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; 1) rn Co NVUTUS ela ou Mandelbrot Piel) L. Hudson dos mercados # Po ns: ‘Benoit B, Mandelbrot, ur dos mais influentes matematicos do século, famoso em todo.o mundo porinterpretar fem termes matemsticos fates que todos conhecer, mas que geémetras, desde Evelides, jamais assimilaram: as nuvens nao so redandas, as montanhas no S30, Bnicas, os IRorais nao so regulares. A cessasclissicas, demas agora ‘acrescentar outro exemplo: 0s mercados ‘io sio uma aposta segura, a0 contro do quetalverdigam os corretores, Em seu primeiro lio para o grande piilico, Mandelbrot e Richard L. Hudson mostram como o pansamento ‘convencional sobre o comportamento dos ‘mercados - um conjunto de pressupastos rmatematicos que a esto hd mais de um século e que ainda so ensinados em todos os MBAS e financistas do mundo - ‘implesmente nio funcionam. Como j havia feito em rlaro ao mundo fisico,no seu cssico The Fetal Geomety of Nature, Mandelbrot explora neste livro a geomet fractal, para propor um novo ‘método mais exato de descrever 0 comportamento dos mercados. Agora, a ‘latilidade do precedes aces da BM eas _ oscilagdes da taxa de cdmbio euro-délar _ podem ser apresentadas em fmulas _ objetivas, que produzem um modelo muito jis adequado do grav de risco dessas ‘Benoit Mandelbrot é protessor de Cigncias “Matematicas na Universidade de Yale @ Fellow Emeritus do laberatério Thomas J ‘Watson, da IBM. € inventor da geometria fractal, cyjo exemplo mais farn0so,o Conjunto Mandelbret,foreproduido ern mithBes de pésteres e cemisetas. E um {dos principais personagens do livro Caos -A Ciiagéo de uma Nova Ciena Elsevier, ‘ecebeu © Wolt Prize, em fisica, eo Japan Prize, em ciéncia e tecnologia; além de ‘outros prémios da Academia Nacional de (incias dos Estados Uridos, do Instituto ‘de Engenheiros Elétricase Eletrénicos, também americano, ed numerosas Universidade dos Estados Unidos e de Dutros paises. Entre seus livros, destacam- se Fractals: Frm, Chanceand Dimension, que depois de amplindo trensformause no lssico Tho Fractal Geomety of Natur. Richard L. Hudson foi repérter durante 25 ‘anos e ecitor da edicao européia do Wall ‘Street Journal durante seis anos. Fermou- ‘seppela Harvard University, em 1978, tornou-se Knight Fellow do MIT, em 1991, S Financeiros Fora de Controle Mercados Financeiros Fora de Controle Ateoria dos fractais explicando © comportamento dos mercados Tradugso ‘Afonso Celso da Cunt Serra ) ono ELSEVIER CAMPUS Do ofa ‘he nis) Behavior of Markets “radu atrizada do oma gl da eo pubic por Basle Books -Perus Books Group CCopyight © 2008 by Benoit. Mandre. (© 2004, Geo Etora Lda, “Todos o dtl rasonatosoprotagdes pla Lal 610 6 1100/1008. "Nenua parte desta, sem aorzacto préia per eeara a tora, odor sr reprocizda cu anata jam qui orem o® main emgragadoe ‘letrnicos, menos, flog, pravarde ou quasqur autos terarao Bleweica Estudio Casttan, Copidesque ‘ana Costa Sera Reviade Gren Mavitor Sena lal Racha Edna Rocha Preto Griteo savor Esra La. 1 Guaiade de omageo ua Sota de Setombro, 1 ~ 16 andar 2000-006 Rl de Janie FU Bast Teltne: 21) 39708900 FAX: 21) 2507-1901 malo @ svi combr Ezra Sto Paulo ‘im Evra Fras, 198 ol: ny aae.e558 ISBN asase-1400:3 Eapio ongnat SEN 0455-04355. CIP-bast Cataoparao-na ons Shascato Nacional dos Eaves do Los, Ru 280m ‘Mandobret, Bera aradoe inancoke ora de cntole ator dos actale ‘explcando ocompertamento dos morados /Benot Mandotet, Fichar Hudson ;vadupdo do Alonso Clee da Cunha Sora, Fodder Elev, 2004, “Tradgo de: Themis fecha of marats Incl botografa ISBN a5 982-1400:2 1. Mercado de captais. 2 Investienios- Andie 9. Ags (Finangas~ Pregos 4, Tits (Fnangas). 5. Adminstagso de seo. Hudson, Par. Tl, ox2005 coo ss267 Sou 396.76 (04 05 06 07 08 e4aat we PARA O LEITOR CIENTIFIC : UM RESUMO (Os trés estados da matérla - s6lldo, liquido e gasoso ~ de hé muito sio conhecidos. Distingao analoga entre os trésestados daaleatoriedade—branda, lentae turbulenta~decorre da ma- tematica da geometria fractal. A teoria financeita convencio- nal presume quea variacdo dos pregos pode ser modelada por processos aleatérios que, com efeito, segue o padrao “bran. ‘do” mais simples, como se cada movimento delta ou de bai xa fosse determinado por cara ou coroa. O que os fractais ‘mostram —eeste livro descreve-é que, conforme esse padrao, ‘0s precos reais “comportam-se muito mal”, Um modelo mul- tifractal mais exato da variagdo turbulenta dos pregos cria condigdes para um novo tipo de teoria financeira mals con- elétricos “oscilantes" ¢ o rastro dos pregos de uma agd0 Se ELS Aux Dames: Aliette, Diane, Louisa, Clara e Ruth Sumario Resumo Agradecimentos Preémbulo: Apresentando um rebelde em ciéncias Benoit Mandelbrot, 0 “pai” dos fractais, construiu sua carreira indo contra as modas predominantes em ciéncias. Parte Um O Velho Caminho Capitulo I Risco, ruina e recompensa A teoria financeira “moderna” fundamenta-se em poucos mitos frageis que nos levam a subestimat 0 risco real dos mercados financeiros, Capitulo IT Na base do cara ou coroa ou da trajet6ria de uma flecha? Como usar a mera atuacao do acaso para estudar “wn mercado financeiro? ill av 2s x. Mercados Financeiros Fora de Controle Captuio IIT Bachelier e seu legado 42 O estudo da teoria financeira comecou um século atrds, com o brilhante, mas subestimado, matematico francés Louis Bachelier. Capitulo IVA casa das finangas modernas 56 Como 0 edificio da teoria financeira moderna ~ avaliar ativos, construir carteiras e estimar riscos ~ foi erguido pelo trabatho de Bachelier. Capitulo VO argument contra a teoria financeira moderna 74 A teoria financeira ortodoxa esta eivada de pressupostas falsos ¢ de conclusdes erroneas. Um resumo das evidéncias em contrério. Ensaio pict6rico: Imagens de anormal 83 Parte Dois O Novo Caminho Capitulo VI Mercados turbulentos: Uma visio antecipada 105 (Os mercados financeiros sao turbulentos ~ como os ventos ou as enchentes. Introduco & perspectiva fractal em financas. Capitulo VII. Estudos sobre a irregularidade: Uma cartilha fractal 116 De que maneira os precos das acdes so como folhas de samambaias? Estudo sobre a geometria fractal. Ensaio pictérico: Uma galeria de fractais 125 Capitulo VIE mistério do algodao A primeira pista sobre a perspectiva fractal em finangas surgiu com um estudo de Mandelbrot sobre 0s precos do algodao. Relata dessa jornada clentifica Capituto IX Memérias longinquas, do Nilo a0 mercado A segunda pista sobre a perspectiva fractal em financas decorreu de um estudo do hidrOlogo inglés LH. E, Hurst sobre o rio Nilo, ao qual o autor dedicou toda a sua vida, Capitulo X Noé, José e as bolhas do mercado. Nos mercados financeiros, dois aspectos criticos sao as violentas oscilagdes de precos ¢ a dependéncia duradoura — 0 Efeito Noé e 0 Efeito José. Capitulo XI A natureza multifractal do tempo hay uperayoes de mercado Nos mercados financeiros, 0 tempo acelera e desacelera, conforme descrito no modelo multifractal dos mercados. Parte Trés © Caminho Adiante Capitulo XII Dez heresias em finangas Como 0s mercados financeiros realmente funcionam? Lista em estilo jornalistico dos principais insights fornecidos pela perspectiva fractal em financas. Capitulo XII No laboratorio. E entao, como 0 estudo sobre fractais muda as finangas? Um programa para pesquisas futuras. Sumério xi 139 164 186 195 213 240 263 288 303 Agradecimentos NAO SE FAZSOZINHO UM LIVRO. Neste caso, aajudae o apoio de muitas pessoas foram essenciais. Aqui, dou-lhes os créditos, com gratidao. A sobrevivéncia quando se assumem altos riscos em geral a recompen- sa pelo senso de oportunidade. Foi assim que o professor Mandelbrot varias ‘veres escapou do desastre em seu caminho para os fractais. Ele é profunda- mente grato ao Centro de Pesquisas Thomas J. Watson, da IBM ~ durante trinta e cinco anos, um parafso sem igual para rebeldes empenhados em in- vestigagdes que a ciéncia € a sociedade julgavam desejéveis, mas tinham poucos meios para apoiar. Relacionar todos os colegas prestativos seria im- possivel; porém, merecedor de mengdio especial é Ralph E. Gomory, a quem Mandelbrot teve a sorte de prestar contas, de varias maneiras, durante boa parte do tempo que ficou na IBM. Ao aposentar-se, Mandelbrot foi trazido ‘pata o Departamento de Matematica de Yale por Ronald R. Coifmane Peter 'W. Jones, que abriram para ele as portas de outro paraiso especial, Durante todo esse tempo, Aliette K. Mandelbrot destacou-se como participante ex- ‘tremamente ativa, excelente conselheira ¢ entusiasta sempre presente. Por sua patte, St. Hudson gostaria de agradecer aqueles que encoraja- 1am suas proprias pequenas incursdes no isco, pessoais ou profissionais. i Na Katholieke Universiteit Leuven, na Bélgica, o reitor Filip Abraham eo xiv Mercados Financeiros Fora de Controle professor Paul De Grauwe, da Faculdade de Economia e Economia Aplica- da, proporcionaram apoio e amizade vitals, com a proposta de que Sr. Hud- son trabalhasse neste livro como académico visitante, No Wall Street Jour- nal, Frederick $. Kempe estimulou este empreendimento como colega e amigo, e Paul E, Steiger e Karen Elliott House gentilmente concederam-the licenga para a sua realizagao. E em casa Diane M. Fresquez foi um espirito norteador, Ela ajudou a revisar, a editar e a pesquisar partes do livro; trans- crevendo com paciéncia muitas horas de gravagdes de conversas entre os autores; oferecendo — como sempre ~ seu generoso estimulo € seu sabio companheirismo. Pela arte, agradecemos a M. Gruskin, H. Kanzer e M. Logan. PREAMBULO de Richard L. Hudson Apresentando um rebelde em ciéncias A INDEPENDENCIA £ UMA GRANDE VIRTUDE. Para ilustré-lo, Benoit Mandelbrot conta como, durante a ocupacaoda Franga na Segunda Guerra Mundial, seu pai escapou da morte. Certo dia, um grupo de combatentes da Resistencia atacou 0 campo de prisioneiros onde estava seu pai. Desarma- meiros para que fugissem antes que as ram os guardas e disseram aos pri forcas alemas contra-atacassem. Assim, os prisioneiros, surpresos ¢ deso- rientados, partiram em massa rumo a Limoges, nas proximidades, seguindo pela rodovia. Depois de meio quilometro, 0 pai de Mandelbrot concluiu que aquilo era loucura, Em conseqiléncia, separou-se do bando e prosse- guiu sozinho. Imediatamente, abandonou a estrada aberta e embrenhou-se na densa floresta em busca do caminho de casa. Pouco depois, cuviu o ba- rulho de um bombardeiro de mergulho alemao Stuka, metralhando seus companheiros na estrada. $6 ele, sozinho na floresta, escapou ileso. “Essa foi", recorda-se o fillno, “a maneira como meu pai comportou-se durante toca a vida, Era um homem independente ~assim como eu.” _ Mandelbrot, adolescente durante/a guerra, hoje ¢ famoso, Depois da _ guerra, obteve o grau de Ph.D. em Paris, juntousse a migracao de cientistas europeus para os Estados Unidos, ¢ prosseguiu em sua longa carreira de des- -cobertas cientificas e de conquistas académicas, Inventou um novo ramo xvi Mercados Financeiros Fora de Controle da matemética, a geometria fractal; utilizou-a em dezenas de diferentes campos, cuja propria diversidade tornaria improvavel sua aplicagao; e rece eu numerosos prémios, além de ampla atengao da midia. Porém, suas pri- ‘meiras ligdes do tempo da guerra sobrea importancia de ser independente~ diz ele que se tornou aguerrido, ou endurecido pela guetta, em face de suas experiéncias- tornaram-no sempre propenso a seguir rumos diferentes dos da maioria, Assim, provocou muitas controvérsias, contra as quais sempre persistiu na direcdo almejada. Mandelbrot se considera rebelde, Com isso, quer dizer que passou a vida fazendo apenas o que considerava correto, me- tendo o nariz onde nem sempre era bem-vindo, nao pertencendo a nenhu- ‘ma comunidade cientifica em especial. “Tenho sido um viajante solitario com tanta freqdéncia e durante tanto tempo que nem mais me incomodo com essa situagdo”, afirma. Ou, como observou um amigo com mentalidade matematica: ele se movimenta orto- gonalmente — em angulos retos ~ em relagaa a todas as modas. importante ter em mente esses fatos sobre a vida de Mandelbrot sem- pre que se o encontra em qualquer oportunidade, como neste livro. O que ele diz: nao € 0 que normalmente se ensina nas escolas de negécios, c Harvard, Londres, Fontainebleau ou em sua propria universidade— Yale. Ele sempre foi precursor, contrério as modas e criador de problemas em prova- velmente todas as éreas em que atuou: fisica estatistica, cosmologia, meteo- rologia, hidrologia, geomorfologia, anatomiz, taxonomia, neurologia, lin- gUistica, tecnologia da informagao, graficos computadorizados e, obvia- mente, matematica. Em economia, ele é especialmente controverso. Sua primeira manifestacao nesse campo, na década de 1960, provocou uma tempestade, O falecido Paul H. Cootner, entio bem conhecido economista do MIT, elogiou 0 trabalho de Maldelbrot como o “mais revolucionario acontecimento na teoria dos pregos especulativos” desde o inicio desses es- tudos em 1900 - eentao passou a criticar 0 seu contetido eo “tom messiani- co”, Desde entdo, sempre foi assim. O establishment econdmico conhece-0 bem, considera-o instigante e adotou com relutancia muitas de suas idéias (embora quase sempre sem Ihe atribuir todos os méritos). [sso 0 converte ‘numa das mais importantes forgas de mudanga na teoria financeira. Maso establishment também 0 considera desconcertante, Portanto, este livro € um atalho para um mundo mais amplo e para um. blico mais numeroso do que os dos saldes de Cambridge, em Massacht- setts, ou de Cambridge, na Inglaterra, O que Mandelbrot tema dizer é impor Apresentando um rebelde em ciéncias xvii tante e de relevancia imediata para todos os profissionals de finangas, para todos os investidores no mercado e para qualquer pessoa que queira apenas saber como se ganha e se perde dinheiro com rapidez to assustadora. De inicio, Mandelbrot abordou os mercados como cientista, em termos tanto experimentais, quanto teGricos. A seguinte afirmagao de Einstein fi- cou famosa: “O grande objetivo de todas as ciéncias é cobrir o maior nime- 10 possivel de fatos empiricos, por meio de dedugdes légicas, a partir do me- nor ndmero de hip6teses ou axiomas". Essa parcimOnia também fot 0 pro- pésito de Mandelbrot. Para ele, as bolsas de valores so uma “calxa-preta”, um sistema ao mesmo tempo complexo, variegado e elusivo, a ser estudado com ferramentas conceituais e matemticas baseadas nas da fisica. Desde que ele a desbravou na década de 1960, a evolugao dessa abordagem foi mui- to intensa, Ela proporciona uma perspectiva cientifica sobre os mercados, que dificilmente se encontra nos livros convencionais sobre investimen- tos, mercados e economia. Portanto, a leitura desse volume ndo o tomnaré rico. Maso deixard mais, sabio — e, assim, talve7.evite que voce fique mals pobre, EU, CO-AUTOR dessa iniciativa, conheci Mandelbrot em 1997, quando eu era editor gerente da edigdo européia do Wall Street Journal. Ele apareceu em nosso escritério de Bruxelas com a missao de convencer-nos de que deveria- ‘mos repensar a maneira como funcionam os mercados. De inicio, ele me impressionou com 0 esterestipo do “cientista louco” ~ cabelos brancos esvoacantes, muito cerebral, convicgdes intensas, amor pela digressto € discussio, Mas eu e meu entio chefe, o editor Phil Revzin, o ouvimos com educagio ¢ fizemos 0 que os editores de jornais geralmente fazem nessas circiinstancias. E da‘? Imprimam o que ele tem a dizer e vamos ver 6 que acontece. ‘Um ano depois, quando estava planejando uma conferéncia sobre ne- ‘g6cios para o jornal, pensei em convidar Mandelbrot para falar sobre risco. Eassim fol. Ele comandou o espetaculo. Os participantes do evento, entre (os mais bem conhecidos financistas, empreendedores ¢ CEOs da Buropa ~ todos sujeitos a grandes riscos, escutaram primelro com perplexidade: Nao tratava de um palestrante como tantos outros, que diziam mais ou me- as mesmas coisas. Ent4o, foram como que sugados por aquela historia . Alguns afirmaram que ele fazia mais sentido do que seus CPOs, xviii Mercados Financeiros Fora de Controle Depois, avaliaram-no em nosso formulario de feedback como o melhor ex- positor do dia ~ empatado apenas com Steve Ballmer, CEO da Microsoft. Como cientista, a fama de Mandelbrot decorre de ter desenvolvidoa geo- metria fractal e de haver demonstrado sua aplicacéo em ampla variedade de reas. Um fractal, termo que cunhou a partir do equivalente em latim a “fraturado’, é uma forma geométrica que pode ser desdobrada em partes menores, cada uma delas correspondendo a um reflexo ou eco em pequena escala do todo. Os galhos de uma arvore, 0s floriculos de uma couve-flor, as bifurcagdes de um rio -todos so exemplos de fraciais. A matematica rejeita as linhas e planos suaves da geometria grega que aprendemos na escola, ‘mas tem aplicagdes espantosamente amplas, sempre que se depara com it- regularidade ~ ou seja, em quase todas as situacées. Itegularidade € 0 tema central de seu trabalho. De ha muito dispomos de medidas precisas ede teo- ras fisicas complexas para sensag6es basicas como calor, som, cor e movi- mento. Entretanto, antes de Mandelbrot, nunca tivemos uma teoria ade- quada sobre o irregular, 0 éspero, o rugoso — todas as imperfeicdes irritantes ‘que geralmente tentamos ignorar na vida. Irregularidade é a borda aspera na drea de fratura de um objeto de metal, o litoral acidentado da Inglaterra, ‘aestitica na linha telef6nica, as lufadas de vento ~até mesmo os graficos re- cortados de um indice de ages ou de uma taxa de cambio. Na expresso dele, “irregularidade so os elementos incontrolados da vida”. Estudando a irregularidade, Mandelbrot encontrou ordem fractal onde ‘outros tinham observado apenas desordem. Seu manifesto The Fractal Geo- ‘metry of Nature apareceu em 1982 ¢ tornou-se best-seller cientifico, Em bre- ve, vendiam-se aos milhares camisetas e pOsteres de sua mais famosa cria- sao fractal, 0 Conjunto de Mandelbrot, em forma de bulbo, mas infinita- mente complexo. Suas idéias foram logo adotadas por outro movimento ientifico ~ a teoria do caos. “Fractais” e “caos” entraram no vocabulétio popular. Em 1993, a0 receber o prestigioso Wolf Prize for Physics, ele foi es- colhido por “ter mudado nossa visio da natureza’, A HISTORIA DA VIDA de Mandelbrot tem sido um conto de irregularidas de, instabilidadee o que ele chama de acaso “violento”. Mandelbrot nasceu em Vars6via, em 1924, ¢ recebeu aulas particulares de um tio que despreza- va oaprendizado decoreba; até hoje, diz Maldelbrot, 0s alfabetos ¢as tabua- das 0 deixam meio perturbado, Em vez disso, ele passava boa parte do tem= Apresentando um rebelde em ciéncias xix po jogando xadrez, lendo mapas e aprendendo aabrira mente para o mun- do ao seu redor, Mas as agruras da educagio na guerra chegaram muito cedo, Sempre atenta, com intensidade incomum, aos sinais de problemas iminentes, a fa- milia judia mudou-se em 1936 para Paris, onde outro tio, Szolem Mandel- brojt (as diferenas de ortografla sto comuns numa familia tio errante), j4 se estabelecera antes como professor de matematica. Estourou a guerra, € 0 jovem Mandelbrot foi mandado para uma pequena cidade na rea rural da Franca, onde, em épocas diferentes, cuidou de cavalos e consertou ferra- ‘mentas. Na época, um simples agasatho quase acabou com ele. © pai the comprara um casacio de la, num padrdo xadrez laranja, imitando 0 esco- és: de extremo mau gosto, mas acolhedor e bem-vindo numa época de guerra. Um dia, a policia o interpelou ea seu irmao mais mogo. Um homem alto, vestindo um sobretudo igual ao seu, fora visto havia pouco, fugindo da cena de um ataque da Resistencia francesa ao quartel alemao. “E ele”, apontou um colaborador. Logo ficou claro que se tratava de um erro de identidade. Mandelbrot foi solto, mas nao quis correr riscos. Na primeira oportunidade escapullu da cidade, Seu momento de autodescoberta como matematico ocorreu em Lyon, em 1944, onde benfeitores o esconderam —apropriadamente—numa esco- Ja. Tinha uma carteira de identidade falsa e assim conseguiu mais cupoes de racionamento. O pessoal nao fez perguntas; aquela era, ele se lembra, “uma espécie de résistance passiva”. Na primeira semana, ele se sentou diante de palavras e ntimeros incompreensfveisno quadro-negro. Até que professor partiu para uma longa jornada algébrica. Mandelbrot levantou ‘amao. “Professor, o senhor nao precisa fazer cAlculos. A resposta é dbvia,”" E descreveu um método geométrico que oferecia uma solucao ripida simples. Onde outros teriam usado formulas, ele viu uma imagem. 0 pro- fessor, cético de in{cio, verificou: correto. E Mandelbrot continuou fazen- doa mesma coisa, nos sucessivos problemas, nas sucessivas aulas. Confor- ‘me seu prOprio relato: Acontecia com tanta rapidez que eu nao tinha consciéncia da coisa, Diziaa ‘mim mesmo; essa construgio é feia, vamos deixé-la mais bonita. Vamos tomé-la simétrica, Vamos projeté-la. Vamos embuti-la. E tudo isso eu con- Seguia ver em imagens tridimensionais perfeitas, Linhas, planos, formas _ complicadas. xx Mercados Financelros Fora de Controle Desde entdo, as imagens foram suas fontes especials de inspiraciio € co- municagto, Algumas de suas idéias mais importantes derivaram no de ra- ciocinios mateméticos complexos, mas do reconhecimento instantaneo de relagoes entre imagens dispares ~ a estranha semelhanga entre diagramas referentes a distribuigdo de renda e precos do algodao, entre um grafico de cenergia e6lica e um grafico financeiro. A esséncia criativa da geometria frac- tal é combinar o formal ¢ o visual. A pronta intuigao de imagens fractais ¢ hoje disciplina de cursos superiores em Yale e em outras universidades, além de complemento comum de muitos cursos de matematica do ensino médio. Porém, entre os mateméticos “puros”, a abordagem de Mandelbrot foi criticada de inicio. Nao é rigorosa, queixavam-se; 0s olhos sdo engana- dores, Contudo, retruca Mandelbrot, a observacdo geralmente 0 levaya a conjecturas que estimularam e desafiaram os mateméticos mais qualifica- dos; muitos desses problemas continuam sem solucdo. Em todo caso, ob- serva ele, nos primérdios da ciéncia as imagens eram essenciais; basta ver os desenhos anatémicos de Vesalius, os esbogos de engenharia de Leonardo (ou os diagramas épticos de Newton. Apenasno século XIX, quando se aper- feigoou o grande edificio da anslise algébrica, as imagens tornaram-se sus- peitas como algo de algum modo impreciso. Num mundo ainda mais complexo, argumenta Mandelbrot, 0s cientis- tas precisam de ambas as ferramentas: de imagens e de niimeros, de visio geomeétrica, assim como de perspectiva analitica. As duas devem trabalhar juntas. A geometria visual € como a acuidade de um médico experiente, que examina fisicamente o paciente e interpreta visualmente graficos e filmes. J4 a anilise exata ¢ como o resultado de exames laboratoriais - nmeros brutos referentes a pressio arterial e a quimica do organismo. “O bom mé- dico estuda os dois elementos, as imagens e os ntimeros. A ciéncia também precisa funcionar dessa maneira”, diz ele. ‘A carreira de Mandelbrot percorreu uma trajetoria acidentada. Ele abandonou a instituicao de ensino mais prestigiosa da Franca, a fcole Not- ‘male Supérieure, no segundo dia, para matricular-se na menos enaltecida, porém mais apropriada fcole Polytechnique. De lé foi para o CalTech (Call {fornia Institute of Technology); .em seguida - depots de um Ph.D. em Paris ingressou no MIT; partiu, entao, para o Institute for Advanced Stucty, em Princeton, onde participou do ditimo curso de pos-doutorado de John Von ‘Neumann, o grande matematico hangaro; em seguida, foi para Genebea ¢ depois retornou a Paris, onde ficou algum tempo. Apresentando um rebelde em clénelas xxi Em atitude atfpica para um cientista daquela época, Mandelbrot aca- bou trabalhando nao nas salas de aula de uma universidade, mas num labo- ratério industrial, o IBM Research, as margens do tio Hudson, na cidade de Nova York, perto de Manhattan, Naquela época, os chefées da IBM estavam atraindo para o laborat6rio e suas sucursais numerosos génios imprevis'- veis, na expectativa de que fizessem alguma coisa brilhante pela empresa, Sob todos os aspectos, era uma politica inteligente. Cientificamente, ren- deu cinco ganhadores do Prémio Nobel. Mas foi abandonada na década de 1990, quando a empresa lutava para sobreviver. Entre as pesquisas de Man- delbrot para a IBM destacaram-se os padrdes de erros em comunicacao por computador e as aplicagées da anilise por computador—e até mesmo, acer- ‘a altura, uma investigacao sobre 0 comportamento dos precos das acoes para o presidente da empresa, Durante a década de 1980, seu Conjunto de Mandelbrot, desenhado por computador, converteu-se em demonstragao ¢ teste, repetidos com freqiténcia, da capacidade de processamento dos entao novos computadores pessoais da IBM. A ECONOMIA PRA MANDELBROT foi ao mesmo tempo inspiragao e mal- digo. Seu estudo sobre graficos financeiros na década de 1960 ajudou a es- timular suas subseqiientes teorias fractals nas décadas de 1970 e 1980. Ele ensinou economia durante um ano em Harvard; e seu primeiro grande tra- balho na rea, em 1962 (ampliado e revisado em 1963 € nos anos seguintes) foi um estudo sobre os pregos do algodao. Nesse trabalho, Mandelbrot apre- sentou provas substanciais contra um dos pressupostos fundamentais do que veio a tornar-sea teoria financeira “moderna”. Na época, a teoria come- ava a impregnar-se nos departamentos de economia das universidades ~e em breve seria ortodoxia em Wall Street. A medida que prosseguia em seus ‘estudos sobre fractais, ele varias vezes retornou a economia. Nas sucessivas vezes, ele sondou o funcionamento dos mercados, mostrou como desen- Volver um bom modelo econémico para eles ~e, por fim, sugeriu maneiras para evitar perdas. Hoje, algumas de suas idéias sao aceitas como ortodoxia. Como se verd no diltimo capitulo, elas agora jé estao Incorporadas em alguns dos mais Sofisticados modelos mateméticos, por meio dos quais os bancos e as cor retoras gerenciam o dinheiro, e jé sio parte da maneira como os Ph.Ds. em matematica precificam opcdes exdticas ou medem o risco das carteiras, xxii \Mercados Financeiros Fora de Controle desde Wall Street até a City de Londres. A bem da precisao histérica, apre- senta-se aquiauma listagem técnica, Ele foi o primeiro a levara sério ea es. tudar as chamadas distribuigdes da lei de poténcia. Seu argumento de 1962 de que os precos variam bem mais do que o admitido pelo mode- Jo-padrao ~de que suas distribuigdes tém “caudas gordas” - € hoje ampla- ‘mente aceito pelos econometristas. (A nomenclatura cientifica nem sem- pre é direta..A distribuigao de probabilidade por tras dessa abordagem es- pecifica também é chamada de “L-stable”, “stable Paretian”, Lévy, ou Lévy-Mandelbrot.) Também muito aceitos sao seus argumentos de que, or sua propria natureza, os precos podem variar com muita rapidez, aos saltos, em vez de em movimentos lentos e continuos, assim como seu ar- gumentode 1965 de queas mudangas de precos de hoje dependem de mu- dangas de precos no passado remoto. Esses sio fatos da vida financeira que desde cedo Mandelbrot identifi- cou edivulgou, embora fossem de encontro a entdo dogmética teologia das finangas. Também desbravou, com seus trabalhos pioneiros, avenidas da economia, que hoje sao vias de transito intenso. A partir de 1965, publicou trabalhos sobre o que em breve chamou modelo browniano fracional e so- bre o conceito basico de integracdo fracional, que recentemente passou a ser adotado como técnica econométrica difusa. Em 1972, escreveu sobre ‘um modelo multifractal, que incorpora e amplia longas caudas ¢ longas de- pendéncias. Seus trabalhos da década de 1960 sio os pilares sobre os quais se ergue um ramo popular da ciéncia funérea, chamado “econofisica”. Em 1966, ele desenvolveu um modelo matematico que explica como os meca- nismos racionais dos mercados podem gerar “bolhas de pregos”. E, final- mente, desenvolveu multifractais com base em seu conceito de 1967, de um tempo “subordinado”, referente as operagdes de mercado, desenvolvi- do com H. M. Taylor, que também passou a integrar a caixa de ferramentas de alguns modeladores financeiros ~ embora essa, como algumas de suas outras teorias, seja geralmente atribuida a pesquisadores posteriores, Com efeito, na condigao de jornalista financeiro, até entdo afastado das Aisputas sobre prioridades académicas, eu diria que a “média de batidas” de Mandelbrot para a andlise correta do comportamento do mercado Ihe con- feriria um lugarno Hall of Fame da economia. Bastariam esses antecedentes para que valha a pena ler este livro. ‘Mas muitas outras idéias de Mandelbrot ainda so controversas em eco- nomia: por exemplo, suas teorias sobre mudanga de escala (scaling), sobre Apresentando um rebelde em ciéncias xxiii anélises multifractais e sobre dependéncia duradoura - todas elas consti- tuindo a propria esséncia deste livro. Uma das razées foi sugerida na rese- nha original de Cootner. Antes de retomar seu tom critico cortante, 0 eco- nomista do MIT resumiu o significado do que Mandelbrot, ainda naqueles prim6rdios, apenas comegara a dizer: Mandelbrot, como o primeiro-ministro Churchill antes dele, promete-nos nao a utopia, mas, sangue, suor, labuta ¢ kigrimas, Se ele estiver certo, qua- se todas as ferramentas estatisticas esto obsoletas - minimos-quadrados, analise espectral, solucdes vidvels de maxima probabilidade, toda a nossa, teoria vigente sobre amostras e distribuigdes fechadas. Quase sem excegao, tudo que se fez sobre econometria no passado torna-se sem sentido. EM 2004, em seu octogésimo ano, Maldelbrot continua criando proble- mas. Ainda trabalha em tempo integral ~ inclusive nos fins de semana — ‘como sempre foi seu habito. Continua publicando novos trabalhos de pes- quisa e livros, dando aulas em Yale e percorrendo o mundo para expor suas ‘visoes em simpésios cientificos, Por que nao? Afinal, conforme ele observa, ‘apeca mais famosa de Racine, Athalie; a maior Opera de Verdi, Falstaff; 0 Ci- clo do Anel ~ todas essas obras foram produzidas no crepusculo da vida, quando o artista, depois de anos de experiéncia e experimentagio, estava no apogeu de sua capacidade, ‘Também este livro tem algo de performance operistica ~ uma interagao de vvozes, drama e cenétio. Ao longo de todo 0 corpo principal do livro, avoz “eu” 6ade Mandelbrot; as idéias sto dele, e € 0 drama de suas descobertas que moti- ‘va boa parte do texto. O.cendrio é amplo e complexo: imagens, gratficos e dia- ‘gramas sio fundamentais para a compreensio. E, como as melhores 6peras, este livro fol escrito para ser ao mesmo tempo envolvente e popular. Confor- ‘me sugerem as notas ea bibliografia, forte base cientifica e matematica susten- ‘ta nossas assergbes ~ € 0s cientistas e economistas curiosos serio bem-vindos na consulta dessas fontes. Todos os leitores, quaisquer que sejam seus antece- dentes, estado convidados a visitar os adendos on-line, em http://classes.yale. ‘edu/fractals/index.html. Eles derivam, em parte, de um site verdadeiramente extraordinério, criado pelo Professor Michael Frame, colega de Mandelbrot, em Yale, para o popular curso de graduagao deles, Math 190, sobre fractais. xxiv Mercados Financeiros Fora de Controle Hoje, a mensagem de Mandelbrot é mais oportuna do que nunca, de- pois de uma década turbulenta de mercado em alta, além da reiterada for- mago ¢ exploséo de bolhas de ativos. Os mercados financeiros so contex- tos muito arriscados. E até agora nossos conhecimentos sobre eles esto im- pregnados da matematica sofisticada que respalda a teoria financeira orto- doxa-com muitos pressupostos mal fundamentados, muitas equac&es mal aplicadas e muitas conclusdes enganosas. Os mercados financeiros sto muito complexos, mas nao precisam tornar-se demasiado complexos. O propésito da ciéncia é a parcim6nia. O objetivo deste livro é a simplicidade. Parte Um O Velho Caminho Coral: © “bux” de compitador como artist, opus 2 (No ou- tro lado da otha). Arte getada por computador, exralda de Mandelbrot 1982. Este desenho foi criado por um “bug” num programa de software enquanto eu investigavatviias formas fractais -¢ ele demonstra muito bem o poder ¢riativo do aca- $0, na arts, nas fnangas ena vids Capitu Risco, ruina e recompensa No VERAO DE 1998, 0 improvavel aconteceu. Em Wall Street, o histérico mercado em alta dos exuberantes anos 90 parecia cansado. Nao ocorreu um dinico problema sobrepujante - apenas uma série de preocupagdes: recessao no Japao, possivel desvalorizacio na China, e, em Washington, um presidente lutando contra o impeachment. Ento veio a noticia de que a Réssia, apenas dois anos antes o mercado emergente mais vibrante do mundo, estava a beira da insolvéncia. Os ban- cos ocidentais e 0s operadores de titulos da divida sofreriam as conseqti¢n- cias; alguns, soube-se depos, |é estavam quase arruinados. Assim, em 4 de agosto, o Dow Jones Industrial Average caiu cerca de 3,5%. Trés semanas depois, a medida que pioravam as noticias oriundas de Moscou, as ages so- freram nova queda de 4,4%. E depois, em 31 de agosto, nova queda de 6,8%, Outros mercados também entraram em parafuso: 0s titulos bancarios cafram um tergo de seu valor usual em comparagio com os titulos do gover- no, Essas marretadas foram chocantes ~e, para muitos investidores, inex- plicaveis, Foi uma situagaio de pAnico, irracional e imprevisivel - “o fundo do pogo de um colapso”, declarou um analista ao The Wall Street Journal Talvez, disse outro, “seja preciso toda uma vida para que os investidores se Tecuperem de algumas dessas perdas”, 4. Mercados Financeiros Fora de Controle E porat fica a sabedoria convencional sobre os mercados. Como agora sabemos, FMI fez uns remendos na Rtissia, 0 Federal Reserve estabilizou Wall Street e 0 mercado em alta sobreviveu por mais alguns anos. Com efei- to, conforme a sabedoria convencional, agosto de 1998 jamais deveria ter acontecido; fol, de acordo com os modelos padronizados da indiist nanceira, uma sequéncia tio improvavel de eventos, a ponto de ser quase ais, nos moldes ensinados nas escolas de impossivel. As teorias convencion: negécios de todo o mundo, estimariam as chances desse desfecho que ocor- reu em 31 deagosto como sendo de um em 20 milhoes—evento que nio de- veria ocorrer para quem operasse nos mercados todos os dias, durante 100.000 anos. A probabilidade de que se repetissem trés dessas quedas no ‘mesmo mésera ainda menor: cerca de uma em 500 bilhdes. Decerto, aquele um acidente raro, um “ato de agosto fora um més de extrema mé sorte, ia linguagem estatistica, foi uma Deus” que ninguém seria capaz de prever. Ni ia” ou “atipicidade” (outlier) muitissimo distante das expectati- -vas normais das operagdes com ages. Ouseré que nao foi? © aparentemente improvavel acontece a toda hora nos mercados financeiros. Um ano antes, o Dow caira 7,7% em um dia (pro- babilidade; uma em 50 bilhées). Em julho de 2002, 0 indice registrou trés quedas acentuadas em sete dias de negociacoes (probabilidade: uma em quatro trilhdes). E em 19 de outubro de 1987, 0 pior dia de negociacoes em pelo menos um século, 0 indice cai 29,296. A probabilidade desse aconte- cimento, com base nas avaliagdes convencionals dos financistas teéricos, era inferior a uma em 10° ~ chance tdo remota que nao teria significado. ‘Trata-se de um ntimero fora da escala da natureza, Podem-se ¢stender as po- téncias de dez, desde a menor particula subatdmica até a amplitude do uni- vverso mensurdvel - ¢ ainda assim nunca encontrar tal ntimero. E dai? Qual éanovidade? Todos sabem: os mercados financeiros sao ar- riscados. Porém, 0 estudo cuidadoso desse conceito, risco, envolve conhe- cimento de nosso mundo ea esperanga de exercer controle quantitativo so- bre ele, Ha mais de um século, 0s financistas e os economistas esforcam-se para analisar 0 risco nos mercados de capitais, para explicé-lo, quantific-lo e, em tiltima insténcia, lucrarcom ele, Acho que a maioria dos te6ricos esta no ‘caminho errado, As chances de ruina financeira numa economia global de livre mercado foram muito subestimadas. Nesse sentido, o homem comum € sdbio em seu preconceito de que — sobretudo depois do estouro da bolha Risco, rufna e recompensa 5, da Internet ~ 08 mercados sao arriscados, Mas 0s te6ricos financeiros nao ‘fo tdo sabios. Ao longo dos titimos cem anos, desenvolveram um comple- xo aparato matemético para avaliar 0 risco, que foi adotado por toda Wall Street na década de 1970. As Merrill Lynch, Goldman Sachs e Morgan Stan- ley da vida incorporaram toda essa paraferndilia em suas intrincadas estraté- gias de operagdes de mercado, Tentaram sintonizer as carteiras de investi- mentos com diferentes freqtiéncias de risco e retomo, da mesma maneira ‘como se sintoniza um radio as varias emissoras. No entanto, os trancos € barrancos das décadas de 1980 e 1990 forcaram a completa reformulacao da ‘maneira de pensar predominante entre financistase economistas. A Segun- da-Feira Negra de 1987, a crise econdmica astitica de 197, 0 verdo russo de 1998, € 0 mercado em baixa de 2001 a 2003, tudo isso levou muita gente a perceber que, sem diivida, algo nao esté certo. Se o risco ¢ 0 retorno com- poem um indice, a aritmética convencional deve estar errada. O denomina- dor, risco, é maior do que geralmente se admite; e, portanto, o resultado seré decepcionante. A melhor avaliagao desse risco e a compreensio mais exata de como 0 risco impulsiona os mercados so os objetivos de boa parte de meu trabalho. Minha vida tem sido um estudo do risco. Aprendi-o em primeira mao na escola implacével da Segunda Guerra Mundial, como refugiado polonés escondido na érea rural francesa, com uma identidade emprestada e cupdes de racionamento manipulados, mal disfarcado como simples caipira ingé- uo, numa terra ocupada. Enfrentei-o em minha carreira, rejeitando a se- guranga da academia francesa pelas lucubragoes intelectuais de um cientis- ta industrial numa América mais livre. Como cientista, todo o meu traba- Iho de pesquisa, de uma maneira ou de outra, oscilou entre os dois polos da natureza humana: sistemas deterministicos de ordem e planejamento, de um lado, e sistemas estocésticos, ou aleatérios, de irregularidade e imprevi- sibilidade, de outro. Minha principal contribuigao foi descobrir um novo ramo da matemitica que percebe a ordem oculta na desordem aparente, 0 plano no nao planejado, o padrao regular na irregularidade e na rugosidade da natureza. Essa matemética, chamada geometria fractal, estuda correntes, fluviais, ondas cerebrais e tremores sismicos, e compreende a distribuigao das galéxias, Ela foi adotada imediatamente como ferramenta matematica essencial, na década de 1980, pela teoria do “caos", 0 estudo da orem no ‘aos aparente de um redemoinho ou de um tufio. Hoje, € utilizado rotinei- Tamente na area de estruturas feitas pelo homem, para medir 0 trafico na 6 Mercados Financeiros Fora de Controle Internet, comprimir arquivos de computadores, e fazer filmes de cinema, Foi o motor matemitico por tras da animagio computadorizada do filme “Jornada nas Estrelas ll: A Ira de Khan’ Actedito que ela também seja capaz de oferecer muitas contribuicoes as finangas. Durante 40 anos de avangos e recuos, na medida do possivel, em fungao de meus interesses pessoais, o desenvolvimento da geometria frac- tal sempre interagiu com meus estudos sobre os mercados financeiros ¢ os sistemas econdmicos. Investiguel-os, nao como economista ou financista, ‘mas como matematico e cientista experimental. Para mim, todo 0 poder ¢ Fiqueza da Bolsa de Valores de Nova York ou de uma sala de negociagdes de moedas de Londres so abstratos; assemelham-se a sistemas fisicos cle tur- buléncia numa mancha solar ou de contracorrentes num rio. Podem ser analisados com as ferramentas de quea ciéncia ja dispde € com as novas fer- ramentas que continuo adicionando as tradicionais, na medida das neces- sidades e das possibilidades. Com essas ferramentas, analisel como se distri- buia renda numa sociedade, como se formam ¢ estouram as bolhas do mer- cado de acbes, como variam o tamanho das empresas e a concentragao in- dustrial, e como se movimentam os precos financeiros ~ os precos do algo- dao, os precos do trigo, as ages de ferrovias e as blue-chips, ¢ as taxas de cambio délar-iene. Vejo um padrao nesses movimentos de pregos ~ decerto 1ndo um padrio que tornara alguém rico; concordo com os economistas or- todoxos de que os pregos das ages provavelmente nao sao previsiveis em nenhum sentido ttil do termo. Mas, sem diivida, o risco realmente segue adroes que podem ser expressos sob forma matematica e modelados em computador. Assim, minhas pesquisas poderiam ajudar as pessoas a 10 perder tanto dinheiro quanto hoje, em conseqiiéncia da subestimagao in- ‘genua do risco de rufna, Raciocinando sobre os mercados como sistemas clentificos, talvez sejamos capazes de um dia melhorar a regulamentacao e teforcar o setor financeiro. Uma adverténcia aos leitores, aqui ¢ agora: parte do que digo fol adota- do como ortodoxia econémica na década passada ~ mas outra parte conti- nua sendo contestada, ridicularizada ¢ até vilipendiada. Quando publico ‘meus trabalhos nos periddicos académicos, como se deve, geralmente pro- Yoco intensa controvérsia. Em cada uma dessas ocasides, ouvias criticas, re- formulei minhas alegagdes, voltei a meu escritério para pensar ¢ a meus computadores para analisar, e desenvolvi modelos melhores e mais exatos. Resultado: progresso. Efeito colateral inevitavel: novos elementos de com- Risco, ruina e recompensa_ 7 plicagdo. Na verdade, nao concebi apenas um modelo de variagio de pre- gos, mas varios. Comecando em 1963 ¢ 1965, desenvolvi dois modelos de comportamento separacos e incompativels, conseguindo, por fim, recon- ciéncia, retomei minhas pesquisas financeirasem 1997. Este livro orienta 0 leitor ao longo da mesma jornada sinuosa das minhas descobertas clentifi- cas, Objetivo: melhor compreensdo dos mercados financeiros. Minhas idéias mais antigas ¢ mais comprovadas agora influenciam al- guns dos modelos matematicos com os quais os operadores de mercado precificam as opcdes e os bancos avaliam o risco. Minha abordagem cienti- fica aos mercados tem sido emulada por uma nova geracao dos que se inti- tulam “econofisicos”. E meus modelos mais recentes tém sido estudados Por um grupo pequeno, mas crescente, de mateméticos, economistas e fi- nancistas em Zurique, Paris, Londres, Boston ¢ Nova York. Nao tenho inte- resse financeiro no sucesso ou fracasso desses modelos; sou um clentista, nao um homem de dinheiro. Mas desejo-Ihes boa sorte. E espero que 05 leitores deste livro, concordando ou discordando de tudo que digo, perdoem, pelo menos por um momento, os detalhes préti- cos do porqué. Em vez disso, tomara que conciuam a leitura destas paginas com maior compreensio basica de como funcionam os mercados financei- ros e do grande risco que corremos quando deixamos nosso dinheiro ao sa- bor dos ventos da sorte. O estudo do risco Muitas sdo as maneiras de lidar com o risco. Nos mercados financeiros, a ‘mais antiga a mais simples: a anglise “fundarientalista’ Se o prego de uma cio estiver subindo, procure as causas num estudo da empresa emissora, ou do setor ou da economia como um todo. Estude com mais afinco e preveja 0 Préximo movimento da agéo.”Porque” ou “Por causa de” sio os ter- ‘mos-chave aqui: 0 prego de uma aco, de um titulo de crédito, de um deriva- tivo ou de uma moeda movimenta-se “por causa de” algum evento ou fato ‘que geralmente ocorre fora do mercado, Os pregos mundiais do trigo aumen- tam por causa de tima onda de calor que desicrata o Kansas ou a Ucrania, O 6lar afunda porque os rumores sobre guerra aumentam os pregos do petr6- Jeo, Tudo isso € bom senso. Os jornais financeiros prosperam em fungao dis- 8 Mercaclos Financeiros Fora de Controle so, eles vendem noticias ¢ classificam a importincia de todos 0s “porqués’, ‘As empresas financeiras fazem disso um setor; empregam milhares de analis. tas fundamentalistas, classificados por género em macroecondmicos e seto. rials, “top-down” e “bottom-up”. As agéncias reguladoras codificam e regu. lamentama divulgagio de informagoes, determinando o que a empresa deve dizer a seus investidores. pressuposto implicito em tudo isso: quando se conhece a causa pode-se prever 0 evento e gerenciar 0 risco. Como seria bom se fosse assim tao simples. No mundo real, as causas ge ralmente so obscuras. As informag0es criticas geralmente sdo desconheci- das ou incognosciveis, como quando a economia russa estremeceu em agos- tode 1998. Podem ser ocultas ou mascaradas, como durantea bolha da Inter. net ou os escandalos empresariais da Enron e da Parmalat. FE também podem ser mal interpretadas: 0s exatos mecanismos de mercado que ligam noticias a pregos, causa a efeito, so misteriosos e parecem inconsistentes. Ameaca de guerra: délar cai. Ameaca de guerra: délar sobe. Qual das duas hipéteses real- mente ocorrerd? Depois do fato, parece Sbvio; em retrospectiva, a andlise fundamentalista pode ser reconstituida e é sempre brilhante. Porém, antes, do fato, ambos os res \Imente provaveis. Assim, como basear uma estratégia de investimento e um perfil de risco inteiramente nes- se tinico principio diibio: Posso saber mais do que qualquer outra pessoa? Iadas paarecem ig Em resposta, 0 setor financeiro desenvolveu outras ferramentas. A se- ‘gunda forma de analise mais antiga, depois da fundamentalista, € a “técni- ca". Trata-se do oficio de reconhecer padrdes, reais ou espirios - de estudar catadupas de presos, volumes e graficos indicadores, em busca de pistas para ‘comprar ou vender. A linguagem dos grafistas é fértil: cabeca-e-ombros, ban- deiras flamulas, triéngulos (simétricos, ascendentes ou descendentes). Essa disciplina, em desfavor durante a década de 1980, expandiu-se no decénio seguinte, a medida que milhares de ne6fitos entravam na Internet para tro- car agbes e idéias. No entanto, onde ela mais floresce é nos mercados de cdim- bio. Nele, todas as empresas “forex” (foreign exchange) empregam analistas técnicos para descobrir “pontos de suporte”, “faixas de negociagao” e outros padres nos dadlos tick a tick dos maiores e mais rapidos mercados do mun- do, Ena logica de “casa de espethos” dos mercados é até possivel que 0s gra- fistas as vezes estejam certos, As cotagdes libra-d6lar realmente podem apro- ximar-se do nivel previsto pelos analistas técnicos e entao retroceder, como se tivessem batido numa parede — ou acelerar, como se tivessem rompio uma barreira. Mas esse é um truque de confianga. Todos sabem que todos s- Risco, ruina e recompensa 9 ‘bem sobre os pontos de suporte, ¢ assim fazem suas apostas levando-os em conta. f dificil de acreditar, mas grandes somas podem mudar de maos na base dessa astrologia financeira. Talvez.funcione as vezes, mas nio serve de base para construir um sistema de gestdo de risco global. Eassim nasceu o que as escolas de negocios agora chamam de “moder- na’ teoria financeira, Emergiu da érea da matemitica que estuda probabil dade ¢ estatistica, Seu conceito fundamental: os pregos nao sao previsivels, ‘mas suas flutuagdes podem ser descritas pelas leis matemiticas da probabi- lidade. Portanto, seu risco € mensurdvel e gerenciavel. Hoje, essa idéia con- verteu-se em ortodoxia, com a qual concordo, até certo ponto. O trabalho nesse campo comegou em 1900, quando um jovem mate- mitico francés, Louis Bachelier, cometeu a temeridade de estudar os merca- dos financeiros numa época em que os matemiticos “de verdade” nao toca- vam em dinheiro. No mundo muito diferente do século XVII, Pascal e Fer- mat (0 do famoso “‘iltimo teorema” que demorou 350 anos para ser de- monstrado) inventaram a teoria da probabilidade para ajudaralgunsaristo- cratas a obter melhores resultados no jogo. Em 1900, Bachelier passou ao largo da andilise fundamentalista e dos grdficos. Em ver disso, descneadeou @ proxima grande onda no campo da teoria da probabilidade, expandin- do-a para também tratar dos bonus do governo francés, Seu modelo-chave, geralmente chamado de “random walk” (passeio aleat6rio) mantém-se muito préximo, na verdade, de Pascal e Fermat. Ele sustenta que os precos subiro ou descerdo com igual probabilidade, da mesma maneira como ‘uma moeda honesta dard cara ou coroa. Se os lances da moeda se seguirem ‘um ao outro com muita rapidez, toda a gritaria nas bolsas de ages e de mer- cadorias ¢ literalmente estatica ~ ruido actistico ou elétrico do tipo que se ‘ouve no rédio quando sintonizado entre emissoras. Ea intensidade das va- Hlagbes nos precos é mensurdvel. A maloria das variagdes ~ 68% ~sio peque- ‘nos movimentos para cima ou para baixo, dentro de um “desvio padirao” ~ gabarito matematico simples para medira disperstio dos dados em relagaio a ‘média; 95% dever ficar entre dois desvios padroes; 98% devem ficar entre {és desvios padroes. Finalmente — logo veremos que esse ponto é muito im- Portante~a quantidade de variagdes muito grandes é extremamente redu- ida. Caso se plotem todos esses movimentos de precos num papel de grifi- 0, 08 histogramas formam uma curva em sino ou curva normal: as nume- 054s pequenas variacoes aglomeram-se no centro do sino, eas poucas gran- ‘des varlagdes concentram-se nas extremidades. 10. Mercados Financeiros Fora de Controle Aformade sino €, para os matemiticos, terra cognita, a ponto de passat a ser denominada “normal” ~ implicando que outras formas sto “anor. mais”. Bo bem explorado campo das distribuigdes de probabilidade, que re. cebeu o nome do grande matematico alemao Carl Friedrich Gauss. Uma analogia: a estatura média da populagio masculina adulta nos Estados Uni- dos 6 de cerca de 1,78 metro, com um desvio padrao de aproximadamente 5,08 cm. Isso significa que a estatura de 68% de todos os homens america- nos situa-se entre 1,72 m ¢ 1,83 m; de 95% entre 1,67 me 1,88.m; de 98% entre 1,62 m ¢ 1,93 m, Os matematiccs da curva normal nao excluem intei- ramente a possibilidade de um gigante de 3,65 m ow até de alguém com es- tatura negativa, caso se possa imaginar tais monstros, mas a probabilidade de ocorténcia de um ou de outro caso téo baixa que jamais se esper contrar um caso desses na vida real, Acurva normal €0 padrio utilizado em variaveis aparentemente téo dispares quanto estatura de cadetes do exérci- to, resultados de testes de QI, ou- para voltarao modelo mais simples de Ba- chelier ~os retornos de apostas numa série de lances de cara ou coroa. Sem. diivida, a qualquer momento ou em qualquer lugar, é possivel que ocorram padrbes extraordindrios: pode-se deparar com uma longa seqiiéncia de “ca- ras” ouencontrar um esquadrao de soldados excepcionalmente altos ou pa lidos. Mas, no longo prazo, espera-se encontrar a média: altura média, inte- ligencia moderada, nem lucro nem prejuizo. Isso nao significa dizer que os fundamentos nao sao importantes; a mé nutricdo pode distorcer para baixo a estatura média dos cadetes do exérci:o ea inflagao pode forgara queda dos precos dos titulos de crédito, Entretanto, como nao podiemos prever essas influéncias externas com muita exatidao, a Gnica bola de cristal confivel & a probabilistica Os génios, em qualquer tempo ou clima, geralmente nao sao reco- nhecidos. A dissertagdo de doutorado de Bachelier foi amplamente igno- rada por seus contemporineos. No entanto, seu trabalho foi traduzido ara o inglés. republicado em 1964, e desde entao se converteu no gran- de edificio da moderna teoria econdmica e financeira (¢ em cinco Meda- thas Nobel em ciéncia econémica). Variante mais ampla do pensamento de Bachelier geralmente € conhecida pelo titulo que Ihe atribuiu um de ‘meus alunos de doutorado, Eugene F. Fama, da Universidade de Chica- 80: Hipotese do Mercado Eficiente. Hla sustenta que, num mercado ideal, todas as informagées relevantes ja foram consideradas na formagaio do reco dos titulos. Possibilidade ilustrativa é a de que as mudangas de on- iaen- Risco, ruinae recompensa 11 tem ndo influenciem as de hoje; nem as de hoje, as de amanha; cada mu- danga é independente da tiltima. ‘Com base nessas teorias, os economistas desenvolveram uma caixa de ferramentas muito sofisticada para a analise dos mercados, medindo a “va- rifncia” e 0s “betas” de diferentes titulos e classificando as carteiras de inves- timentos com base na probabilidade de risco. De acordo com a teoria, um _gestor de fundos pode construir uma carteira “eficiente”, visando a determi- nado retorno, com o nivel de risco aceito. £0 equivalente financeiro da al- quimia. Vocé quer ganhar mais sem arriscar muito mais? Use a moderna cai- xa de ferramenta das finangas para compor o mix de agoes voliteis e estaveis ‘ou para mudar a proporgao de acdes, titulos de crédito e dinheiro. Quer ofe- recer maiores recompensas aos empregados, sem pagar saldrios mais altos? Usea caixa de ferramentas para desenvolver um plano de op¢oes sobre acoes, com probabilidade ajustavel de se tornarem “in the money”.* Com efeito, a bolha da Internet, inflada em parte pela prodigalidade dos planos de opcdes sobre agdes para executivos, talvez nao tivesse ocorrido sem Bachelier e seus herdeiros. Infelizmente, a teoria é elegante, porém equivocada, como hoje pode constatar qualquer pessoa que tenha passado pelas altas e baixas da década de 1990. A velha ortodoxia financeira fundamentava-se em dois pressupos- tos criticos do modelo-chave de Bachelier: as variacdes nos pregos sao esta- tisticamente independentes e sua distribuigao assume a forma de curva normal. Todavia, os fatos, conforme argumentei com tanta veeméncia na década de 1960 e muitos economistas hoje teconhecem, demonstram o contrétio. Primeiro, as variagdes nos pregos nao so independentes umas das ou- tras, Pesquisas realizadas nas ultimas décadas, por mim e depois por outros, ‘mostram que muitas séries de precos financeiros tém uma espécie de “me- méria”, Na verdade, hoje realmente influencia amanha. Se os precos derem lum salto para cima ou para baixo, agora, seré maiora probabilidade mensu- ravel de que se movimentem com tanta intensidade no dia seguinte. Nao se trata de um padrio bem comportado € previsivel do tipo tao ao gosto dos ‘conomistas~nao é, por exemplo, a procissao de altas ¢ baixas que caracte- "Nota do Tradutore Opgao “in the money” éaquela que apresenta valor intrinseco, ou seja, co reso de exercicio € menor do que o prego da aco no mercado A vista, no caso de opcoes de ‘compra; ou mator do que o prego da acto no mercado A vista, no caso de opdes de vend. mntrole 12, Mercados Financeiros Fora de rizam os surtos de prosperidade e depressao por meio do qual os livros-texto tragam os ciclos econémicos comuns. Exemplos desses padrdes simples, ou seja, dessas correlagdes periédicas entre precos passaclos e presentes, de ha muito foram observados nos mercados ~ como, por exerplo, nas flutua- (Ges sazonais dos pregos futuros do trigo, & medida que amadurecem as sa- fras, e as tendéncias didrias e semanais do volume de operagbes cambials, & medida que o dia de negociagoes avanca ao longo do globo. Minha heresia é um tipo fractal diferente de relacionamento estatist. co, uma “meméria longa”. Esse é um ponto mais delicado, ao qual dedica- rei todo um capitulo mais adiante. No momento, basta raciocinar levando em conta que diferentes tipos de séries de precos exibem diferentes graus de meméria ~ a de algumas é forte, ao passo que a de outras ¢ fraca. Por que é assim, nao se sabe ao certo; mas pode-se especular. O que uma empresa faz hoje - uma fusio, uma cisao, 0 langamento de um produto critico ~ deter- mina como sera a empresa daqui a dez anos; do mesmo modo, os movi- mentos de precos hoje influenciarao os movimentos de precos amanha. Outros sugerem que o mercado demora muito para absorver e precificar as informagoes. Ao se defrontarem com més noticias, alguns investidores, r4- pidos no gatilho, reagem imediatamente, enquanto outros, com diferentes metas financeiras e horizontes de tempo mais distantes, talvez nao reajam durante um més ou um ano. Qualquer que seja a explicagao, podemos con- firmar a existéncia do fendmeno ~ e ele contradiz 0 modelo do ran- dom-walk, Segundo, ao contrério da ortodoxia, as variagdes nos precos estio muito longe de seguir a curva normal. Se assim fosse, seria possivel proces- sarem computador os registros de pregos de qualquer mercado, analisaras variag&es ¢ esperar que se enquadrem na normalidade aproximada, pres mida no passeio aleat6rio de Bachelier. Ou seja, devem aglomerar-se em torno da média, representada pela auséncia de variagdo. Na verdade, con- tudo, a curva normal encaixa-se muito mal na realidade. De 1916 a 2003, 05 movimentos didrios do Dow Jones Industrial Average nao se distribu- em num papel de gréfico como uma simples curva normal. As extremida- des despontam muito elevadas: grande quantidade de variagdes intensas. A teoria sugere que, nesse periodo, a variacao do indice ficaria acima de 3,4% em 58 dias; na realidade, com efeito, isso ocorreu em 1,001 dias. A teoria prevé seis dias com mudangas superiores a 4, marcas foram atingidas em 366 15%; na verdade, tais '. E oscilagdes acima de 79% seriam 1e- Risco, ruina e recompensa 13 sistradas apenas a cada 300.000 anos; com efeito, no século XX, acontece- ram 48 guinadas com tal intensidade, Na verdade, foi uma era calamitosa, que insistia em desmentir todas as previsdes. Ou, talvez, nossos pressu- postos estejam errados. O poder das leis de poténcia Quando se examinam mais de perto os registros de precos, geralmente en- contra-se um tipo de distribuigao diferente da curva normal: as caudas no se tornam imperceptiveis, mas seguem a “lei de poténcia”. sso € comum na natureza. A rea de um terreno quadrado cresce pela poténcia de dois em re- agao ao aumento dos lados. Se os lados dobram, a érea quadruplica; se os lados triplicam, a area aumenta nove vezes. Outro exemplo: a forga da gra- vidade diminuiu na razdo inversa do quadrado (poténcia de dois) da distan- cla, Se uma nave espacial duplica sua distancia em relagao a Terra, a atragao da gravidade sobre ela reduz-se a um quarto do valor original. Em econo- mia, uma lei de poténcia cléssica fol descoberta pelo economista Vilfredo Pareto, na virada para o século pasado; ela descreve a distribuigao iano de renda nos niveis superiores da sociedade. Essa lei de poténcia concentra parcela muito maior da riqueza da sociedade entre muito poucos privilegia- dos;a curva normal seria mais equitativa, dispersando as rendas de maneira ‘mais uniforme em toro das médias. F assim chegamos a uma de minhas principais descobertas. A lei de poténcia também se aplica aos movimentos de precos positivos e negativos de muitos instrumentos financeiros, dei- xando espaco para oscilagdes de pregos muito mais amplas do que as admi- tidas pela curva normal. E também se enquadra nos dados de muitas séries de precos. Forneci as primeiras evidencias disso num relatério de pesquisa de 1962, depois resumido em breve trabalho publicado. Nele se demonstra- ‘va que, na distribuig#o dos movimentos dos pregos do algodao no século passado, as cauclas seguiam uma lei de poténcia; a quan ladle deamplas va- rlag6es de precos era grande demais para encaixar-se numa curva normal. 0 mesmo relatério prosseguiu com pregos do trigo, taxas de juros e agdes de empresas ferroviarias —em outras palavras, analisei todos os dados que con- segui compilar em cantos poeirentos de bibliotecas, Desde entio, padrdes se- melhantes foram encontrados em muitos outros instrumentos financeiros. 14 Mercados Financeiros Fora de Controle A economia é dada a modismos. Como em muitos campos cientificos, também na ciéncia ligubre desenvolve-se um consenso grupal sobre 0 cer- toe 0 errado, que pesquisas merecem uma tese de doutorado e quais nao sao dignas de tal honraria, Atuei contra acorrente durante boa parte de mi- nha carreira profissional. Na década de 1960, a maioria dos economistas te6ricos enaltecia cada vez mais Bachelier € seus herdeiros. Na década se- guinte, Wall Street adotou suas teorias. Elas foram a base intelectual dos fundos de indices de agdes, das bolsas de opgdes, das opsdes sobre acdes, para executivos, dos orgamentos de capital das empresas, das andlises de risco dos bancos e de boa parte da inchistria financeira mundial, tal comoa conhecemos hoje. Durante todo esse tempo, eu fui ouvido, mas como uma vor quase solitatia, denunciando as falhas da logica. Em fins da década de 1980 ena de 1990, contudo, eu nao estava mais sozinho na percepgdo des- eS equivocos. As convulsoes financeiras~o crash de 1987, 08 colapsos asia- tico e russo de 1997 e 1998, 0 mercado em baixa ~ convenceram muitos fi- nancistas profissionais de que algo estava errado. Warren E. Buffett, onoto- riamente bem-sucedido investidor e industrial, disse em tom de troga que gostaria de financiar cétedras universitirias sobre a Hipétese do Mercado Eficiente, de modo que os professores treinassem quantidades cada vez maiores de financistas mal orientados, que o deixassem ganhar ainda mais dinheiro. Tachou a teoria ortodoxa de “tolice” e de erro crasso, Contudo, nenhum de seus proponentes “jamais reconheceu que estava errado, nao importa quantos milhares de estudantes tenham sido mal instruidos. Apa rentemente, a relutancia em retratar-se ¢, portanto, em desmistificar 0 sa- cerdécio nao se limita aos tedlogos”, No entanto, por mais dogmiticos que sejam os professores, os homens, praticos de Wall Street acabaram abrindo-se as novas idéias, Minhas princi pais objegoes as de que os pregos nao seguem a curva normal e nao sao in- dependentes foram ouvidas; centenas de economistas e analistas de mer- cado ja documentaram sua validade. Entretanto, apesar do reconhecimen- todo problema, os velhos métodos demonstraram surpreendente resistén- cia. As formulas “classicas” de Bachelier e seus herdeiros — como construit uma carteira de investimentos, como calcular o valor financeiro de uma nova fabrica, como julgar o grau de risco de uma aga - ainda compoem © ccurriculo de centenas de escolas de negécios em todo o mundo e ainda si0 topicos do exame de certificagao de analistas financeiros, a que se subme- Risco, ruina e recompensa 15 tem milhares de jovens corretores ¢ funciondrios de bancos. Também sto parte da ortodoxia dos profissionais de Wall Street. Por exemplo, a formula “Black-Scholes” para a avaliacdo das opgdes sobre agées dos executivos da Merril ou da GM foi durante muito tempo o padiao-ouro; apenas em 2004 os reguladores americanos aprovaram oficialmente outras formulas. Por qué? Os velhos métodos sao faceis e convenientes. Funcionam bem, argu- menta-se, na maioria das condigdes de mercado. A teoria 36 fracassa nos momentos incomuns de alta turbuléncia — e nessas situagdes quem pode proteger-se de uma aquisigdo de controle hostil, de uma faléncia ou de ou- tros atos de Deus no mundo das finangas? Evidentemente, tal raciocinio oferece pouco conforto aos que foram levados de cambulhada num desses dias “improvaveis” de catastrofe financeira. Entretanto, o setor financeiro é extremamente pragmitico. Embora se ajoelhe diante dos velhos icones, investe os seus délares para pesquisas na busca de divindades mais jovens e mais eficazes. Opgoes “exéticas”, pro- dutos com “retorno garantido”, “anilise do valor em risco” e outras cria- Ges de Walll Street se beneficiaram com essa procura. Também os banquel- 10s centrais sio pragmaticos. Depois de anos de aceitaco dos velhos mé- todos, eles tém pressionado, nesses iiltimos cinco anos, pela adocao de modelos matemiticos mais realistas, com os quais 0s bancos possam ava- liar seu risco. Essas regras, denominadas Basiléia II, forcario muitos ban- cos a mudar a maneira como calculam o valor do capital que destinam & protecao contra desastres financeiros. Em resposta, os economistas esto correndo para adotar novas idéias ¢ novos modelos. Muitas dessas aborda- gens, com nomes pouco atraentes como GARCH ¢ FIGARCH, apenas re- mendam velhos modelos. Outras comecam do nada, rejeitando todos os velhos pressupostos. Os economistas comportamentalistas estudam os ‘mercados da mesma maneira como B.F. Skinner estudou os seres huma- nos: organismos que processam informagoes e produzem comportamen- tos de acordo com regras a serem deduzidas. Sob essa orientagio, alguns pesquisadores monitoraram operadores profissionais para medir a resis- téncia da pele, os padrées de eletroencefalograma ¢ os batimentos cardia- cos, em busca dos imperativos biol6gicos por tras de uma ordem de “com- pra”, E ainda hé finangas intensivas em computador. Wall Street hé muito tempo € 0 maior cliente da indastria de computacio, langando no merca- do “algoritmos genéticos”, “redes neurais” € outras técnicas computacio- nafs, na esperanca de que a inteligéncia de silicio seja capaz de encontrar 16 Mercados Financeiros Fora de Controle padres lucrativos onde formas de vida baseadas no carbono se mostra ram ineptas. Mas teoria financeira “pés-moderna” ainda precisa comprovar sua efi- cécia, Ninguém ja encontrou o pote de ouro. Um jogo de chance Assim, nos termos do manifesto revolucionario de Lenine: O que fazer? Como preparacao, jogue um jogo. Em segulda, véem-se quatro graficos de pregos, do tipo dos que se en- contram nos relatérios das empresas corretoras, mas sem datas e valores, Dois dos graficos sio representacdes dos precos de um instrumento finan- ceiro real - cujo nome também foi omitido. Dois sao ficcbes, séries de ni- ‘meros totalmente ficticias, geradas por meio de diferentes modelos te6ri cos sobre o funcionamento dos mercados. Nao importa que a tendéncia seja de alta ou de baixa. O importante é concentrar-se em como variam de um momento para o seguinte. Quais sdo reais? Quais sao falsos? Que re- gras foram usadas para desenhar os falsos? Todos so muito semelhantes, dito numerosos leitores. Realmente, desprovidos de legendas, titulos de eixos ¢ outros indicadores de contexto, quase todos os “fever graphs” que representam pregos, como os denomina a imprensa financeira dos Estados Unidos, so muito parecidos, Porém, as imagens so mais enganadoras do que as palavras. Risco, ruinae recompensa 17 Quatro grificos: Quals sto reals, quats sio falsos? Para conhecer a verdade, observe o préximo conjunto de graficos. Eles ‘mostram, em vez dos pregos em si, as variagdes nos precos de momento a momento. Agora, constata-se um padrdo; e os olhos sao mais inteligentes do que em geral admitimos - principalmente na percepcaio de como mu- dam as coisas. plor dentre os falsos destaca-se dos demais, como um criminoso na fila de suspeitos numa delegacia policial, fi o segundo grafico, que mostra uma variacdo de pregos mais ou menos uniforme ao longo do tempo. Foi 18 Mercados Financeiros Fora de Controle gerado pelo modelo ortodoxo do raniom-waik. © tamanho da maloria das “oscilagdes de precos varia dentro de uma faixa estreita, nos moldes da area central da curva normal jé mencionada. £ verdade que o grafico também ‘mostra flutuagOes maiores, ou atipicidades - porém, elas mal se destacam do grosso das variagdes, da mesma maneira como os talos de grama mais al- tos erguem-se acima da altura média, num gramado maltratado, que Preci- se de corte. Compare-se agora esse grafico falso com os dois reais, de ntimeros 1 € 3.0 primeiro representa as variagBes nos precos das agoes da IBM de 1959 a 1996;0 terceito retrata as mudangas na taxa de cimbio délar/marco. Nestes €€m to- dos 0s graficos reais, as oscilagdes de precos sio extremamente erraticas. As maiores sio numerosas e formam aglomerados, Aqui, a analogia adequada inio é mais com um gramado, mas com uma floresta formada por drvores de todos os tamanhos, algumas gigantescas. Outra analogia é com a distribuigao das estrelas, que nao se dispersam de maneira uniforme em todo o universo, ‘mas agrupam-se em galaxias, as quals, por sua vez, constituem aglomerados, ‘numa hierarquia ao mesmo tempo aleat6ria e ordeira. Em termos matemati- ‘0s, algo praticamente igual ocorte nesses grificos de pregos de ages. Sobra apenas o grafico n° 4-0 impostor nesse jogo. Trata-se de uma sé- rie de variagdes de precos ficticias, gerada por meu mais recente modelo de como funcionam os mercados financeiros, que simula com fidelidade a “yolatilidade volitil” dos graficos reais ~e, seja na modelagem financeira, sejana previsdo do tempo, a validacaode qualquer modelo depende de seus resultados. No passado, as previsbes produzidas pelos modelos eram ex- pressas por meio de alguns ntimeros ou diagramas, Fui pioneiro no uso de computadores para expressar as previsoes de meus modelos nessa forma ‘gréfica exclusiva ~uma espécie de falsificagdo da realidade. Aqui, 0 modelo basico é denominado movimento browniano fracionério em tempo multi- fractal. Embora o nome seja proibitivo, os préximos capitulos desenvolve- Ho 0 tema e mostrardo que o modelo ¢ extremamente parcimonioso. ‘Como ele funciona? Baseia-se em minha matemética fractal, a ser eluci- dada nos capitulos subseqtientes, Ainda é um modelo em desenvolvimento. e awe sei ben nao pode ser usado para selecionar ages, operar com deriva- ‘ou avaliar opsdes; 0 tempo e outras pesquisas realizadas por outros de- aie a, inet, an eet Masa capacidade de imitar a reali en See cil tal, 0 modelo multifractal jé Oferece iatos sobre 0 funcionamento dos mercados. erecompensa 19 cos. Mats uma vez, quals sto falsos? “Varlagbes dldrias” nos quatro gr Como a imprensa financeira popular, posso reduzir alguns delesa cinco “re- gras” sobre o comportamento do mercado ~ conceitos que, se apreendidos ¢ aplicados, serao dteis para atenuar nossa vulnerabilidade financeira, Regra I: Os mercados sao arriscados. Oscilagses de pregos extremas sdo comuns nos mercados financeiros~ em. ‘vez de aberragdes que podem set ignoradas, Os movimentos de pregos nao 20. Mercados Financeiros Fora de Controle seguem a bem comportada curva normal, conforme presume a teoria finan- ceira modema; em ver disso, tragam uma curva mais violenta, que torna a trajet6ria dos investidores muito mais acidentada. Uma estratégia de nego. clagao sensata ou um critério inteligente para a composigao de carteiras in. cluiria entre seus fundamentos esse fato duro e frio. A maneira exata depen- de dos recursos, dos talentos e do estémago para o tisco por parte dos indi- viduos; como sempre, 0 mercado caracteriza-se pela diversidade de opt. nides. Mas 0 mero conhecimento de que os mercados oscilam de maneira violenta jé 6 titil, Essa constatagdo pode ser usada ~ ¢ esta sendo cada vez ‘mais aplicada ~em simulagoes de computador para submeter uma carteira “testes de estresse”, a fim de experimentar no papel uma variedade mais amplae mais sombria de jogos “e se?” (what if?) antes de aplicar dinheiro de verdade numa estratégia de negociago. Assim, o investidor cauteloso sera capaz de construir uma carteira com mais seguranga do que a proposta pe- los modelos convencionais. O operador agressivo estara mais bem prepara- do para daro bote em momentos de alta volatilidade. E 0 regulador de mer. cado prudente manter-se-4 mais alerta em relagdo aos problemas urgentes— evitando, dessa maneira, catastrofes financeiras e danos macroeconémi- cos. Alguns comentaristas sugeriram a adogao de uma “escala Richter” para medira turbuléncia dos mercados; a exemplo desse famoso indicador da in- tensidade dos terremotos, seu congénere financeiro avaliaria e classificaria 6s tremores do mercado, oferecendo aos reguladores uma escala adequada para avaliar a gravidade dos problemas iminentes. Estar advertido é estar preparado, Regra II: Os problemas ocorrem em séries. As turbuléncias do mercado formam aglomerados. Isso nao é surpresa ara 0 operador experiente, Nas salas de operagdes financeiras em todoo mundo, os primelros quinze minutos de cada manha sao de importancia critica; € quando os operadores tarimbados, de olho nas telas dos compu tadores, tiram a temperatura do mercado. Elessabem que quando o mer cado abre encapelado é bem provavel que continue assim. Sabem que uma terga-feira turbulenta tende a ser seguida por uma quarta-feira da mais turbulenta, E também esto conscientes de que é nesses momen- tos mais tempestuosos ~ nas raras, mas recorrentes crises do mundo fi- nanceiro~ que se ganham ese perdem as maiores fortunas de Wall Street: Risco, ia recompensa 21 Nao precisa de economistas para dizer-lhes tudo isso. Porém, a intui ao deles, que nao faz parte dos modelos convencionais dos eficientes, é inteiramente validada pelo modelo mul wercados facta, Regra III: Os mercados tém personalidade. Os pregos ndo sao determinados apenas pelos eventos, noticias e pessoas do mundo real. Quando investidores, especuladores, industriais e ban- 4queiros se retinem num mercado real, desenvolve-se uma nova espécie de dindmica especial - maior do que e diferente da soma das partes. Usando ‘05 termos dos economistas: em boa parte, os precos sao determinados por efeitos endégenos, peculiares a0 funcionamento interno dos proprios mer- cados, em vez de apenas em conseqiiéncia da ago exégena de eventos ex- ternos. Além disso, esse mecanismo interno dos mercados ¢ extremamen- te duradouro. Iniciam-se guettas, reconquista-se a paz, as economias se expandem, as empresas entram em feléncia— tudo isso chega e passa, afe- tando os precos. Mas o processo funcamental pelo qual os pregos reagem as noticias continua inalterado. Um matematico diria que os processos do mercado sto “estacionérios”. Isso contradiz alguns pretensos reformistas do modelo do passeio aleat6rio que explicam a aglomeragao da volatilida- de com a afirmagao de que, de algum modo, o mercado esta mudando, que a volatilidade varia porque os mecanismos de prego nao se mantém constantes. Errado. Um exemplo impressionante: minha analise dos pre- ‘G08 do algodao ao longo dos tiltimos cem anos mostra, no inicio do século pasado, época em que os pregos naoeram regulados, o mesmo padrao am- plo de variabilidade que predominava na década de 1930, quando passa- ram a ser regulados como parte do New Deal, que por sua vez nao era dife- rente do vigente durante a Guerra Civil americana, quando as cotagées ‘ram expressas em ouro. Regra IV: Os mercados desorientam. Os padres sio 0 ouro dos tolos dos mercados financeiros. O poder do acaso €suficiente para criar padres espiirios ¢ ciclos falsos que, para todo omun- do, parecem previsiveis e bancaveis. Mas os mercados financeiros sao espe- cialmente propensos a tais miragens cientificas, Meus modelos matemati- cos podem gerar graficos que—exclusivamente com base no funcionamento 22. Mercados Financeiros Fora de Controle de processos aleatérios - parecem mostrar | tendéncias e ciclos, a ponto deen. ganar qualquer profissional “grafista". Da mesma maneira, bolhas e crashes sdo inerentes aos mercados, como resultado inevitavel da necessidade huma- na de encontrar padrdes na falta de padroes. Regra V: O tempo do mercado é relativo. Nos mercados financeiros constata-se o que se poderia denominar de relati- vidade do tempo. Desde cedo, mas principalmente ao desenvolver os mo- delos multifractais, passei a encarar os mercados como entidades que ope- ram em seu proprio “tempo de negociagao” - muito diferente do “tempo do rel6gio”, que se caracteriza pela linearidade, no qual geralmente desenvol- ‘vemos nossos raciocinios. Esse tempo de negociacao acelera o relégio em periodos de alta volatilidade e 0 desacelera em fases de estabilidade, Mate- maticamente, posso escrever uma equacao mostrando como uma referén- cia temporal se relaciona com a outrae utilizé-la para gerar a mesma espécie de séries de pregos denteadas que observamos na vida real. Essa foi a manei- ra como fiz a falsificagao bem-sucedida, apresentada acima. & quase como se as salas de negociacao necessitassem, além da fileira de relgios de parede com a hora de Téquio, Londres e Nova York, de um quarto relégio com a “hora do mercado de Greenwich”. Esse tiltimo ponto enfatiza um importante subtexto deste livro: 0s pro- fissionais de mercado sabem muito mais do que supdem. Os profissionais de mercado geralmente se referem a um mercado “répido” ea um mercado “lento”, dependendo de como julgam a volatilidade do momento; assim, rapidamente reconheceriam e confirmariam 0 conceito de tempo de nego- ciagdo. Do mesmo modo, a sabedoria popular do mercado sustenta que to- dos 08 gréficos sio parecidos: sem as legendas identificadoras, nao se conse- gue dizer se um grafico de precos abrange 18 minutos, 18 meses ou 18 anos. Essa realidade seria expressa pela afirmagio de que os mercados mudam de escala. Até a imprensa financeira muda de escala; tém-se relat6rios anuais, boletins trimestrais, newsletters mensais, revistas semanais, jornais didrios €, mais recentemente, servigos de noticias eletronicos tick a tick. O folclore as historias do mercado, evidentemente, nao podem confirmar os mode- ai ERS = a anilise estatistica rigorosa tem condigoes para re € as historias efetivamente sinalizam que o modelo est no caminho certo. Risco, ruina ¢ recompensa 23 © modelo multifractal também tem muitas implicagoes para 0 lado pratico das finangas. Conforme jé indicado, a teoria das carteiras precisa de reformulagao; as opgdes necessitam de reavaliagao e as estratégias de nego- ciagdo carecem de revisao. Um pequeno exemplo: as ordens de “stop-1oss" sao imperfeitas, para dizer o minimo. Numerosos investidores ou operado- res deixam instrugdes para fechar uma posigio quando o prego atingir de- terminado alvo. Mas, como muitos aprenderam para o proprio desespero, quando os pre¢os realmente esto voando, quase sempre passam com tanta rapidez pelo alvo que até os corretores mais atentos ndo conseguem execu- tarasordens de venda com rapidez.suficiente. Resultado: perdas maiores ou luctos menores do que os pretendidos pelo investidor. Outro exemplo: a matematica desse modelo oferece alguns novos gabaritos potenciais para medir a volatilidade e 0 risco. Com efeito, em vez dos desvios padroes ¢ dos “petas” da teoria financeira convencional, podem-se imaginar novas esca- las baseadas em duas novas varidvels a serem descritas mais adiante, neste livro: 0 expoente H, da dependéncia do preco, eo parametro a, caracterist coda volatilidade. Alguns gestores de fundos jé experimentaram esses con ceitos. Geralmente os chamam de teoria do caos~embora, em termos estri- tos, isso seja linguagem de marketing, pegando carona na rabetra de uma tendéncia cientifica popular. Na verdade, esses conceitos matemiticos so ainda jovens, as pesquisas mal comegaram e suas aplicagbes confidveis ain- da estdo distantes. Portanto, cuidado leitores: este livro nao 0s tomnara ricos. Livreiros: nao 0 ponham na mesma prateleira de “Como ganhar um milhdo no mercado”. Caso ele se enquadre em algum género, seria no de ciéncia popular. Ele explica ‘uma nova e importante maneira de ver o mundo -neste caso, o mundo finan- ceiro, Tenta fazé-lo usando linguagem comum, com tao poucas formulas eta pouco jargdo matemético quanto possivel - ou pelo menos jargao hermético, sem explicagoes. Isso porque pretendo estimular o debate mais amplo sobre ‘modelagem do mercado financeiro, que até agora esteve confinado aos circu- Jos rarefeitos dos mateméticos com mentalidade econdmica ou dos economis- ‘as com inclinagao para a matemética. A matematica subjacente tem sido, francamente, um obstéculo~a principal razo por que, quando comecel a pu- blicar meus trabalhos nas décadas de 1960 e 1970, poucos dos mais importan- tes economistas se dispuseram a ouvir-me, Mas 0 tumulto ¢ o alarido extraor- dindtios da volatilidade do mercado nesse fin de sitcle esto desobstruindo as orethas de muitos que até entao se fingiam de surdos. 24. Mercados Financeiros Fora de Controle As pesquisas nesse campo ainda tém um longo caminho pela frente. Fo. ram necessdrios mais de 60 anos depois da tese de Bacheliet para que os eco. nomistas formulassem de maneira adequada a Hip6tese do Mercado Efi. ciente~e mais uma década depois disso para que seus trabalhos encontras. sem aplicagdes praticas valiosas no mundo real de cupdes zero e opgdes de compra. Com 0s fractais, estamos ha apenas umas poucas décadas da ori- gem. Mas 0 conceito jé ilumina algumas idéias profundas sobre finangas ¢ economia. A principal dentre elas 6a importancia transcendental do risco, ‘Temos medido o risco de maneira errada, © maior conhecimento de um perigo possi séculos, 0s construtores de navios concentraram sua atengao no desenho do casco ¢ das velas. Eles sabem que, quase sempre, 0 mar est calmo. Mas também sabem que tufdes e furacdes as vezes acontecem. Assim, projetam 05 navios nao apenas para os 95% de dias trangiiilos, mas, sobretudo, para 05 outros 5% de dias tormentosos, em que suas habilidades realmente sto testadas. Os financistas e investidores do mundo esto, neste momento, como marinheiros que nao ouvem os alertas sobre o tempo. Este livro é uma adverténcia meteorol6gica. jilita maior seguranga. Ha Carituto IT Na base do cara ou coroa ou da trajetéria de uma flecha? PARA MUITAS PESSOAS, chance 6 uma idéia familiar, mas no examina- da, uma palavra com muitos significados diferentes. Fala-sena chance de ganhar na loteria ou na chance de estar num desastre de avio; com isso se referem a um simples mimero, a probabilidade de que algo ocorra. Ou se referem a chance de um encontro, no sentido de algo nao planejado, nao antecipado, Quando estao investindo, usam 0 termo com outro significa- do. Também mencionam a chance de perder dinheiro; aqui, chance é ameaca, risco. f algo que atrapalha seus planos de investimento, que os torna pobres, quando esperavam ficar ricos. Tentam ponderar os tiscos, comparando ages com debéntures, iméveis com titulos do tesouro, A maioria das pessoas nao tem idéia de como fazer isso de maneira sistemati- cae quantitativa, mas aceitam que chance ¢ algo que, de algum modo, € parte de seus investimentos pessoais. Considerando a alternativa— de que tém apenas asi mesmos para culparpor um mau investimento—a mé sorte um bom bode expiatério. Mas seré que chance se aplica nao s6 aos infortiinios pessoais, mas, também as operagdes do mercado como um todo? Bobagem, diriam al- ‘guns. Viverios no mundo real dos corretotes, dos investidores e do ai mheiro sonante, nao das probabilidades abstratas. A agao da IBM subiu 26 Mercados Financeitos Fora de Controle USS1 porque a empresa anunciou que assinara mais contratos de presta- ‘¢do de servicos do que havia previsto; em conseqtiéncia, 5.218 pessoas de carne e osso, algumas gananciosas, outras prudentes, emitiram or. dens de compra de 12.542.300 agdes da empresa, movimentando USS768.016.733 em dinheiro de verdade, Trata-se de causa € efeito, 0 proprio modelo de determinismo. Nao hé nada de sorte nisso, de qual- quer tipo. Sem dtivida, é dificil reconstituir quem fez.o qué e por que para provocar a alta nos pregos, e ainda mais dificil é prever se as cotacbes continuarao subindo; para isso existem corretores. Mas ¢ tolice, dizem essas pessoas, sugerir que as agdes da IBM subiram ao acaso. Os dados caem ao acaso. A roda da roleta gira ao acaso. Essa espécie de chance pode ser codificada pela teoria matemética. Mas as ages da IBM, a taxa de cmbio curo-<élar ¢ os pregos do trigo nao sober ou descem pelas regras matematicas da chance. De fato, os pregos nao se movimentam ao acaso-_mas fodem ser des- critos como se assim fosse. E essa distingao sutil, entre raciocinar sobre Precos como se fossem regidos pelo acaso, tem sido a idéia dominante ¢ producente da teoria financeira nos (iltimos cem anos. Sobre tal base construiu-se a indiistria financeira moderna e global. A gestio de cart ras, as estratégias de negociagao e as financas corporativas - tudo isso foi modelado pela cadeia de pressupostos e dedugdes que sucessivas geracoes de economistas ¢ matematicos formularam a partir dessa nocao paradoxal de acaso. Sou, evidentemente, crente convicto no poder da probabilidade, Cons- tatei-a e apliquel-a em economia, fisica, teoria da informagto, metalurgia, meteorologia, neurologia, anatomia, taxonomia e em muitos outros cam- Pos aparentemente improvaveis. Como estudante de pés-graduacao na Universidade de Paris, hd mais de 50 anos, escrevi minha tese de doutorado sobre uma variante pequena e pouco conhecida da probabilidade aplicada: a lei de poténcia que rege a freqiiéncia matematica com que cada palavra ‘corre na Tinguagem comum. Hoje, quando um pesquisador de opinides ‘me procura em casa, nao 0 recebo; compreendo a matematica de como 0s ndo-respondentes, se muito numerosos, podem ludibriar os procedimen- tos de amostragem da pesquisa. Seri que estou sendo mau cidadao? Em todo caso, com esses antecedentes, dificilmente eu seria a pessoa a refutar a utilidade da teoria da probabilidade em ainda outro campo, finangas. Nos mercados financeitos, seja como for, Deus pode aparecer para manipular OS [Na base do cara ou coroa ou da trajet6rla de uma fecha? 27 dads. O que set é que o Governante do acaso pode criar o que denomino varios “estados” ou tipos diferentes de acaso. E 0 que contesto é a maneira ‘como 0s financistas tedricos de hoje, em suas salas de aula e em seus traba- thos, calculam as probabilidades. Isso talvez. parega para muita gente mera tergiversacio académica ~ mas, como veremos, pode ser a diferenga entre ganhar e perder uma fortuna, Para pegar 0 ponto crucial ~ na verdade, a espinha dorsal de todo 0 li vyro-valea pena retornar ao bésico. Este capitulo comega com o exame de duas ferramentas probabilisticas extremamente diferentes. O proximo ca- pitulo conta a histéria de como se construiu a teoria financeira moderna. Segue-se a anélise critica de tal construgao. Finalmente, proponho uma programagao de reparos. Como ser visto, nfo sou um Lutero propondo um cisma na Igreja. Sou um Erasmo que, por meio do estudo, da razdo edo bom humor, tenta transmitir racionalidade e coeréncia. Meu objetivo: mudar a maneira como as pessoas raciocinam, de modo que a reforma possa avangar. Chance em financas Por que falar sobre chance nos mercados financeiros? A prépria idéia cho- ca-se com toda a nossa intuicdo sobrea maneira comoa sociedade, o comér- cio eas finangas funcionam. Em resposta, considerem-se duas maneiras de ver o mundo: como um Jardim do den ou como uma caixa-preta. O primeiro 6 causa e efeito ou deterministico. Aqui, todas as particulas, folhas ou criaturas esto no lugar que lhe foi determinado e~se tivéssemos todo ovasto conhecimento de Deus -tudo poderia ser compreendido e pre- visto, Outrora, os cientistas pensavam dessa maneira. Dois séculos atras, quando novos telesc6pios e novas ferramentas matemiticas estavam inau- gurando 0 estudo moderno da astronomia, 0 marqués Pierre-Simon de La- place, grande matematico frances, afirmou que seria capaz de prever o futu- rodo cosmos se soubesse a posicio e avelocidade de todas as particulasnele existentes, Essa perspectiva, levada para os mercads, seria como uma lei de garantia do pleno emprego para todos os economistas ¢ analistas financet 10s do mundo. Eles seriam capazes de dizer se a inflagdo subiria, se as taxas euros cairiam, e que agdes comprare vender ~bastando que tivessem da- dos suficientes, contassem com bons computadores e muitos deles ganhas- sem bons salarios. 28 Mercados Financeiros Fora de Controle Basta. Até que ponto esses pressupostos s20 realistas? Nao podemos sa. ber tudo. Os fisicos abandonaram esse sonho, durante 0 século XX, depois da teoria quantica e, de maneira diferente, depois da teoria do caos. Em vez disso, aprenderam a raciocinar sobre 0 mundo de outra maneira, como uma caixa-preta. Podemos ver o que entra na caixa € 0 que sai dela, mas nao o que acontece dentro dela; apenas somos capazes de extrait inferéncias so- bre a probabilidade do input A produzir 0 output Z., Observar a natureza sob as lentes da teoria da probabilidade € 0 que os matematicos chamam de sio estocistica. A palavra deriva do grego stochastes, adivinho, © que, por sua vez, vem de stokhos, estaca pontiaguda, utilizada como alvo pelos ar- ‘queiros. Nao podemos seguir a trajet6ria de todas as moléculas de um gas; mas somos capazes de calcular sua energia média ¢ seu comportamento provavel, e assim projetar um gasoduto muito itil para transportar gas na- tural através de um continente, para abastecer uma cidade com milhoes de habitantes. Se 0 mundb fisico ¢ tao incerto, tao dif quao mais incerto ¢ incognoscivel nao seria o mundo do dinheiro? A teo- ria financetra é uma caixa-preta coberta por um véu. Nao s6 seu funciona mento esté oculto, mas também seus inputs esto na semi-escuridao -sob a forma de dados imprecisos, noticias conflitantes ou empulhagao osten- siva. Que coeficiente de corregao devo aplicar a dica de um corretor, em proveito proprio, sobre determinada aco? E ainda se enfrenta o mais per- turbador de todos os fatores, a antecipacao. O prego de uma agaio sobe nao por causa de boas noticias sobre a empresa, mas em razao de perspectivas mais favoraveis sobre a ago; os investidores prevéem que ela subiré ¢ compram a agdo. A antecipagao € caracteristica exclusiva da economia. E psicologia ~ individual e de massa ~ ainda mais dificil de ser perscrutada do que os paradoxos da mecinica quintica. A antecipacdo é 0 estofo deso- nhos ¢ eflivios, cil de conhecer com exatidao, Entretanto, em economia, deve haver dezenas de periddicos académi- ‘cos em que os scholars se esforcam para seguir Laplace —na tentativa de mo- delar o funcionamento interno da economia, em todos os seus minimos de- talhes. Trabalham com base em enormes bancos de dados de precos ¢ pro- dusao. Partem de pressupostos sobre o comportamento humano ¢ assim" desenvolvem hipéteses complexas sobre taxas de poupanga, taxas de juros € olttras varidveis econdmicas. Tentam captar num momento realidades muito complexas. Na base do cara ou coroa ou da trajet6ria de uma flecha? 29 Uma abordagem contraria, macroscopica em vez de microscépica, estocdstica em vez de deterministica, seria mais proveitosa. Vale a pena mencionar aqui a teoria dos magnetos. Quando a temperatura sobe aci- ma de determinado nivel critico chamado ponto de Curie, 0 magnetis- mo desaparece. Quando 0 metal ¢ resfriado abaixo desse ponto, 0 mag- netismo retora, Isso em matéria de nanossegundos, Como? Apesat de dois séculos de pesquisa, ainda nao sabemos com preciso - mas dispo- mos de teorias macrosc6picas sobre o fendmeno que funcionam muito bem. Usando magnetos planos, Lars Onsager, quimico que é também matemitico ¢ fisico, desenvolveu idéias brilhantes a partir de um mode- Jo ridiculamente simples, Imaginem-se as particulas subatomicas de um. magneto dispostas em formato de grade, como os sinais de transito nas, esquinas das ruas da cidade de Nova York. Cada semaforo pode estar em ‘um de dois estados, chamados spin “up” ou spin “down”. Quando estao mais ou menos alinhados, consegue-se magnetismo mais ou menos for- te; quando todos estao trabalhando de maneira contradit6ria, perde-se magnetismo, A medida que a temperatura sobe, a grade se enche de ener- gia adicional, o que desalinha os spins. Quando a temperatura cai, as lu- zes vizinhas voltam a cooperar umas com as outras e tentam recuperar a sintonia, Os métodos matemiticos necessirios para efetuar tais célculos so, em princfpio, simples, mas, na pratica, suficientemente diabélicos para justificar um Prémio Nobel. Mas essa teorla 6 excessivamente sim- ples -simplista, na verdade. Felizmente, acontece quea maneira como as particulas interagem umas com as outras e as causas dessa interagaio im- portam menos do que se poderia imaginar. Essa teoria aplica-se ao proje- to de geradores elétricos, de discos de computadores e de milhares de ou- tros dispositivos muito praticos. No entanto, a idéia de acaso nos mercadlos é de dificll apreensao -talvez porque, ao contrario das particulas andnimas num magneto ou das molécu- las num gés, os milhdes de pessoas que compram e vendem titulos mobil ios sdo individuos reais, complexos ¢ familiares. Mas afirmar que o registro de suas transagdes,o grafico de precos, pode ser descrito por processos aleat6- ros nao é dizer que o grafico é irracional ou fortuito; em vez. disso, significa dizer que € imprevisivel. Mais uma vez, a etimologia das palavras ¢ itil. A ex- ressio inglesa “at random" ~a0 acaso, de maneira aleat6ria, randémico -€ ‘compativel com uma expressio francesa medieval, randon, que denota um ‘cavalo que avanga impetuosamente, num movimento desordenado que o 30. Mercados Financeiros Fora de Controle cavaleiro néo consegue prever ou controlar. Outro exemplo: em basco, “chance”, ou acaso, é traduzido como zoria, derivado de zhar, ou ave. O veo de uma ave, como os caprichos de um cavalo, nao pode ser previsto ou con- trolado. Podemos raciocinar sobre precos financeiros da mesma maneira: im. previsiveis ¢ incontrolaveis, Nessas circunsténcias, 0 melhor a fazer é ava- lar as chances favordvels ou contrérias a determinado resultado ~ que prego de uma agdo aumente em determinado percentual no ano, que uma opeio torne-se “in the money” ou que uma taxa de cambio mantenha-se estavel durante 0 préximo ciclo orgamentério da empresa. Usar as ferra- ‘mentas da probabilidade nao significa dizer que 0 acaso governa as finai aS € 0 comércio globais. Sem ciivida, depois do fato, ecom muito tempo e esforco, podemos montar uma historia aceitivel de causa ¢ efeito sobre as razes por que determinado prego movimentou-se de certa maneira ~ mas quem quer saber disso a essa altura? Jé ¢ tarde demais para fazer diferenca. J se ganharam e perderam fortunas. Antes do fato, no mundo real dos merca- dos emalta velocidade, dos motivos ocultos eos resultados incertos, a pro- babilidade € a tinica ferramenta a nossa disposicio. Acaso, simples ou complexo Mas como, perguntar-se-ia, as ferramentas da probabilidade podem descre- ver a surpreendente riqueza de um grafico de aces? Primeiro e acima de tudo, aleat6rio nao precisa ser simples. Probabili- dade é mais do que apenas moedas e dados. Nas maos de um matemitico, até 0 mais trivial dos processos aleat6rios - por exemplo, um jogo de moe- das ~ pode gerar surpreendente complexidade, detalhes barrocos € com- portamento altamente estruturado. Um dos fundadores da moderna teo- ra da probabilidade, o falecido matemético russo Andrei Nikolaievitch Kolmogorov, escreveu que “o valor epistemolégico da teoria da probabili- dade baseia-se no fato de que os fendmenos fortuitos, considerados cole vamente ¢ em grande escala, criam uma regularidade ndo-randémica”. As vveres, essa regularidade pode ser direta e espantosa; outras vezes, estranha violenta. Por exemplo, considere-se 0 velho jogo de cara ou coroa, Ele ¢é populat entre 0s tebricos desde os dias dos irmiios Bernoulli, familia prolifica de mateméticos do século XVIII, da Basiléia, cujos estudos ajudaram a fundar Na base do cara ou coroa ou da trajet6rla de uma flecha? 31 a disciplinada probabilidade, Imagine-se que Harry ganhe um franco sui- 0 se sair cara e Tom ganhe a mesma quantia se sair coroa. (Os matemsti- cos do passado chamavam-nos Peter e Paul. Mas nunca consegui lem- brar-me de quem era quem.) Cada lance € pura sorte. Mas depois desses trés séculos de jogo, milhdes e milhoes de vezes, cada irmao tem toda a ra- zao para esperar ter ganhado metade das vezes. Esse é 0 ditame da lei dos grandes ntimeros, nocao decorrente do bom senso, também corroborada pelos matematicos: quando se repete um experimento aleatério quantida- de suficiente de vezes, a média dos resultados convergira para um valor es- perado, Numa moeda, cara e coroa tém as mesmas chances. Num dado, 0 Jado com uma marca aparecera cerca de um sexto das vezes. Isso é 0 que Kolmogorov queria dizer. Mas outros aspectos do jogo so mais complicados. A qualquer mo- mento, um irmao pode ter acumulado mais vitérias do que 0 outro. Ve- jam-se os registros completos de um experimento de langamento de moe- das, abaixo - 10.000 langamentos simulados. Ele fot realizado por um famoso matemético que conheci bem: Willy Feller, que escreveu, em 1950, uum livro-texto sobre probabilidade, muito utilizado na época. Depois de cada langamento, ele plotava num grafico os créditos e débitos acumulados de Harry. Apareceu, entao, um padrao erratic, mas pronunciado: destaca- ram-se alguns ciclos de longas altas e baixas, ¢, sobrepondo-se a eles, muitos ciclos mais curtos. O “rompimento do zero” —0s momentos em que as bol- sasimagindrias de Harry ou de Tom voltam aficarvazias, como noiinictodo Jogo-nao se istribuem de maneira uniforme, mas formam aglomerados. uma estrutura de tipo irregular. Tantos anos atrés, quando o diagrama fol publicado pela primeira vez, poucos leitores Ihe deram a devida ateng’o. Mas eu passei horas exa- minando-o, sonhando com ele, tentando discernir os padres e proces- Sos probabilisticos subjacentes. A primeira vista, até que ponto aquilo se assemelhava a um grafico de agdes? Os “grafistas” passam os dias estu- dando graficos financeiros, localizando padroes cabega-e-ombros, iden- tificando periodos de compressdo e niveis de suporte, para depois, cheios de confianga, recomendar aos clientes que comprem ou vendam. Seré ue eles perceberiam a diferenga se eu introduzisse, disfarcadamente, ‘um desses gréficos em suas pastas? Ser4 que eu receberia um telefonema de um deles, recomendando-me comprar, depois de analisarem 0 meu Srafico? 32. Mercados Financeiros Fora de Controle 6000 7000 ‘2000 9000 10000 0 registro de 10.000 lancamentos de morda,Eses tts rficoscolocdos pont a ponta, ‘mostram até que ponto 3 witriae de um partclante de uma sé ce ancamentos de moeda podem fcaracima ou abalxo da médiaesperade de er (as nhas horizontas)O ponto-

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