavam no Centro, mas proliferavam na zona do mere- tricio, s6 Ihes era permitido funcionar até as 19 horas. Tais medidas, apesar de anunciadas com estardalhaco nos jornais, tinham efeito passageiro € variavam de acordo com as condigées observadas. O porte de armas, a venda de cachaca & noite e a permanéncia das prostitutas nas ruas, depois das 22 horas, foram proibidos em 1945, O secretédrio de Seguranga, Cordeiro Neto, tentava revigorar a seve- ra vigilancia, de que se orgulhava a policia e a sua inflexibilidade como homem ordeiro lhe abriu as portas da carreira politica.” A onda moralista, que tivera forca marcante na década de qua- renta, ndo fora esquecida, pois a vigilancia e a defesa dos bons costu- mes persistiam. Todavia, a inconsisténcia policial se mantinha. A par tir de meados dos anos cingiienta, comegaram a ser estampadas nos jomais as criticas ao deficiente policiamento em Fortaleza. Mesmo na zona central, com o crescimento registrado, 0 ntimero de guardas, incluindo-se os municipais, j4 nao se apresentava como o bastante Para dar continuidade a “anunciada campanha contra a molecagem’, ue nfo trouxera os resultados esperados. Os “desocupados”, que se éstabeleciam nos pontos mais movimentados da Praga do Ferreiza “.S€ comprazem em dirigir-se as mocas e senhoras de nossa melhor Sociedade com expresses imprOprias...” No cine Santos Dumont, Popularmente denominado “Dioguinho”, ainda persistiam “a alge- arta e as piadas da platéia, que irritavam as boas familias."* Fortaleza: cultura e lazer (1945 - 1960) » 209 Digitalizado com CamScanner Sea policia representava a materializacao dg Sistem da sociedad brasileira, a Igre}a ocupava una fungég "hig privilegiada, Ditar as_normas de conduta Social e Ditiva minticias do cotidiano o perigo da sexualidade, que afetayy "8 Moy i pee Ufa sua mi cujas raizes prendiamse a0 Conciio deen 2 ny consagrada pelos pastores do rebanho divino, consti As regra de is século XVI, a principio aplicadas aos conventos eg signficavam ‘,.téenicas minuciosas de explcitacig dig vida cotidiana, de auto-exame, de confissao, de dire cia, de relacio dirigidos-diretores”.* Era controle moral injetado “de cima para baixo* u 4 discus S80 de conga, z 4 © que te a sua estabilidade garantida até o Conecilio Vaticano Il, pois a Uma prova da forga — cupacéo com os menos favorecidos, através da Teologa ectesisica, sempre Libertagio, ainda néo chegara 20 centro das reflerses exes, A Tgreja era parceira e orientadora da repressio social, eg apoiada pela etela Cla P Pecialmer, te no campo da manutencao dos valores morais, Uma proved forca eclesidstica, sempre apoiada pela repressao policial, ocons ccoreu-em Fortaleza em Fortaleza em 1948, quando o grupo Severiano Ribeiro omen, em 1948, quando @ Propaganda do filme Extase, a reagdo da Igreja se manifestou& imediato, “...procurando atender as justas reclamacées das pessoas dignas de Fortaleza...”. A resposta do chefe do Servico de Census do Cinema e Teatro, do Rio de Janeiro, enderecada ao secretirio de propaganda do filme Seguranca local, tornou-se jocosa: o filme jé fora liberado hi mais de um ano.* Uma vez que as prostitutas tinham sido proibidas de cireut nas ruas antes das 22 horas, a vigilncia moralista descobriu nos agentes. Desta feita, “..mogas de familia” foram flagradas agarats ee coma rapazelhos imberbes... [sic]” por uma ronda policial*A tit de da policia passava a ser enaltecida como refreadora dos atental @ moral. A vigilancia puritana também atingia os concortidos po gramas de audit6rio, em geral realizados nos finais de seman2. E° recelo dos brios ofendidos se expunha, principalmente, = artistas de fora vinham apresentar-se nesses programas. Em abril de 1948, criticava-se um tal “Bodu® por profetitin® ralidades no auditério de uma emissora local, *..diante de ut i téia animalizada ou desclassificada que Ihe aplaudia alvart ee despudoradas anedotas ou as cantigas indecentes". E Grande lho artista consagrado no Pats, era taxado de “negro Otelo", OUT uum *..negrinho ingolente e mal educado?. A emissora acuss®°°, PRE-9, que resolvera trazer a *...dupla de malfeitores intelee"™ repressao policial, grupo Severiano Ribeiro comegou a Extase, a reacao da Igreja se manifestou de 210 Uma nova Historia do Ceara Digitalizado com CamScanner vOeeereEE Lee uw ee | le ot we a) ipere ral ) el IW Jane Azeredo em © préprio arcebispo de Fortaleza felicitava a policia pelo esfor M4 SE LNCS. go em preservar a veneranda moralidade piiblica. Reconhecia-se, romance de José de entretanto, que para completar o controle social, faltava apreender Alencar na TV Ceara: as revistas e livros indecentes.” Outra emissora que mantinha ani. “@udécia oe mados programas dominicais era a Radio Iracema. A TV Ceard canneries Canal 2 56 seria inaugurada em 27 novembro de 1960. Quando foram apresentados pela primeira vez, o som e a imagem ‘dezenas de pessoas se acotovelaram nas lojas para observar a novidade ¢ 0 Contentamento do puiblico era imenso.” Os cinemas constitufam outro reduto perigoso a manutengio 4: “pureza dos jovens”, devido as cenas *..de audacias sexuais, de intimidades provocantes entre namorados, de trajes escandalosa- ente diminutos, de mulheres sem pudor”. O uso de calgas com- fy Pelas mulheres igualmente mexeu com os brios dos vigilan- ‘orais. Como o costume se expandia com rapidez, a classifica Fortaleza: cultura e lazer (1945 - 1960) w 211 = Digitalizado com CamScanner S- 7 gao tinha de ser contundente: =debilidie mental Sighiticay, op¢ao das que aderiam ao ousado vestudrio’, aa Quando se comemorou a primeira carteira de Motorists da por uma cearense, a ética eclesiéstica s6 vislumbraya Spe sdgios: “...quanto mais 0 sexo feminino adota a Profissig mange na, mat a8 casas se dspovoam, 0s bercos ficam vaziog¢ nhas abandonadas, Tudo isso, néo resta diivida, sintoma de ‘i humanidade em declinio”: : Na década de cingiienta, a perseveranca eclesistica ern Vigig © comportamento social continuava firme, embora os ress pouco significassem ao atendimento das necessidades Sociais, Novdeste denunciava que mesmo os locas préximos i delepacia ¢, policia, como a Praca da igreja Coracao de Jesus, costumavam se prediletos aos “namoros indecorosos”.” Além das dentincias constantes, foi organizada pelos moras. tas a “Semana da Decéncia”, cujo encerramento ocorreu numa ses sao solene no Instituto de Educacao do Ceara, Também denuncia- va-se a “Boite Lua Nova” por funcionar sem vigilancia da Policia, havia casos de punigéo policial, A Mulher “Margot", ‘apesar de altamente protegida por gente sem crtério, mas que se diz gran de...” foi condenada pelo juiz Floriano Benevides a quatro anos de Prisdo € cinco contos por atentado ao. pudor. Em 1957, novamente reativava-se a campanha de moraliza- sao. Uma empresa teatral chegou a ser proibida de apresentar uma Peca, no Theatro José de Alencar, em virtude de um movimento organizado por estudantes universitdrios. Um. jovem encaminhara 4 campanha 0 protesto contra os Tapazes que atormentavam as vesperais cinematogréficas, com piadas e pilhérias as meninas, Texava de “canalhice ambulante’, geralmente praticada por ests dantes fardados. Sugeria-se, como norma de controle, que os jovens com fardas colegiais, frequentadores de cinemas, tivessem 0s Seu8 nomes encaminhados aos pais O desafio que itia colo policia despontou em mead atuagio dos “1 car em baixa a forca moralizante da los da década de cingiienta, quando @ rabos de burro” comecou a inquietar Fortaleza. N&o cram marginais comuns, mas filhos da classe dominante que disp- nham de automéveis © cometiam abusos contra mocas, eralie- te estudantes desacompanhadas, © néimero de casos aumy sou a ser discutide tes na Camara M entou rapidamente e o assunto pas através dos jornais, sendo alvo de intensos bs lunicipal. A vereadora Maria Eulélia, em 1954 212.8 Uma nova Histéria do Cearé — Digitalizado com CamScanner ina reaposta concrcta da Toliein a0 *..terror implantado na jo Mos chamados ‘tabos de burro’, notadamente com respei pelo nit Mi ghelecimentos de ensino, mais atingidos pelos mesinos i 4duos” jy contrapartida, 0 vereador Fernando Sobreira, mais caute- Maat de concordar com O Fequerimento da colega, achava oso. Pata de problema muito mais transcendental do que a objetiva”. Sugeria como aditivo, ‘que as investigagoes roe em torno do caso, sejam de ordem sigilosa e obedeam a patie ‘medicos higiénicos e psiquidtricos” po vr vereador chegou a sugerir que a Secretaria de Seguranca qrovasse todos 08 requerimentos para porte de armas, como sfiovha de dfese pessoal. A medida nao foi aprovada por Fert a Fe acio penal. O.apelo dos vereadores fot dirigido a todas as auto- sees locas inclusive aos comandantes militares." O terror dos “rabos de burros” foi amenizado ante a teacio e os proxestos que partiram de diferentes setores. Esta manifestagées foram mais fortes que a aco policial, que sempre demonstrou poucselcécia na busca de identificar esses responséveis pelas vio- lenciassexuais. Os tais filhos da elite recuaram, dada a repercusséo dos protestos, restando apenas os registros de queixas no rol dos casos insoliveis. Consideragé6es finais A telacéo entre “o ter” e “o poder” sempre foi vistvel em dife- rentes sociedades. E um dos meios de se perceber a uniao valorati- ve de ambos expressava-se nas atividades culturais e diversionais. CO modo e os meios de diversao e entretenimento envolviam a ansia de exibir uma situacdo social de prestfgio, a ser louvada pelos mais intimos € invejada pelos competidores. As festas promovidas pelos lubes e associagées serviam de ocasiao a exibigao do luxo e presti- #0 adquiridos pelos envolvidos nas comemoragées. S6 que a forma & usufruir determinadas modalidades de lazer limitava-se aos Mais favorecidos. Quanto aos pobres, as opgoes encolhiam, restando apenas a eae em festas religiosas ou algumas atividades singelas. Os iy ult % viarn dominados pela forca de alcool, consagrado atra- ~°@ vilonizada cachaga, Desse modo, constata-se a relagao entre relecido na sociedade € o usuario das atividades rectea- © controle se cristalizava no comportamento vigilante dos Partic poder estat Uva > Enquanto as festas dos principais clubes reuniam os privilegiados do lazer, @ prostituicdo barata se expandia, sendo empurrada para a zona portuaria, onde ‘se misturavam ‘carregadores & meretrizes, produtos antropomorfos da putrefacaio” Fortaleza: cultura @ lazer (1945 - 1960) 2213, Digitalizado com CamScanner 2 setores policiais, que se voltavam com Figidez pata 5 pobres, Ad regras que orientavam a decéncia e 0 moralismo deviam ser cum pridas& risca, sobretudo por pessoas de condicio socal subalemng ‘A repressio a falta de pudor e 0 olhar atento 20s namoros¢ banhos de praia ou mesmo ao recinto fechado dos cinemas tinham 6 ponto central da visio tradicional que limitava as manifestacéeg de afeto e sensualidade, prejudiciais 2 sonhada ordem social O repiidio a prostituigéo sempre se enroscava nos beneficiog reservados aos vigilantes da moral; mas a acao repressora tinha a sua fronteira na posigéo social do seu agente. Enquanto as festas dos principais clubes reuniam os privilegiados do lazer, a prostitui cdo barata se expandia, sendo empurrada para a zona portudria, ‘onde se misturavam “carregadores e meretrizes, produtos antropo- morfos da putrefagio”.’ No que diz respeito ao lazer, nao constitui novidade reconhe- cer 0 cardter conservador e repressivo, que se embutira na vida urbana de Fortaleza. Afinal, o tradicionalismo das normas de con- duta da época simbolizava uma das partes do alicerce tipico de sociedades patriarcais. 214 = Uma nova Historia do Ceara Digitalizado com CamScanner

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