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Silêncio.
Perguntas para esse título - Abertura para o silêncio:
- o que acontece comigo quando me abro para o silêncio?
- o que sinto (em meu corpo, pensamentos…)?
- que emoções surgem?
- o que eu escuto como silêncio?
- eu consigo ficar em silêncio? onde estão os meus silêncios?
Tanto o silêncio quanto o vazio possuem a capacidade de absorver significados projetados por quem o
recebe. São muitas as possibilidades, fantasias e dúvidas provocadas por uma pergunta expressamente
não respondida, deixada no ar pelo interlocutor. O silêncio não somente varia seu significado conforme as
situações, como pode acumular vários sentidos simultâneos. É algo cuja existência prima pela ausência
de matéria sonora, consequência de uma omissão, uma interrupção, uma articulação para o nada, para
um vazio cheio de sentidos, de links, de associações, de caminhos abertos. Falar daquilo que nos parece
indescritível, de forma racional, precisa e objetiva, pode, por vezes, tanger o impossível, pela própria
limitação das palavras, dos sentidos, da sintaxe, do conjunto de recursos de representação da linguagem
verbal. (p.1578 - introdução)
Conforme Taborda, Fonterrada e El Haouli (1999), silêncio, mais do que uma propriedade física, é um
estado da percepção, uma sensação psicoacústica de quietude, acionada por fatores externos e internos.
O baixo nível de intensidade sonora, próximo ao limiar de audição, pode induzir a percepção de silêncio.
Também podemos considerar silêncio, sons que deixamos de ouvir por serem permanentes e
redundantes como, no cotidiano, ruídos de aparelhos, de circulação de pessoas, reação paradoxal da
escuta diante do excesso de informações sonoras. Em outras palavras, a incapacidade de extrair sentido
de uma grande quantidade de informações concentradas no tempo acaba provocando o mesmo
desligamento da consciência que a repetição ou a baixa intensidade provocam. O estado de silêncio pode
também surgir a partir de contextos musicais contínuos e repetitivos como mantras e músicas que
provocam transe, levando o ouvinte a uma sensação de quietude. Baseados em Murray Schafer, Taborda
et al. ainda colocam que o som transforma-se em silêncio quando, por algum desses fatores, é abstraído
de nossa percepção e é transportado do plano da consciência para um fundo inconsciente. Nesse caso,
nesse movimento da consciência para a inconsciência, o som emerge e submerge na percepção, como
uma pedra que a superfície do mar oculta ou revela de acordo com o fluxo da maré. (p. 1580)
alguns atravessamentos:
quantos silêncios podem existir? a subjetividade do silêncio, as diferentes formas de lidar com silêncio,
silêncio em tempos de silenciamento, silêncio e ritmo, silêncio e percepção do tempo...
som e silêncio se emaranham, se interpenetram, se pertencem. um não existe sem o outro, e essa linda
relação de complementaridade para mim é quase um segredo do universo revelado. busco através da
escuta chaves para aprofundar essa pesquisa. como sugere o texto anterior, a multiplicidade de sentidos
que se pode dar ao silêncio é tanta quanto são diversas as pessoas-escutadoras existentes, engajadas nesse
caminho.
escrevo isso quando um silêncio aqui é invadido de movimentos e ruídos, então me lembro das práticas de
desvendar da voz, de sentir o som como vibração do ar no contato com a pele.
[durante as práticas com o Desvendar da Voz (com o Thomas Adam, em São Paulo entre 2006-2017)
compreendi a importância da pausa para o canto, para a voz. na pausa lembramos o som que passou,
imaginamos o som que virá, inalamos, deixamos o ar, essa substância por onde navega o som, entrar em
nosso corpo, com os sons nele presentes. filtramos esse ar em nosso corpo e o redesenhamos no som da
nossa voz, vestido de corpo, de fonemas, de sílabas, grunhidos, tonalidades e variações.]
e faço um exercício pessoal de deixar-me reagir fisicamente a esses estímulos, brincando, imaginando.
sons podem ser imaginados?
segue um texto escrito por mim ano passado, antes das derivas da escuta [projeto realizado em parceria
com Mariana Carvalho] presenciais realizadas na cidade de São Paulo.
Encontro com a cidade, depois de um distanciamento de espaço e tempo de aproximadamente nove meses.
A chegada foi em dezembro, o que considero um mês de resiliência e resistência. Não foi fácil o
deslocamento, porque muito de mim continua lá, na América Latina do hemisfério norte - México. Foi um
período de nove meses de intenso trabalho com o som e com a voz, de intenso trabalho de escuta, de mim,
dos espaços que percorri, das pessoas que conheci.
Percebo o mundo muito através da escuta. Isso é necessário para minha expressão. Meu material é o som, a
voz, o corpo. As pesquisas em voz, e principalmente a Escola do Desvendar da Voz, foram as primeiras que
deflagraram em minha escuta uma maneira de perceber o mundo. Através da vibração do ar, das
membranas do corpo (cordas vocais, tímpanos), da pele. O canto precisa da escuta. Escutar a voz me
ensinou a escutar o ar ao meu redor, e conhecer uma pele do som, que amplia meu corpo no espaço. Uma
pele porosa, permeável, mas ao mesmo tempo uma borda, uma membrana, um limite. Compreendo que
minha voz sai do meu corpo rumo ao espaço que ocupo, para todas as direções, pois seu movimento faz
todo o ar vibrar. Ao mesmo tempo, qualquer som ao meu redor ressoa também em mim, em meu corpo,
vindo de diversas direções e ocupando meus arredores, ainda que não possa vê-los.
Viajei com voz e escuta, coração e ideias. Aberta e vulnerável, mulher sozinha viajando, mulher sozinha no
México, mulher sozinha de noite na rua, no transporte público. Lugares que conhecia de ir uma vez, lugares
novos, tudo muito mais novo do que conhecido. Trago na bagagem, horas e horas de gravações de
deambulações pelas ruas, principalmente da Cidade do México. É notória a presença de muitas buzinas,
sons de veículos, em algumas cidades com praças o canto dos pássaros ao cair da tarde (ensurdecedor),
sinos e os muitos pregões urbanos, voces callejeras, sons que nos convidam todo o tempo a olhar, a passar,
a nos relacionar. Ouvir o novo me ensinou novas maneiras de escutar. Essa mudança causou em mim uma
abertura para como eu compreendo minha escuta, bem como para o que ela me ensina.
Por dois meses eu repetia um mesmo trajeto a pé, na Cidade do México, toda quarta-feira, no mesmo
horário, saindo da casa onde vivia para o espaço onde compartilhava minhas oficinas de voz e percussão
corporal. Certo dia decidi cantar meu caminho, e fiz a seguinte proposta a mim mesma: o canto, ou os sons
que eu emitia, deveriam ser totalmente contagiados pela paisagem sonora que me atravessasse e
penetrasse. Assim, a tonalidade e inflexão das vozes, o ritmo das buzinas, os cantos callejeros, sons de
veículos (ônibus e motos), tudo o que eu percebesse enfim, seriam potenciais deformadores e/ou
transformadores do meu canto/som/voz.
Nesse dia, lamentei não ter um gravador. Nesse dia também agradeci não ter o gravador. Guardo na
memória a experiência de uma escuta vívida, criativa, atenta, aberta e curiosa. Uma escuta ampla,
omnidirecional, disponível. Nesse dia, a paisagem sonora fez outro sentido para mim. Foi como se os sons
mais interessantes tivessem acontecido somente naquela ocasião, apenas e pelo simples e complexo fato
de eu escolher cantar meu caminho dessa maneira.
Alguns dias depois, uns amigos me contaram de um tipo de exercício de improvisação, chamado
improvisação psíquica. Nesse exercício, tudo o que você improvisa está apenas em sua cabeça, você escuta
e interage com os sons, mas não manifesta sua interação no ar. A improvisação é puramente psíquica,
sonora para dentro, silenciosa para fora. Somei essa prática às minhas derivas, e saí nas ruas da CDMX
gravando e improvisando silenciosamente. De fato, a incrível sensação de frescor da escuta, que havia
experimentado antes, se renovou. Repeti essa experiência algumas vezes, gravando e não gravando. A
escuta me fez querer andar mais, viver os locais que visitei e habitei de outras maneiras, deambular, sem
rumo ou propósito, apenas pelo prazer da escuta.
Agora, aqui, com essas novas maneiras, novas perguntas, venho escutando São Paulo. Primeiro de tudo,
tenho um estranhamento e uma curiosa saudade… a CDMX, grande, complexa e louca, carrega em seus
espaços aéreos e urbanos uma instigante mescla de sons de um mundo industrial, mecanizado, motorizado
e bruto ao mesmo tempo que preserva cantos e pregões, vozes quase ancestrais que ecoam desde os
antigos mercados de rua, um quê artesanal. Essa São Paulo que ouço, hoje me parece abafar suas vozes.
Será que minha escuta mudou? Arrisco dizer que sim.
Sigo intrigada com o quanto escutar me ensina sobre mim, sobre meu ser no mundo. Cada vez mais sinto o
desejo de compartilhar dessas experiências de escuta, de maneira não apenas solitária, como já venho
fazendo. O encontro com a Mariana Carvalho vem desse desejo. Veio um interessante intercâmbio de
materiais, processos, percepções e bibliografias. Alimentos que nos conduziram a essa proposta de imersão.
A proposta é um motivo para o encontro de escutas, que cada um traz em sua história, um convite a
ampliar nossos horizontes sonoros e perceptivos.
The practice of Deep Listening is indeed to A prática da Escuta Profunda é, de fato, para
facilitate creativity in life and art through this facilitar a criatividade na vida e na arte por essa
form of meditation. Creativity means the forma de meditação. Criatividade significa a
formation of new patterns, exceeding the formação de novos padrões, excedendo as
limitations and boundaries of old patterns, or limitações e fronteiras de velhos padrões ou
using old patterns in new ways. usando-os de novas maneiras.
Animals are deep listeners. When you enter an Os animais são ouvintes atentos. Quando você
environment, where there are birds, insects or entra em um ambiente onde há pássaros, insetos
animals, they are listening to you completely. ou animais, eles estão ouvindo você
You are received. Your presence may be the completamente. Você foi recebido. Sua presença
difference between life and death for the pode ser a diferença entre vida e morte para as
creatures of the environment. Listening is criaturas desse ambiente. Ouvir é sobrevivência!
survival!
Humans have ideas. Ideas drive consciousness Os humanos têm ideias. As ideias impulsionam a
forward to new perceptions and perspectives. consciência a novas percepções e perspectivas.
Sounds carry intelligence. Ideas, feelings and Os sons carregam inteligência. Ideias,
memories are triggered by sounds. If you are too sentimentos e memórias são acionados por sons.
narrow in your awareness of sounds, you are Se você for estreito demais em sua percepção dos
likely to be disconnected from your sons, provavelmente se desconectará do
environment. More often than not, urban living ambiente. Na maioria das vezes, a vida urbana
causes narrow focus and disconnection. Too causa foco estreito e desconexão. Muita
much information is coming into the auditory informação está chegando ao córtex auditivo, ou
cortex, or habit has narrowed listening to only o hábito restringiu a escuta apenas do que parece
what seems of value and concern to the listener. ter valor e preocupação para o ouvinte. Todo o
All else is tuned out or discarded as garbage. resto é ignorado ou descartado como lixo.
Compassion (spiritual development) and Compaixão (desenvolvimento espiritual) e
understanding comes from listening impartially compreensão vêm de ouvir imparcialmente todo
to the whole space-time continuum of sound, o contínuo espaço-tempo do som, não apenas
not just what one is presently concerned about. com o que estamos preocupados no momento.
In this way, discovering and exploration can take Desta forma, a descoberta e a exploração podem
place.New fields of thought can be opened and ocorrer, novos campos de pensamento podem
the individual may be expanded and find ser abertos e o indivíduo pode ser expandido e
opportunity to connect in new ways to encontrar oportunidades de se conectar de novas
communities of interest. Practice enhances maneiras a comunidades de interesse. A prática
openness. aumenta a abertura.
The level of awareness of soundscape brought O nível de consciência da paisagem sonora
about by Deep Listening can lead to the proporcionado pelo Deep Listening pode levar à
possibility of shaping the sound of technology possibilidade de moldar o som da tecnologia e
and of urban environments. Deep Listening dos ambientes urbanos. Os designers,
designers, engineers and city planners could engenheiros e urbanistas do Deep Listening
enhance the quality of life as well as sound podem melhorar a qualidade de vida, bem como
artists, composers and musicians. os artistas sonoros, compositores e músicos.
Pauline Oliveros Pauline Oliveros
June, 24, 2003 24 de junho de 2003
I can say that sound has brought me closer to Posso dizer que o som me aproximou desses
these relational movements by insisting on more movimentos relacionais, insistindo em mais do
than a representational semiotic, giving way to a que uma semiótica representacional, dando lugar
sense or need for actual meeting. Sound a um sentido ou necessidade de um encontro real.
explicitly brings bodies together. It forces us to O som reúne explicitamente os corpos. Nos obriga
come out, in lyrical, antagonistic, and beautiful a sair, de maneiras líricas, antagônicas e bonitas,
ways, creating connective moments and criando momentos de conexão e aprofundando o
deepening the sense for both the present and sentido do presente e do distante, do real e do
the distant, the real and the mediated. mediado.
If, as the contemporary situation seems to Se, como a situação contemporânea parece
pronounce, we continue to meet the other, in pronunciar, continuamos a nos encontrar nos
the flows and intensities of so much fluxos e intensidades de tanta conectividade,
connectivity, then sound and audition readily então o som e a audição fornecem prontamente
provide a paradigmatic means to understand um meio paradigmático para entender e engajar
and engage such dynamic. (p. 24-25) essa dinâmica.
The ears cannot be closed and the vagina cannot As orelhas não podem ser fechadas e a vagina
be closed either… também não ...
This openness and availability of ears invites Esta abertura e disponibilidade de ouvidos
torture. Strangers in the street accost you and convida à tortura. Estranhos na rua abordam você
fill your ears with filthy stuff, wisdom and e enchem seus ouvidos com coisas sujas,
unprompted advice. [EJ] sabedoria e conselhos espontâneos. [EJ]
The vagina is there to give and receive. The ears A vagina existe para dar e receber. Os ouvidos
are there to receive. But could there be any estão lá para receber. Mas poderia haver alguma
hidden activations through the process of ativação oculta durante o processo de recepção?
reception? A recepção pode não ser passiva. A recepção
Reception might not be passive. Reception is nunca é passiva. [AR]
never passive. [AR]
Para contrariar o estereótipo de que a música e
To counter the stereotype that music and sounds os sons são penetrantes, Oliveros oferece uma
are penetrative, Oliveros offers active listening - escuta ativa - de certa forma, uma penetração do
in a way, a penetrating of sound itself. The ear próprio som. O ouvido também pode criar sons,
can create sounds as well, a kind of echo. [EJ] uma espécie de eco. [EJ]
Yes, I believe that listening always implies an Sim, acredito que ouvir sempre implica uma
activity, so it is never passive. I also believe that atividade, por isso nunca é passivo. Também
vaginas are never passive. [AR] acredito que as vaginas nunca são passivas. [AR]
Listening through the vagina could be intended Ouvir pela vagina pode ser uma ação geradora de
as a generative action of silences within which silêncios para inventar novas linguagens e
to invent new languages and scenarios. Spaces cenários. Espaços para expressar prazeres,
in which to voice pleasures, fear, the instincts; medos, instintos; além da linguagem. Para o
beyond language. To the unspeakable yet indizível ainda presente. Silêncios para resistir aos
present. Silences to resist patriarchal discourses discursos patriarcais e às estruturas de
and given frames of interpretation. [AR] interpretação dadas. [AR]