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Copyright © 2021 – IVANI GODOY

Capa: Barbara Dameto


Diagramação: Denilia Carneiro
Revisão: Sara Ester e Analine Borges

1ª Edição

Esta é uma obra de ficção. Seu intuito é entreter as pessoas. Nomes,


personagens, lugares e acontecimentos descritos são produtos da imaginação da
autora. Qualquer semelhança com nomes, datas e acontecimentos reais é mera
coincidência.
Todos os direitos reservados. São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução
de qualquer parte dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou
intangível — sem o consentimento escrito da autora.
Criado no Brasil. A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei n°.
9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
SUMÁRIO
PRÓLOGO 1
PRÓLOGO 2
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
CAPÍTULO 47
CAPÍTULO 48
CAPÍTULO 49
CAPÍTULO 50
CAPÍTULO 51
CAPÍTULO 52
EPÍLOGO 1
EPÍLOGO 2
BÔNUS
AGRADECIMENTOS
OUTROS LIVROS DA AUTORA JÁ LANÇADOS
LIVROS DA AUTORA A SEREM LANÇADOS
REDES SOCIAIS
Christian
Eu estava levando minha filha Yasmin para ir buscar a minha

esposa no trabalho dela, pois tínhamos combinado de almoçar


juntos. Fazia alguns dias que eu estava preocupado, afinal havia

uma situação que estava me tirando o sono. Rúbia era promotora, e

esse cargo era preocupante, ainda mais agora, por ela estar sendo
ameaçada por mafiosos.

― Papai, depois do almoço podemos ir ao parque? ―

perguntou Yasmin.

Minha filha era uma garotinha linda e muito esperta, parecia-se

tanto com sua mãe, não só os cabelos escuros, mas também a sua
esperteza.

― Vamos, sim, meu amor.

Eu já tinha discutido com Rúbia sobre o seu trabalho. É claro

que todo casal briga, mas isso não significava que eu não amava

minha esposa. Adorava-a. A única coisa que me perturbava era a

sua profissão. No começo, ela era advogada, então, após algum

tempo, tornou-se promotora. O trabalho jurídico vinha de sua

linhagem desde seu avô, seu pai e depois ela. Não tinha irmãos.

Quem dera tivesse. Quem sabe assim essa fixação por esse ramo
se transferisse apenas para eles.
Parei de pensar nisso e foquei na estrada. Tinha acabado de
pegar Yasmin na escola, e, após pegar Rúbia, almoçaríamos juntos.

O nosso aniversário de casamento de 10 anos estava

chegando. Eu esperava convencê-la a tirar umas férias e abdicar de

seu caso atual, assim aproveitaríamos mais e eu poderia dormir de

verdade, pois fazia semanas que não conseguia.

Não queria pensar no homem que ela logo condenaria, um

capanga da máfia. Deixava-me orgulhoso que ela condenasse

criminosos desse porte, mas sempre havia um preço. Torceria para


dar tudo certo, afinal não era o primeiro bandido que ela colocaria

na cadeia, embora fosse o primeiro mafioso.

Estacionei o carro em frente ao tribunal. Rúbia estava saindo


com um sorriso lindo, os cabelos escuros em um coque. Vestia um

terninho e scarpins baixos, pois não gostava de saltos.

― Oi, meu amor. ― Beijou a cabeça de Yasmin e depois

entrou no carro ao meu lado, beijando meus lábios. ― Estão prontos

para aproveitarmos? Tirei a tarde de folga.

Isso me deixou contente. Quase não passávamos muito tempo

juntos, sua carreira ocupava muito do seu tempo, embora, quando

me casei, sabia disso e não me arrependia nem um dia sequer.


― Que bom! ― Liguei o carro. ― Como o caso está indo?

Olhei para os dois seguranças que estavam nos seguindo para

protegê-la. Após as ameaças que Rúbia recebeu, tivemos que

aceitar isso, algo que me deixou mais aliviado, pois ela teria
profissionais para protegê-la.

― Vai dar certo, amor, nada irá acontecer com a gente. ― Ela
pegou a minha mão que não estava no volante e a apertou.

Antes que eu pudesse responder, notei carros nos

perseguindo. De repente, o carro dos policiais que faziam a escolta


dela saiu da estrada, quando um dos perseguidores se chocou
contra ele. Eles não tiveram chance; homens armados apontaram

para o veículo, fuzilando-o.

Acelerei o meu, com o coração na mão, focando em nos tirar

dali. Estava quase chegando a uma rua movimentada; quem sabe


assim os afastaria de nós.

― Oh, meus Deus! ― gritou Rúbia.

Um dos automóveis chegou perto do meu carro, e os

integrantes atiraram em nós, fazendo-me perder o controle da


direção e sair da estrada. Uma sensação gelada percorreu meu
corpo, deixando-me estático por um momento que pareceu infinito.

Yasmin e Rúbia gritaram.

― Segure-se, Yasmin! ― gritei, mas não tive tempo de checá-

la, pois outro dos carros nos empurrou ladeira abaixo enquanto
voltavam a atirar contra nós, metralhando-nos. O carro capotou.

Tentei cobrir Rúbia e Yasmin, mas não tive oportunidade, pois uma
dor perfurou a região do meu peito, tirando-me o ar.

O veículo parou em algum momento, mas minha visão


escureceu por uns segundos, porém eu não cairia na inconsciência
naquele instante. Fitei Rúbia, que estava de olhos fechados e com

sangue na região do seu peito. Consegui levantar minha mão e


chequei seu pulso; sem sinal.

Não! Tentei me mexer, mas meu corpo estava tão pesado.

Uma dor pior que a bala me atingiu ao ver minha mulher


daquela forma. Não, por favor, não!

― Princesa... ― Movi-me, tentando checar minha filha,


embora tudo parecesse solto em meu corpo. A dor me consumia,

mas meu amor por minha princesa era maior. Ela estava
inconsciente, mas parecia respirar. Ou era minha impressão? Por
favor, Deus, que ela esteja bem! Mas, antes que eu pudesse me
aproximar mais dela, outra rajada de tiros foi direcionada contra o
carro, bem do lado onde dela e Rúbia estavam.

Não, elas não podem ir assim... Não..., eu ficava mentalizando

como um mantra.

A morte era bem-vinda naquele momento. Não queria viver

caso perdesse tudo...

A escuridão me levou a um abismo de dor e tormento.


Ella aos 10 anos

Eu morava com minha família à beira-mar em Skagen, na


Dinamarca. Nossa vida estava longe de ser boa. Meu pai sempre ia
para casa bêbado e batia em minha mãe e em meu irmão.

Kasper fazia de tudo para me proteger, mesmo sendo um

garoto magricela de 14 anos. Era fiel e amoroso comigo e nossa

mãe.

Certo dia, o infeliz do papai chegou bêbado em casa e matou


mamãe, depois tentou me violentar. A dor e o medo que senti foram
terríveis demais. Kasper perdeu a razão ao voltar para casa e ver o

horror que tinha acontecido com nossa mãe e estava prestes a


acontecer comigo, por isso matou nosso pai.

Na hora, surtei, e nunca deixei de me sentir meio catatônica

com tudo o que houve, aquele sangue todo, a polícia levando meu

irmão preso. O medo de perdê-lo também era tremendo, mas, por


mais que eu implorasse para que não nos separassem, não

adiantou. O juizado me entregou à minha tia, e fui levada para a

América sem saber do paradeiro de Kasper.

Ela era a mulher mais malvada que eu já havia conhecido.


Igualava-se ao meu pai. A dor e o tormento me consumiam por

dentro. Aquela mulher era um demônio. Poucos dias após eu

chegar, prendeu-me em uma cama amarrando meus pés e mãos

aos postes da cama, o que me impossibilitava de lutar.

Não vi quando fui presa, estava inconsciente. Minha cabeça

doía muito. Ela me disse que me dopou, e eu estava ali à sua

mercê. O pior, o que me fez ficar com mais terror, foi perceber que

estava nua. O medo me tomava a ponto de gritar, mas minha voz


não era alta, pois estava meio atordoada.
― Não me teste, Ella. ― A voz dela me enchia de pavor,
principalmente após segurar meu rosto e forçar minha boca a se

abrir a fim de me obrigar a ingerir bebida alcoólica. Eu não gostava

daquilo, lembrava-me do meu pai.

― Por favor, tia, vou ser boa! Só não deixe que me toquem! ―

O terror me corroía por dentro ao recordar o que ela disse que faria

assim que acordei.

― Tenho que pagar as contas, não posso me dar ao luxo de

cuidar de uma bastarda como você. Tome mais bebida, assim não
sentirá muito em sua primeira vez.

Asco revirou meu estômago, quase me fazendo vomitar.

― Seja boazinha, criança. ― Sorriu de forma fria assim que

terminei de tomar a bebida.

― Por favor... ― Minha cabeça começou a girar, e fui


perdendo minhas forças. Como lutaria assim, sem energia?

― Faça o que mando, ou vou dar um jeito de um amigo meu

que é policial ir visitar seu irmão na cadeia. Sabe o que acontece

com as crianças lá?

Meus olhos estavam molhados com o sofrimento que sentia

pelo meu destino e o de Kasper. Não podia deixar mais nada


acontecer a ele, mas também queria impedir que me tocassem,

embora soubesse que era inútil resistir. Sentia falta dele e da nossa
mãe.

― Boa menina. Agora vamos cobrir sua boca...

― Não, por favor... ― Fui interrompida quando ela colocou

uma fita adesiva sobre os meus lábios.

― Assim ninguém vai ouvir seus gritos. ― Ela saiu, deixando-


me ali como se eu não fosse seu sangue.

Inspirei fundo, tentando controlar o medo, mas não consegui.


Era demais para suportar.

A porta foi aberta não muito tempo depois, e um homem alto


entrou por ela, deixando-me ainda mais apavorada.

― Adoro ver o terror em meninas indefesas como você ― o


homem disse, vindo até mim.

Por favor!, quis implorar, mas não pude. Não só minha boca

estava inapta, mas também não conseguia me mover. Meu corpo


estava mole. Isso significava que não havia apenas álcool naquela

bebida.
― Vou adorar tirar o seu cabaço. ― Pegou uma faca, o que

me fez arregalar os olhos, com mais horror ainda. ― Não vou matá-
la, cadelinha, mas vamos brincar muito.

Por favor, Deus, não deixe que ele me toque!, supliquei, mas
não fui ouvida. Tentei lutar, porém não consegui devido ao fato de

estar presa e à porcaria que colocaram na bebida.

A faca foi até minha garganta, fazendo-me fechar os olhos,

esperando a morte. Era melhor isso ao que estava por vir. Contudo,
não tive essa sorte, pois o senti rasgando minha inocência e
levando minha alma. Dali em diante, soube que nunca mais seria a

mesma, pois uma parte de mim tinha sido levada e nunca mais
voltaria.
Passado
Christian

Acordei cedo naquela manhã, com o meu peito fodido, mas

não só pelas balas que tinha recebido. Pensei que morreria, até
desejei isso. No entanto, vivi e deparei-me com meu mundo inteiro

sendo tirado de mim. As lembranças me consumiam vivo. O pior é

nem pude me despedir de minha esposa e minha filha.

Fiquei um mês em coma, enquanto tentavam me salvar. Os

únicos que estiveram comigo foram Lance, meu irmão, e Hades, um

amigo de infância, atualmente vice-presidente do Bloody Fury MC.


Ele me escondeu enquanto a maldita máfia me procurava para

terminar o serviço.

Eu não dava a mínima se morresse. Fiquei puto por terem me


salvado, não precisava disso. Na verdade, eu me sentia morto

desde que saí do hospital antes mesmo de receber alta. A porra do

meu corpo doía, mas eu não podia ficar nem mais um dia longe

delas.

O pai de Rúbia a enterrou, assim como a Yasmin, minha

princesa, sem se importar que eu quisesse vê-las uma última vez.


Se aquele miserável quisesse, poderia tê-las embalsamado, assim
eu poderia me despedir quando acordasse. Ele e sua esposa nunca

gostaram do relacionamento entre mim e a sua filha. Agora eu

estava vazio, sem a razão da minha existência nesse mundo.

O táxi parou em frente ao cemitério, e desci meio trôpego.

― Senhor, você precisa de um hospital ― interpelou o homem.

― Foda-se ― sibilei, cambaleando, e escorei-me em uma

lápide para me manter firme.

O lugar onde estive inconsciente era o hospital de um colega

de Hades. Assim que abri os olhos, dois dias antes, tentei

recuperar-me da tontura e moleza do meu corpo e procurei saber

onde as duas foram enterradas. Garantia que era no local reservado

aos túmulos da família de Rúbia. Eu já tinha ido ali uma vez, quando
o tio dela morreu.

― Precisa pagar a corrida. ― O taxista deu um suspiro

impaciente.

Não me importei, só continuei adentrando no cemitério

apoiando-me nas malditas sepulturas. Não podia desistir agora,

precisava estar perto delas e não dava a mínima se morreria depois.

A morte seria um alívio caso acontecesse.


Caí de joelhos em frente à lápide delas e chorei, com a dor

esmagando meu peito, pior do que aquela que esmagava minha


carne.

― Oh, Céus! ― Resfoleguei com as mãos apoiadas na grama


em punhos, arrancando-a.

Yasmin Lara Crawford... Rúbia Crawford... Ali estavam seus


nomes e a data de nascimento, assim como de suas mortes. Tão
pouco tempo tive com a minha menina...

― Lamento tanto, princesa! ― Bati em meu peito para tentar


extrair aquela dor esmagadora, mas sabia que ela nunca iria
embora. No fundo, não queria que fosse, precisava de tudo aquilo.

Em minha mente não desaparecia a imagem da última vez que


vi seu sorriso, logo seguido de seus gritos no carro, onde vi seu

corpinho cheio de sangue.

Meus olhos estavam fechados enquanto enfiava as mãos em

meu peito, rasgando-o, mas nada adiantava. Aquele buraco estava


ali, corroendo-me.

― Por que não me ouviu, Rúbia? Por que não deixou o maldito
caso? ― gemi, tamanho era o meu tormento. ― Agora perdi vocês
duas! O que será de mim?
Deitei-me na grama, pensando em como minha felicidade tinha

sido ceifada, atormentado e aos pedaços.

Queria poder ver o sorriso delas para sempre, que nada

daquilo acontecesse, afinal imaginava que as teria ao meu lado para


o resto da vida.

A chuva caia sobre o meu rosto, levando toda a sujeira do solo


sob a grama, mas não levava o pesadelo em que eu estava vivendo.

Não adiantava eu voltar para aquela casa, sabendo que não as


veria mais. Nenhuma delas chegaria e correria até mim para me
abraçar e dizer coisas lindas.

O céu estava nublado, eu só via trevas e tentava imaginar


onde elas estavam, mas no fundo sabia. No paraíso. Isso não queria
dizer que o abismo em que eu me encontrava na Terra fosse fácil.

― Lamento princesas, não posso viver dessa forma, não sem


vocês. ― Inspirei fundo, colocando a mão no bisturi que tinha

roubado do hospital.

Ouvi passos, mas não me importei com quem quer que fosse.

Só esperava que não atrapalhasse o que eu pretendia fazer.

― Veja o que consegui aqui ― disse uma voz com sotaque, eu

só não sabia de que idioma.


Forcei meus olhos a se abrirem, encarando o homem diante de
mim.

― Finalmente saiu da toca. ― Levantou a arma em minha

direção. ― Chegou sua vez. Não deixo pontas soltas.

Meu peito se sacudiu ao pensar no significado do que ele

falou.

― Foi você que as tirou de mim...

― Que sentimentalismo patético... ― cuspiu. ― Sua esposa

mexeu com quem não deveria. Você e a menina só estavam no


lugar e na hora errada.

Quanto mais ele falava, mais me deixava furioso. Eu não me


importava que me matasse, contanto que o maldito fosse junto.

Eu sabia lutar, havia aprendido cedo com Hades. Lutávamos


de vez em quando, embora meu corpo quase inutilizado não fosse

de muita serventia.

Apertei o bisturi com força, as poucas que restavam em mim,


levei minha mão para frente e enfiei a lâmina em sua perna,

acertando uma artéria importante.


O presidente do Bloody Fury era o mentor e amigo de Hades.
Ele ensinou a nós dois todos os pontos vitais de um corpo humano.
Antes de conhecer Rúbia, eu frequentava o clube de motoqueiros,

mas, por causa da carreira dela, não pude mais fazer isso, embora
ainda mantivesse a amizade com os membros do local. Nunca os

deixaria só porque os pais dela eram juízes e tinham narizes


empinados.

Puxei a lâmina, fazendo-o cair de joelhos. Ele até tentou atirar

em mim, mas o aceitei na traqueia. Não sei onde arrumei forças.


Talvez fossem minhas princesas que estivessem me fortalecendo,

afinal eu estava a ponto de desistir.

Um tiro de sua arma soou, mas não percebi se tinha me

acertado, pois tinha tantas dores que uma a mais não faria

diferença.

― Posso morrer, mas você vai junto! ― Montei sobre ele,


aproveitando que estava quase sem fôlego.

― Vejo que é capaz de se proteger sozinho ― rosnou uma voz


nada amigável.

Olhei para cima, deparando-me com Hades com cara de


poucos amigos. Com certeza estava furioso por eu ter saído do
hospital. Antes que eu pudesse dizer algo, o assassino gritou,

tentando me enfrentar:

― Vou matar os dois!

Entretanto, Hades se apressou e puxou os braços do infeliz,

quebrando as mãos dele no processo e prendeu a cabeça do cara


entre suas pernas.

― Faça o que tem que fazer ― declarou.

Assenti, apertando o bisturi. Sabia que teria que ser logo, o


corte na perna dele o mataria em pouco tempo, mas eu queria que

fosse com dor, de preferência muita.

― Você rasgou meu coração; agora vou rasgar o seu ―

rosnei, enfiando a lâmina e abrindo seu peito. O infeliz gritou, mas

os trovões impediriam que alguém o ouvisse. Mesmo assim, Hades

tapou sua boca.

Cortei pele, carne e ossos e arranquei seu coração ainda

pulsando, parando aos poucos depois de ser separado das artérias


e veias às quais era ligado. Fiz tudo isso encarando seus olhos, até

que finalmente apagou e deu o último fôlego.

Sabia que não demoraria a desmaiar. As minhas forças

estavam se esvaindo.
A grama e a água da chuva empossada ficaram vermelhas.

Peguei o telefone do assassino em seu bolso, procurei os contatos e

tirei uma foto do defunto sem o coração, com um rombo em seu


tórax. Enviei-a para o contato chamado “Chefe”. Por sorte, o

aparelho era à prova d’água. Tentei escrever algo, mas não

consegui, caindo mole de lado, com a respiração aguda.

― Escreva! Diga que o próximo coração que arrancarei será o

dele ― pedi a Hades.

Ele fez o que pedi e ficou em silêncio por um tempo.

― Sorte sua que pedi que vigiassem ao redor, o que vai

impedir que alguém chegue aqui e veja tudo isso ― repreendeu-me.

Eu não me incomodava com o que me acontecesse de fato.

Agora só uma vontade me mantinha vivo, e era só por isso que

lutaria até derramar o sangue daquele que mais desejava enfrentar.

― Pela sua expressão, vai querer vingança ― comentou,

guardando a arma do defunto.

― Sim, caso eu sobreviva, pois sinto que está tudo estourado


dentro de mim. ― Inspirei de modo irregular. ― Pode me ajudar a

procurar todos e matá-los?


― Por que não? Estava ansioso por uma batalha contra a

máfia. Acho que chegou a hora de cobrar alguns favores. ― Deu


aquele seu sorriso maníaco.

Sorrir... Provavelmente eu nunca iria fazer algo assim de novo.

― Favores?

― À família. Não se preocupe, agora vou cuidar de você.

Precisa ficar bom, pois a luta vai ser grande. ― Veio até mim e me
pegou nos braços.

Meus olhos se fecharam, pensando na família dele, à qual


pediria ajuda. No final, só uma máfia poderia derrotar outra. Não

importava, eu lhe agradecia e estava pronto para pagar qualquer

preço. Se precisasse vender minha alma, que assim fosse.


Passado

Ella

Ao olhar aquelas pessoas sorrindo e felizes, eu me sentia um

lixo, não por não querer a felicidade para elas, jamais seria egoísta
a esse ponto, mas porque desejava me sentir assim também, sorrir

e me apaixonar ao menos uma vez, ter um amor avassalador que


me encheria de júbilo e me faria até temer que fosse bom demais

para ser verdade. Talvez um amor assim pudesse apagar a


escuridão que havia em meu peito, mas não tinha a ilusão de que

alguém pudesse reparar algo tão danificado.

Em primeiro lugar, perdi meu irmão, que foi preso ao eliminar


um ser que deveria me proteger, o meu próprio pai, mas, em vez

disso, matou minha mãe e tentou me violentar quando eu era

apenas uma criança.

Em segundo, com a prisão de Kasper, fui enviada a uma das


piores pessoas do mundo, uma mulher sem coração que vendia a

própria sobrinha por dinheiro, uma garotinha de apenas 10 anos.

Em terceiro, os traumas dominaram minha vida, pois os


homens que compravam o uso do meu corpo não saíam da minha

cabeça. Seus cheiros repugnantes, suas vozes asquerosas me


traziam pesadelos, e não apenas quando eu estava dormindo.

Em quarto, a escuridão se tornou tão profunda que tentei me

matar duas vezes, uma quando tinha 12 anos, e outra quando fiz 18,

essa última fazia apenas dois anos. Eu estava no fundo do poço.

Tinha um namorado na época, Travis. Ele era bom, mas eu não

conseguia uma verdadeira conexão com ele. Tentei me apaixonar

por Travis, ao menos sentir qualquer desejo sexual, afinal ele era
um cara legal, mas, por mais que me esforçasse, não consegui.
Travis me traiu, e eu não tirava suas razões. Esperei pela dor que
um parceiro traído sentiria, mas não aconteceu; meu sofrimento foi

resultado de eu ter percebido que estava travada em razão do meu

passado. Fiquei feliz por ele ter seguido em frente; eu me sentia um

peso morto na época. A depressão me tomava tão profundamente

que, se eu não procurasse ajuda, continuaria a cair e jamais me

reergueria.

No entanto, eu estava em um abismo muito profundo para


notar isso tudo, sentia até vontade de me drogar para aliviar a dor. A

única coisa que me impedia de recorrer aos entorpecentes eram as

lembranças atormentadas de quando era forçada a usar drogas

antes de ser usada por aqueles homens... Por isso não vi alternativa

e cortei meus pulsos da mesma forma que tinha feito na outra vez,

mas esse segundo ato trouxe severas consequências que eu não

esqueceria nunca, pois levaram um pedaço de mim.

Eu recordava de acordar no hospital e olhar para o rosto da


minha amiga, Natiele, chorando, que tinha me achado sangrando no

banheiro. Mal podia imaginar o que ela devia ter sentido ao me ver

naquele estado decadente. O pior foi tudo que tive de perder para

superar as dificuldades.
Minha respiração se tornou irregular devido às lembranças

insuportáveis. Escorei-me em uma parede na casa em que a festa


estava ocorrendo, tentando focar no momento, e não mais no

passado.

Era o baile de casamento de minha melhor amiga, Naty, que

eu conhecia desde os 13 anos. Eu sentia que não era uma boa


amiga, afinal não havia lhe contado tudo sobre mim, o meu passado
tenebroso e sombrio. Não queria que ela sofresse por saber daquela

porra toda. Não merecia sua amizade, mas ela era tudo para mim,
assim como Lance, seu marido após a cerimônia, namorado de

anos. Éramos uma família. Os dois sempre me davam forças para


lutar a cada dia e não deixar o passado me derrotar.

Ao 20 anos, eu sabia que era uma luta diária, como disse


minha psicóloga, e eu acreditava nela, mas queria que chegasse um
momento em que eu não precisasse lutar tanto, apenas viver e ser

feliz. Eu estava fadada a nunca sentir nem mesmo uma pequena


dose de paz interior?

Varri meus olhos pela casa de Lance e Naty, onde estava

ocorrendo a festa após o matrimônio deles. Não era muito grande,


mas para mim parecia um palácio de conto de fadas. Minha amiga

merecia.

O tema da festa era baile de máscaras. Lance disse que tinha

um motivo para ter escolhido daquela forma, mas não me revelou


qual.

Naquele momento, após a valsa dos noivos, muitas pessoas


estavam na pista de dança improvisada pelo cerimonial. Eu já tinha

dançado com alguns convidados, mas não queria fazer mais aquilo,
estava a ponto de sair dali. Não gostava muito de ser tocada,
especialmente por desconhecidos. Não surtava com isso, mas

alguns homens eram pegajosos demais.

Depois de minha tentativa falha de ter um relacionamento,


jurara a mim mesma que nunca mais ficaria com alguém por ficar.

Queria sentir a conexão, aquele calor em todas as partes do corpo


só com o toque do parceiro, que os livros descreviam. Eu nunca

tinha sentido isso, e temia nunca sentir.

Quando estava saindo do local, esbarrei em um peito duro, e

braços fortes me seguraram para não cair de sobre meus saltos.

― Me desculpe! ― Elevei meus olhos e, ao fitar os do homem


que me apoiava, fiquei paralisada.
Ele usava uma máscara como a do Zorro, mas essa cobria
mais seu rosto, deixando expostos só seus olhos e da boca para
baixo. Aqueles olhos eram escuros, mas não apenas em razão da

cor das íris; algo sombrio habitava aquele olhar tão intenso e
magnético. Tomei consciência do toque de suas mãos, que me fez

sentir algo desconhecido, tudo que eu almejava havia tanto tempo.

Era impossível sentir aquilo por alguém que eu nem conhecia!

Não fazia sentido, mas eu não queria que aquela conexão fossem
interrompida, afinal mal acreditava que ela fosse possível. Seria um
aviso de que eu estava começando a ser curada, de que não estava

mais quebrada?

― Quer dançar comigo? ― inquiri, afinal ele não fez menção

em me soltar. Parecia em transe como eu, que não queria que se


afastasse de mim e levasse minha dúvida consigo. Precisava testar

minha teoria e saber até onde iria aquela sensação que me


percorria de cima a baixo.

Ele piscou de repente, parecendo despertar, e mirou a pista de

dança rapidamente.

― Aqui não. Tem um coreto lá fora. A música chega lá, e é


bem mais tranquilo sem tantos olhos sobre nós ― sugeri, pegando
sua mão. Seus dedos longos eram fortes e pareciam frios. Seu
corpo parecia magro, como se não comesse muito, mas era difícil
ter certeza com o seu terno escuro, ou então ele estava usando um

a dois números a mais em relação ao seu tamanho.

Por incrível que pareça, ele me seguiu sem reclamar e não

tentou se soltar.

― Então qual é o seu nome? O meu é Ella. ― Sorri assim que


entramos no pequeno coreto. Lance tinha construído para Naty, pois

ela era romântica e adorava arquitetura delicada.

Ante a minha pergunta, ele ficou tenso. Como eu não queria

que ele fugisse, apressei-me em mudar de assunto.

― Não precisa responder se não quiser, mas... ― Puxei um fio

de seu cabelo, fazendo-o me fitar com os olhos arregalados.

Guardei-o no bolso do meu vestido. ― Só no caso de você ser um


psicopata, um ceifador mortal, um assassino de aluguel... Assim a

polícia achará seu DNA em mim e poderá prendê-lo.

Um dos cantos de sua boca se ergueu de leve, parecendo um

meio sorriso, mas eu não sabia dizer se era realmente isso. No

fundo, eu estava brincando, afinal, seu eu acreditasse nisso, em


primeiro lugar, não teria ficado sozinha com ele, e, em segundo, não
teria comentado sobre o DNA, pois bastaria que ele sumisse com a

evidência. Eu tinha que parar de assistir àquelas séries que


desvendavam crimes, como CSI, ou ficaria maluca.

― Então vamos dançar ou não? ― desafiei-o assim que

começou a música Never Gonna Be Alone, de Nickelback. ― Linda

música, não é?

Assentiu e segurou minha mão direita, colocando sua outra

mão em minha cintura. Começamos a nos mover lentamente

conforme o ritmo e a melodia da bela canção.

Nunca mais vou estar sozinha

O tempo está passando, muito mais rápido do que eu

E eu estou começando a me arrepender de não gastar tudo

isso com você.

Essas palavras descreviam tudo. Embora eu realmente não


estivesse sozinha, pois tinha amigos, o tempo naquela noite estava

passando, e eu precisava gastá-lo com aquele homem


desconhecido, enquanto meu conto de fadas não acabasse, quando

chegasse a meia-noite.

Uma pessoa normal provavelmente não faria o que eu estava

fazendo, permanecendo sozinha com um homem desconhecido,

mascarado e tão calado, para não dizer mudo, mas eu não era
normal. Queria entendê-lo, porém não lhe fiz perguntas. Entendia

que havia momento quando uma pessoa preferia não falar.

― Espero que eles sejam felizes. Eu os amo, sabia? ― Olhei

para a casa; dali, podia ver Lance e Naty sorrindo um para o outro.

Ele os mirou também por alguns minutos. Não pude ler seu

olhar direito, mas, embora não houvesse expressão em seu rosto

assim que ele se voltou novamente para mim, percebi certo martírio
brilhar naquelas pedras negras.

― Se você está aqui, é amigo de Lance e Natiele, então


vamos ficar felizes por eles e esquecer um pouco nossos

problemas. ― Sorri e, enquanto continuávamos a dançar, comecei a

falar de coisas banais, como a faculdade de direito, que eu estava


fazendo após ter terminado o college, embora me tornar advogada

não fosse o que eu mais desejasse, mas era uma carreira


promissora e, através dela, eu poderia ajudar vítimas e ter a chance

de auxiliar a condenar bandidos.

― Desculpe, estou falando demais. Faço isso quando estou

nervosa. ― Abaixei a cabeça, corando.

Ele parou de se mover, então senti seus dedos em meu

queixo, fazendo com que eu elevasse meus olhos até os seus, que
estavam profundos e fizeram meu coração se acelerar ainda mais.

Sua boca era perfeita e estava entreaberta, como se quisesse

dizer algo, mas não conseguisse. Talvez tivesse algum problema na

fala, mas eu não me incomodaria caso tivesse.

Aproximei-me ainda mais dele, hipnotizada por aqueles olhos

profundos e atormentados, assim como os meus. Seria aquela


nossa ligação? Tinha sido aquilo que me chamara a atenção nele,

dentre tantos outros naquela sala?

Seu cheiro me deixava ainda mais inebriada e fascinada, e,

pela forma com que ele me admirava, era como se sentisse o

mesmo que eu. Essa sensação era maravilhosa!

Inspirei fundo, fechando os olhos e absorvendo aquelas

labaredas. Por anos vinha tentando descobrir aquelas sensações, e


agora as tinha justamente com um desconhecido, alguém que

parecia viver na mesma escuridão que eu.

Próxima a ele, eu me sentia como se estivesse perto do sol,

mas sem me derreter, ou que as estrelas derramavam sua luz em

mim. Por um momento, só senti e senti... Era um paraíso, eu queria

gritar a todos que não estava mais quebrada...

Meus olhos se abriram em um rompante quando seus lábios


quentes pousaram nos meus. Por um instante, ficamos ali, com as

bocas coladas e os olhos conectados.

Um arrepio se apossou do meu corpo dos pés à cabeça. Achei

que logo acabaria, mas o seu beijo era como um vício; um pequeno

toque, e eu queria ainda mais.

Meus lábios se abriram, e tracei a minha língua nos seus. Isso

o fez gemer e colocar os braços à minha volta, devorando-me como


se fizesse anos que estava faminto e sedento. A forma como me

apertava mais junto a si era como se quisesse nos fundir.

A música continuava fluindo ao fundo, mas agora parecia

distante perto daquele poderoso tsunami que tomava conta de mim.

Eu nunca tivera nada daquilo com Travis. Nossos beijos eram

bons, mas não existia esse fogo que estava ardendo no interior de
meu corpo, resplandecendo e revivendo cada célula minha.

Esqueci o lugar, o momento, as pessoas, restando apenas eu

e ele ali, em uma bolha só nossa. Cada carícia ficaria gravada para

sempre. Eu não sabia quem ele era e talvez nunca soubesse, mas
ele estava fazendo o que ninguém jamais tinha conseguido,

chegando aonde ninguém jamais chegara, à minha alma

danificada... e a fazendo iluminar-se em meio à escuridão na qual


ela se encontrava.

Não soube por quanto tempo nos beijamos, mas eu estava


com falta de ar, ainda que só quisesse continuar e desfrutar de cada

segundo. Contudo, ele deteve o beijo de supetão, como se

despertasse de um transe. Afastou-se de repente de mim com os

olhos arregalados, depois se virou e saiu dali apressadamente.

Antes que eu pudesse organizar minha mente e ir atrás dele, o


homem misterioso desapareceu. Procurei-o pelos arredores, mas

não o encontrei em lugar nenhum.

Nosso encontro foi como um conto de fadas, cujo encanto

durou poucos minutos. O pior era que eu nem sabia sua identidade,

não tinha sequer uma pista de quem era. Como o acharia?


Passado
Christian

No passado, após eu ir ao cemitério onde se encontravam

enterradas minha esposa e minha filha, Hades disse que me


ajudaria a matar todos os desgraçados que as tiraram de mim, e

meu amigo cumpriu essa promessa. Matei os demônios que

levaram tudo que eu amava. Todavia, a sensação de alívio que eu


esperava não veio quando esmaguei os responsáveis. E acreditava

que nunca viria, mas seguiria em frente eliminando homens que não

mereciam estar andando pela Terra. Precisava soltar a fúria que


estava me matando aos poucos.

Mesmo três anos depois do atentado, eu não me sentia


realizado, mesmo que tivesse destruído cada membro daquela

máfia. Isso não seria possível sem a ajuda de Murilo González,

chefe de uma das máfias espanholas, que, após eu terminar minha

vingança, pediu-me que trabalhasse para ele. Estive a seu serviço

por quase dois anos. Mesmo assim, sentia que faltava algo, não em

relação ao que eu havia perdido, pois minhas meninas jamais


retornariam.
Eu precisava de um objetivo para continuar vivendo dia após
dia. Foi então que pensei em montar meu próprio negócio, em que

eu não precisaria dar satisfação a ninguém. Tinha dinheiro, poder e

conhecimento, não precisava de nada mais. Não queria montar uma

máfia, afinal isso trazia muitas burocracias e dores de cabeça;

queria algo de menor porte, mas tão poderoso quanto.

Foi quando pensei na agência de assassinos de aluguel. Ainda

não sabia que nome dar a ela, estava procurando um.

Naquela noite, tinha vindo ao casamento do meu irmão me


despedir dele, pois o caminho que eu escolhera trilhar não tinha

volta. Acreditava que, se destino realmente existisse, aquele era o

meu.

Não contava que eu fosse conhecer uma mulher formidável

que me fez esquecer toda a dor que me consumia. Por um momento

mágico, foi bom não sentir aquele tormento que esmagava meu

peito, deixando-me com dificuldade de respirar, como se o ar do

planeta fosse tóxico e me matasse aos poucos.

Ela esbarrou em mim, olhos tão lindos, mas com um abismo

tão profundo quanto o meu. Eu a tinha notado enquanto ela dançava


com alguns caras, mas parecia querer estar em qualquer lugar,

menos naquela sala.

Sua pele era branca como marfim, os cabelos castanhos soltos

em ondas nas costas, lábios vermelhos como morangos. Vestia um


vestido rosa-claro com bolsinhos nas laterais, usava saltos altos.

Sua máscara era branca com penas coloridas.

Por um minuto, permaneci olhando-a de longe, mas não foi


sua beleza de fada que me chamou a atenção, mas sim a escuridão

em seu olhar. Fiquei curioso para saber o que tinha acontecido com
ela e se eu poderia ajudá-la. Quase ri ante esse desejo. Como

poderia ajudar alguém, se eu igualmente estava no fundo de um


abismo?

Quando ela me chamou para o tal coreto, uma estrutura sem

paredes, apenas com um cercado, eu a segui. Só meu irmão


mesmo para fazer algo assim para sua namorada, agora mulher. Na

verdade, eu faria o mesmo pela minha, mas Rúbia não era do tipo
romântico.

Não querendo pensar nela e em todo o sofrimento que sempre

me assolava sempre que seu nome surgia em minha mente, dancei


com aquela beldade, encarando-a em sua máscara. Naquele
momento, arrependi-me de falar ao meu irmão que só iria ao

casamento se ele conseguisse um jeito de ninguém me reconhecer.


Foi por esse motivo que o tema da festa foi baile de máscaras. Por

causa daquela decisão, eu não podia ver a face de Ella como


gostaria.

Sua doçura me fascinou, seu sorriso me inebriou. Ela era tão


brilhante, e poderosa, e vibrante quanto o sol resplandecente.
Aquela mulher me deixou de boca aberta, tanto que me esqueci dos

meus problemas enquanto dançávamos e ela falava e falava sobre


si mesma.

Quando a beijei, senti-me como se fosse arrebatado. Meu


coração acelerou-se, e minha respiração falhou. Perguntei-me como

podia desejar daquela forma uma pessoa que eu tinha acabado de


conhecer.

A ternura e a doçura de seus lábios com sabor de malditos

morangos me fez aprofundar-me ainda mais naquela boca,


devorando-a sedento, um vício daqueles que, com uma única prova,
tornava qualquer um incapaz de se esquecer, de se livrar. Eu me

sentia assim enquanto tomava os lábios carnudos daquela fada.


Quanto mais a beijava, mais a queria. Não teria forças para parar
mesmo se quisesse, porém não queria.

Ella gemeu em meus lábios enquanto nossas línguas

batalhavam com necessidade uma da outra, nossas mãos


apertando os nossos corpos, querendo mais do que um simples

beijo.

O som de seu gemido me trouxe de volta à realidade. Soltei-a

e afastei-me, deixando-a ali, tão mexida quanto eu pelo beijo.

Como eu podia ter traído a minha esposa? Sentia-me com


raiva de mim mesmo por ter me deixado levar por aquelas

sensações. Não tinha ficado com ninguém após a morte de Rúbia,


não conseguia, nem sequer cogitava pensar em outra pessoa.
Então o que havia acontecido com aquela mulher? Por que sentia

tudo aquilo por Ella? Não acreditava ter respostas para isso.

Lembrei-me de que ela era amiga de Lance. Ele tinha me

falado sobre ela. Eu só não havia juntado as peças, pois estava


muito vidrado em sua pele macia, seus olhos lindos e sombrios, seu

cheiro, que me fazia ficar mais duro.

Saí correndo do coreto, mas, antes que eu chegasse ao portão

da propriedade, ouvi uma voz atrás de mim. Torci para que Ella não
visse à minha procura, pois eu não sabia o que falar e não queria
magoá-la.

― Está indo embora? ― sondou Lance.

Virei-me e notei que ele estava sozinho.

― Sim, tenho algumas coisas para fazer e ficarei longe, mas,

se houver problemas, deixei um número restrito na mesinha de


cabeceira. ― Mesmo seguindo minha vida, jamais deixaria de olhar

por ele.

Quando fui colocar o meu número lá, deparei-me com um

exame de ultrassom que revelava que sua esposa estava grávida de


gêmeos. Foi isso que me fez sair quase correndo e esbarrar em

Ella. Meu irmão seria pai. Perguntava-me se ele me diria ou não.

Lance assentiu.

― Sim. Sei que não pode ficar, mas saiba que amo você,
irmão, e desejo que seja feliz. Pode demorar um pouco, mas sei que

será. ― Ele realmente confiava nisso, seus olhos demonstravam.

Felicidade... Eu achava que nunca sentiria nada assim de

novo, mas não estragaria aquele momento. Lance era um rapaz

doce, estudioso, com desejo de vencer na vida, o genro que toda


sogra desejava ter, diferente de mim, que, antes de conhecer Rúbia,

era considerado um bad boy.

― Obrigado. Agora aproveite seu casamento. ― Indiquei a


casa toda iluminada.

― Lance! Vamos logo! Tem algo que preciso te dizer que o


deixará muito feliz... ― Natiele veio até ele e parou de falar assim

que me viu.

Não nos conhecíamos pessoalmente. Ele a conhecera na

faculdade, antes de ter se tornado um advogado.

― Oi, querida. Esse é meu irmão, o Christian. Ele veio dizer

“oi” e já estava indo embora. ― Passou o braço na cintura dela,

ainda me fitando. ― Lembra-se do que a mamãe dizia? Que a vida


pode armar peças que nos deixam sem chão e que ninguém pode ir

contra o destino. Se o seu for voltar um dia, esperarei você aqui.

Como eu não acreditava mais em destino após ter perdido

tudo, resolvi mudar de assunto. Mamãe era assim, cheia de ditados.

Era uma católica devota. Devia estar se revirando no túmulo ao ver


no que seu filho mais velho tinha se transformado.

― É bom conhecer você, Natiele.


― Também é bom conhecer você, Christian. ― Ela sorriu. Não

vi pena em seu olhar. Eu não gostava da piedade de ninguém, afinal

não mudaria nada.

― Acabei de dizer ao meu irmão que deixei o meu número na

mesinha de cabeceira do quarto de vocês. ― Observei a reação


dela e de Lance para saber se meu irmão sabia da gravidez e só

não havia me dito por achar que me faria mal descobrir em razão da

perda de minha filha.

― Mesinha de cabeceira? ― Ela arregalou os olhos,

encarando a nós dois como se sondasse algo.

Meu irmão ainda não sabia. Devia ser por isso que ela falou

que tinha algo a lhe dizer que o deixaria feliz.

― O que foi? ― sondou Lance.

Eu não revelaria a notícia ao meu irmão, aquele assunto era

entre os dois.

― Preciso ir. ― Segui até o portão, abri-o, mas, antes de sair,

parei e o fitei. ― Felicidades. Você merece, meu irmão caçula.

Parti, sabendo que a felicidade dele seria imensa, não só pelo

casamento, mas pelos filhos que teria com sua amada. Lance seria
um pai maravilhoso.
Entrei no carro e estava a ponto de ligá-lo, quando vi Ella no

portão, olhando para os dois lados da rua. Ela não podia me ver
dentro do veículo, pois os vidros eram escuros. Estava procurando

alguém. Seria a mim? Pelo jeito, sim. Perguntei-me se tinha ficado

tão mexida quanto eu.

Não podia ir embora ainda, ela notaria que eu estava ali,

observando-a.

Ela se escorou no portão e colocou a mão no peito, fitando o

céu como se ali estivesse as respostas para todas as suas


perguntas.

As minhas nunca viriam de cima. Era mais provável que

viessem do inferno, ainda mais após todo o sangue que eu havia

derramado, e nem estava perto de acabar.

Não acreditava que o meu destino e o daquela mulher

estivessem interligados. Sacudi a cabeça. Tinha ido ali naquele

derradeiro dia para me despedir da minha antiga vida, do meu


antigo eu.

Nesse momento, Christian morreu, e El Diablo nasceu, e, com

ele, todo o ódio, a fúria e a destruição que iria causar. Na minha vida

só haveria sangue e morte, o que não combinava com uma fada


como Ella, que merecia apenas a luz e a felicidade. Eu não

estragaria isso, ainda mais quando a única pessoa que eu amava e

para sempre amaria seria minha esposa.

Alguém chamou Ella, que se virou. Antes de voltar para a

festa, ela olhou mais uma vez para os dois lados da rua e suspirou.

Fui embora sem olhar para trás, pensando que, no dia

seguinte, não me lembraria mais daquela fada brilhante.


Dias atuais
El Diablo

Dor.

Vazio.

Fúria.

Raiva.

Culpa.

Eu sentia essa miríade de sensações, nada boa para uma


pessoa. Pensar na perda que tive era comum, embora, com o

tempo, achei que algumas delas fossem sumir, porém não


aconteceu. Ao contrário, eu me sentia cada vez pior.

Fechei meus olhos e rememorei o sorriso lindo da minha

princesa, a sua doçura me chamando:

“Te amo, papai, de montão”

Ou afirmando: “Eu sou a sua princesa”.

Palavras e frases do tipo eram o que eu mais amava na vida.

Saber que nunca mais teria nada disso me matava. Era uma pena
que meus órgãos não parassem de funcionar de vez, assim
acabaria com esse sofrimento.

A dor me estilhaçava tanto que eu me sentia doente, mas não

a ponto de morrer. Infelizmente. Eu mesmo poderia acabar com

esse martírio, mas não era fraco a esse ponto. Além disso, Rúbia

me pediu algo uma vez, quando conversávamos certa noite:

“Se acontecer algo comigo, quero que continue vivendo. Lute

para ser feliz.”

Na hora, não dei importância e a fiz mudar de assunto, pois

doía imaginar perdê-la.

Na época, pensei que eram só coisas que casais que se amam

falam. Não sabia que ela era ameaçada, não até dias depois,

quando me revelou pormenores sobre o seu caso. Por isso fomos


vitimados pela ameaça que a levara de mim para sempre, não só a

ela, mas também meu pequeno tesouro.

Coloquei a mão no peito, tentando recuperar a aflição que

esmagava meu coração apenas ao pensar nisso tudo.

Como havia passado de um homem que tinha tudo para um

que não tinha nada? Fazia mais de nove anos que eu perdera tudo,
não restando nada. Podia respirar, mas sentia que estava morto.

Morto. Essa palavra descrevia o que de fato eu era.

Se tudo fosse como o presente, nenhuma delas teria sido

morta. Eu as protegeria a qualquer custo.

Às vezes deixava a culpa me consumir como um castigo, afinal

não pude protegê-las. Mesmo tendo matado os infelizes depois,


sabia que isso não as traria de volta.

Inspirei fundo, tentando controlar meus pensamentos

conturbados e atormentados.

Após eu perder tudo que conhecia, aliei-me ao chefe de uma

das máfias espanholas e fiquei com eles por um tempo. Sabia que
era tarde demais para voltar a ser o homem que eu era antes de
perder tudo.

Movido pela vingança, matei meus inimigos, todavia ainda


restava aquela cólera dentro de mim que eu precisava despejar em

alguma coisa. Então me tornei membro da organização, tornando-


me o executor de seus inimigos.

No começo, achei que não conseguiria, entretanto, após


começar a eliminar meus alvos, reconheci que estava gostando
daquilo. Matar homens como aqueles era um prazer.
Contudo, eu não podia fazer isso sempre que queria, afinal

estava sob as ordens de um chefe, mesmo sendo amigo dele,


Murilo González, o líder da máfia espanhola na época, antes de ele

ser morto e substituído por seu filho.

Naquele tempo, eu já sabia que não podia ficar. Almejava algo

maior, por isso montei minha própria empresa. Não queria constituir
uma máfia, afinal havia muita burocracia, então montei uma agência
de assassinos de aluguel, a Deadly Reapers. O nome funcionou

bem.

Sob o cargo de chefe, eu podia fazer o que quisesse, matar

sem me reportar a ninguém.

Estabeleci essas regras para quem quisesse entrar:

Primeira, “não matar mulheres e crianças”. É claro que houve

momentos em que mulheres foram mortas, mas apenas quando


eram tão ruins ou piores que os monstros que andavam por aí de

ternos, em vez de saias.

Segunda, “ser um bom profissional e não deixar pontas soltas.”

Na época, eu queria homens apenas trabalhando comigo,


nada relacionado a amizade, então conhecei Arrow e Flame. Os

dois me ensinaram que éramos mais que assassinos pagos para


eliminar alvos. Formamos uma família, em que um daria a vida pelo
outro.

Eu agradecia a todos por estarem comigo desde o começo,

por alguns serem como meus irmãos, mas isso não justificava ter
me afastado da única pessoa com quem eu tinha uma relação de

verdade, o meu irmão, sangue do meu sangue. Porém, era difícil


ficar perto dele, quando tinha sua família feliz, seus filhos gêmeos,

que eram o próprio sol. Como odiava esse sentimento de inveja pelo
que perdi, achei melhor ficar longe dele e dos seus, mas sabia que
minha ausência o machucava.

Por esse motivo estava ali, na rua de sua casa, em mais uma
tentativa de vê-lo. Não saberia contar quantas vezes tinha vindo ali

durante os últimos anos, mas nunca conseguia me aproximar dele,


só o via de longe. Sabia que isso fazia de mim um covarde de

merda. Enfrentava exércitos de bandidos, torturava, matava e no


fundo gostava de infringir dor aos meus inimigos e alvos, mas
preferia mil vezes confrontar algo assim a encarar meu irmão. Não

sabia se suportaria ver algum ressentimento em seus olhos por eu


ter ficado tanto tempo longe, como também tinha certeza de que

doeria demais ficar e presenciar a sua felicidade.


Não me entenda mal, eu adorava que meu irmão tivesse uma
esposa e filhos que o amavam, era feliz por ele. Não obstante, ver
tudo isso me fazia sentir uma saudade esmagadora do que eu havia

perdido.

― Maldição! ― Tentei recuperar a porra do ar, mas tudo doía,

deixando-me tonto.

Pisquei, olhando para a casa e vendo meus parentes através


da janela. Lance carregava o garoto nas costas e a menina em seus

braços como se ela fosse um avião. Natiele estava sorrindo vendo

seu marido brincando com as crianças.

Miguel, o meu amigo e chefe do cartel do México, pensava que

eu não costumava vir ver meu irmão. Não quis dizer nada a ele, pois
no fundo eu não queria ficar longe de Lance, embora tivesse uma

parte de mim que me impedia de aproximar-me.

Um carro parou em frente à casa dele, e uma palpitação em

meu coração me fez ficar com a respiração pesada. Sabia quem era

e que eu não devia reagir assim.

A mulher fabulosa saiu do carro, usando um vestido que

deixava muito pouco para a imaginação. O tecido se aderia a cada


curva de seu corpo como uma segunda pele. Era tão curvilínea que

desejei passar as mãos em cada curva.

Isso me trouxe lembranças dela, quando a vi alguns anos


antes no casamento do meu irmão. Algo me incitava a não me

aproximar, mas, por algum motivo, acabei fazendo-o. A festa era

temática, um baile de máscaras, então ela não viu a maior parte do

meu rosto, pois a minha cobria toda a parte superior, só deixando


minha boca livre.

Soube que seria condenado por seguir aquele desejo assim


que vi aquela preciosidade. Ela era como uma estrela brilhante no

escuro espaço cósmico.

Quando ela me convidou para dançar, não achei que eu fosse

aceitar. Sua máscara tinha penas coloridas, como uma fada linda. O
pior foi sentir aquele turbilhão de sensações. A vontade de me

apossar dela foi demais. O desejo corria por todo o meu corpo.

Eu não tinha tocado uma mulher desde Rúbia, afinal, na

época, fazia apenas três anos que a tinha perdido, e depois foquei

apenas a minha vingança. Ainda assim senti aquela fome por Ella,

então a beijei.
Esse maldito beijo me estragou. Fodi muitas mulheres de

todos os jeitos depois disso, mas não consegui beijar nenhuma

delas, pois temia perder aquela lembrança e aquele gosto de


morangos.

Antes de passar dos limites, afastei-me e fui embora, afinal


tinha o prato cheio por ser quem eu era. Mas nunca deixei de

observá-la de longe nos anos seguintes. Loucura, eu sei, mas eu

não ligava, contanto que ela ficasse bem e segura.

Fitando a mulher agora, notei que ela estava a cada dia mais

linda. A sua beleza me cativava desde aquela época, nada havia

mudado, mas não era isso que me fazia ansiar por ficar perto dela e
vê-la constantemente.

Eram os seus olhos. Apesar de lindos, de um violeta intenso,

eles carregavam um abismo. Eu não sabia qual o motivo que os

havia tornado assim. Queria desvendá-la, decifrar tudo que ela


gostava e sentia. Poderia ter mandado procurá-la, mas não queria

isso. No fundo, estava contando um dia perguntar a ela. Quem sabe

não se abriria comigo?

Ella era irmã de Lyn, um assassino de aluguel que eu

conhecera havia algum tempo. Ele foi preso quando criança e


levado a um dos piores lugares que já existiram na Terra, um antro

chamado Prometheus, onde meninos sequestrados eram mantidos


como animais, pior que isso, eram obrigados a lutar em ringues até

a morte umas com as outras e, para me enojar ainda mais, eram

violentados pelos espectadores e outros estupradores que


gostavam dessa merda.

Lyn ficou nesse lugar por muitos anos, o que o moldou em


quem ele se tornou, alguém brutal, cruel e letal. Eu o entendia por

não vir visitar a irmã e lhe dizer que estava bem. Acreditava que

queria a proteção dela contra o seu mundo sombrio.

Talvez fosse por isso que ela tinha aquele vazio em seus

olhos.

Sacudi a cabeça, ainda observando a musa perfeita seguindo

para a casa do meu irmão, mas, antes que ela entrasse, as duas
crianças saíram correndo e pularam nos braços dela, o que a fez

sorrir e aquele brilho escuro em seus olhos sumir.

Dei zoom no binóculo a fim de observá-la melhor. Suas

bochechas estavam vermelhas, e um sorriso imenso dominava sua

face ao beijar a testa de cada um dos meus sobrinhos.


Senti um aperto no peito, mas ignorei, pois não existia nada

mais lindo que aquela visão. Pequena como um rouxinol, algo nela

cantava para mim. Seria sua alma querendo resgatar a minha do

abismo? Esse canto magnético, eu podia não o ver, mas sim senti-
lo. Por isso era incapaz de tirar os olhos dela por um mísero

segundo.

Lance saiu atrás dos filhos, assim como Natiele, ambos

sorrindo. Disseram algumas palavras, abraçaram-na, e, após isso,

Ella saiu com as crianças.

Nenhum deles olhou para a casa em frente, que comprei só

para deixar os meus tomando conta da minha família.

Peguei meu telefone e disquei.

― Sabe aonde ela está indo? ― Não era preciso dizer o nome,

Hacker sabia. Ele era um hacker brilhante, não deixava nada


passar. Sua função era ficar de olho em tudo, incluindo as câmeras

na casa do meu irmão e na de Ella.

― Está indo para a ONG. Parece que está tendo uma

arrecadação de recursos para crianças maltratadas. ― Soltou um

suspiro. ― Já disse que essa mulher é fenomenal?

Sacudi a cabeça, entrando no meu Jaguar vermelho.


Todos sabiam que eu estava de olho nela, mas ninguém dizia

nada. Tinha certeza de que não entendiam os motivos. No fundo,


nem eu compreendia. Apenas sabia que não podia ficar sem vê-la

por muitos dias.

Se Ella tivesse noção do homem que a seguia, teria

pesadelos. Por isso eu me mantinha longe. Além do mais, aquela

mulher era boa demais, ajudava crianças maltratadas, era uma


advogada brilhante, que auxiliava as vítimas e ajudava a colocar

bandidos na cadeia. Bandidos como eu.

Sua profissão era perigosa, pois atuava na defesa das vítimas

e, algumas vezes, era contratada para auxiliar a promotoria em

casos mais difíceis. Eu já havia eliminado algumas ameaças que ela

nem sequer imaginava, mas que seriam arriscadas para ela.

― Sim. Agora peça a Arrow para me encontrar lá ― falei e


encerrei a ligação.

Antes de seguir Ella e as crianças até a ONG, dei uma olhada


na casa do meu irmão. Ele e Natiele não estavam mais à vista. Não

falar com ele acabava comigo. Sabia que faria isso eventualmente,

só não quando.
Manter-me seguindo a garota era errado, ainda mais aonde ela
estava indo, um lugar cheio de crianças. Seria doloroso presenciar

aquela porra. Então por que eu continuava fazendo isso? Porque a

escuridão dela chamava a minha? Não importava o que fosse, pois


estar perto dela amenizava a dor no meu peito. Para ficar livre dela

nem que fosse por um segundo, eu faria qualquer coisa.


El Diablo
Cheguei à ONG e deixei meu carro no estacionamento. A

arrecadação dos recursos estava sendo feita em um dos prédios no


centro. O lugar era grande, eu podia ver inúmeros carros ali.

Encontrei Arrow na calçada, vestindo terno e uma camisa

social, mas sem gravata.

― Você não está vestido corretamente para isso ―


repreendeu-me assim que me aproximei.

Bufei, checando minhas roupas, compostas por jeans,

camiseta, jaqueta de couro e botas de combate.

― O que vale é o cheque no final e a vontade de ajudar ―

anunciei, não ligando para o estilo das minhas vestes. Não ia mudá-

lo só para agradar gente de nariz empinado. Ali devia ter muitos do


tipo.

Eu não gostava de pessoas soberbas. Os pais e a família de

Rúbia eram assim, nenhum deles gostou quando comecei a

namorá-la. Discriminavam-me, pois não nasci em berço de ouro.

Aliás, Lance e eu vínhamos de uma família humilde, mas que nos

ensinou o valor do amor e do respeito.


― Verdade ― assentiu. ― Então vamos entrar. Mas antes me
diz, o que viemos fazer aqui mesmo?

No fundo, eu não sabia, mas estava cansado de ficar longe de

Ella. Só precisava vê-la e ficar mais perto dela, sentir aquele aroma

cuja falta eu tanto sentia.

― Deixa para lá, amigão, não precisa responder. Percebi que

não sabe ainda, mas acredito que logo vai descobrir. ― Seguiu para

a entrada.

Acompanhei-o sem responder, mas esperava desvendar essa

força que me levava para ela, contra a qual eu não sabia lutar.

Tentei por anos, fiz de tudo para esquecê-la, mas não consegui.

Por trás dos portões, tinha um imenso jardim com várias

cadeiras em fileiras e um púlpito. Havia muitas pessoas sentadas.


Sobre suas cabeças encontrava-se uma imensa tenda. No lado

esquerdo estavam dispostos brinquedos com os quais várias

crianças brincavam.

Doía ver seus sorrisos felizes, e eu me sentia um lixo por me

sentir culpado e invejoso. Era por isso que as ignorava; fugia delas

para evitar esses sentimentos desprezíveis.


― Vai dizer a Ella que cuida dela? ― sondou Arrow assim que

entramos no local.

Pisquei, encarando-o como quem diz: “Você é louco, porra?”

― Pela sua cara, não. Então o que estamos fazendo aqui? ―


Seus olhos esquadrinhavam todo o lugar.

Suspirei e peguei uma taça de champanhe com o garçom que

servia as bebidas, tomando um gole grande.

― Não sei. Só queria vê-la...

― Você a vê há anos ― destacou.

― Quero sentir seu cheiro e me aproximar dela. Aqui é um

lugar onde ela não me acusaria de andar seguindo-a... ― Minha


frase morreu assim que Ella veio em nossa direção com um sorriso

imenso. Notei que cumprimentava várias pessoas enquanto vinha


até nós.

Engoli em seco. Não havia nada mais bonito que ela, tão

baixinha e sexy com aquele sorriso doce e gentil. Seria um pecado


me aproximar dela. Mas, já que eu iria mesmo para o inferno, que

diferença faria não ter o pacote de viagem completo?


Levei a mão de leve ao peito, que estava com uma sensação

esquisita. Merda!

― Oi, sou Ella, a organizadora do evento. É um prazer

conhecê-los. ― Estendeu a mão para Arrow.

Aquela voz... Como eu sentia falta de ouvi-la. Naquela noite,

no casamento do meu irmão, não conversei, só a deixei falar. Ela


era assim, quando estava feliz ou nervosa, falava pelos cotovelos.

― Prazer ― ele disse após pegar sua mão e soltá-la

rapidamente.

Seus olhos se voltaram para mim, e ela engoliu em seco.

Havia um brilho especial em seu olhar, algo que eu nunca mais tinha
visto, talvez por não ter mais chegado tão perto assim dela. Era o
mesmo que vi na noite do casamento, mesmo com sua máscara.

Peguei sua mão em cujo pulso tinha um bracelete de couro


preto. Juro que, assim que nos tocamos, foi como encostar em um

maldito fio desencapado. A sensação enervante percorreu meu


corpo inteiro, mas se fixou em uma região que não era apropriada

para aquele momento e local. Desde aquele baile, fodi muitas


mulheres, almejando reproduzir a mesma sensação, assim não viria
até Ella e evitaria manchar a sua alma iluminada, mas nada
chegava aos pés do que senti no passado.

― Também é um prazer estar aqui e conhecer este lugar. ―

Tentei controlar minha voz rouca. Maldição, quanto tempo fazia que
eu não me sentia assim? Muitos anos.

Ela puxou sua mão rapidamente. Pela sua expressão, também


tinha sentido o mesmo que eu. Fingi não notar seu nervosismo.

Contudo, fiquei curioso com o que se passava em sua mente.

― O que foi? ― Ela me encarava com os olhos arregalados,


parecendo estar em outro lugar. A menina não escondia que havia

gostado de mim. Não, gostar era exagero de minha parte, mas ao


menos ela sentia uma forte atração.

― O lugar está magnífico. ― Gesticulei ao redor. ― É um


projeto maravilhoso esse que vocês executam.

Ela sorriu. Merda, esse sorriso era como o sol, como se tivesse

um encanto que me deixava hipnotizado por ele.

― Lindo, não é? Há muitas crianças por aí que não podem se

defender, e nós estamos aqui para ajudar. ― Havia algo em sua voz
que não entendi.
Sua expressão era fácil de ler algumas vezes, mas em outras
era como se ela subisse um muro em volta de si para impedir que
alguém a decifrasse. Isso me deixava intrigado.

― Sim ― respondi, cruzando os braços, mas ainda segurando


a taça de bebida. ― Pode me contar um pouco sobre o assunto?

Estou pensando em fazer uma doação.

Percebi que ela ficou extasiada, mas se controlou. Pela sua


expressão, a garota queria gritar de euforia, e não apenas comigo,

mas quando falava com qualquer pessoa que parecesse disposta a

ajudar na causa.

― Não vai se arrepender!

Ella começou a falar dos projetos para os quais cada centavo

daquelas doações iria e quantas pessoas seriam ajudadas.

Eu sabia que tinham muitas crianças maltratadas dentro até de

suas próprias casas. Achava isso tão injusto. Muitas pessoas não
deveriam ter filhos. Havia tantas que queriam ser pais de verdade,

mas não podiam, e aquelas cujos filhos eram arrancados de suas

vidas... Como Yasmin, a minha princesa cujo sorriso brilhante foi

ceifado. Seu cheiro, sua risada... Quando eu pararia de sentir como


se estivesse morrendo aos poucos?
― Você está bem?

Senti um toque suave em meu braço, mas tão poderoso e

abrasador que senti a adrenalina disparar.

Apenas assenti com um movimento da cabeça, sem conseguir

falar por um instante. Nem notei que tinha fechado os olhos no


intuito de lidar com o turbilhão de sensações que girava em meu

interior. Deveria sair e não olhar para trás, mas por que não

conseguia?

Respirei fundo, olhando sua mão em meu braço e depois o seu

rosto. Ela a retirou um segundo depois de encontrar meus olhos. Os


seus se suavizaram, tornando-se mais ternos e puros.

― Que bom. Agora pode vir comigo? Quero lhe mostrar uma
coisa.

Balancei a cabeça e olhei para Arrow, assentindo. Se eu


passaria por tudo aquilo, queria-o comigo, só para o caso de as

coisas ficarem fora de controle. Não que eu fosse virar um lunático e

matar todos, mas, quando as lembranças se aprofundavam, eu tinha


que ficar sozinho e socar algo ou matar... o que não queria fazer na

frente daquele pequeno e lindo rouxinol.


― Como você vai fazer uma doação e não conhece direito

sobre o assunto, sinto-me na obrigação de mostrar o projeto em vez

de apenas falar sobre ele. As irmãs do lugar são gente boa, dão
tudo para mantê-lo de pé. ― Ela seguiu para o lado direito, em

direção a um campo de futebol.

Eu já sabia que aquele estabelecimento era supervisionado

por freiras, mas muitos voluntários as ajudam, inclusive aquela

mulher com traços magníficos e angelicais.

― É bom saber que têm tantas pessoas no mundo que ajudam

― eu finalmente disse.

Ela me olhou com aquelas íris brilhantes e, por um momento,

fiquei sem respirar.

― Sim. Por mais que tenha podridão nesse mundo, ainda há

muitas almas boas nele ― respondeu, com aquele maldito sorriso


de covinhas nas bochechas.

Fiquei em silêncio, tentando recuperar as batidas do meu


coração. Droga. Achei que esse órgão estivesse morto por anos,

mas agora sentia que ainda batia. Seria algum problema cardíaco?

Não acreditava. Fosse o que fosse, uma parte de mim estava


contente, mas outra não, lutava contra a sensação. No final, quem
venceria o maldito cabo de guerra? Eu estava pronto para pagar o

preço? Eram muitas perguntas para as quais eu não tinha


respostas, nem sabia se um dia teria. No entanto, ainda assim era

impossível para mim ficar longe dela.

Chegamos ao campo de futebol com ela relatando várias

instituições que existiam pelo mundo que não só ajudavam crianças

que foram machucadas, mas também animais abandonados e


feridos, mulheres que sofriam violência doméstica e muito mais.

Eu me perguntava por qual razão ela se tornara voluntária


justamente em uma ONG que auxiliava crianças que foram

espancadas, então me lembrei de que Lyn tinha matado o pai deles

por bater na mãe dos dois e matá-la, bem como tentar molestar Ella
quando era criança. Devia ser por isso o abismo e a dor que eu via

em seus olhos.

Uma parte de mim coçava de vontade de perguntar detalhes

sobre a sua vida. Sabia que Hacker havia feito uma pesquisa acerca

dela, mas eu lhe disse que não queria saber de nada, não daquela
forma.

― Olhe ali. ― Apontou onde tinham várias crianças jogando


futebol. ― Todas têm uma história trágica. Muitas estão com um dos
pais, aquele que não os maltratava, outras não têm ninguém. E

todas carregam consigo o peso de algum trauma. Nosso instituto

oferece psicólogos que fazem de tudo para ajudá-las a amenizar o

que estão sentindo.

― Amenizar? ― Destaquei a palavra, mas sabia que

terapeutas não podiam fazer tudo, mesmo que nunca tivesse ido a
um, de qualquer forma.

― Sim, não há 100% de cura. Traumas como os que sofreram

ficam enraizados no inconsciente, mas ajuda falar com profissionais

dessa área. É nisso que acredito. ― Pela forma como dissertava,

parecia querer falar mais. Algo me dizia que estava dizendo aquilo
por experiência própria.

Segurei-me para não perguntar o que estava em sua mente

naquele momento.

Arrow, calado, absorvia tudo e me lançava olhares, mas não

me preocupei em ler sua expressão para decifrá-lo.

― É um trabalho gratificante, e tenho prazer em fazer uma

doação para ajudar mais crianças ― finalmente falei, embora não

quisesse me afastar dela.


No fundo, faria a doação não por causa dela, mas pela causa

em si. Não estava mentindo quando elogiei o trabalho da


organização.

― Fico feliz em saber disso. Garanto que não vai se


arrepender. ― Ela estava em êxtase. Eu podia notar pela sua voz,

ainda que ela tentasse se controlar.

― Também vou fazer uma doação ― informou Arrow,

lançando-me um olhar como quem diz: “Se controla, cara”.

Eu devia estar olhando demais para a mulher ao meu lado,

mas seu cheiro me dava ideias de fazer coisas inapropriadas até em

pensamento em um lugar como aquele.

Com a notícia da doação de Arrow, além da minha, Ella


parecia ter ganhado o dia.

― Nossa! Não sabem quantas crianças e famílias irão ficar


felizes com isso! ― comentou. ― Então no que vocês trabalham?

Ela avaliou o terno de Arrow e depois minhas roupas. Não vi


acusação em sua expressão ou preconceito pela minha vestimenta,

apenas curiosidade, quer dizer, além de um brilho diferente em seus

olhos ao observar meu corpo.

― Somos...
― Seguranças ― cortei Arrow. ― Ou melhor, tenho uma
empresa de segurança, além de vários outros estabelecimentos,

como casas noturnas, não só aqui, mas em outros países.

Ele me fuzilou, claramente indagando: “Ficou louco?”

“O que eu devia dizer? Que somos assassinos de aluguel?”

Devolvi o olhar, mexendo os lábios só para que ele lesse, já que o

cara era um perito em leitura labial, uma técnica muito útil para

observar um alvo à distância.

― Nossa, impressionante! Então vamos dar mais uma volta,


ou deseja fazer a doação agora? ― sondou ela.

― Podemos andar mais ― respondi, não querendo me


separar dela ainda. Se eu podia prolongar nossa estada no local,

que assim fosse.

― Tudo bem. Só preciso dar uma olhada em meus sobrinhos.

― Sobrinhos? ― Arqueei as sobrancelhas.

― Aquelas crianças. ― Indicou o campo. ― Não são de


sangue, mas as amo como se fossem.

Segui seu olhar e vi a menina, Alice, correr com seus cabelos


loiros atrás da bola. O seu irmão a acompanhava, como se quisesse
protegê-la das outras crianças ao redor, afinal ela estava com a
bola. Kian era o nome dele. A garota jogou a bola direto na rede e
gritou “gol!”, levando as mãos para o alto, eufórica.

― É isso aí, princesa! ― Ella gritou, dando um passo para


seguir até o campo.

Ao ver meus dois sobrinhos, filhos do meu irmão, imagens de


Yasmin pipocaram em minha mente, de quando eu a levava para

seus treinos. Ela gostava de futebol, cujas aulas frequentava na


escola. Era de família. Na época da faculdade, Lance e eu
queríamos jogar em grandes times, mas, de alguma forma, essa

ideia foi sumindo com o passar do tempo. Perguntei-me se minha


princesa, caso estivesse viva, ainda gostaria do esporte.

― Cara... respira ― pediu Arrow.

Sacudi a cabeça, tentando recuperar a porra dos sentidos, pois


estava perdendo-os. A minha respiração falhava, os meus pulmões
protestavam, tentando encontrar algum caminho para o oxigênio,

porém não achando nenhum.

Porra!

Eu não podia ficar ali, em meio a tudo aquilo, àquela alegria


exorbitante, ainda mais vendo o sorriso da garotinha assim que ela
olhou em nossa direção. Parecia-se tanto com a minha
princesinha...

Aquela dor nunca iria embora, estilhaçava-me. No entanto, era


uma forma de eu saber que tudo que vivi com ela tinha sido real.

Virei-me e saí daquele lugar como se as portas do inferno


tivessem sido abertas após anos trancafiado.

Sangue. Eu precisava derramar sangue, infligir dor em alguém


que precisasse disso, assim como em mim mesmo. Era melhor o

sofrimento físico àquele em minha alma, que me consumia vivo.


Ella

Acordei do meu pesadelo constante com o coração acelerado.


Aqueles demônios nunca iam embora, não importava o tempo que
passasse; sempre estariam me consumindo.

Fazia anos que uma parte de mim tinha sido tirada, e, mesmo

me tornando quem eu era, ainda continuava uma pessoa carregada

de dor. Desespero. Angústia. Impotência.

Tudo isso tinha feito parte da minha vida por anos, ainda fazia,
tanto que havia muito tempo que eu mal podia respirar. Para muitos,
isso era uma coisa fácil, significava que estavam vivos, mas como

lidar com aquilo, se cada respiração doía a ponto de me sentir


gelada?

A cada palpitação do meu coração, sentia uma fisgada, era um

corte profundo sem cura ou cicatrização. Não havia nada nem

ninguém capaz de me puxar daquele abismo.

Vazia, era assim que me sentia às vezes. Teve uma época em


que eu era assim em todos os momentos. Não tinha ninguém para

mim, alguém para quem me lamentar ou para me resgatar, dar um

grito de socorro.

A escuridão era minha companheira desde aquele dia em que

meu mundo acabou.

Antes dele, meu pai batia constantemente em meu irmão e em

minha mãe. Depois, quando eu tinha 10 anos, o infeliz a matou e

tentou me violentar. Eu poderia culpar a cachaça, pois ele vivia

bêbado, mas têm muitos que bebem e não cometem uma

atrocidade dessa.

Kasper... Meu irmão me salvou, mas foi preso por isso. Por ter

ficado órfã, fui entregue a minha tia, que morava em outro

continente. Achei que ela fosse uma pessoa boa, mas, no fim, não
passava de uma serpente venenosa que queria – e conseguiu – me
usar para fins escusos...

Além disso tudo, não sabia nada do meu irmão, mas nunca

deixei de procurá-lo. Achei que, quando saísse do inferno em que

tinha vivido por tantos anos, conseguiria encontrá-lo, mas não foi

possível. Até viajei à Dinamarca a fim de descobrir seu paradeiro,

mas constava que ele nunca fora preso. Fiquei confusa, pois

recordava dos policiais o levando, então pesquisei a fundo e soube


que alguns jovens tinham sumido na época. Não saber o que

aconteceu, como ele estava, inclusive se permanecia vivo era

torturante.

Pedi a um amigo meu chamado Hades, motoqueiro que

conhecia muita gente, sua ajuda para checar o que tinha

acontecido, e ele me disse que meu irmão fora vítima de uma rede

de tráfico humano. Essa horrível notícia me fez surtar.

Não me importava quão fundo eu tivesse de vasculhar essa

porcaria, iria achar o meu irmão.

Por dois malditos anos, tive que encarar aqueles homens me

machucando a cada dia quando criança, tudo para ver Kasper de


novo. Apesar de minha resolução, existiram momentos em que não
suportei mais a tortura e tentei me matar. Foi quando a assistente

social foi à casa de minha tia, após eu ter dado entrada no hospital.

Depois disso, falei à minha tia que tinha gravações em que ela

trazia aqueles homens para dentro de casa e que as entregaria à


assistente caso trouxesse alguém de novo. Graças a Deus, ela teve

medo e não trouxe mais nenhum. Vingou-se passando a não me dar


comida, mas não me importei; era melhor a fome a ter aqueles
toques asquerosos.

Inspirei fundo, não querendo pensar no que tive de fazer para


me livrar daquilo tudo. Quem sabe um dia aquela dor passasse,

embora eu não contasse com isso.

― Maldição! ― praguejei, com a respiração irregular.

Respirei fundo, com uma dor profunda perfurando meu peito

devido às lembranças assombrosas e a saudade e medo pelo meu


irmão.

Sacudi a cabeça, querendo afugentar os pensamentos ruins da


minha mente. Como não ia conseguir dormir de novo após os

pesadelos, vesti-me e saí de casa, partindo para a de Lance.

Sentei-me no banco que tinha em frente ao imóvel e não o


chamei, pois ainda era cedo. Fiquei ali, tentando organizar minha
mente e meu peito dolorido. A dor era uma amiga minha, ela me

acompanhava a todo instante, desde aquela noite em que perdi


tudo. Anos depois, eu vivia e respirava, mas não era feliz, pois uma

parte de mim estava faltando. Não só uma, mas duas. Esperava


recuperar ao menos o meu irmão, que não teve nem direito a um

julgamento, pior, desapareceu sem deixar rastros. Uma parte de


mim sentia que ele estava vivo.

Como não pude ajudar Kasper, fazia isso de outra forma.

Trabalhava em uma ONG que auxiliava crianças vítimas de maus


tratos. Não era um trabalho fixo, eu era voluntária e amiga da

diretora havia anos. Quando não estava no escritório de advocacia,


no fórum, na promotoria ou no tribunal, advogando em prol das

vítimas de criminosos, ia ajudar na ONG.

Eu amava auxiliar a colocar bandidos asquerosos na cadeia e


mantê-los lá, afinal ajudava a condená-los junto aos promotores.

Odiava a crueldade que havia no mundo, mas sabia que não podia
acabar com ela, então fazia o que podia: ajudar as crianças e

famílias que precisavam de apoio e auxiliar na condenação dos


responsáveis por infligirem a dor nelas.
No fundo, queria que eles sofressem mais, pois achava que a
cadeia era pouco, porém fiz um juramento de cumprir a lei, muito
embora uma parte minha desejasse fazer justiça com as próprias

mãos. Talvez fosse porque os homens que me fizeram mal não


estavam pagando pelos seus crimes. Queria fazê-los pagar, mas

como? Não adiantava acusá-los, ainda mais sem provas, os


infelizes tinham tanto dinheiro e influência que destruiriam minha
carreira. Não daria esse prazer a eles, não mesmo.

Aqueles facínoras destruíram minha vida. Por causa deles,


tornei-me uma pessoa que carregava um tormento vivo, do qual não

tinha como fugir ou me esconder.

Inspirei o ar fresco do fim da madrugada, tentando clarear a

mente. Podia vislumbrar a claridade da alvorada no horizonte, sinal


de que o sol nasceria em breve. Fazia isso muitas vezes, adorava

sentir seus raios na pele. Dava-me mais desejo de continuar a


guerra contra os bandidos. Pedia sempre forças para passar por
todas as provações.

Se ao menos soubesse onde meu irmão estava, talvez


ajudasse um pouco a diminuir os pesadelos.
Eu tinha uma carreira perfeita, tudo que uma pessoa gostaria,
mas a escuridão já se infiltrara na parte mais profunda de meu ser,
sombreando a minha alma. Cada parte de mim vivia em uma luta

constante com o passado. Possivelmente era por isso que


trabalhava tanto.

A única coisa boa que, até aquele momento, aconteceu em


minha vida foi conhecer Lance, Natiele e os gêmeos. Eles se

tornaram minha família, de tal modo que passávamos todas as

datas comemorativas importantes juntos, como o Dia de Ações de


Graças, o Natal, a passagem do ano novo, aniversários. Os

momentos com eles eram uns dos poucos em que eu realmente me

sentia feliz.

― Respire fundo e lentamente ― pediu uma voz ao meu lado.

― Você está hiperventilando.

Olhei para cima, mas não consegui ver o rosto de meu


interlocutor, que estava nas sombras. Meus ouvidos zuniam, e meu

coração batia acelerado.

― Só para avisar, estou armada. Se der mais um passo, atiro

― menti, mas fiz o que pediu. Ajudou a controlar meus nervos.


― Meu irmão não ia gostar disso. ― Tinha um sorriso em sua

voz ao sair da penumbra. Foi quando vi quem ele era.

Olhei para o homem alto, intenso, de olhos escuros e


sombrios. Sua aura era profunda, como se quisesse absorver tudo

ao redor. Era realmente bonito, tanto que essa palavra não fazia jus

a ele. Cabelos loiros abaixo dos ombros, mas presos em um rabo de

cavalo, tatuagens em toda sua pele exposta, exceto o rosto, dando-


lhe uma beleza a mais, se é que isso era possível. Um deus grego.

Após vê-lo na ONG na última semana, ele sumiu do mapa


antes que eu voltasse e continuasse a lhe explicar mais sobre o

nosso trabalho beneficente. Ao menos fez uma doação muito

generosa.

― Irmão? ― Como eu não reconhecera a voz dele? Merda,


estava mal mesmo.

Ele indicou a casa atrás de mim.

― Você é irmão de Lance? ― Minha voz se elevou um pouco,

então a abaixei ao fim.

― Sim.

Foi quando me lembrei de algumas fotografias que vi dele com

Lance.
― Ele tem fotos suas, mas está diferente, com esse cabelo e

barba longos e as tatuagens. ― Suspirei. ― Bem que o tinha

achado familiar.

Todavia, pensei que fosse por ele me trazer lembranças de um

certo alguém que eu havia beijado anos antes, no casamento da


Naty, a quem nunca pude esquecer, ainda que não tenha visto seu

rosto, afinal estava mascarado.

Após o abuso que sofri, tive dois amantes, quando estava na

faculdade. Um foi só um caso de uma noite, mas com o segundo

fiquei por seis meses, não porque o amava, mas porque queria estar

com alguém, afinal Naty tinha Lance, e eu não queria ficar sozinha.
No entanto, tudo desandou. Não pude ser mulher suficiente para

Travis. Não o culpava por ter ido buscar o que eu não lhe dava.

Pensando bem, não estava pronta para relacionamentos naquela


época, era nova demais, como também não o amava.

No fundo, queria um romance como o da minha amiga, mas

sabia que não teria isso com Travis... Depois, aconteceu tudo de

uma vez, e fui levada ao fundo do poço. Se não fosse meus amigos,

eu não teria conseguido me reerguer.


Foi quando conheci aquele homem no baile de máscaras e,

por um momento, ao ser tomada por aquela sensação enquanto


dançávamos, percebi que ainda estava viva, pois até então me

sentia como se não estivesse.

Anos mais tarde, eu continuava sem saber se estava pronta

para dar mais um passo, não apenas relativamente a um

relacionamento, mas sexo mesmo. Embora quisesse muito tentar,


queria a pessoa certa. Queria aquela paixão na cama que nunca

tive, algo que me arrebatasse.

Acho que estou lendo romances demais, pensei. Foquei no

homem sexy em minha frente.

Ele deu de ombros.

― As pessoas mudam.

Eu não me incomodava com seus cabelos, aliás, parecia mais


gato agora do que naquela foto de bom moço.

― Obrigado. ― Sorriu.

Foi quando notei que disse o que pensava em voz alta.

Natiele havia me contado sobre o irmão de Lance, que perdeu

sua família para uma máfia. A mulher dele era promotora, acusava
os bandidos e contribuía com sua prisão. Em razão disso, a máfia

eliminou todos. Apenas ele sobreviveu, após ficar quase um mês no

hospital em coma, respirando com a ajuda de aparelhos.

― Você sabe o que aconteceu comigo. ― Não era uma

pergunta.

― Sim. ― Desviei o olhar para longe de seus olhos estreitos.

Ele ficou em silêncio um instante.

― Por que não vem visitar seu irmão? ― sondei, depois

acrescentei: ― Ele sente sua falta.

Ainda calado, ele se escorou na árvore.

― Não vai dizer que sente muito pelo que me aconteceu? ―


Parecia genuinamente curioso.

Pensei em mentir, mas optei pela verdade.

― Não quer ouvir isso. Acho que já escutou palavras do tipo

demais. Elas não mudam nada. ― Eu também havia recebido


muitas condolências após a morte da minha mãe, antes de partir

com minha tia. ― A dor continua e nunca irá embora.

Olhei meu pulso, onde tinha uma pulseira que cobria as

cicatrizes dos cortes, duas. Um deles causado quando ainda era


criança, o outro quando tinha 18 anos, por não ter conseguido lidar

com a dor. Por causa disso, perdi algo que nunca mais teria de
volta.

Senti meu rosto molhado e fechei os olhos um segundo,


atingida por outra pontada de dor. Estava cercada dela por todos os

lados.

― Ei, está tudo bem. ― Ouvi seus passos se aproximando, o

que me fez abrir os olhos e encontrá-lo. ― Não vamos falar de

coisas tristes. Então, o que faz além de ser voluntária na ONG?

Suspirei e enxuguei a face.

― Sou advogada. Trabalho com seu irmão.

― Advogada, hein? ― Sua boca se entortou de leve.

Franzi a testa.

― Acha que não tenho cara de uma?

Sorriu.

― Sim, tem. Você deve ser boa nisso. Acusação ou defesa?

― Acusação. Prefiro proteger as vítimas. Sou boa em deixar

bandidos na cadeia. ― E realmente era. Queria proteger as

pessoas, uma vez que não fui protegida. Apesar disso, havia
aceitado alguns casos de defesa quando tinha certeza da inocência
do acusado e a pessoa não podia pagar por um advogado.

― É um trabalho perigoso ― observou ele, com a expressão

sombria.

Dei de ombros.

― Pode ser, mas vale a pena saber que um elemento não

sairá da cadeia tão cedo. ― Esse era o meu prazer, o ponto alto do

meu trabalho.

― Já aconteceu de alguém querer machucá-la por causa

disso?

Não entendi sua pergunta. Seria só curiosidade? Então voltou

à minha mente o que aconteceu com a sua esposa, que foi

assassinada por aceitar acusar alguém poderoso. Talvez isso lhe

trouxesse lembranças ruins.

― Meu carro já foi pichado, recebi ligações assustadoras no

meio da noite e até durante o dia, mas nada mais grave, que a
polícia não desse conta. ― Na hora, fiquei com medo também, mas
dei conta do recado.

Sua expressão se fechou, e, por um instante, seus olhos se


fixaram na casa do irmão. Eu não entendia por que ele estava
àquela hora ali, mas não entrara ainda. Será que estava esperando
que eles acordassem?

― E com Lance já aconteceu algo assim?

― Escolhemos essa profissão porque gostamos. Sabemos dos


riscos inerentes a ela. Seu irmão é valente, um homem honesto.

Não aconteceu nada sério com ele, graças a Deus, e espero que
continue assim. ― Suspirei.

― Eu também ― comentou tão baixo que mal pude ouvir.

Tinha uma nuance em sua expressão e voz que não consegui


compreender direito, mas era algo sombrio.

― Tudo dará certo. ― Levantei-me, ficando em frente a ele. ―


Seu irmão ficará feliz por vir vê-lo.

Seu corpo ficou tenso.

― Não posso ficar. ― Afastou-se como se pretendesse partir.

― Não estou pronto.

Aproximei-me mais, pegando sua mão. Juro que, nesse

momento, foi como se uma corrente elétrica passasse por todo o


meu corpo. Então seus olhos escuros encontraram os meus, e
engoli em seco. Tão intensos, mas assombrados. Eu podia ver
trevas em sua profundidade, algo perigoso. Meus instintos
ordenavam que eu fugisse, mas não o fiz. Era só irmão de Lance.

Essa sensação de novo..., pensei ao lembrar-me do homem


mascarado.

― Obrigada por me ajudar ― sussurrei com a voz rouca. ―


Minha mente não estava em um bom lugar antes de vê-lo, e você
me fez pensar em outras coisas.

Seus olhos caíram em nossas mãos juntas, então tentei retirar

a minha, mas ele não permitiu. Aproximou-se ainda mais, levando


nossas mãos unidas ao meu rosto, antes molhado, agora seco.

Seu toque me fez sentir um calafrio. Era abrasador.

― Você é linda demais para ter esse abismo em seus olhos ―

sussurrou com um calor naquelas duas pedras negras parecidas


com opalas pretas chamuscadas de fogo. Seu hálito de nicotina e

menta banhou meu rosto, fazendo meu coração acelerar.

Sorri, tentando recuperar a compostura. Não queria que

pensasse que eu era louca.

― Digo o mesmo, Christian.


Ante minhas palavras, foi como se algo subitamente invadisse
sua mente contra sua vontade. Era perceptível a forma como a

escuridão tomava conta de sua expressão. Ele se afastou do meu


toque como se fosse venenoso.

Meu coração bateu descompassado, pois entendia sua dor.

― Obrigada pela ajuda à ONG. Você saiu de lá muito rápido.

― Respirei fundo.

― Tinha algo para fazer ― falou e saiu quase correndo dali,


como se quisesse ficar o mais longe possível.

― É sempre bem-vindo a aparecer aqui ou na ONG! ― gritei


às suas costas.

Ele parou, seu corpo tenso, mas não se virou ou disse algo.
Ficou assim por meros segundos, então se afastou, desaparecendo
das minhas vistas.

Fiquei imóvel ali, sem entender o que acabava de acontecer.


Porém, aqueles olhos diziam tudo. O que ele havia perdido...

― Não acredito que ele se aproximou! ― ouvi uma voz atrás


de mim, o que me fez pular de susto.
― Argh! ― Coloquei a mão no peito. ― Quer me matar do

coração?!

― Desculpe. ― Lance olhava na direção em que seu irmão

havia sumido. ― Queria que ele ficasse um pouco. Faz anos que
não nos falamos. ― Seu tom era triste.

Peguei sua mão e a apertei.

― Ele disse que não estava pronto ainda. ― Suspirei. ― Mas


acho que está progredindo, afinal veio aqui.

Suspirou também.

― Eu o vejo algumas vezes me seguindo de longe, mas não

se aproxima, e não revelo que sei que ele está lá em algum lugar.
Eu o sinto. ― Havia tanto amor em sua voz pelo irmão. ― É assim
que Christian é. Ele quer arrumar uma forma de nos proteger

mesmo não estando por perto.

Eu entendia a proteção com que ele queria cercar sua família,

afinal perdera a sua.

― Após perder a filha e a esposa, ele ficou mais duro,

diferente de como era antes. ― Puxou minha mão. ― Vamos entrar.


Está aqui há muito tempo?
― Não conseguiria dormir após outro pesadelo, então resolvi
vir aqui. Ele me ajudou a não pensar nos problemas.

― Christian quer salvar a todos, mas não consegue salvar a si


mesmo.

― Talvez ele precise de alguém que o ajude a se salvar.

Quando eu estava no fundo do poço, foram meus amigos que


me ajudaram a me reerguer.

Lance me olhou de lado.

― Queria ser aquele a fazê-lo ser feliz de novo. Ele merece.

Mas acho que conheço alguém melhor para apoiá-lo. ― Deu-me um


sorriso.

Bufei, passando o braço em sua cintura e o abraçando. Ele


retribuiu.

― Sem chance, tenho problemas demais para lidar com isso.


― Embora gostaria de poder fazer alguma coisa. ― Talvez eu nem
o veja mais.

― Duvido muito disso. ― Beijou minha testa, mas se afastou


depressa quando um alarme de um carro soou por perto. Também

me assustei.
Encarei o local onde o carro bipava, mas não vi nada.

― Interessante. ― Seus olhos fitavam o horizonte, como se

vissem algo à distância, mas segui seu olhar e não percebi nada de
anormal.

― Viu alguma coisa?

― Não. ― Sacudiu a cabeça, com um sorriso. ― Mas acho


que Christian não gostou que eu a abraçasse.

Pisquei, tentando ver alguma coisa entre as árvores do parque


ali perto.

― Você e eu somos como irmãos ― declarei, e era verdade.


― Outra coisa, seu irmão não ligaria para isso, mal nos

conhecemos.

Natiele, Lance e seus filhos ocuparam o lugar da família que

eu tinha perdido havia tantos anos, embora uma parte de mim


sempre desejaria Kasper de volta à minha vida. Nunca desistiria de
encontrá-lo.

― Algo me diz que vou vê-lo logo. ― Lance piscou para mim
com um esboço de sorriso. ― Ele ficou muito tempo conversando

com você.
― Estava de olho em nós? ― Franzi a testa.

― Não queria que ele soubesse que eu estava olhando.


Conhecendo-o, sabia que iria fugir. ― Deu um suspiro doloroso.

― Só dê mais tempo a ele. Sei que vai voltar para sua vida ―
garanti.

Assentiu distraído.

― Sei que vai. Se não for por mim, pode ser por você. ―
Piscou maroto.

― Vai sonhando.

Sorri, e entramos em sua casa.

Eu seria capaz de me interessar por alguém com o fardo que


Christian carregava? Acreditava que não, mas, se ele quisesse, eu

podia ser sua amiga e ajudá-lo, ainda que não soubesse como, uma
vez que nem com a minha dor podia lidar. Ela me consumia dia e
noite.
Ella

Passei os dias que se seguiram após o encontro com Christian

em frente à casa do seu irmão pensando nele. O homem era lindo e


impossível de ser esquecido, bem como o que ele causava ao meu

corpo.

Por anos imaginei que minha capacidade de sentir desejo tinha

morrido, aliás, que jamais existira, pois ainda era uma criança

quando fui submetida ao trauma do abuso. Apenas fiquei com dois


garotos após aquilo para tentar de alguma forma despertar as

sensações tão cedo arrancadas de mim.

Sabia que não precisava ter amor envolvido para o sexo ser
avassalador, senão colocaria a culpa de ser frígida no fato de não

ter me apaixonado por ninguém, mas era mais do que isso. Sentia

que aqueles monstros mataram algo em mim que eu não seria


capaz de ressuscitar, por isso também nunca poderia ter um

relacionamento de verdade, como tentara no passado.

Eu já havia desistido de sentir qualquer coisa, mas então fui

dominada por aquelas sensações causadas pelo mascarado. Foi


como estar... Eu nem saberia explicar, ainda não acreditava que um

toque fosse capaz de fazer tudo aquilo. Tentei achá-lo no salão de

festas depois do beijo para lhe propor que fôssemos a um quarto ou

algo assim, queria explorar mais aquela nova percepção.

No entanto, ele desapareceu do mapa. Foi como um conto de

fadas, mas, ao invés de a protagonista comparecer a um baile e

sumir à meia-noite, foi o “mocinho” que desapareceu como em um

passe de mágica. Se não fosse a sensação, que perdurou, eu


juraria que fora vítima de uma ilusão.
Agora, anos mais tarde, era novamente acometida pela
mesma sensação, causada não apenas pelo toque de Christian,

mas também por seu olhar sobre mim, que me faziam sentir quente.

Fazia quatro dias desde que o vira a última vez, mas o sentia

me olhando em alguns momentos. Sabia que era ele, escondido na

escuridão. Algumas vezes vi sua silhueta de relance, até pensei ter

imaginado, mas era ele. Só não se aproximou mais.

Eu não conseguia parar de pensar nele e no que perdeu, na

dor que devia sentir constantemente, a ponto de não conseguir se


aproximar do irmão. Sentia que ele queria o encontro, percebi pela

forma como olhava para a casa de Lance, como se estivesse com

saudades.

Lance me contou mais sobre ele, detalhes sobre a chacina de

sua família e o caso perigoso que deu ensejo a ela. Isso me fez

recordar quando Christian mencionou o perigo que eu podia correr

por ser advogada de acusação. Minha profissão devia trazer-lhe

lembranças ruins.

Eu precisava descobrir uma forma de vê-lo de novo e lhe pedir

que não continuasse me vigiando, pois achava que o fazia por se


sentir em débito pelo que aconteceu com a sua mulher devido ao
cargo dela, tão semelhante, em certo sentido, ao meu. Não queria

que ele me seguisse só porque achava que tinha a obrigação de me


proteger, mesmo que Lance tenha dito que era da natureza do seu

irmão.

Naquele dia, senti-o me observando desde a ONG. Parte de

mim fez-me recordar o quanto pensara em Christian nos últimos


dias, na comparação entre o toque dele e o do mascarado. Eram a
mesma pessoa, sem sombra de dúvida. Afinal foi no casamento de

Lance que nos beijamos. O que um desconhecido estaria fazendo


lá? Então só podia ser ele. A certeza era cada vez maior, ainda mais

após eu recordar de Lance falando que o tema de sua festa de


casamento, baile de máscaras, foi escolhido por ele almejar que seu
irmão aparecesse, mesmo que Christian não revelasse sua

presença, embora eu só soube disso depois do casamento.

Era ele, só podia ser! Contudo, eu não entendia por que havia

me beijado e desaparecido logo em seguida. Não teria gostado?


Pensava muito sobre isso, mas não conseguia esquecer a maneira

faminta com que tinha tomado a minha boca.

Eu poderia jurar que nunca havia sentido nada parecido como


aquele beijo. O meu corpo parecia uma floresta acometida por um
incêndio.

Precisava encontrar uma maneira de vê-lo e lhe perguntar se


poderia me ajudar a descobrir os prazeres do sexo quente e fazer

meu corpo reviver, pois eu sentia que estava entorpecido.

Era por isso que estava na casa de Naty e Lance, por querer

sua ajuda para reencontrar Christian.

― Acha uma boa ideia encontrar meu cunhado? ― Naty


estava sentada no sofá ao meu lado.

― Por que não? Preciso perguntar por que me beijou naquele


dia e depois sumiu.

― Suponho que não estivesse pronto, afinal fazia apenas três


anos que sua esposa tinha sido assassinada. ― Lance suspirou.

Pisquei algumas vezes, pensando nisso. Talvez fosse esse o


motivo. No seu lugar, eu teria feito o mesmo.

― Mas por que o beijo?

― Acho que isso teria que perguntar a ele ― Lance comentou.


― Eu tinha esperança de que meu irmão aparecesse lá. Não sei o

motivo de ele ter dançado com você e a beijado.

― Sabia que era ele?


― Não. ― Foi sincero. ― Suspeitava, mas ele desapareceu,
então não quis te contar. Achei que o esqueceria. No entanto, não
foi isso que aconteceu. Eu tinha esperança de que, se fosse o

destino de vocês ficarem juntos, tornariam a se encontrar.

Lance acreditava em destino. No passado, eu pensava como

ele, mas, após ficar destroçada, deixei de acreditar em muitas


coisas e não sabia como voltar a ter a fé em que um dia seria feliz.

― O toque dele é como se eu estivesse perto do sol, mas sem


derreter, como se revivesse todas as minhas células mortas. Nunca
senti nada nem sequer parecido com isso. ― Até pensei que

estivesse estragada na época, e o beijo de Christian fez meu interior


explodir igual a um gêiser de luz. Era uma pena que, após me beijar,

ele tenha fugido como o Diabo foge da cruz.

Enfim conhecendo sua história, sabia que ele não estava


pronto na época, mas estaria agora? Não para um relacionamento,

eu não precisava disso no momento, mas de ajuda para superar a


falta de desejo por sexo.

― Queria tanto falar com ele... ― murmurei.

Acreditava que não me rejeitaria, afinal era um homem. Eu não

podia deixar a chance passar. Talvez, após a sua ajuda, eu


conseguisse um homem que estivesse disponível emocionalmente.
Só precisava me curar sexualmente primeiro, e acreditava que
minha salvação era Christian devido às sensações que me tomavam

com um mero toque dele. Não o deixaria fugir de novo. Tinha algo
nele que me fascinava. Não só queria sua ajuda, mas também

ajudá-lo a superar a escuridão que via em seus olhos.

Lance ficou em um silêncio pensativo.

― Tem certeza de que quer mesmo isso? ― Tinha tanta

esperança em sua voz.

Ele certamente pensava que eu ficaria com o seu irmão, mas

não seria capaz disso. Nem sabia se queria, ao menos

romanticamente, mas podíamos ser amigos daqueles que fodem


juntos.

Eu não tinha vergonha de falar sobre tais assuntos, e Lance e


Naty eram meus melhores amigos, aqueles que estavam comigo

para a o que desse e viesse. Já havíamos passado por muitos

perrengues, e eles sempre me ajudaram demais.

― Sim, mas não sei onde ele está agora.

― Você disse que ele era dono de uma empresa de segurança

e que possuía várias boates na cidade, certo? ― Naty colocou a


mão no queixo, pensativa.

Assenti, sem saber aonde ela queria chegar.

― Sim, foi o que ele me disse, mas isso não me ajuda em

nada. ― Suspirei derrotada. ― Talvez meu destino seja ficar

sozinha e cercada de gatos.

― Nada disso. Se quer mesmo falar com ele, iremos ajudá-la a

conseguir um encontro. ― Ela sorriu, trocando um olhar misterioso


com o marido.

Eu devia desistir e fingir que não o conhecia? Mas e se tivesse

de esperar anos de novo para ter uma sensação como a que ele me

causava? Isso se aparecer alguém, pensei amarga, pois, por um

longo tempo, pensei que dois homens diferentes me proporcionaram


aquela ânsia, mas acabava de descobrir que se tratava da mesma

pessoa. Se eu deixasse a oportunidade passar, talvez morresse

sozinha, e os monstros venceriam. Não queria a vitória de nenhum


deles.

Precisava saber o que ocasionou aquele turbilhão de


sensações por um único homem. O que ele tinha de diferente, além

de ser lindo? Eu já tinha visto muitos homens belos e não sentira

nada, ao menos onde realmente contava. Coração acelerado, a pele


corando em razão de apenas um olhar, esse tipo de coisa que

muitas mulheres sentem por um homem bonito, eu já havia sentido.

Mas minhas partes íntimas eram frias como o Alasca.

Eu sentia desejo ao ver cenas de filmes pornográficos, mas

quando tentava me aliviar, era como se uma parede se erguesse na


minha cabeça e impedisse, e eu não sabia como derrubá-la, por

isso precisava da ajuda de Christian. Ele era o único que tinha

conseguido atravessá-la, deixando minha calcinha molhada com um

mero toque, mas tão poderoso quanto um tsunami.

― Ótimo! Vamos a essas boates; quem sabe não temos a

sorte de ele estar em alguma delas? ― Natiele ficou de pé,


animada.

Chocada, olhei para Lance, que assentiu.

― Sabe quantas boates têm em Lincoln, querida? ― Franzi a


testa. ― Inúmeras.

Ela revirou os olhos.

― Estava na hora de nós duas termos noites de garotas.


Podemos ir a uma a cada noite. ― Ela parecia eufórica. ― Ella só

não pode deixar isso passar e esperar outros tantos anos. Acredito

que esteja na hora de ela correr atrás daquilo que a ajude a ser feliz.
O destino às vezes prega peças, se o seu é reencontrá-lo, irá

acontecer.

Minha amiga queria que eu fosse feliz sentimentalmente. Ela

acreditava que um namorado me faria superbem. Eu não tinha


certeza se concordava, ao menos não antes de sentir aquele

arroubo pelo mascarado no passado, mas, após seu sumiço, deixei

de pensar nisso e foquei em outras coisas, embora nunca tivesse


esquecido o beijo.

Com o seu retorno, agora como Christian, houve a volta


daquelas sensações. O pior era que ele nem fazia ideia de como eu

me sentia.

Se ele soubesse que meu corpo tinha sido tomado por homens

asquerosos e que sexo, para mim, por muito tempo foi sinônimo de

dor e nojo, talvez entendesse o porquê daquela sensação nova.


Depois que perdi algo importante na minha vida, busquei soluções

para não continuar quebrada. Inúmeras sessões com psicólogos me

ajudaram um pouco, mas não a esse respeito.

― Bom, eu vou com vocês. A babá das crianças pode tomar

conta delas. ― Lance ficou de pé.

Naty o olhou.
― Vai junto? ― Parecia surpresa. ― Você não curte muito

festas.

Ele sorriu.

― Querida, curto tudo que fazemos juntos e não irei deixá-las


sozinhas em uma boate. Agora por que não se arrumam enquanto

chamo Mariza?

Ela pulou nos braços dele e o beijou.

― Te amo, querido.

― Eu também, amor. ― Derreteu-se todo.

Vê-los assim me enchia de felicidade, além de uma pontada de

inveja. Não era uma inveja destrutiva, pois queria o melhor para
eles, só desejava ao menos um pouco daquilo para mim também.

― Chega de tanto grude! Vamos nos arrumar. ― Fui até


ambos e os abracei. ― Não poderia pedir amigos melhores no

mundo do que vocês dois. Eu os amo demais.

― Família, isso é o que somos ― declarou Lance. ― Vou

escolher a boate de hoje enquanto vocês se preparam.


Uma hora depois, entramos em uma boate chamada Angels

Club, que tinha um letreiro de neon vermelho piscante. O lugar


parecia muito chique.

Eu estava ansiosa, mas não tinha muita esperança de ver


Christian ali. Era um tiro no escuro, e seria muita sorte acertar de

primeira.

― Nossa, o lugar é lindo ― declarei impressionada.

Já havia estado em umas poucas boates, e aquela tinha um

quê de sensualidade. O interior era superquente, não em termos de

temperatura.

No teto, uma auréola parecida com os anéis de Saturno girava

com suas luzes embutidas, e, a cada volta, era de uma cor


diferente. Parecia um arco-íris.

Fiquei pasma com as garotas dançando dentro de enormes


taças penduradas sobre as pessoas se divertindo na pista de dança,

cada uma em um dos quatro cantos da boate.

― Uau! ― Minha voz soou assombrada. ― Isso é demais!

Naty sorriu, enquanto andava de mãos dadas com Lance.


― Sim, não é? Algo me diz que você vai gostar e que
encontrará quem procura. ― Tinha algo diferente em sua voz que

não consegui identificar. Entretanto, antes que eu pudesse sondá-la,

continuou: ― Vou dançar com Lance. Você pode dar uma volta para
ver se encontra o meu cunhado. Pode ficar tranquila, que aqui é

seguro, cheio de seguranças. Lance checou.

Revirei os olhos.

― Claro que sim. ― Meu amigo era muito cuidadoso com


tudo. Quando íamos acampar, pesquisava quilômetros de terreno ao

redor do local escolhido.

Ele riu e beijou minha testa.

― Se cuide, garota, e juízo ― provocou-me.

Bufei.

― Sempre tenho.

― Lembre-se, ninguém pode ir contra o destino. Se... meu


irmão for o seu, será. ― Com aquela hesitação, parecia que ele
queria dizer algo mais, mas foi em frente, levando Naty à pista de

dança.
Talvez eu estivesse vendo coisas que não existiam. Lance
realmente acreditava em destino, herdou isso de seus pais. Não os
conheci, mas diziam que eram gente boa.

Deixei-os se divertir e passei a andar pelo local, observando


atentamente cada segurança dali. De repente me deparei com uma

porta com uma placa em que estava escrito: “O prazer te convida”.

Um guarda impediu minha entrada.

― Não posso entrar?

Antes que ele negasse, curvou a cabeça como se ouvisse


alguém pela escuta em sua orelha.

― Sim, senhor ― falou a quem estava no outro lado e se


fastou, abrindo a porta para mim.

― Agradeça ao seu chefe por me deixar entrar. ― Sorri para


ele, que engoliu em seco, mas assentiu.

Estava curiosa com o que encontraria ali dentro. A sala era


menos barulhenta. Pessoas sentadas em cadeiras assistiam a uma

mulher dançando no palco, uma stripper muito sexy e linda.

O lugar era diferente do lado de fora, mais requintado. Telões


no teto, nas paredes laterais e na frente, por trás do palco, exibiam
imagens sensuais que mudavam a cada momento, deixando o clima
mais sensual. A menina no palco dançava tirando suas roupas e
ficando apenas com uma calcinha fio dental.

Subitamente entrou no palco um rapaz vestido com roupas


sociais. A cada batida da música, ia tirando cada peça, gravata,

paletó, colete, camisa e, por último, a calça, ficando exclusivamente


com uma sunga. Os telões piscaram, exibindo a imagem de uma

praia.

Os strippers começaram a se beijar e a dançar de forma

sensual. Isso me deixou pegando fogo.

Jamais tinha assistido a algo assim ao vivo. A cada instante, a


dança ficava mais fervorosa, o que me fazia suspirar.

O homem segurou o seio da moça e o lambeu, fazendo-a


gemer.

― Merda! ― deixei escapar baixo, apertando minhas pernas


uma contra a outra enquanto tomava uma taça de bebida que pedi
ao barman do bar que havia naquela sala.

Geralmente, a vontade me assaltava ao assistir algo assim,


mas, na hora H, quando tentava sentir prazer, não acontecia, eu

esfriava. Já tentara tudo para superar, até ler livros sobre o assunto,
fazer terapia, mas não tive êxito. Nem sequer tinha certeza se iria
funcionar com o Christian caso ele aceitasse me ajudar, afinal a

prática era bem diferente da teoria. O que eu podia fazer era tentar
e ver no que daria. Se não funcionasse daquela vez, desistiria.

― Vejo que gosta do que assiste ― uma voz falou ao meu


ouvido, fazendo-me pular e derramar um pouco de Cosmopolitan
entre os seios.

Virei-me, dando de cara com um homem sexy, mas que,


infelizmente, não era o objeto do meu desejo, e que eu conhecia

muito bem.

― Hades?

― Olá, menina. ― Sorriu maroto.

Ele era alto, tinha olhos azuis e era coberto de tatuagens. Seus
cabelos eram longos, mas geralmente estavam presos em um

coque. Enfim, era um cara quente. Todavia, mesmo tendo-o


conhecido antes de Christian, nunca senti por ele aquele fogo
abrasador.

Seu patch, um emblema costurado na jaqueta, revelava o seu


cargo no clube de motoqueiros do qual era membro, Bloody Fury

MC: Prez. Ele era chefe do motoclube.


Ajudei-o uma vez a manter um homem na cadeia, mas apenas

porque ficou provado que o sujeito era mesmo um ser humano da


pior espécie. Não entendia por que ele não o eliminara, afinal sabia
que ele e seu bando eram fora da lei, embora não do tipo que

tortura inocentes. Contudo, eram daqueles que, se alguém fodesse


com eles, poderia esperar a retaliação, de acordo com o que Hades
me disse uma vez.

― O que faz aqui? ― Tentei recuperar a compostura e evitar


corar por ter observado o local e gostado do que vi.

Ele deu uma risada. O homem era realmente atraente. Era


uma pena que não me atraía. Corpo traidor, pensei.

― O que faz em uma boate? ― Pousou os olhos no palco.

Revirei os olhos.

― No seu clube tem muito mais que isso. ― Fitei a stripper,


que ainda dançava sedutoramente com seu partner.

― Como sabe, se nunca foi lá? ― Aproximou-se mais.

― Leio livros com esse tema, então tenho certeza de que o

lugar é quente. ― Pigarreei.


― Quente? Posso lhe mostrar o verdadeiro significado disso
se me der uma noite ― ofereceu.

Ele já tinha me ofertado aquilo, mas declinei na época e


continuaria a fazê-lo. Naty me disse que eu era louca por rejeitar um
gato daquele, mas não queria repetir a experiência de ficar com um

cara pelo qual eu não sentia a mínima química.

― Não dá. Aliás, o motivo de eu estar aqui é um homem

específico. ― Suspirei.

Ele gargalhou, não ligando para as pessoas ao redor, que, na


verdade, estavam tão envolvidas com a cena no palco que nem
sequer prestaram atenção em nós.

― Você sabe acabar com o ego de um homem ― falou em


tom divertido.

Sorri.

― Você o tem demais para acabar. ― Era bom conversar com


tanta naturalidade. ― Não há química entre nós.

― Da sua parte; sinto bastante por você, afinal é uma mulher.

Dessa vez quem riu foi eu.


― Só uma cega não repararia em você. ― Apontei seu corpo
musculoso, com tudo no lugar. ― É um Adônis em carne e osso.

― Uma cega como você? ― provocou, esboçando um sorriso,


depois continuou, antes que eu pudesse responder: ― Então me

fale desse sujeito. Combinaram de se encontrar aqui? É um cara de


sorte por ter conseguido atravessar seu escudo. ― No final, sua voz
tinha uma nuance misteriosa.

― Na verdade, não combinamos. Estou tentando encontrá-lo.


― Sentei-me em uma das banquetas do bar. Ele ficou de pé ao meu

lado. ― Mas foi um tiro no escuro. A única coisa que sei é que ele é
dono de boates aqui e pelo mundo.

Hades ficou calado por uns segundos.

― Onde o conheceu?

― Na ONG. Ele fez uma doação bastante generosa. Não

peguei seu número de telefone, vai ser impossível encontrá-lo. ― A


não ser que eu ficasse esperando de tocaia até ele vir me vigiar de
novo. Era mais provável que isso desse certo do que visitar todas as

boates da cidade, e corria o risco de ele nem estar em uma das


suas. Podia estar em qualquer lugar, até mesmo no exterior.

― Hum. Na verdade, eu posso ajudá-la.


― Como?

― Conheço todos os donos das boates de Lincoln. Basta me


dizer o nome dele, assim posso indicar a quais lugares deve ir.

Pisquei, surpresa.

― Jura? ― Levantei-me e pulei em seus braços assim que


assentiu. Cheirava a cerveja e cigarro. ― Obrigada!

Seus braços me envolveram por uns poucos segundos, mas,


antes que pudéssemos dizer mais alguma coisa, ouvi um rosnado.

― Tire as mãos dela. ― O som parecia de um felino irritado,


mas reconheci a voz.

Afastei-me depressa de Hades e encarei os olhos letais do


objeto do meu desejo. Seu corpo estava tenso, assim como sua
expressão assassina.

― Christian? ― Sorri, tentando tranquilizá-lo, pois percebi que


fuzilava Hades de forma nada amigável. Eles eram inimigos?

Esperava que não.

― Então esse é o cara? ― Hades parecia tranquilo ao meu

lado, embora também demonstrasse certa tensão.

Christian franziu o cenho, olhando entre nós dois.


― Sim ― respondi, atraindo os olhos de opalas negras em

minha direção.

― O que está fazendo aqui? ― Olhou ao redor e novamente

fuzilou Hades, dando mais um passo, como se não conseguisse


controlar seus atos.

Eu não deixaria que os dois brigassem.

― Estava procurando por você ― pronunciei, aproximando-me


um pouco.

Ele desviou o olhar mortal de Hades para mim, mas um brilho


a mais cintilou naquelas pedras negras.

― Por mim?

― Queria falar com você, mas, como não tenho seu contato e

só sabia que era dono de boates na cidade, minha amiga sugeriu


que procurássemos em todas. Essa é a primeira. Hades me falou
que conhecia todos os donos de casas noturnas e se prontificou em

me ajudar, mas você chegou antes.

Sua expressão fria deu espaço a um semblante caloroso,

quase me fazendo derreter.


― Mesmo? De onde conhece Hades? ― sondou, travando a
mandíbula.

― Ajudei-o em um caso ― respondi sucintamente. Não


gostava de falar dos meus clientes sem autorização. ― Agora
somos amigos.

― Só amigos? ― Arqueou as sobrancelhas.

Aquele homem com raiva era ainda mais sexy, mas era melhor
acalmá-lo. Entretanto, antes que eu pudesse esclarecer tudo, Hades

foi mais rápido.

― Se está perguntando se ficamos juntos, a resposta é não. ―

Sorriu, piscando para mim. ― Ela disse que não temos química,
mas, pelo jeito, há entre vocês, ou não pensaria em ir a todas as
boates de Lincoln só para achá-lo.

A raiva que Christian parecia sentir em relação a Hades


desapareceu. Ele estaria com ciúmes? Não era possível, afinal mal

nos conhecíamos.

― Vou dar no pé ― ouvi Hades falando, mas meus olhos

estavam focados em Christian. Perguntei-me o que ele achava de


eu ter vindo procurá-lo. ― E, menina?
Fiz uma careta ante esse apelido, desviando minha atenção
daquele monumento de homem, cuja presença ali ainda me custava

acreditar.

― Nos vemos por aí. Está convidada a ir ao meu clube, afinal

pareceu gostar do que rola aqui, e você tem razão: lá é mil vezes
melhor. ― Deu uma risada divertida quando a fúria retornou à face
de Christian.

Assenti, muda.

Hades foi até ele e deu um tapinha em seu ombro, como se


fossem grandes amigos, então falou algo em seu ouvido que não

ouvi, mas, o que quer que fosse, o fez cerrar os punhos e o maxilar
e murmurar a resposta através dos dentes travados. Também não
escutei, mas parecia uma ameaça, ainda que fosse claro que eram

próximos.

Hades foi embora, deixando-nos sozinhos, não tecnicamente,

afinal a sala estava cheia de clientes, mas estavam tão


compenetrados no espetáculo sobre o palco que era como se
fôssemos invisíveis.

Cheguei mais perto dele, a menos de meio metro.

― Podemos conversar em um lugar mais privado?


Estava nervosa ao esperar sua resposta.
El Diablo
Após sair da ONG, tentei recuperar a razão. Quase duas

semanas depois, ainda não acreditava que tinha me deixado levar


pelas minhas memórias.

Durante parte desse tempo, tentei não me aproximar de Ella.

Havia uma disputa em meu interior; metade de mim queria me

aproximar, e a outra implorava para manter distância. Ainda assim, a


vigiava de longe, pois não conseguia me afastar inteiramente dela.

Foi por isso que, ao ver seu estado desolado em frente à casa

do meu irmão, alguns dias antes, não pude ficar longe, tive que me
aproximar de novo. Queria tirar aquela dor que ela estava sentindo,

nem que só conversasse com ela.

Ella não saía de minha cabeça, nem mesmo em noites como

aquela, em que precisei ir a uma de minhas casas noturnas para

resolver alguns problemas que tinham surgido.

Não saíra de Lincoln nos dois últimos meses, nem mesmo

aceitei serviços que me fizessem afastar-me da cidade. Repassei-os

todos aos que trabalhavam para mim.

Meu telefone tocou enquanto eu estava indo falar com Hades.

Ele agora era chefe do Bloody Fury MC. O nome combinava. Era
esse o futuro de quem os enfrentava.

Teve uma época em que pensei em me juntar a eles, mas não


consegui, pois queria algo maior. Foi por isso que me envolvi com a

máfia espanhola, mas também se provou que não era o que eu

queria. Por isso batalhei até chegar aonde estava agora.

― Sim, Hacker? ― atendi, saindo da minha sala. Encontraria

Hades no andar de baixo.

― Ella está na boate com seu irmão e a esposa dele. Achei

que gostaria de saber. Agora preciso ir dar cobertura para Knife.

Desligou antes que eu pudesse dizer algo. Sua voz estava

estranha, mas depois eu tornaria a falar com ele. Precisava saber

onde Ella e meus parentes estavam. Fui até a sala de

monitoramento checar as telas das câmeras de segurança. Duas


pessoas trabalhavam ali, dando cobertura caso acontecesse algum

distúrbio.

― Chefe ― um deles falou assim que entrei.

― Deixe-me ver as câmeras da pista de dança e arredores.

Não demorou muito para encontrar meu irmão dançando com

Natiele, mas não havia nenhum sinal de Ella. Chequei as outras

câmeras e a encontrei na “sala do prazer”, conversando com Hades.


Como ela tinha entrado lá? Pois só podiam fazê-lo com minha

autorização e a de... Hacker. Maldito fosse. Ele havia autorizado.


Por isso parecia estranho e desligou depressa. Deixaria para acertar

minhas contas com o garoto depois.

Saí da sala com uma fúria tão intensa me consumindo que via

em vermelho. Pela forma como Hades e Ella estavam conversando,


pareciam se conhecer.

Teriam tido um caso em algum momento? Eu não deveria me

incomodar com o passado dela, mas me importava, quando o


homem com quem conversava com tanta intimidade era o meu

melhor amigo, alguém que esteve do meu lado desde o começo,


ajudando-me a me vingar dos desgraçados da maldita máfia que

chacinara minha família.

Seu tio, Murilo González, chefe da máfia espanhola, também


me ajudou de muitas maneiras na época, e no final nem pude ir ao

seu enterro, pois seria inundado por pensamentos torturantes. Não


me conformava por ter perdido o sepultamento de Rúbia e minha
princesa.

Ao entrar na sala onde aconteciam strip-teases e shows


eróticos e me deparar com os dois abraçados, tive de me esforçar
para conter toda a fúria e ciúme que me tomaram para não fazer

uma besteira, como matar meu amigo e deixar que a mulher que
desejava visse o monstro que eu era.

Eu era um demônio, pois jamais me importava com tudo que


fazia. Eu espancava, infligia dor em meus inimigos, matava e não

sentia o mínimo desejo de parar. Queria continuar cortando-os,


torturando-os, mantendo-os implorando por uma ajuda que nunca
viria. Adorava fazê-los sangrar, gritar e rugir de dor. E, mesmo

depois de matá-los, não sentia nada, nenhum remorso, tristeza,


asco. Como podia explicar àquela mulher que meu apelido fora

dado justamente por causa de tudo isso? El Diablo... Adiaria o


quanto pudesse que Ella descobrisse esse codinome e os motivos

por trás dele.

Quando os separei, Hades pareceu surpreso com a minha


fúria, afinal, após ter perdido Rúbia e minha filha, nunca mais havia

me importado com uma mulher. Dessa forma, o bastardo percebeu


que algo me ligava àquela garota.

Assim que Ella explicou que tinha vindo me ver, a cólera que

eu sentia se amenizou. Não estava irado com ela, claro, nem


mesmo com Hades, não conseguia sequer entender de onde vinha
aquele sentimento, mas senti algo amargo como fel ao vê-la com
ele, especialmente quando a teve entre os braços. Não gostei dessa
sensação.

― Nos vemos por aí. Está convidada a ir ao meu clube, afinal


pareceu gostar do que rola aqui, e você tem razão: lá é mil vezes

melhor. ― Hades deu uma risada divertida ao apontar ao redor.

Trinquei os dentes para não o socar.

O infeliz se aproximou e inclinou a cabeça, falando baixo para

ela não o ouvir:

― Machuque-a, e eu vou fazê-lo andar muitos dias em uma

cadeira de rodas e mijar por uma sonda. ― Sorriu como um tubarão.

Todos se enganavam com aquele sorriso bonito que faria

qualquer sogra adorá-lo. Poucos o conheciam de verdade. O


monstro que habitava nele fazia jus ao seu apelido, Hades, o deus
do inferno.

― E se você não for embora agora, vai precisar de uma


plástica para consertar esse rosto bonito ― grunhi.

O maldito riu, mas partiu.


Levei Ella para conversarmos em uma das salas VIPs que eu
reservava para os negócios, já que ela queria privacidade. Fechei a
porta, deixando todo o barulho do lado de fora. O silêncio se tornou

tão denso que parecia até pesado.

Embora eu não soubesse o porquê de ela ter vindo me

procurar, isso deixou-me feliz. Ela parecia um pouco nervosa, mas


então respirou fundo, e seu olhar se tornou decidido.

Deixei que tomasse seu tempo, pois claramente estava

criando coragem para me dizer algo.

― Está disposto a fazer sexo casual comigo?

Pisquei, aturdido com a pergunta direta. Não estava

preparado para algo assim.

― Essa hesitação não me parece um bom sinal. ― Suspirou.

― Acho melhor eu ir embora.

Merda, eu não queria que ela partisse, estava muito

interessado no que tinha vindo fazer ali.

― Não vá. É que sua pergunta me pegou desprevenido. ― É

claro que eu já ouvira muitos pedidos semelhantes àquele, não a

parte do “casual”, mas do sexo. Algumas mulheres queriam mais


que foda, mas eu nunca poderia retribuir.
Quando fazia sexo, pensava em minha esposa a cada

segundo, imaginando que era ela debaixo de mim. O único dia em


que não pensei em Rúbia, mas sim na pessoa real entre meus

braços, foi quando beijei Ella. Na hora, esqueci-me até de mim

mesmo. Provavelmente foi por isso que surtei e fugi o mais rápido
possível.

Ela assentiu e se sentou no sofá. Sentei-me ao seu lado.

― Por que realmente veio me procurar?

Ella me olhou e mordeu o lábio inferior, e eu me vi forçado a

segurar uma maldição. Os lábios cor de morango me deixavam


louco para capturar aquela boca sexy de novo. Ainda sentia o sabor

daquele maldito beijo mesmo tantos anos depois.

― Pequeno Rouxinol, se não me contar, eu só posso supor.

― Aproximei-me dela, com o rosto próximo à cortina formada pelos

seus cabelos. ― Porra, senti tanta falta desse cheiro...

― Meu cheiro? ― indagou com a voz fraca.

― Sim, ele recende por todo o lugar em que está, me

deixando inebriado. ― Beijei seu ombro. ― O que perguntava

mesmo?

Engoliu em seco.
― O que acha de transarmos? Quer dizer, termos sexo

casual? ― tornou a me indagar diretamente.

Sorri, pois contava com aquilo havia muito tempo, mas nunca

teria suspeitado que um dia ela viria propor a mim, o que me

deixava curioso.

― Estou dentro e ansioso por isso. ― Coloquei minha mão

em sua coxa, fazendo-a tremer, em seguida levei minha boca até o


seu pescoço, sentindo o pulsar desesperado de seu coração e os

sons de sua respiração falha.

― Se queria tanto, por que não me procurou? ― Gemeu

quando mordisquei sua orelha.

Boa pergunta. Não achei que ela estivesse pronta. E, mesmo

que me deixasse feliz tê-la ali, oferecendo-se a mim daquela

maneira, eu a conhecia muito bem. Desde que colocara os olhos


sobre ela, a menina nunca esteve em uma relação de qualquer tipo.

Seria capaz de fazer sexo casual?

Afastei-me. Foi uma das coisas mais difíceis que já fiz. Ergui-

me e servir a mim mesmo uma dose generosa de uísque com gelo.

― Aceita? ― Levantei o copo.

Ela balançou a cabeça, parecendo confusa.


Logo após sua negativa, sentei-me no sofá em frente àquele

em que ela estava. Assim controlaria meu corpo e meu pau duro,
pois só tinha uma coisa em mente: fodê-la sem pensar. Mas antes

queria entendê-la.

― O que foi? ― Ela franziu a testa quando me sentei em

outro local. ― Não quer o mesmo, é isso?

Ela ficou louca? Eu a queria mais que tudo, tanto que fui a

um lugar que me fazia ter pesadelos só para ficar ao menos um

curto momento ao seu lado em vez de apenas stalkear a vida dela


por tantos anos. Eu era fodido, sabia disso.

― Quero possuir seu corpo de todas as formas, mas, antes

que isso possa acontecer entre a gente ― gesticulei entre nós dois

―, precisamos conversar.

― Sobre o quê? ― Parecia frustrada.

― Isso. Pela sua cara, não faz esse tipo de coisa, o que me

leva a perguntar, por que eu? Por que agora?

― Achei que vocês, homens, gostassem de conversar menos

e trabalhar mais. ― Deu um suspiro irritado.

Soltei uma risada, fazendo-a olhar para a minha boca e

morder aquele maldito lábio carnudo. Não via a hora de mordê-lo de


novo, igual à última vez. Todavia, para tudo havia seu tempo. Ela

não seria só uma foda de uma noite.

― Com certeza a maioria age assim, mas eu sou diferente.

Não quero foder você apenas uma vez, mas muitas, deitá-la nesse

sofá, abrir suas pernas, enfiar minha cabeça entre elas e então a

comer como um homem sedento e faminto. ― Suas pernas se


apertaram uma contra a outra diante de minhas palavras. ― E

depois enfiar meu pau em sua boceta apertada até minhas bolas se

espremerem e meter como um louco.

Sua respiração acelerou.

― Faça isso agora! ― ordenou. Tão linda e exigente, essa

pequena...

― Ah, Pequeno Rouxinol, eu vou, e pode apostar que, antes

que essa noite termine... estará esgotada pelos orgasmos que


provocarei...

― Jesus! ― exclamou.

― Não, é o meu nome que você irá gritar todas as vezes que

gozar, tanto no meu pau como em minha boca. ― Estava mesmo


louco para possuí-la. ― Mas, antes, me responda o que questionei.
― Posso? ― Indicou a bebida que eu estava tomando.

Assenti e peguei uma taça, servindo-lhe champanhe, não uísque,


por ser mais fraco.

Ella tomou um longo gole.

Franzi a testa. Ela não era de beber muito, era algo que eu já

tinha notado, então por que estava recorrendo àquilo agora?

― Obrigada. Posso beber mais?

― Fique à vontade. ― Apontei a garrafa. Não estava

gostando disso. Certamente eu a queria de muitas formas, mas, se


a menina precisava beber para pensar em foder, alguma coisa

estava errada.

Ella encheu o copo e voltou a se sentar.

― Você foi ao casamento do seu irmão? ― Avaliou-me, e


parecia já saber a resposta para aquela questão.

Sim, ela sabia. Perguntei-me se sua curiosidade era por


causa do nosso beijo.

― Por que pergunta? ― sondei, pois queria saber o que se

passava em sua cabeça antes de revelar.


― Nunca senti isso que sinto quando você se aproxima de
mim... a não ser com um certo mascarado na festa de casamento de

Lance. Você me toca como ninguém. ― Suspirou. ― Preciso sentir

de novo a emoção de quando me beijou naquele dia. Você não


entende, mas realmente preciso disso e mais além, e tem que ser

com você. Por isso pedi para termos sexo sem compromisso.

Uma das coisas que me impressionava naquela mulher era o

fato de que ela não escondia o que sentia, não temia o que falava,

era sempre tão direta. E eu adorava isso.

― Naquele baile de máscaras, quando dançamos juntos e

nos beijamos... foi como se eu fosse abraçada pelo sol ― continuou.


― Então você desapareceu... Mas entendo a sua partida.

― Entende? ― Minha voz estava grave e rouca, pois sentia o

mesmo que ela.

― Claro! Acho que não estava pronto na época, mas que


está agora. ― Fitou-me com aquelas íris brilhantes. ― Achei que
nunca mais sentiria algo daquele tipo de novo... até reencontrá-lo.

Merda! Quando entrei naquela festa, pensava apenas em ver


meu irmão de longe no dia mais feliz da vida dele, mas a vi tão

linda, com uma máscara que a fazia parecer com uma fada, tão
deslumbrante. Tive que me conter para não a levar para o andar de
cima e desfrutar daquele corpinho lindo.

Entretanto, nada fiz, porque a minha perda era recente, e não

cogitava tocar outra mulher. O que presenciei e senti naquele dia


ficou em minha memória desde então, sua beleza, sua risada, sua

voz se deleitando pela felicidade dos amigos, seu cheiro... o sabor


do seu beijo.

Merda, eu deveria apenas ter dançado, mas não resisti.


Quando provei aqueles lábios, foi como uma droga. Tive que partir,
ou faria uma besteira. Poderia ter tentado me tornar amigo dela,

mas não havia como me aproximar, afinal estava em um caminho


sem volta para a vida que atualmente eu tinha.

Ir àquela festa de casamento foi minha despedida do meu


antigo eu. Mesmo que eu não ouvisse dos lábios de Lance, entendi

que meu irmão fez sua festa com aquele tema apenas por minha
causa, para que eu comparecesse e estivesse junto a ele naquele
seu momento tão importante, ainda que ninguém soubesse quem eu

era em meio aos convidados. Eu não queria ver mais ninguém,


então vi aquela mulher, e foi como se um raio de luz descesse e
iluminasse as trevas que me envolviam por dentro e por fora, que
tomavam toda a minha vida.

Ella não me fez perguntas, nem eu a ela; a química que


sentimos apenas ao nos olhar foi de outro mundo, tanto que
nenhum de nós pôde esquecê-la.

Por isso, alguns meses antes, quando notei que estava


pronto, aproximei-me mais dela, ainda que continuasse observando-

a de longe e protegendo-a em razão do seu trabalho, pois fazia


muitos inimigos, às vezes sem nem ter ideia. Sempre que eu

percebia uma ameaça, eliminava sem que ela sequer soubesse.


Ninguém iria tocar em um fio de seus lindos cabelos. Se alguém
tentasse, eu iria lhe mostrar o verdadeiro significado do meu nome e

o que ele representava em meu mundo.


El Diablo
― Christian? ― Ella me chamou, tirando-me dos meus

devaneios. Seu rosto estava brilhante, a bebida a havia alegrado um


pouco. ― Vai querer embarcar nessa comigo?

Eu era um filho da puta sortudo, pois isso era tudo que

queria.

― Não há nada que eu queira mais, mas tenho uma pergunta


antes. Se responder a verdade, farei tudo que você quiser.

― O que é?

― Quando foi a última vez que transou? E quando fez não

sentiu nada do que sente comigo? ― Sabia que ela teve um

namorado na faculdade, mas, depois disso, jamais se relacionara

com alguém.

Ela fez uma careta.

― Por que estamos tendo essa conversa? Achei que

quisesse transar comigo ― resmungou.

― Ella, eu quero muito você, de verdade, mas sinto que não


está pronta...

Ela ficou de pé e parecia com raiva.


― Você não sabe como me sinto ou o que quero, não está
dentro de mim para saber ― rosnou. ― Não sou uma maldita

virgem, porra!

Frustrada e irritada, ela era uma coisinha linda. Eu não me

importava que fosse ou não virgem, muito menos com quem tinha

ficado ou deixado de ficar. A única coisa que sabia era que, em

todos os anos desde que a tinha conhecido, ela não teve nem

sequer um encontro casual, e não era por causa do trabalho. Tinha


algo mais em seu passado, e eu pretendia descobrir.

― Posso ler seu corpo e sua expressão. Essa é a terceira

taça de champanhe que você toma, e isso é curioso. Por que está

bebendo tanto, se não costuma ingerir bebida alcoólica? Além disso

está mordendo seu lábio com tanta força que aposto que sangrou,

sem contar que está irritada e nervosa demais ― enunciei em tom

calmo. ― Para podermos progredir, quero que se abra comigo e me

diga o que está havendo. Sei que me quer, assim como eu a quero,
mas por que a hesitação? Não quero que façamos algo por impulso

e depois você me odeie.

Ela ficou em silêncio, olhando entre mim e a porta como se

hesitasse entre permanecer ali ou partir.


― Se quer ir embora, fique à vontade, não irei impedi-la, mas

saiba que, se ficar, quero a verdade, o que realmente está sentindo.


Dessa forma posso trabalhar em cima disso.

― Está dizendo que tenho problemas? ― Cerrou os dentes.

Soltei um suspiro cansado.

― Vamos, Ella, só me diga por que deseja transar

exclusivamente comigo. Não deve ser difícil conversar sobre isso.

― Porque você é gostoso, lindo e tem essa aura de bad boy.

― Corou como uma adolescente. ― Sei que as meninas boas


devem ficar longe de homens assim, mas quero isso de verdade.

Eu poderia contestá-la e perguntar por que tinha ficado tantos


anos sem um homem, afinal eu não era o único com as
características listadas por ela, mas Ella não tinha ideia de que eu

sabia daquilo. Queria que me dissesse por si mesma por que ficou
tanto tempo em abstinência sexual. Algum motivo tinha de haver por

trás disso.

― Obrigado pelo elogio, mas vai responder à pergunta?

Quando foi a última vez que ficou com alguém?

― E você, quando foi a última vez que transou? ― devolveu

a pergunta em tom irritado.


Ela já estava meio bêbada, era realmente fraca para o álcool.

― Há uns dois meses. ― Eu tinha chegado à conclusão de


que ficar com mulheres aleatórias não me ajudaria a esquecer

aquele beijo, por isso estava sem sexo por todo aquele tempo. Por
isso resolvi ficar mais em Lincoln do que em outras cidades, pois

dessa forma poderia vê-la com mais constância.

Porra, eu era um idiota! A mulher estava em frente a mim,

praticamente implorando para transarmos, e eu ali, rejeitando essa


possiblidade só para conversamos. O fato é que eu não queria fodê-
la apenas uma vez, o que poderia acontecer caso eu não cumprisse

suas expectativas.

Certa vez, enquanto a vigiava escondido, ouvi uma conversa


dela com minha cunhada. Ella disse que não conseguia se

satisfazer de forma alguma com seus parceiros. Na hora, julguei que


o problema fosse dos caras, mas passei a prestar mais atenção em

relação a isso e pedi a Hacker que hackeasse todo o histórico de


suas sessões de terapia com a psicóloga durante a faculdade.
Através dele descobri que ela pensava que o problema deveria estar

nela, em sua falta de confiança nos parceiros, como se existisse


algo que a bloqueasse. Isso me fez querer matar o pai dela, que
havia tentado violentá-la. Era uma pena que o infeliz estivesse
morto.

Entendi a coisa toda, e era por isso que estávamos tendo

aquela conversa. Se eu fosse em frente e a possuísse, mas ela não


estivesse pronta, com certeza não teríamos mais noites quentes.

― E você? ― Meu objetivo era que se abrisse comigo, pois


ela parecia um livro com a capa trancada com um cadeado,

impossível de ser aberto e lido.

Ella olhou a taça em sua mão como se ali fosse descobrir


todas as respostas, então me encarou. Eu sabia que iria mentir

antes mesmo de ela abrir a boca. Sua expressão demostrava isso.


Se eu não fosse um perito na arte de detectar mentiras, nunca
saberia.

― Há um mês...

― Ella, se vamos fazer isso, preciso saber a verdade. Sei

que está mentindo.

― Você é algum guru? ― grunhiu exasperada, jogando suas

mãos para cima. Ainda bem que a taça estava quase vazia. ―
Porra, é só sexo!
― Se você só queria sexo, poderia ter ficado com outros
homens do meu tipo, como Hades. ― Cerrei meus punhos só ao
imaginar isso.

Ela estreitou os olhos.

― Talvez eu devesse ter ido até ele ― sussurrou.

Inspirei fundo, controlando-me, pois a estava pressionando, e


a situação poderia sair do controle.

― Talvez. Ele ainda deve estar em algum lugar da boate. ―

Fiquei de pé e me servi de outra dose de uísque, esforçando-me

para me acalmar e esconder minha expressão. Não queria que ela


ficasse com outra pessoa, e aquilo não resolveria nada. Ela poderia

foder com vários homens, mas, se nenhum deles soubesse o que se

passava em sua cabeça, nada mudaria. Por isso eu estava focado

em fazer diferente, em primeiro lugar entendê-la, para assim tornar


o sexo prazeroso para nós dois. Não queria só enterrar meu pau

nela e fodê-la sem me preocupar com o que estivesse sentindo,

queria que ela aproveitasse cada gota de prazer que eu pudesse lhe
proporcionar durante o sexo.

Ouvi seus passos se aproximando, depois senti seu toque


suave em meu braço. Essa sensação era tão boa que me fez fechar
os olhos para a absorver.

― Não quero a ele ou qualquer outro homem, mas você. Meu

corpo só reage ao seu. ― Colocou o rosto em minhas costas


enquanto me abraçava por trás.

Eu estava a ponto de me virar e deixar minhas perguntas de


lado, quando ela continuou em um sussurro suplicante:

― Fique assim, é melhor de falar.

Fiz o que pediu. Pela tensão de seu corpo, coisa boa não
sairia de sua boca.

― Quando eu tinha 18 anos, fiquei com um rapaz uma vez no


intuito de provar um tipo diferente de sexo, mas não senti nada. Era

como se eu fosse uma geladeira. Mesmo com preliminares, nada

me fazia sentir prazer. Na faculdade, conheci um rapaz, o Travis.

Era um cara legal, e, como eu estava cansada de ficar sozinha...


Naty tinha Lance, e eu só achei que pudesse... ― Respirou fundo.

― Ele a abusou? ― minha voz soou sombria demais.

― Não. Namoramos por seis meses. Juro que tentei gostar

dele, do que fazíamos, mas eu não conseguia amá-lo, e o sexo


era... não tinha calor, paixão. Era frio. Eu era fria. Então ele me traiu

e foi embora. ― Sua voz estava dolorida e, em razão do álcool,


meio trôpega. ― Eu era uma boneca quebrada. Não achei que

pudesse consertar isso, então resolvi não ficar com mais ninguém.

Anos mais tarde, eu o conheci naquele baile, e foi como uma


explosão de luz em meu corpo. Nunca tinha sentido isso, mas então

você foi embora...

Quebrada... Parei de ouvir sua confissão nessa parte, então

reprisei suas palavras. Ela disse que tinha ficado com dois homens

e, com o primeiro... queria um tipo diferente de sexo.

Os sinais estavam ali o tempo todo, mas não percebi. Achei

que sua aversão a transar fosse devido à tentativa de estupro por

parte de seu pai. Lyn a salvou antes que acontecesse e matou o


infeliz. Mas e se aquela não fosse a primeira vez? E se seu pai a

tivesse violentado antes? Pela sua escolha de palavras, algo assim

devia ter acontecido.

Merda! A porra é mais fodida do que pensei.

― Ella, alguém a tocou contra sua vontade? ― Tentei

controlar a fúria que esmagava meu ser. “Seu pai a estuprou?”,


desejava perguntar, mas ela não fazia ideia que eu sabia do seu

passado na Dinamarca.
Seu corpo se sacudiu como se tivesse recebido uma

descarga elétrica e se afastou de mim, então a olhei e vi o tormento


naqueles olhos, um terror vivo que a fez ofegar como se estivesse

com falta de ar.

― Ella! ― Corri até ela e a coloquei sentada no sofá, pondo-

me ao seu lado. ― Respire lentamente, querida.

Ela fez o que pedi e colocou a cabeça em meu ombro. Passei

meus braços à sua volta.

― Me desculpe por entrar em pânico. Acho que essa é a

segunda vez ― sussurrou, parecendo esgotada. ― Estou tão sem


forças para lutar... Sinto que estou caindo e caindo e que não há

nada nem ninguém para me amparar...

― Eu sempre vou estar aqui ― afirmei, mas ela já estava

dormindo.

Porra! Quando a forcei a se abrir, achei que fosse uma boa

ideia, que ajudaria a dar certo entre nós. Porém, ver o estrago que

isso causou me fez querer socar a mim mesmo. Contudo, depois


lidaria com a fúria tanto por mim quanto por quem a havia

traumatizado tanto. Fiquei ali, abraçado a ela, sentindo seu cheiro,

protegendo-a no intuito de afastar os seus demônios.


― Por favor, não me bata mais! ― Ella começou a implorar.

A princípio, achei que ela estivesse acordada, mas seus


olhos estavam fechados, e ela agarrava minha camisa como se

fosse um bote de salvação.

― Ella...

― Tia, eu serei boa, mas não deixe aqueles homens me

tocarem mais!

Beijei sua testa, ouvindo seus soluços, sem poder fazer

muito.

― Ella, estou aqui. ― Alisei seu rosto.

― Por favor, não! Não! Não!

― Volte para mim, Pequeno Rouxinol.

Ela continuou com seus apelos para os monstros em sua

cabeça. Isso acabava comigo. Minha garganta se fechou com uma

sensação de impotência, dor e raiva.

― Christian, não os deixe me tocar mais, por favor! ― rogou,


depois suspirou e se acalmou.

― Nunca mais ninguém vai machucá-la. ― Eu mataria


qualquer um que tentasse.
Coloquei-a deitada no sofá e me levantei com a carne

tremendo tamanha a fúria que se abatia sobre mim. Peguei a


maldita garrafa de uísque e a joguei contra uma parede,

espatifando-a, depois soquei um espelho, sentindo o vidro

estilhaçado abrindo a pele e a carne do meu punho. Ainda bem que

ela não havia acordado com o barulho; seu sono era pesado, além
de ser fraca para bebidas.

Meu telefone tocou, mas o ignorei; só queria destruir, mutilar

e matar. Sangue, eu queria o sangue daqueles que a tocaram, e iria

atrás até conseguir essa porra. O inferno deles estava para

começar.

A porta da sala foi aberta, e por ela entrou Hades, avaliando

o espelho e a garrafa destruídos e Ella inconsciente no sofá.

― Porra, o que aconteceu aqui? ― Enquanto se aproximava,


pisava nos cacos de vidro com seus coturnos.

Sentei-me no sofá ao lado da cabeça dela e toquei seu rosto


sereno.

― O que aconteceu? ― repetiu a pergunta.

Eu não queria falar sobre o assunto, ainda mais por ser um

segredo dela, mas precisava de ajuda para localizar os infelizes que


a machucaram, incluindo a tia dela. Pelas suas frases conturbadas
durante o sono, notei que era ela quem levava caras para abusar da

sobrinha.

Revelei a Hades as coisas abomináveis que descobri.

― Porra! ― praguejou com uma fúria homicida. ― Vai atrás

deles?

― Sim.

Peguei o celular e liguei para Hacker.

― Chefe ― falou ele ao atender.

― Puxou a ficha de Ella desde quando? ― Fui direto ao

ponto.

― Desde a época da faculdade. Não pesquisei antes porque

achei que não precisasse, afinal sabemos que ela é irmã de Lyn e o
que aconteceu com eles. Por quê?

― Puxe tudo desde que foi enviada à tia dela. Não deixe
nada de fora. E, Hacker? Isso é para ontem. ― Apertei a mandíbula,

respirando de modo irregular.

― Sempre é ― murmurou. ― É pra já, chefe.


― Pode me ajudar com isso? ― questionei ao Hades, que
estava calado ao meu lado.

― Sim, mas acho que terá um problema maior com que lidar

antes. Soube por fontes internas que Lyn está na cidade e não vou
estranhar nem um pouco se, a qualquer momento, ele aparecer

aqui.

Era só o que me faltava! Não bastasse o que eu tinha

acabado de descobrir... Como teria sido tão mais simples se eu só


tivesse aceitado os avanços de Ella. Agora estaríamos fodendo...
No entanto, de que teria adiantado ter um momento fugaz de prazer

e ser o objeto do asco e da decepção dela depois? Finalmente eu


entendi por que ela nunca havia se realizado sexualmente. Daria
tudo de mim para ajudá-la a superar o medo e o nojo, mas, para

isso, precisava sobreviver à ira do irmão dela.

Meu telefone tocou novamente. Nem percebi que tinha


desligado o telefonema com Hacker.

― O que descobriu?

― Que você tem segundos para fazer seu segurança me

deixar subir antes que o sangue dele dê um toque novo ao ambiente


― sibilou uma voz vazia e letal.
Maldição!

― Lyn. ― Fiquei de pé, passando uma das mãos no rosto em

um gesto frustrado. ― Passe para ele.

― Senhor?

― Deixe-o subir.

Desliguei e fiquei à espera de um dos homens mais mortais


que já havia conhecido, alguém que eu gostaria que trabalhasse

comigo e que agora talvez estivesse subindo com a intenção de me


matar. Não obstante, caso eu descobrisse que ele sabia do que
tinha acontecido com a irmã e não havia feito nada para vingá-la, o

único sangue a ser derramado seria o dele.


El Diablo
O homem entrou na sala, ocupando o ambiente com sua aura

assassina, embora tanto eu como Hades não estivéssemos muito


atrás nesse quesito.

Lyn se parecia com a irmã nos traços, nos cabelos

castanhos. Só diferiam na cor dos olhos. Os dela eram violeta, e os

dele, negros como a sua alma e a minha.

Encarou o lugar e depois fitou Ella desacordada, então

caminhou até mim com passos duros. Preparei-me para a luta, mas

ele parou em minha frente com os olhos escuros chamuscados por


um ardente fogo sombrio. Fúria se destacava em sua expressão.

O Fantasma, alcunha pela qual Lyn era conhecido, estralou


seu pescoço como se estivesse preparando-se para lutar.

― Tem um minuto para me dizer que porra aconteceu aqui,

ou juro que logo esses seus olhos mortos vão estar realmente

mortos ― sibilou na minha cara.

Eu poderia revidar, mas, se fosse ao contrário e uma irmã

minha estivesse desmaiada naquele sofá, reagiria da mesma forma,

por isso relevei.


― Antes me diga algo. Você sabia que a puta da sua tia
deixava que homens tocassem em Ella? ― Minha voz estava

tomada por uma cólera viva só em imaginar essa porra.

Seu corpo não mostrou reação, nem seus olhos vazios

piscaram, mas havia uma ira neles capaz de incendiar uma maldita

cidade inteira.

― Com “tocar” você quer dizer...

― Sim, justamente o que está pensando. Não sei direito

como acontecia, ela surtou agora há pouco e, durante a

inconsciência... revelou algumas coisas. Pelo que consegui

entender, a sua tia a entregava a homens para que se divertissem

com ela. ― Apertei meus punhos, então meu telefone tocou. ―


Hacker, espero que tenha a informação que preciso.

― Sim e não ― respondeu, fazendo-me trincar os dentes.

― Que porra isso significa?! Vá direto ao ponto! ― Estava

muito puto para conseguir manter o controle e não gritar. Coloquei

no viva-voz, assim não precisaria repetir as informações que Hacker

havia conseguido.

― Certo, não precisa se alterar ― pediu o garoto e suspirou.

― Depois que Lyn foi preso, a menina foi enviada para a tia deles.
O mais estranho é que, no espaço de tempo entre os 10 e os 12

anos dela, não há nada, nenhum registro. Ou tudo foi apagado, ou


ninguém se preocupou em detalhar. O mais provável é que seja a

segunda alternativa.

― Aos 12 anos dela foi quando Stefano mandou que alguém

a vigiasse, afinal eu ainda estava preso. Depois que ele foi


resgatado pelos irmãos, cuidou dela para mim. Assim que fui
libertado, anos mais tarde, coloquei alguém para resguardá-la

também. Nunca ouvi qualquer relato sobre isso. ― A sua voz soou
baixa e letal como veneno.

O pai de Stefano Morelli, capo da máfia Destruttore na época,


enviou o próprio filho para uma arena Prometheus, chamada então

de Arena da Morte. Foi lá que Lyn e Stefano se tornaram amigos.


Alessandro e Rafaelle, irmãos de Stefano, resgataram-no, mas Lyn
já tinha sido levado para um lugar desconhecido, e por anos Stefano

achou que o amigo estivesse morto.

― Será que sua tia ou os homens que iam lá desconfiaram?


― sugeri.

― Ella deve ter as respostas que faltam. Só ela pode


preencher as lacunas, mas tenho de continuar procurando nesse
buraco negro. Se for algo que conste em qualquer banco de dados,

posso descobrir facilmente; do contrário, teremos que buscar


pessoalmente as respostas... Tracker poder ir.

Tracker era um rastreador excelente. Se alguém podia achar


algo, era ele.

― Não tinha nada do tipo registrado pela psicóloga que Ella


frequentava até dois anos atrás? ― indaguei a Hacker.

― Dei o relatório para você ler. Não o fez?

― Só li o que importava para mim no momento. Há algo lá


que leve a algum nome?

― Não, ela não falou sobre essa época com a terapeuta.

― Você andou investigando minha irmã? ― Lyn me fuzilou.

Ignorei seu comentário.

― Onde está a puta da sua tia? ― Eu não gostava de xingar

mulheres, mas existiam algumas que eram iguais ou até piores que
monstros como nós. Eu mesmo jamais faria algo do tipo que ela fez,
ainda mais com alguém de seu próprio sangue.

― Morta. Morreu em um acidente há alguns anos ―


respondeu Lyn com os olhos em fendas.
― Talvez não tenha sido um acidente, mas alguém que quis
manter a sua boca fechada ― comentou Hades, falando pela
primeira vez desde a entrada de Lyn na sala. ― Pode ter

chantageado alguém que perderia muito caso soubessem o que era


feito com uma menina tão jovem. Isso acontece muito.

― Faz sentido. Mas então por que nenhum se aproximou de


Ella? ― Eu precisava de respostas.

― Talvez não soubessem onde ela estava ou temessem


quem a vigiava ― interveio Hades.

― São muitas perguntas sem resposta. Temos que descobrir

quantos estão envolvidos, os nomes e o que fazem ― declarei com


ar assassino.

― E depois? ― incitou Hades.

― Depois? Ah, vou mostrar a todos que o inferno existe e


que é aqui, na Terra, quando irão implorar por misericórdia sem que

ninguém os ouça. ― Estava ansioso por isso.

A cabeça de Lyn girou em minha direção. Quando entrou na

sala, ele havia comentado algo sobre os meus olhos mortos; pois
bem, os dele eram piores.
― E então pergunto: o que faz com minha irmã? ― Foi até
Ella e se sentou ao lado de sua cabeça, tocando-a de leve.

― Você sabia sobre a minha vigilância, não tem como não ter
sabido. Então, se não veio atrás de mim antes, por que agora? ―
sondei. Estava curioso quanto a isso havia muito tempo.

Deu de ombros.

― Achava que o alvo de sua sentinela era apenas o seu

irmão, mas então vi a forma como você olhou para ela naquela
ONG. Teria vindo antes, durante as últimas semanas, mas as coisas

estão complicadas. ― Havia dor em sua voz.

Lyn estava tentando resgatar mais garotos de outros

cativeiros da Prometheus, crianças que tiveram o mesmo destino

que ele. O trabalho que ele fazia era magnífico.

― Não vou machucá-la ― pronunciei.

Arqueou as sobrancelhas.

― Sei o que aconteceu com você e o que perdeu...

― Não ouse! ― rosnei, dando um passo até ele.

Meneou a cabeça de lado e não se afastou um centímetro,

não revelando qualquer receio. Maldito fosse! Eu não queria falar


daquilo, preferia evitar tornar a sentir dor, que se amenizava com a

presença de Ella em minha vida.

― El Diablo, você nem contou a ela quem é realmente. Então


me diga quais são as suas intenções com a minha irmã. Se acha

que vou deixá-lo se aproximar dela só para...

― Cale a maldita boca! ― sibilei. ― Com Ella é diferente,

não é só sexual.

Assentiu com a expressão indecifrável. O idiota era

impossível de ler quando queria manter seus pensamentos para si

mesmo.

― Está disposto a amá-la como ela merece?

Ao ouvir suas palavras, a sensação foi como receber um

soco em meu peito. Para muitos, elas podiam ser simples, mas,

para mim... Eu estava disposto a fazer aquilo? Prometi que nunca


amaria mais ninguém. No começo, pensei que pudesse dar algo de

mim a Ella, mas e agora?

Eu disse a Lyn que o que sentia por ela era mais que sexo, e

no fundo era, mas era amor? Não sabia se seria capaz de enfrentar

aquilo de novo... amar para depois perder...


― Minha irmã merece mais, você sabe disso, ainda mais

depois do que aconteceu. ― Seu tom não era acusatório;

simplesmente dizia a verdade. ― Se não puder mantê-la em


primeiro lugar aí ― indicou meu peito ―, sugiro que fique longe

dela.

Dei um passo atrás e me escorei na parede.

Ele continuou:

― Pode parecer cruel da minha parte dizer isso, mas é a


verdade.

Eu não podia reclamar ou retrucar, pois Lyn estava certo. Ella


merecia mais do que receber migalhas de mim ou de qualquer outra

pessoa. Mas então por que eu sentia que faltava uma parte de mim

ao pensar em me manter afastado dela?

― Não estou pedindo para deixá-la para sempre. Só pense

seriamente no que pode dar a ela. Se você a quiser de verdade, não

vou me opor. ― Por sua voz e olhar, ele estava sendo sincero. ―
Não posso dizer que sei o que se passou com você, porque suas

dores são apenas suas. Ninguém que não sofreu perdas

semelhantes pode se colocar no seu lugar. Só não posso deixar que


machuque Ella, ou pior, que a quebre mais do que ela já foi

quebrada.

Eu também não queria isso. Não era justo me aproximar dela

enquanto estivesse com dúvidas, por isso concordei que o melhor


era ficar longe da menina até ter certeza dos meus sentimentos.

Meu peito doeria ao deixá-la, mas o que mais eu podia fazer? Não

era só dos meus sentimentos confusos que eu devia protegê-la,


mas também de quem eu era.

Se eu me afastasse agora, ela não sofreria tanto, mas, se


continuasse ao seu lado, ela se apaixonasse por mim e eu não

pudesse corresponder aos seus sentimentos, tudo ficaria pior. Eu...

Merda! Eu me sentia perdido.

Caso Ella não tivesse passado pelo que passou, talvez

noitadas de sexo fossem boas para nós dois, e quem sabe o que
aconteceria depois? No entanto, naquela conjuntura, eu não estava

disposto a arriscar, não quando Ella poderia sair machucada.

― Vou me afastar dela, mas não posso dizer que ficarei

longe; ela só não me verá. ― Assim era melhor, embora não fosse

nada fácil.
― É o certo. Assim ela talvez possa seguir sua vida com

alguém que realmente a coloque em primeiro lugar em sua vida e

coração. ― Suspirou e olhou para o lado ao ouvir um telefone tocar.

Mexeu na bolsa da irmã e pegou um celular. Não pareceu notar que


suas palavras acertaram meu peito em cheio como uma navalha.

― Está pegando pesado ― rosnou Hades.

Lyn olhou para ele, depois se voltou para mim.

― Vai por mim, ouvir isso foi bom. Se dói em você pensar

nela em um relacionamento com outro, é porque já está gostando


dela. Só me faça um favor: deixe que esse sentimento cresça antes

de tornar a se aproximar de minha irmã. ― Deu um sorriso, embora

fosse mais parecido com uma careta. ― Gostaria de ter você como
cunhado. Garanto que protegeria Ella com sua vida se fosse

preciso. Como vivo longe, é bom que ela tenha alguém assim.

Eu não precisava ser cunhado dele para protegê-la. Faria

aquilo de qualquer jeito. Ninguém iria machucá-la novamente, nem

eu mesmo.

― É seu irmão. Vai atender? ― Estendeu o telefone, que

tocava sem parar.


― Atenda e diga que Ella está tomando banho ou alguma

merda assim. Diga que ela me encontrou e que amanhã vai falar
com eles. ― Olhei ao redor procurando algo forte para beber, mas

lembrei que tinha quebrado a garrafa.

― Que ela encontrou você? Então veio aqui para vê-lo. ―

Não esperou uma resposta e logo atendeu a chamada. ― Oi. Ella

não pode atender agora... ― Sua expressão se fechou e seus


punhos se cerraram. ― Não gosto de ouvir ameaças...

Maldição! Pela forma como ele olhava o telefone, desejava


esganar meu irmão. Peguei o aparelho, resolvendo acabar logo com

aquilo. Não queria que ele irritasse Lyn ainda mais.

― Lance...

― Christian, o que está acontecendo? Quem atendeu o

telefone? Onde está Ella? Ela está bem? ― perguntou Natiele. Sua

preocupação com ela era muito perceptível.

― Está no viva-voz ― ouvi a voz de meu irmão. ― Naty está

preocupada com Ella.

― Ella está bem. Vou levá-la para casa. Amanhã ela liga.

Acho que bebeu demais. ― Quatro taças de champanhe. Mesmo se


eu não tivesse descoberto o que havia acontecido com ela, não a
teria tocado enquanto estivesse alcoolizada.

― Bebeu? Mas ela não bebe, só quando fica presa em seu

passado fodido... ― ouvi o resmungo de Naty.

― Sabe o que aconteceu com ela? ― sondei. Talvez eles

tivessem ao menos alguns dos nomes que eu precisava.

― Não, mas suspeitamos. Há demônios demais em seus

olhos. Seus gritos à noite são torturantes. Por isso sua casa é um

tanto longe de outras ― respondeu Lance.

― Antes de fazer qualquer coisa com ela, pense bem; Ella já

sofreu muito ― Naty pediu.

― Como mamãe sempre disse, ninguém pode burlar o

destino. Se o de vocês for ficarem juntos, vai acontecer mais cedo

ou mais tarde.

― Lance...

― É bom ouvir sua voz. Sinto demais a sua falta. ―


Pigarreou, e minha garganta se fechou.

― Eu... ― Meus punhos se cerraram ao pensar na sua dor,


causada por minha covardia.
― Amo você, irmão. Não importa quanto tempo passe,
esperarei por você. ― Desligou antes que eu pudesse recuperar a
fala.

Meu peito já estava abalado por ter de ficar longe de Ella;


ouvir a dor e a esperança na voz de Lance terminou de me matar.

No começo, fiquei longe dele pelo medo de meus inimigos


tentarem me atingir através de minha família. Depois, quando ele

teve filhos, a visão das crianças me fazia lembrar o que fora tirado
de mim, e eu não queria que ele visse em meus olhos a dor que sua
felicidade me causava. Isso me roubou muito tempo com ele, tempo

que não voltaria mais.

― Está tudo bem? ― inquiriu Hades.

Tentei recuperar a compostura, mesmo que meus

sentimentos estivessem à flor da pele.

― Sim. Vou levar Ella embora. ― Fui até o sofá e a peguei

em meus braços. Virei-me para Lyn. ― Por que não lhe diz quem é?
Não é bom deixá-la no escuro.

Ele suspirou.

― Eu soube que ela esteve me procurando, mas não achou

nada. Os infelizes esconderam seus rastros muito bem; eu os


encontrei, no entanto. E não queria que fossem presos. O destino
deles foi muito pior. ― Seu olhar estava distante. ― Hades
prometeu ajudá-la a descobrir meu paradeiro. Sei que não posso

enrolar muito mais, só preciso de tempo. Tenho inimigos em todos


os lugares agora. Se alguém souber que ela é minha irmã...

Eu entendia o que ele queria dizer. Muitos poderiam vir à


procura dela. Também tinha muitos inimigos.

― Não espere demais, não poderei segurar a informação por


muito tempo ― disse Hades. ― Ela sofre por não saber de você.

― É melhor ela sofrer a ser morta ou vítima de coisa pior. ―

Estremeceu. ― Só mais alguns meses, aí tudo terá acabado.

― Acha mesmo que vai conseguir resgatar todos os garotos

de Prometheus em poucos meses? ― Eu duvidava. Aquilo era


como o mercado negro de prostituição infantil, não tinha fim.

― Não, mas pretendo matar meu inimigo, o chefe da


organização. Depois me viro com o resto.

Marek Kudela, o chefe da máfia situada em Praga, na


República Tcheca. O irmão dele, Borek, foi quem salvou Lyn do
cativeiro. Os irmãos se desentenderam havia alguns anos, pois

Borek não era a favor do que Marek fazia, o que ocasionou sua
morte. Por isso Lyn queria matar Marek, por ter eliminado seu
mentor e salvador e por prejudicar tantas crianças e adolescentes.

Despedi-me dele e de Hades e fui embora com Ella em meus


braços. Depois resolveria meus problemas. Por ora, ficaria ao seu

lado, só enquanto ela estivesse inconsciente. Não seria a primeira


vez; na maioria das noites, velava de perto o seu sono, afinal não
conseguia dormir direito em razão dos meus próprios demônios.

Duas pessoas atormentadas... Poderíamos ser felizes algum


dia? Eu desejava isso com todo o meu ser.

Um dia eu já havia acreditado em destino, como o meu irmão.

Em algum momento poderia voltar a crer?

Olhei para a mulher apagada na cama, tão pacífica, com os

seus demônios por ora adormecidos. Serei eu capaz de tirá-los


dela? Mesmo matando os vermes que a quebraram, o que faria tão

logo descobrisse quem eram, seria tarde demais para salvá-la de


sua mente?

Porra, eram tantas perguntas, e eu não tinha resposta para

nenhuma delas. Se ainda tivesse fé em um poder superior, diria


“sim” a todas, mas ela morreu junto à minha família. A única fé que
permaneceu foi aquela em mim mesmo. E não sabia se um dia isso

mudaria.

Deitei-me na cama ao lado de Ella, segurando sua mão com

uma das minhas e esquadrinhando seu rosto lindo com a outra.

― Vou fazer todos sangrarem um por um por terem tocado

em você ― jurei e beijei sua testa. ― Ninguém nunca mais irá


machucá-la assim de novo.

Eu morreria antes de quebrar essa promessa, e, se alguém


tentasse prejudicá-la, destroçaria o infeliz depois de fazê-lo sofrer

por muitos e muitos dias.

― Tenha sonhos lindos, pequeno Rouxinol. ― Inspirei seu

cheiro, fechando os olhos e saboreando a sensação mais


maravilhosa do mundo.
Ella

Acordei com um toque de celular, então me lembrei de repente


do que tinha acontecido. Eu e Christian estávamos falando dos

motivos que me levavam a querer sexo com ele. Quando me abri

um pouco achando que facilitaria... tudo foi pelos ares. Ele


descobriu o que fizeram comigo. E agora eu estava... em minha

casa, aparentemente sozinha, pelo silêncio. O meu passado o teria

afastado de mim?
Observei minuciosamente o meu quarto. Era simples, mas eu

gostava do lugar. Apenas não me lembrava de como tinha vindo


parar nele.

Recordava-me de ter começado a entrar em pânico ante o

assalto das pavorosas lembranças, depois... mais nada. Só tinha

uma explicação: eu devia ter desmaiado, e ou Christian ou Lance


me trouxeram para casa. No entanto, duvidava que Christian me

levaria ao irmão. Era mais provável que ele mesmo tivesse me

trazido.

O telefone tocava sem parar, então peguei-o sobre a mesinha


de cabeceira e o atendi sem olhar a tela.

― Alô?

Pela claridade que entrava pela janela, já era dia. Eu devia ter

dormido a noite inteira, mas, a julgar pelo latejar nas têmporas,

estava de ressaca.

― Ella? Como você está? ― Era Natiele, e parecia ansiosa.

― Estou bem. Por quê? ― Sentei-me na cama, sentindo-me

um lixo.

Fazia muito tempo que eu não colocava uma só gota de álcool

na boca. Repudiava o cheiro de bebidas alcóolicas, mas foi


necessário beber alguma coisa, pois precisava de coragem para
tentar alcançar meu objetivo. Olhando para o meu corpo, ainda

inteiramente vestido, não tive êxito.

Queria que Naty me contasse alguma coisa, afinal eu não tinha

ideia do que ela sabia ou não e temia dizer algo em desfavor de

Christian. Algo podia ter acontecido, para ele ter ido embora sem se

despedir.

― Me conte o que aconteceu ontem. Liguei para o seu celular,

então um desconhecido atendeu, o que nos deixou loucos, mas logo


Christian nos tranquilizou dizendo que você tinha bebido um pouco

e que ele a havia levado para casa. Por que bebeu? Você não é

assim.

Merda, eu não queria preocupá-los. O que eu diria a ela?

Minha amiga pensava que o que me perturbava era o que o meu pai

quase me fez e o fato de eu ter presenciado a morte de minha mãe.

Se fosse apenas isso, eu bem poderia ter me recuperado. Mas a

porcaria era mil vezes pior. Eu era uma covarde por não revelar a

verdade. Não lhes contei tudo para não os preocupar e vê-los


sofrendo por algo que não tinha como ser alterado.
― Eu sei, mas minha cabeça não estava em um bom lugar

ontem. Agora estou bem. ― Esforcei-me para não transparecer o


quanto estava fodida.

Ela ficou em silêncio. Devia estar ponderando minhas


palavras. Senti-me uma amiga terrível por não me abrir. Aquela

coisa entalada em minha garganta acabava comigo.

― O que rolou entre vocês? ― sondou por fim.

― Nada ainda, só conversamos. ― Não era bem uma mentira,

afinal conversamos até eu surtar.

Ele teria cuidado de mim durante a noite? Por que não havia

ficado e esperado que eu acordasse? Precisava voltar a falar com


ele, mas como, se não tinha o seu número de telefone? Só sabia o
endereço de uma de suas boates, e naquela hora do dia, o mais

provável era que não o encontrasse lá.

Não sabia o que pensar agora, nem se ele continuaria a me

querer depois de saber a verdade sobre mim. Talvez pensasse que


eu tinha muita bagagem.

Inspirei fundo, tentando me controlar.

― Ella...
― Desculpe, tem gente na porta ― menti. ― Posso te ligar

depois?

― Tudo bem, amiga. Saiba que te amo, ok?

― Também te amo. ― De repente, uma ideia me ocorreu. ―


Escuta: você e Lance têm o número de Christian? Acordei, e ele

tinha ido embora. Deixou um recado, mas sem número.

― Espera, tenho anotado aqui em algum lugar. ― Ouvi o som


de folhas de papel sendo vasculhadas. ― Não o registrei na agenda

a pedido dele, que nos deu antes de sumir, avisando que só


devíamos ligar se houvesse uma emergência. Faz tantos anos que

nem sei se ele continua com o número... Achei! Anota aí.

Após anotar, despedi-me e desliguei, respirando fundo até me


controlar, pois estava ansiosa. Então telefonei para ele.

― Alô? ― atendeu uma voz feminina. Por um segundo, pensei


que Naty tinha razão e que o número não pertencia mais a ele ou

que eu havia anotado errado.

― Queria falar com Christian. É o telefone dele? ― arrisquei,

tentando não fazer suposições.

― Sim. Ele está dormindo. Deseja deixar recado? Embora não

seja um bom momento, se é que me entende. Passamos a noite


toda fodendo. ― A voz dela era tão sensual.

Pisquei aturdida ao desligar, sentindo uma pontada no peito.


Na noite anterior, quando eu o tinha chamado para transar, colocou

um monte de obstáculos, até eu apagar. O infeliz havia me deixado


sozinha para foder outra? Desgraçado!

Eu estava puta da vida! Como ele pôde fazer aquilo? Era


verdade que não havia nada entre nós, mas não lhe custaria ter me

ajudado, o que só provava que eu devia ter falado algo durante o


meu surto que o fizera fugir.

Meu telefone tocou, e, por um segundo, achei que fosse ele

para dizer que não passava de um engano, que aquela mulher tinha
mentido. Entretanto, não era o seu número.

― Kelde? ― Franzi a testa ao ler o nome dele na tela. ― Tem


algo para mim? ― Fui direto ao ponto ao atender. Era um policial da
Dinamarca que estava me ajudando no caso do desaparecimento

do meu irmão. ― Por favor, diga que tem, ou vou surtar. Não
aguento mais essa angústia.

Por favor, que seja uma boa notícia!, supliquei em


pensamento. A esperança me matava aos poucos. Se ele se dignou

a me ligar, era porque tinha descoberto alguma coisa.


O tira suspirou.

― Sim. Você pode viajar para cá o quanto antes? O que tenho

a dizer é melhor ser dito pessoalmente. ― Ele parecia nervoso.

― Vou ver o que consigo fazer aqui, mas a notícia é boa? Não
posso atravessar o oceano só para ouvir algo que poderia muito

bem ser dito por telefone. ― Não conseguia esconder minha

ansiedade. Eu não suportaria passar horas intermináveis em um


avião e, ao chegar lá, descobrir que Kasper estava morto.

― Sim, não vai se arrepender. Só não posso dizer por esse

canal.

― Graças a Deus!

― Me ligue quando estiver pousando. E venha preparada,


porque preciso que veja algo. A coisa é barra-pesada, então pense

bem se deseja isso ou não. ― Pelo seu tom, incentivava-me a

desistir.

― Barra-pesada do tipo perigosa?

― Sim. Mas, se não...

Cortei-o.
― Obrigada. Estarei aí o mais breve possível. Pelo meu irmão,

irei ao inferno se for preciso. ― Estava com receio do que


encontraria, mas não era maior do que o medo de nunca conseguir

encontrá-lo.

― Esperamos não chegar a tanto ― murmurou. ― Não sei se

seu irmão está no lugar que descobri, mas há muitas crianças lá...

Merda, o que fazem com elas me deixa enojado.

Queria perguntar sobre o que ele estava falando, mas desligou

antes.

Não tardei a comprar uma passagem para a Dinamarca, após


ligar para o meu trabalho pedindo uns dias de folga. Como eu

trabalhava demais, eles me deviam muitas horas extras. Também

liguei para Naty e Lance – que, além de meu amigo, era um colega
de trabalho – informando que iria viajar, assim eles não ficariam

preocupados.

Arrumei uma mala de mão, chamei um Uber e me dirigi ao

aeroporto.

Aquela viagem tinha vindo em uma boa hora. Com tanta coisa

em minha cabeça, não pensaria em Christian nem no que ele fez.

Nem devia me importar tanto... Mas bem que ele poderia ter ficado
comigo naquela noite. Esperava mais dele. Mais do que com raiva,

eu estava desapontada.
Ella

Embora detestasse bebidas alcóolicas, enquanto esperava o

voo precisei tomar alguns drinques para tentar relaxar. Temia voar,
especialmente sobre o mar, por isso não viajava muito e, quando o

fazia, não importava a distância, ia de carro.

É uma pena que não dê para ir de Lincoln até a Dinamarca de

carro... E de navio demoraria horrores, pensei, chateada.

Após o embarque, guardei minha bagagem de mão e me

sentei na poltrona indicada no cartão. Seria uma longa viagem,


quase 15 horas ao todo, pelo menos metade desse tempo

sobrevoando o oceano... Para não pensar mais nisso, enquanto


esperava a decolagem, peguei meu celular para apagar o número

de Christian, mas não consegui. Então resolvi editar o contato,

trocando o nome dele para “Bastardo”.

Pedi uma bebida à comissária de bordo para tentar relaxar,


ainda que já me sentisse meio alterada pelos drinques de antes e

que não gostasse de beber. Na verdade, o que me incomodava em

bebidas alcóolicas não era nem tanto o sabor e o cheiro, e sim as


péssimas lembranças que elas me traziam. Eu poderia ter tomado

um calmante em vez dos drinques, mas não queria apagar e morrer

dormindo caso o avião caísse.

Um rapaz se sentou ao meu lado. Usava roupas de cowboy e

chapéu. Seu corpo era musculoso, mas não como um lutador, e sim

na medida certa.

Uau... Acho que me dei bem. Quem dera que esse

pensamento se enraizasse em meu cérebro para que eu me

sentisse atraída por ele...

― O que disse, princesa? ― Seu sorriso era encantador e me


deixou de boca aberta.
Nem percebi que tinha expressado o que estava pensando em
voz alta. A bebida devia estar fazendo efeito. Quando eu bebia,

falava pelos cotovelos, bem como quando estava nervosa.

― Nada, eu não disse nada...

O homem ia pensar que eu era uma idiota.

― Então, o que vai fazer na Dinamarca? ― sondou ele, como


se quisesse iniciar uma conversa.

Encarei-o, tomando mais alguns goles de uísque.

― O que pensa em fazer se eu contar? Talvez seja aquele tipo

de homem que rapta mulheres ― brinquei. Mas e se fosse verdade?

Não, não era hora para paranoias.

Ele riu.

― Em um avião de passageiros? Essa é boa! ― Ele parecia

divertido e era lindo, no entanto por que eu não parava de pensar

em Christian e no que ele tinha feito na noite anterior? Isso apenas

azedava o meu humor.

― Não assiste a filmes de ação? O sequestrador abre o


compartimento de carga, pula de paraquedas com o seu alvo e

pousa em algum lugar, de onde ela será levada e nunca mais será
encontrada. Assisti a um filme assim uns dias atrás. ― Eu devia me

calar. Afinal, havia acabado de dizer a um estranho como sequestrar


alguém. E se ele fosse um homicida? ― Você não é assassino, é?

Os olhos ficaram tão grandes como os de uma coruja.

― O quê? ― Parecia ter sido pego de surpresa.

― Não vai querer me matar ou me sequestrar, não é? Saiba

que não tenho dinheiro para um resgate, mas posso colocar sua
bunda na cadeia e deixá-la mofando lá dentro.

― Não sou nenhum assassino em série. ― Sorriu. ― Então é


policial?

― Não, mas minha função é tão boa quanto ― respondi


orgulhosa. ― Advogada.

O homem era muito charmoso com aquelas roupas e a


vibração que emanava dele.

― Se eu o convidasse para transarmos, você aceitaria? ―

perguntei curiosa, afinal ele era um homem. Queria entender se


havia algo de errado comigo, além de minha frigidez, claro.

Sua expressão divertida sumiu, mas ele sorriu de leve. De


certo modo, parecia forçado.
― Seria um louco se recusasse. ― Era nervosismo o que eu

ouvia em sua voz?

Dei um suspiro.

― Então, propus isso a um cara. ― Encolhi os ombros. ― Ele


é o único com quem sinto vontade, sabe? ― Minha voz soou meia

grogue e arrastada. ― Que me faz quase entrar em combustão.

Ele suspirou. Era impressão minha, ou parecia de alívio? Acho


que estou bêbada...

― É um cara de sorte...

― Sorte o cacete! É um bastardo infeliz! ― rosnei. ― Não me

quis e, ainda por cima, foi embora e transou com outra a noite
todaaaa... Pode imaginar isso? ― Virei-me para ele, pedindo: ―

Olhe para mim. ― Mas nem precisava, pois já estava me


observando. ― Tenho algum defeito para ele ter me rejeitado e ido
atrás de outra?

Sacudiu a cabeça.

― Acho que já bebeu demais.

Tentou pegar a taça da minha mão, mas não permiti,


terminando o resto.
― O que faria se algo assim acontecesse com você? ― Ainda
bem que aquele sujeito apareceu para me fazer companhia, ou eu
teria ficado meio alucinada ali, sem ter com quem falar.

Ele deu um suspiro e levou a mão à nuca, parecendo nervoso.

― Não sei, mas para tudo tem uma explicação. Tem certeza

de que esse cara ficou com outra? Acho que só um louco faria algo
assim.

Franzi a testa.

― Uma mulher atendeu seu telefone toda melosa e falou que


ele estava dormindo após eles... ― abaixei a voz em um cochicho

bêbado ― terem fodido a noite inteira.

Ele soltou uma maldição e digitou alguma coisa no celular.

Enquanto estava entretido, aproximei-me dele, que se afastou de


mim como se estivesse com medo. Eu não sabia do quê. Não faria
nada...

― O que está fazendo? ― Sua voz soou grave e ansiosa. ―


Devia se afastar.

― Checando se você também é capaz de me causar uma


combustão... ― respondi, pegando sua camisa e o puxando para

mim até nossos rostos quase se tocarem. Sua face tinha uma
pequena barba aparada e os olhos eram claros, cor de mel, a boca
era sexy. Mas então por que eu não sentia a porra do calor?! Onde
estava aquela fagulha que se apossava de corpo inteiro quando

estava perto do Christian?! Eu não sentia nada, era como se uma


mulher se sentasse ao meu lado.

― Senhorita...

Pisquei, recuperando um pouco a razão e o soltei,


endireitando-me.

― Maldição, por que não sinto nada por você? Nenhuma

chama... ― Uma lágrima escorreu por meu rosto, e a enxuguei em

um gesto frustrado e irritado.

― Merda, não chore. Talvez porque eu não seja a pessoa

certa para você.

Não queria me sentir menos por Christian optar por outra que

não eu, mas me sentia.

Foi quando uma ideia atravessou minha cabeça, e sorri

abertamente. Queria que Christian sentisse o que senti. Ele não


tinha gostado de ver o irmão e Hades me abraçando, então não

gostaria do que eu estava prestes a fazer.


― Não estou gostando desse sorriso. ― O Cowboy olhou de

lado.

Ignorei-o e peguei meu celular, acessando seu contato e lhe


enviando uma mensagem.

De Ella para Bastardo: “Você não me quis, por isso perdeu


sua chance”.

Virei meu telefone para o Cowboy e tirei uma foto dele. Não
sabia seu nome, mas aquele apelido combinava com o modo como

se vestia.

― O que está fazendo? Não pode enviar isso... ― Tentou

pegar meu celular, mas não deixei.

― Ops! ― Sorri travessa. ― Já foi.

De Bastardo para Ella: “Que porra é essa?!”

― Oh, ele está bravo? ― Sacudi a cabeça. ― Que cara de


pau.

De Ella para Bastardo: “Viu esse gostosooo? Vamos fazer


sexo na cabine do avião. Ele vai me fazer gozar a noiteeeee

todaaaaa.”
― Toma essaaa... ― Estava teclando com mais força do que

era preciso, tanto que algumas palavras saíram erradas, mas não

liguei.

― Sou um homem morto... ― pensei ter ouvido Cowboy dizer,

mas estava concentrada na fúria do outro homem.

De Bastardo para Ella: “Se alguém a tocar, eu o mato!”

Fiz uma careta. Quem aquele infeliz pensava que era para me

fazer ameaças?

De Ella para Bastardo: “Você me deixou sozinha em casa,

não me quis e foi foder outra, seu filho da puta! Não quero mais falar
com você! Foda-se!”

Enviei outra antes que ele pudesse responder.

De Ella para Bastardo: “Saiba que vou ter uma noite de sexo

muito quente...”

O telefone sumiu da minha mão assim que a mensagem foi

enviada. Fuzilei Cowboy.

― Devolva meu celular...

― Não, até você se acalmar. Mandou minha foto a um homem

sem minha permissão e me usou para feri-lo. Isso não está certo ―
repreendeu-me como se eu fosse uma criança.

― Desculpe por enviar sua foto e te usar, não foi certo, mas

não peço desculpas por querer que ele veja. O idiota merece. ―

Pousei a cabeça na poltrona, sentindo-me exausta.

Contudo, o avião começou a taxiar, e me endireitei. Assim que

a decolagem iniciou, segurei na poltrona com um aperto firme,


fechando os olhos com força.

― Respire, mulher ― pediu o Cowboy.

Fiz o que pediu, tentando normalizar a respiração, e consegui


um pouco quando o avião se endireitou no céu.

― Devia dormir...

― Não consigo, o avião pode cair. ― Ajeitei-me na poltrona,


alerta, a ansiedade a mil.

Sempre que eu viajava era com Naty ou Lance, e, de alguma


forma, eu apagava. Talvez fosse por confiar neles, sabia que

estavam ao meu lado. Todavia, não confiava em ninguém ali... e não

partiria para qualquer tipo de sedação. Odiava ficar dopada com

remédios, drogas, o que fosse. Isso me trazia lembranças ruins, por


isso nunca tomava aquele tipo de porcaria.
A vaca da minha tia me embebedou a primeira vez que me

vendeu, mas nas demais usava sempre drogas pesadas.

Surpreendia-me não ter me viciado. O nojo possivelmente era o que

tinha me impedido.

Inspirei fundo e lentamente, não querendo rememorar aqueles

momentos dentro de um avião.

― Mãe, o avião vai cair? ― ouvi uma criança perguntar em


algum lugar, seguido pelos murmúrios de alguns passageiros.

― Por favor, senhor, controle sua namorada ― uma


comissária pediu ao Cowboy.

Não a corrigi; estava muito nervosa.

― Não se preocupem, está tudo sob controle. O avião não vai


cair. É apenas uma passageira que bebeu demais ― a mulher

informou.

Bem na hora em que o avião tremeu...

― Oh, meu Deus! ― gritei, apertando com força a mão do


Cowboy e a trazendo junto ao meu peito, segurando-a firmemente,

como se isso fosse me salvar.


Os passageiros se alteraram, temendo que a aeronave caísse.

No entanto, logo ela passou pela turbulência e as sacudidas


pararam.

― Durma ― ordenou Cowboy em tom duro, mas eu podia jurar


que havia um quê de riso em sua voz.

Minhas pálpebras se fecharam involuntariamente em algum


momento.

― Se ele for cair você me acorda? Quero morrer acordada ―

sussurrei através da névoa na minha cabeça.

Tudo ficou silencioso por uns instantes.

― Agora entendo por que ele é tão fascinado por você, Ella. É
uma mulher inesquecível ― pensei ter ouvido antes de cair na

inconsciência.
El Diablo
Passei a noite em claro na casa de Ella velando seu sono. Saí

de lá com o dia amanhecendo antes de ela acordar. Não queria ir,


mas precisava me afastar dela.

Entrei no bunker que eu tinha na cidade, a sede da Deadly

Reapers em Lincoln, onde eu e meus homens nos reuníamos

quando estávamos lá. Havia outras sedes espalhadas por todo o


país.

― Você parece acabado ― apontou Eloah, a irmã mais velha

de Hacker por dois anos.

Era uma morena linda e muito doce, trabalhava comigo desde


que se tornou maior. Eu os conhecia havia alguns anos, quando fui
contratado para matar alguém no Kansas. Estava de tocaia e,

quando chequei um dos apartamentos do prédio, vi quando o infeliz

do pai deles estava prestes a vender Eloah a dois homens. Havia

tanto medo estampado nos rostos dos adolescentes...

Hacker tinha 15 anos, e Eloah, 17. O desgraçado do pai deles

batia em ambos a ponto de quebrar suas costelas. Por isso eu o

matei, bem como aos dois pedófilos doentes, então eliminei meu

alvo e fui embora.


Algumas semanas depois, foi enviado ao meu celular o vídeo
que mostrava claramente o momento em que eliminei o alvo

naquele dia. Não sabia como aquilo podia ser possível, pois eu o

tinha deletado após mostrar ao cliente. Então o garoto se revelou:

havia sido ele. Não só conseguiu recuperar o vídeo; de bônus,

congelou todos os meus negócios. O que ele queria? Trabalhar para

mim. Na hora, ri de sua ousadia. Gostava disso.

Fui ao seu encontro, e ele me explicou que era bom com


computadores e sistemas desde pequeno, por isso me hackeou.

Queria mostrar suas habilidades, além de me agradecer por ter

matado seu pai. Eloah estava junto a ele, ambos com roupas sujas

e rasgadas, sem nenhum tostão. Hacker pediu para ficar comigo e

se ofereceu para cuidar dos meus negócios, prometendo que faria

um bom trabalho.

Por alguma razão que jamais entendi, eu não podia deixá-los

de lado. Levei-os para a minha casa e lhe prometi que, se ele fosse
para a escola e terminasse seus estudos, quando fosse maior e se

ainda quisesse o cargo, seria dele. Quando completou a maioridade,

cerca de um ano atrás, exatamente à meia-noite e um minuto, o

garoto ligou, acordando-me e dizendo que era o mais novo membro

da Deadly Reapers e que eu não iria me livrar dele.


Sacudi a cabeça, expulsando da memória a lembrança do

garoto tenaz.

― Vou dormir um pouco. ― Entreguei meu celular a Eloah. ―

Coloque para carregar para mim. Se alguém ligar e for importante,


me acorde; caso não, dê um jeito de se livrar do incômodo.

― Pode deixar. ― Sorriu, levando o aparelho consigo.

Segui para o meu quarto. Não me lembrava de ter uma boa e


completa noite de sono havia muito tempo. Noites e noites velando

o sono de Ella e mal dormindo durante o dia.

Antes de cair no colchão e apagar, meu último pensamento foi

dirigido a Ella.

Acordei com algumas vozes alteradas não muito longe. Peguei


minha arma, pondo-me de pé pronto, caso alguém tivesse invadido

o lugar, embora não tivesse ideia de como aquilo poderia ter


acontecido, dada a segurança do lugar.

Saí do quarto devagar, prestando atenção às vozes. Podia

estar com sono ainda, mas minha mente estava desperta.


― Mas que porra, Eloah! O chefe não vai ficar feliz com o que

você fez! ― Era Hacker.

Ouvi um suspiro.

― Não foi minha culpa! Achei que ela fosse só mais uma
dessas mulheres que vivem ligando para ele! ― Eloah parecia

nervosa.

Merda! Respirei fundo, não detectando nenhum perigo, o que


era um alívio.

― Qual o motivo dessa gritaria toda? ― rosnei.

Eles pularam e arregalaram os olhos ao ver a arma em minha

mão.

― Achei que estávamos sendo atacados. ― Não era minha

intenção assustá-los. Guardei a arma e olhei para os dois. ―


Então?

― Veja bem, chefe. Lembra que mencionou que, se as


ligações não fossem urgentes, era para eu me livrar delas? ― Eloah
parecia suar frio, sinal de ansiedade.

― Sim. E...? ― incitei-a a continuar.


― Uma mulher ligou perguntando sobre você e se era o seu
telefone, então achei que não fosse importante, afinal, se não
estava em seus contatos, significava que não deu seu número a

ela... Ao menos, foi isso que me pareceu. ― Mordeu o lábio inferior.

Franzi a testa.

― Sua cunhada deu seu número a Ella ― informou Hacker. ―


Vi em suas ligações, afinal o telefone dela está grampeado.

― Ella me ligou? ― Meu peito se apertou, querendo ir para

perto dela. ― Por que não me chamou?

Eloah começou a bater um dos seus pés no chão, outro sinal

de nervosismo.

― Não sabia que era ela, afinal não se apresentou, por isso

me livrei dela como fiz com todas as outras mulheres. ― Roeu uma
das unhas.

A garota me ajudava a afastar as mulheres com quem eu fodia


e ficavam pegajosas, ligando para mim a fim de repetir a dose.
Todas sabiam que era só sexo, eu deixava claro antes de

transarmos, e elas aceitavam a condição.

― O que disse a ela antes de desligar? Como se livrou dela?

― Fui até a bancada e peguei meu celular.


Silêncio. Isso me causou um calafrio. Virei-me para os dois.

― Bem, dei a entender que transamos a noite toda...

Pisquei, escorando-me na bancada, pensando no que Ella


devia estar imaginando.

― Sinto muito, não sabia que era ela. ― Eloah parecia prestes

a chorar.

Respirei fundo para me acalmar e não descontar a ansiedade


em Eloah, afinal não era sua culpa, e sim minha por não ter dado o

número do meu telefone a Ella. Liguei o aparelho e, quando a

internet conectou, as mensagens que eu tinha perdido começaram a


ser baixadas uma atrás da outra.

De Cowboy para El Diablo: “Sua menina está indo para o


aeroporto.”

De Cowboy para El Diablo: “Estamos embarcando para a


Dinamarca.”

Esperando não ser tarde demais, mandei uma mensagem:

De El Diablo para Cowboy: “Não tire os olhos dela. O que

está acontecendo aí? Grave um vídeo e mostre tudo.”

Precisava vê-la nem que fosse por um breve momento.


De Cowboy para El Diablo: “Não posso, estou ao lado dela.

Se eu fizer isso, ela vai desconfiar. Só posso dizer que está bêbada.
Tenho uma microcâmera no meio do chapéu, peça a Hacker para

olhar por ela.”

Bêbada? Porra!

Olhei para o garoto.

― Acesse as imagens em tempo real da microcâmera de


Cowboy para eu ver o que está acontecendo.

Estava muito frustrado. Que porra Ella ia fazer no norte da

Europa? Só então me lembrei de Hades ter dito que Ella estava em

busca do seu irmão. Devia ser por isso que ela estava a caminho de

sua terra natal. De algum modo, ela devia ter tido acesso a uma
pista.

Se algo acontecer a Ella, eu vou matar o infeliz do Lyn, pensei.

― Um momento, chefe ― ele falou enquanto se conectava a

um dos seus computadores.

Fechei meus punhos para evitar socar algo. Notei Arrow e

Flame chegando, mas não lhes dei atenção.

― Aqui ― disse Hacker. ― Mas não temos som, só imagem.


A tela de cinquenta polegadas se iluminou, e a primeira coisa

que vi foi a face de Ella tomando a maior parte dela, sinal de que

estava bem próxima do rosto de Cowboy. Parecia encarar os olhos


dele como se estivesse testando algo enquanto seus lábios se

mexiam como se estivesse falando.

Essa cena acabou comigo. Temia que o pior acontecesse.

― Ele não vai tocar nela ― ouvi alguém dizer, mas parte do
meu peito parecia esmagada.

Ela se afastou após alguns segundos, parecendo frustrada,

então sorriu como um anjo caído sorriria. Digitou algo em seu

telefone e depois o ergueu na altura do rosto de Cowboy. Quase na

mesma hora, uma mensagem chegou ao meu celular.

Pisquei aturdido com suas palavras. Logo abaixo, havia uma

foto de Cowboy.

De El Diablo para Cowboy: “O que ela disse quando estava

com o rosto próximo ao seu? O que queria?

De Cowboy para El Diablo: “Mencionou algo sobre testar se


também sentiria combustão.”

Então ela queria testar se era capaz de sentir por outro homem
o que sentia por mim? Isso me deixou enraivecido, mas não tirava
sua razão, afinal pensava que eu a havia deixado sozinha para ficar

com outra mulher. Ainda assim, não fui capaz de não responder, e
suas próximas mensagens me deixaram puto por sequer imaginar o

que ela falou que faria com Cowboy. Eram claras.

De repente Cowboy tomou o telefone dela. Alguma situação

parecia estar acontecendo, pois era possível ver muitos passageiros

com expressão alarmada, e uma comissária de bordo de pé no


corredor falando algo, como se os acalmasse. O que estava

acontecendo? Era uma droga não poder ouvi-los. Após alguns

minutos, já apreensivo, tranquilizei-me ao vê-la dormindo.

De El Diablo para Cowboy: “Pode telefonar?”

De Cowboy para El Diablo: “É proibido.”

De El Diablo para Cowboy: “Você mata pessoas; não há

nada mais proibido que isso. Dê um jeito de me ligar.”

Não muito tempo depois, meu telefone tocou.

― Ligando do banheiro. Chefe, ela está dormindo agora. Sabia


que morre de medo de avião? Deixou alguns passageiros

incomodados dizendo que o avião poderia cair, mas foi tudo

resolvido. Antes de dormir me pediu para acordá-la caso ele fosse


cair, pois não queria morrer dormindo. ― Riu, depois suspirou. ―
Que merda aconteceu afinal? Ela pensa que você ficou com outra.

Isso mexeu muito com ela. Quem é a mulher que atendeu o seu

telefone e disse isso?

― Eloah. Disse a ela que transamos.

Ele ficou em silêncio de repente.

― Mas não fizemos nada! ― a menina falou alto para ele

ouvir.

Cowboy pareceu soltar a respiração como se a estivesse

prendendo. Havia algo entre aqueles dois, mas não era hora de

checar, eu tinha problemas maiores, e, além disso, ela era maior,

não devia explicações sobre sua vida pessoal a ninguém.

― Cheque as ligações de Ella para tentar descobrir o que ela


vai fazer na Dinamarca ― ordenei.

― Não dá, tem uma espécie de código...

― Isso não é problema para mim. ― Hacker sorriu. ― Sei a

senha dela e grampeei e hackeei seu celular. É “irmãos para


sempre”.

Cowboy ficou em silêncio por uns segundos.


― Desbloqueei. Ela conversou com um tira da cidade em que

nasceu.

― Vou verificar as ligações recentes. ― Hacker teclou alguns

comandos.

Ele puxou as conversas grampeadas. Descartou as primeiras

do dia, com Natiele e Eloah, e abriu o arquivo da seguinte. Após


alguns minutos ouvindo, algo como terror tomou conta de mim.

― Esse policial achou um dos antros da Prometheus e vai

levar Ella direto ao olho do furacão? ― indaguei, sem fôlego e

furioso. ― Filho da puta!

― Parece que sim ― respondeu Arrow. ― O que vamos

fazer?

― Não tire os olhos dela, Cowboy, por nenhum segundo, e em

hipótese alguma a deixe chegar nem sequer perto desse lugar ―


ordenei. ― Estamos indo para aí.

― Sim, chefe. ― Ele desligou.

Olhei para Hacker.

― Prepare o jatinho pra ontem. ― Estava tentando me

controlar, mas era bem difícil. ― Arrow, ligue para Lyn, explique tudo
a ele e diga que precisa ir o quanto antes para lá, e preparado. ―
Precisava acalmar aquela agonia em meu peito.

― Não quer falar com ele? ― sondou Flame.

― Não. Tudo isso é culpa dele, por não ter dito à irmã que
estava vivo ― sibilei. ― Se Ella se machucar, eu vou matar aquele

desgraçado.

― Nada vai acontecer a ela, cara. ― Arrow colocou a mão no

meu ombro em um gesto de apoio.

As situações que Ella poderia enfrentar estavam me deixando

apavorado. Não gostava de me sentir assim. Tinha lutado muito

para não deixar mais ninguém se aproximar a ponto de romper as


barreiras protetoras que ergui após minha tragédia pessoal, mas

devia ter acontecido sem que eu nem percebesse, pois estava me


sentindo sufocado, quase em pânico.

Eu esperava mesmo que nada acontecesse à minha menina,


ou assolaria a porra da cidade como a passagem de um tsunami,

devastando tudo.
Ella

Acordei quando o avião pousou na capital da Dinamarca,

Copenhagen. De lá iria para o município de Skagen. Levantei-me e

levei a mão à cabeça, que latejava. Tentei me lembrar do que


aconteceu durante a viagem, e vieram à minha mente várias

imagens meio nebulosas e trechos de conversa com um homem

vestido de cowboy que inclusive me auxiliou na curta parada em


Minneapolis para a única conexão daquela rota.
Merda, tinha de parar de beber. Não era acostumada, e aquilo

estava acabando comigo.

Olhei ao redor, e nem sinal do Cowboy, cujo nome até esqueci


de perguntar. Parei de pensar nele e foquei no que precisava fazer.

Peguei minha mala e desembarquei. Tinha de alugar um carro

ou ir à estação ferroviária central de Copenhagen a fim de viajar

para Skagen. Antes que eu sequer escolhesse, meu telefone tocou.


Era o policial.

― Onde está agora? ― sondou ele assim que atendi.

Encarei a imensa cidade iluminada sob o céu noturno.

― Copenhagen. Acabei de pousar. Estou prestes a viajar para

Skagen.

― Não precisa. O lugar que quero que veja fica em

Copenhagen mesmo.

― Aqui? Onde encontro você?

― Deixe suas coisas em um hotel e depois pegue um táxi e vá

até o endereço que vou te passar. Diga que quer ver Cassandra. ―
Ele parecia cheio de mistério. ― Vista algo sexy.

― O quê?! ― Fiquei nervosa. Seria uma boate?


― Vamos, não temos muito tempo. À meia-noite as portas se
fecham e não são abertas até o início da manhã. Quer continuar ou

vai desistir? Se quer, sua chance é agora. ― Não sabia se ele

estava usando psicologia reversa ou realmente me alertando.

Estava com medo, mas não podia desistir. Precisava encontrar

meu irmão, e qualquer pista era uma luz no horizonte.

― Estarei lá antes da meia-noite ― informei.

― Ótimo. ― Desligou.

Respirei fundo e me controlei, olhando o céu estrelado e

pensando em onde Kasper estaria naquele momento.

Pesquisei um hotel nas redondezas, peguei um táxi até ele e

me registrei. Na suíte, analisei as roupas que eu havia trazido, e não

havia nada sensual. Tinha feito a mala de mão às pressas e jamais

teria imaginado que precisaria de algo assim naquela viagem. Por


sorte, no andar térreo daquele hotel havia algumas lojas de grife.

Comprei um vestido vermelho com uma ampla abertura entre os

seios, nada que mostrasse minhas cicatrizes, e um par de scarpins

de saltos altos da mesma cor. Mais sexy que isso, impossível. Após

voltar ao quarto, tomei um banho e me vesti. Deixei meus cabelos

soltos e fiz uma maquiagem reservada, mas caprichei no batom, da


mesma cor do vestido. Fitei-me no espelho por um momento.

Apesar da produção, não podia dizer que estava animada para sair,
pois me sentia ansiosa e com medo.

Peguei minha bolsa e saí do hotel, telefonando para uma


empresa de táxis já com o endereço do local em meu celular.

Assim que o carro parou, fui até ele e conferi, mas pisquei
algumas vezes para ver se eu estava vendo direito.

― Olá. Que surpresa! ― Ele sorriu.

― Cowboy?

Ele deu uma risada.

― Como adivinhou meu apelido? ― brincou. Varreu os olhos


sobre mim. ― Você está magnífica.

― Obrigada. ― Chequei se a placa era a mesma informada


quando pedi o táxi; sim, era.

― Trabalha como taxista? Como, se não tem muito tempo


estava em um avião comigo? ― Sentei-me no banco de trás, ainda
incrédula, e afivelei o cinto de segurança.

― Pois é. Mal cheguei e já tive que voltar ao trabalho. ― Deu


um suspiro. ― Para onde?
Indiquei o endereço e engoli em seco. Minhas mãos tremiam.

― A igreja de Sete Caminhos? ― Esboçou um sorriso. ―


Pensa em rezar a essa hora?

Igreja? Não sabia. Fazia tantos anos que eu não falava ou lia
nada em dinamarquês que estava enferrujada. O que eu faria em

uma igreja? Isso me fez ficar ainda mais nervosa do que já estava.

― Por que “Sete Caminhos”? Você sabe? ― sondei. Era


melhor falar a pensar.

― Não sei. Não sou o tipo de pessoa que o Cara Lá de Cima


ouviria. ― Deu de ombros.

Antes que eu lhe perguntasse por que pensava aquilo, algo no


espelho retrovisor interno chamou sua atenção, e ele começou a

acelerar o carro.

― O que foi? ― Olhei para trás, vendo dois carros pretos a


todo vapor tentando nos alcançar. ― Oh, Deus!

― Porra! ― Praguejou e olhou para mim. ― Segure-se firme,


pois agora precisarei colocar em prática tudo que sei para despistar

esses carros.
Eu estava em choque, apesar de ter esperado perigo desde o
início, mas não podia desistir. Se tinha chegado até ali, iria até o fim.
Ajudaria se eu tivesse uma arma, mas prescindi do uso dela, estava

com muita pressa para realizar os trâmites de compra e porte.

Já havia escapado muitas vezes da morte; fui espancada,

violentada, asfixiada, e, em um momento de fraqueza, quando


estive tão mal que a esperança me abandonou por um instante,

tentei me matar duas vezes, embora isso fizesse muito tempo. Não
queria morrer. Tinha muito que viver, queria ser feliz. Não podia
partir sem ao menos ter me sentido viva de verdade.

― Oh, pelos anjos! ― Queria desistir, mas não podia. Meu


irmão precisava de mim.

Cowboy acelerou o táxi e fez a curva em uma esquina de uma

vez. Tive que me segurar para não bater a cabeça na janela.

― Merda! ― rosnei.

― Você está bem? ― ele perguntou, os olhos focados entre a


estrada e o retrovisor, mas logo amaldiçoou. ― Cadê vocês,

pessoal?

― Com quem está falando?


― Estou pedindo ajuda, mas, pelo visto, estamos sós nessa.
― Ele praguejou de novo.

― Que tal parar de xingar e nos tirar daqui? Porra, não posso
morrer agora! ― Gritei quando vi o motivo pelo qual ele praguejara
pela segunda vez: dois carros parados em nossa frente e dois

homens com armas em nossa direção. E uma delas não era uma
arma qualquer, mas sim uma RPG. ― Puta que pariu!

Cowboy não parou como era o objetivo daqueles homens, mas

virou e entrou em um estacionamento.

― Vamos ser alvos fáceis aqui, eles vão nos encurralar! ―

exasperei-me.

― Docinho, se eu ficar no carro, serei inútil. Não posso lutar e

dirigir ao mesmo tempo. Vai por mim, sair dele será melhor ―

retrucou quando entramos no subterrâneo escuro. ― Vou parar o


carro e, quando eu sair, me siga.

Eu não tinha ideia do que faria, mas não podia ficar ali. Logo

as portas do local que o policial indicara fechariam, e eu precisava

chegar lá antes disso.

― Certo, vamos acabar com essa merda. ― Estava irritada,

temerosa e ansiosa.
Assim que saímos do táxi, descemos uma escada correndo,

mas, antes de chegarmos ao final, fomos alvejados.

Alguém me segurou e me puxou, pondo-se na minha frente.

― O que... ― interrompi-me quando percebi que o corpo de

Cowboy me protegia de tiros, ao mesmo tempo em que ele


disparava sua arma.

Arregalei os olhos ao ver o bandido jogado na escada, o


sangue escorrendo, a vida deixando seus olhos.

― Ele está morto... ― sussurrei atordoada, encarando o

cadáver. ― Você o matou...

― Vamos, não é hora para choque. Depois, se quiser surtar,

fique à vontade. ― Cowboy pegou minha mão, e terminamos de

descer. Foi quando vi que estávamos em uma estação ferroviária de

carga. Isso era bom, teriam menos pessoas ali.

― Ella, olhe para mim. ― Cowboy pegou meu rosto,

obrigando-me a olhar para ele. Foi quando notei que estava


tremendo. ― Não surte agora. A qualquer momento, vou desmaiar,

mas antes precisamos estar no trem. Assim ficará segura.

Frazi as sobrancelhas.
― Desmaiar? ― Então notei algo quente em meu rosto. ―

Isso é sangue? Oh, meus Deus! Você foi ferido!

Ele limpou meu rosto com a manga da camisa e voltou a me

puxar. Adentramos na área de embarque. Não havia muitas

pessoas, como eu imaginava. Cowboy ajeitou a jaqueta para


encobrir o sangue, mesmo que, com suas roupas pretas, fosse

impossível notar, apenas se alguém muito observador prestasse

muita atenção em sua mão, cuja palma estava manchada de

vermelho por ele tê-la colocado sobre a ferida.

― Não surte para não chamar atenção ― pediu baixinho.

Depois suspirou. ― Finalmente!

― O que foi?

― Nada.

Percebi um certo ar de alívio nele, só não entendia por quê.

― É estranho aqueles homens não terem vindo aqui. ―

comentei quando nos aproximamos do trem.

Seus passos falharam um pouco.

― Sim...
― Cowboy ― coloquei meu braço em sua cintura ―, se apoie

em mim.

Ele assentiu e depositou um braço sobre meus ombros.

Embarcamos em um dos vagões e nos escondemos atrás de

algumas caixas, longe dos olhos do vigia. Achei estranho, pois

deveriam ter câmeras no terminal, mas não liguei; talvez só


estivéssemos com sorte. Não demorou muito para o trem seguir seu

curso, o que me deixou aliviada.

― Esse trem vai para onde? ― Nem conseguia raciocinar

direito. Estava em outro país sem absolutamente nada. Minha bolsa


tinha ficado no carro, com todo o meu dinheiro, cartões,

documentos, assim como o telefone.

― Dragor, mas vamos descer antes. Assim que o trem estiver

quase parando, vamos saltar. ― Olhou-me assim que ofeguei. ―

Posso estar inconsciente na hora. Se for assim, precisará jogar meu

corpo antes de pular.

― Por que não podemos descer em Dragor? ― Não estava


gostando nada daquilo.

― Simples, querida. Vão ter tiras na estação esperando o trem


parar. ― Inspirou pesadamente, fechando os olhos.
― Ei, não apague, tudo bem? ― Peguei sua mão, sentando-

me ao seu lado. ― Ter policiais por perto vai ser bom, não?

― Não. Muitos deles estão na folha de pagamento dos

homens que querem nos matar.

― Como sabe disso? ― perguntei, mas sua respiração ficou

aguda, então resolvi deixar isso de lado por enquanto. ― Lamento

por ter se ferido. Não queria que nada disso acontecesse.

― Não liga, docinho... Só fique alerta para perceber a hora

certa de fugir. Do lado direito, no céu, vai brilhar uma luz parecida
com os fogos de Quatro de Julho, e o trem vai quase parar para

facilitar pularmos, mas será por pouco tempo, então aproveite. ―

Encarou-me quando não respondi, ainda chocada. ― Meus amigos


vão nos ajudar.

― Como vou saber quem é seu amigo ou não? ― questionei,


ficando de pé e rasgando a barra do meu vestido, deixando a maior

parte de minhas coxas exposta.

― Merda, não posso ver isso. ― Fechou os olhos de novo

assim que deu uma olhada em minhas pernas.

― Você é um homem estranho. ― Enrolei o pano sobre o

ombro dele. ― Quase surtou no avião achando que eu fosse beijá-


lo, evita olhar para minhas pernas... Saiba que não ligo se for gay,

embora, pelo modo como age, não pareça que é. Sexualidade é


algo individual.

― Na verdade, sou bissexual. ― Sorriu, encontrando meu


olhar.

Arregalei os olhos.

― Puta merda! Sério? ― indaguei aturdida. ― Nunca vi


pessoalmente um homem que gosta dos dois sexos, e olha que

mexo com bastante gente.

― Sim, mas não fique chocada...

― Não critico, sou a favor que cada um faça o que quiser de


sua vida individual. ― Pressionei o pano para tentar estancar o

sangue. ― Uma vez beijei uma mulher. Achei que fosse sentir algo,

sabe? Mas não consegui. Não é para mim. Acho que cada um tem o
seu destino, homens e mulheres que nascem para gostar do sexo

oposto, outros, de pessoas do mesmo sexo, outros...

― Como eu, que gosto dos dois. ― Piscou, dando um sorriso,

então ficou sério. ― Se alguém aparecer aqui e não for dos meus,

atire. Tenho uma arma na jaqueta. Eu tenho um código, e, se

souberem informá-lo, você saberá que é um deles.


― Qual é o código?

― “Vou te comer”. ― Ele riu da minha cara, mas começou a


tossir. ― Merda!

Ri também, não pude evitar.

― É sério isso? ― gargalhei, muito provavelmente de nervoso


por tudo que eu tinha acabado de passar. ― Quer saber? Depois

que estiver bom e se sobrevivermos, quero saber por que escolheu

essas palavras.

― Eu posso...

― Evite conversar ― pedi, preocupada com um possível e

iminente desmaio, ainda que eu tivesse muitas questões a lhe fazer.

― Escuta, essa parte de pularmos do trem, você não tirou do que

eu disse no avião, né? Aquela do filme em que o sequestrador pula

do avião com seu alvo.

― Você não é meu alvo, querida. Fui designado para protegê-

la. ― Suspirou.

Proteger-me?

Então era por isso que ele estava comigo desde o início de
minha viagem. Eu não teria sobrevivido em vários momentos
daquela noite se não fosse ele, principalmente quando me
acobertou com seu corpo.

Quem encomendaria minha proteção? Eu só conhecia uma

pessoa que tinha poder para fazer isso.

Christian.
Ella

Estava tão focada em descobrir sobre meu irmão que nem me


importava com o que me acontecesse, mesmo temendo ser
machucada. O problema era que eu não contava que outras

pessoas pudessem se machucar, como Cowboy, que, em vez de um

desconhecido, na verdade era alguém enviado para me proteger.

― Respire, mulher ― pediu ele, apertando minha mão.

Eu olhava constantemente ao meu redor, em busca de


possíveis suspeitos. Então notei o vulto de uma pessoa entrando no
nosso vagão. Por sorte ele era grande e cheio de caixas, então

estávamos cobertos, mas eu não sabia por quanto tempo.

― Cowboy, acho que tem um deles aqui ― sussurrei, mas não


houve resposta, então o fitei e vi que tinha desmaiado.

― Não adianta se esconder, sei que estão aqui ― ouvi uma

voz de dar calafrios.

Enfiei a mão na jaqueta de Cowboy e peguei a sua arma,


destravando-a. Mesmo com o medo me consumindo, obriguei-me a

movimentar minhas pernas, escondi-o ali e fiquei pronta para atirar

em quem se aproximasse. Nada aconteceria ao Cowboy, que estava


inconsciente. Eu não podia fugir, pois não seria capaz de deixá-lo

sozinho. Ele havia me protegido mais de uma vez; agora era minha
vez de retribuir.

O sujeito andava pelo local.

― Apareça. Sei que está ferido. Se eu tiver sorte, deve estar

morto, embora eu mesmo deseje decapitá-lo, assim como a vadia

que está protegendo ― o cara falava à minha direita.

Apertei o cabo da arma e estava prestes a me levantar,

quando ouvi um movimento seguido por um baque agudo de algo

pesado caindo.
Respirei fundo e saí de onde estava. Não podia ficar
esperando que chegassem até nós. Porém, ao fazê-lo, encontrei um

homem de olhos azuis gelo, que, apesar de bonitos, tinham uma

infinita escuridão e morte.

― Se atirar, nada de bom vai resultar disso ― avisou

tranquilamente, dando mais um passo.

Pisquei, pois não era a voz do homem de um minuto atrás.

Chequei ao redor, pensando que ele tivesse algum comparsa, mas

não vi ninguém.

― Não importa; ainda assim, se você se aproximar, vou atirar

― avisei com a voz firme, afastando-me do local em que Cowboy

estava, assim o homem não o notaria.

Mesmo assim, meu gesto não passou despercebido, pois ele


olhou para as caixas, como se soubesse que ele estava atrás delas.

Postei-me na frente da pilha de caixas, assim Cowboy não seria

atingido caso aquele homem resolvesse lançar suas facas. Notei

que segurava uma em cada mão, embora eu apostasse que devia

ter armas dentro de sua jaqueta de couro.

― Morreria por ele? ― Meneou a cabeça para um lado.


― Ele me protegeu e agora está ferido; tenho de recompensá-

lo. ― Firmei a arma. ― Não quero atirar, mas irei se você não for
embora.

Tudo dentro de mim tremia, mas não demonstrei. Não podia


fraquejar.

O homem loiro de cabelos longos, barba e coberto de


tatuagens riu.

― Gostei de você. ― Suspirou enquanto brincava com a faca

manchada de vermelho. Foi quando notei que era sangue. Então


percebi um corpo caído atrás de outra caixa. Dali, dava para ver só
as suas botas. O loiro tinha matado o outro sujeito que queria nos

matar?

― Você o matou? ― sussurrei de olhos arregalados.

Deu de ombros enquanto sorria como um tubarão.

― Ele foi contratado para matá-los.

E você?, eu queria perguntar, mas estava com medo da


resposta. Notei o trem diminuindo a velocidade. Devíamos estar

chegando ao local em que teríamos de pular. O que eu faria? Se ele


ao menos ameaçasse me atacar, eu poderia atirar, seria legítima
defesa. Eu teria coragem de fazê-lo de outra forma? E que escolha

eu tinha?

― Luta interessante essa que está em sua mente, tão visível

nesses seus olhos expressivos... Atirar ou não, eis a questão. ―


Sorriu como uma hiena.

Trinquei os dentes por ele ter percebido minha indecisão e


cerrei os punhos. Não queria transparecer mais nada, mas como

fazer isso?

― Não importa. Se você der mais um passo, não vou hesitar


em matá-lo ― alertei-o.

Ele me observou mais um pouco, então assentiu.

― Acredito em você, mas, enquanto falamos, Cowboy pode

estar tendo uma hemorragia e morrer, então me deixe checar sua


ferida. ― Seu sorriso sumiu. ― Preciso ajudá-lo.

― É amigo dele?

― Sim. Agora posso me aproximar? ― sondou, guardando a


faca.

― Por que não disse logo, seu idiota?! Ficou só aí, me vendo
apontar uma arma para sua cara!
― Precisava descobrir se você era compatível com ele. Acho
que fazem um belo casal no sentido de proteção. ― Suspirou. ―
Isso é bom.

Franzi a testa, olhando para Cowboy.

― Não estamos juntos...

― Eu não estava falando dele ― disse, mas, antes que eu

pudesse perguntar do que ou de quem estava falando, continuou,


com um revirar dos olhos: ― A palavra-chave de segurança do

idiota é vou te comer. Daqui a pouco vamos ver um clarão logo à


frente, e é nossa deixa para pularmos.

Ele havia matado alguém que queria nos fazer mal e estava
tentando proteger Cowboy; eu não podia recusar. Além disso, tinha

falado a frase de segurança.

― Certo. ― Abaixei a arma e assenti, indicando que se


aproximasse. ― Cuide dele.

O trem estava quase parando.

― É aqui que devemos descer. ― Pegou Cowboy inconsciente

nos braços, depois fomos até uma das portas, que se abriu como
em um passe de mágica. ― Valeu, Hacker.
― Com quem está falando? ― Foi quando notei uma escuta
em seu ouvido, e só então percebi que Cowboy também usava uma.

― Há um dos nossos comandando remotamente esse trem


por enquanto. Temos de ir logo, pois em breve o controle vai fugir
das mãos do pivete. ― Bufou. ― Esses hackers...

Tinha um hacker em posse do controle do trem? Era muita

coisa para eu absorver no momento, só queria sair dali o mais


rápido possível.

De repente, um brilho intenso iluminou o horizonte noturno; era

nossa oportunidade.

― Pule! ― o homem mandou.

Respirei fundo e concordei.

― Sinto que estou em um filme de ação, aqueles como os de

Tom Cruise e Vin Diesel! ― Tirei meus saltos, segurando-os com


uma das mãos, e pulei, rolando no chão e ralando meus joelhos.

Logo depois o homem pulou com Cowboy, mas aterrizou em


pé com destreza.

― Agora aonde vamos? Preciso estar em um lugar em meia


hora...
Ele me olhou como se eu fosse louca.

― Não vai para a igreja. O lugar foi invadido, e, neste

momento, está sendo destruído. ― Seguiu rumo à mata em frente,


deixando-me atordoada.

Fui atrás dele.

― Como assim, invadido e destruído? Por quem? ― Meus pés

doíam, então coloquei os saltos de volta. Seria difícil andar com eles
no mato, mas era melhor do que descalça.

― Logo saberá. Agora precisamos nos apressar. Cowboy não

vai aguentar muito.

Começamos a correr, mas antes que chegássemos à mata,

ouvi tiros lançados em nossa direção.

― Se abaixe! ― gritou o homem, curvando-se no mato cerrado

que nos cercava. Deixou Cowboy e pegou uma arma na jaqueta. Eu

sabia que tinha uma ali!, pensei. ― Atire comigo na direção do trem.

― Não dá para ver nada! ― Estava escuro. Só ouvíamos o

barulho dos tiros e das balas ricocheteando. ― Eles pararam o

trem?!
― Hacker... ― ouvi-o falar, mas depois foquei em ficar viva,

atirando a esmo, afinal não tinha óculos de visão noturna. Se ao

menos as luzes do trem estivessem acesas, como quando


estávamos lá... Eles deviam tê-las apagado para que ninguém os

vissem. Malditos!

De repente ouvi vozes vindo do outro lado da mata.

― Se escondam nas árvores! ― alguém gritou, então armas


de fogo foram direcionados ao trem.

― Vamos, eles estão nos dando cobertura! ― disse o cara das

facas, pegando o corpo inerte de Cowboy de novo. ― Aguente,

cara, já vamos cuidar de você.

Corremos para as árvores, quando ocorreu uma explosão,

incendiando todo o local.

― Puta merda! ― Pisquei, vendo o trem em chamas voando

aos pedaços para todos os lados.

― Eles cuidam do resto.

Andamos mais para dentro da mata, até uma clareira, onde

avistamos um helicóptero. Entramos nele e encontramos um senhor

de meia-idade e outro sujeito, que devia ser o piloto.


― Gusty ― saudou o loiro amigo de Cowboy, cujo nome eu

ainda não sabia. Com tudo que havia acontecido, esqueci-me de


perguntar. ― Precisamos de seus cuidados médicos com Cowboy.

― Knife. ― O senhor assentiu enquanto decolávamos. ― Não


posso cuidar dele aqui, afinal mais inimigos podem aparecer.

Apelido estranho... pensei, então me lembrei da faca que ele


tinha usado no trem. Pelo visto, devia ser muito bom com armas

brancas.

Esperava que Cowboy aguentasse e sobrevivesse. Nada podia

acontecer a ele.

Após algum tempo, chegamos a uma espécie de cabana em

uma colina. Ouvia-se o barulho de uma cachoeira em algum lugar.

O senhor nos levou para dentro do imóvel, que, na verdade,

era um assentamento com muitos homens armados.

― Leve-o para o quarto. Vou pegar algo com que tratá-lo ―

disse Gusty

Eu estava com medo dos olhares dos outros homens, mas

Knife não parecia preocupado, por isso resolvi ao menos não


transparecer meus receios. Não sabia que lugar era aquele, parecia

um campo de refugiados ou algo assim.

Knife levou Cowboy a um quarto, e Gusty foi para outro

cômodo. Fiquei na sala um instante só para observar o local. Era

pequeno e todo bagunçado, e o ar tinha cheiro de cerveja e charuto.

Enruguei meu nariz.

― Aqui não é um lugar ideal para narizes sensíveis. ― Uma


voz soou atrás do meu pescoço, causando-me calafrios dos pés à

cabeça. O hálito de quem falava fedia a cachaça.

Afastei-me tão depressa que caí em cima de uma pilha de

caixas no chão. Senti medo ao ver aqueles olhos mortos, escuros

como a noite, mas sem vida.

Ele sorriu como um tubarão prestes a comer sua presa, ou

seja, eu, mas não se moveu do lugar.

Levantei-me o mais rápido que consegui e corri, entrando no

cômodo onde Knife estava e ficando atrás dele com o coração na


mão.

― O que foi? ― sondou assim que olhou meu rosto. ―


Aconteceu algo?
Respirei fundo. Não era hora de dar chiliques, então relevei,

afinal o homem sinistro na sala não disse nada de mais, nem me


tocou. Era estava paranoica em razão de tudo que vinha

acontecendo naquele dia.

― Nada, só estou preocupada ― menti, não encontrando seus

olhos. O homem era bom em ler expressões. Isso me lembrou de

Christian. ― Onde estamos?

― Um acampamento de refugiados, mas não se preocupe,

tem gente nossa aqui ― as últimas palavras foram sussurradas.

Gusty entrou no quarto carregando materiais de primeiros

socorros e cuidou da ferida de Cowboy.

― Tiro limpo, atravessou o ombro. Ainda bem. Mas ele perdeu


muito sangue. Vai precisar de uma transfusão, mas não tenho

bolsas aqui. ― Gusty suspirou.

― Eu doo o meu, temos o mesmo tipo sanguíneo ― ofereceu

Knife.

Ele realmente gostava do amigo. Ninguém mais faria algo

assim em um local sujo e decrépito como aquele.

― Espero que seja suficiente ― disse o homem, que não

parecia ser médico, mas ao menos revelava algum conhecimento na


área da enfermagem.

― Se o dele for AB, posso doar também ― ofertei


corajosamente, afinal Cowboy tinha me ajudado muito.

― Não, somos do tipo O ― Knife pareceu surpreso por eu ter


sugerido ajudá-lo.

Enquanto Gusty fazia a transfusão, cuidei de meus arranhões

com o material de sua caixa de primeiros socorros.

Mais de meia hora depois, eu estava exausta. Tinha passado a

hora de eu chegar ao local marcado com o policial. Então pensei

que ele devia estar se perguntando o que havia acontecido comigo.

Fiquei tão preocupada com o Cowboy que mal registrei qualquer


coisa.

― Knife, você tem telefone que eu possa usar? Preciso fazer

uma ligação.

― Para quem vai ligar? ― sondou, avaliando-me. Ele tinha

doado mais sangue do que poderia, então estava deitado em um


sofá com sua faca repousada sobre o peito.

― Para minha amiga ― menti.


Ele estreitou seus olhos, parecendo tentar me decifrar por um
segundo.

― Por favor ― implorei. Quem sabe assim o amoleceria. ―

Ou não posso ligar? Estou de alguma forma em cativeiro? Fui


sequestrada?

Ele deu um suspiro cansando, mas me entregou o aparelho.

― Aqui. Cuidado, pois tem uma faca nele, então não aperte
esse botão. ― Apontou um vermelho no canto e, ao pressioná-lo

como demonstração, uma lâmina deslizou de dentro de uma das


bordas do telefone, como um canivete suíço.

― Nossa! Quem inventou isso?

― Eu. Gosto de belezuras que me mantenham seguro sempre.

― Eu não esperava uma resposta honesta, mas percebi que ele


tinha falado a verdade.

― James Bond. ― Sacudi a cabeça, impressionada. ― Só


falta dizer que tem uma faca em sua cueca. ― A última frase,
apenas a murmurei, mas, de alguma forma, o infeliz ouviu e

começou a rir.

― Como você sabe? ― provocou. ― Te convidaria a olhar,

mas gosto do meu coração em meu peito.


Não entendi o motivo de ele ter mencionado seu coração.
Sacudi a cabeça, bufando, então disquei para o policial, mas estava
dando fora de área.

― Não tem sinal dentro da casa ― Knife informou. ― Só lá


fora.

Assustada, olhei para a porta, temendo sair do quarto, mas


não podia viver com medo.

― Vamos, vou ficar olhando você. ― Levantou-se, mas quase

caiu. ― Merda!

Ele realmente tinha doado muito mais sangue do que poderia

de fato.

― Não se preocupe, descanse. Vou ficar na frente da casa. ―

Não quis demonstrar receio para não o preocupar.

― Certo. Não estará sozinha; aqui dentro, tomo conta de você,

e lá fora, têm mais dos nossos. Está segura. Se eu não acreditasse


nisso, não a deixaria ir. ― A verdade estava em cada palavra.

― Obrigada. Quero saber quem os contratou para me


proteger. Foi Christian?
― Logo saberá. Eles estão a caminho. ― Piscou, sorrindo, e
fechou os olhos. ― Se precisar, grite, mas, por via das dúvidas, leve

a arma de Cowboy.

Assenti. Queria discutir, mas podia esperar mais um pouco

para saber quem o enviara a mim para minha proteção. Peguei a


arma e o celular e saí.

Não vi ninguém na sala, o que foi bom. Ainda temia ir lá fora,


mas confiava em Knife que existiam homens que estavam cuidando
de minha segurança.

Saí da cabana e me afastei um pouco, então o sinal voltou.

Disquei o número de Kelde. Esperava que ele não estivesse com


problemas por minha causa, já bastava Cowboy. Chamou, mas ele

não atendeu, direcionou para a caixa postal. Até pensei em deixar


recado, mas temia que alguém mais ouvisse.

O exterior da cabana estava silencioso, e era uma noite


escura, sem lua e estrelas. Como não tive êxito e estava sentindo
algo estranho, como se olhos estivessem sobre mim, estava a ponto

de voltar. De repente, uma mão tapou minha boca. Tropecei para


trás e esbarrei as costas em algo duro. Parecia um tórax masculino.
― Sabe o quanto esperei ter você novamente, Ursinho? Te

procurei tanto.

Essa voz... Oh, Deus, não deixe que seja ele, por favor!

Minhas súplicas não foram ouvidas. Era mesmo um dos que


abusaram do meu corpo: Oscar.

― Você cresceu e tem um corpo divino, mas é a mesma.

Reconheceria esses olhos em qualquer lugar. Você é minha, e vou


lhe mostrar que não pode fugir de mim.

Ele continuou falando, mas não consegui mais decodificar as


palavras, presa em meu terror. A lembrança da dor que ele me
infligia antes me deixou paralisada, como se ele fosse uma cobra

que tinha injetado seu veneno em minhas veias para me imobilizar e


consumir.

O abismo estava voltando.

O desespero mudo me assolou.

O horror me dominou.

Algo dentro de mim incitava-me a me mover, mas eu não


conseguia, não tinha forças. Era mais poderoso do que eu.

― Vou te foder como você gostava. Lembra disso, Ursinho?


Eu queria vomitar enquanto sua voz asquerosa e cheia de
luxúria penetrava em meus ouvidos. Mas, ainda que a ânsia viesse,
sua mão tapando a minha boca me impedira.

Por favor, Deus, não permita que ele consiga... Eu não


sobreviveria caso acontecesse de novo. Era preferível a morte...

Lágrimas desciam aos borbotões dos meus olhos.

Oscar começou a me arrastar dali...

Então, de repente, ele me soltou, e caí sentada no chão como

uma boneca. Olhei minhas mãos, com os punhos cerrados em torno


de duas armas – a de Cowboy e o telefone de Knife –, mas então
por que eu não me movia? Por que não reagia? Eu não podia me

permitir ser fraca assim. Precisava fazer algo, matá-lo! Não deixaria
que ele me tocasse nunca mais!

Ergui a arma de fogo e levantei meus olhos para encontrar o


monstro. Mas pisquei ao vê-lo caído no chão com um homem sobre
ele.

― Sabe o que faço com homens que machucam ou tentam


machucar uma mulher ou uma criança? ― A voz do desconhecido

estava cheia de cólera. ― Vou lhe ensinar da pior maneira.

― Eu não ia fazer nada que ela não quisesse ― o idiota disse.


― Não ouvi o consentimento dela quanto a algo assim. ― O
cara me olhou, então o reconheci. Era o homem que havia me

assustado na sala da cabana mais cedo. ― Você queria essas


mãos imundas em você?

Nunca! Jamais o quis! Entretanto, minha voz não saiu. O que


pude fazer foi balançar a cabeça para os lados, ainda que eu tivesse
certeza de que sua pergunta para mim foi retórica, pois seus olhos

pareciam saber o que tinha acontecido comigo.

― Viu? Ela não consentiu. Por isso, agora vou brincar com

você. ― Pegou algo no bolso de trás. Não consegui ver o que era,
apenas que ele o passou nos olhos do sujeito, fazendo-o gritar.

Eu ouvia vozes ao meu redor, mas não conseguia distinguir as


palavras, presa no meu torpor e na imagem à minha frente. O

sangue escorrendo pelo rosto do infeliz, por alguma razão, deixou-


me contente. Eu tinha enlouquecido? Se aquela sensação de
satisfação era um sintoma de loucura, pois bem... eu não dava a

mínima.

Naquele instante, só desejava que tudo passasse, o terror, o

medo, a impotência que me deixou paralisada.


Fechei os olhos, esperando por uma salvação, por algo que
me ajudasse a sair daquele abismo onde eu sentia que estava

caindo e caindo... sem conseguir forças para retornar à superfície.

Queria que aqueles sons sumissem, queria silêncio.

Por favor, alguém pode me ouvir?

― Eu lamento, pequeno Rouxinol. ― Essa voz... Acreditei


estar sonhando, pois esse som, sim, eu desejava ouvir a todo

tempo. Ele era capaz de me tirar daquele pesadelo sem fim.

Christian tinha vindo por mim.


El Diablo
Enquanto não chegávamos a Copenhagen, Cowboy tomaria

conta de Ella. Era esse o plano. Ele se disfarçaria de taxista e a


levaria ao lugar seguro designado por seu irmão.

Eu precisava saber onde o maldito policial com quem ela havia

falado estava, e não demorou muito para Cowboy descobrir que era

uma igreja. Ao menos, no nível da rua; no subsolo, acontecia um


dos piores cenários já vistos na Terra.

Quando entrei em contato com Lyn para avisá-lo, ainda em

Lincoln, ele já estava ciente de que havia uma unidade da


Prometheus na cidade; inclusive rapazes dele já estavam infiltrados

no local. Isso era bom. Ele só não tinha conhecimento de que sua
irmã estava na Dinamarca. Eu não gostava nem de me lembrar

disso. Estava muito puto com Lyn por não ter revelado a verdade

sobre si a ela. Se tivesse feito isso, aquela merda não teria

acontecido.

Como Knife estava na região, em uma missão, mandei-o para

cobrir Cowboy num caso de precisão. Naquela hora, já devia estar

com eles.
― El Diablo, se controla cara ― pediu Arrow, vendo-me andar
de um lado a outro no corredor do jatinho.

Estava ansioso por não estar com Ella naquele momento. O

pior era imaginar o que ela estava passando para recuperar o seu

irmão. Se tinha ido para o norte da Europa sem se preocupar com

os riscos só para, ao menos, ter uma pista dele, era porque o amava

demais. Isso só me fazia ainda mais querer socar a cara de Lyn.

― Estamos quase pousando. Talvez deva se sentar ― pediu

Arrow.

Não me preocupei em responder, furioso e confuso com tantas

emoções novas me tomando. Tinha consciência de que prometera

ficar longe dela até ter certeza do que eu estava sentindo, mas
aquele aperto em meu peito fazia meus pulmões carecerem de ar.

Eu queria socar algo até que aquela porra de impotência

desaparecesse.

― Puta merda! ― Hacker gritou.

Saí do meu transe e fitei o garoto, que estava com os olhos do

tamanho de uma coruja.

― O que foi? ― indaguei, indo até ele, que encarava a tela do

notebook.
Assim que olhei também, encarei a perfeição dos meus

sonhos. Tinham quatro câmeras embutidas no táxi que Cowboy


dirigia, hackeadas por Hacker, e elas nos mandavam imagens e

sons em tempo real.

Ella estava formidável com aquele vestido vermelho que

realçava ainda mais sua beleza e sensualidade. Estava magnífica.

Eles estavam conversando, e ela parecia surpresa ao vê-lo ali


após sua viagem de avião juntos. Ainda bem que ela aparentava

não ter desconfiado de nada.

Sentei-me ali, admirando seu rosto em quatro ângulos na tela,


que mostravam ao mesmo tempo o que todas as câmeras

transmitiam. Isso me deixava mais calmo.

Não saberia dizer quantos minutos fiquei ali, observando mudo

seu charme, sua pele de marfim contrastando com a cor quente do


vestido. O vermelho lhe caía bem. Fazia-me ter muitas ideias com

ela usando algo provocante com aquela cor enquanto eu a


possuísse.

O jatinho pousou, e, após desembarcarmos, entramos em uma


van com muitos equipamentos eletrônicos. Havia muitas telas,
algumas inclusive enviando imagens dos arredores por onde o táxi

passava. Não saí da frente delas, checando cada ângulo.

― Isso não está certo. Essa rua em que estão passando agora

é movimentada. Por que parece tão vazia? ― Cerrei os punhos,


olhos atentos, o instinto me dizendo que algo estava errado. De

repente, carros pretos surgiram do nada, em uma velocidade que


ultrapassava todos os limites, passando a segui-los. Subitamente,
as imagens sumiram.

― Não, não! Mas que filho da puta! ― rosnou Hacker.

― O que foi? Por que as imagens sumiram? ― indaguei, com

as emoções a mil por hora.

Hacker me empurrou uma escuta sem tirar os olhos das telas e


voltou a mexer nos teclados como um louco.

― Tome isso e, assim que a conexão for feita, o que pode


demorar dependendo do sinal onde estejam, converse com Cowboy.

As escutas estão conectadas, a de Knife também. Enquanto isso,


vou derrubar esse infeliz que está me hackeando. ― O garoto

parecia concentrado.

Deixei-o fazendo seu trabalho enquanto a van seguia para o

esconderijo para onde Ella estava sendo levada. Quanto mais o


tempo passava, mais meu nervosismo crescia. Um bom tempo
depois, pelo que me pareceu, ouvi sons, sinal de que a conexão
entre as escutas se estabelecera. Todavia, antes que eu chamasse

Cowboy, escutei a sua voz.

― Ella, olhe para mim ― pediu Cowboy em tom calmo. ― Não

surte agora. A qualquer momento, vou desmaiar, mas antes


precisamos estar no trem. Assim ficará segura.

― Desmaiar? ― O tom da garota parecia confuso. Depois ela


arfou. ― Isso é sangue? Oh, meus Deus! Você foi ferido!

― Não surte para não chamar atenção.

― Cowboy, já chegamos e estamos atrás de vocês ― informei


a ele.

― Finalmente! ― Ele pareceu aliviado.

― Vamos te dar cobertura. Pela triangulação, imagino que

estejam indo à estação de trem que leva a Dragon. Quero que a


leve para o acampamento dos refugiados onde sei que alguns dos
nossos estão. Como você foi ferido, vou mandar que eles enviem

algum sinal luminoso. Assim, caso desmaie, ela saberá a hora certa
de pular do trem. Hacker vai cuidar de tudo.
― Toma essa, seu infeliz! ― Hacker parecia exultante ao ver
as telas reviverem.

― Que tal parar de gritar e cuidar das filmagens? ― rosnei.

― Sim, senhor ― assentiu entretido. ― É que fico exultante


quando outro hacker tenta me derrubar e eu derroto o filho da puta.

Antes que eu pudesse dizer algo ou checar as filmagens, a van


parou. Depois um punho bateu no lado de fora da lataria, alertando-

nos que havia problemas.

― Hacker, fique aqui cuidando das câmeras e nos auxiliando.

Vou cuidar do resto. ― Peguei minha AK 47 e abri a porta dos


fundos do veículo. ― Mande um drone seguir Cowboy e Ella. Como

vão ficar longe da cidade, vou precisar saber o que está

acontecendo com eles.

― Cowboy e ela estão na estação de trem agora, mas Knife os

seguiu e vai ajudá-los. Parece que Cowboy está ferido ― ouvi


Hacker dizer pela escuta assim que pulei na rua. ― O drone está a

caminho.

― Tracker vai te dar cobertura, Hacker. Não saia daqui por

nada, garoto ― ordenei.


― Um dia terá que me deixar entrar em ação e ajudar em

campo ― queixou-se.

― Pode ser, mas não será hoje. ― Eu não o queria em


combate. Ele nunca havia matado alguém e, se dependesse de

mim, nunca o faria. Eu sentia que devia protegê-lo.

Saí de trás da van com Arrow em meu encalço. Tracker tinha

parado um tanto mais longe.

Vi os carros pretos que tinham seguido o táxi mais para frente,

perto de um estabelecimento com conexão com o terminal de trem

da rota que seguia para Dragor. Vários homens estavam saindo dos
veículos, certamente para seguir Cowboy e Ella.

― Nos dê cobertura, Demolidor ― pedi. Ele estava no topo de


um dos prédios. Era um dos melhores atiradores de elite que eu

conhecia.

― Sim, vamos terminar com essa merda ― grunhiu.

Puxei minha arma e atirei em um dos caras, então Arrow e


Vlad fizeram o mesmo com os outros, mas só então notamos que

havia mais carros e homens adiante, e passamos a trocar tiros.

Por volta de 15 minutos depois, conseguimos terminar com a

ajuda de outro atirador, provavelmente um homem de Lyn.


O hacker de quem queria Ella era tão bom que tinha

conseguido, de alguma forma, deixar a rua totalmente deserta e os

policiais longe, embora houvesse vizinhos nos prédios ao redor.

Deixamos 10 corpos ao todo jogados na rua, que estava

coberta de sangue. Um lembrete para a pessoa que queria a irmã


de Lyn. Fosse quem fosse, eu mataria.

― Merda, não sobrou nenhum vivo? ― indaguei.

― Não ― respondeu Arrow. ― Vamos dar o fora daqui. Eles


devem estar enviando mais.

― Preciso ir atrás de... ― Apertei a escuta, pois não ouvi mais


sons de conversa. ― Cowboy? ― chamei, mas não houve resposta.

― Knife?

― Estou dentro do trem que saiu em direção a Dragor. Estou

no seu galpão...

― Como ela está? Está bem? ― sondei preocupado.

Voltamos para a van.

― Sim, acredito que bem, mas acho que Cowboy desmaiou.

― Falei para ele ir ao acampamento. Agora fica por sua conta

ajudá-lo, e proteja Ella, não importa quem tenha que matar ou


estraçalhar. Não deixe ninguém tocar nela, ou eu vou arrancar seu

coração. ― Não era uma ameaça vã. Eu era leal aos meus homens,
mas éramos uma irmandade e, como tal, tínhamos regras, e uma

delas era “nunca desobedecer ao líder”. ― Proteja os dois, e

cheque Cowboy. Qualquer coisa, entre em contato.

― Sim, chefe.

Guardei minha arma na van e voltei a fitar as telas, inclusive a

do drone.

― Mas que porra! ― Arregalei os olhos ao ver um homem no

galpão de Ella com uma arma. ― Onde ela está?!

Hacker mexeu no computador, e o drone a procurou e a

encontrou atrás de uma pilha de caixas, pegando a arma de


Cowboy e respirando fundo. Seus olhos estavam aterrorizados, mas

ela parecia decidida.

O drone mostrou a hora em que Knife veio por trás do homem

e enfiou a faca em sua garganta, rasgando-a de fora a fora. Estava

seguindo até Ella quando ela saiu de onde estava, direcionando sua
arma para Knife.

Ele começou a falar com Ella. Mesmo em seu estado


aterrorizado, ela respirou fundo, mirando a arma nele, postando-se
na frente da caixa atrás da qual Cowboy estava, como se estivesse

protegendo-o.

― O que esse idiota está fazendo? Por que não diz logo quem

é? ― rosnou Arrow.

Knife deveria ter dito imediatamente a ela quem era, não ficar

com joguinhos. Pelo menos deu tudo certo, e eles chegaram ao

local indicado para saltar do trem.

Tracker partiu com a van em direção ao acampamento dos

renegados.

Eu estava ansioso para vê-la e abraçá-la, sentir seu cheiro.

Agradecia por ela estar bem e viva.

Chegamos ao local algum tempo depois, e pulei da van.

Mais à frente, vozes bastante alteradas soavam.

Lyn desembarcou de um carro que veio da direção oposta à

nossa e correu na direção do tumulto.

― Gunner, pare! ― ordenou.

Franzi a testa, depois um pensamento me veio à mente. Ella.

Corri na intenção de encontrá-la, com um aperto no peito,


pressentindo o pior.

Ao chegar mais perto da cabana, vi Gunner, um dos meninos

de Lyn, sobre um homem imobilizado no chão. Ele tinha enfiado

dois grampos nos olhos do cara, que berrava de dor. Não tinha ideia
do que estava acontecendo, mas nem me preocupei. Meu

pensamento estava em Ella.

― Gunner! ― Lyn o chamou de novo.

― Ele tentou machucá-la. Ela não o queria, vi o medo nos

seus olhos. ― Gunner encarou Lyn. Os olhos do homem eram

mortos. Parecia que só havia em sua mente sangue e morte. ― Ele

tem que sangrar.

― Ele vai, prometo, mas depois; tenho planos para o verme.


― Lyn colocou a mão na cabeça de Gunner, tentando tranquilizá-lo

como se ele fosse uma criança.

― Posso arrancar seus olhos? Sua língua? ― Ele olhava o

chefe com esperança, igual a alguém que ansiasse o melhor

presente que poderia ganhar.

Merda... Era um dos garotos que foram presos em uma das

arenas Prometheus e agora, após seu resgate, tornara-se um

assassino doentio e desiquilibrado, letal e sanguinário.


Suas palavras fizeram o sangue fugir do meu rosto.

Que não esteja falando de Ella, por favor! Contudo, não tive
essa sorte; ao ouvir um gemido, reconheci a voz cheia de terror.

Meu corpo gelou. Virei a cabeça para a direita, e meus


músculos travaram com a visão diante de mim. Ella estava sentada

no chão, encolhida, com os joelhos dobrados, abraçando-os, uma

arma e um celular ao seu lado, enquanto encarava Gunner e... e o

desgraçado que tinha tentado tocá-la.

Seus olhos estavam distantes, cheios de um tormento vivo,


então os fechou com força.

Aquele monstro tinha... Não, Gunner disse que o infeliz havia


tentado. Por isso eu era grato a ele, por mantê-la a salvo.

Não via Knife em lugar nenhum. Por que não ficara de olho

nela?

Corri até Ella e toquei seu rosto, fazendo-a gritar e se afastar,

amedrontada.

― Ella, querida, sou eu. ― Puxei-a para meus braços, dizendo

palavras tranquilizadoras, mas havia muito barulho ali, então a


peguei no colo e a levei para dentro da cabana.
Knife saiu de um quarto, pálido. Seus olhos focaram em Ella,
em choque em meus braços.

― Chefe...

― Te dei uma única ordem, e você não conseguiu cumpri-la...


― Segurei minha fúria para não fazer uma besteira. Ella era mais

importante agora.

― Desculpe, chefe ― sussurrou. ― Ela está bem? Ele não...

― Não, graças ao Gunner! ― grunhi. ― O que aconteceu? Por

que não a manteve sob o seu olhar? Não é do seu feitio deixar algo
assim acontecer.

― Cowboy precisou de muito sangue, e eu tive que lhe dar do


meu. Gusty avisou que eu me sentiria fraco, eu sabia dos riscos, e

ainda assim ofereci. ― Suspirou. ― Ella disse que precisava fazer


uma ligação, e aqui dentro não tem sinal. Assim que ela saiu do
quarto, tentei ir atrás, porque sou desconfiado, mas acho que

apaguei antes. Acordei com o barulho lá fora.

Diante de sua explicação, eu não podia ficar com raiva. Os

únicos culpados eram Lyn e eu, ele por não lhe contar a verdade, e
eu, por afastá-la.
― Tome conta de sua garota, que vamos resolver tudo ―
ofertou.

Assenti e a levei para um quarto onde eu tinha estado uma


vez, havia mais de dois anos.

― Lamento, pequeno Rouxinol. ― Beijei sua cabeça,


deitando-me na cama ao seu lado. Por alguns minutos, chamei-a de
volta do mundo sombrio onde sua mente estava.

― Christian? ― Ela piscou algumas vezes, parecendo sair do

transe, então me abraçou como se eu fosse seu porto seguro. ―


Oh, meu Deus! Você está aqui comigo!

― Não penso em estar em outro lugar, querida. ― Beijei sua


testa.

― Não me deixe! ― implorou.

― Nunca! ― Faria tudo para que se cumprisse aquela porra

de promessa. ― Está melhor?

― Sim. Obrigada por estar comigo agora. ― Inspirou meu

cheiro como se ele lhe desse força.

― Não tem que agradecer, e sei que tem muitas perguntas,

mas vamos deixá-las para amanhã, sim? ― pedi e beijei sua


bochecha. ― Que tal você tomar um banho? Depois podemos
dormir um pouco. Estou exausto.

Assentiu e foi até a porta do banheiro conjugado, mas parou,


olhando a porta do quarto com medo estampado em suas feições.

― Ninguém vai entrar, prometo. ― Fui até ela e beijei sua


testa.

Ainda estava furioso por alguém ter se aproximado dela

naquela noite. Queria ir lá fora e matar o infeliz. Ainda bem que Lyn
deixaria para depois, pois Ella era a minha prioridade.

― Confio em você. ― Abraçou-me forte por um instante e


entrou no banheiro.

Suspirei, mortificado com sua confiança em mim. Era muita


responsabilidade, afinal nem pude proteger a minha família; como
poderia fazê-lo com ela? Bem, mas não importava, eu não a

deixaria correr mais perigo!

Ao me lembrar que ela só tinha consigo aquele vestido

rasgado e sujo, tirei minha camisa, bati à porta do banheiro e,


quando Ella a abriu, ainda vestida, entreguei-a ela para que
dormisse mais à vontade. Teria que servir até conseguirmos coisa

melhor.
Minutos depois ela saiu vestida e com os olhos vermelhos.

― Venha se deitar e dormir ― chamei-a, pegando sua mão.

Deitei-me ao lado dela e a puxei para mim.

― Aquele cara...

― Não vamos falar disso hoje, amanhã conversamos. Pode

ser? Juro que ninguém vai machucá-la.

― Tá bem... Obrigada por ter enviado Cowboy e Knife para me

proteger. Se não fosse por eles... e aquele outro que me salvou


ainda há pouco.

― Gunner?

― O nome quer dizer “guerra”? ― Ela suspirou. ― Faz

sentido. Eu o vi mais cedo. Na hora estava nervosa e corri de medo.


Eu lhe devo desculpas.

― Não deve nada, mas, se quiser, faremos isso amanhã.


Agora descanse, que está protegida. ― Beijei seus cabelos.

Ela assentiu, fechando os olhos.

― Senti sua falta ― murmurou.

― Também senti a sua ― respondi, mas ela já estava

dormindo. E como senti! Era grato por tê-la segura em meus braços.
― Tudo vai mudar a partir de amanhã, querida, prometo.
El Diablo
Deixei Ella dormindo e saí do quarto. Não queria, mas

precisava falar com Lyn.

― Ninguém entra nessa cabana ou você sai dela ― ordenei ao


Arrow.

― Sim, pode resolver as coisas. Se ela acordar, te chamo. Lyn

e os outros estão lá fora. Ele está esperando por você.

Saí à sua procura tentando controlar a minha fúria, mas ela


estava no auge.

Descendo a colina, tinha uma clareira, e havia uma fogueira no

centro dela. Era longe da cabana, de modo que Ella não poderia

ouvir os gritos do sujeito do infeliz que quis machucá-la. Ele estava

de pé, com os braços erguidos e as mãos atadas a uma vara de


madeira. Seus pés também estavam presos.

Lyn e seus homens, bem como Demolidor, Knife e os

Renegados se encontravam lá, à minha espera.

― Lyn! ― bradei. Aproximei-me dele, que se virou para mim.

― Tudo isso está acontecendo por sua maldita culpa, seu

desgraçado!
― Eu sei.

Eu estava puto e louco para socá-lo, mas sua voz, sofrida e


cheia de remorso, desarmou-me um pouco. Por mais que eu

quisesse matá-lo, não podia. Quando soubesse que seu irmão

estava vivo, Ella iria querer vê-lo de preferência sem machucados.

Cheguei a meio metro dele e soquei seu estômago com força.

Assim ela não iria saber, a não ser que ele contasse, o que eu

apostava que não aconteceria.

Armas foram engatilhadas de todos os lados, tanto pelos meus

homens quanto pelos dele.

― Sorte sua levar só um soco em vez de uma maldita bala na

cabeça ― rosnei, afastando-me.

Ele aprumou seu corpo. Não havia gritado ou rosnado, apenas

se encolhido. Isso significava que sabia lidar com a dor, assim como
muitos de nós.

― Abaixem as armas ― determinou aos seus homens. Assim

que cumpriram a ordem, os meus também baixaram as suas. ― A

culpa não foi só minha. O seu homem deveria estar com Ella.

― Não, essa merda nem deveria ter acontecido. Você deveria

ter dito...
Ele aproximou o rosto do meu.

― Aqui não é o lugar para essa conversa. ― Afastou-se e

olhou ao redor. ― Gusty, devo pedir que você e seus homens se

retirem agora. El Diablo e eu temos algo a fazer que não requer a


sua ajuda.

Gusty, chefe dos Renegados, olhou entre nós e assentiu,


mandando todos saírem.

― Se chegarem próximo da cabana, saibam que Arrow tem

ordens para matá-los ― alertei.

― Somos aliados... ― começou Gusty.

Cortei-o.

― Também achei, mas aqui está um dos seus, preso por tocar

em alguém com quem eu me importo. ― Cerrei os punhos.

― Seu nome é Oscar, chegou há três dias. Eu não confiava


nele nem o tinha feito um dos nossos ainda. Seria de nossa alçada

terminar com ele...

Lyn sorriu sem mostrar os dentes.

― Isso não vai acontecer. O fim dele vai ser pior que a morte,
pode apostar ― rosnou e indicou que Gusty se retirasse: ― Agora
pode ir, tenho trabalho a fazer. Ah, sim? Se isso vazar daqui, saiba

que vou encontrá-los e terão o mesmo destino desse infeliz.

― Faço das palavras dele as minhas ― jurei.

Gusty sacudiu a cabeça e saiu. Ele sabia que não podia dizer
nada, e eu esperava que controlasse seus homens, ou cumpriria

minha promessa.

― Agora somos só nós, Oscar. É esse seu nome? ― Lyn


postou-se na frente do homem sangrando pelos olhos, mas notei

que não estava cego; fitava-nos com terror.

― Gosto desse pavor que vejo em seus olhos... ― sibilei.

― Os mesmos que você deve ter usado para ver minha irmã
quando criança, enquanto a violentava...

Arfei.

― Está me dizendo que esse sujeito é um dos filhos da puta

que a tocaram? ― Virei-me para Lyn com ar acusatório. ― Como


você...? Você me falou que não sabia dos nomes deles!

― Descobri assim que me soltaram da arena onde estava

preso e fui atrás de minha irmã. Soube tudo o que lhe aconteceu,
encontrei todos os envolvidos e os matei. Restaram apenas três.
― Você me falou na boate que não tinha conhecimento de
quem eram eles! Por que mentiu?! Por que simplesmente não dizer
que os matou? ― rosnei e indiquei o sujeito. ― Por que matou os

outros, mas não esses três? ― Cerrei os punhos para não socar
sua cara. ― Por que merda fez isso?!

― Esses três, incluindo esse ― apontou para o verme


gemendo à sua frente ―, foram aqueles que a marcaram, não falo

só de sua alma, mas também de seu exterior, de todo o seu corpo.


Oscar apagava cigarros na pele dela...

A fúria me consumia, e eu queria matá-lo naquele mesmo

instante. Até dei um passo à frente, mas Lyn segurou meu braço.

― Sei que está furioso, mas controle seu gênio. Foi por isso
que eu não disse nada a você, que ainda restavam três deles. Sabia

que iria à sua procura e os mataria. ― Suspirou. ― Quero que


minha irmã tenha um encerramento daquele capítulo horrível de sua

vida.

― Está me dizendo que os deixou vivos para que Ella visse

suas mortes? ― Sacudi a cabeça.

― Sim, ela precisa disso. Você sabe tão bem quanto eu que é

verdade. Você matou todos os membros de uma máfia em sua


vingança, sonhava com a morte de cada um deles. Sei disso
porque, assim que saí de onde estava preso, matei todos aqueles
que me fizeram mal naquele lugar. Se eu tirar isso de minha irmã,

uma parte dela nunca irá alcançar a paz.

Assenti, pois sabia que estava certo. Enquanto não me

vinguei, estava em conflito e com fúria demais, embora as perdas


ainda doessem e seria assim até o fim de minha vida. De todo

modo, matar os assassinos de minha família me ajudou um pouco a

superar.

Talvez Ella quisesse participar daquilo para concluir o seu


passado. Só por isso resolvi não matar o filho da puta naquele exato

momento.

― Vamos deixá-la escolher. ― Era o melhor a ser feito. ―

Depois que você revelar quem é a ela.

Notei que estávamos apenas nós dois na clareira, em frente ao

maldito. Nossos homens tinham se dissipado. Provavelmente, ao

verem que não esganaríamos um ao outro, resolveram nos dar o


espaço que precisávamos.

― Sim, irei revelar tudo. Não a quero sofrendo mais. Porra,


pensar nisso me esmaga, mas sua segurança vinha em primeiro
lugar! Sei que estraguei tudo ao deixá-la no escuro, não achei que

ela cruzaria o maldito oceano e enfrentaria tanto perigo por mim! ―


Resfolegou, sentando-se em um banco que havia no local.

Sentei-me ao seu lado enquanto olhávamos a fogueira,

ignorando o sujeito gemendo ali perto.

― Ella é teimosa e se importa com você. ― Suspirei. ― Então

derrubou mais uma Prometheus?

― Sim. Agora as crianças e adolescentes presos naquele

antro estão sendo levados a um refúgio, onde serão tratadas por

pessoas capacitadas. Somos sociopatas e psicopatas, nada mudará


isso, mas não andamos por aí matando todos.

Lyn manteria os meninos afastados da sociedade por


enquanto, afinal sabia que não podia soltar assassinos sem

consciência pelo mundo. Isso seria uma catástrofe. Antes de poder

voltar ao convívio humano, eles precisariam aprender autocontrole,


pois aquelas arenas os transformavam em meros animais

irracionais. Pensei em Gunner, que ainda tinha muito daquela

selvageria em si.

― Quem são as pessoas que estão atrás de Ella? ― Não

importava quem eles fossem, eu não deixaria que a pegassem. ―


São homens de Marek?

― Não. Felizmente, Marek não sabe dela, e espero que


continue assim. Mas tenho outros inimigos tão poderosos quanto

ele. Os O’Connor.

― Aqueles sujeitos eram asseclas da máfia irlandesa?

Praguejei. Finn O’Connor era o chefe de uma das máfias da

Irlanda, um dos mafiosos mais sanguinários que eu conhecia,

capazes de todo tipo de atrocidade que alguém pudesse imaginar.

― Sim, matei o filho dele há uma semana. Ele estava em uma

das Prometheus. ― Escorou-se no encosto do banco, parecendo


cansado. ― Não sei como chegou a ela, mas vou descobrir.

― Sei que é temerário deixar Ella com pouca proteção, com


apenas uma pessoa a vigiando, mas eu...

Ele me encarou com as sobrancelhas arqueadas.

― Está dizendo que o único que pode mantê-la segura é

você?

― Você também pode, sei disso, mas está ocupado

derrubando as Prometheus. Então vou protegê-la. Não que eu


precise da sua autorização. ― Não deixaria que nada a

machucasse.

― Eu estava pensando em deixar de ir atrás das arenas para

ficar com minha irmã. Os meus meninos podem derrubar os locais


que preciso sem mim. Já devia ter feito isso há muito tempo, mesmo

que antes, sem contar os primeiros anos com nossa tia, ela

estivesse segura. Agora não está mais.

Eu teria feito a mesma coisa se fosse minha irmã, largaria tudo

para protegê-la.

― Converse com ela, explique a situação, mas saiba que, se


Ella optar por ir comigo, tomarei conta dela, e, mesmo se decidir

ficar com você, também tomarei. ― Era verdade; eu não a deixaria

fora das minhas vistas.

Assentiu.

― Não vou ficar no caminho de vocês. Pela forma como você

a abraçou e a protegeu, como se ela fosse algo importante...

― Ela é...

― Eu sei. Não o estou obrigando a confessar seus


sentimentos por ela. Mas, antes que deixe isso crescer, precisa
contar sobre você e o que faz, sem aquela história de que é um

guarda-costas. ― Recriminou-me com o olhar.

Eu temia que ela não aceitasse muito bem as coisas como

eram. Esperava que sim, mas não tinha a mínima ideia de como ela

reagiria ao saber a verdade sobre mim. A única coisa que sabia era

que eu não poderia ficar longe dela.

― Vou contar. Só vou esperar essa porcaria toda passar. ―


Encarei o homem preso perto de nós. ― Esse será morto amanhã.

Quanto aos outros, não pode deixá-los soltos e correr o risco de

acontecer o que houve hoje.

― Tenho homens vigiando-os. Eles os caçaram e vão mantê-

los presos até eu falar com Ella e saber se vai querer participar ou
não de suas mortes.

― Duvido que ela participe, mas posso estar enganado.

Contei-lhe que ela defendeu Cowboy e apontou a arma para

Knife.

Ele riu.

― Minha garota se tornou forte. É uma pena que teve que

enfrentar essa porcaria sozinha. Tudo por culpa daquela vadia. ―

Trincou os dentes.
― Você a matou ― apontei, lembrando-me que ele também

havia mentido sobre aquilo.

― Sim, assim que descobri o que ela havia feito. ― Havia dor

e culpa em sua voz. ― Pena que não foi antes dessa merda toda.

― Não é sua culpa, Lyn, estava preso na época ― lembrei a

ele.

― Digo o mesmo. Sei que se martiriza pelo que aconteceu


com sua família. ― Levantou-se.

Fiquei onde estava, com aquele aperto em meu peito,


pensando na culpa que eu sentia. Ainda que eu não fosse o real

culpado, era o homem da casa, deveria protegê-las.

― Vamos entrar? Preciso ver minha irmã antes de resolver

umas coisas.

― Não vai dormir? Parece precisar de uma boa noite de sono.

― Ele parecia cansado.

― Não sei o que é isso há anos, mas vou tentar depois.

― Somos dois. ― Fui até o abusador, que tinha apagado. Bati

em seu rosto, fazendo-o acordar assustado. ― Olá, Bela


Adormecida. Aproveite sua última noite de sono; a partir de amanhã
dormirá para sempre.

― Me mate, porra! ― rosnou.

Sorri.

― Isso seria fácil demais, e sabe de uma coisa? ― Cheguei


mais perto dele, como se fosse lhe contar um segredo. ― Não gosto

de coisas fáceis, sou mais a favor de algo duradouro, do tipo que

sangra, provoca gritos e lágrimas. ― Inspirei fundo, como se

provocar aquelas reações nele fosse meu melhor presente. ―


Adoro isso, é música para os meus ouvidos.

― Você terá mais algumas horas. Acho melhor começar a


rezar ― Lyn zombou. ― Embora ninguém irá salvá-lo de sua

sentença, a morte.

― Salvar? ― Bufei com um sorriso. ― Aprecie esse céu,


porque logo mais irá para o inferno, mas antes vai ser fodido por
todos esses homens, assim como fez com Ella.

― Aquela putinha gostava...

Soquei sua boca, quebrando-lhe alguns dentes.

― Não fale dela, porra! ― rosnei.


Lyn me puxou dali para irmos para a cabana.

― Você é explosivo ― acusou. ― Lembra muito o Stefano.

― Nem todos são frios como você.

O infeliz do Oscar ficou xingando e gritando tudo que fez com


Ella. Cada palavra que saía da sua boca me deixava mais puto da

vida.

― Vamos embora, Gunner cuidará dele. ― Segurou meu


braço com mais força quando Gunner apareceu ali como se tivesse

sido conjurado do nada.

― Porra! ― Cerrei os punhos.

― Não tire os olhos dele, Gunner ― ordenou Lyn.

Gunner segurava dardos. Jogou um na perna de Oscar, que


não parava de falar, mas isso o fez interromper as palavras e gritar.
Seus gritos se tornaram mais altos quando Gunner puxou o dardo,

arrancando-o junto a uma porção de sua carne.

― Tenho muitos deles. Se não calar a boca, posso brincar a

noite inteira, embora sejam seus olhos e sua língua que eu quero.
Irei alimentar meus lobos com eles. ― Sentou-se no chão sem tirar
os olhos do sujeito.
Lyn bufou, arrastando-me dali.

― Só não o mate. Se ele tentar algo, pode apenas brincar ―

falou ao louco do seu subordinado.

Sacudi a cabeça quando não podia vê-lo mais. O homem

parecia ter os parafusos soltos.

― Nem todos se recuperam do que passaram naquele inferno.


Alguns têm sequelas, como pode ver, mas eu os ajudo a ver um
lado bom em tudo, a não sair por aí matando qualquer pessoa cuja

morte não seja necessária. ― Colocou as mãos nos bolsos. ―


Ensino regras a eles, e uma delas é não fazer nada que não ordeno.

Só temos um inimigo neste momento, aqueles que machucam


crianças da mesma forma que fizeram com a gente. Indico que
canalizem sua raiva neles.

― Seu trabalho é bom, Lyn. Espero que continue a fazê-lo. E


não se preocupe com Ella; meu pessoal e eu tomaremos conta dela

― jurei.

― Sei que sim. Vou cuidar dos irlandeses para não se

aproximarem de minha irmã.

― Se precisar, estou aqui ― frisei de novo.

― Vai deixá-la para ir me ajudar? ― Franziu a testa.


― Não, mas posso enviar alguns homens dentre o meu
pessoal com você.

Assentiu, e entramos na casa, onde encontrei Arrow no


mesmo lugar.

― Ela acordou?

― Não, mas seus sonhos estão bem agitados.

De repente, Ella gritou.

― Christian?! ― Eu podia ouvir seu sussurro de medo lá

dentro.

― Vai. Amanhã a vejo, não acho que ela esteja pronta para

saber a verdade sobre mim agora, precisa descansar antes ― disse


Lyn baixinho. ― Assim que ela voltar a dormir, dou uma passada lá.

Concordei e entrei no quarto, vendo-a sentada no meio da


cama.

― Ei, pequeno Rouxinol. ― Tirei meus sapatos e a jaqueta e


me deitei, puxando-a para os meus braços. ― Durma, querida.

― Acordei, e você não estava... Achei que tinha imaginado


que você estivesse aqui ― sussurrou, enterrando o rosto em meu

peito.
― Não era sonho, estou mesmo aqui. ― Beijei sua testa. ―

Vamos dormir?

― Só não sai mais, tá?

― Não fui longe. Está segura aqui ― prometi.

Eu não sabia o que aconteceria conosco, não apenas em


relação ao perigo que ela corria, mas entre nós, nosso

relacionamento. Não importava o que fosse acontecer, eu não


fugiria, encararia o que viesse. Não admitiria perder Ella de
nenhuma forma.
Ella

Acordei com o aroma de café, um cheiro que eu adorava, mas,

antes de me alegrar, lembrei-me do que havia acontecido no dia

anterior, e isso me fez tremer por dentro.

Sentei-me depressa, olhando ao redor e notando que estava


em um quarto onde só tinha uma cama e um guarda-roupa, nada

mais. Ao menos parecia limpo, diferentemente do resto.

Algo, ao menos, ajudava a me acalmar: eu não tinha sonhado

com Christian. Ele realmente havia aparecido na última noite, e eu


dormira em seus braços. Tinha estado cansada e com medo demais

para rejeitá-lo após o que ele fez, embora isso não podia ser
minimamente comparado com tudo o que o monstro com que me

deparei era capaz de fazer. Com a graça de Deus, ele deveria estar

morto, pois aquele homem que me salvou parecia letal. Eu


precisava procurá-lo e lhe agradecer.

Olhei para o meu corpo, notando que estava com a camiseta

de Christian. Só podia ser dele, pois o seu cheiro se desprendia dela

e de minha pele. Fui ao banheiro, lavando meu rosto a seguir. Achei


uma escova de dentes, mas, como não sabia se alguém a havia

usado, escovei os meus com os dedos. Assim que pudesse, faria da

forma certa. Tirei a camiseta para colocar meu vestido esfarrapado e

sujo de volta, depois vesti a camisa por cima. A roupa era um pouco

deplorável, mas era o que eu tinha no momento.

Abri a porta do quarto, indo à procura de Christian, mas


empaquei ao ver um homem imóvel na sala me olhando. Ele era

alto, tinha cabelos castanhos e barba, corpo forte e olhos escuros

que me fizeram tremer, pois pareciam sem vida. Vazios e mortos,

essas palavras os descreviam. Lembraram-me os de Gunner.


Fiquei tão assustada que dei dois passos para trás, afastando-
me do desconhecido. Algo tocou no fundo da minha mente, mas eu

não consegui pensar direito, arisca demais com tudo que vinha

acontecendo comigo.

Olhei para os lados procurando alguém conhecido.

― Christian? ― chamei temerosa. ― Cowboy?

O homem levantou as mãos como se estivesse se rendendo, e

seu olhar se tornou terno, muito diferente da aura abissal que

emanava segundos antes.

― Ella, sou eu. Não vou machucá-la ― começou a dizer ele

com tom calmo.

Encarei-o, tentando reconhecê-lo, mas ninguém vinha à minha

mente.

― Sou eu, Kasper. ― Apontou para si. ― Estou diferente do

garoto magricela de antes, mas sou o mesmo, o seu irmão que


prometeu que um dia voltaria para você, jurou sobre a lua que

estava sobre nossas cabeças naquela noite, lembra?

Fiquei imóvel como uma estátua, tentando assimilar suas

palavras, uma enxurrada de memórias invadindo minha mente.


― Você disse que nós podíamos estar em lugares diferentes,

mas existiam só uma Lua e um Sol, e, se um dia você não estivesse


perto de mim, que eu deveria olhar para o céu, pois você estaria

fazendo o mesmo e um dia voltaria.

Meu coração acelerou quando pensei em quantas vezes

olhava para o céu com esperança de aquela promessa se cumprir.

― Oh, meu Deus... Kasper! ― sussurrei, chorando, e pulei em


seus braços, mas, antes que eu pudesse desfrutar mais do abraço,

seu corpo congelou, então me afastei para checar o motivo disso.

Seus olhos estavam aterrorizados. Lembrei-me de uma época,


quando mais nova, em que temia todo tipo de toque em razão do

que aqueles monstros fizeram comigo. Agora eu via esse mesmo


pavor em meu irmão. O que teria acontecido com ele? Alguém

também o havia... molestado? Oh, Deus! Que não seja nada disso!

Tentei recuperar minha expressão para não o preocupar. Tinha

milhares de perguntas, mas estava muito emocionada por vê-lo.

― Desculpe... ― Tentei me afastar dele, mas meu irmão me

apertou mais forte, soltando um suspiro com o rosto enterrado em


meus cabelos.
― Ella, nem acredito que você esteja aqui e que... por pouco

aquele infeliz não... a machucou. ― Sua voz falhou.

Eu não podia acreditar que ele estava ali, em meus braços.

Sonhara tanto com aquele momento que enfim estava acontecendo.

Ficamos assim por um tempo, até ele me arrastar de volta para

o quarto e sentar-se na cama ao meu lado.

― Estou bem. Um homem me salvou. ― Respirei fundo,


controlando as lembranças assustadoras.

― Gunner ― informou.

Gunner! Lembrei-me de Christian dizer esse nome na noite

anterior. Era um nome estranho, mas combinava com ele, era letal.

― Tenho de agradecer a ele por ter salvado minha vida.

Avaliei sua expressão, seus traços duros, sinal de quem tinha


sofrido muito. Isso me cortava fundo até o âmago, mas não poderia

ter feito nada para salvá-lo, assim como ele também não poderia ter
me ajudado.

― Ella, tem algo que preciso dizer. ― Pegou minha mão e

ficou ali, avaliando-me como se temesse que eu fosse desaparecer.


Era tão lindo o meu maninho. Tinha virado um homem
espetacular.

― Onde esteve? Tenho procurado por você, nunca desisti de

reencontrá-lo. ― E teria continuado procurando até o dia em que eu


morresse.

― Fui levado para a cadeia naquela época, mas depois


sumiram com todos os meus registros e me levaram a um lugar...

Deixe-me te contar uma coisa. Há uma organização chamada


Prometheus que sequestra crianças e adolescentes, os trancafiam e
obrigam a lutar até a morte em arenas espalhadas por todo o

mundo. Antes se chamava Arena da Morte, mas isso não vem ao


caso. Só o que precisa saber é que esses lugares são os piores que

existem na Terra. Tudo de mais pavoroso que você pode imaginar


acontece nessas arenas, e muito mais. ― Seus olhos se tornaram

distantes. Ele parecia ter perdido a alma, como alguém que, mesmo
livre fisicamente, não tinha como ser resgatado de onde estava em
sua mente.

― O que mais eles fazem com os meninos lá? ― sondei, mas


meus instintos diziam que eu já sabia, pela forma como ele se
retraiu ao meu toque. Esse gesto não tinha sido causado só por
espancamento, mas por muito mais que isso.

― Eles dão esses garotos para serem violentados de uma


forma que quebra suas almas. Os obrigam a lutar e matar uns aos
outros em gaiolas. ― Sua respiração ficou aguda. Por mais que ele

estivesse falando de forma genérica sobre a violência sexual, eu


sabia que ele tinha sido um desses garotos perdidos. Meu coração

sangrava por saber como ele tinha sofrido.

― Quanto tempo ficou preso nessa organização? ― Queria

mudar o rumo da conversa para que ele não sofresse com


lembranças dolorosas.

― Por quase 4 anos, dos 14 aos 17, mas parece que foi uma
vida inteira naquele inferno. ― Deixou minha mão e foi até uma

janela, encarando o lado de fora, mas não parecia estar enxergando

nada.

― Onde esteve nos outros 13 anos? ― inquiri, temendo a

resposta.

― Um homem me salvou. Ele me ensinou tudo que sou hoje.

Quando saí daquele lugar, era um ser irracional. Pense em um leão


solto em uma multidão, o estrago que faria. Era assim que eu

estava. Precisei de dois anos para conseguir ser racional de novo.

Levei a mão à boca, com os olhos em lágrimas ao imaginá-lo


da forma como se descreveu.

― O homem que me salvou, Borek, foi morto, mas, antes, me


ensinou a salvar garotos como eu, com o mesmo destino. Faço isso

desde então. Esta noite derrubei outro antro da Prometheus, no

subsolo da igreja de Sete Caminhos ― declarou. ― Resgatamos

ontem mais de 120 garotos, e eu sou responsável por eles. Têm


mais arenas por aí que preciso encontrar, e muito mais garotos a

resgatar. Não há mais ninguém por eles, não há esperança... ― Ele

ficou em silêncio por um tempo. ― Sou o único capaz de salvá-los


desse destino cruel, que é pior que a morte.

Eu estava chocada demais com suas palavras e com raiva dos

monstros que machucavam os meninos, bem como com náuseas do

que fizeram com eles e, o pior, com meu irmão também. Por isso ele

queria ajudá-los, pois se sentia como eles.

Embora eu estivesse feliz por ter encontrado meu irmão,

também me contentava e orgulhava por sua empatia e ajuda na


libertação daqueles garotos. Não poderia tirar isso dele só para tê-lo

por perto.

― Entendo você ― sussurrei. ― Essa igreja que mencionou

era aonde o policial iria me levar? Ele queria me mostrar algo. Tentei

telefonar para ele ontem, mas não atendeu a ligação.

― Na verdade, ele ia levá-la para uma armadilha. Um dos

meus inimigos soube quem você era para mim e queria usá-la para
me atingir. ― Trincou os dentes.

Arregalei os olhos.

― Cowboy e Knife trabalham para você ou para Christian? ―


Recordei-me de Cowboy dizendo que tinha sido contratado para me

proteger.

― Para ele. E Gunner, para mim.

― Então você passou 11 anos libertando e cuidando de


crianças prejudicadas pela Prometheus. Entendo que isso é muito

importante e acho sua atitude louvável. Mas e quanto a mim? Por

que não me deixou saber que estava vivo e o seu paradeiro? ―


Meu coração doía, eu me sentia abandonada pelo meu único irmão.

Ele poderia ter feito as duas coisas, os resgates e o contato comigo.


― Ella, tente entender. ― Virou-se e me olhou. ― Tenho

inimigos demais. Se eu me aproximasse, você correria perigo.

― Está dizendo que ficou longe de mim para minha proteção?

― Sim, não queria que se machucasse mais...

Meu sangue gelou.

― “Mais”?

― Sei o que a puta da nossa tia fez. Investiguei tudo após sair
de onde estava, depois matei a vadia e os “clientes” dela. ―

Embora sua voz tivesse uma camada de fúria ao falar da nossa tia

pelo que ela fez comigo, não vi emoção ou remorso em Kasper ao

dizer que os matou.

― Matou a todos? Mas aquele de ontem era...

― Esse foi um dos meus erros, deixei três deles vivos, pois

queria dar a você a chance de matá-los ou participar da vingança


mesmo que só presenciando-a. Isso ajudaria a conter uma parte

sombria no mais profundo de seu ser. E eu soube que esses três

eram os piores, pois deixaram marcas em seu corpo e alma.

Fiquei em choque com mais essa descoberta. Jamais teria

imaginado que algo assim pudesse acontecer. O que eu deveria


fazer? Uma parte de mim queria matá-los, mas eu não sabia se

seria capaz. Talvez suportasse assistir à vingança do meu irmão?

― O desgraçado de ontem ainda está vivo? ― Meu sangue

parecia uma mistura de gelo e fogo, algo nada bom.

― Sim, só estou esperando você decidir o que gostaria de

fazer, mas fique tranquila, não precisa temer nada, ele está preso.

Gunner está tomando conta dele, então você não corre perigo. ―
Alguma coisa ele devia ter visto em minha expressão, para

acrescentar as últimas frases.

― Vou ver, mas não acho que eu seja capaz de matar... ―

Talvez fosse, mas apenas em legítima defesa. Não estava e minha

índole espancar e matar uma pessoa imobilizada. Entretanto, ao


lembrar-me do passado, tive minhas dúvidas...

― Que seja como você preferir. E os outros, o que deseja que


eu faça com eles? ― sondou Kasper.

― Não sei... Agora estou confusa, triste, magoada por você


não ter vindo a mim ou ao menos ter-me dito que estava vivo. ―

Inspirei fundo. ― Tantas noites em claro, sofrendo e chorando, e

você estava a um telefonema!


― Meus inimigos são do tipo que matam e torturam sem

piedade, a ponto de quebrar até a alma da pior forma possível. Eu


não queria que ninguém soubesse que tenho um calcanhar de

Aquiles, alguém por quem eu daria minha vida, que é a única luz

dentro de mim. Se ela se apagar, nada mais vai importar para mim,

nem mesmo respirar. ― Havia tanta verdade e dor em suas


palavras que me encolhi. ― É por minha causa que você está assim

hoje. Por culpa minha, pessoas tentaram te matar. No final, a

proteção que tentei lhe dar não adiantou muito.

― Estou bem, e nada aconteceu, nem vai ― garanti.

― Ella...

Antes, parecia que sempre havia um buraco em meu peito;

agora, sentia-me completa, ainda que ressentida por todos os anos

sem contato. Uma parte de mim entendia seu sacrifício e proteção,


mas a outra se sentia inconsolável.

― Somos adultos, independentes... Eu tenho uma vida onde


moro. E você... onde mora mesmo?

― Por agora, em vários lugares, pois preciso resgatar mais


garotos. Depois que terminar meu propósito, pensarei no que fazer.
― Posso estar magoada agora com tudo que descobri, mas só
preciso assimilar e ficar um pouco sozinha. ― Encontrei seus olhos.

― Não quero que vá embora e que eu não o veja mais.

― Eu lhe darei o tempo que precisa, e nunca a deixarei

sozinha. Existem pessoas que a estão perseguindo, por isso quero

que fique com isso. ― Tirou algo do bolso e o mostrou para mim. ―
Este telefone é pré-pago e não rastreável. Só têm quatro contatos

aí, o meu, de Stefano, de Andreas e de El Diablo... São homens a

quem confio sua vida.

― Espere... El Diablo? ― Sacudi a cabeça, tonta. ― Nem

devo querer saber por que essa pessoa tem esse nome, não é?

Riu.

― Acho que não, mas confie nele e nos outros, caso precise.
― Entregou-me o celular.

― Espero não precisar ― sussurrei.

― Com esse telefone, conversaremos sempre que você


quiser. Assim que me perdoar, vou ao local onde você mora ―
jurou.

― Não é questão de perdoar ou não, mas tudo que


aconteceu... Uma parte de mim entende o que você fez, mas outra
ainda não...

― Eu sei, não vou pressioná-la. Enquanto isso, um amigo meu


irá cuidar de você até eu ter certeza de que não corre perigo, de que

ninguém mais sabe o que você significa para mim e, assim, tente
usá-la para me atingir. ― Seu tom foi letal: ― Ninguém chegará

perto de minha irmã de novo.

― Seu amigo é o Christian? ― Pisquei. ― Ele sabia que você

estava vivo e não me contou?!

Kasper levantou as sobrancelhas.

― Contou a ele que tinha um irmão? Têm pessoas minhas a

vigiando, e não ouvi qualquer relato disso.

― Não importa se contei ou não! Ele sabia de mim, por isso se

aproximou... ― Algo se entalou em minha garganta. ― Há quanto


tempo o conhece?

― Poucos anos atrás, descobri sobre ele e o que faz, mas só


conversamos mesmo há poucos meses. E, caso esteja se
perguntando se eu o mandei a você, a resposta é não. Na verdade,

eu disse algumas coisas a ele... Naquele dia, na boate, eu lhe pedi


que ficasse longe de você, mas sua vinda para cá estragou as
coisas. O que está acontecendo é culpa minha, por não ter
aparecido logo e lhe revelado tudo.

Lembrei-me de ter acordado sozinha na manhã seguinte. Seria


por esse motivo que ele havia me deixado e ido foder outra mulher?

― Você não tinha esse direito. ― Meus lábios se comprimiram


até, por certo, parecerem uma linha.

― Não, talvez não tivesse, mas me diga uma coisa: está


preparada para o fardo que ele carrega? Se estiver disposta a

ajudá-lo correndo o risco de se machucar, juro que não vou me


meter, embora eu acerte as contas com ele se a fizer sofrer. ― Pela

forma como falou, era uma promessa.

― Não pode matá-lo! ― Resfoleguei, ficando de pé.

― Não o faria só por você, mas ele iria sofrer de algum jeito.
Mas não vamos falar disso, afinal nem aconteceu ainda. ―

Suspirou.

Se ele soubesse o que Christian tinha feito... Se bem que não

havia sido nada de mais, afinal não tínhamos qualquer


relacionamento.

― Por favor, me deixe sozinha ― pedi, sentando-me na cama,

sem forças.
― Claro. Assim que estiver pronta, iremos até o infeliz que a
machucou, e lhe darei sua sentença. ― Veio até mim e beijou minha

testa. ― Você é tudo para mim, eu a amo mas que tudo neste
mundo. Foi a única coisa a me dar forças para passar pelo inferno
onde estive ― revelou e saiu do quarto antes que eu pudesse me

recuperar da dor em meu peito.

Kasper estava diferente, mas era meu irmão e sempre seria.

Desde pequeno, ele tinha essa aura protetora; agora não seria
diferente.

Parte de mim estava feliz por saber que ele estava vivo. Eu
quase não podia acreditar que tinha uma nova chance de estar ao

lado dele de novo, parecia surreal. Estar feliz como eu estava


naquele momento dava-me até medo, como se aquela bolha de
contentamento pudesse estourar a qualquer instante. E parte de

mim estava triste, aquela que sentia tanto por tudo o que meu irmão
passou e por ele ter escondido que estava vivo por tantos anos.

Meu coração estava partido ao saber de sua história. Nós dois


tivemos uma criação difícil enquanto vivíamos com nosso pai.

Depois nossos destinos foram separados e tomados de ainda mais


dor, tormento e desespero. Finalmente estávamos juntos de novo, e
eu faria todo o possível para continuarmos assim, pois

sobrevivemos ao inferno.
Ella

Decidi não ficar trancada naquele quarto chorando por Kasper


e Christian terem mentido para mim. Saber a verdade na hora doeu,

mas agora eu estava com raiva. Christian deveria ter me dito tudo,

bem como não ter se afastado de mim por temer as ameaças do


meu irmão.

Eu sabia que Kasper se tornara um assassino. Entretanto,

muito embora a minha profissão, não me preocupava com isso. Ele


se tornou quem precisava para sobreviver, assim como tantas

outras pessoas. Eu mesma tive de lutar para ser capaz de me tornar


quem era. Não estava 100% curada, mas um dia alcançaria a cura

completa. E jamais abaixaria minha cabeça.

Antes de eu sair do quarto, ouvi uma batida, seguida pela


entrada de Christian.

― Oi... Podemos conversar? ― Ele me avaliava.

Suspirei.

― Não há muito a dizer. Você sabia do meu irmão, mas não

me contou nada. ― Estava tão esgotada por causa de tudo. Aquele


dia era para ser motivo de felicidade e comemoração, mas ali estava

eu, sofrendo pela mentira do meu irmão e de Christian.

― Eu sei, e lamento que isso a magoou...

― Magoou?! ― Ri amarga. ― Não, me devastou! Não sabe o

que passei todos aqueles anos pensando se ele estava vivo ou

morto, onde estava, se estava sofrendo! Tem alguma noção? O que


sentiria se Lance tivesse sumido desde criança? Teria desistido de

procurá-lo? Aposto que não! Mas a pergunta é: como se sentiria ao

saber que seu irmão estava vivo e simplesmente não veio ao menos

dizer que estava bem? Agora outra pergunta, como reagiria se eu

tivesse escondido algo sério assim de você?

Ele ficou ali, imóvel, com os olhos arregalados.


― Ella...

― Christian, minha cabeça está explodindo. Esses dias foram


demais, então não me force... Preciso digerir o que descobri sobre o

meu irmão. Por mais que eu entenda as razões dele, ainda assim

dói não ter sabido a verdade. ― Lágrimas escorreram dos cantos

dos meus olhos.

Não queria que Kasper soubesse o quanto doeu em mim por

ele ter estado longe. Meu irmão passou por muito sofrimento, e eu

não queria lhe causar mais dores.

― Não contei antes sobre conhecê-lo porque achei que algo

assim deveria partir dele, afinal era o seu segredo. Além disso, Ella,

nós mal conversamos desde que...

― Nos conhecemos? ― Terminei por ele a frase. ― Então as


poucas vezes que me encontrou não seriam motivo suficiente para

me revelar algo assim? O que isso faz de mim? ― Fervi de raiva. ―

Nada, absolutamente nada para você!

― Não era isso o que eu ia dizer, não coloque palavras na

minha boca.

Inspirei fundo, fechando os olhos um segundo, depois o fitei.


― Preciso de um tempo. Achei que pudesse confiar em você,

mas vejo que isso não é possível. ― Caminhei até a porta do


quarto, quando ele pegou meu braço.

― Entendo que esteja furiosa e lamento por não ter dito nada
e, por essa escolha, tê-la feito sofrer. Realmente sinto muito. ― Era

perceptível que ele estava sendo sincero.

― Sabe? Quando fui àquela boate propor que ficássemos


juntos, eu estava muito animada. Suas perguntas sobre quem me

violentou me fizeram surtar. Uma parte de mim dizia: “estraguei


tudo!”, e isso se provou quando acordei sozinha e descobri que você

foi foder outra mulher. ― Ele tentou me interromper. ― Por favor,


me deixe terminar.

Ele assentiu.

― Vou deixar, mas não fodi ninguém...

― Não acho que suas palavras valham alguma coisa agora. ―

Respirei fundo.

Sua expressão se fechou.

― Todo esse tempo desde que acordei sozinha, lembrando


que surtei na boate, achei que fosse esse o problema de você ter

ido até outra. Por que iria me querer? Eu estava quebrada... Por
anos achei que estivesse assim. Sabe como é para alguém não

sentir nada quando transa, beija ou é abraçado? ― Lembrei-me


daquela sensação devastadora que despontou em mim com ele. ―

Mas senti há anos com você, quando me beijou. Por um período,


achei que estivesse sonhando por ser tomada daquela forma por um

simples beijo, mal acreditei. Era como se você tivesse tocado minha
alma partida e tentasse arrastá-la da escuridão em que se
encontrava. Então o encanto se foi quando você desapareceu.

― Eu não podia ficar... Mas saiba que também senti tudo que
você sentiu.

― Entendo você por não ficar. É sério, não o culpo por isso. ―
Sua perda era muito recente naquela época. ― O que quero dizer é

que só posso me sentir viva assim com você, por isso fui à boate,
para descobrir se, ao ficarmos juntos, eu conseguiria ir até o fim, se
seria capaz de amar o sexo, como tantas pessoas, pois sempre fui

tão... frígida.

― Podemos...

― Agora é tarde demais. Não vou ficar com alguém em quem


não confio, que escondeu algo sério de mim. ― Encontrei seus
olhos escuros. ― Não dá. E, assim que voltarmos para casa, você
não precisa mais me proteger.

― Você pode ter seu tempo para processar se aceita minhas

desculpas ou não, mas não vou desistir de você e certamente


cuidarei de sua segurança. Em hipótese alguma, deixarei que

alguém chegue perto de você como ontem. ― Tinha algo mortal em


sua expressão ao dizer isso.

Eu poderia discutir, mas isso demandaria muito tempo, e eu


estava com fome. O cheiro que entrava no quarto estava me
matando.

― Tudo bem, faça como quiser. Agora me deixe passar, estou


faminta...

Ele aproximou o rosto do meu, fazendo-me travar. O seu


cheiro e sua presença me deixaram com as pernas bambas, sem
contar com as borboletas dando cambalhotas no meu estômago.

― Vou lhe mostrar que pode confiar em mim. Não mentirei


mais para você ― jurou, triscando sua bochecha na minha e me

causando um tremor dos pés à cabeça. ― Eu lhe mostrarei o


quanto o sexo é prazeroso de muitas formas...
Eu não podia enfraquecer, por mais que ansiasse por seu
toque. Era como uma corsa cobiçando água ou um viciado
desejando sua droga.

― Vamos ver, pois, até agora, só ouvi promessas e promessas


― zombei, afastando-me dele para sair do quarto.

― Logo, meu pequeno Rouxinol ― ouvi sua voz atrás de mim.

― Uma noite não será suficiente para tudo que desejo fazer com
você.

Apressei-me, querendo ficar o mais longe possível de

Christian. Estava magoada e ressentida por ele ter-me ocultado a

verdade sobre meu irmão, mas meu corpo idiota ainda o desejava

muito.

Saí da cabana. Achei que o café da manhã fosse na cozinha,

mas não, tinha uma imensa mesa sob a sombra de uma árvore
frondosa, a vários metros, perto da floresta. O vento devia ter trazido

o cheiro até o quarto. Sentados a ela estavam Kasper, Knife,

Cowboy e alguns outros que eu não conhecia.

Fui até Cowboy, que estava com o ombro enfaixado.

― Como está se sentindo? ― sondei.

― Vou sobreviver. ― Sorriu.


― Quero lhe agradecer por me salvar, embora não devesse ter

entrado na frente da bala por mim ― murmurei.

― É a função dele e de todos os meus homens protegê-la. Se


isso significa levar tiros, que assim seja ― ouvi Christian falando

atrás de mim. ― Eu teria feito o mesmo.

Ignorei seu comentário. Não queria lhe mostrar que fiquei

balançada com a resposta, mas também temerosa de alguém

perder a vida por minha causa.

Antes que eu pudesse pensar sobre o assunto, minha atenção

se prendeu em algo um tanto longe dali, numa clareira descendo a


colina. Ao firmar mais meu olhar, percebi que tinha uma fogueira

acesa, e, ao seu lado, Oscar estava preso.

― O que ele está fazendo lá?

Gunner estava sentado no chão sem se mexer.

― Vigiando ― respondeu meu irmão.

― Mas o cara está preso, não vai fugir. ― Servi uma xícara de

café e tomei sem tirar meus olhos de Gunner. ― Ele ao menos

tomou café?
― Ele não gosta de ficar muito perto de pessoas ― respondeu

meu irmão.

Peguei um prato de comida e duas canecas de café, pronta

para ir aonde Gunner estava. Ignorei a todos na mesa, não me

importando com o que pensavam.

Por um breve instante, meu sangue gelou, ao pensar em me

aproximar de onde aquele monstro estava preso, mas não deixaria


que isso me derrubasse. Não podia ficar aos cuidados de Christian

todo o tempo, precisava aprender a lidar com os meus medos

enfrentando os meus demônios.

A cada passo que eu dava, era como se lutasse contra uma

onda gigante que queria me destruir, levar-me ao fundo de um


abismo escuro. As lembranças me faziam sofrer.

Respirei com calma e profundamente algumas vezes. Eu


consigo fazer isso. Não posso deixar o medo me dominar, entoei a

mim mesma.

― Olha, o Ursinho finalmente veio me ajudar. ― Essa voz me

dava calafrios.

Não deixei que isso me detivesse. Oscar estava amarrado e

ferido, não ia me fazer mal. Eu não era mais uma criança à mercê
daquele infeliz.

― Ajudar você? ― Bufei. ― Na verdade, vim ajudar Gunner a

torturá-lo.

Gunner desviou os olhos do homem e ficou de pé na minha

frente. Era alto, e seus olhos, apesar de mortos, tinham uma cor

linda, castanho-clara.

― Vai me ajudar? ― sondou. ― Mas o chefe disse para


esperar.

― Seu chefe é um idiota. ― Ainda estava irritada com o meu


irmão, mesmo que o amasse demais.

― Ele me salvou ― sussurrou.

Respirei fundo.

― Ele também me salvou. É isso o que faz dele um cara legal.

― Saber o quanto Kasper fazia por tantos tornava quase impossível


nutrir algum sentimento ruim por ele, como a raiva. Eu só me sentia

ressentida mesmo. ― Então, Gunner, já comeu?

― Não posso sair daqui até que ele esteja morto. Quero sua

língua e olhos. ― Ele parecia ansioso por isso. ― Vou dar aos meus

lobos.
Isso me deixou em choque, perguntando-me se estava

brincando, mas, pela sua expressão, otimista e cobiçosa, não

estava.

― Quantos lobos você tem? ― indaguei curiosa. Quem criava

lobos como se fossem animais de estimação?

― Sete.

Assenti.

― Como você não pode sair, eu trouxe comida para nós dois.

O que acha? Vamos comer e depois entrar em ação?

Tinha algo nesse homem diferente dos outros. Por sua

aparência, parecia que tinha entre uns 25 e 26 anos.

Gunner sentou-se no chão de novo, mesmo havendo troncos e

tocos de árvore por perto, até um banco.

― Sente-se aqui, ao meu lado ― pedi, indicando o banco.

― Cães só podem se sentar no chão ― respondeu.

Sentei-me no banco para o qual apontei, com o meu peito


doendo por suas palavras. O que os monstros daquele maldito lugar

fizeram com ele? Era como se ele fosse adestrado... como um

animal.
― Ei, por que está chorando? ― Levantou-se de novo e olhou

ao redor como se estivesse buscando alguma ameaça. ― Foi


machucada?

Nem notei que estava chorando, mas vê-lo assim acabou


comigo. Em pensar que meu irmão tinha sido assim, talvez pior por

anos... Irracional, foi o que ele disse.

― Não, só queria que você se sentasse comigo aqui. ― Bati

no lugar vago ao meu lado. Era melhor que ele pensasse que minha

tristeza era por esse motivo, e não a verdade.

Gunner franziu a testa, confuso.

― Por isso está chorando? ― inquiriu.

― Sim. Por favor? Vamos nos sentar e comer.

Ele aquiesceu e se sentou ao meu lado, tão ereto e duro como


uma tábua. Vestia jeans e camiseta de mangas longas. Pegou um

bolinho e o comeu, bem como tomou metade do café. Isso me

deixou feliz.

Aquele homem, mesmo que fosse um adulto grande e forte,

parecia-se com uma criança obediente. Se o mantivesse perto de


mim, eu lhe mostraria outra forma de agir, tentaria ajudá-lo de

alguma maneira.
Entretanto, aquele momento de comunhão durou pouco.

― Essa cena é patética! Ele é um animal de estimação ―


falou o miserável do Oscar. ― Late aí, cãozinho.

Gunner ficou tenso, mas, ao checar direito seu rosto, notei que
havia uma fúria infinita em seus olhos ao encarar o verme do Oscar

como se ele fosse um inseto. Não; na verdade, ele era pior que

aquilo.

― Os animais são melhores que o seres humanos ― Gunner

respondeu, como se as palavras maldosas daquele ser repugnante


não significassem nada.

Sorri diante de suas palavras.

― É isso aí, Gunner! ― Dei um tapinha em seu braço. ― São

melhores do que pessoas como você, Oscar, um verme que se

aproveita de crianças indefesas.

― Ele machucou uma criança? ― Gunner ergueu-se,

fechando e abrindo os punhos e começando a andar de um lado a


outro. ― Ele precisa sangrar muito.

Descartei o restante da comida e fiquei ao lado dele. Notei que


tinham pessoas por perto, mas não me preocupei com quem quer
que fossem.
― Quer fazê-lo sangrar? ― questionei.

Ele parou de andar e sorriu com dentes brancos e retos. Seu


rosto era lindo, não do tipo modelo de revista, mas exótico.

― Vai me deixar brincar? Mas o chefe...

― Pode fazer o que quiser, Gunner. Se a minha irmã quer isso,

então vai fundo ― ouvi a voz de Kasper atrás de mim.

Ele estava com Christian, Cowboy e Knife.

Voltei para o lado de Gunner.

― Sim, chefe ― respondeu, pegando alguns dardos no bolso.

― Vou mostrar...

― Sabe o que eu fazia com ela? Amarrava suas mãos e fodia

sua boceta apertada! E ela gostava! Seus gritos de prazer...

Fiquei estática, com uma imensa vontade de vomitar, mas me

forcei a controlar-me. Peguei a faca da outra mão de Gunner, que


hesitou, mas permitiu, e me aproximei do sujeito imprestável.

― Sabe? Há uma diferença entre gritos de dor e de prazer.


Vou te mostrar agora como é ser fodido com dor. ― Levei a faca até

a fogueira ainda acesa e a deixei um tempo nas chamas até ficar


vermelha. ― Gunner, pode arrancar as roupas dele?
Animado, Gunner acatou meu pedido.

― Sua vadia... ― começou Oscar, desferindo vários

comentários nojentos.

― Sabe esse medo que está sentindo agora? Eu sentia toda

vez que você aparecia na casa da minha tia e entrava em meu


quarto. ― Fiquei rente a ele. ― Isto aqui é prazer para mim e dor
para você, assim como foi comigo.

Encostei a faca em seu peito, arrastando-a para baixo e

deixando a pele queimar enquanto o cortava.

― Está sentindo esse cheiro de pele queimada? Isso me

excita demais, eram essas suas palavras ao apagar cigarros em


mim, não eram? ― Ele gritou, debatendo-se. ― Esses são gritos de

prazer para você?

― Por favor...

― Não adianta implorar, ninguém vai vir para ajudá-la,


ninguém se importa com você. Lembra disso? ― Deslizei a faca até

seu membro mole, arrancando a pele enquanto a cauterizava.

Seus gritos, por um breve momento, encheram-me de júbilo,


mas depois me causaram um grande enjoo e fortes ânsias. Deixei a

faca cair e vomitei tudo o que havia em meu estômago.


Braços me envolveram ao me levantar do chão, onde eu
estava de joelhos. Levantei os olhos, encontrando os do meu irmão.

― Nunca mais estará sozinha ― jurou. ― Ninguém nunca


mais irá machucá-la. Se não quiser ficar, pode ir; mas ele irá pagar

pelo que fez.

Respirei fundo e balancei a cabeça para os lados, negando.

Não foi o medo que me fez passar mal, mas o fato de que não senti
nada ao ferir Oscar, nenhum remorso. O que isso me tornava?

― Vou ficar ― disse em tom firme.

Ele parecia em dúvida.

― Vamos logo com isso ― frisei, ajeitando meu corpo. ―

Quero ficar e ver esse filho da puta dando seu último suspiro.

― Quer continuar participando?

Sacudi a cabeça.

― Não, só ver mesmo. Não quero mais ficar tão perto dele. ―
Sua presença me enojava muito. Não via a hora de ir ao banheiro e
tomar um banho, livrando-me de toda a sujeira que sentia em mim.

Ele concordou e parou em frente a Oscar, quase inconsciente

com a dor excruciante que lhe tinha causado.


― Você não devia ter tocado nela. Por isso, irá sentir o que é

tortura. ― Kasper pegou um alicate e o levou às mãos de Oscar,


arrancando cada unha. O lugar foi invadido pelos seus gritos.

Notei que, enquanto fazia aquilo, o rosto de Kasper estava em


branco, sem demonstrar qualquer reação. Era como uma estátua de
mármore. Ao checar cada rosto dos espectadores, os olhares eram

sempre iguais, frios e vazios. Sem remorso. Até mesmo Christian.


Aliás, ele era um dos piores, poderia empatar com meu irmão.

Embora eu não sentisse nenhuma pena de Oscar, não


conseguia reagir como aqueles homens, de modo brutal, impiedoso,
feroz.

Contudo, foram aqueles homens letais e que pareciam

desalmados que me salvaram, como Cowboy, ao entrar na frente de


uma bala por mim, ou meu irmão, que tirava a vida e se vingava

através da tortura de um dos homens que me fez e ainda queria


tanto me fazer mal.

De repente, uma parte de mim, aquela que nunca soube seu

rumo desde cedo, que achava que eu não era normal por todos
aqueles anos, pareceu se encaixar justamente com aqueles homens
fora da lei. Eu tinha encontrado meu lar. O lugar e as pessoas com
quem queria estar.
El Diablo
― Dê tempo a ela para poder conversar. ― Lyn se sentou ao

meu lado.

Tínhamos acabado de matar o Oscar, e Ella foi para o quarto.


Tentei falar com ela, mas não quis me ouvir.

― Isso é culpa sua, por não contar a verdade a ela ― rosnei.

― Você teve a escolha de contar ou não e decidiu não fazê-lo,

então não coloque a culpa em mim.

Nesse ponto, ele tinha razão.

― Verdade. O problema era que, mesmo considerando que


era errado esconder isso dela, o segredo não era meu. Agora penso

que deveria ter falado. ― Soltei um suspiro duro.

― A que horas vão embora? ― inquiriu.

― Agorinha, o jatinho está preparado. Só estou esperando-a

sair do quarto.

― Não preciso que me prometa cuidar dela, não é? ― Seu

rosto pareceu ao mesmo tempo cansado e determinado. ― Vou dar

um jeito para os irlandeses não irem atrás dela de novo.


― Se aparecerem, serão mortos. ― Ninguém chegaria perto
de Ella. ― E quanto aos outros dois homens que a tocaram?

― Deixe essa coisa entre mim e ela amenizar que pergunto se

Ella vai querer participar. ― Trincou os dentes. ― Quando penso no

que ela passou, sinto uma fúria tremenda por não ter feito nada para

impedir.

― Não podia ter feito. ― Olhei para a cabana. ― Não

podemos mudar o passado, só tornar o presente e o futuro

melhores, de forma que não seja tão difícil respirar.

― Um dia quero pensar assim, mesmo que, nesse momento,

sinta que o mundo seja tóxico demais, a ponto de destruir meus

pulmões. ― Sua voz parecia morta.

― Essa conversa está muito para baixo, pessoal. ― Cowboy


se colocou de pé. ― Vou dar um jeito de fazer o curativo antes de

irmos embora.

― Vem, que eu faço para você ― ouvi uma voz atrás de nós.

Ella sorriu para Cowboy, ignorando-me.

― Vamos cuidar de sua ferida ou não? ― incitou quando

ficamos calados.
Cowboy parou de sorrir após meu rosnado e deu um suspiro.

― Faço depois...

― Vai me dizer que está com medo do seu chefe? Você é um

homem ou o quê? Vou cuidar de seu ferimento, não o apalpar. ―


Deu um suspiro frustrado.

Eu não queria que ela o tocasse, mas aquela sensação

esquisita no estômago não tinha muito fundamento. Sabia que não


ficariam juntos, ao menos tinha certeza de que ele não iria. Já,

quanto a Ella, não tinha a menor ideia, afinal estava com raiva de
mim por pensar que eu tinha fodido outra. Tentei lhe explicar que
não, mas ela não quis me ouvir, pois não confiava mais em mim.

― Vai logo ― grunhi para Cowboy. ― Precisamos ir embora.


Enquanto isso, resolvo algumas coisas com Lyn.

― Lyn? ― indagou Ella, chegando mais perto.

― Seu irmão ― apontei.

Fiquei contente por ela ao menos me ter perguntado algo; não


falava comigo desde cedo.

― Kasper? ― Ela o encarou.


― Fazia anos que eu não escutava meu nome verdadeiro, até

te rever. É bom ouvi-lo em sua voz de novo.

― Ele é lindo. Estou curiosa. Por que o chamam de Lyn? Você

tem alguma característica que lembre um raio? Você luta? ― Logo


suspirou. ― É claro que sim.

Ele sorriu.

― Sim. ― Lyn parecia evasivo. Eu apostava que não queria


deixar claro para a menina o quanto era letal num ringue. ― Já que

está falando comigo de novo, queria me despedir.

Ela arregalou os olhos.

― Não vai com a gente? ― Mordeu o lábio inferior,


inconformada e triste.

Ele suspirou.

― Não posso, tenho que ir atrás da pessoa que tentou matá-la

na noite passada. Não vou deixar que ele chegue até você.

Saí, deixando os dois conversarem. Cowboy me seguiu. Era


bom que eles se entendessem. Eu sabia que ela estava ressentida

e magoada por ele não ter lhe contado a verdade, mas Ella o amava
e eventualmente iria perdoá-lo. Quanto a mim, já não podia dizer o
mesmo.

Meu telefone tocou, e o atendi.

― Tudo certo?

― Chefe, está tudo preparado ― disse Hacker.

Ele tinha ido para o jatinho assim que me deixara ali na noite
anterior. Eu não queria o garoto no meio de algum pandemônio
inesperado. Tracker estava com ele.

Arrow havia partido para os Estados Unidos naquela mesma


manhã, um pouco mais cedo, com Demolidor. Apenas Knife e

Cowboy permaneciam comigo. Os outros tinham trabalho para


iniciar.

― Ótimo, estamos a caminho ― falei e desliguei. Virei-me


para Cowboy. ― Vamos, deixe-me trocar esse curativo em você

logo.

Ele me olhou por um instante e logo riu.

― Tudo para tirar as mãos dela do meu corpo. ― Bufou com


zombaria. ― O que o faz imaginar que não gosto de suas mãos em
mim também?
― Vamos logo com isso ― grunhi.

Sabia que ele gostava dos dois sexos e não me importava com

quem fodesse, contanto que não atrapalhasse o trabalho.

― Você é muito sério, deveria sorrir mais vezes ― apontou


assim que peguei o material de primeiros socorros.

Ignorei-o enquanto trabalhava.

― Sabe que eu não a tocaria, né? Posso brincar e tudo mais,


mas jamais faria algo assim. ― Sentia seus olhos em mim.

Encontrei-os por um segundo, vendo a verdade, embora nunca

tivesse duvidado.

― Não muda o fato de eu querer matá-lo só por imaginar a

ideia. ― Apliquei o remédio.

― O ciúme é uma cadela ― afirmou.

Não retruquei, pois sabia que era assim que eu me sentia


quando a imaginava com outro homem. O meu peito se apertava

tanto que eu gostaria de esmagar algo.

― Que tal pararmos de falar disso? Você está com uma

expressão de quem poderia esmagar todos em sua frente, e juro


que não quero ser um deles. Sou bonito demais para morrer tão

novo.

Cowboy riu assim que arqueei as sobrancelhas.

― Idiota. ― O canto da minha boca se levantou, e escondi o

real demônio que existia em mim. Terminei de aplicar a gaze e o


esparadrapo. ― Está pronto. Agora vamos ver se a conversa dos

dois terminou para podermos ir.

― Você devia contar a ela sobre não ter fodido ninguém.

Talvez isso amenize sua fúria em relação a você por não ter lhe

contado sobre o irmão ― sugeriu.

― Já disse, mas ela não acreditou. Disse que minha palavra

agora não vale muito. Porém, não vou desistir até que volte a confiar
em mim. ― Eu não tirava a razão dela por se sentir assim quanto a

mim e Lyn. Não lhe contamos nada, e isso a machucou.

― Certo, mas, antes de ir atrás da confiança dela, diga à moça

logo quem somos, pois estou prevendo o que vai acontecer quando

tudo explodir. Algo me diz que ela não se importaria com a verdade,
mas com a mentira sim ― ele avisou e saiu da cabana.

Cowboy tinha razão, mas primeiro eu precisava de tempo para


reconquistá-la. Depois abriria o jogo. Se eu lhe contasse logo, ela
iria embora.

Não querendo mais pensar nisso por ora, fui atrás dela para
irmos.

Ella estava abraçada ao irmão. Quando se virou, afastou-se


sem olhar para trás, mas vi dor e lágrimas em seus olhos. Mais uma

vez, isso me fez fuzilar Lyn.

― Vá para a van e me espere lá ― ordenei ao Cowboy.

Assim que ele saiu, fui até Lyn, perguntando:

― O que aconteceu?

― Nada. Acho que o que aconteceu nos últimos dias a

perturbou bastante, e ainda piorou pelo fato de eu não poder ficar


com ela. ― Aproximou-se. ― Proteja-a, não importa quem você

tenha de matar para conseguir isso.

― Não precisa me pedir esse favor, pois eu faria qualquer

coisa para mantê-la segura ― rosnei.

Assentiu sem ligar para o meu tom.

― Qualquer coisa, ligue. Não vou mais deixar nenhum dos

meus homens a vigiando em Lincoln, não quero correr o risco de


que alguém o veja e a ligue a mim. ― Era possível sentir a fúria em

sua voz.

― Eu já ia te dizer exatamente isso. ― Pelo menos, nossos

pensamentos estavam conectados com a segurança de Ella.

― Ótimo. Então estou deixando-a por sua conta. ― Eu via o

quanto estava sendo difícil para ele tanto a separação quanto deixar
de vigiá-la por si mesmo.

― Ela vai ficar segura. ― Eu cumpriria essa promessa não por

ele, mas por Ella e, no fundo, por mim. Não conseguia nem cogitar

que mais alguém a machucasse.

Mesmo que meu pequeno Rouxinol não falasse mais comigo,

eu ainda estaria por perto dela para protegê-la, mas, para fazer o
certo, precisaria enfrentar algumas lembranças do meu passado.

Até então, vinha fugindo dele; não podia fazer mais isso, e

começaria pelo meu irmão. Tinha chegado a hora de voltar para

casa.
Ella

Passaram-se dias após minha chegada da Dinamarca. Estava


focada no trabalho. Era melhor do que pensar nos meus problemas.

Eu não deveria ter ido lá; por conta disso, estava cercada pelo

perigo. Ao menos sabia que Christian estava me protegendo. Isso


me deixava mais aliviada.

Vinha pensando bastante. Ainda que ele soubesse a verdade


sobre o meu irmão, convenhamos, desde que eu o vira na ONG,

não tivemos nenhuma conversa séria sobre qualquer um de nós. Eu


sabia o que tinha acontecido em seu passado, mas pelo seu irmão,

não por ele.

Christian vinha me mandando muitas mensagens desde nossa


chegada a Lincoln. Como lhe pedi um tempo, ele estava respeitando

meu pedido, mas as mensagens vinham todos os dias, pedindo

perdão, dando-me boa-noite, desejando-me um dia maravilhoso...


prometendo que eu estaria segura, pois havia olhos sobre mim.

Eu percebia que ele se importava e se preocupava comigo, por

isso resolvi aceitar suas desculpas, mas decidi não agir de uma

maneira simples, apenas ligar e lhe dizer que o perdoava. Não,


escolhi fazer algo que me mostraria o que ele sentia e se estava

pronto para o próximo passo.

Eu pregaria uma peça nele. Mandei-lhe uma mensagem

dizendo que tinha um encontro importante naquela noite, dando

como desculpas o fato de que precisaria avisá-lo para não correr o

risco de um dos seus homens que me vigiavam ir para cima do meu

convidado.

Tinha jogado minhas cartas e ansiava por ver o que

aconteceria, pois imaginava que não iria demorar para ele aparecer
na minha porta. Pelo menos, eu contava com isso.
Tomei banho e coloquei um vestido vermelho e saltos. Deixei
meus cabelos soltos e me maquiei. Estava na cozinha terminando

de fazer o prato preferido dele, fried chicken, ou seja, frango frito.

Lance havia me falado que era isso o que ele mais amava comer, e

eu também gostava dessa receita.

De repente, o telefone tocou. Pela tela, era Christian.

― Quem é seu maldito encontro?! ― Essas foram as suas

palavras quando atendi, antes mesmo de eu falar qualquer coisa,

desliguei sem responder. Isso atiçaria ainda mais as coisas.

Esse homem tinha o pavio muito curto, eu não queria empurrá-

lo muito, mas estava gostando da brincadeira.

Tem um ditado que diz que não se deve cutucar muito uma

vespa, pois ela pode acabar picando. Eu não sabia onde tinha
ouvido isso, mas se provou certo quando ouvi uma batida na minha

porta.

Sabia que era ele, não podia ser outra pessoa. Meu plano

tinha dado certo, mas eu jamais poderia imaginar que ele viria tão

rápido.

― Oi, Christian ― cumprimentei-o. Como aquele homem podia

ser tão lindo de qualquer jeito com que se vestisse? Devia até ser
um pecado haver tanta beleza assim. Ele estava de jeans escuro,

camiseta branca e sem a jaqueta. Os cabelos estavam molhados


como se ele tivesse acabado de sair do banho.

Por um momento, fiquei ali, de boca aberta, apreciando como


a sua camisa moldava seus músculos perfeitos e definidos.

Merda, como se respira mesmo? Não sei mais. Esse homem


me deixa sem fôlego.

― Com quem vai jantar? ― ele grunhiu. ― Eu te falei que não

fodi ninguém e que lhe daria seu tempo, mas... ― Parou de falar e
inspirou fundo, encarando o teto um instante, como se pedisse
paciência.

Estava furioso, tanto que notei sua mandíbula se apertar. Se


ele continuasse assim, correria o risco de quebrar os ossos.

Eu já acreditava que ele não tinha ficado com aquela mulher


que tinha atendido seu celular. Afinal por que mentiria? Nós não

tínhamos nada, e Christian não era um homem mentiroso. Tirando o


fato de ter-me escondido que Kasper estava vivo, ele sempre havia

sido sincero. Era por isso que estávamos ali, para conversar e
resolver como tudo continuaria entre nós.
Fiquei mais um tempo muda, ainda chocada por sua beleza,

mas me controlei. Foi quando notei algo estranho ao examiná-lo


mais uma vez de cima a baixo.

― Por que está descalço? Seus cabelos estão molhados...


Estava tomando banho? ― Era bastante óbvio, mas eu queria sua

resposta.

Ele suspirou, parecendo mais controlado.

― Sim, estava no chuveiro quando... ― Sacudiu a cabeça sem

deixar de me olhar. ― Terminei o mais rápido que pude e vim aqui


ver você e lhe pedir para não jantar com ninguém.

― Hum... ― Virei-me de costas para ele e dei um sorriso


discreto. ― Por que não entra? Estou terminando o jantar. ― Deixei-
o ali e segui para a cozinha.

Ouvi a porta se fechando e depois, passos atrás de mim.

― Já que está aqui, podemos conversar? Acho que

precisamos. O que acha de sermos amigos?

Eu não queria isso dele, mas precisava saber se ele pensava o

mesmo que eu. Esperava fervorosamente que sim. Estava ansiosa


para progredirmos.
Deu uma risada dura.

― Acho pouco provável. Não sou amigo de quem quero foder.


― Ouvi um sorriso em sua voz.

Virei-me e o fitei. Seu olhar era intenso.

― Desde que conheci você, eu a desejo tão forte que mal


consigo controlar.

Oh, glória! Então estávamos na mesma sintonia.

― O sentimento é mútuo... Mas acha que isso daria certo? ―


sondei.

No começo, eu queria apenas sexo casual, embora nunca fora

adepta a isso, apenas uma vez, com o primeiro rapaz com quem
havia ficado antes de Travis. Com nenhum deles, casual ou não, eu

sentira algo, mas com Christian... sentia tudo. Algo me dizia que não
seria apenas sexo.

― Por que não? Sinto que me quer também e te falei que não
fiquei com aquela mulher com quem você falou ao telefone. Aliás,
eu nunca nem cogitei essa ideia. Ela só achou que você fosse...

― Que eu fosse uma de suas conquistas de uma noite ―


terminei a frase. Isso era interessante, mas um tanto cafajeste.
Comecei a cortar os vegetais para fazer a salada.

― Eu não sabia que ela dizia a todas a mesma frase. De

qualquer forma, a culpa é minha, pois pedi a ela que se livrasse das
insistentes. Com as outras mulheres, elas sabiam desde o início que
não teriam nada de mim a não ser sexo, que eu não podia retribuir.

― Ele parecia sincero ao dizer isso. Eu não achava que estivesse


mentindo.

― O que eu seria para você se transássemos? ― Estava

curiosa. ― No dia seguinte você me diria que tinha sido só sexo?

― Com você, nunca seria só sexo. Sempre seria mais. ―

Seus olhos buscaram minha boca, como se ele quisesse me

devorar.

― Quero você. Eu nunca senti nada assim antes. ― Terminei

a salada e coloquei o frango na gordura quente, então o encarei. ―


Como declarei na Dinamarca, você é o único por quem sinto esse

desejo, que faz coisas com meu corpo que nunca pensei serem

possíveis. Acho que podemos tentar, mas você sabe das minhas
cicatrizes, e nas costas é pior. Isso pode fazer...

Se fôssemos realmente ficar juntos, ele precisava saber tudo.


Eu não queria ver sua expressão de nojo depois que se deparasse
com minhas marcas. Travis não teve asco do pouco que viu, mas

ele nunca tinha visto as piores, além disso era um cara legal. E eu
imaginava que Christian também fosse.

Ele segurou minha cabeça e me puxou para si, dando um beijo

casto em meus lábios. Aconcheguei-me mais nele como uma

gatinha querendo carinho, embora desejasse mais que isso.

― Não me importo com cicatrizes. Para mim, você é linda

demais ― declarou com firmeza.

― Então tudo bem, vamos tentar. ― Dei um suspiro. ― Só

peço uma coisa: sem outras mulheres enquanto estivermos juntos


nessa. Se for demais para você e não conseguir continuar com o

nosso arranjo, precisa me dizer na hora. Não hesite, apenas abra o

jogo comigo.

Eu não suportaria um dia ouvir por outra pessoa que Christian

não estava pronto para ser só meu, ou então sentir que não estava
dando certo para ele sem que me dissesse.

― Eu prometo, mas isso não vai acontecer, porque a quero


demais, tanto que não pude esquecer aquele beijo no passado, que

me arrebatou. Acredito que fiquei vagando por aí sem rumo até

fazer meu caminho até você novamente. Se eu acreditasse em


destino, poderia jurar que ele me pregou uma peça muito boa. ―

Sorriu matreiro.

Parecia aqueles livros clichês, mas era a pura verdade. O que

sentíamos era real. Eu me sentia da mesma forma que ele.

Sorri, colocando a mão em seu peito. Podia jurar que os

batimentos cardíacos se aceleraram ao meu toque.

― Fechado.

Uma de suas mãos alisava meus cabelos em um gesto

delicado.

― Quero pedir algo também ― começou, e esperei

pacientemente. ― Quando ficarmos juntos intimamente, se a

situação for demais para você ou eu fizer algo que não goste ou lhe
traga lembranças ruins, preciso que me diga. Prometo que vou parar

na hora, ok?

Não havia como não ficar tocada por suas palavras. Aquele

homem era perfeito, e eu acreditava que nos encaixaríamos, literal e

figurativamente.

― Obrigada. Pode deixar, que aviso, sim. ― Estava muito

animada com nosso acordo.


Eu não sabia o que iria acontecer, mas daria tudo certo. Eu

conseguiria dessa vez. Não tinha mais trauma do sexo em si, como
em certa época de minha vida, só não conseguia desfrutar do prazer

que ele poderia me oferecer, e era o que eu mais necessitava.

― Não precisa me agradecer por isso. ― Fitou ao redor, e

seus olhos se fixaram no jantar, que estava quase pronto. Uma

sombra toldou sua expressão. ― E seu encontro?

Sacudi a cabeça, afastando-me para terminar a refeição.

Como o frango estava dourado, desliguei o fogão, retirei-o da


gordura e o deixei escorrer.

― Está conversando comigo ― respondi. ― Devo dizer que

gostei da forma como se apressou, todo louco, para chegar aqui.

Antes que eu pudesse comentar mais alguma coisa, fui

levantada pela cintura e colocada sobre a mesa, sentada. Christian

ficou de pé na minha frente com um olhar abrasador.

― Quando a vi vestida dessa forma, tão sexy, para encontrar

algum idiota engomadinho, desejei ter trazido minha arma para


estourar os olhos do infeliz. ― Seus dedos estavam em minhas

coxas, fazendo pequenos círculos. Um arrepio percorreu meu corpo

dos pés à cabeça.


Ri, embora minha respiração estivesse falha devido ao seu

toque.

― Que bom que não trouxe, ou teria que atirar em seus

próprios olhos. ― Peguei seu rosto em minhas mãos e encontrei

aquelas pedras negras brilhantes que me observavam. ― Seria uma

pena, porque eles sãos lindos demais. E o homem que está aqui
comigo não é nenhum engomadinho. Ele tem um estilo bad boy

muito sexy e é gostoso, ainda mais com esse cabelo comprido. Eu

me pergunto se o deixou crescer para ficar bom de ser puxado na


hora do sexo.

Ante essas palavras, ele riu.

― Na verdade, não, nunca nem sequer pensei nisso, mas


podemos ver se essa teoria é boa na prática. ― Encaixou-se entre

as minhas pernas, e meu centro pressionou seu pau duro. ― Sente

o quanto estou ansiando por você?

Estávamos tão próximos que eu o sentia em quase todo o meu

corpo. Seu rosto, especialmente a boca, encontravam-se a


milímetros de minha pele, tanto que eu podia sentir seu hálito

banhar minha face.

― Eu...
― Pequeno Rouxinol, quero que saiba que tomarei cada

polegada desse corpinho que está coberto com esse vestido tão
sexy, me dando muitas ideias do que desejo fazer. ― Sua boca foi

até o meu ouvido, fazendo-me arfar e arrepiar inteira.

― Christian...

― Esse é o nome que quero ouvir quando estiver enterrado


entre suas pernas ou quando minha boca estiver degustando seu

sabor. ― Mordiscou minha orelha.

Meus braços enlaçaram seu pescoço.

― Então faça isso, pois até agora só ouvi promessas. Você me

falou a mesma coisa na boate e na Dinamarca. ― Coloquei minha

boca em seu ouvido também. ― O que vai ser, senhor? Ou será que
esses seus documentos não estão tão prontos...? Ouvi dizer que a

idade faz os homens ficarem moles, mas têm remédios para isso.

Nós dois tínhamos quase 10 anos de diferença, mas é claro

que eu não o achava velho, era só uma provocação.

― Vou te mostrar agora quem é o senhor de idade! ― rosnou,

pegando-me pela bunda, então o envolvi com pernas e braços. Ele

me ergueu da mesa e seguiu para o quarto.


― Tem certeza de que consegue me carregar? Pode acabar
tendo um mau jeito nas costas, e não tenho nenhum remédio para

um ancião... ― Fui cortada por um tapa na bunda. Poderia jurar que

senti minha boceta encharcando-se.

― Vamos ver se ainda dirá isso quando estiver com meu pau

em você ― grunhiu ao subir a escada comigo encarapitada nele.

― Promessas e mais promessas... senhor ― zombei com

petulância, arrastando a última palavra de modo que ele chegou a


arfar. ― Está ofegante? Posso andar. Acho que o meu peso...

Minhas costas bateram na parede, não com força a ponto de

eu me machucar, mas o impacto me fez ofegar. Antes que eu

pudesse digerir o que se passava, sua boca tomou a minha com


uma fome avassaladora.

Nossas línguas se encontraram em uma batalha que me fez

gemer. Era tão bom o seu gosto, da forma que eu me lembrava,


menta e algo mais que não conseguia distinguir. Seria prazer?
Saudade? Ansiedade? Fome? Fosse o que fosse, era maravilhoso,

eu não queria mais parar.

Uma de minhas mãos foi para sua nuca, enfiando os dedos em

seu cabelo e puxando-o como eu tanto já havia imaginado. A outra


se apoiou em seu peito, esquadrinhado os seus músculos rígidos.

Ele mordiscou meus lábios, chupando o inferior, depois o


superior, e só então minha língua. Ah, aquele homem estava tão

sedento como eu.

O meu corpo parecia uma árvore de Natal toda iluminada.

Essa sensação era de outro mundo para mim, eu estava amando


cada segundo com Christian, cada carícia e gemido.

Ele afastou a boca um instante, mas não deixou minha pele;

arrastou os lábios até minha orelha, lambendo o lóbulo e me


fazendo tremer de necessidade.

― Como se sente agora? ― Sua respiração estava tão pesada


quanto a minha.

― Fervendo... ― consegui dizer ofegante. ― O que fará a


respeito... senhor?

Ele mordeu meu pescoço de leve e entrou em meu quarto.


Nem perguntei como sabia onde era; devia ter descoberto quando
me trouxe para casa naquela noite na boate. Colocou-me na cama e

ficou de pé na minha frente, com um olhar faminto.

― Hoje você me empurrou muito. Primeiro, me fez pensar que

teria um encontro com outro homem, e por causa disso tive que sair
do banho e vir para cá quase pelado só para não deixar acontecer
nada. Agora, que a tenho toda linda e gostosa, fica me provocando
ao insinuar que terei dificuldade em conseguir uma ereção. ― Seu

olhar era como o de um leão cercando sua presa para dar o bote.

Meu olhar vagou para seu membro, marcando o jeans.

― Ele está duro! ― Fingi surpresa. Isso o fez grunhir ainda


mais. Tomei uma nota mental de não brincar com a masculinidade

de um homem; ele poderia ficar uma fera!

― Tire o vestido! ― rosnou.

Minha diversão de repente acabou, e minha respiração travou.

― Ella, o que foi? ― Preocupado, ele chegou perto de mim e


tocou meu rosto. ― Precisa me dizer o que está acontecendo para

resolvermos.

Respirei fundo, não querendo estragar o momento.

― Não podemos fazer isso com o vestido? ― sondei.

Seus olhos se estreitaram quando ele se afastou e me


encarou.

― Não, preciso vê-la sem nada no corpo.


― Por quê? Podíamos fazer sexo assim. Muitos fazem ―
sugeri.

Ele suspirou pacientemente.

― Ella querida, você está se escondendo de mim. Isso não vai


funcionar. Não vou tomá-la assim. ― Franziu a testa. ― Não gosto
de saber o que aconteceu com seus “ex”, mas é preciso. Os caras

com quem ficou faziam dessa forma? Você não mostrava seu corpo
a eles?

Como eu queria que aquilo funcionasse entre nós, resolvi ser


sincera, afinal, para Christian me ajudar, precisava saber tudo. O

que me comoveu foi o fato de não me ter perguntado sobre os


vermes que me tomaram à força antes. Aquilo não foi consensual,

era estrupo. Então foquei em falar sobre os dois que eu tive depois
porque quis.

― Com o primeiro, acho que era noite, estava escuro. Não


recordo bem, mas acho que não tirei a roupa. Com Travis, nós
namoramos por uns seis meses, e ele viu parte de minhas cicatrizes

uma vez, mas não tirei a roupa, só puxei a blusa e lhe mostrei
algumas. Nas outras, pedi que, quando ficássemos juntos, eu não
tirasse a blusa. Ele aceitou.
Christian assentiu como se aquilo respondesse um monte de

dúvidas.

― Você gozou alguma vez? Pela forma que diz “nunca senti

nada” me dá a entender que não. ― Avaliava-me enquanto falava.

― Nunca gozei, mas sinto desejo em certas ocasiões, como

ao assistir filmes picantes, mas não consigo gozar, entende? Acho


que é por isso que Travis me traiu, pois nunca o desejei. Eu também
não estava em um bom momento na época. ― Evitei que minha

mente evocasse aquelas lembranças. ― Mas, quando você me


beija ou toca minha pele, me sinto quente demais. Acredito que, se
transarmos, será muito bom.

Ele riu.

― Apenas “bom” não é bem um qualificativo para o que quero


que sinta quando fodermos. Acho que sei qual é o seu problema. Se

me deixar ajudar, podemos testar minha teoria. ― Ele parecia ter


certeza de que aquilo que tinha em mente iria funcionar, fosse o que
fosse.

Respirei fundo.

― Qual é o meu problema? Há anos penso que estou muito


quebrada... além de reparos.
Ele fez com que eu me levantasse e esquadrinhou meu rosto

― Não está quebrada. É só algo que sua mente definiu. A

confiança é a base de tudo. Você não confia em seus parceiros na


hora do sexo...

― É claro que confio! ― contestei. ― Por isso estamos aqui


agora. Se eu não confiasse, não teria feito sexo antes nem estaria
prestes a fazer agora.

― Não confia, Ella. Aposto que, se eu a fodesse agora,

mesmo com você estando quente e molhada, ainda assim não ia


gozar, porque eu estou no controle. A sua mente está protegendo-a,
mesmo que seu corpo deseje continuar. ― Abraçou-me, beijando

meu cabelo.

― Você é algum terapeuta?

― Procuro saber de tudo um pouco. Conhecer como funciona


o corpo e a mente humana faz parte do meu trabalho ― respondeu.

Perguntei-me o que um guarda-costas faria com aquele tipo de


conhecimento, mas, ante de eu poder matar a curiosidade, ele
continuou: ― Minha ideia é deixar você guiar o sexo da forma que

deseja. Vou ficar à sua mercê. Quer tentar? Vamos começar do


básico, de preliminares, como sexo oral. Eu adoraria lamber você...
― Isso não o deixaria no controle? ― Ergui uma sobrancelha,
com o rosto vermelho.

― Não se eu estiver deitado e você colocar sua boceta em


meu rosto. ― Sorriu torto.

Meu Deus! Acho que algo líquido acabou de escorrer por


minhas pernas...

― Me deixe provar esse líquido. Estou faminto para sentir o

seu sabor. ― Eu não tinha notado que disse as palavras em voz


alta. ― Sonho há muito tempo que você tem gosto de morangos,
como sua boca. ― Traçou sua língua em meus lábios, mas, antes

que se aprofundasse, afastou-se. ― Agora tire o vestido. Se vamos


fazer isso, precisa confiar em mim, acreditar que, mesmo eu a
vendo da forma como realmente é, ainda a desejarei e nada mudará

isso.
Ella

Fiquei alguns minutos parada, tomando meu tempo. Não podia


fraquejar agora. Se realmente fosse o que Christian me falou, falta

de confiança no parceiro, seria mais simples de resolver do que se


eu estivesse quebrada e sem conserto. Ao menos eu poderia ter

uma chance.

Sempre havia pensado em como seria ter um relacionamento


de verdade. Ter um namorado que estivesse em meu pensamento

dia e noite, assim como eu estaria no dele. Teriam aqueles malditos


acabado com minhas chances? Não, eles não conseguiriam isso!

Eu daria um jeito de ter uma vida sexual ativa e plena.

Alisei a região do meu peito por cima do vestido. Nada poderia


apagar aquilo. Eu poderia fazer cirurgia plástica, mas e a alma?

Sempre estaria danificada. Aqueles infelizes tinham cuidado disso

muito bem. Não era só Oscar que gostava de me causar dor,


Peterson e Marco também. Meu irmão tinha matado todos os

demais abusadores, mas deixara aqueles três para que eu ajudasse

ou ao menos presenciasse sua tortura e morte, e já tinha acontecido


com um. No fundo, eu queria fazer isso, encerrar essa parte escura

da minha vida, mas ajudaria a amenizar a minha dor?

Christian se aproximou e alisou meu rosto, notando minha luta

interior.

― Tenho muitas cicatrizes também ― afirmou sério.

Pisquei, olhando seu corpo vestido e lindo.

― Não vejo nada aí ― provoquei sem fôlego. Sentia-me

quente em muitos lugares com o seu toque. Isso afastou as

sombras que começavam a inundar minha mente. Ele era como

uma luz em meio às minhas trevas.


Afastou-se, levando seu calor consigo e me deixando
desapontada. Contudo, antes que eu reclamasse, começou a tirar a

camiseta.

― O que está fazendo?

Seu corpo nu da cintura para cima era coberto de tatuagens,

mas dava para ver que se estendiam para dentro da calça. Havia

várias, incluindo uma caveira de boca aberta na região logo abaixo

do peito.

― Mostrando as minhas cicatrizes a você. ― Apontou para

uma região do peito onde tinha várias imagens coloridas.

Seu peito era musculoso, não como o de um lutador, mas tão

gostoso e sexy que me dava água na boca só de olhar.

― Os desenhos são lindos! ― Dei a volta ao seu redor e notei

uma tatuagem que me fez piscar. Em suas costas jazia uma


tatuagem de um ceifador com uma foice apoiada no ombro direito,

com a lâmina virada para as costas. Ele estava sobre caveiras, e em

sua mão esquerda havia uma rosa vermelha com diversas pétalas

caindo sobre o monte de ossos.

O que significava para ele aquela tatuagem? Seria assim que

se sentia por ter perdido sua família? Ou haveria outro significado?


Antes que eu lhe perguntasse, ele se virou, pegando minha mão e a

levando ao seu peito.

Sua pele era grossa nessa região, então me aproximei e vi

mais de perto. Sim, havia muitas cicatrizes ali, mas estavam


cobertas pelas tintas.

― Não as fiz para cobrir essas cicatrizes. Elas fazem parte de


quem eu sou, são um sinal de que sobrevivi ao pior e ainda estou
vivo. ― Levou minha mão a uma região perto do seu peito. ― Aqui

levei um tiro. ― Depois seguiu para abaixo do peito. ― Aqui, outro.


Atingiram alguns órgãos. Tive sorte de ter acontecido perto de um

hospital, ou eu não teria sobrevivido. Houve uma época em que não


quis ter...

― Sobrevivido ― terminei por ele. ― Entendo a sensação.

Obrigada por me dizer isso. Não deve estar sendo fácil relembrar
algo que levou um pedaço seu que nunca poderá ter de volta.

Ele me avaliou um segundo, como se quisesse dizer algo mais


sobre o assunto, mas deve ter mudado de ideia, pois ficou calado
por um instante. Então disse:

― Outras são de batalhas que tive nos últimos anos.


Sorri, tentando não deixar as lembranças ruins estragarem

aquele momento. Era perceptível que ele estava fazendo o mesmo.


Erguendo o queixo, decidi-me.

― Já que eu estou no comando, se deite na cama ― ordenei


séria.

Seus olhos brilharam com humor. Fez o que pedi, deitando-se


e pondo os braços atrás da cabeça, fitando-me com aquele fogo que

só ele tinha.

Concentrei-me para tirar uma das alças do vestido, depois a


outra, então deixei que a peça caísse no chão.

― Abra os olhos, pequeno Rouxinol, e venha até mim.

Eu nem tinha notado que os tinha fechado. Abri-os e encontrei

os dele tão abrasadores que fizeram minha respiração ficar falha e


eu me sentir quente como um vulcão prestes a entrar em erupção.

Enchendo-me de coragem, fui até ele e montei em seus

quadris.

― Você está nua. ― Seu olhar para o meu monte de vênus

quase me fez gozar.


― Eu ia ter um encontro quente com um cara quente ―
respondi, remexendo-me e o fazendo gemer.

― Então estava pensando que esse... senhor ― cuspiu a

última palavra, mas notei que estava com bom humor ― pudesse
chegar a essa parte sua hoje?

― É bom sonhar de vez em quando. Sonhei por anos após


aquele beijo, desejando ter aquilo de novo ao menos mais uma vez,

então você ressurgiu, e cá nos encontramos... Estou montada em


seu pau e prestes a colocar minha boceta molhada em sua boca. ―
Sorri. ― Sonhos se tornam realidade muitas vezes.

― Oh, com certeza se tornam. ― Mordeu o lábio inferior


gostoso, esquadrinhando com os olhos cada centímetro de meu
corpo. Ele me fazia sentir a mulher mais bonita do mundo. Era como

se aquelas marcas não estivessem em minha pele.

Fiquei parada por um momento, pensando no que deveria

fazer. O controle estava em minhas mãos. Christian não se movia,


mantendo-se relaxado, apenas me observando como se tivesse

todo o tempo do mundo.

Respirei fundo e me movimentei para cima, encaixando meus

joelhos na posição certa e me abaixando até meu centro tocar sua


boca. A sua língua, que já estava preparada, deslizou em mim,
fazendo a festa.

Merda! Aquela sensação pressionando o interior do meu baixo-


ventre era magnífica!

Por alguns segundos, fiquei ali, parada, enquanto sua língua

me comia, e eu encontrava seus olhos enervantes, que pareciam

enxergar tudo em mim. Seu olhar carinhoso, paciente e desejoso


me fez remexer os quadris em sua boca no ritmo de sua língua. A

sua barba me deixava ainda mais eufórica e necessitada. Quando, a

tudo isso, uniu-se a sucção deliciosa daqueles lábios provando-me,


eu me sentia a ponto de gritar sem me incomodar que alguém

ouvisse. Ainda bem que não havia vizinhos por perto.

― Estou tão... ― Minha vontade era fechar os olhos, mas não

queria perder o contato com aquelas suas írises negras. De repente

Christian fez movimentos mais ágeis e duros com a língua, e meu


corpo se sacudiu, tamanho o prazer que tomou conta de mim. Tive

que apoiar as mãos na parede para não cair. Cada sensação me

atingiu como a força de uma bomba nuclear que explodia, fazendo-

me gritar.
Flutuei em um limbo onde tudo era brilhante, prazeroso e

arrebatador. Meu corpo tremia e permaneceu assim por alguns


segundos, enquanto ele terminava de lamber todo o líquido viscoso

que deslizava de meu interior.

Meu corpo estava fraco, por isso levei um tempo para me

mover alguns centímetros, liberando sua boca, só para ver seu

sorriso libidinoso.

― Eu gozei! ― Sorri extasiada. ― Nem acredito que consegui!

― Com certeza. Lambi cada gota que escorreu. Nunca provei

nada mais agridoce, como morangos.

Dei um sorriso um tanto tímido, movendo-me para baixo e me

deitei sobre seu peito, tentando recuperar meu fôlego. Ele capturou
meus lábios, e senti o meu gosto em sua boca. Não era de todo

ruim.

Em meu abdômen, senti a pressão de algo duro, e só então

notei que Christian precisava de sua liberação também. Deitei-me

de lado próximo ao seu corpo e levei minhas mãos até sua calça,
mas ele me deteve.

― O que foi? Achei que quisesse também. ― Estava confusa.

Ele deu uma risada.


― É claro que eu quero! Mas não precisa fazer se não quiser.

― Por que não fica quieto e me deixa cuidar de você? Ou


podemos ir direto para o sexo...

― Um passo de cada vez, Ella. Quero que você se sinta


segura comigo antes, que seu subconsciente confie em mim. ―

Fitou-me com os lábios curvados em um sorriso doce.

Quando eu pensava que ele não podia mais me surpreender, o

homem de repente voltava a me deixar de boca aberta.

― Certo, terapeuta. ― Desabotoei a calça jeans, desci o zíper

e puxei a peça para baixo, então arfei com o tamanho do membro


dele. Era grosso e grande, mas o que me deixou chocada foi

perceber que uma parte dele era tatuada e que tinha um piercing

Prince Albert na ponta. ― Por que não estou surpresa? Deve ter

doído à beça.

― Um pouco. A tatuagem foi pior, é uma área sensível ―

respondeu.

Toquei seu pau rapidamente. Queria fazer o mesmo que ele


tinha feito em mim, mas não sabia se conseguiria.

― Ella, não precisa devolver da mesma forma. Não quero que


faça nada obrigada. Isso é para ser prazeroso, não um dever.
Mordi o lábio.

― Eu quero. É só que nunca fiz de bom grado. As lembranças

que tenho disso são engasgo, falta de ar, puxões de cabelo. ―

Inspirei fundo, encontrando seus olhos escuros, que pareciam letais


naquela hora, furiosos com meu relato, mas eu não queria que sua

mente se fixasse no meu passado, e sim em nossos momentos

juntos. ― Posso “bater uma” hoje, e em outro momento podemos


tentar oral.

Ele me beijou e concordou.

― Faça como desejar, pequeno Rouxinol. ― Havia carinho e


compreensão em sua voz e expressão, o que me ajudou a relaxar.

Aconcheguei-me contra a lateral do seu corpo enquanto o


masturbava. Minha mão subia e descia naquele pau rijo, grosso,

comprido. Encontrei seus lábios e o beijei, saboreando seu gosto

misturado com o meu.

Uma de suas mãos foi até minha cintura, e a outra alisava

minha cabeça. Quanto mais eu acelerava os movimentos, mais seus


dedos se cravavam em minha carne e nos meus cabelos.

Tocá-lo assim me fez sentir aquela necessidade primitiva de


novo. Seria possível eu gozar outra vez? Para uma mulher normal,
sim, mas, convenhamos, eu não era assim. Não era comum, que eu

soubesse, uma pessoa precisar estar no controle para se satisfazer.

Pelo menos tinha dado certo, e eu não reclamaria. Era melhor que

nada.

Gemi em sua boca, saboreando aquela perfeição de homem,

viril, másculo e tão gostoso. Merda, como posso estar queimando


assim de novo?

Sua boca soltou a minha e rumou para o meu ouvido, traçando

a língua pela orelha.

― Está molhada para mim de novo? ― Oh, essa voz, tão

rouca pelo prazer que mal consegue falar...

― Sim... Acho que, a partir de agora, sempre entrarei em

combustão perto de você. ― Apertei as pernas uma contra a outra,

aumentando o atrito em meu centro encharcado.

― Leve a sua outra mão entre suas pernas, querida, e toque

aquele broto rosa... ― pediu com a voz embargada.

Fiz o que pediu, pressionei meu clitóris e o circulei, como tentei

fazer sozinha uma vez, embora eu não tivesse sentido nada do que
sentia agora com a presença daquele homem, sua voz, seu cheiro...

Tudo nele me fazia...


― Isso, coloque um dedo dentro enquanto esfrega o polegar

mais em cima desses lábios... ― Droga... A forma como ele falava


me enchia de arrepios.

Estar ali, sentindo aquela satisfação, era uma vitória. Christian


estava me mostrando que eu não era uma boneca quebrada. Por

mais que aqueles malditos tivessem desejado aquilo, não

conseguiram.

Beijei-o, mostrando-lhe toda minha gratidão.

Um som animalesco escapou de sua garganta, mostrando que

ele estava perto. Acelerei os movimentos, tanto os que fazia nele

como em mim mesma, no mesmo ritmo, até que me senti flutuando


à deriva no espaço, ouvindo ao longe um rugido de prazer

masculino. Por um segundo, não queria sair daquela bolha em que

estávamos.

Ele beijou minhas pálpebras fechadas, e suspirei,

imensamente feliz.

― Como se sente, linda?

Minha respiração estava falha devido ao segundo orgasmo.

― Feliz. ― Era verdade. Estando com ele ali, eu me sentia

como se estivesse em um sonho lindo. ― Não achei que fosse tão


bom assim, e olha que nem chegamos ao que é realmente
prazeroso. ― Toquei sua barriga pegajosa com seu esperma e sorri

para ele. ― Obrigada.

― Não me agradeça por isso. É minha função deixá-la

totalmente satisfeita. ― Beijou minha testa. ― Acho que precisamos

nos lavar. E, pelo que me lembro, você fez comida para mim, não?

― Sim. Vamos comer o prato que fiz. Ouvi dizer que é o seu

preferido. ― Saí da cama e, ao recordar o que havia na pele de


minhas costas, tentei escondê-las.

― Sem se cobrir, querida. ― Levantou-se, tirando sua calça,

que estava arriada nos joelhos, e veio até mim. ― Você é linda. Não

me importo com suas marcas, jamais vou te depreciar por isso.


Confiança, lembra? Peço que se solte comigo. ― Empurrou-me

para o banheiro, ficando atrás de mim e deu um tapinha na minha


bunda, fazendo-me pular. ― Perfeita demais!

― Ei! ― reclamei com um meio sorriso. ― Vamos logo com


isso, o jantar que preparei para meu encontro irá esfriar demais.

Após nos limparmos, descemos para a cozinha.

― Como sabia que eu gostava desse prato? ― Christian


sondou após comer três pedaços de frango.
― Seu irmão me disse. O bom é que é o meu favorito também.

― Lance... Não acredito que ele ainda se lembra disso ―


sussurrou ele.

― É claro que lembra! Você não está sumido há eras, só


alguns anos, e não tanto quanto fiquei longe do meu irmão, e ainda

recordo que ele não gostava de ovos mexidos e não bebia leite. Sua
comida preferida era cachorro-quente. Bem, não é algo nutritivo,

mas todo adolescente ama.

Conversamos por mais algum tempo enquanto terminávamos


de jantar e, depois, lavamos, enxugamos e guardamos a louça
juntos. Apreciei bastante a sua ajuda e companhia.

Após terminarmos, virei-me para fitá-lo.

― Já é tarde. ― Passava da meia-noite. Notei que sua


expressão se fechou, como se não quisesse ir e eu tivesse dado a
entender que deveria. ― Quer passar a noite aqui?

Na mesma hora ele sorriu, e ficou tão lindo que me deixou de


boca aberta. Ainda havia escuridão em seus olhos, mas o brilho

novo era tão forte e poderoso como o Universo, afastando um tanto


as sombras.
― Claro, estou muito cansado de dormir no sofá do seu
quarto. Ele é muito pequeno. ― Pegou minha mão e me conduziu
até o andar de cima.

― No meu sofá?! Como não percebi...? ― Eu achava que ele


e seus homens me vigiassem de longe a qualquer horário, pois eu

os via me seguindo de carro de vez em quando. ― Acha que estou


correndo perigo por dormir nesta casa sozinha?

― Não é por isso que visito sua casa toda noite. Está segura
aqui, bem vigiada sempre. O fato é: não consigo ficar muito tempo

longe de você ― declarou assim que entramos no quarto.

― Toda vez que eu acordava de manhã, sentia seu cheiro


aqui, mas achei que era coisa da minha cabeça. ― Saber que ele
dormia ali, de modo tão incômodo, tocou-me fundo. ― Se quiser se

deitar sem a calça, não tem problema. Jeans é desconfortável para


dormir.

― Estou sem cueca... Saí correndo ao saber do seu


“encontro”, nem tive tempo de vestir uma.

― Eu poderia te emprestar algo, mas acho que só tenho


lingeries. Se você não se importar em usar um fio dental... ―
provoquei-o.
Ele rosnou, pegando-me pelo braço, jogando-me na cama e
pairando sobre mim com aquele olhar intenso.

― Você é uma espertinha. Adoro isso. ― Beijou de leve meus


lábios, então se deitou e me puxou para seu peito. ― Ficarei com a

calça. Não confio em ficar nu ao seu lado.

― Acha que irei abusar de você durante a noite? ― Eu não

tinha essa ideia, mas passei a pensar seriamente nela após dizê-la.

Deu uma gargalhada.

― Mulher, eu iria amar se abusasse ― brincou, mas depois

ficou sério. ― Tudo no seu tempo. Vamos por partes.

― Você é muito controlado. Devia se soltar mais vezes, sabe?

― Apoiei a cabeça em seu peito. ― Quando um dia eu poderia


pensar que fosse possível estar aqui desta forma? Saber que tudo
veio de um beijo...

― Um beijo inesquecível, tanto que não beijei mais ninguém


após aquele dia...

Suas palavras me chocaram tanto que arfei.

― Impossível! Você fazia sexo até pouco tempo atrás. ―


Encontrei seus olhos. Havia sinceridade neles. Christian não estava
dizendo aquilo só por dizer.

― Sim, mas não beijei mais nenhuma das mulheres com quem
transei. Não queria apagar da memória o sabor e a essência

inebriantes que eu jurava poder sentir mesmo no decorrer dos anos.


Pode ter se passado muito tempo, mas nunca esqueci. ― Beijou
minha boca, traçando sua língua por meus lábios e inspirou,

fechando os olhos. ― Como eu me lembrava. Nós dois temos


nossos traumas e receios do passado, mas juntos somos fortes.

Eu estava começando a acreditar em destino, a pensar que


talvez o nosso estivesse traçado e cruzado, mas não me
precipitaria, afinal anda tínhamos um longo caminho a percorrer. O

que podia fazer por ora era agradecer por Christian estar comigo,
por me fazer sentir completa de novo.

Com um sorriso pleno de felicidade, adormeci, de bônus

ouvindo o som do seu coração.


Ella

Fiquei olhando para o meu telefone por um tempo. Tinha


acabado de receber um convite para ir a um evento da ONG em

Milão. Como não podia confirmar sem falar com Christian, pois

minha segurança vinha em primeiro lugar, informei aos


organizadores que ligaria depois para lhes dar a resposta.

Seria um evento beneficente com a presença de muitas

pessoas importantes, não só financeiramente – o que seria

extremamente benéfico para a organização –, mas, para mim,


também afetivamente, pois seria capaz de rever alguns colegas cujo

contato não tinha já fazia um bom tempo.

Nas últimas semanas, minhas noites com Christian estavam


cada vez mais intensas. Eu acreditava que tinha chegado a hora de

irmos para a segunda base e tencionava falar com ele sobre aquilo

naquela noite, mas, como teria que viajar, não tinha ideia do que iria
acontecer.

Liguei para ele.

― Olá, pequeno Rouxinol. Estou esperando aqui fora, acabei

de chegar.

Ele não pôde me vigiar durante o dia, Knife tinha estado em


seu lugar. Ainda bem que o expediente havia acabado.

Peguei minha pasta e minha bolsa e saí do escritório.

― Liguei para falar com você sobre algo, mas, já que está
aqui, é melhor dizer pessoalmente.

― O que é? ― sondou, parecendo preocupado.

― Nada sério, já estou descendo. ― Desliguei e entrei no


elevador.

― Segura para mim! ― Andrew pediu.


Ele era um promotor, e às vezes trabalhávamos juntos. O
Ministério Público contratava nosso escritório de advocacia para

auxiliar em alguns processos complexos, afinal éramos

especializados em crime organizado, por isso fomos contratados

para auxiliar na causa contra Lennon. Assim, naquele momento,

Andrew era meu chefe, mesmo eu não gostando disso. Ele devia ter

vindo falar com Michael, o nosso chefe, dono do escritório.

Tinha cabelos curtos e olhos escuros. Havia algo nele que eu


não gostava, não sabia dizer o que era. Talvez fosse por suas

cantadas baratas, que se aproximavam muito de assédio sexual,

mas relevava, afinal era meu superior no momento.

Era uma pena que eu não pudesse deixar as portas se

fecharem e ignorá-lo. Segurei-as, e ele entrou na caixa metálica,

ficando mais próximo a mim do que eu gostaria. Havia bastante

espaço, aquilo não era necessário.

― Esse caso novo vai dar muita repercussão, estou sentindo

― falou, parecendo animado.

Ele gostava de poder, de colocar alguém de renome na cadeia.

Era orgulhoso e gostava de ver seu nome citado. A cada grande


criminoso que acusava, ganhava mais repercussão e credibilidade.
Um dos motivos de eu não gostar muito dele devia ser por eu não

ver nele a real satisfação por ajudar a combater o crime.

Eu não tinha orgulho de estar trabalhando no caso sobre o

qual ele havia comentado, diferente dele.

Lennon O’Connor, o acusado, tinha sido preso por sequestrar

meninas, mantê-las em um contêiner e então matá-las. Algumas


sobreviveram em razão de uma denúncia anônima. O meliante era
parceiro da máfia irlandesa, cujo chefe era Finn O’Connor. Além de

ser acusado de assassinato, sequestro, rapto, cárcere privado,


também tinha cometido muitos outros crimes, como estupro e tráfico

humano, e eu estava tentando descobrir mais podres deles, mesmo


pequenas contravenções. Um homem desses merecia prisão

perpétua pelo mal que tinha feito a tantas pessoas, mas eu não
desejava colocá-lo na cadeia pelo resto da vida por poder ou status.

Tinha algo naquele caso muito suspeito. Eu me perguntava

constantemente por que um mafioso tão poderoso se deixara ser


pego. Não era expert sobre o modo como funcionava a mente de
um criminoso, principalmente daquele naipe, ainda assim poderia

pensar em muitas maneiras de esconder meus crimes para jamais


ser pega. O local em que ele havia cometido o crime pelo qual
finalmente foi preso era... muito fácil de ser descoberto. Isso não

fazia sentido, era como se o delinquente quisesse ser capturado. Eu


precisava analisar mais a fundo aquele caso, para não ter nenhuma

surpresa poucas semanas antes de seu julgamento.

― Sim, provavelmente. E acredito que pode ser muito perigoso

trabalhar contra a máfia. ― Eu tinha recebido algumas ameaças


mais cedo naquela manhã. Precisava falar com Christian sobre o
assunto.

― Não tenho medo. Vou alavancar a minha carreira com esse


caso. ― Sorriu. ― Você também pode subir de cargo.

Revirei os olhos.

― Não tenho interesse em subir de cargo. Esse caso é só


mais um para mim, embora eu saiba que não posso fechar os olhos

para o que está acontecendo, pois entendo o quanto é perigoso. ―


Talvez eu sentisse aquele receio por ter sido ameaçada de morte

por alguns inimigos do meu irmão. Ele não tinha me falado quem
eles eram, mas ouvi Kasper e Christian conversando sobre a máfia

e, coincidentemente, agora estava trabalhando em um caso contra


um mafioso. Teria razão em estar desconfiada? Fui ameaçada em
outros casos em que havia trabalhado, e não houve muita
repercussão; algo me dizia, entretanto, que aquele era diferente. O
delinquente era poderoso, afinal tinha associação com a máfia.

― Alguns policiais estão nos vigiando e tomando conta de

nossa segurança...

― Dispensei minha escolta; tenho profissionais cuidando da

minha proteção. ― Preferi prescindir da polícia, afinal ninguém


podia com a máfia, a não ser alguém tão letal quanto Christian.

Tinha algo brutal nele, uma escuridão, provavelmente em razão da


sua perda no passado. Ele tentava esconder essa ferocidade de
mim, mas não conseguia. Eu via a mesma voracidade e sombras

em meu irmão.

― Contratou guarda-costas? ― perguntou assim que o


elevador se abriu.

― Sim. Como eu disse, não fecharei meus olhos diante do


perigo desse caso. ― Suspirei. ― Você poderia passá-lo a outro...

― Não, você é a melhor nesse departamento. ― Seguiu ao


meu lado quando saímos. ― Escolhemos os melhores nesse caso,

não há como mudar as provas, mesmo que O’Connor tenha dinheiro


e poder.
Saímos do prédio, e eu estava a ponto de procurar os olhos
que sentia vigilantes sobre mim, quando Andrew segurou meu
braço.

― Podemos almoçar juntos ― sugeriu. ― Assim discutimos


melhor o caso.

Eu tinha almoçado com ele poucos meses antes, quando

estávamos em outro caso, a fim de discutirmos o assunto, mas notei


que ele entendeu a reunião como um encontro. Qual mulher falaria

de trabalho em um almoço romântico? Por isso, nunca mais tinha

aceitado sair para comer com ele.

― Não posso, tenho um compromisso. ― Puxei meu braço. ―

Olha, senhor Jackson...

― Andrew, já disse. Me chame assim ― pediu com um sorriso.

― Já somos íntimos o suficiente para podermos usar o primeiro


nome.

― Repete! ― Essa voz tão perigosa e letal causou calafrios na

minha espinha.

Eu me virei e fiquei inebriada com a presença de Christian.

Estava todo de preto, parecia ser sua cor favorita, talvez por

representar como ele se sentia por dentro, o que me deixava triste.


Seus cabelos longos estavam presos em um coque. Vê-lo ali fez

meu coração acelerar, uma reação que eu sempre tinha quando


pensava nele.

Então percebi seus olhos impiedosos em Andrew, como se ele

fosse um mero inseto que precisava ser esmagado. Era assim a

forma como o fuzilava.

― Christian! ― Fui até ele, que estava tão furioso que sua

carne tremia. Tentei lembrar as exatas palavras de Andrew. Era algo

sobre sermos íntimos. Eu sabia o que podia parecer, então me


apressei em explicar: ― Não é o que pensa.

Seus olhos não se desviaram de Andrew nem quando falei.

Disse, tão letal e afiado quanto uma faca, gelado como um iceberg:

― Sei o que você é e já vou avisando: fique longe dela. ―

Uma pessoa sensata sairia correndo após ouvir aquelas palavras

calmas, mas tão carregadas de ameaça.

Andrew o examinou com aquela superioridade que só ele

tinha, como se fosse melhor do que todos. Pelo visto, a sensatez


não se aplicava àquele idiota petulante.

― Quem é você? Mais um delinquente que Ella ajuda? ― Ele


suspirou e me olhou. ― Precisa ter mais cuidado com quem ajuda
naquela ONG. Muitos são bandidos.

O corpo de Christian se sacudiu. Tive que segurar sua jaqueta


para mantê-lo no lugar. O cara estava a ponto de explodir sobre

Jackson, e no fundo eu queria deixar, só para acabar com seu

pretenso ar de autoridade, mas Christian parecia ser um homem


letal, percebi isso na Dinamarca. Ele não se contentaria só com um

soco, o mais provável era que o estripasse ali mesmo. Ao menos,

sua expressão mostrava que era algo como isso que gostaria de

fazer.

― Deveria calar a boca antes que eu o faça por você, e pode

apostar que não irá gostar da forma como irei calá-la. ― Sorriu frio,
sem mostrar os dentes. Era uma ameaça. Ele não parecia ser o tipo

de homem que dizia palavras ao vento; era daqueles que as

cumpriam.

Antes que Andrew abrisse a boca para retrucar, tentei


apaziguar a situação para que não fugisse do controle, pois

percebia que Christian estava a um segundo do ponto de ruptura e

poderia explodir o imbecil petulante. Talvez explodir fosse um

eufemismo; ele iria demolir o homem.

― Andrew, por que não vai embora? ― pedi educadamente.


Ele suspirou.

― Se precisar de ajuda e tiver um problema, pode me chamar.

― Deu um olhar desagradável a Christian, como se ele fosse algo

contagioso que deveria ser extinto.

Como podiam existir pessoas assim, que se achavam

melhores que todos?

― Não preciso de sua ajuda ou de sua soberba. Você se acha


melhor do que os outros. Cuidado... Um dia alguém fará você

engolir suas palavras. ― Era apenas um dos motivos para eu não

gostar daquele cara.

Peguei o braço de Christian e o puxei para sairmos dali. Seu

corpo ainda tremia, e eu sabia que não ia demorar para que aquela
bomba-relógio explodisse. Até podia ouvir o maldito tic tac.

― Acho que você deveria estar com alguém à sua altura, e


não com esse...

Aquele idiota não sabia ouvir e ficar calado!

― Não é da sua conta com quem saio ou não, e, para sua

informação, Christian é mais homem vestido assim do que você


nesse terno Armani, então me poupe. Estou farta de suas cantadas

― retorqui sem alterar a voz, afinal não gostava de escândalos. ―


Não estou a fim de você, nunca estive nem jamais vou estar. Se

continuar com isso, apelarei aos seus superiores.

― Você assediou a minha namorada?! ― Christian se lançou

para o promotor, ficando a um palmo dele, que engoliu em seco

diante da fúria iminente do meu protetor, cuja mandíbula estava tão

apertada que eu poderia jurar que os ossos se quebrariam.

― Por favor, Christian, vamos embora. Não faça nada. ― Eu


temia que ele ferisse Andrew, o que poderia trazer muitas

complicações à sua vida, especialmente com as câmeras e

testemunhas que havia ao nosso redor. Nosso “showzinho” estava

chamando atenção.

― Namorada? ― indagou-me Andrew, afastando-se de


Christian não por medo, mas como se a mera ideia de ficar perto

dele lhe causasse repulsa. ― Está tendo um caso com um

marginal?

Os punhos de Christian estavam brancos, como se perdesse

todo o sangue daquela região, tão forte os cerrava. Eu tinha


consciência da sua luta interna para não revidar com violência, seus

olhos eram claros em demonstrar sua ira, a vontade de calar aquele

imbecil, e não apenas temporariamente, mas para sempre. Aquela


aura sombria que eu às vezes sentia circular à sua volta, implacável

e tenebrosa, envolvia-o completamente.

― Se você se insinuar para ela novamente, se ao menos olhar

na sua direção, farei com que seja a última coisa que fará na vida,
pode apostar nisso ― cuspiu as palavras no rosto de Jackson. ―

Não dou a mínima para quem seja. E considere meu aviso como

uma maldita promessa ― falou, implacável. ― Só não estouro sua


cara agora por causa de Ella.

Não esperei a resposta de Andrew nem prestei mais atenção


em sua expressão chocada, apenas apressei-me, arrastando

Christian comigo antes que acontecesse uma carnificina em frente

ao prédio onde eu trabalhava.

― Me dê a chave do carro ― ele pediu, mas seu tom e

expressão não demonstravam nada. Estavam vazios, como se ele


usasse uma máscara.

Entreguei-lhe o chaveiro e entrei no veículo, ao seu lado, após


guardar minha bolsa e a pasta no banco de trás.

― Christian...

― Agora não. Em casa nós conversamos. ― Só então tive um

vislumbre da raiva que ele tentava esconder de mim.


Aquele homem parecia um vulcão: quando adormecido,
ninguém suspeitava do que havia por dentro; quando a erupção

vinha, de repente, simplesmente destruía tudo.

― Por que está bravo? Não ligue para o que Andrew disse. O

idiota acha que é melhor do que todo mundo. Não foi certo falar

daquele jeito com você.

― Pensa que estou assim pelo que aquele filho da puta acha

de mim?! ― rugiu, fazendo-me arregalar os olhos. ― Dane-se o


desgraçado! ― Ele respirou fundo, apertando tanto suas mãos no

volante que fiquei surpresa de não o ter quebrado. ― Quem dorme

com você toda noite?

Pisquei, sem entender aonde ele queria chegar.

― Você ― respondi com cuidado.

― Quem come sua boceta?

Engoli em seco com a pergunta tão crua.

― Você. ― Remexi-me no banco, excitada com suas palavras


e com as imagens que vieram à minha mente do que ele fazia com

a boca.

― Quem é seu homem?


― Você? ― Soou como uma pergunta, o que o deixou mais
irritado.

― Jesus, mulher! O que tivemos nas últimas semanas juntos

não significou nada?! ― exasperou-se.

― É claro que significou! Você é maravilhoso, lindo e tão

gostoso! ― acrescentei a última frase em uma tentativa de acalmá-


lo, embora fosse verdade.

― Ella, por que não me disse que o infeliz estava te

assediando no trabalho? ― perguntou em tom mais calmo.

Enfim era esse o motivo de sua fúria.

― Não era nada com que eu não pudesse lidar, e vinha


acontecendo antes de ficarmos juntos ― sussurrei. ― Andrew é só

uma pulga.

Não era algo importante. E eu estava tão acostumada a

resolver meus problemas sozinha. Se tivesse visto algum perigo no


assédio, já teria tomado providências.

― O quê? ― Franziu a testa. ― Ele te assediou!

Mexi minhas mãos enquanto falava:


― Andrew é como uma pulga, que incomoda, mas não faz
mal. Se ele fosse como um leão, perigoso, eu teria feito alguma
coisa, juro. ― Suspirei. ― Mas não quero falar mais dele.

― Você me puxou de lá quando eu ia fazê-lo engolir seus


dentes ― rosnou.

― Eu estava protegendo você! ― Ri sacudindo a cabeça. ―


Bater em um promotor em um local onde tinha muitas testemunhas

e câmeras não seria sensato. Você seria preso, e eu teria que tirá-lo
da cadeia.

― Não ligaria de dormir uma noite na cadeia, contanto que

tivesse o sangue dele derramado naquele chão. ― Eu podia ouvir o


desejo em sua voz, e não achava que ele deixaria aquilo em paz.

Bufei, colocando a mão em sua coxa.

― Não quero falar dele, tudo bem? Não vale nenhuma saliva

gasta, muito menos que você seja preso. ― Sua mão cobriu a
minha e a levou à sua boca, beijando meus dedos e me fazendo
prender a respiração por um segundo. ― Senti sua falta.

Ele sorriu, a raiva evaporando.

― Também senti demais a sua ― declarou, enquanto eu

escorava a cabeça em seu ombro.


Ter momentos assim estava me deixando mal-acostumada.
Temia perdê-lo um dia, mas não ia pensar nisso antes mesmo de o

meu conto de fadas acabar. Sabia que tudo que era bom tinha um
fim, por isso nunca pedia a ele um rótulo para nosso
relacionamento. Nunca tinha achado que fosse possível ser feliz do

jeito que eu me sentia.

Tinha amigos que me amavam. O meu irmão, cujo paradeiro

por anos foi desconhecido, estava de volta à minha vida. Contudo,


nada poderia se comparar ao que eu sentia quando vivia momentos

quentes e românticos com Christian. Iria aproveitar o máximo e ser


feliz pelo tempo que nos restasse.
Ella

Chegamos a minha casa, e Christian me seguiu para dentro,


mas parou na sala a fim de verificar seu celular, talvez mandar uma
mensagem para algum de seus homens. Deixei-o ali e fui até meu

quarto. Precisava de um banho antes de qualquer coisa.

Estava me ensaboando quando o senti nu às minhas costas,

abraçando-me e deslizando a boca entre meu ouvido e pescoço,


chupando a pele sensível. Minha pulsação acelerou.
Vínhamos fazendo muito sexo oral, embora unilateral, porque

eu ainda tinha receio de praticar aquilo, tanto que não havia nem
chegado a tentar.

― Estou pronta para o sexo ― proferi, ofegante.

Queria fazer todas as coisas que ele gostava e torcia para meu

cérebro aceitar, um dia, tentar um boquete.

Suas mãos apertaram minha cintura, mas ele continuou a


apenas beijar e lamber minha pele.

― Tudo bem, mas, se for demais para você, pode parar na

mesma hora, ok? E não aqui. Vamos terminar o banho e irmos para

a cama. ― Ele começou a me ensaboar, e, onde tocava, minha pele


queimava.

― Não surto na hora do sexo ― comentei.

― Não é só isso que me preocupa, e sim você não poder


gozar. É um fato que precisaremos trabalhar. Se não funcionar,

vamos esperar ou arrumar outra tática.

Eu estava ansiosa por aquilo. Sabia que conseguiria gozar;

quem não o faria com um homem daquele?


― Confio que vai dar certo. Passei o dia todo pensando nisso,
com o desejo me tomando. Ficar molhada no trabalho não é nada

bom, ainda mais por você não estar lá para matar meu fogo. ―

Encontrei seus olhos. ― Acho que vamos ter problemas após o

sexo, pois acredito que irei querer a toda hora ― provoquei,

esboçando um sorriso. ― Posso te comprar umas “azulzinhas”...

― Vou te provar qual remédio preciso para satisfazê-la! ―

Pegou-me pela bunda e saiu do banheiro, levando-me consigo. No


quarto, colocou-me de pé no tapete.

Babei por aquele monumento de homem, com tudo no lugar.

Tórax firme tatuado, barriga tanquinho, com sete gominhos, ombros

largos, coxas torneadas e musculosas e aquele membro dos

deuses, ereto e perfeito, duro e pronto como uma rocha. Remédio?

Como se ele fosse precisar disso!

― Se continuar me olhando assim, vou gozar antes da hora,

como um adolescente. ― Sua voz soou rouca.

Encontrei seus olhos e mordi o lábio.

― Por que não se deita na cama? ― pedi. Isso de eu ficar no

controle era bom, pois poderia ter aquele homem onde e como
quisesse. ― Eu trouxe algemas, o que acha? Posso prendê-lo na

cama?

Quis rir de sua expressão cômica, mas se recuperou logo,

após o choque.

― O que você quiser. ― Foi firme.

― Estou brincando. Bem... a não ser que você goste dessa

coisa de BDSM...

― Não acho que isso iria funcionar conosco, afinal você não

pode ser presa. Além do mais, não é a minha praia, mas isso não
quer dizer que eu não goste de brincar de vez em quando.

Ele era bom em ler minha expressão e meu corpo, pois tentei
esconder o terror que senti quando, uma vez, ele prendeu minhas
mãos acima da cabeça. Não havia nenhum instrumento de

imobilização, apenas suas mãos nuas, e ainda assim o medo me


consumiu na hora. Notei que, depois disso, ele evitou me prender.

Christian se deitou na cama, todo nu e glorioso.

― Trouxe camisinhas? Porque não comprei nenhuma. Tomo

anticoncepcional, então, se você estiver limpo, podemos fazer sem


preservativo.
― Estou limpo, nunca faço sem camisinha. Não quero correr o

risco de engravidar ninguém ― falou, com uma sombra toldando


suas feições.

Aquelas palavras respondiam à minha dúvida de mais cedo


sobre o fato de que nosso lance tinha um tempo de validade. Bem,

talvez, depois que ele me ajudasse com meus traumas sexuais, eu


pudesse realmente ter um relacionamento de verdade, um homem
com quem me casar e ter filhos, não tão cedo, mas dentro de alguns

anos.

― Para isso uso anticoncepcional. Ele evita a gravidez ―

apontei, sorrindo, na tentativa de recuperar a mesma animação e


tesão de antes, então o montei. ― Mas a camisinha reforça, não é?

Você comprou?

Sacudiu a cabeça.

― Comprei, mas não estão aqui. Não achei que fôssemos usar

hoje. ― Ele parecia seriamente com raiva de sua decisão de não as


trazer.

― Não são os homens que têm que andar preparados? Afinal


você é mais ativo que eu nesse departamento ― reclamei e me
deitei na cama ao seu lado.
― Não estou ativo há mais de três meses, mas sim, deveria ter
saído com pelo menos uma na carteira. Achei que você precisasse
de mais tempo e não queria estragar nossos momentos

maravilhosos planejando algo, queria que rolasse naturalmente. ―


Olhou-me de lado com ternura. ― Realmente marquei um gol contra

ao não ter nada comigo.

― Podemos só brincar igual já fazemos. Outro dia passamos

para sexo de verdade. ― Toquei seu peito e fiz uma trilha com os
dedos até seu pênis ereto. ― Embora eu teria adorado sentir como
é ser fodida com esse piercing. Ouvi dizer que é muito estimulante.

Ele ficou em silêncio por um tempo, encarando-me, mas antes


que eu falasse que podíamos só conversar, pois não queria que ele

fizesse nada obrigado, meu telefone tocou.

Enquanto, pela sua expressão, Christian mantinha uma luta


em seu interior, resolvi atender a ligação e deixá-lo pensar mais um

pouco. Eu podia entender seu medo. Ter um filho e perdê-lo devia


ser muito difícil. Com certeza seria torturante pensar em ter outro e

acontecer tudo de novo. Provavelmente ele nunca mais voltaria a


querer ser pai. Eu, por outro lado, precisava ser mãe um dia, ter a
sensação de plenitude ao gerar e carregar um filho no ventre por
meses e, quando nascesse, ver o seu rostinho. Queria sentir tudo
aquilo que foi tirado de mim... Tirado por... Não, eu não podia
resgatar aquelas lembranças, ou nosso momento seria estragado de

vez.

― Ciao, mia cara[1] ― cumprimentou o senhor Jeremias em


italiano.

Ele era presidente da ONG em Milão. Eu o conhecia havia

alguns anos.

― Jeremias! Como tem passado, mio caro?[2] ― respondi em

uma mistura de inglês e italiano e tentei me levantar, mas fui puxada


pela cintura, o que me fez cair de volta na cama e gritar de susto.

Olhei para o homem em cima de mim, com meu corpo preso


entre seus joelhos. A expressão de Christian era sombria, perigosa

até.

― Cos'è successo, cara?[3] ― perguntou Jeremias


preocupado.

― Desculpe, meu gato pulou em cima de mim, e derrubei o


celular ― menti. O felino que estava na minha frente não tinha nada

de dócil, era mais como um leão faminto à procura de caça, e eu era

a presa.
― Tudo bem, então. Vai vir para Milão? Quero te apresentar a

um cavalheiro que está animado em conhecê-la. É alguém que pode


trazer muitos novos contribuidores para nossa causa.

Eu tinha esquecido que fui convidada para o evento e que

pretendia falar com Christian sobre isso.

― Espere um momento, primeiro preciso verificar algo. ―

Abafei o celular, fitando Christian. ― Preciso ir a Milão. É seguro?

Fui convidada para ir a um evento de gala na ONG de lá.

Ele encarou o telefone e depois a mim. Não consegui ler mais

nada em sua expressão, exceto que me olhava com fome, como se


eu fosse seu alimento.

― Quando?

― Em dois dias ― respondi. ― É seguro? Se não for, posso

declinar do convite.

Ele ficou em silêncio por um tempo, como se estivesse

ponderando algo.

― Vou fazer ser seguro. Se quiser ir, nós iremos.

Gostei do modo como ele se inseriu na viagem e sorri, com

meu coração aquecido e meu estômago se enchendo de borboletas.


― Obrigada ― agradeci a ele, depois voltei a comprimir o

telefone no ouvido. ― Desculpe a demora, Jeremias. Eu estava

vendo minha agenda. Posso, sim, ir ao evento.

― Que bom! Estou ansioso para vê-la de novo, mia cara! ―

falou animado. ― Faz muito tempo que não nos vemos.

― Sim, também estou ansiosa para vê-lo, mio caro... ―

Interrompi-me ao ver Christian abrindo minhas pernas e... puta


merda! Sua língua estava em meu nervo pulsante, circulando-o.

― Oh, merda...

― Está tudo bem? Você parece aérea ― ouvi Jeremias dizer.

Aérea era justamente como eu me sentia... Aquela língua

safada me fazia querer gritar.

― Meu gato está... faminto. ― Minha voz saiu falha. ― Acho

melhor eu... alimentá-lo.

Christian chupou meu clitóris, fazendo-me cerrar os dentes

para não gritar.

― Tudo bem, depois nos falamos mais. Esperarei você aqui

em dois dias. ― Ele desligou, certamente pensando que eu estava


louca.
― Puta merda! O que está fazendo...? ― Peguei seus

cabelos, mas, ao invés de afastá-lo de mim, puxei-o, querendo mais.


― Não pare...

Ele afastou a boca maravilhosa, fazendo-me quase chorar.


Encontrei seus olhos felinos, encapuzados de luxúria, mas havia

fúria também, um sentimento não muito bem-vindo naquela hora.

― Por que está bravo? ― sondei, pensando no que o deixara

assim.

Ele estreitou os olhos.

― Está brincando comigo? ― rosnou. ― “Mio caro”?

Só então notei o que estava acontecendo. A sua fúria, na


verdade, era causada por ciúmes.

― Chamo muitas pessoas que gosto de “meu querido” e

“minha querida”. Achei que soubesse disso.

― Então você gosta desse cara? ― cuspiu, tentando se

afastar de mim.

Prendi meus braços e pernas à sua volta, mantendo-o no

lugar.
― Você ciumento é muito lindo, fica tão sexy, mesmo com toda

essa aura sombria. ― Beijei de leve seus lábios sem tirar os olhos

dos dele. ― E, sim, gosto dele, como também de sua esposa, seus

filhos e netos.

― Netos? ― Sua respiração estava voltando ao normal aos

poucos.

― Isso é normal quando se tem 80 anos, ao menos para


muitos. ― Coloquei a boca em seu ouvido. ― Estou tão molhada...

Adorei a forma como me lambeu com tanta ânsia e fome, querendo

me punir, então pode continuar...

Sua respiração engatou. Eu podia sentir seu membro duro

entre minhas pernas.

― Ou pode simplesmente enfiar esse pau gostoso tão

profundamente em mim a ponto de eu ver estrelas... ― Mordisquei


sua orelha. ― Estou louca para saber o prazer que esse piercing

fornece. Então o que vai ser, meu homem das cavernas?

Ele gemeu, talvez ainda tentando se recuperar de suas

emoções selvagens.

― Ou você pode se afastar e me deixar tomar conta de mim

mesma. Talvez seu pau não esteja pronto... ― Fui cortada por sua
boca, que invadiu a minha com um beijo.

Se bem que eu não podia chamar aquilo de beijo. Era mais

uma declaração de posse, de modo que me senti ser consumida por

uma força surpreendentemente poderosa, que queria me levar a um


estado de êxtase.

Passei anos sonhando com aquele homem, mesmo sem saber


quem era, e o que senti naquele dia, jamais pude esquecer. E nunca

iria querer que ele se fosse de minha mente; era a prova de que

uma parte de mim estava viva.

Christian deslizou para dentro de mim tão suavemente, com

tanto carinho e ternura que fez meu coração disparar. Uma de suas
mãos esquadrinhava meu queixo, meu rosto, acariciava a curva do

meu pescoço, como se estivesse memorizando ou apenas se

deleitando.

Eu sentia que nossa conexão era igualmente forte para ambos,

que não uníamos só nossos corpos, mas nossas almas danificadas


também. Uma chamava a outra, em uma ligação tão profunda e

intensa que eu me perdia em alguns momentos naquele

magnetismo.
― Abra os olhos, pequeno Rouxinol. Quero vê-los enquanto
meu pau estiver dentro de você ― pediu, com seu hálito quente

banhando meu rosto.

Encontrei suas írises escuras embriagadas de luxúria, mas não

só isso. Era algo mais que eu não conseguia identificar. Um tipo de

calor diferente, que abrasava tudo dentro de mim, como um gêiser


resplandecente. Uma luz interior que transbordava, ofuscando a

escuridão até chegar à superfície e consumir tudo.

Segurei seu rosto, alisando-o como ele fez comigo, e levei

meus lábios aos seus, querendo mostrar-lhe tudo que eu não podia

dizer, que não entendia, que só sentia...

Era quase doloroso pensar que aquilo teria fim um dia, que
aquela conexão poderia se quebrar e sumir. Christian era perfeito.

Alguém assim podia sumir como um cometa que surge apenas de


mil em mil anos. Então eu apreciaria e aproveitaria, pois a qualquer

momento, no futuro, eu sabia que poderia não ter aquela perfeição


em meus braços novamente.

Um novo beijo se iniciou, avassalador, de modo que não


podíamos ter o suficiente um do outro, mãos e línguas batalhando,
querendo mais e mais, mas logo nossos lábios se tornaram
preguiçosos e lânguidos, e apreciamos cada carícia.

Como eu podia sentir tudo aquilo com um homem dentro de

mim, imóvel? Nós levamos nosso tempo explorando a boca um do


outro, o corpo um do outro, até que não aguentei mais a espera.

Sabia que ele queria que eu agisse por mim mesma, na hora certa,
que eu estivesse no controle. Por um segundo, quis não estar.

Então indiquei que mudássemos a posição. Ele nos virou,


deitando-se de costas, e eu estava em cima dele, sem que nos
desconectássemos, nem nossas bocas nem seu pênis e minha

boceta.

Suas mãos se moveram, uma em meus cabelos, e a outra em


minha bunda, apertando-me mais contra si como se fosse doloroso
para ele ficar ali, parado, e, como eu não queria que nem ele nem

eu sofrêssemos, pois o desejava demais, afastei minha boca da sua


e arqueei minhas costas, deixando meus peitos na frente de seu
rosto.

― Prove-os ― ordenei. Christian estava me ensinando que eu


não precisava me esconder e que cada pessoa tem sua própria
beleza, mesmo que eu ainda ficasse com vergonha. Estava dando
um passo de cada vez.

Merda, adorava a forma como ele olhava para mim, como se


eu fosse a pessoa mais perfeita, mais linda do mundo. O jeito que
acariciava meu torso, trilhando os dedos delicadamente entre meus

seios. Onde tocava, eu sentia minha pele pegando fogo, queimando


de dentro para fora.

Sua boca se abriu, e eu me curvei mais, ofertando-me para


ele.

Mexi meus quadris, adorando a sensação tanto de tê-lo dentro

de mim como de sua boca chupando-me, delineando os bicos duros


de meus peitos com a língua.

Seus olhos escuros, mas tão brilhantes como estrelas, não se


afastavam dos meus um segundo. Nós nos perdemos um no outro,
em nossas sensações.

Entrelacei nossas mãos próximo à sua cabeça, sobre o


colchão, e comecei a balançar mais e mais meus quadris conforme

a necessidade me tomava, especialmente a cada vez que seus


dentes roçavam em minha pele sensível.
Os sons que saíam da minha boca eram... Merda! Tão
sensuais, primitivos... Nada se comparava a estar com Christian, a

ter aquelas sensações tão poderosas... Tínhamos nos dado prazer


de outras formas antes, e era sempre tão maravilhoso, mas não era
nada como aquela sensação enervante de sermos como um só.

Sentia que meu corpo estava sempre no limite do prazer. Cada


célula se acendia, revivia, cada gota do meu sangue fervia, e o pior,

meu coração se acelerava como se fosse explodir... Era magnífico


experimentar tudo isso nos braços daquele homem.

Por um momento, desejei que jamais acabasse. Não queria


perder a conexão, não queria perdê-lo. Supliquei aos Céus que não

deixasse aquilo acontecer nunca!

― É tão bom... ― Minha voz estava falha.

― Isso, pequeno Rouxinol, sinta tudo que posso lhe dar...

Quero vê-la explodindo no meu pau... ― Levou uma das mãos entre
minhas pernas e triscou meu clitóris. ― Venha para mim, goze e me
leve com você...

Sua voz rouca, necessitada e ansiosa foi direto ao meu centro,


e senti... senti tudo. Um brilhante caleidoscópio de luzes. A explosão

veio tão forte que gritei, fechando os olhos por um momento, meu
corpo inteiro se contraindo, amando a sensação, adorando e me

deleitando com a intensidade, com o turbilhão de sensações.

Seu corpo ficou tenso, então, com um rugido, ele gozou logo

em seguida a mim. Não tirei meus olhos dele e jamais tinha visto
nada tão lindo como Christian naquele momento, poderoso como o
sol, de tal forma que chegava a ofuscar minha visão, mas

enchendo-me de plenitude e prazer novamente.

Por um momento, ficamos apenas ali, encarando-nos após

termos voltado do nosso paraíso, absorvendo o que tinha


acontecido. Eu sabia que não era só sexo, que não tinha apenas
gozado e realizado meu desejo. Não, havia muito mais.

Caí sobre ele, com o ouvido em seu peito, ouvindo o som de

seu coração acelerado. Suas mãos estavam em minhas costas,


acariciando-me. Ainda estávamos conectados, e eu podia jurar que

não eram apenas nossos corpos, mas nossas almas também.


Coração com coração.

Decidi apenas ser feliz, mesmo que nossa ligação fosse

temporária.
El Diablo
Aquela sensação era tão enervante que me fez perder o fôlego

por um segundo. Eu nunca havia sentido nada assim antes, tão forte
e poderoso que me deixou extasiado.

Olhei para a mulher dormindo ao meu lado, aconchegada a

mim após fodermos. Não, nossa relação não podia ser chamada

assim. Tínhamos feito amor. Adorei seus gemidos, seus gritos


sexys, a forma como me olhava, como se sentisse... Sim, Ella tinha

sentido o mesmo que eu, como se nossas almas quebradas,

devastadas tivessem se conectado de alguma forma... e se


completado.

Alisei seus cabelos sem acordá-la. Era tão perfeita como uma
obra de arte, a inspiração rara colocada em tela por um artista.

Nada em Ella era inventado ou imaginado, a boca carnuda, que, só

de olhar, eu sentia vontade de beijá-la; os olhos profundos, nos

quais eu desejava mergulhar a fim de derrotar suas sombras e

expulsar seus medos.

Desde o começo, eu sabia que não seria só sexo, e não queria

que fosse, mas... jamais tinha pensado que seria capaz de sentir
tanto. Não depois de tudo...
A culpa me consumia, pois eu estava vivo e extremamente
feliz, e nem Rúbia nem Yasmin... estavam mais na Terra. Eu não

tinha o direito de ser feliz, mas então por que não podia ficar longe

de Ella?

Era como uma estrela brilhante na imensidão do espaço

escuro, acabando com o vazio e as trevas. Ela fazia isso comigo,

pois o meu interior era assim, tão negro e árido quanto, mas a sua

luz ajudava a amenizar toda a dor, toda a escuridão e a respirar sem


doer.

Ignorei meus dilemas e me levantei, vestindo minhas roupas.

Era melhor focar nos problemas do que na minha dor e no vazio...

no vácuo em minha vida, que Ella acalentava.

Não importava o que fosse, eu iria lutar para não a perder e

não deixaria ninguém a machucar.

Saí do quarto lançando um último olhar para ela, esparramada

na cama só com um lençol encobrindo sua nudez, os cabelos

espalhados sobre os travesseiros. Era uma visão que eu nunca

queria que ninguém visse. Aquela perfeição seria reservada apenas

para os meus olhos.

Na sala, liguei primeiro para Hacker.


― Sim, chefe ― atendeu.

― Procure tudo o que sabe sobre um certo Jeremias. Não sei

o sobrenome, mas parece ter relação com a filial em Milão da ONG

em que Ella é voluntária. Em dois dias, terá um evento lá, então


também quero a lista de todos os convidados e tudo sobre cada um

deles. Faça uma conexão em linha direta com todos, incluindo Lyn.

Sentei-me no sofá e liguei a TV. Usando uma rede privada,


conectava-a a ela e fazia videoconferências às vezes, à noite, após

Ella dormir.

― Estou fazendo, chefe. Ainda bem que estão todos online. Só


um segundo para eu localizar Lyn.

― Me chame quando tudo estiver preparado. ― Desliguei a


tela e me escorei no sofá com a mente em Ella.

Após o nosso primeiro beijo, tantos anos antes, afastei-me,


embora viesse de tempos em tempos vê-la em segredo ou

procurasse saber de sua vida, satisfeito por nunca a ver com um


namorado ou mesmo um amante de uma noite. Então, fazia poucos

meses, eu a tinha visto saindo para jantar com um de seus colegas


advogados. Foi isso o que me fez acordar e perceber que não podia
desistir dela, mesmo que tudo em mim pedisse isso, dissesse que
eu não era bom e não a merecia, o que era verdade. Também havia

minhas lembranças, promessas que eu teria que quebrar para viver


um relacionamento com Ella. Foi uma luta imensa entre duas partes

de mim.

No final, não consegui mais ficar longe de sua presença e

passei praticamente a viver em Lincoln, mas ainda assim evitei me


aproximar por um tempo, mas a via todos os dias e velava seu sono
durante as noites.

Cansado de fugir e decidido ao menos a falar com ela de novo,


fui à ONG, depois, à casa do meu irmão, onde percebi, pela primeira

vez, seus demônios, e eram iguais ou piores do que os meus em


sua capacidade de gerar sofrimento sem fim.

Eu vinha lutando em vão contra aqueles novos sentimentos

por aquela menina por tantos anos que estava cansado disso, por
isso desisti, e finalmente estava ali, naquela derradeira noite, com

Ella. E não deixaria ninguém a tirar de mim. Derrubaria qualquer um


se fosse preciso, mafiosos, criminosos, inclusive Andrew Jackson,
um idiota preconceituoso que se achava superior à maioria das

pessoas, e o infeliz nem era tão rico. Se soubesse o tamanho da


fortuna que eu tinha angariado ao longo dos anos, não teria tido
coragem de falar comigo da forma como tinha feito na tarde daquele
mesmo dia.

Bem, eu não dava a mínima para o que pensava de mim. O

que realmente me incomodou foi saber do seu assédio a Ella. O


infeliz a queria, ainda que ela o tivesse rejeitado. Eu o deixaria para

depois. Sabia que não a tocaria. Focaria primeiro na máfia envolvida


no caso do qual ambos estavam cuidando. Lennon O’Connor.

Alguém o incriminara em Lincoln, e eu não fazia ideia de quem era,


mas descobriria. Não podia ser coincidência o fato de o primo de
Finn O’Connor, o chefe da máfia irlandesa, inimigo de Lyn, ter sido

preso naquela cidade.

Eu não deixaria quem estivesse por trás disso tudo ficar às

escondidas, dando apenas as cartas. Descobriria o que estava


realmente acontecendo e, quando o fizesse, não gostaria de estar

na pele do infeliz, caso descobrisse que, durante todo esse tempo,


seu algo sempre tinha sido Ella.

Por isso eu havia entrado em contato com algumas pessoas

para me ajudarem a descobrir qualquer pista. Como ainda não tinha


recebido informações e nada mais havia acontecido com Ella, eu
ficaria apenas de sobreaviso. Se percebesse qualquer sinal de algo
se direcionando a ela, então as portas do inferno se abririam em
Lincoln, e o diabo seria solto, devastando tudo.

Por ora, cuidaria da segurança de Ella na ONG em Milão.


Aquele trabalho era importante para ela, então eu faria qualquer
coisa para que continuasse fazendo o que amava.

Hacker me mandou uma mensagem, então a tela de TV

ganhou vida, de um lado com a imagem da sala de reuniões do


banker em Lincoln, onde estavam meus homens que se

encontravam na cidade no momento – Arrow, Cowboy, Tracker,

Knife, Hacker, Vlad e Flame – e, do outro, Lyn, em algum lugar do


mundo.

― Tudo pronto, chefe. Do que precisa? ― questionou Arrow.

― Primeiro preciso saber algo de Lyn. Alguma novidade sobre

Finn O’Connor? Por que ele ainda respira? ― Fui direto.

Seu rosto se manteve inexpressivo.

― O cara é muito vigiado, não é idiota como o irmão dele, que

matei. Ele gosta de ir a arenas Prometheus, mas, como sabe que


estou em sua cola após a coisa toda na Dinamarca, fechou o

círculo, ou seja, não saiu mais da toca em que está. Mas tenho
gente minha de olho nisso. Achá-lo é só uma questão de tempo ―

informou, então franziu a testa. ― Está na casa da minha irmã?

― Sim, estou. Estamos juntos ― avisei.

Ele assentiu com um minucioso balançar de cabeça.

― Acho que não preciso dizer o que acontecerá com você

caso a machuque, não é? ― Seus olhos vazios e mortais diziam

tudo.

Eu não ia desafiá-lo, pois o entendia e aprovava.

― Não ― respondi, então fitei cada um deles. ― Mas não foi

para falar disso que fiz essa conexão. Preciso me preparar, pois Ella
vai a um evento em Milão, e não quero que nada dê errado.

― Que evento? ― indagou Lyn.

― Na filial da ONG. Ela foi convidada. ― Veio à minha mente

a fúria que me acometeu ao ouvi-la falar de modo tão íntimo com


aquele sujeito, de tal forma que até comecei a pensar que... merda,

nem eu mesmo sabia, mas fiquei irritado com o jeito caloroso com

que ela conversava com o senhor. Ella era assim, bondosa,

generosa, simpática demais com todos. Eu estava apenas com


ciúmes demais.
― Como pediu, chefe, tenho a lista de todos os convidados e

do staff ― disse Hacker, que estava sentado perto de Arrow

mexendo em seu notebook. ― Chequei todos, estão limpos, até o


cabeça da ONG, Jeremias Basso, um senhor que trabalha ajudando

necessitados há mais de 50 anos. Eles fazem um ótimo trabalho.

― Então todos estão limpos? ― Se fosse verdade, seria ótimo.

Eu não gostava de andar com um alvo nas costas.

― Sim, mas não descobri as intenções de um deles...

― Como diabos não descobriu?! Não o hackeou? ― sondei.

O garoto suspirou, tirando os olhos da tela do laptop e me


fitando através dos óculos de grau.

― Acabei de enviar para todos o que descobri sobre Martin


Monaco...

― O dono das indústrias Monaco? ― Franzi a testa.

― Ele tem costume de frequentar eventos de outras ONGs ou

só essa? ― perguntou Lyn.

Martin era um grande empresário e um chefe poderoso no

mundo do crime. Eu mesmo já tinha feito negócios com ele alguns


anos antes. Não reparei em sua forma de gastar dinheiro, só fiz meu

trabalho.

― Na verdade, o cara doa milhões de euros para diversas

ONGs ― respondeu Hacker, impressionado.

― Ganha dinheiro com o tráfico de armas e drogas para doar

depois; muito nobre da parte dele ― ironizei, mas estava pensativo.

― Falou o homem que doou meio milhão de dólares, dinheiro


obtido com assassinatos. ― Hacker sorriu, mexendo em seus

óculos. ― As almas dos infelizes que estão no inferno poderiam ver

o bem que suas mortes proporcionaram a tantas pessoas.

Bufei. Meu dinheiro não vinha só da agência de matadores de

aluguel. Além de minhas boates, eu tinha várias empresas


legalizadas.

― Com Martin está tranquilo, não tenho nenhum problema


com ele e não acho que vai tentar algo com Ella. Nem deve saber

que ela existe. Mas, por via das dúvidas, quero a segurança

dobrada, então todos que não tiverem algum trabalho por ora
foquem nisso.

― Vai precisar da minha cobertura? ― inquiriu Lyn.


― Não. Se eu precisar de mais ajuda, chamo Alessandro.

Pode continuar com o que está fazendo. Não quero ligação dela

com você por enquanto, é mais seguro ― respondi com um suspiro.

Alessandro Morelli era chefe da máfia Destruttore, italiana.

Éramos aliados, eu já tinha feito alguns serviços para ele. Também

era amigo de sua esposa, Mia, e da filha deles, Graziela, uma


menina que tinha quase a mesma idade que a minha tinha quando

estava viva. Eu havia protegido Mia uma vez, quando a organização

de Alessandro estava tomada por traidores.

― Estou indo na frente para providenciar as coisas ― informou

Arrow. ― Vou levar Tracker, Vlad e Flame. Você e os outros podem


ir depois.

― Então está tudo fechado sobre a segurança dela em Milão.

Lyn? ― Olhei para ele. ― Veja se descobre quem incriminou

Lennon aqui, em Lincoln. Não acredito em coincidências, e é muito

suspeito que um dos seus inimigos tenha vindo parar aqui.

― Também desconfiei. Vai eliminá-lo?

― Não por agora. Precisamos saber quem está por trás disso.

Se simplesmente o matarmos, não saberemos de nada.


― Podemos descobrir, mas e se for tarde demais? ― falou

Cowboy. ― Então a Docinho sairá ferida.

― Docinho? ― Fuzilei-o.

― Ela tem aquela aura doce que faz a gente querer protegê-la

― respondeu com um sorriso. ― Não precisa ter ciúmes de mim,

embora eu seja mais bonito que você.

Fechei a cara, mas, antes que eu pudesse dizer algo, Lyn


disse:

― Vou apurar os fatos. Sei que também está checando as


coisas do seu jeito. Como vai a Milão, talvez possa resolver o

problema com os outros miseráveis que tocaram em minha irmã.

Eles estão lá.

Fiquei surpreso.

― Vai me deixar lidar com eles sem participar? ― Avaliei-o

minuciosamente, mas não percebi nenhuma emoção em sua face.

Fiquei realmente balançado por seu gesto. Estava ansioso

para colocar minhas mãos naqueles que machucaram meu pequeno

Rouxinol.
― Me diverti com 14 vermes inescrupulosos. Eles sofreram
muito. Posso deixar esses dois restantes para você e Ella, se ela

quiser.

― Valeu, embora eu duvide muito que ela queira participar da

tortura. Talvez só assistir.

Ella não tinha uma veia maldosa, nem eu queria que tivesse.

No entanto, se desejasse se vingar, eu estaria ao seu lado.

― Precisa dizer a verdade a ela sobre você, El Diablo ― Lyn

aconselhou.

― Vou dizer depois que esses problemas acabarem. ― Temia

que ela não aceitasse quem eu era, ainda mais antes de estar
completamente segura.

Encerrei a conexão e desliguei a TV após resolvermos mais

alguns problemas, então voltei para o quarto e me deitei ao lado de


Ella, que se aconchegou ao meu corpo ainda dormindo.

― Nada irá alcançá-la, eu juro ― prometi, beijando seus


cabelos.

― Você vai me abandonar no final. Todos fazem isso...


Surpreso, olhei seu rosto para ver se ela tinha acordado, mas
estava inconsciente.

Suas palavras me fizeram lembrar-me de mais cedo, quando

lhe perguntei quem era o seu homem, e ela titubeou ao responder


que era eu. Por acaso achava que eu iria abandoná-la?

Todos fazem isso, foi o que ela disse. Certamente se referia à


sua família, ao menos os que a amavam, pois a mãe tinha sido

assassinada, o irmão havia desaparecido por anos. Devia ter


sentido tanto medo quando era pequena, sozinha e indefesa nas
mãos de sua tia e daqueles desgraçados estupradores. Eu teria um

imenso prazer em fazer os últimos que restavam pagar caro e com


lágrimas de sangue.

― Nunca irei abandonar você, pequeno Rouxinol ― jurei,


beijando sua testa.

Ela se mexeu, segurando minha camisa e colocando uma


perna sobre mim. Tão linda e tentadora.

― Vou provar que esse lance entre nós não vai acabar. ―
Diria isso para ela também no dia seguinte e no próximo e nos que

viessem pela frente, até ela entender.


Enfim eu entendia sua relutância em me dar tudo de si. Não
podia reclamar, porque eu também não lhe dava tudo de mim e não
sabia se um dia poderia. Seríamos capazes de passar por aqueles

obstáculos juntos? Duas almas tão partidas poderiam ser


restauradas?

Eram tantas perguntas que eu tinha, mas não sabia como


conseguir as respostas. A única coisa que eu sabia era que faria

tudo que pudesse para ela não se machucar, e esperava que ela
fizesse o mesmo por mim.

Não iria pensar nos mil motivos pelos quais não deveríamos
ficar juntos, mas sim nos poucos pelos quais valiam a pena, como a
nossa conexão, aquele sentimento que florescia a cada dia em meu

peito, levando pouco a pouco para longe a escuridão e o tormento.


Só Ella era capaz disso, e de muito mais.
Ella

Acordei cedo, pronta para o dia em Milão. Tínhamos chegado


na noite anterior. Achei que ficaríamos em um hotel, mas Christian

tinha uma casa na cidade. Apreciei esse fato, assim aproveitaria

mais o meu tempo com ele.

Levantei-me e me arrumei para ir encontrar a pessoa a quem

Jeremias queria me apresentar. Depois teria que ir à ONG a fim de


organizar os últimos detalhes com meu amigo para o evento à noite.

Estava em dúvida se deveria convidar Christian para ir comigo,


afinal ele não se sentia bem na presença de crianças. Cortava meu

peito vê-lo tão destruído. Queria poder fazer algo por ele naquele
quesito, mas não era possível.

Decidi não pensar mais em tristeza e olhei ao redor. O quarto

era bem-organizado muito bonito, com uma cama king size,

mesinhas de cabeceira, um armário de roupas e uma penteadeira.

Peguei minha bolsa, com meus documentos e o notebook e


saí do quarto.

O cheiro de comida me chamou a atenção. Estava muito

faminta. Christian estava fazendo café?

No corredor, havia mais quartos, mas não os olhei, apenas


segui as vozes até o andar de baixo. Não tinha reparado muito
quando cheguei, mas a sala era grande e bonita.

Deixei minha bolsa no sofá e segui para a cozinha, de onde

estava vindo o aroma de bacon que me deixava com água na boca.

Assim que entrei, empaquei ante a visão em frente a mim. Era algo

bem incomum.

O bando de homens parou o que estava fazendo, e todos

olharam para mim dos pés à cabeça.


Eu estava produzida com um vestido colado no corpo e
sapatos de saltos altos combinando.

Sorri ao reconhecer o homem que tinha ido à ONG com

Christian. Ele era negro e lindo demais, com um sorriso

impressionante

― Você...

― Sou Arrow. Prazer em revê-la novamente. Na ONG, em

Lincoln, não tive a chance de me apresentar. ― Aproximou-se de

mim estendendo sua mão.

― Você por acaso possui um arco? ― pisquei curiosa,

pensando em seu nome, Arqueiro.

― Ah, sim. Está ali. ― Indicou uma mesinha perto de onde eu

estava.

Assenti e olhei para os outros homens, que eu ainda não

conhecia. Um deles era musculoso e careca, com muitas tatuagens,


até na cabeça. Outro era loiro e de olhos azuis, vestia terno e

parecia o CEO de alguma empresa.

― Prazer em conhecer você. Sou Vlad. ― O loiro sorriu para

mim, acenando da cadeira em que estava sentado tomando café da

manhã, assim como Arrow.


― Sou Flame. ― O careca tatuado piscou e deu um sorriso.

Estava ao fogão mexendo em algo. ― Então, menina, é por sua


causa que está acontecendo todo esse alvoroço?

― Eu me chamo Ella, mas já deve saber disso ― falei e


acrescentei: ― Bom dia a todos.

Recebi um bom-dia a muitas vozes, e eles voltaram a comer.

― Cadê Christian? ― sondei.

― No andar de cima, resolvendo algumas coisas. Já vai

descer ― falou Arrow.

― Estou faminta. Esse cheiro é maravilhoso. ― A mesa estava

farta.

― O café da manhã está pronto, acabei de fazer. Já estou

terminando os ovos com bacon. ― Flame indicou que eu me


servisse.

― Você fez tudo isso? ― apontei a mesa abarrotada de

comida.

― Sim, gosto de cozinhar. ― Deu de ombros.

Peguei uma xícara e me sentei perto de Arrow.


― Sorte da mulher que se casar com você. ― Servi-me de

café e peguei um pãozinho.

― Está se convidando? ― Flame brincou com um sorriso.

― Vou passar, mas obrigada. ― Sorri.

Eu estava gostando da forma descontraída de eles agirem,


não pareciam preocupados com o que eu pensaria a respeito de

cada um, eram autênticos. Perguntei-me se Christian tinha o dedo


nisso, se havia pedido a eles que me deixassem à vontade, ou se

eram naturais mesmo.

― Talvez comigo você aceite ― falou uma voz com sotaque

sulista e muito divertida atrás de mim.

Cowboy entrou, vestido com suas roupas de vaqueiro que o

deixavam tão atraente.

― Algo me diz que, se algum dia uma mulher ou um homem


conseguir domar você, a pessoa vai se sentir vitoriosa. ― Bebi um

gole do meu café.

Ele fez uma careta fingida.

― Está me chamando de mulherengo? ― Sentou-se ao meu


outro lado.
― Não o conheço muito, mas é um fato. ― Suspirei. ― Porém,
estou curiosa com seus apelidos. Arrow tem um arco. Você tem
algum chicote?

― Deixo o meu chicote guardado. Só as mulheres e os


homens com quem fico têm o prazer de vê-lo em uso. ― Sua voz se

arrastou, provocativa.

Corei, embora soubesse que nenhum deles daria em cima de

mim. Na verdade, eles pareciam realmente à vontade. Agiam como


uma família, com as bocas soltas e muito bem-humoradas. Gostei
da sensação de estar entre todos.

― Sorte deles, devo dizer ― comentei com um sorriso e varri


os olhos pelos outros, que estavam sorrindo também. ― Já tenho o
motivo dos apelidos de dois, Arrow, por ter um arco, e Cowboy, que

obviamente se veste como um, mas e os de vocês? Posso chutar?

Flame e Vlad riram.

― Fique à vontade, menina ― concordou Vlad.

― Claro, por que não? ― Flame piscou.

― Você se chama Flame... Aposto que muitos acreditam que


seja pelas tatuagens de chamas que possui do pescoço até a

cabeça. ― Devia ter mais delas por baixo das suas roupas. ―
Embora eu duvide que seja por causa disso. Aposto que gosta de
colocar fogo nas coisas, de explosões, certo?

Ele deu uma risada.

― Você tem boa intuição ― apontou divertido, colocando ovos


mexidos e bacon no meu prato.

― Tenho que ter, sou advogada. ― Animada, olhei para Vlad.


― Não acho que Vlad seja um apelido... Então qual é o seu?

Ele deu um sorriso de lado.

― O que acha? Vamos ver se descobre.

― Hum... Vamos ver. Você tem esse sorriso sexy que derrete
calcinhas e aposto que, por causa dele, leva muitas pessoas na

lábia para que elas façam apenas o que você quer. Mas ele é uma

fachada. Seu verdadeiro eu está em seus olhos. Apesar de lindos

como o céu, têm algo duro, frio e letal neles. Acho que foi demolido
e vive para fazer o mesmo com seus inimigos.

Ele pareceu surpreso, e não foi o único.

― Demolidor ― respondeu após se recuperar.

― Agora vamos para Knife. Ele é bom com as facas, me disse

que as tem até nas cuecas. Não que eu queira ver ― acrescentei.
Fui interrompida por algo se cravando na parede acima da

minha cabeça. Pulei de susto, quase derrubando meu café.

― Exibido... ― Flame revirou os olhos.

Knife estava ali, na entrada da cozinha, com um sorriso

desafiante, mas seus olhos diziam tudo. Eram mortais e impiedosos.

Atrás dele havia um homem loiro de olhos muito claros, azul-

celeste, com cabelos anelados na altura dos ombros.

― Então você é a garota problema, aquela que pode nos fazer


perder nossos órgãos se espicharmos os olhos ― provocou,

esboçando um sorriso.

Ignorei a última frase, pois apostava que ele estava brincando.

― Quem é você? ― Não o tinha visto ainda.

― Tracker. ― Curvou a cabeça para mim, logo se servindo de

café.

― Rastreador! Interessante. ― Coloquei a mão no queixo. ―

Têm mais de vocês com apelidos?

― Tem o Hacker ― respondeu Knife, vindo recuperar sua faca,


que ainda estava na parede.

― Esse deve ser fera...


― Em computadores ― respondeu uma voz baixa.

― Isso explica como conseguiu diminuir de longe a velocidade


de um trem antes que ele explodisse. ― Eu não sabia quem tinha

sido o causador da explosão, mas agradecia ao responsável; havia

nos salvado naquele dia.

― Por quase parar o trem, levo o crédito, por explodi-lo, não.

― O garoto que entrou era muito jovem, tinha cabelos castanho-


claros e olhos azuis. ― Tudo que for rastreável digitalmente é

comigo; pessoalmente, é com Tracker.

― Você tem idade para ser um guarda-costas? ― sondei.

― Dezenove anos ― respondeu com uma careta.

Sorri, notando que ele não gostava que o achassem novo.

― É bom ficar cercada por tantos homens sexys... ― Estava

faltando apenas o melhor deles, o único que mexia de verdade


comigo.

― Não gosto de você se referindo a eles dessa forma ―


rosnou uma voz nada amigável atrás de mim.

Virei a cabeça, deparando-me com Christian de pé com os


braços cruzados. O homem exalava poder e gostosura. Só de olhar
para ele, vinha à minha mente a lembrança do que tínhamos feito

naquela noite. Céus, eu não devia me sentir tão faminta assim por
sexo! Mas não devia ser só por sexo em si, e sim com esse homem.

Seu olhar indicava que ele devia estar pensando na mesma


coisa que eu, pois me devorava como se eu fosse uma iguaria mais

saborosa que toda a comida naquela mesa.

― Não gosto desse olhar! É como se estivessem tirando a

roupa um do outro... ― Cowboy fez uma careta. ― Não quando

estou de fora desse tipo de jogo. Ainda bem que minha abstinência
está acabando.

Olhei para ele com o rosto vermelho e me sentindo culpada,

afinal tinha se machucado para me proteger.

― Como anda a ferida? Lamento que, por minha culpa, tenha

se privado do que tanto gosta por enquanto ― murmurei.

Arrow trocou de cadeira, e Christian se sentou em seu lugar,

ao meu lado. Ele colocou a mão na minha coxa, e, mesmo que a

mantivesse quieta, senti como se percorresse todo o caminho até a


junção de minhas pernas.

― Estou bem, e há muitas outras coisas que dá para fazer


mesmo sem...
― Certo, entendi. ― Interrompi sua frase, com o rosto em

brasa, fazendo-o rir, e não foi o único ali.

― Não liga para ele. Cowboy é um comediante ― Christian

disse tranquilamente, com um leve sorriso.

― Hum... Eles me contaram seus apelidos. E o seu? Você tem

um, não tem?

Notei na hora que ele perdeu o sorriso, dando espaço para

algo sombrio.

― Tente adivinhar igual fez comigo. Você chegou bem perto.

Talvez consiga com ele ― disse Vlad.

Meneei a cabeça de lado, examinando Christian, mas sua

expressão era indecifrável.

― Posso tentar? ― questionei a ele. Sua única resposta foi

balançar a cabeça, mas eu percebia a tensão em seu maxilar. ―


Bem, você tem toda essa aura sombria... Não é muito diferente de

Vlad ou Knife. A diferença ente vocês é que, embora eles usem

máscaras e gestos para esconder o verdadeiro eu de todo mundo,

não se incomodam em velar os olhos, talvez porque achem que


ninguém vai se dar ao trabalho de lê-los. ― Tentei colocar em
palavras o que estava pensando. ― Você, por outro lado, esconde

tudo, mas não de todos.

― Escondo de quem? ― Arqueou as sobrancelhas.

― De mim, por exemplo. Do seu irmão. Acredito que pensa

que não irei aceitar sua verdadeira natureza, mas vi uma parte dela

na Dinamarca. Os seus olhos brilharam com desejo de sangue


enquanto meu irmão espancava o Oscar. Mas não porque queria vê-

lo sangrar, e sim por almejar estar no lugar de Kasper. Queria ser

aquele a causar dor.

― Aquele desgraçado merecia coisa pior. ― Pôs café em uma

xícara e tomou um gole.

Questionei-me o que poderia ser pior que do que ter as unhas


e dedos arrancados, depois ter seu pau cortado... embora eu não

tivesse visto essa parte, pois saí antes. Só soube depois.

― Estou falando disso. Às vezes você deixa escapar certa

crueldade ao dizer o que pensa, o que sente, como agora. Então

creio que seu apelido seja algo letal, sombrio, poderoso, desalmado,

como, por exemplo, Death, Beast, Dark ou alguma coisa desse


gênero.
A cozinha ficou em silêncio. Se uma agulha caísse no chão,
poderia ser ouvida.

― Christian, não quero que esconda de mim quem você é de

verdade. Seja natural comigo ― pedi. ― Não vou julgá-lo ou lhe

pedir que não faça o que deseja ou precisa. Jamais faria isso.

Ele suspirou, evitando meus olhos por um momento, mas não

me importei, só esperei que tomasse seu tempo para decidir se iria

se abrir comigo ou não.

― El Diablo ― respondeu enfim.

Eu não soube por quê, mas não fiquei surpresa. Achava

mesmo que era algo do tipo, como os apelidos citados mais acima.

― El Diablo... ― pronunciei o nome, arfando quando ele

evocou uma lembrança. ― Esse nome está nos contatos no

telefone que meu irmão me deu! Bem que achei estranho não ter o
seu lá, pois é você que está tomando conta de mim. Mas, com tudo
que aconteceu, esqueci de perguntar.

Na hora em que ouvi Kasper falando aquele contato, não


conseguia nem imaginar por que alguém teria tal apelido. Para tê-lo

conquistado, ele devia ter feito algo muito sombrio, impiedoso, letal,
brutal, feroz, tudo o que eu imaginava que Christian era.
Procurei uma leiteira na mesa, e foi quando notei que
estávamos sozinhos na cozinha. Quando seus amigos tinham
saído? Na hora em que Christian evitara me olhar, teria feito um

pedido silencioso para que nos deixassem a sós?

― Você está muito quieta. Está em choque? ― Sua mão

começou a fazer círculos na minha coxa como se tentasse me


tranquilizar, mas teve o efeito contrário, deixando-me mais agitada,
quente como nunca. ― Sei que o apelido é um tanto...

― Profundo...

― Gosto de profundo... ― Sua voz se arrastou a quase um


sussurro, fazendo com que eu me remexesse na cadeira.

Dessa vez eu ri, encontrando seus olhos.

― Também gosto muito de profundidade... ― declarei,


aproximando o rosto do dele. ― Tanto que vou precisar trocar de
calcinha; esta ficou muito molhada.

― Podemos resolver esse problema agorinha. ― Beijou meu


ombro. ― Mas preciso saber o que pensa do meu apelido.

Suspirei.
― Para ter um codinome desse, você deve ter feito algo para
merecê-lo. ― Encontrei seu olhar, que agora estava nu para mim, e
percebi a verdadeira origem do apelido. ― Matou muitos, talvez

ainda o faça, e não é de uma maneira misericordiosa, não é? Tipo


um tiro limpo, à queima-roupa. Acredito que tenha métodos mais...

― Pensei nas palavras de Tracker sobre perder seus órgãos se me


olhasse de uma maneira errada. ― Você estraçalha uma pessoa de
dentro para fora. É um assassino brutal, cruel e feroz. Estou certa?

― Sim, está. ― Franziu a testa. ― Não está com nojo,


decepcionada ou algo assim? Se estiver, vou entender...

― Oh, querido, não acho que eu poderia sentir algo assim por
você. Tenho certeza de que não faz mal a pessoas boas; do

contrário, não me protegeria. Ora, aceitei meu irmão da forma como


ele é. Por que não posso aceitar você também, além de seus
amigos, quando um deles até levou um tiro por mim? ― Por mais

que todos eles tivessem matado pessoas, havia um lado bom em


cada um, e eu gostava dessa parte; faziam com que fossem
apenas... diferentes. ― Mas o que fazem? São mesmo guarda-

costas? Nunca perguntei o nome da sua agência.

Ele hesitou.
― Seja sincero, Christian. Não gosto de mentiras. Chegou a
hora de me dizer a verdade. ― Peguei sua mão e a apertei. ― Não

me importa o que seja. Estou aqui para você.

Era verdade. Eu não podia nem queria ficar longe dele. O

mundo em que eu vivia não era totalmente preto e branco; havia


variadas nuances de cinza. Sabia dos perigos e dos monstros soltos
por aí. Christian não era um desses, na verdade o homem era bom

até demais. Teve sua cota de dor, e no fundo ainda a tinha, nem eu
acreditava que um dia ela passaria. Ainda assim, ele superara as

dificuldades.

― Deadly Reapers. É esse o nome da minha agência ―

respondeu, e permaneceu me avaliando, talvez imaginando quando


eu iria surtar.

― Ceifadores mortais? ― repeti, buscando aquele termo em


minha memória. ― Falei esse nome para você enquanto

dançávamos há alguns anos, no baile de máscaras. Brinquei


perguntando se você era um assassino contratado para... Merda. ―
Interrompi meu raciocínio, deduzindo a verdade. ― É isso o que

você é?
― Sim ― respondeu, tenso, como se estivesse meio

temeroso. ― Não penso em mudar minha forma de ser, é quem eu


sou. Só peço que me entenda, por favor.

Um assassino de aluguel, que matava por dinheiro.

― A tatuagem nas costas é algo relacionado a isso, não é? O

ceifador, as caveiras no chão... mas e as pétalas de rosas, o que


significam? ― Avaliava sua expressão.

― Todos da agência têm a tatuagem de um ceifador, mas cada


uma é individual, representando algo da pessoa. Na minha, o que

me representa são as pétalas de rosas caindo sobre os ossos,


aqueles que matei por terem tirado minha família. Cada pétala
significava um pedaço da minha alma sendo arrancado, até que

chegaria um dia em que não restaria nada. De fato, foi o que


aconteceu. Hoje não tenho uma alma completa, ela é tão sombria

quanto um vácuo desprovido de luz.

― Christian... ― Meu coração doía por saber que ele se via


daquela forma. A dor que aquela perda tinha causado nele...

Esperava que um dia aquele fardo se amenizasse, para ele ser feliz.

― Com você ao meu lado, vejo a luz ― comentou, fitando-me.

― Não posso perder isso, mesmo que você fique sabendo o


monstro que sou. Ella... os casos que pego são os piores seres que
existem na Terra. Não machuco inocentes, mulheres ou crianças ―
disse convicto.

Eu sentia que estava sendo sincero e, para ser franca, não me


importava com a “profissão” de Christian. Obviamente que não

permaneceria com ele se machucasse inocentes, mas eu tinha


certeza de que não era capaz, ainda que não tivesse me falado. O
que importava era que me tratasse bem, como vinha fazendo.

― Não me importo com o que faz de sua vida, Christian.


Aceito-o como é e estou do seu lado. ― Sorri, contente por ele

achar que eu era uma luz em sua vida. Na verdade, eu também


sentia que ele iluminava minha vida.

― Você é uma advogada que faz de tudo para deixar bandidos


presos, assassinos como eu. Como pode aceitar o que eu faço?

― Nunca fui uma pessoa normal. E, no fundo, não quero ser.


As pessoas que condeno não chegam aos seus pés. Você não

estupra, tortura ou mata inocentes. Em lados opostos, ambos


tiramos monstros de circulação. ― Coloquei meus braços em volta
do seu pescoço. ― Então, sim, aceito o que você é. Confio em você

com a minha vida. Se não confiasse, não estaríamos aqui.


Ele me beijou intensamente, tremendo, como se uma espécie
de alívio o tomasse, apertando os braços ao meu redor como se

quisesse nos fundir, e não literalmente, mas de uma forma mais


profunda.

Felicidade era um sentimento que eu não tinha fazia muito


tempo. Até conhecê-lo um pouco mais, no fundo talvez eu nunca
tinha sido de fato feliz, não como estava me sentindo com a

convivência com aquele homem. A forma como ele mexia comigo


era incrível, tão terna, pura, profunda e intensa. Eu sabia o que
estava acontecendo. Estava apaixonando-me por ele, e uma parte

de mim se encontrava delirante, mas a outra sentia medo. Não


sabia qual delas iria vencer no final.
Ella

Christian não pôde me levar aos compromissos que eu tinha

durante aquele dia. Não obstante, deixou Knife e Arrow tomando


conta de mim. Falou que tinha algumas coisas que precisava fazer e

que não podia deixar para depois, mas que me acompanharia à


noite na festa. Fiquei muito feliz ao saber disso.

Era hora do almoço quando terminei a checagem do local onde

seria o evento. Aconteceria no salão de baile de um dos mais


famosos hotéis da cidade. O próprio dono cedeu o local.
Jeremias me ligou quando Knife, Arrow e eu estávamos a

caminho da ONG, onde eu o encontraria junto ao seu convidado que


gostaria de me conhecer, cujo nome eu ainda não sabia. Quando

ele mencionou aquilo no dia em que me ligou, achei estranho, afinal

eu não era a fundadora da organização, apenas um dos membros, e


havia pessoas mais capacitadas do que eu à frente das ações. Por

que ele queria falar justamente comigo? Eu era desconfiada,

provavelmente isso não mudaria nunca. E eu gostava dos meus


instintos.

Ao telefone, meu amigo disse que não nos encontraríamos no

prédio da ONG, mas em um restaurante no Centro da cidade, onde

poderíamos almoçar e conversar.

― Knife, mudança de planos. Não iremos mais para nosso

destino anterior, mas para o Centro ― informei a ele. Estava ao seu

lado no banco da frente do carro, enquanto ele dirigia. Arrow seguia


em um veículo atrás.

― Para onde então?

Mexi no GPS do carro, colocando a localização exata. Ele

seguiu as coordenadas sem reclamar.


― Então, Knife, o que Christian está fazendo? ― sondei
curiosa.

― Preparativos para a noite. Não queremos que surjam

complicações, já que você ficará perto de tantas pessoas.

Concordei com um suspiro.

― Há quanto tempo trabalha com Christian? ― perguntei,


realmente interessada.

― Quatro anos. Estava em um serviço, então, do nada, o

homem apareceu no meu esconderijo quando eu estava prestes a

atingir meu alvo. Eu não sabia se ia atrás do meu objetivo ou

daquele cara que se encontrava ali, me atrapalhando. ― Ele riu

enquanto se lembrava. ― O cara se sentou ao meu lado e

simplesmente falou que esperaria eu acabar. Ao fim, chamou-me


para me juntar à sua agência. Na hora, achei que ele fosse louco.

Após eu saber o que eles realmente eram, pedi a todos que

não hesitassem em falar qualquer coisa por temer minha reação.

Jamais os acusaria ou recriminaria pela maneira como ganhavam a

vida, ainda mais sabendo que, embora fossem assassinos, seguiam

um código de ética. Eles pareciam gostar de mim, e eu também

simpatizara com todos.


― Um jeito diferente de recrutar profissionais. ― Ri também.

― Todos vocês parecem tão unidos. Gostei de conhecer novos


membros e de tomar café com vocês. Fico feliz que Christian tenha

amigos tão legais e leais.

― Somos uma família ― declarou.

Sim, eu tinha notado isso.

Conversamos mais um pouco até chegarmos ao local indicado.

― É aqui? ― Knife franziu a testa, olhando para um Porsche

preto estacionado à porta do estabelecimento.

― O que foi? Parece ter algum perigo? ― Fiquei preocupada.

Ele balançou a cabeça, recuperando-se.

― Não, vamos entrar.

Se Knife tinha concordado que entrássemos, então não havia


perigo algum. Relaxei e entrei, falando o meu nome e da pessoa

que tinha feito a reserva à hostess que nos atendeu.

Ela estava nos levando para a mesa quando estanquei ao ver


Christian ali também.

Ele estava de pé, de costas para mim, mas eu conheceria em


qualquer lugar seus cabelos em um coque e as tatuagens à mostra
no pescoço. Não achei que fosse encontrá-lo, por isso fiquei feliz.

Talvez, após a reunião que eu teria ali, pudéssemos sair e andar por
Milão juntos, afinal eu teria algumas horas de folga após o almoço,

antes de precisar ajudar Jeremias nos retoques finais para o evento.

Dei um passo em sua direção, com um imenso sorriso, mas

meu corpo travou após perceber, perto dele, uma mulher sentada a
uma mesa. Eu ainda não a tinha visto porque o corpo dele tampava
a sua visão. Ela ficou de pé, exibindo sua barriga imensa de grávida,

e o abraçou sorrindo. Ao seu lado, estava uma menina loira também


sorridente.

O que me paralisou não foi o encontro entre eles, pois confiava


em Christian no quesito fidelidade, ao menos até que ele me desse

motivos para não mais acreditar em sua palavra. Eu teria ido até
eles e os cumprimentado tranquilamente.

Porém, uma dor profunda tomou meu peito, e minha visão

ficou turva quando as lembranças do que eu tinha perdido invadiram


minha mente como um tiro tão forte que dei um passo para trás,
colidindo em algo duro.

― Cuidado ― disse alguém.

Não me importei, pois o ar me faltava.


Tentei me controlar, mas era sempre assim ao ver uma
gestante. Elas me traziam recordações que me perfuravam e faziam
a minha alma sangrar.

Virei-me e corri porta afora, precisando respirar, ainda que, ao


tentar fazê-lo, doesse como uma lâmina afiada me cortando fundo.

― Ella, espere! ― gritou Knife.

Não pude esperar, só continuei a correr, sentindo o vento


gelado banhando meu rosto enquanto as lágrimas escorriam sem

parar.

Braços me seguraram por trás, impedindo-me de continuar. Eu

não precisava olhar para saber que era Christian.

― Respire fundo ― pediu ele. ― Não é o que pensa, pequeno

Rouxinol.

Forcei-me a inspirar fundo, não querendo rememorar o

passado, mas ele estava ali, entalhado, forjado a ferro e fogo, para
nunca mais sair.

― Me tira daqui! ― implorei.

― Tudo bem, vamos, mas temos que conversar. Precisa saber


que Mia é só uma amiga, assim como sua filha. Ela é casada com
Alessandro, o homem em quem você esbarrou quando saiu
correndo do restaurante. ― Puxou-me para o Porsche preto ao qual
Knife tinha olhado de modo estranho antes. Ele deveria saber que

seu chefe estava ali.

Christian estava pensando que eu me encontrava daquele jeito

por sua causa? Eu jamais reagiria de tal modo caso o pegasse me


traindo com outra mulher. Ao menos, achava que não. Naquele

momento, não tinha cabeça para pensar em nada, muito menos

para saber quem eram as amigas dele. O que eu estava sentindo


era horrível! A culpa me consumia como ervas daninhas destruíam

um jardim florido.

Dirigimos em silêncio por um tempo que eu não fui capaz de

mensurar, para um local que eu nem fazia ideia nem sequer me

importava.

Abalada, após várias tentativas, consegui mandar uma


mensagem a Jeremias informando que não pude ir ao encontro,

pois tinha passado mal, mas estava melhor e precisava descansar

para a noite. Ele me desejou melhoras.

Na verdade, eu não menti para ele. Tinha realmente passado

mal, mas daquele mal não podia me recuperar, pois não existia
cura.

Christian estacionou em frente a um hotel cinco estrelas. Entrei

com ele ao meu lado. Eu devia estar um caco, pois algumas


pessoas me olhavam com o cenho franzido.

No elevador, ele apertou o número da cobertura.

― De quem é esse lugar para onde vamos? ― Minha voz...

merda! Ela parecia morta.

― Meu ― respondeu apenas, observando-me


circunspectamente, mas não consegui encontrar seus olhos,

enquanto as lágrimas ainda escorriam sem cessar pelo meu rosto.

― Está me preocupando, pequeno Rouxinol. Fale comigo. Algo

mais deve ter acontecido. Isso não é só por imaginar que eu estava
tendo um caso. Parece ser mais profundo.

Não respondi, mas sabia que precisava me abrir. Só não sabia


se conseguiria naquele instante.

Entramos em um apartamento muito espaçoso, mas nem olhei


ao redor ou para a vista perfeita da cidade. Sentei-me no sofá,

querendo esquecer, mas não podia ficar bêbada, pois tinha um

evento logo mais à noite.

― Ella...
Eu percebia que ele estava preocupado comigo, e não queria

isso.

― Eu tinha 18 anos. Tinha acabado de pegar meu namorado

na cama com outra no apartamento dele. As coisas ficaram bem

feias...

― Ele bateu em você? ― Tinha um toque mortal em sua voz.

― Não, Travis não era violento. Ele só disse coisas que eram

verdadeiras, sabe? Mas que me machucaram profundamente. Hoje


elas não teriam o mesmo efeito, porém, naquela época, eu ainda

estava muito quebrada... devido ao que aconteceu em minha

infância.

Apoiei a cabeça no encosto do sofá e olhei para o teto,

deixando mais lágrimas caírem.

― Eu estava realmente na escuridão, no fundo do abismo, não

tinha luz, não tinha nada. Não tinha forças para lutar. Sabia que

Travis fazia o certo ao me deixar, afinal, eu não consegui amá-lo.


Acho que nem conhecia essa palavra ou alguém que tivesse me

amado acima de tudo além de Kasper, mas ele não estava lá, e eu

não sabia se um dia o veria. ― Respirei fundo.

Christian se sentou ao meu lado e pegou minha mão.


― Passei por momentos muito turbulentos. Travis partiu, e no

fundo foi bom. Talvez ele pudesse ser feliz. Essa era uma palavra
cujo significado eu não sabia. Desconhecia o sentimento da

felicidade e achava que nunca o alcançaria. ― Inspirei fundo. ― A

depressão era minha companheira fazia tantos anos, desde criança,


mas eu não conseguia ver os sinais, fingia estar bem na frente de

todos, até de Naty. Então chegou um momento em que não

consegui lidar... ― Toquei meu pulso. ― Tentei me livrar da dor de

novo, da perda, de toda aquela devastação.

― O que aconteceu depois? ― Sua voz era baixa e calma. ―

Não entendo o que viu no restaurante para desencadear essas


lembranças.

― Naty me achou na banheira, coberta de sangue. Ela e

Lance correram comigo para o hospital. ― Fechei os olhos. ―

Quando acordei, podia ver que tinha decepcionado os dois, que

sempre estevam a postos para me ajudar. Mas o pior foi saber o que
minha decisão causou... o que ela me tirou.

Levei a mão à minha barriga vazia e plana e o fitei.

― Eu estava grávida de mais de três meses e não sabia, pois,


devido aos meus problemas, minhas regras eram desreguladas, e
achei que meu peso era devido à compulsão alimentar, à ansiedade

por causa da minha situação... ― Levantei-me. ― Como uma

mulher pode estar grávida de tanto tempo assim e não descobrir?!

― Você estava doente, Ella. Seu estado depressivo devia ser

muito profundo para fazer o que fez. ― Seu tom era solidário, mas

havia algo mais em seus olhos. Compreensão?

― Eu poderia ter me aberto com Naty! Se eu tivesse contado


alguma coisa a ela, não sei... Ela poderia ter... Penso em tantas

coisas que eu poderia ter tentado naquela época! ― Limpei as

lágrimas, mas outras se seguiram. ― Era um menino... Se hoje

estivesse vivo, teria quase nove anos.

― Ei, querida, vem aqui ― chamou.

Sentei-me em seu colo e o abracei com força.

― Eu não sabia mais o que era amar até perdê-lo. Ver aquele

ultrassom com sua imagem imóvel, sem ouvir os batimentos do seu

coraçãozinho porque fui fraca... porque não tive forças para lutar...
― Apertei sua camisa, soluçando de tanto chorar enquanto sentia

seu cheiro.

― Ei, pequena, assim você acaba com meu coração negro...

― Alisou meus cabelos e minhas costas. ― Não foi sua culpa, Ella,
nunca pense isso.

― Perdê-lo me fez acordar e procurar ajuda. Passei anos

fazendo tratamento psicológico, mas isso não faz o tempo voltar,

não muda as consequências, o vazio que sinto, a culpa... Ela me


corrói a cada dia. ― Fitei seus olhos escuros. ― Racionalmente, sei

que não tenho culpa, mas não muda a forma como me sinto. Nem

sei se um dia doerá menos. Talvez seja algo com que eu precise
conviver para sempre.

― Às vezes tragédias acontecem, e nos sentimos culpados,


mesmo sabendo que não é nossa culpa. Mesmo assim é difícil

esquecer e deixar de nos sentirmos dessa forma. ― Pelo modo

como ele falava, parecia entender o que eu sentia. Talvez estivesse

pensando no que havia acontecido com sua família.

― Obrigada por estar comigo neste momento e me desculpe


por eu ter saído daquela forma intempestiva ― sussurrei. ― Seus

amigos vão achar que sou louca.

― Fodam-se eles ― falou, beijando minha testa. ― Você é

mais importante.

Meu coração se derreteu com suas palavras.


― Você também é muito importante para mim. ― Beijei seus
lábios, mostrando-lhe o quanto ele significava e o quanto eu lhe era

grata por estar ali comigo, por me dar forças. Por tornar suportável

falar sobre a perda que tive no passado.

Esperava que um dia Christian se abrisse comigo sobre seus

demônios, suas dores e assim tornasse seu fardo mais suportável.


Quando aquele dia chegasse, eu estaria à disposição para ouvi-lo e

acalentá-lo, tal qual ele fez comigo.


El Diablo
Eu tinha preparado tudo para a segurança de Ella. Nenhum

mal iria rondá-la. Arrow e Vlad estavam no prédio em frente ao hotel


onde iria acontecer o evento beneficente, um mantendo vigilância no

salão de festas, e o outro em quem entrava, saía ou até se

aproximava da construção.

Havia muitos ricaços no local, alguns famosos, como artistas.


Alguns doariam dinheiro por real caridade e bondade; a maior parte,

por status, mas não importavam as intenções, e sim que muitas

pessoas seriam beneficiadas no final. Que os babacas de nariz


empinado se fodessem!

Foquei na linda e elegante mulher conversando com vários


convidados, sorrindo e vibrando. Nem parecia que, mais cedo

naquele mesmo dia, Ella havia desmoronado ao revelar-me o que

tinha acontecido consigo. Ela amava ajudar as pessoas, isso fazia

seus lindos olhos brilharem, era como se a ajudasse a esquecer

seus problemas e dores.

Fiquei sem palavras ao descobrir que ela tinha engravidado no

passado. Meu coração negro sangrou por ela, por vê-la naquele
estado e me sentir impotente. A única coisa que pude fazer foi estar
ao seu lado, apoiando-a, como sempre estaria. Aliviava-me que ela
parecesse melhor. Ir ao evento a ajudou, trouxe um sorriso lindo ao

seu belo rosto.

Enquanto eu a observava, também ficava de olhos nos

convidados no salão.

― Cara alto à esquerda de Ella, com uma taça de bebida na

mão, vestindo terno azul-marinho. Veja quem é ― ordenei a Hacker

Não estava gostado da forma como ele a olhava enquanto

tomava sua bebida. Claramente, o salão estava cheio de machos-

alfa cobiçando-a naquele vestido rendado e tão justo em seu corpo

perfeito e curvilíneo, marcando cada centímetro. Era uma visão de

dar água na boca, e não era só eu que a cobiçava. Queria matar a


todos, mas esse era um desejo irracional, então me mantinha sob

um férreo controle.

Ela tinha vindo na frente com Tracker. Precisei primeiro

resolver algumas coisas e lhe falei que a encontraria ali.

― Sim, chefe ― respondeu Hacker.

Todos nós estávamos conectados por escutas e com câmeras

em nossos óculos sem grau.


Saí de onde estava e segui até ela. Não era seguro deixar uma

joia preciosa solta assim, ainda mais sob tantos olhares cobiçosos.
Iria tomar conta do que era meu.

Ela estava conversando com um homem. O infeliz estava


quase a montando, tanto que, caso se aproximasse mais, logo

estaria subindo em cima da minha mulher. Sim, ela era minha.

Assim que me acerquei, ignorando os olhares de esguelha de


muitos nas tatuagens de meu pescoço, Ella virou o rosto, como se

sentisse minha proximidade e meu olhar. Seus olhos brilharam


assim que ela me viu, esquadrinhando-me de corpo inteiro e

parecendo esquecer de todos ao seu redor.

Eu estava com um terno escuro, com os cabelos presos e


óculos sem grau para a câmera. Não gostava de roupas sociais e

trajes a rigor, mas queria estar à sua altura.

Ella falou algo para o cara, que ficou decepcionado, mas

minha menina não viu, focada em mim com um sorriso brilhante.


Aproximou-se e me abraçou, beijando meus lábios, mas logo se
fastou.

― Você está muito sexy com esses óculos. ― Levou os lábios


até meu ouvido para que ninguém por perto pudesse ouvir o que iria
falar: ― Pode ficar com ele mais tarde, quando estivermos...

― Querida, estou com uma escuta e conectado a todos. ―


Cortei-a, sabendo justamente o que ela pensava. Porra, eu também

queria tomar posse dela com nada mais além daqueles saltos.

― Por que não a deixou terminar? ― ouvi Cowboy dizer. ―

Embora eu saiba qual seria o final. Ficar em abstinência está me


deixando grilado, ainda mais ao ouvir todos falando de sexo! Ainda

bem que estou perto de sair da minha dieta. Estou a fim de pegar
alguém com uma fantasia sexy, talvez de enfermeira.

Ella arregalou os olhos ao que eu disse, depois deu um sorriso

tímido, aproximando-se da minha orelha.

― Desculpem-me, crianças, não sabia da plateia. ― Sua voz


no meu ouvido me fez estremecer.

― Oh, ela se aproveita só porque não posso provar que não


sou uma criança ― Cowboy resmungou.

― É bom focar nos convidados ― rosnei. Quando Ella se


afastou me olhando com o cenho franzido, sorri e esclareci: ―

Cowboy.

Antes que ela dissesse algo, um senhor se aproximou de nós

trazendo consigo o mesmo homem de terno azul-marinho que a


estava observando desde a hora em que cheguei. O sujeito de terno
azul devia ter uns quarenta a cinquenta anos mais ou menos.

― Senhorita Delaney ― o senhor a chamou.

Ella se virou e sorriu para ele, mas não saiu do meu lado.

― Senhor Basso ― cumprimentou educadamente.

― Esse é o representante de Barack Harrison, um dos


fundadores de várias instituições de caridade pelo mundo. Seu
nome é Isaac Slin. O senhor Harrison não pôde vir, então o enviou

― o senhor Basso informou. ― Ele mostrou interesse em conhecê-


la.

Conhecer Ella? Por isso a olhava daquele jeito sinistro? Tinha


alguma coisa que não combinava, mas o quê?

― Tudo confere sobre Barack, mas esse Isaac não estava na


lista ontem. A alteração aconteceu hoje. Barack realmente mandou

Isaac em seu lugar, mas isso não é estranho, e sim o fato de que
Slin morava na mesma cidade em que Ella morou com a tia antes
de se mudarem. Naquela onde aqueles caras a machucaram. ―

Ouvi raiva na voz de Hacker.

Merda do caralho! Podia ser alguém do passado dela? Não era

possível, Lyn eliminara todos, restando somente dois, que eu logo


mataria. Esperaria só uma confirmação dela; se for um deles, seu
último fôlego seria naquela noite.

― Alguém aqui acredita em coincidências? ― Arrow grunhiu.

― Eu o tenho na mira; só preciso de um motivo e um aval ―


falou Vlad.

Ella se voltou com um sorriso para o sujeito, levantando a mão


para apertar a dele.

― Muito prazer, e desculpe por não poder ter ido mais cedo ao

restaurante.

Ele levantou sua mão para aceitar a que ela estendia, quando

notei que faltava o polegar, além de haver uma tatuagem de uma

âncora do dorso do membro. Senti o corpo de Ella ficar duro ao meu


lado ao observar a mão do sujeito.

Sabia que não tinha nada a ver com preconceito. Ela não era
desse tipo. Eu sabia o que ele significava para sua vida, não havia

como esconder, o corpo tenso próximo a mim mostrava todos os

sinais. Por que Lyn tinha deixado um de fora?

― Eu estava muito ansioso por isso ― Slin falou, não

desviando os olhos de Ella. A primeira coisa a fazer quando eu


tivesse minha chance com o desgraçado seria arrancar seus globos

oculares por ousar fitá-la.

Peguei a mão dele antes que ela a pegasse, pois não ia


conseguir, e eu não a queria perto daquele cara. Dei-lhe um aperto

firme. Ele se encolheu, mas não se afastou.

― Prazer, senhor Slin, sou Christian, o noivo de Ella. ― Soltei

sua mão após um segundo. ― Lamento interromper a

apresentação, senhor Basso, mas preciso de um momento em

particular com a minha noiva.

Não esperei a resposta do sujeito, só passei o braço ao redor


dela e a puxei dali. Sentia que ela estava gelada demais e

tremendo.

― Hacker... ― rosnei.

― Não entendo. Kasper disse que matou quase todos, e os


outros estavam presos... ― ela murmurou, parando e segurando

meu terno com terror nos olhos. ― Mas por que esse... escapou...?

Como suspeitei, ele era um dos que a haviam violentado.

Ainda bem que eu teria minha vez com aquele inseto. Estava farto

daquela porra!
Por sorte, aquele evento era só para adultos. No dia seguinte

aconteceria um que envolveria crianças, e eu não queria que

nenhuma delas visse o que aconteceria naquele exato instante.

― Vlad ― cuspi. ― Apenas ferido.

Então uma das vidraças se quebrou, o que foi seguido por

gritos, mas meu alvo estava no chão com um tiro em uma área do

corpo que não lhe permitiria morrer rápido.

Pessoas corriam para todos os lados, talvez temendo algum


ataque terrorista.

Diante do alvoroço e do caos que se formavam, Ella olhou ao


redor, assustada e me puxou para nos esconder.

― Christian, estão atacando! ― Ela não devia ter me ouvido


quando falei com Vlad. Tomada pelo terror de avistar um dos seus

carrascos, era compreensível.

― Eu sei, linda, mas não é real. ― Não me movi, puxando-a

para um abraço. ― Os convidados estão seguros. O único que

estou a fim de nocautear é o infeliz que ousou tocá-la.

Tracker e Knife se abaixaram ao lado do sujeito, dizendo a

todos ao redor que um era médico, e o outro, enfermeiro. Tracker,


de fato, havia se formado em medicina, como clínico geral, só não

exercia a profissão. Era o nosso doutor quando nos feríamos.

― Cuidem disso. Eu o quero no mesmo lugar que os outros

dois ― avisei pela escuta. ― Estamos indo. Nos veremos lá.

― Sim, vamos fazer o trabalho ― respondeu Knife, uma frase

que não geraria suspeitas para quem assistiam a eles tomando


conta do ferido.

― Apenas o levem; o resto fica comigo.

― Christian, o que está acontecendo? ― Ella perguntou,


parecendo um pouco composta.

― Vamos encerrar algo que deveríamos ter feito há muito


tempo. ― Tirei-a do salão, não dando a mínima para o pedido que

fizeram aos que se encontravam no lugar para que esperassem a

chegada da polícia.

Hacker interceptou e roteou as chamadas de todos a fim de

atrasar a chegada das autoridades e termos tempo de sair dali,


ainda que houvesse muitos seguranças de pessoas importantes. Ao

menos a maioria só se incomodava com seus chefes e não dava a

mínima para as demais pessoas no recinto.

― Caminho limpo, podem sair ― falou Arrow.


Saímos do hotel e entramos em dos carros blindados, com

Cowboy ao volante. Então seguimos na direção de alguns armazéns

que nos pertenciam.

Lyn tinha deixado os meliantes sob o poder de Alessandro

Morelli até eu resolver matá-los, o que seria naquela noite,

aproveitando o ensejo. Enfim encerraria aquela porra.

― Conversei com Jeremias naquele dia em Lincoln, lembra?


― Ella me olhou, corando. Eu sabia exatamente o motivo do rubor.

― Achei estranho alguém querer me conhecer. Não sou importante

nesse ramo. Ajudo, sim, mas têm pessoas mais influentes que eu. O

almoço no restaurante... Era com ele que eu iria me encontrar! ―


Sua voz se elevou. ― Oh, meus Deus! Se eu tivesse ficado...

― Estaria segura mesmo assim. Se eu não estivesse lá, Knife

e Arrow estariam, e qualquer um deles o mataria se tentasse algo.

― Eu tinha certeza disso, pois eram suas funções eliminar qualquer

bastardo que quisesse machucá-la.

― Chefe, Slin é mesmo representante das empresas desse


Barack, um empresário de sucesso. Slin mora em Boston há mais

de dez anos, mas antes morava na mesma cidade que a tia de Ella,

como eu disse antes. Mudou-se para Boston após seu divórcio, pois
a esposa o acusou de molestar a filha, mas o estranho é que não foi

preso. O filho da puta tem grana para comprar algumas pessoas ou


amizade do lado errado da lei. Preciso checar mais a fundo o

passado de Ella ― falou Hacker. ― Da última vez, Lyn deu a

entender que 16 homem a tocaram. Precisa perguntar isso a ela,

chefe. Se o tivéssemos feito antes, nada disso teria acontecido.

O garoto tinha razão, eu não podia ficar com a dúvida de


quantos crápulas a haviam molestado para sempre. Precisava saber

a verdade.

― Ella querida, pode me dizer se você se lembra de quantos

homens a machucaram no passado? Lamento ter de perguntar isso,

mas acho que sua tia não deu todos os nomes ao Lyn. Se ela

mentiu, preciso saber para encontrar os que faltam e você nunca


mais passar pelo que aconteceu hoje. ― Tomei seu rosto em

minhas mãos.

Havia um abismo em seus olhos, mas parecia que o medo

estava sumindo, dando espaço para a raiva.

― Foram 17. Eu sabia o nome de quase todos, só não... o

monstro de hoje. Não é algo para se esquecer, sabe? Foram


clientes regulares daquela cadela por quase dois anos. ― Olhou
para a janela.

Eu queria tirar aquela dor que ela estava sentindo, mas não

podia. O que poderia fazer era levar os últimos malditos a pagarem

com sofrimento e a própria vida deles. Iriam saber por qual razão

suas mortes seriam meu prazer.

― Apenas um deles não ia à minha casa. Minha tia me levava

a um quarto de hotel, uma espelunca daquelas para as quais


ninguém dá a mínima para o que acontece em seu interior. Ela me

deixava amarrada e vendada, então ia embora. Uma vez, deixou a

venda frouxa, pois estava apressada para sair. Por causa disso,
consegui ver a mão do desgraçado, mas não seu rosto. Acho que

ela não contou o nome dele a Kasper porque, de fato, não sabia. Ele
era sempre envolto em mistério.

Quanto mais eu ouvia suas palavras, mais minha fúria

aproximava-se do auge, tanto que senti gosto de bile. Eu os faria


sangrar tanto que se arrependeriam amargamente e implorariam

antes de ir para o inferno. Não teriam direito a redenção, não de


mim. Eu lhes mostraria que seria o seu pior pesadelo.
Ella

De pé naquele galpão, encarando aqueles três homens... não,

eu não podia chamá-los assim; nenhum deles merecia esse título,

todos eram escória da pior espécie.

Peterson parecia ter uns 50 anos. Antes era bem mais novo,
mas tão nojento quanto agora. Marco tinha uns 37, na época era

apenas um rapaz, mas cruel como os outros. E Isaac gostava de me

amarrar e sufocar a ponto de me fazer perder a consciência. Era


assim, desmaiada, que a vaca da mulher que se dizia minha tia me
encontrava após ele me deixar naquela cama asquerosa depois que

tomava o meu corpo.

Eu tinha informado a Christian o que cada um dos três gostava


de fazer comigo. As lembranças eram ruins, nebulosas, mas eu

esperava que, depois daquela noite, eu pudesse superá-las ou, ao

menos, sentisse que viver era mais fácil.

― Ella...

― Estou bem.

Christian tinha me informado que, se eu quisesse sair dali,

poderia fazê-lo a qualquer momento, pois não era obrigada a ver

nada.

― As coisas vão ficar feias, e você verá um lado meu que

poderá assustá-la. Mas saiba que nunca irei machucá-la, eu juro. ―


Ele não precisava me prometer isso, eu sabia que jamais o faria. ―

Porém, se, depois disso, não me quiser mais... não vou forçá-la.

Ele estava deixando a decisão de sair e de aceitá-lo ou não

após eu ver seu pior lado em minhas mãos, mas nada do que eu

visse me faria ir embora nem o deixar.

― Como eu disse antes, confio a minha vida a você. ―

Segurei seu rosto e o beijei por um breve momento, logo me


afastando. ― Não se prive de ser quem é por temer minha reação.
Não vou a lugar nenhum. Só os faça sofrer amargamente.

Concordou e seguiu para um ringue onde estavam os três

amarrados e amordaçados.

Havia algo poderoso em Christian enquanto se dirigia com o

claro objetivo de fazê-los sangrar por terem me violentado e

torturado. Agia como se fosse a coisa mais natural. E eu acreditava

que, para ele, realmente fosse.

― Se vocês não sabem por que estão aqui, vou explicar. Estão

vendo aquela mulher? ― Christian apontou o dedo em minha

direção. ― Vocês a molestaram e a machucaram enquanto era só

uma criança. Agora vou lhes mostrar o que faço com bastardos
fodidos como vocês.

Knife entregou ao chefe um par de soqueiras com pontas de

aço que pareciam dentes afiados de um tubarão. Christian os

colocou em suas mãos.

― Que comece o jogo. ― Deu um sorriso sinistro. ― Hacker, é

com você.

De repente, ao redor do ringue se formou uma gaiola que os

deixou presos. As barras de metal deslizaram saindo do teto e se


prenderam no chão. Era nítido o medo dos três.

― Como não quero só espancá-los, embora eu adore, vou me

divertir mais antes.

Foi até Peterson, tirando suas algemas e a amordaça.

― O que ele está fazendo? Achei que fosse torturá-lo... ―


sondei para Cowboy, que estava ao meu lado.

Ele sorriu.

― O chefe gosta disso. É mais divertido quando eles tentam

lutar, mas sabem que é em vão.

Prestei atenção em Christian e no que ele faria.

― Fique de pé! ― Chutou Peterson na canela, fazendo-o


gemer.

Ele e Marco já estavam muito machucados. Meu irmão ou


quem os pegara para ele deviam ter feito a festa antes.

Peterson olhou para a porta gradeada da gaiola.

― A única forma de sair daqui é se me matar. Estou lhe dando


uma chance e sendo benevolente ― disse Christian. Não detectei

mentiras em sua voz. O cara era bom, pois eu sabia que jamais o
deixaria ir, bem como os outros dois.
Essa revelação os deixou esperançosos.

― Pegue a faca. ― Christian jogou o objeto para ele assim


que se levantou.

Peterson se abaixou e empunhou o cabo.

― A tia dela a vendeu! Eu paguei por ela! ― disse,


preparando-se para lutar.

Christian estalou o pescoço de um lado a outro. Estava sem o


paletó e a camisa, só de calça social e sapatos.

― Não dou a mínima para o que ela fez, afinal já está pagando
pelos seus pecados no inferno. Daqui a pouco você a seguirá. ―

Abriu e fechou as mãos.

Peterson o fitou.

― Mas não disse que, se eu o vencesse, sairia daqui?

― Você é idiota ou o quê?! ― gritou Cowboy. ― O apelido

dele é El Diablo, e o tem por uma razão! Ele é o caos, a destruição e


a condenação!

Ao ouvirem isso, os três arregalaram os olhos, cheios de ainda

mais terror.

― Chega de conversa e lute! ― ordenou Christian.


Peterson foi para cima dele girando a faca, mas nada que
pudesse deter seu oponente. Ele era mais rápido, feroz e letal.
Defendeu-se acertando o infeliz do estuprador, que arfou quando

seu algoz puxou as mãos, arrancando sangue, carne e pele com as


soqueiras modificadas.

Cada soco que Christian dava era gerado pela fúria. Peterson
não teria chance. Era como a correnteza de um rio lutando contra as

ondas ferozes do oceano.

As soqueiras estavam completamente vermelhas quando


Peterson caiu de joelhos no chão, sangrando por todos os lugares.

― Por favor...

― Não adianta suplicar. Eu soube que gostava de fazê-la

sentir dor, então agora sentirá uma dor excruciante, pode acreditar
― rosnou, lançando-se para o adversário com um chute certeiro que
fez o verme cair para trás.

Isso não impediu meu namorado. Namorado? Era isso que ele
era, não? Podíamos não ter dado um rótulo ao nosso

relacionamento, mas era isso que éramos. Ele tinha me chamado de


noiva na festa, mas só devia tê-lo feito como um disfarce.
Ao vê-lo todo feroz, brutal e mortal daquela forma, não senti
náuseas ou temi sua natureza, na verdade, apreciei. Ele estava me
defendendo, algo que ninguém nunca tinha feito no passado, a não

ser meu irmão, quando criança, e depois de adulto, quando voltou


para a minha vida. Minha mãe era do tipo submissa, que aceitava

que o marido a espancasse, bem como aos filhos, sem nunca o


denunciar. Eu tinha raiva dela, pois, se o tivesse deixado, Kasper
não precisaria ter matado nosso pai, e nós dois não teríamos vivido

tantos horrores, eu nas mãos da minha tia, e ele, naquelas arenas

infernais. Ser protegida era tão bom... principalmente por saber que
existia alguém que se importava. Kasper e Christian me defendiam

e me apoiavam, e isso me fazia ficar cada vez mais ligada a eles.

No ringue, Christian não era mais ele mesmo, e sim El Diablo,

um assassino impiedoso capaz de destroçar e condenar as almas

de monstros como aquele ao inferno.

Peterson tentava fugir, mas era inútil, preso ali com alguém

capaz de, literalmente, transformá-lo em destroços.

― É tão patético quebrar os fracos. ― Ele estava ao lado do

verme, com um pé sobre seu peito, comprimindo-o no chão.


Peterson já não podia mais se mover de tão esmagado. ― Tive
adversários que demoraram dias para serem quebrados, no entanto

aqui estão apenas escória como vocês três, fracotes e covardes.

Christian deixou o primeiro e foi até Marco. Ao fim, também o


deixou imobilizado no chão, com diversos ossos quebrados, uma

massa sanguinolenta.

― Por que não os mata? ― indaguei a Cowboy. Ele era o

único ao meu lado; os outros estavam assistindo perto do ringue,

como plateia de um torneio de luta.

― Jogo. Como eu disse, o chefe gosta de jogar. ― Deu um

suspiro, parecendo frustrado. ― Porra, esses são fracos e covardes


demais, não vale nem a diversão de vê-los sofrer de tão patéticos!

― Têm mesmo pessoas que duram dias a isso que ele e o


meu irmão fazem? ― Fiquei chocada.

― Pode apostar. O chefe mal começou. O que você viu até


agora são apenas preliminares. O mais interessante está prestes a

acontecer. ― Olhou-me de lado. ― Se for demais para você, eu a

levo daqui.

Só assenti, agradecida, mas não ia a lugar algum. Não

importava o que eu visse, estaria preparada. Queria ver o meu


passado fodido ir embora junto àqueles monstros. E tenho

esperança e fé de que irão, pensei.

― Sabe? Por um segundo, achei que não conseguiria ver o

massacre deles. Mas aí pensei no que me fizeram: quebraram meus

ossos, me queimaram, me asfixiaram, me possuíram tanto que... eu


sangrava como eles estão sangrando ali. Eu gritava, implorava, mas

nada disso os impedia de voltar e fazer tudo de novo e de novo.

Senti a fúria que emanava de Cowboy ante minhas palavras.

Ele passou o braço nos meus ombros como se estivesse me

confortando.

― Queria ter minha vez com eles, mas o chefe não deixaria

acontecer. ― Ele não parecia feliz por ficar de fora.

― Obrigada por querer me defender.

Eu mal conhecia aqueles rapazes, mas todos já eram

importantes para mim. Era bom me sentir querida.

― A qualquer hora, princesa. ― Beijou minha cabeça.

Enfim, Christian foi até Isaac, que parecia prestes a desmaiar,

afinal tinha levado um tiro mais cedo. Ouvi Cowboy dizer que

Tracker, que cursara medicina, tinha cuidado das feridas dele só


para que não morresse.
O chão do ringue e Christian estavam muito manchados de

vermelho. Ele só não parecia mais porque sua calça era escura.

Knife entrou na gaiola e foi até os homens aterrorizados.

― Tirem suas roupas ― ordenou El Diablo, pois era esse que

ele era agora. Alguém que não demonstrava piedade, remorso, uma

pessoa que não expressava compaixão, feroz e cruel.

Os três tentaram fugir, cheios de terror. Contudo, o assassino


implacável cravou facas nas mãos e pés deles, prendendo-os no

chão de madeira, como se estivessem pregados em uma cruz

horizontal.

Quando eles estavam totalmente imobilizados, com outra faca

El Diablo e Knife os deixaram nus.

Eles imploravam, choravam, mas não eram ouvidos. A única

expressão na face de seu algoz era o desejo selvagem de fazê-los


pagar.

El Diablo ergueu-se, checando se estavam da forma que


queria, então estendeu a mão para fora da gaiola, entre duas barras

metálicas, e Tracker lhe entregou algo pequeno. A princípio, não

dava para ver o eu era. Parecia uma...


― Aquilo é... ― Arfei, com o coração batendo forte ante o que

estava por vir.

― Sim, é isso mesmo que está pensando. ― Cowboy sorriu

divertido, alheio ao meu choque.

Fiquei de olhos arreglados, vendo Christian segurar uma serra

circular Makita, uma ferramenta que trabalhadores usavam para

cortar ferro...

Ele se virou para os homens com a máquina já ligada. Todos

tentaram se mover, mas não conseguiram.

― Vocês sentem prazer quando estão diante de alguém

quebrado, indefeso, com medo, com dor, tudo que infligiram à minha
garota. Agora atribuirei as mesmas sensações aos três. ― Seu

sorriso me lembrava um tubarão prestes a se alimentar de sua

presa.

Primeiro encostou a serra na perna de Peterson. Foi nele

primeiro porque era um dos mais cruéis, além de Oscar. Gostava de


me bater e quebrar meus ossos. Sempre que ele ia embora, eu

tinha que engessar algum membro, fosse um dedo, um braço, um

pé. Parecia que descontava toda sua frustação em mim, uma


criança indefesa.
Eu sabia que nenhum deles merecia misericórdia, mesmo

assim não era fácil presenciar aquela cena. A polícia e a Justiça não
foram capazes de prendê-los. Todos os 17 monstros conseguiram

comprar e silenciar os agentes da lei, de modo que nem sequer

havia um inquérito aberto contra qualquer um daqueles

estupradores a respeito do que haviam feito contra mim, ou seja,


continuaram impunes e aptos a machucar mais inocentes. Quando

Christian havia me contado tudo isso mais cedo, meu estômago se

revirou. Então não, eu não tinha pena daqueles três sujeitos


repulsivos, mas para mim ainda era duro presenciar tanta tortura.

Minha pele suava frio, e minha respiração estava faltando ante a

cena macabra, pois, embora fosse natural para El Diablo, não era
para mim.

Estava pronta para sair dali, pois não queria presenciar mais
nada, quando gritos encheram o lugar, assim que ele começou seu

trabalho, desmembrando-os. O sangue que jorrava dos corpos deles

para todos os lados quando a máquina os cortava era tanto que

lembranças horríveis invadiram minha mente diante da visão brutal,


fazendo-me recordar daquele dia... O meu coração acelerou ainda

mais, e minha visão ficou turva. Não podia mais ficar ali, assistindo...
O rosto do meu pai aparecia em minha memória... O sangue...
Kasper...

Meus olhos estavam cheios de terror, vendo o sangue da

minha mãe escorrendo no chão enquanto o meu pai estava sobre

ela com uma faca ensanguentada na mão. Eu chorava, mas não me

mexia, petrificada no lugar.

Pouco tempo antes, tinha ouvido gritos de dor, desespero e

súplica dela, por isso corri para o andar de baixo sem pensar,
escorregando no chão viscoso pelo sangue derramado.

Meu corpo tremia tanto que achei que estava morrendo, meu

coração tão apertado que eu mal podia respirar direito.

Kasper não estava ali para nos defender. Ele era o único que

enfrentava nosso pai.

Mamãe não se movia mais. Eu queria checá-la, mas meus


músculos não reagiam. Sentia-me fria, rígida. Mas, antes de tentar
pensar em uma maneira de me livrar do torpor, fui puxada pelos pés

pelo meu pai, que veio para cima de mim.

― Você não é minha filha! Essa puta da sua mãe mentiu! Ela é

uma mentirosa! ― Sua voz soou como um rugido.


Um tipo pior de terror que aquele que me dominava até o
momento me invadiu quando ele começou a levantar meu vestido.
“Não, por favor, Deus, não deixe que ele me machuque!”, supliquei

mentalmente, então implorei para ele também:

― Papai, por favor, não!

Chorava tentando me soltar, mas ele era forte demais.

De repente, o peso saiu de cima mim, deixando-me respirar


um pouco mais normalmente, mas arregalei os olhos quando vi que

meu pai estava no chão com Kasper em cima dele, deferindo


facadas e mais facadas em seu peito, como se soltasse toda a sua
fúria.

Eu estava tão petrificada que nem conseguia me arrastar até


mamãe, caída ali sobre a poça vermelha, agonizando.

― Mamãe! ― de repente gritei, o pavor e o desespero


tomando conta de mim.

Respirei fundo, voltando a mim. Estava de joelhos no chão do


lado de fora do armazém, e havia vômito na grama.

Cowboy estava ao meu lado, segurando-me.


― Merda! Ver aquela porcaria foi demais para você. ― Ele
parecia com raiva.

Queria lhe dizer que estava bem, mas estaria mentindo. Era
claro que eu sabia que Christian era mortal e impiedoso com seus
inimigos, mas vê-lo agindo daquela forma foi como ter um gatilho

acionado para as lembranças horríveis que me consumiam. Sentia-


me esgotada emocionalmente. Provavelmente só precisasse de

tempo para assimilar tudo.

Eu nunca tinha visto nada tão brutal, nem mesmo meu irmão.

Talvez Kasper não tivesse pegado pesado com Oscar por eu estar
olhando. Já Christian parecia focado, como se quisesse que eu
visse o seu lado desumano e me desse a chance de afastar-me

dele. Como disse mais cedo, se, após o que eu visse, não o
quisesse mais, não me forçaria a aceitá-lo. Ou isso ou estava fora
de controle, tomado pela fúria por eles terem me machucado.

Não importava o que ele tinha feito nem o que continuaria a

fazer, eu não o deixaria nunca. A cena apenas me fizera recordar o


passado, pela quantidade de sangue e o uso de armas brancas, por
isso eu tinha me sentido mal.
Respirei fundo para voltar para o interior do armazém antes
que Christian notasse meu sumiço e meu estado, mas não tive essa

sorte; ao virar-me, notei-o parado na entrada do prédio, sombras


escondendo parte do seu corpo, mas sua expressão era nítida:
sombria, fria, dura e tomada pela fúria, mas agora não mais

direcionada àqueles homens, mas a si mesmo.

O meu interior se retorceu com um pressentimento ruim. Um

bolo pareceu subir do meu estômago para minha garganta, tão forte
quanto a ânsia de pouco tempo atrás.

― Leve-a para casa ― ordenou a Cowboy.

A sua voz estava... morta. Parecia que a vida tinha se esvaído


dele e que agora era só a carcaça de um homem.

Eu queria me aproximar, mas estava paralisada, tomada de


muitas sensações: dor e fúria pelas lembranças de um passado tão

horrível; medo e desespero, porque via nos olhos de Christian que


aquela frase era um adeus. Por que eu não reagia? Por que apenas
ficava parada ali, com meu corpo tremendo em agonia?

― Eu vou com você ― consegui dizer com a voz seca, como


se tivesse comido sal.
Ele não podia me deixar por causa daquilo. Talvez estivesse

indicando para eu ir na frente, que depois me seguiria. Todavia,


meus instintos diziam que não era o caso, e, com esse pensamento,
meu coração se quebrou ainda mais.
El Diablo
Derramar sangue e matar nunca tinha sido tão prazeroso como

naquela noite. Havia uma espécie de deleite em fazer aquilo quando


se tinha um forte motivo e estava tomado pela fúria.

Levei a serra entre as pernas de Peterson, que se remexia

tanto que Knife teve que segurá-lo. E, depois deles, foi a vez de

Marco e, por fim, de Isaac. Onde a lâmina tocava, ia destroçando


tudo, mas eu ainda os deixava vivos, agonizando. No entanto,

mesmo quando os estupradores infelizes já estavam quase sem

todos os membros, não parei.

Deixei a máquina no chão, perto dos restos dos corpos de

todos. Marco e Isaac não resistiram. Peterson, o primeiro, ainda


estava vivo, então enfiei uma faca no peito dele, não atingindo o

coração, abrindo-o como se abre um peixe, enquanto encontrava os

olhos turvos do miserável, que não demoraria a morrer.

― Você a tocou, e quem a toca morre assim, se não pior ―

rosnei, enfiando a mão na caixa torácica aberta e arrancando seu

coração.

Tentei me controlar e não mostrar toda a crueldade que havia

dentro de mim a Ella quando comecei a desmembrá-los, mas, porra,


aqueles infelizes a machucaram tanto que a levaram a quase tirar
sua vida quando criança e mesmo aos dezoito anos, em razão das

sequelas que deixaram nela.

Além disso, se ela queria ficar comigo, deveria saber a

verdade sobre mim e o quanto eu era escuro por dentro e por fora.

Ella precisava ver, mesmo que o resultado fosse sua partida...

Meu peito se apertava sempre que eu pensava nisso. E o

resultado foi o que eu esperava: ela saiu correndo do lugar,

desesperada, com Cowboy seguindo-a.

Olhei os corpos sem vida e aos pedaços, imaginando a cena

diante dos olhos de quem nunca presenciara nada assim.

― Porra! ― praguejei. É claro que tinha a intenção de que ela

visse quem eu era, mas achei que conseguiria frear o monstro que
habitava em mim. Contudo, devia ter perdido o controle em algum

momento.

Pulei para fora do ringue, respingando sangue para todos os

lados. Matar daquela forma tendia a sujar, e o prazer que aquilo me

trazia valia sempre a pena. Só não valeria se, por causa disso, eu

acabasse perdendo Ella.


Minha carne tremia, e meu sangue ainda fervia por tudo que

ela tinha suportado, o medo, o desespero, a dor, a solidão, a


devastação. Não havia como recriminá-la por ter tentado se matar.

O sofrimento, o trauma devia ter ficado anos e anos com ela,


quando estava sozinha, desesperada e apavorada.

Quando cheguei à porta do armazém, eu a vi caída de joelhos,


vomitando. Vê-la assim foi como receber um soco no estômago ou
algo muito pior. Fez meu coração morto sangrar por não ter

controlado um pouco meu lado sombrio.

Fiquei meio escondido nas sombras, assim ela não iria se

aterrorizar com a visão do meu corpo banhado em sangue.

Estava petrificado pela dor em meu peito por ter causado


aquela reação nela. Como eu não tinha pensado nisso? Como dera

aquela mancada? Por que quis tanto que ela visse quem eu
realmente era? Com certeza Ella nunca havia visto nada assim na

vida, nem mesmo com seus algozes ou seu pai. Ela havia
participado da tortura de Oscar, e percebi que passou mal quando o
irmão o torturou, e ele nem fez o que realmente queria com o infeliz

por causa da irmã. Lyn havia brincado de verdade com ele apenas
quando ela não estava mais presenciando. Eu deveria ter feito o

mesmo.

Ella se levantou, e nossos olhares se cruzaram. A dor e o

tormento a absorviam, e tinha sido eu a trazê-los novamente a ela.


Eu preferiria mil vezes ser torturado a ser o causador do seu

sofrimento.

A culpa era um sentimento com que eu convivia havia anos.

Ela me devorava, corroía-me inteiramente, e agora não seria


diferente, pois eu fora aquele que a havia devastado daquela vez.

Pedi para Cowboy a levar embora, mas Ella insistiu em ir

comigo.

― Então fique perto de Cowboy. Já volto. ― Entrei novamente


no armazém, deixando-a ali, de olhos arreglados e assustados.

Quando chegasse em casa, tomaria banho, mas ao menos


precisava trocar aquela calça ensopada de sangue e vestir uma

camisa. Tinha de tirá-la daquele lugar.

Assim que me troquei – por sorte, andava sempre preparado

com ao menos uma muda de roupas, pois sabia que a qualquer


hora poderia precisar –, voltei para onde tinha deixado Ella, mas não
a vi ao me aproximar de meus homens. Para minha surpresa,
Rafaelle Morelli, o irmão de Alessandro, também estava ali.

― Onde está Ella? ― perguntei, não mostrando nada ao falar,

mas o meu interior era a porra de um tornado.

― No carro ― respondeu Arrow. ― Não sei, cara, acho que

ela parece esgotada. Afirmou que estava bem, mas o que


aconteceu hoje talvez tenha sido demais. Ela não tinha presenciado

nada assim antes.

Suas palavras foram certeiras e vieram a calhar com o que eu


percebi que precisava fazer a seguir. Pensava como ele. Ainda que

uma parte de mim relutasse, insistisse que eu não deveria aceitar


passivamente, a outra sabia que era o certo.

― Vou embora com ela. Arrow e Vlad, me acompanhem. Os


outros ajudem a limpar tudo...

― Não precisa ― interveio Rafaelle. ― O pessoal da limpeza

logo estará aqui.

― Valeu, cara ― agradeci, indo até Ella.

Ela estava falando ao telefone quando me sentei no banco do


motorista, ao seu lado. Eu a sentia tensa, meio aérea até. Quando

sugeri que Cowboy a levasse, achei que ela iria querer ficar longe
de mim, mas isso não aconteceu. Na verdade, ela ainda me queria
por perto. No entanto, isso não mudava nada. Eu sabia o que
precisava ser feito, mesmo que me dilacerasse por dentro.

― Sim, senhor Jeremias, estou bem, obrigada ― ouvi-a dizer.


― Saí em segurança de lá. Ligo depois. ― Desligou e ficou calada,

remexendo as mãos em um gesto nervoso.

― Lamento por matá-los na sua frente daquela forma. Eu não


deveria ter perdido o controle ― finalmente falei.

Ela me encarou com aquelas duas pedras cor de violeta.

― Pode ter sido demais, sim, mas eu precisava ver o fim


deles, bem como seu outro lado. Você foi tão letal lá... tão diferente

de como o vejo. Mas não ligo para o que fez ou faz, já lhe disse

isso. Nenhum deles se importou comigo; por que eu haveria de me

preocupar com o modo como perderam suas vidas?

― Ella, não é questão de se preocupar com eles ou não. É


simplesmente o fato de que você é boa, não tem crueldade e desejo

de vingança em suas veias. Isso é bom.

― Eu sei que não devia ter sentido nada. Eles mereciam isso

por tudo que fizeram. Mas aquela cena me trouxe lembranças de

quando meu pai matou minha mãe. Acho que foi a quantidade de
sangue. Por isso eu tive que sair de lá. ― Inspirou fundo, sacudindo

a cabeça, como se tentasse expulsar as imagens ruins da mente.

Porra! Eu a tinha feito relembrar momentos tormentosos da


sua vida! E se isso fosse demais para ela? Tudo seria minha culpa

no final. Ouvir isso me fez reforçar a decisão já tomada. Naquela

noite eu havia extrapolado ao ir com tudo até o fim. Talvez tivesse

sido melhor só atirar entre os olhos dos filhos da puta. Entretanto,


eles mereciam coisa pior. Para mim, o que eu tinha feito ainda era

pouco. Se ela não estivesse ali, eu os teria feito comer seus paus.

Quando a deixei ver tudo, sabia que corria perigo de acabar

me afastando dela. Ainda que Ella não quisesse a separação, a

verdade vinha até mim como uma avalanche. Aquela mulher não
fora feita para aquela vida, para ter um relacionamento com um

assassino que não tinha remorso quando torturava e matava as

pessoas.

Ella merecia alguém melhor que eu. Seria sensato me manter

longe. Devastava meu peito só pensar nessa hipótese, mas eu a


manteria comigo mesmo que o certo fosse deixá-la ir?

Ficamos em silêncio todo o caminho até em casa. Atrás de


nós, os carros de meus homens nos seguiam, mas não prestei
muita atenção. Minha mente estava tempestuosa demais para isso.

Parei o carro e saí para abrir a porta para ela, mas Ella saiu
antes.

― Você está bem? ― Ela me avaliou, aproximando-se de mim.


― Christian, não é culpa sua eu ter surtado e corrido. Não se aflija

dessa forma.

Quase ri, mas não demonstrei nada.

― Era eu que deveria fazer essa pergunta ― comentei,

puxando-a para meus braços e inspirando seu cheiro ao fechar os

olhos, querendo que aquele momento, com ela junto a mim,


congelasse.

Não me referi ao que ela falou depois. Era minha culpa, sim,
isso não mudaria nada, pois ela relembrou algo devastador por

minha causa.

― Estou bem. Acho que foi muita coisa, só preciso descansar

um pouco ― sussurrou, parecendo encolhida.

Beijei sua testa e me afastei assim que ouvi os carros parando

atrás do meu.
― Entre e tome um banho. Já vou subir, assim que falar com o

pessoal.

Ela me encarou por um segundo, tentando ler minha

expressão, mas não deixei transparecer nada. Por mais que


escondesse meus verdadeiros sentimentos, senti que uma parte

dela sabia disso, que tinha algo errado, só não a extensão.

― Não vou demorar ― prometi, beijando seus lábios de leve.

Isso a fez relaxar. Podia ser nosso último contato mais íntimo. Meu

estômago se retorceu quando pensei que não a teria mais comigo


daquela forma.

― Está bem. ― Ela entrou na casa de cabeça baixa.

Escorei-me no carro, sem forças ante o que teria que fazer.


Porra, aquela merda doía demais!

― Eu sei o que está pensando. Não faça isso. ― Arrow me


conhecia bem, talvez mais do que eu mesmo.

Os outros entraram, deixando-me sozinho com ele.

― Não devia ter feito aquilo na frente dela. ― Um erro que

poderia ter causado sua piora. Eu realmente esperava que não


acontecesse, mas, antes que ela piorasse de vez, era melhor eu me

afastar.
― Você deu a opção para ela. Não pode se culpar por isso.

― Perdi o controle ao desmembrar três pessoas na frente


dela. Isso a fez se lembrar da morte da mãe pelo pai, que Lyn matou

na sua frente. ― Levei a mão ao peito, onde eu sentia pontadas que

me impediam de respirar normalmente.

Ele praguejou.

― Pode ter sido difícil, mas tenha em mente que, depois que

você passou a estar com ela, está dormindo mais e melhor. Ella lhe

faz bem. Não estrague isso. Não a mande embora. Só dê um tempo


a ela para digerir tudo que aconteceu hoje.

Uma parte de mim sabia que eu não era bom para ela, aquela
que a manteve longe por anos, mas fraquejou, e agora estávamos

ali. Seria tarde demais para voltar atrás?

― Por que hesita tanto? Não pode ficar longe dela, eu sei. Nós

nos mudamos para Lincoln, deixando a sede em Veneza, só para

você ficar perto dela. ― Arrow ficou na minha frente e se apressou a


continuar falando quando percebeu que eu iria retrucar: ― Não diga

que foi por causa do seu irmão, sabemos que não foi; por mais que

se importe com ele, não foi por Lance que você se mudou. Nós dois
sabemos disso.
― Hoje finalmente caiu a ficha de que ela merece mais do que

essa vida que levo, e que só vou atrapalhá-la. Eu nunca deveria ter
me aproximado de Ella. ― Coloquei a mão no peito, que doía fundo.

Sua mandíbula se apertou.

― O irmão dela é tão letal quanto você, se não pior, e ela o

aceitou. Acho que uma parte sua quer arrumar desculpas só para
não ser feliz de novo. Garanto que Lyn não vai deixar de ser quem é

ou que não vai vê-la mais.

Arrow estava certo? Eu estava arranjando desculpas? Se

fosse verdade, isso significava que eu não estava pronto para um

relacionamento? No entanto, de uma coisa eu sabia, não podia ficar


longe dela. Contudo, e se for o certo? Porra, ser altruísta era uma

merda fodida.

― Pense bem, meu amigo. Vou deixá-lo sozinho para fazer o

que é certo. ― Arrow se afastou e entrou na casa.

Fiquei ali, do lado de fora, por um tempo, organizando meus

pensamentos, enquanto uma luta interior tentava decidir qual

caminho seguir a partir dali.

Não soube quanto tempo fiquei ali, mas não a deixaria sozinha

naquele momento; o amanhã seria outro dia.


Desencostei-me do carro e fui atrás de Ella, ainda não
sabendo bem o que fazer. Seguir o certo ou ser um egoísta e ficar

com ela?

Entrei no quarto devagar e me deparei com ela na cama,

adormecida, enrolada como uma bola. Vê-la assim foi como um tiro

certeiro em meu peito. Era por minha causa, por ter me visto
daquela forma nessa noite, saber o monstro que eu era.

Por mais que eu quisesse ir até ela e abraçá-la, precisava tirar


a viscosidade e cheiro de sangue da minha pele, por isso tomei

banho e vesti um short.

Deitei-me e puxei Ella para os meus braços. Ela veio de boa

vontade, como se me sentisse ao seu lado, mesmo na


inconsciência.

Toquei seu rosto ainda úmido, e não era por causa do banho

que ela tomou, pois eu sentia cheiro de sabonete. A face estava


molhada em razão das lágrimas que devia ter vertido antes de
adormecer.

― Lamento, pequeno Rouxinol. ― Respirei fundo, beijando


seu rosto de leve para não a acordar. ― Espero que um dia seja
feliz. Talvez agora encontre a paz que tanto sonha. Eu só queria
estar ao seu lado enquanto isso.

Naquela noite, ficaria ali só para tê-la em meus braços,

sabendo que seria a última vez.


Ella

Quase uma semana tinha passado depois que voltei de Milão.


Tudo que eu vinha vivendo até aquele derradeiro momento, naquela

cidade italiana, havia desmoronado. Naquela noite eu estava

esgotada, sofrendo com lembranças ruins e correndo o risco de


perder Christian, pois notei a distância que ele colocava entre nós.

Suspeitei que havia algo errado; a sua frieza dera a entender isso.

Poderia tê-lo confrontado e exigido que se abrisse comigo,

mas pensei que não fosse nada, que ele só precisasse de tempo
para saber que eu não o deixaria mesmo tendo visto seu pior lado.

Era nisso que eu pensava após dormir chorando por ele não estar
comigo na cama, ao menos não antes de eu adormecer, pois, no dia

seguinte, após acordar sozinha, soube que ele havia dormido ao

meu lado, seu cheiro estava lá.

Foi quando a realidade me atingiu como um bloco de granito.


Christian tinha ido embora, deixando-me sem dizer adeus. Arrow me

falou que ele teve que sair às pressas para resolver alguns

problemas, mas que voltaria logo. Eu sabia que estava mentindo.


Mesmo escondendo sua expressão, eu tinha certeza disso. Era o

fim.

Desde o começo de nossa relação, eu temia que ela fosse

prematuramente ceifada. E o medo se concretizou; ele partira,

abrindo um buraco negro em meu peito.

Eu queria Christian mais do que a tudo, não dava a mínima

para quem ele era ou o que fazia, já tinha dito isso a ele, mas, no

final, minhas promessas não valeram de nada, pois ele não ficou

comigo, e nem mesmo voltamos para casa juntos. Ele simplesmente


desapareceu, deixando minha proteção com seus amigos.
Senti-me magoada e rejeitada, pois gostava dele. Na verdade,
era mais que isso, estava apaixonada por ele.

No começo, achei que ele tivesse me abandonado por eu ter

visto seu lado mais sombrio – em parte, devia ser por isso também

–, mas outros pensamentos começaram a se infiltrar em meu

cérebro. Talvez ele não estivesse pronto para uma relação, ao

menos, não comigo. O que ele sentia por mim não era forte o

suficiente para continuarmos juntos. Eram tantas dúvidas e


perguntas cujas respostas eu não tinha... Só ele poderia se explicar,

mas, até o momento, estava incomunicável.

Eu estava sofrendo por sua distância, doía mais do que

deixava transparecer, ficava até tarde esperando ele aparecer em

meu quarto, pois sabia que continuava com o costume de dormir ali

assim que eu adormecia. Sempre sentia seu cheiro quando

acordava no dia seguinte.

Seu distanciamento, ao passar dos dias, mais do que

magoada e triste, foi me deixando irritada, pois, se ele queria se

afastar, por que não sumia de uma vez? Por que voltava para me
ver dormindo? Não era em razão de minha proteção, afinal seus
homens me vigiavam 24 horas por dia. Quando não estavam lá fora,

estavam dentro da minha casa.

Eu ainda não tinha revelado nada do que tinha acontecido

ultimamente em minha vida para a Naty, não queria que ela


soubesse que meu “lance” com Christian não tinha funcionado, que

fui dispensada como se fosse insignificante. Estava me mantendo


longe da casa dela desde a viagem à Dinamarca, principalmente ao
saber que os inimigos do meu irmão estavam atrás de mim. Não

queria trazer aquele tipo de problemas a ela e Lance.

Resolvi, então, focar no trabalho, o que me ajudou a não

pensar em Christian nem nas palavras de Arrow após me ver


chorando ao saber que Christian tinha partido sem se despedir. Elas

ficaram gravadas em meu cérebro, não me deixando realmente me


afastar de Christian pelo menos emocionalmente, já que,
fisicamente, fazia dias que eu não o via.

― O chefe é assim, afasta as pessoas com quem se importa.


Ele acha que não é bom o suficiente e que não merece ser feliz.
Tenha paciência, que Christian vai voltar.

No início, foi muito sofrido, mas eu estava farta de ficar


cabisbaixa. Não era uma adolescente que fica chorando e come um
balde de sorvete por ter sido chutada; era adulta e daquelas que

gostam de enfrentar seus problemas. No passado, eu fugia deles;


agora, não mais.

Precisava confrontar Christian e descobrir se realmente tinha


terminado tudo o que havia entre nós. Isto é, se conseguisse

encontrá-lo, pois desaparecia durante o dia e só vinha à madrugada,


enquanto eu dormia.

Não iria mandar-lhe mensagens, afinal o que tínhamos para


falar precisava ser pessoalmente. Por isso esperei pacientemente
que as palavras de Arrow se concretizassem.

Meu coração pulsava de modo irregular quando eu pensava


em Christian e imaginava que ele não devia estar feliz, que pensava
não merecer alcançar aquele status. Ele, mais do que ninguém,

merecia alcançar a plenitude. A sua perda foi terrível. Ver a esposa


e a filha morrendo em sua frente, ao mesmo tempo, arrasaria

qualquer um. Ele era um vencedor, superara a dor e ainda estava de


pé. Mesmo assim, havia uma parte dele que não o deixava se
entregar de verdade a um sentimento novo. Seria essa parte que o

prendia dentro de si? Deveria eu desistir dele e tentar ser feliz em


sua ausência? Estava lutando uma batalha que já tinha perdido? E
se ele nunca conseguisse esquecer sua esposa?

Eu não era daquelas mulheres que têm ciúmes do passado do

cara que gostam. Sabia o quanto ele a amara e que o sentimento


não tinha desaparecido, mas queria que ele gostasse de mim

também, que eu tivesse ao menos uma parte do seu coração.


Sentia-me lutando contra uma correnteza sabendo que não iria

vencê-la, mas incapaz de desistir de tentar chegar ao final dela.

Parei de pensar nos meus problemas e foquei no trabalho e no


caso de Lennon O’Connor. A dúvida ainda persistia sobre por que

um mafioso tão poderoso tinha sido preso tão facilmente. Até


comentei acerca disso com o promotor do caso, ou seja, Andrews,

que me ignorou completamente. Ele só ligava para as provas –


fáceis e inacreditáveis – e em ver seu nome em alta por prender um

mafioso.

― Precisamos analisar tudo muito bem para não sermos


pegos de surpresa no julgamento. ― Andrews, Lance e eu

estávamos perto da saída do prédio da promotoria.

Nada tirava da minha cabeça que Lennon tinha sido preso


porque quis. O homem nascera no crime organizado, tinha 38 anos
e não havia sido preso uma única vez até o momento, e sua lista de
crimes era extensa, mas nunca provaram nada. Isso gerava a
dúvida: por que agora?

Talvez eu só me sentisse tão desconfiada por ter sido


perseguida pelos inimigos do meu irmão. Ele não tinha me falado

quem eles eram, mas ouvi Kasper e Christian conversando sobre


máfia, e de repente algo relacionado a ela estava em minha mesa.

Estudei muito bem o caso e sabia que poderíamos ganhar sem

sombra de dúvidas. O problema era se fosse uma armação. Eu

vinha recebendo novas ameaças depois do meu retorno de Milão.

― Se você condenar Lennon O’Connor, vai se arrepender.

Vamos atrás de quem você mais ama.

As ameaças me causavam calafrios na espinha. E sempre,

antes que eu pudesse dizer algo, o infeliz desligava. No começo, as


ameaças só se direcionavam a mim; agora, a pessoas próximas.

Fui ameaçada em outros casos, mas não houve muita

repercussão; algo me dizia, entretanto, que, naquela causa, era

diferente. O criminoso tinha mais poder, mantinha associação com a

máfia.
Cheguei até a comentar com Arrow e Vlad sobre minhas

desconfianças. Eles disseram que iam resolver o assunto, e eu


confiava neles.

Andrew daria uma entrevista naquele dia para falar sobre as

ameaças que vinha recebendo também. Ele me queria junto a si no

local. Eu não queria participar, mas ele não me deixou escolha.

― As provas são incontestáveis, Ella. Quer mesmo acabar

com sua carreira e deixar solto um homem com uma ficha tão

extensa que daria um livro só porque pensa que é uma armação? ―


Andrew suspirou.

Estávamos esperando do lado de dentro do prédio a hora de

sairmos e conversarmos com a imprensa. Ele daria a entrevista logo

mais.

― Tem certeza de que precisa de mim lá fora? Você pode lidar

com tudo. ― Estava confusa com a insistência.

― Ordens superiores ― respondeu somente.

Por que alguém do alto escalão me queria ali? Não fazia

sentido.

― Então não concorda...


― Ella, não importa, mas tenho certeza de que tem alguém

puxando as cordas, só não sei os motivos. ― Deu um suspiro duro

e se virou para mim. ― Vamos logo com isso.

Saímos da promotoria, e fiquei próximo ao Andrew.

Estava com medo, mas não deixaria isso me dominar nem ser

revelado a todos que me assistiriam.

― Bom dia. Podemos começar, pessoal ― iniciou Andrew,

chamando a atenção de todos.

Enquanto ele falava, senti olhares em mim, mas não do tipo

que me davam calafrios. Esses me faziam sentir como se estivesse


perto de uma fogueira em meio a uma tempestade de gelo,

incendiando meu corpo de maneira deliciosa. Só um homem era

capaz disso: Christian.

Levantei a cabeça à procura desse olhar, e o encontrei do

outro lado da rua. Ele estava escorado no seu carro, vestindo

jaqueta escura e calças da mesma cor, os cabelos longos presos


em um coque.

Vê-lo ali fez meu coração falhar uma batida, uma reação que

eu tinha quando pensava nele ou o via. Por um instante, fiquei

inebriada com sua presença. Sentia uma falta danada dele.


Seu olhar fazia meu coração palpitar e a ansiedade encher a

boca do meu estômago, atraída por ele como uma mariposa por
uma chama. Teria vindo até ali para nós conversamos? Antes que

eu pudesse pensar mais no assunto, notei sua tensão.

Suas pálpebras estavam apertadas, observando-me de volta.

Ele levantou seu o telefone, indicando-me que atendesse o meu.

Arregalei os olhos ao notar que o tinha deixado com Lance.

“Atenda!”, li seus lábios.

Fiquei confusa, mal ouvindo a entrevista que acontecia ao meu

lado.

― Vou dar apenas um recado para a pessoa que quer me

matar. ― Andrew foi direto. ― Desde que fui designado ao caso de


Lennon O’Connor, um homem procurado por vários crimes, fui

alvejado de ameaças para deixar o caso. Pode ser coincidência?

Duvido muito. Não vamos desistir de colocar um criminoso na

cadeia! As famílias das vítimas merecem justiça, então não adianta


me ameaçar, porque não vou me abster de fazer o certo. Acredito

na Justiça e que Lennon O’Connor será condenado...

Tudo pareceu acontecer em câmera lenta. Em um momento,

percebi a presença de Christian, no outro, ele me pediu para


entender o celular, mas não tive chance nem de me virar para ir

buscá-lo, pois ouvi um som oco cortando as palavras de Andrew, e,

no instante seguinte, ele caiu no chão com um tiro na testa.

Gritos surgiram de todos os lados, mas não me movi, chocada

demais para reagir. Meus olhos estavam arregalados no sangue se

espalhando no chão por baixo da cabeça dele.

De repente senti a mão de alguém me puxando dali e me


escondendo atrás de algo.

― Se abaixe! ― Era Lance.

Ouvi mais dois barulhos de bala. Uma delas passou perto de

nossas cabeças, fazendo-me gritar, mas me obriguei a calar-me.

― Oh, merda... ― Lance sibilou, segurando o ombro. Foi


quando vi o sangue.

― Oh, meu Deus! ― gritei, olhando ao redor e tentando achar


alguém para nos ajudar, mas todos estavam se debandado ou

tentando se esconder, temendo ser o próximo alvo.

Coloquei minha mão em cima da sua, manchando-a de

sangue.

― Lance...
― Estou bem...

Sirenes soavam à distância.

Não tive iniciativa de reagir e puxar Lance para corrermos para

dentro do prédio. Era como se, em um segundo, tudo estivesse indo

conforme deveria, e, no outro, o mundo virasse um caos.

Era nosso fim? Não, eu não podia aceitar isso! Precisava

conseguir uma maneira de sairmos dali vivos.

Todavia, antes que eu bolasse um plano, afinal desistir não

fazia parte do meu vocabulário, ouvi uma voz que me fez suspirar
de alívio.
Ella

Por um segundo, perguntei-me se estava ouvindo coisas, se


Christian realmente estava ali.

― Vamos agora! ― Ele nos puxou em direção a um carro


escuro.

― Não podemos ficar expostos! O atirador vai... ― sussurrei.

― Estão seguros ― afirmou. Queria lhe perguntar como sabia

disso, mas não tive a chance, pois ele mesmo informou em seguida:

― O atirador foi detido.


Arrow estava em um carro atrás daquele onde eu e Lance

entramos, seguidos por Christian. Dentro do veículo, Knife estava ao


volante.

― Ella, você está ferida? ― perguntou Christian preocupado.

Ele estava no banco do passageiro na frente, enquanto eu e Lance

íamos atrás.

― Estou bem, não fui ferida ― consegui dizer.

― Lance, como está seu ferimento? ― Fitou o seu irmão.

― Também estou bem, o tiro foi só de raspão ― respondeu,

tentando me tranquilizar ou ao seu irmão, talvez aos dois.

Christian estava furioso. Eu podia sentir a ira emanar dele, era

quase palpável.

― Andrew... ― Respirei fundo, lembrando-me da forma como

ele caiu, do som. O cara era um idiota, mas não merecia aquele fim.

― Falei que uma entrevista era má ideia ― rosnou Lance,

dando um gemido de dor. ― O cara era da porra da máfia,


confrontá-la não era sensato, inda mais quando tem gente de cima

mexendo os pauzinhos.
― Precisamos levá-lo ao hospital. Isso é mais importante
agora ― informei.

― Sem hospitais ― Christian nos disse. ― Uma pessoa vai

cuidar dele.

Nós dois tínhamos assuntos pendentes, mas o que mais me

importava no momento era Lance se tratar e nós ficarmos a salvo de

quem queria nos matar. Depois eu lidaria com o resto.

― Deveríamos ficar e dar nosso relato aos policiais? ― Era

para ser uma declaração, mas soou como uma pergunta.

― Fodam-se os tiras! Vocês dois não vão voltar para lá.

Depois, com mais calma, podem ir até a delegacia e dar seus

depoimentos. Todos acharão compreensível, após tudo que

aconteceu. Sem chance no inferno de você entrar naquele lugar de


novo, não antes de eu checar tudo.

Eu estava tremendo por quase ter morrido e, para piorar,

quase ter perdido Lance, além de presenciar Andrew ser

assassinado ao meu lado.

― Oh, Céus! Eles cumpriram a ameaça, ferindo alguém quem

eu gosto! É tudo minha culpa! ― Levei a mão ao rosto molhado,

então me virei para Lance. ― Sinto muito!


― Estou bem, Ella, mas preocupado. Eles podem voltar e

terminar o serviço, afinal eliminaram Andrew ― Lance disse. ― A


próxima pode ser você.

― A morte dele já tinha sido encomendada, assim como a sua,


Ella, dos jurados, do juiz designado para o julgamento, até do

próprio procurador-geral da República. ― Christian se virou para


mim. ― Todos estão mortos, menos você.

― Todos? ― Pisquei aturdida.

― Sim, cada um no mesmo horário, em locais diferentes, por


assassinos diferentes. Os únicos que estavam no mesmo lugar
eram você e o promotor.

Minha respiração acelerou-se.

― Merda! Isso quer dizer que uma pessoa tentou matar nós

dois, enquanto cada um dos outros teve seu próprio assassino?

― Não, dois assassinos estavam em prédios diferentes, cada

um com seu alvo.

― Mas por que não fui atingida? Todos os assassinos

contratados devem ser bons. O de Andrew o acertou entre os


olhos... Não teria como alguém errar apenas em relação a mim. ―

Arregalei os olhos. ― Seu tiro essa para ser em mim, Lance!


― E me acertou de raspão, então o sujeito que foi contratado

para matar você não deve ser bom.

― Na verdade, ele era um dos melhores atiradores de elite. Só

não a acertou porque um dos meus é melhor e o tirou da jogada.

Arfei.

― Mas Andrew...

― Ou ele salvava você ou o promotor, e minha escolha


sempre será você. ― Tinha um selo de promessa no tom de sua

voz.

Suas palavras me deixaram desnorteada. Eu não sabia o que

pensar, estava muito confusa com tudo o que tinha acontecido.

― O tiro que pegou Lance veio de dentro do prédio da

promotoria. Pode ter sido de alguém que trabalha lá ou só estava de


passagem. Estamos hackeando as câmeras de segurança do local
para tentar descobrir quem foi. O infeliz só errou devido ao alvoroço

no local ou por não ter uma boa pontaria, pelo que agradeço a ele.
Suspeito que queria atingir você, Ella.

Fiquei de olhos arregalados. Por isso eu tinha ouvido só dois


tiros. O do Andrew foi silencioso, só ouvi o eco. A arma do

assassino devia ter silenciador.


Enquanto Christian conversava com Knife e Lance, minha
mente estava tão entorpecida por tudo que presenciei que não
prestei atenção ao que falavam nem reparei no local aonde

estávamos indo até estacionarmos. Parecia um bunker, pela


aparência.

Logo que entramos, Tracker examinou Lance e, como o tiro


fora de raspão, a bala não havia se alojado, então ele apenas o

costurou. Meu amigo estava deitado em uma maca e já medicado.


Tinha ligado mais cedo para Naty e a tranquilizado, afinal as notícias
certamente deviam ter se espalhado como um vírus nos canais de

notícias de televisão e na internet. Ela estava vindo para cá onde o


marido estava.

Christian não saía de perto de Lance e de mim nem por um


segundo. Fora preciso uma tragédia acontecer para unir os dois

irmãos.

― Vou receber Naty ― avisei. Ela tinha acabado de me


informar por mensagem que estava na entrada do banker.

― Não! ― A voz de Christian se elevou, mas não foi isso que


me deixou chocada, mas sim sua expressão martirizada e
assustada, como se temesse perder algo ou alguém. ― Eu vou.
Você fica aqui.

Concordei, ainda aturdida, então ele saiu, deixando-me


sozinha com Lance.

― Ele está preocupado com você. ― Tinha um contentamento

no rosto do meu amigo ao falar do irmão. ― Está com medo de

perdê-la.

― Não temos nada.

― Achei que estavam juntos. ― Franziu a testa.

― Estar com seu irmão é difícil. Ele é um homem complicado.

― Não queria falar sobre mim e Christian, não tinha energia para

lidar com aquele assunto, ou ficaria pior do que já me sentia.

― Ele teme que você se machuque. Não vejo aquele olhar em

seu rosto há muitos anos ― murmurou.

Toquei sua mão e resolvi mudar de assunto.

― Sei que é um caso perigoso. Por isso achei estranha aquela

entrevista. Foi do nada. Somos profissionais nesse ramo e sabemos

que isso não acontece assim. As pessoas planejam esse tipo de


coisa, não fazem de supetão.
― O pior é que alguém queria especificamente você lá, e as

ordens vieram de cima. Quem pode ter sido? Acho que você devia
passar um tempo longe do Ministério Público.

Se eu fosse uma pessoa normal, após a tentativa de

assassinato na Dinamarca, teria me afastado daquele caso e

voltado a trabalhar apenas no escritório de advocacia. Na verdade,

estaria conversando com psicólogos ou entrando em surto, mas


“normal” era uma palavra que não combinava comigo.

― Eu sei. Quem está por trás de tudo isso? O próprio Lennon


ou quem o incriminou? ― Inspirei fundo, tentando me acalmar.

― Tudo indica que Lennon O’Connor não foi preso porque

quis, mas sim por armarem contra ele. E não é coincidência que

tenha sido aqui, em Lincoln, perto de você, Ella ― Christian falou,


entrando no quarto. ― Tem alguém puxando as cordas. E vou

descobrir, eventualmente.

Naty entrou atrás dele e correu para abraçar Lance e depois a

mim. Eu me sentia gelada com aquela descoberta. Desde o início eu

suspeitava ser uma armação, mas jamais pensei que era apenas

para me atrair. Seriam os inimigos do meu irmão?


― Está dizendo que Ella tem um inimigo por aí que a quer

morta? ― Percebi medo na voz de minha amiga.

Estava pensando seriamente em pedir ao dois que tirassem

umas férias e ficassem longe de mim por um tempo. Como Lance

estava ferido, seria uma boa desculpa para ficarem afastados.

― Não Ella; são inimigos do seu irmão.

― Irmão? ― indagou Naty, olhando-me. ― Você o encontrou?

Ainda não tinha lhe contado sobre o ressurgimento de Kasper

em minha vida. Não sabia como fazê-lo, pois, ao falar sobre ele,

também teria que contar o que ele fazia e tudo que vinha
acontecendo. Sentia-me uma péssima amiga por manter tantos

segredos dela.

― Desculpe, eu pretendia contar... É que ele... é complicado...

― Quando estava pensando em me dizer? ― Sua voz soou


dura e magoada.

― Naty, as coisas estão confusas. Eu não via meu irmão há


anos, não sabia se estava vivo ou morto. Quando alguém morre,

sabemos que se foi e não vai voltar mais, mas e quando não

sabemos do seu destino? Sabe a tortura que é isso? Era como se


uma parte de mim morresse a cada dia. Sabe o que eu precisava
fazer ao me levantar todos os dias? Manter a esperança de que, um

dia, iria ver seu rosto de novo. Então, quando descobri a verdade
sobre o desaparecimento de Kasper... ― Eu já tinha perdoado meu

irmão, aliás, nem estava mais magoada com ele. Só ainda não

tivéramos chance de nos ver pessoalmente após o último encontro.

― Ele está vivo?

― Sim, e poderia ter vindo até mim há mais de dez anos e ter

dito a verdade, mas não veio. Então...

― Ele sabia que você estava sofrendo por ele e não veio? Mas

que filho da puta! Se um dia eu o vir, vou chutar suas malditas bolas
― rosnou, fazendo-me sorrir.

― Talvez devesse chutar as do seu cunhado. Ele sabia a


verdade sobre o meu irmão e não me contou. ― Tentei normalizar

minha voz e expressão.

― Você... ― Naty fuzilou Christian e já estava indo até ele,

mas Lance gemeu como se estivesse sentindo dor, então ela correu

para o marido. ― Como está se sentindo, amor?

Franzi a testa ao notar o que Lance fez. Ele fingiu dor para sua

mulher não ir tomar satisfações com o cunhado. Eu tinha dito aquilo


por dizer, não imaginava que Naty fosse agir literalmente. Mas ela

era uma força da natureza.

― Lamento por esconder tantas coisas de você... Eu pretendia

lhe contar tudo, só não sabia como, e as últimas semanas estão

meio loucas. ― Suspirei.

― Por isso ultimamente não tem ido lá em casa...

― Sim. Eu não queria levar o perigo que me cerca para vocês

dois e os gêmeos. Nada disso deveria ter acontecido. ― Apontei

para o ferimento de Lance. ― Deveriam tirar uns dias longe daqui.


Não quero que nada mais respingue em vocês.

― Ella...

― Natiele, você e Lance têm filhos. Não podem se envolver


nisso. Eu morreria se algo acontecesse à sua família. ― Dei um

abraço nos dois. ― Vou ficar bem. Pensem nas crianças, fiquem

longe de mim. Tirem férias em algum lugar enquanto as coisas em

Lincoln estejam... problemáticas.

― Knife vai acompanhar vocês e seus filhos. ― Christian

encarou o irmão. ― Ele vai levá-los para Star Sland. É para sua
proteção.
― Nós iremos ― Lance concordou. ― Mas e Ella? Por que ela

não vem com a gente?

― Ella vai para outro lugar, onde será protegida também.

Eu poderia retrucar dizendo que iria com eles, mas não queria

que a pessoa que estava atrás de mim, se me encontrasse, ferisse

os meus amigos e seus filhos. Por mais que estivesse magoada


com Christian por ter sumido, a minha segurança e a daqueles que

eu amava era mais importante.

― Ficarei bem. Assim que tudo isso passar, vou até vocês ―

falei, tentando tranquilizá-los.

Despedi-me de meus amigos e segui Christian para fora, sem

saber o que me aconteceria a partir daquele instante. Esperava ter a


chance de voltar a ver meus amigos de novo.
El Diablo
Eu estava muito puto da vida com tudo que havia sucedido. O

atentado contra a vida de Ella estava mexendo com minha cabeça,


trazendo-me lembranças ruins da perda de Rúbia e de Yasmin.

Era como um déjà-vu. Tinha gente querendo matar Ella, essa

mulher que já estava profundamente enraizada em mim, tanto que

eu não podia nem sequer cogitar que alguém a machucasse, como


quase tinha ocorrido naquele dia.

Os assassinos contratados eram bons, quase não

conseguimos descobri-los, mas eu era realmente bom no que fazia,


por isso recrutava sempre os melhores que conhecia no ramo.

Assim que soube do atentado iminente a Ella e ao promotor,


montei uma armadilha. Poderia apenas tirá-la de lá antes de tudo

acontecer, mas os assassinos de aluguel voltariam, e, da próxima

vez, poderia ser tarde demais, por isso bolei um plano: Demolidor

ficaria no prédio ao lado do Ministério Público, pronto para matar o

assassino contratado antes que cumprissem a tarefa de assassinar

Ella. Como o promotor Evans era um corrupto, além de pedófilo,

embora poucos soubessem disso, não impedi o assassino


contratado para matá-lo; isso daria tempo para Demolidor eliminar o
assassino de Ella.

Assassinos de aluguel em geral seguem um código de

conduta; não matam pessoas aleatórias, apenas seus alvos, a não

ser que alguém o veja em serviço, e não deve haver pontas soltas.

Por isso eu sabia que o assassino do promotor não eliminaria Ella;

ela não era seu alvo. Os irlandeses não mandaram seus próprios

assassinos, preferiram contratar outros, provavelmente para que


ninguém suspeitasse deles. Idiotas.

Saí do banker seguido por Ella. Pela forma como ela me

olhava, perguntaria por que eu tinha me mantido longe. Não queria

falar sobre isso. Deixá-la foi a pior coisa que eu tinha feito até

aquele momento. Meu peito doía como se perfurado por um punhal

até o cabo a cada palpitação do meu coração. No entanto, era o

certo. Ela não devia se envolver comigo. A cada perigo que ela

corria, ficava mais claro que não podia fazer parte do meu mundo.

― Christian... ― Ela se interrompeu com a chegada de Knife.

Ouvir a dor em sua voz me desestabilizou por um segundo. Eu

não queria magoá-la, mas não podia evitar; seria pior se ela se
apaixonasse por mim.
A expressão de Knife era sombria. Obviamente, alguma coisa

tinha acontecido.

― O que foi agora? ― perguntei.

Ele hesitou, olhando entre mim e Ella.

― A sua casa foi alvejada alguns minutos atrás ― falou com


fúria, encarando-a.

― Minha casa? ― indagou ela, de olhos arregalados. ―


Porcaria! Será que pensaram que, após o atentado no MP, eu fui

para lá?

Cerrei a mandíbula.

― Acredito que não. Pelas filmagens das câmeras que têm no


local, pareceu um aviso ― disse Arrow, aproximando-se de nós.

Eu estava farto disso. Aqueles filhos da puta iriam se


arrepender do que vinham fazendo.

― Knife, leve meu irmão e sua família para a Star Sland e


mantenha o local sob forte segurança. Ninguém além de nós deve
entrar naquela ilha ― ordenei, então me voltei para Arrow. ― E você

leve Ella para... minha antiga casa.

― Sua casa? ― Ela me escrutinou por um tempo.


Eu não deixava ninguém ir para lá desde que perdi tudo que

amava. Eu mesmo só a visitava no aniversário de morte de minha


esposa e da minha filha. A data estava se aproximando, dali a

poucos meses. Respirei fundo, focando no que era importante no


momento.

― Christian, posso ficar em outro lugar ― sugeriu Ella. ― Está


branco feito um fantasma só por mencionar sua casa.

Aquela mulher me conhecia tão bem que me assustava. Era


por isso que eu lhe escondia o que estava sentindo por ela. Não
queria que soubesse, era para a separação ser uma dor só minha.

― É o lugar mais seguro para você neste momento.

― É compreensível que se sinta assim. Não se preocupe, um


dos seus homens pode ficar comigo. ― Deu um suspiro, parecendo

esgotada.

Realmente, eu não conseguiria ficar em minha antiga casa

sem surtar e precisava de meu raciocínio aguçado para poder focar


nos vermes que queriam matar Ella.

Não podia levá-la comigo, minha casa era mais segura.


Projetar uma nova casa para ela em um lugar seguro e com tudo

que houvesse de mais avançado no quesito segurança demoraria


um pouco. Além disso, eu não teria muito tempo para ela, precisava
organizar algumas coisas. Tinha mandado uma mensagem ao
Demolidor fazia alguns dias solicitando que encomendasse a

eliminação de Lennon no presídio onde aguardava julgamento. Após


o atentado daquele dia, acreditei que deveria ter adiantado tudo. Por

sorte, tinha sido transferido para o mesmo presídio um criminoso


que me devia, e eu cobraria a dívida.

― Vou deixar Arrow tomando conta de você. ― Aceitei a


sugestão de Ella. Confiaria a minha própria vida a ele.

Ela me lançou um sorriso que não alcançou o olhar.

― Eu vou ficar bem ― garantiu, mordendo o lábio e evitando


encontrar meus olhos. Não me questionou nada, o que eu estava
sentindo, o porquê de minha rejeição àquele imóvel específico.

Ainda que eu tentasse esconder minhas reações sob uma máscara


de insensibilidade, era como se ela pudesse ver através de mim.

Sabia acerca do meu passado e, mais ainda, conhecia o meu


interior.

― Vou mantê-la segura ― prometeu Arrow.

― Obrigado, irmão. ― Fui até Ella, que passou a respirar de

modo irregular com minha aproximação, mas não se afastou. Toquei


seu rosto. ― Qualquer coisa, me liga.

Algo passou rapidamente em seus olhos, mas logo sua

expressão mudou, não revelando nada, como se erguesse um


muro.

― Vou ficar bem ― assegurou de novo, afastando-se do meu

toque como se ele lhe fizesse mal. ― Depois que tudo isso passar,

precisamos conversar.

― Sim. ― E essa conversa seria definitiva, pois, antes, eu não


tinha sido forte o suficiente para acabar com tudo cara a cara. Com

certeza teria fraquejado e não teria partido.

Fiquei ali, olhando os dois irem embora, sentindo-me mais

vazio do que nunca. Merda! Eu não podia pensar naquilo agora,

precisava focar na sua segurança e em ir atrás do maldito que

ousara encomendar sua morte.

― Ela vai ficar bem? ― ouvi a voz de Natiele.

Ela estava de pé ao lado de Lance, com Knife logo atrás deles.

― Vou tomar conta dela ― prometi. ― Ella estava segura no

Ministério Público, o atirador do promotor não atiraria nela. Como eu

já disse, só acabamos com o que foi contratado para matá-la.


― Como sabe disso? ― Ela franziu a testa.

― Apenas sei. Se ela não estivesse segura, eu não a teria

deixado sair do prédio. Embora não contasse que alguém dentro do


lugar atirasse nela. A pessoa acabou atingindo Lance, que estava

próximo. ― O controle de porte de armas em Illinois era bastante

rígido. De alguma forma, eu descobriria a identidade do atirador.

― Christian, obrigado por ajudá-la e por ajudar a mim e minha

família. ― Lance veio até mim e me abraçou com o braço bom. ―

Senti sua falta, irmão.

― Eu também senti sua falta, caçula. ― Afastei-me com um


sorriso. ― E sua família é a minha também. Protejo os meus.

― Obrigado. Depois que tudo isso passar, acho que seria bom
conversarmos. ― Lance me fitou com intensidade. ― Não

precisamos falar do que o machuca, mas quero meu irmão de volta.

Pensar que eu poderia ter morrido hoje e não ter tido a chance de
dizer que eu o amo me mata.

Meu coração se apertou ante essa possibilidade. Para fugir da


dor no passado, fui covarde e me afastei dele. Isso me fazia o maior

filho da puta entre todos os irmãos.


― Estarei aqui quando tudo se resolver e conversaremos. ―

Toquei sua cabeça como fazia quando ele era pequeno, já que havia

uma boa diferença de idade entre nós. ― Se cuide, irmão.

― Você também. ― Foi até sua mulher e tornou a segurar a

mão dela.

Knife foi embora levando Lance e Natiele. No caminho, faria

uma parada para pegar os filhos deles. Nada iria atingi-los, eu não
permitiria que acontecesse.

Com a proteção de todos assegurada, parti, pronto para

derrubar quem tinha ousado machucar as pessoas com quem eu

mais me importava.

Sabia que tanto Finn como Lennon O’Connor não iriam desistir

de machucá-la. Então tinha chegado a hora de eu mesmo derrubar

os inimigos, e os torturaria, dizimaria, lançaria a fúria e o inferno de


El Diablo sobre todos.
El Diablo
Enquanto Cowboy resolvia os pormenores sobre o tiroteio na

casa de Ella, fui com Vlad resolver outra questão, que estava
pendente e que, naquele dia, iria se encerrar de vez.

― Vamos pegar todos eles ― disse Vlad.

― Sim. Vou dizimá-los!

Eu o tinha chamado para me ajudar a concretizar o que

planejei para Lennon O’Connor. Aquele desgraçado se arrependeria


de ter mandado assassinos atrás de Ella.

Liguei para Lyn enquanto estávamos a caminho e falei sobre o

que havia acontecido com sua irmã. Embora a notícia já estivesse

sendo veiculada em diversos meios, na hora do atentado ele estava

em um local onde não tinha acesso a qualquer sinal, de modo que


só tomou conhecimento pouco antes de eu ligar para ele.

Eu lhe garanti que Ella estava bem e que, se os miseráveis

chegassem à cidade, tomaria conta deles. Lyn lidaria com o chefe

da máfia, e eu, com o seu assecla. Esperava que ele resolvesse

logo aquilo, pois eu não poderia sair de Lincoln e solucionar tudo

sozinho. Se fosse possível, já o teria feito, mas envolveria ficar


longe de Ella. Ainda assim, se não houvesse outro jeito, eu teria que
ir.

Lyn tinha se prontificado a se livrar de Finn O’Connor semanas

antes, mas ele havia sumido.

― Lennon está com as horas contadas. Não gosto de ficar no

escuro, prefiro estar um passo à frente em relação aos meus

adversários. Para fazê-lo aparecer, resolvi lhe mandar um recadinho

ao me livrar do capacho de Finn. Espero que você esteja preparado

para a guerra, porque eu estou ― falei a Lyn antes de desligar.

Chegamos à casa que eu tinha alugado dias antes, perto do

presídio. Vlad e outros dois rapazes tinham ficado de olho na

situação para mim, observando tudo.

Tínhamos alguns policiais e carcereiros em nossa folha de


pagamento dentro do presídio, assim como um dos prisioneiros,

Juan Pérez, que foi solicitado para fazer o serviço, pois me devia um

favor. Vlad organizou tudo com ele, seguindo o que determinei, pois

queria ver tudo e que Lennon soubesse por que seria morto. Para

mim, não tinha sentido matar meus inimigos se eles não soubessem

a razão por trás de tudo.


Eu poderia simplesmente encomendar uma injeção de veneno

não detectável, e tudo seria feito em questão de segundos, pois,


mesmo sabendo que Lennon era vigiado e tinha aliados lá dentro,

não seria problema para Juan, que era muito respeitado entre os
presidiários. Entretanto, queria que o infeliz sofresse. Era uma pena
o fato de eu não poder matar o sujeito com minhas próprias mãos

em razão da repercussão que o caso dele passou a receber da


mídia após os atentados na manhã daquele dia. Tinha que ser

alguém de dentro; se entrasse uma pessoa nova, haveria suspeitas.

Lennon seria morto em uma briga comum. Porém, eu farei a

mensagem chegar até Finn O’Connor.

― El Diablo, se acalme e beba alguma coisa ― Vlad falou,

revirando os olhos. ― Já deve estar perto de acontecer.

Servi uma dose dupla de uísque e tomei um gole grande.

― Não gosto de ter de ficar aqui, vendo tudo acontecer. Queria

eu mesmo matar o infeliz.

― Você pode ir atrás de Finn caso Lyn tenha dificuldades de

encontrá-lo. Após o que acontecerá com seu primo hoje, a coisa vai
se alvoroçar na Irlanda. Aposto que ele sairá de onde está de tocaia.
Afinal, Lyn matou o irmão dele, e você irá eliminar o seu primo.
Sentamo-nos no sofá. Encarei a tela do notebook, aguardando

as imagens. Hacker tinha invadido o servidor do presídio e estava,


naquele momento, implantando a gravação em looping do local

onde o assassinato aconteceria, assim os guardas responsáveis


pelo monitoramento das câmeras não desconfiariam de nada até ser

tarde demais. O nosso menino gênio apagaria tudo depois que


acabasse, impossibilitando que qualquer um chegasse a nós.

Na imagem real, Lennon estava na lavanderia junto a quatro

dos seus capachos. Juan chegou com os seus homens, sete ao


total. Ele nunca vacilava ao matar. Por enquanto, o grupo inteiro

estava só trabalhando, como se nada estivesse prestes a acontecer.

― O que você fez para Juan te dever? ― sondou Vlad.

― Protegi pessoas importantes para ele. ― Dei de ombros. ―

Sua família.

― E você cobrou por isso? ― Encarou-me com os olhos

estreitos.

Bufei.

― Não, mas favor é favor. Além disso, ele não gosta de dever
nada a ninguém, o que é vantajoso para mim agora.
Ele tinha matado o padrasto que tentou abusar da enteada de
12 anos, mas eu suspeitava que alguém da família do sujeito queria
machucar sua ex-esposa e a filha, por isso cuidei do assunto.

Antes de ser preso, Juan era chefe de uma gangue. Sua ficha
era extensa, então um assassinato a mais ou a menos não faria

diferença, afinal não sairia nunca mais da cadeia. Dessa forma,


aceitou meu pedido. Assim, pagaria sua dívida comigo.

― Nunca vou entender você ― murmurou Vlad.

― Não precisa, mas aprenda uma coisa: não cheguei ao posto


onde estou hoje sem descobrir táticas, maneiras de ganhar mais

poder, além de dinheiro. Se faço algo por alguém, cobro. Nem


sempre é dinheiro o que preciso; há coisas mais importantes...

― Favores ― destacou.

― Sim. Não sei quando irei precisar cobrar um, então gosto de
andar preparado.

― Do modo como cobrou de mim?

― Pode ser, mas saiba que eu teria protegido sua prima de

qualquer modo, mesmo se você não aceitasse o que cobrei em


troca.
Algum tempo atrás, protegi a prima dele, namorada de um
membro do MC Fênix em Chicago. Axel era o nome dele, e éramos
aliados desde então. Vlad havia me prometido, em troca do favor

que lhe fiz, trabalhar comigo por um tempo. Como eu, ele também
não gostava de dever favores.

― Estou percebendo. ― Sacudiu a cabeça.

― Quem sabe você não se junta a mim de vez após toda essa
merda acabar?

Ele riu.

― Estou bem da forma como estou, mas quem sabe um dia?


Estou gostando da relação entre os membros de sua agência, é

diferente, vocês parecem pertencer a uma família ― admitiu. ―

Vejo essa mesma lealdade entre os membros do MC Fênix, do qual

meu irmão participa.

Jonathan, mais conhecido como Nasx, era irmão caçula de


Vlad. Atualmente era vice-presidente do MC Fênix de Chicago, um

clube de motoqueiros como o de Hades.

― Família... Sim, somos uma. Damos a vida uns pelos outros.

No entanto, espero que nenhum de nós precise.


― Sim, também espero. ― Indicou a tela. ― Vai começar a

luta.

Os presidiários, que vinham lavando lençóis por um tempo,


tinham começado uma discussão, algo rotineiro no ambiente em

que viviam.

Juan era alto, negro e muito musculoso, e Lennon não ficava

muito atrás no quesito força, mas era mais franzino.

― Não sabe com quem está se metendo ― rosnou Lennon.

Juan riu.

― Não tenho medo de você ou do seu chefe ― rosnou,


segurando uma faca.

― Não importa quem te enviou para tentar me matar, eu pago


o dobro ― interveio Lennon.

Não temi a reação de Juan; mesmo sendo um bandido, ele


tinha seu código de ética e não era mercenário.

― Não estou nessa pelo dinheiro, mas porque você mandou


que matassem alguém inocente, e uma pessoa não gostou nada

disso. ― Juan se moveu, indo em sua direção.


― Não sei do que está falando... ― Lennon se interrompeu

quando Juan se lançou contra ele, socando-o na boca.

Os seus amigos tentaram intervir, mas o pessoal de Juan os

manteve sob controle.

Lennon não tinha muito poder nos Estados Unidos, estava

começando a trazer seus negócios para o país. Uma pessoa ainda

incógnita tinha armado para que ele fosse preso, e, de certa forma,
também era culpada pelo atentado à vida de Ella. Depois da

eliminação de Lennon, meu próximo passo seria descobrir a

identidade de quem estava por trás da armadilha.

― Me deixe refrescar sua memória. Hoje cedo, você mandou

que matassem o juiz do seu caso, o promotor, os jurados e a


advogada contratada para auxiliar a promotoria, lembra?

Lennon cuspiu sangue.

― Isto aqui é pelos que morreram ou pela advogada? Soube

que ela sobreviveu, então, se for, não é necessário...

― Se ela não tivesse sobrevivido, aposto que outra pessoa


estaria aqui, falando com você, não eu, e posso dizer que não o iria

querer em seu encalço. ― Apertou a faca e a empunhou para

frente, acertando o sujeito na barriga.


Sim, se fosse eu, alcançaria um novo recorde, e seria ainda

mais gratificante do que ter eliminado os três vermes que tocaram


em Ella.

― Desgraçado! Você está morto! Meu chefe virá matá-lo, pode


apostar. Ele é meu primo, e... ― Sua voz falhou, pois Juan o

esfaqueou no coração, fazendo Lennon cair no chão, arquejando.

Enquanto isso, os amigos dele estavam apanhando da turma

de Juan. De repente, mais pessoas apareceram, rodeando-os e os

instigando a lutar aos gritos.

Lennon deu seu último suspiro. Menos um agora.

Antes de a conexão se encerrar, o rosto de Juan apareceu na

tela.

― Cumprido. Sabe o que precisa fazer se algo me acontecer.

― Ele vai ser morto ― declarou Vlad.

― Sim, vai. De certa forma. ― Levantei-me, indo pegar uma

garrafa de uísque. Precisava dessa merda para não pensar no que

teria de fazer no dia seguinte. Terminar um relacionamento nunca é

fácil, ainda mais quando eu sentia que meu coração estava prestes
a morrer pela segunda vez. Com Ella, eu sentia que ele estava
começando a ressuscitar, mas agora eu não sentia mais nada, além

de vazio.

Vlad me seguiu.

― Só é isso que vai dizer? ― Parecia descrente. ― Sabe, sou


um assassino, e não gosto de trazer problemas para ninguém que

não mereça. Sou bom no que faço, seja qual for o serviço. Então, se

algo vai acontecer e trazer consequências, serei eu a pagar, não


outra pessoa. Não pode permitir que matem Juan.

― Me diz uma coisa: por que está aqui comigo? ― Eu não


estava muito a fim de falar, só queria ficar sozinho com minha dor e

desolação.

Ele deu um suspiro duro.

― Não sei, me pergunto o mesmo ― grunhiu.

Dispensei o copo; não precisaria dele. Tomei grandes goles,


que desceram queimando.

― Já que está aí, pode ficar de olho no carro que transportará


o corpo de Lennon e o de Juan. Siga o carro, pegue o corpo de

Juan e arranque o coração de Lennon, mandando uma mensagem a

Finn O’Connor ― decretei.


― Que droga farei com o corpo de Juan? ― rosnou.

― Esconda-o onde ninguém o ache... até que ele mesmo

possa se defender e então proteger sua família. Juan sabe onde

elas estão; acredito que ficarão bem. ― Segui para um quarto, onde
iria dar uma olhada em Ella pelas câmeras do meu celular.

― O quê?! Você me deixou pensar que ele seria... Você é um


idiota! ― alfinetou atrás de mim.

― Fui chamado de nomes piores. ― Bebi mais alguns goles

direto da garrafa.

― Você simplesmente não me disse que o plano ia muito além

do que eu sabia e que planejou a falsa morte dele para sua

segurança e a da sua família! ― Vlad parecia exasperado.

― É você que está dizendo, não eu. ― Abri a porta e entrei no

cômodo, mas, antes de fechá-la, ouvi um resmungo ininteligível. ―


Em trabalhos futuros, se ouvir que matei ou mandei matar alguém

que me ajudou, pode suspeitar e ter certeza de que tenho um plano

por trás, porque eu jamais faria algo assim.

― Vou me lembrar disso ― ouvi-o soltar um muxoxo de

reprovação. ― Embora fosse mais simples dizer. Abrir o jogo é

bom...
― Entendo que seu antigo chefe deixou sua confiança nos
outros abalada, mas precisa entender que não sou ele. Posso ser

um assassino, mas não faria algo como o que você pensou. Se eu

matar alguém, essa pessoa terá merecido, assim como sei que você
faz ao matar.

― Você também precisa agir conosco abertamente. Como


você mesmo disse, somos irmãos, e os membros de uma família

devem confiar uns nos outros ― falou a meia-voz. ― Para dar certo,

a confiança tem que vir dos dois lados.

Encarei-o, pensando nisso. Ainda que fôssemos uma família

na minha agência, no fundo eu estava acostumado, como chefe, a


dar ordens, e normalmente ninguém reclamava nem pedia para

mudar qualquer coisa. Talvez por isso nunca havia pensado que
sempre agir abertamente com os meus fosse o certo.

― Tem razão. Quando tudo isso passar, podemos fazer uma

reunião e colocar em pauta suas ideias. Talvez precisemos de


algumas mudanças no futuro ― falei mais comigo mesmo.

― Deixar alguém entrar em sua vida não é coisa de outro


mundo. Mesmo sendo chefe e, mais que isso, amigo, você trata a
todos com a distância de um braço. Às vezes, a união faz a força. ―
Sorriu. ― Agora vou checar como andam os “mortos”.

― Sim, e não se esqueça do recado. Finn precisa achar seu

primo em uma bandeja.

Entrei no quarto, fechando a porta atrás de mim, depois me

sentei no sofá. Já era noite lá fora. Na penumbra, sempre era pior,


as lembranças, os pensamentos mais perigosos tinham mais

tendência a invadir a mente. Pelo menos, naquela hora, peguei-me


pensando no que Vlad me disse em vez de algo obscuro.

O antigo chefe dele era seu amigo, mas Vlad foi traído,
apunhalado pelas costas. Desde então, ele se tornara assim, não

trabalhava para ninguém, era a Suíça, como dizia, um país livre. Eu


entendia seu lado. Confiança era uma via de mão dupla. Eu
confiava nele, por isso faria o que me sugeriu: não esconderia mais

as coisas de meus homens, a não ser que fosse realmente


necessário. E esperava que um dia o Demolidor se tornasse um de
nós e marcasse a nossa tatuagem em sua pele, tornando-se um

ceifador mortal.

Passei a resolver o que precisava. Primeiro, mandei

mensagem para Hacker a fim que controlasse tudo que fosse de


sua alçada. Nada da operação daquele dia poderia vazar ou parecer
suspeito na cadeia, nem sair na mídia, especialmente não antes de
Finn receber nosso recado.

O mafioso irlandês iria querer retaliação, e eu estava contando


com isso, mas era Lyn quem lidaria com ele, a menos que Finn

resolvesse pisar em Illinois; dessa forma, eu resolveria aquela porra


de problema.

Mandei outra mensagem a Lyn avisando que tinha me livrado


dos problemas por enquanto ao matar Lennon. Esperava que não

houvesse mais nenhum, mas eu sabia que seria pedir demais, a não
ser que a cabeça da serpente fosse eliminada.

Depois, com uma mão na garrafa e a outra no celular,


verifiquei as imagens das câmeras na minha antiga casa. Ver o local

daquele modo era quase tão difícil quanto pessoalmente, mas eu


precisava ao menos verificar Ella.

Ela estava sentada no sofá da sala, encolhida. Arrow, sentado


ao seu lado, segurava sua mão. Levei minha mão ao peito, onde
sentia uma dor surda.

Ver essa cena me fez querer matar alguém. O ciúme é um


sentimento maldito. Ainda bem que eu era controlado, não fazia
nada por impulso. Confiava em Arrow e em Ella.

Estava a ponto de ligar para ele e perguntar o que estava


acontecendo com ela quando ouvi sua voz pelo áudio das câmeras.

― Me desculpe ― ela sussurrou.

Por que estava se desculpando? O que havia acontecido ali?


Ela parecia tão quebrada... Meu intestino se retorcia com o seu
sofrimento.

― Todos temos algo que nos atormenta ― disse Arrow.

― Você também tem? ― Ela o fitava com os olhos úmidos,


mas não parecia estar chorando.

― Não há um dia em que o tormento não me acompanhe,


mesmo que eu não entre em pânico como aconteceu com você
agora, mas isso é individual, de acordo com o que cada um

presenciou e passou.

Ele tinha perdido alguém que amava, assim como eu. Arrow

trabalhava disfarçado para a polícia quando o chefe do crime


organizado sequestrou sua namorada, que na época carregava seu
bebê, estuprou-a, torturou-a e a matou na frente dele.
Uma parte minha ficava aliviada por Rúbia e Yasmin não terem

sofrido ao morrerem. Teria sido angustiante estar no lugar de Arrow,


presenciando do início ao fim cada momento de tortura das pessoas
que amava.

― É difícil perder alguém que é importante para nós. É como


se parte de nosso coração morresse, parte de nossa alma se

partisse. ― Ella se encolheu.

Estava falando sobre o bebê que tinha abortado. Eu entendia

sua dor. Perder alguém que se ama é a pior forma de tortura. Não
deveria existir nada disso, mas a vida é uma merda. Eu ao menos
tive anos maravilhosos com minha filha; Ella não teve essa chance,

nem sequer conheceu seu garoto.

― Quer falar sobre isso? ― sondou Arrow.

― Você quer falar sobre sua perda? ― Ela devolveu a

pergunta.

Arrow sorriu, mas não tinha vida em suas íris, eram o reflexo

do vazio em seu interior. Eu via esse olhar toda vez que encarava o
espelho.

Entretanto, algo mudou quando comecei a passar mais tempo


com Ella. Podia sentir uma chama reacendendo aos poucos meu
coração morto e minha alma escura, um ponto de luz que ia
crescendo a cada dia.

Se ela me fazia tão bem, por que a estava afastando de mim?


Simplesmente porque a luz e as trevas não podiam conviver. Eu era
as trevas, e ela, a luz. Muitos diziam que ambos andavam de mãos

dadas, mas era mentira. Ella tinha um mundo pleno pela frente, e eu
matava pessoas e não me arrependia. Isso era algo que eu não
mudaria, então o que poderia dar a ela? Nada.

― Touché. ― Ele curvou brevemente a cabeça.

― Então, Arrow, esse é o seu nome de verdade?

― Pode ser que sim ou que não. ― Ele deu de ombros.

É claro que não era seu nome, mas ele não gostava de

divulgá-lo.

― Você é misterioso. Tem namorada? ― ela perguntou

curiosa, não com interesse.

A respiração dele ficou irregular, enquanto os olhos se

toldavam de angústia.

― Não precisa responder, se traz lembranças ruins ― ela se

apressou em dizer.
Arrow encarou as chamas da lareira.

― Eu tive, mas ela foi assassinada há alguns anos. ― Sua voz

soou muito baixa.

― Lamento por sua dor. Sei que palavras do tipo não ajudam

muito, mas... ― sussurrou ela. ― Bem, não vamos mais falar disso.

Ele pareceu aliviado por mudar de assunto.

― Tudo bem. ― Respirou fundo. ― El Diablo queria estar aqui

com você.

― Não sei por que continuo na dele. No final, não adiantará de

nada. ― Soltou um suspiro doloroso. ― Tenho demônios com quem


ninguém quer lidar, suportar ou ajudar.

― Todos têm demônios, Ella. Se alguém em sua vida não


chegou a te ajudar é porque não merece a mulher que você é. ― Eu

poderia tê-lo beijado por estar ajudando-a naquele momento


vulnerável.

― Diga isso ao Christian, que sumiu, não me deixando explicar

minha reação ao ver tudo aquilo. Sei que foi por esse motivo o
distanciamento dele, ou simplesmente uma desculpa por não estar

pronto para se envolver comigo. ― Ela suspirou.


Pisquei aturdido por ela pensar que eu não ficaria com ela
apenas para não a ajudar com seus traumas, mas, pensando bem,

eu não a deixara explicar. Fui embora porque sabia que eu não era
bom para ela; estava dando-lhe uma chance de seguir em frente.

― Ele gosta de você. Sei que precisam conversar e entrar em


um acordo. ― Arrow a fitou. ― Nunca o vi olhar da forma que faz

com você para ninguém.

― Não vai dar certo entre nós ― sussurrou. ― No fundo, sei

que estou lutando por algo perdido.

O meu peito se sacudiu. Ouvir de sua boca era pior do que


pensar.

― Ele é um bom homem ― Arrow me defendeu.

E não achava que podia me qualificar como bom. Alguém

como eu, um assassino, não chegava a esse nível. Protetor, talvez,


leal, com certeza, mas bom, não.

― Não disse que não era. Não é sobre isso que estou falando.

Nós dois temos fardos pesados demais ― ela ponderou. ― Ele


perdeu algo que o destruiu, assim como eu... Não sei se ele quer

mudar isso, se quer nos dar uma chance. Pela forma que me
deixou, não significo nada para ele... ― Parecia que ela queria dizer
mais, mas deu um suspiro. ― Deixa pra lá. Não vamos falar sobre

isso.

Era melhor ela pensar assim, que eu não a queria. Dessa

forma, seguiria sua vida sem mim. Seria como se eu nunca tivesse
existido.

― Ele vai aparecer, mas, como disse antes, Christian acha que
não merece ser feliz, por isso se martiriza dessa forma. ― Arrow me
conhecia bem, mas eu não estava fazendo isso para me ver

sofrendo; não, pela primeira vez na vida em anos estava sendo


altruísta e a deixando seguir em frente mesmo que isso acabasse
comigo.

― Queria poder ajudá-lo, mas ele não me deixa entrar ―


murmurou.

― Acredito que tudo vai se resolver. Ele verá a razão

eventualmente. ― Sorriu de leve. Era raro vê-lo sorrir assim, ainda


mais brincalhão. ― Se não o fizer, chuto a bunda dele.

― Obrigada por me manter distraída, assim não penso tanto.


Sou-lhe grata por estar comigo, me protegendo.

― O prazer é meu. ― Arrow se levantou. ― Está melhor?


Preciso fazer as rondas.
― Pode ir, estou bem agora ― assegurou ela. ― Eu lhe
agradeço por tudo.

― Espero que as coisas se resolvam entre vocês. Você faz


bem para meu amigo, o faz sorrir, algo que não acontecia há anos,
não com a mesma espontaneidade, o mesmo brilho em seus olhos.

Espero que ele veja o que está perdendo e volte atrás.

― Christian não está pronto. Entendo isso, Arrow, por mais

que o queira comigo. ― Ela fitou o fogo como se quisesse


desvendá-lo... ou a mim.

― Se precisar de mim, é só chamar.

Ele saiu, deixando-a sozinha no cômodo.

Ouvir o que Ella pensava de mim fez-me pensar se estava

fazendo tudo errado. Mas e se continuássemos e, no final, eu a


machucasse ainda mais? Eu a tinha feito lembrar-se de coisas
dolorosas. O que me fazia pensar que não cometeria o mesmo erro

se matasse mais alguém na sua frente?

Como não podia ir até ela, ficar contemplando seu rosto lindo

era tudo que eu precisava e almejava para afugentar a dor que me


consumia.
Ella

Fazia quase uma semana após meu atentado, do qual fui salva
por Christian. A noite daquele dia fatídico foi difícil, e eu só queria ter

ouvido sua voz. Entretanto, isso não aconteceu, ele não tentou falar
comigo. Para uma pessoa qualquer, isso significaria o fim de tudo,

mas não para gente com nossa bagagem. Não sabendo que ele se
importava comigo.

Foi quando eu soube da morte de Lennon na cadeia. Parecia

que tinha brigado com outro detento, mas eu suspeitava que quem
estava por trás disso fosse Christian ou meu irmão. Liguei para
Kasper, já que não conseguia falar com Christian, e me disse que

não tinha sido ele. Não que eu me importasse com a morte daquele
homem, só queria saber a verdade.

― Não fui eu, mas sei quem fez. Na verdade, ele chegou

primeiro; caso contrário, eu teria feito. Ninguém ousa atentar contra

a sua vida e pensar que vai continuar respirando.

Eu gostava de sua honestidade, sempre tinha sido assim.

Não foi preciso dizer quem encomendou; eu já sabia, e no

fundo, meu coração sangrou por Christian ter feito isso por mim,

saber que se importava e que continuava me protegendo à


distância. Isso estava acabando comigo.

Tantos dias já tinham se passado, e nada de ele aparecer,


embora eu novamente passasse a sentir o cheiro dele no quarto

quando acordava. Isso me fazia imaginar que ele havia enfrentado a

dor só para ficar perto de mim. Queria entendê-lo, mas só poderia

fazer isso se ele deixasse.

Ouvi uma batida na porta, e Arrow perguntou antes de entrar

no quarto:

― Posso entrar?
― Se veio para novamente me dizer que devo ter paciência
com seu chefe, vou logo lhe assegurando que estou puta demais

com ele. ― Ainda não tínhamos conversado após o atentado contra

minha vida. Achei que falaríamos no dia seguinte, mas não

aconteceu. Arrow me pediu que tivesse paciência com ele, dizendo

que logo as coisas iriam se resolver.

― Christian está sofrendo tanto quanto você...

― Duvido muito, afinal foi ele que terminou tudo! ― Trinquei os

dentes. ― Ou melhor, isso ainda nem aconteceu, já que não veio se


justificar.

― Tem uma coisa que você pode fazer para forçá-lo a ver a

razão.

Encarei-o com o cenho franzido.

― Como o quê? Implorar? ― Não faria isso. ― Se ele não


quer estar comigo e lutar contra essa sua necessidade de me

afastar, não posso fazer nada. O que posso fazer é conversar para

decidirmos continuar a fundo ou não com a nossa relação. Só

preciso de uma resposta!

― Não digo implorar, mas precisa ir ao clube dos MCs. É onde

ele está agora. Antes que pense coisas erradas acerca do motivo do
seu paradeiro, é por causa do aniversário de Hades, nada mais que

isso.

E se eu fosse e o pegasse com alguma mulher? Não sabia o

que faria, mas não podia ficar ali me escondendo. Foi bom saber
onde ele estava; seguiria a sugestão de Arrow.

― Vai lá, garota, e o faça ver a razão! Mostre o que ele está
perdendo caso não tire a cabeça da bunda. ― Olhou-me de lado. ―
Está disposta a isso?

― Festa dos MCs? ― Fazia tempo que eu estava curiosa para


ver uma das festas que eram dadas lá, antes mesmo de conhecer
Christian.

― Sim, e já vou falando, são bem... intensas. ― Sorriu.

Hades uma vez me disse sobre o que acontecia lá, além disso,

eu lia bastantes livros sobre o tema, e tudo parecia muito


interessante. Pois bem, estava prestes a conhecer pessoalmente.

― Me dê uns minutos para me arrumar.

― Tudo bem, vou esperar lá embaixo. ― Saiu do quarto.

Peguei a roupa mais adequada para a ocasião, que usei


quando precisei investigar um caso: um espartilho tomara que caia
de couro preto que grudava em cada uma das minhas curvas; uma

minissaia que dava margem a muita imaginação; e botas de cano


logo que realçavam minhas coxas. Prendi meus cabelos, mas deixei

alguns fios soltos nas laterais do rosto.

No corredor, tinham mais quartos. Num deles, o desenho de

uma boneca estava pregado na porta, com uma plaquinha com o


nome Yasmin escrito. Então aquele era o quarto de sua filha?
Christian tinha razão, ele não estava pronto para ir ali. Devia ser

doloroso demais ver tudo aquilo e ativar as lembranças. Ao menos


ele tem um rosto para imaginar e sentir saudades; eu não posso

dizer o mesmo, pensei com um aperto no peito.

Desci para o andar de baixo, encontrando Arrow de pé perto

da escada. Olhou-me de cima a baixo, e vi apreciação em sua face,


e não de cunho sexual. Isso era bom. Eu tinha me acostumado e
passado a gostar daqueles garotos como se fossem da minha

família. A cada dia, um deles estava em casa me protegendo, e,


quando eu não ficava dentro, eles estavam lá fora, de olho em mim.

― Ah, queria estar perto para ver a cara dele... ― Soou

divertido. ― O cara vai ter uma úlcera.

Sorri. Bem que ele merecia por ficar longe.


― Estou nervosa. E se ele estiver com alguém...? ― Inspirei
fundo, ansiosa.

― Ele jamais faria isso. Só se afastou por achar que você

merece mais... ― Parou de falar, como se perguntasse a si mesmo


se continuava falando ou não, mas prosseguiu: ― Não gosto de me

envolver nas coisas dele, mas o infeliz é teimoso demais. ―


Sacudiu a cabeça. ― Após você o ver daquela forma, acreditou que

não devia entrar no nosso mundo, que merece coisa melhor.

Boquiaberta, sacudi a cabeça.

― Não quero uma vida normal e pacata, só quero...

― A ele ― terminou minha frase. ― Eu sei. Então prove.


Vamos embora, e, ao chegar lá, o faça enxergar exatamente isso,

mostre o que você quer, não o deixe vencer.

― Me diz uma coisa: Hades está envolvido nessa trama? ―


Embora eu já soubesse a resposta, resolvi perguntar.

― Sim. O aniversário dele é amanhã, mas antecipou a


comemoração só para trazê-lo aqui. Afinal, Christian não estará aqui

amanhã.

― Onde ele vai estar? ― sondei curiosa. Queria entendê-lo,

ajudá-lo com seus medos, mas, para isso, precisava fazê-lo ver a
razão e lhe mostrar que eu não queria nada de normal; na verdade,
eu o queria mais que a tudo.

― Ele vai ajudar um amigo, mas posso lidar com isso e ir no


seu lugar. ― Olhou-me de lado. ― Acredito que se entenderão.

Concordei, sentindo-me mais relaxada ao entender mais as

razões de Christian para ter me deixado, principalmente por achar

que eu precisava de outra coisa para ser feliz. Não existia nada
melhor do que ele, ninguém faria tudo o que ele fez por mim, com

exceção do meu irmão.

― Vamos lá, então ― assenti, respirando fundo. ― Obrigada

por tudo.

― Sem problemas. Eu me importo com ele, e vê-lo afastando

a única pessoa que o faz ser feliz acaba comigo. Por esse motivo,

estou intervindo na decisão dele. É isso o que famílias fazem, não


é? ― Sorriu.

― Sim. Famílias querem o bem de seus membros. E devemos

lutar por aquilo que queremos. Até que limite posso empurrá-lo para

que veja a razão?

― Improvise. ― Ele deu um sorriso lindo. Esse homem raras

vezes fazia isso. ― Só não beije nenhum cara; não queremos um


massacre naquele lugar, pois sei que ele faria algo assim se alguém

a tocasse.

De qualquer forma, eu não pensaria em fazer isso. O único


homem que eu queria estava dentro de um clube de motoqueiros,

não achando-se ser bom o suficiente para mim. Eu iria lhe provar

que estava errado.

Assim que desci do carro, despedi-me de Arrow e segui o


caminho que levava até a entrada do clube. O lugar era um casarão

de três andares. O último andar estava escuro, mas nos outros

luzes brilhavam.

Uma música vinha de dentro, mas o que me deixou de queixo

caído foi ver a infinidade de motos no estacionamento, muitas


Harleys.

O rapaz à porta sorriu e me deixou entrar. Passei por um hall,

e avistei um grande salão. O lugar parecia bem agitado. Havia

vários homens com jaquetas de couro com o nome e a logo do MC

Bloody Fury. Em outros, que pareciam mais jovens, além do nome


do motoclube, havia a palavra “prospector” escrita. Também tinham

mulheres, a maioria quase nuas.


De repente parei quando vi Christian de longe. Ele estava

sentado em um sofá, com uma bebida parecendo intocada na mão.

Hades estava ao lado dele, falando algo, mas meu foco estava no
meu homem, que parecia cabisbaixo.

Uma mulher de cabelos escuros foi até ele. Vestia um top


minúsculo e short tão curto que mais pareciam uma calcinha e um

sutiã. Prendi a respiração quando ela parou em frente a Christian,

fazendo-o levantar os olhos, mas ele balançou a cabeça

negativamente a algo que ela falou.

Suspirei de alívio quando a mulher se afastou parecendo

desapontada.

― Ela dá em cima de todos ― disse uma voz angelical ao meu


lado. ― Eu me chamo Paloma, mas todos me chamam de Pam.

Sou irmã do Yan.

Impressionada, encarei a loira usando uma roupa parecida

com à minha, ao menos na parte superior, pois a dela era um

macacão de couro. Nós duas devíamos ser as mais compostas


naquele lugar.

― Oi, sou Ella ― apresentei-me, então pisquei surpresa


quando percebi a quem ela se referia como seu irmão. ― Hades? ―
indaguei. Realmente tinha certa familiaridade entre eles.

― Você o conhece?

― Sim, somos amigos. ― Não chegávamos a isso, mas

podíamos ser a partir dali. Ele era um cara sombrio, mas legal.

― Então está interessada em El Diablo? Skar ficou com ele, e

ela disse que o homem fode demais, como um louco, duro e

profundo. ― Ela se abanou com um suspiro. ― Pena que nunca me


deu uma olhada. Ou o meu irmão cortaria o seu pau fora. ― Ela

praticamente cuspiu a última frase.

Corei, tímida, pois ela falou sem se preocupar com a presença

dos homens ao nosso redor.

― Skar? ― Meu coração acelerou quando pensei que

Christian tinha ficado com outra pessoa.

― Ela. ― Indicou a mulher que tinha se aproximado dele

antes. ― Mas isso foi vários meses atrás. Faz tempo que ele não

vem aqui.

Suspirei aliviada. Não me importava com o passado dele, pois

fora antes de ficarmos juntos. No entanto, uma coisa que ela disse
me deixou inquieta.
― Quando você disse... ― aproximei-me dela para ninguém

mais ouvir ―, foder duro e profundo, o que quis dizer?

Algo me dizia que era da forma que eu estava pensando. Se

fosse, por que ele não me disse nada? Eu havia lhe perguntado se

gostava desse tipo de sexo, mas falou que não era sua praia.

Christian teria mentido?

― Daquela forma. ― Pam apontou para a direita.

Arregalei os olhos quando um motoqueiro de cabelos escuros

com as calças abaixadas empurrava seus quadris na bunda de uma


mulher debruçada sobre a mesa de bilhar. A forma que a fodia fazia

o corpo dela ir para frente. O homem agarrou seus cabelos e os

puxou, mas não de forma que machucasse, e sim para aumentar o


prazer. Estocava nela com força, fazendo-a gritar. Os gritos

chamaram a atenção de alguns ao redor, incluindo Christian, que

levantou a cabeça e observou a cena.

Então ele gostava desse tipo de sexo. Mas por que não tinha

feito comigo? Logo a resposta veio em minha mente como uma


avalanche: era porque eu não podia gozar sem estar no controle, e,

da forma como eu estava presenciando, era Christian que teria de

estar no comando.
Vendo aquela foda ali, não era à toa que ele... Merda, não! Ele

se afastou de mim para que eu não ficasse com um assassino, e


não por ser sem graça na cama!, pensei como um mantra.

― Você tem alguma coisa com El Diablo? ― A loira me


checou. ― Vi a forma que olha para ele.

Tentei me recuperar para responder.

― Estávamos juntos. ― Fomos ao canto mais escuro do lugar,


onde nenhum deles poderia nos ver. ― Mas ele acha que mereço

mais, que não é bom o suficiente para mim.

― E o que você acha? Pela forma que ele rejeitou Skar,

parece estar na sua ainda.

― Eu sei que sim, por isso estou aqui, para dizer a ele que não

vou desistir. ― Estava decida a lutar. ― Mas saber que ele gosta

desse tipo de sexo...

― “Desse” tipo?

― Aconteceu algumas coisas comigo que... Bom, não

fazíamos assim. ― Indiquei a mesa de bilhar. ― Éramos mais

lentos, calmos, como fazer amor.

Franziu a testa.
― Isso é bom, não é? Significa que você é diferente ―
comentou, avaliando-me.

― Não sei... Agora preciso fazer com que ele veja a razão.

Para isso preciso empurrá-lo, mas não muito, pois o homem é uma

explosão, só para ele ver o que vai perder se não nos der uma

chance. ― Não falava só do meu corpo, mas do que sentíamos.

Ela sorriu travessa.

― Vem comigo. ― Não esperou resposta, pegou meu braço e

me puxou para o centro do salão.

― Pessoal! ― Enfiou a mão na boca, soltando um assovio

agudo.

Todos pararam o que estavam fazendo e nos encararam.

― Achei essa linda mulher na porta, querendo foder com um


homem! ― Engasguei-me com suas palavras, porém ela não ligou
para o meu choque. ― Quem se voluntaria?

Engoli em seco com os olhares desejosos dos que nos


assistiam. Entretanto, um único homem naquele lugar me importava,

encarando-me como se eu tivesse sido conjurada, como se não


acreditasse que eu estava ali.
― Estou dentro! ― Um loiro de covinhas exclamou, sorrindo
de modo atraente.

A cabeça de Christian virou-se ao som da voz dele, e sua

expressão... era como tinha fitado os homens que matara em Milão,


feroz, brutal, letal.

De repente se levantou, indo até o sujeito, mas Hades tentou


impedi-lo. O homem, sedento por sangue, desvencilhou-se, indo

rumo ao seu alvo como um caçador. Seu foco estava no motoqueiro,


que agora tinha perdido o sorriso e parecia um tanto chocado, além
de curioso.

Merda! Eu não queria briga, só conversar com ele e tentar

descobrir se tínhamos alguma chance ou se eu deveria abandonar


as esperanças de vez.

Christian continuava a seguir lenta e predatoriamente na


direção do rapaz, com sua expressão parecendo que era um
demônio que tinha aberto as comportas do inferno, pronto para

devastar tudo que estivesse pela frente. Parecia cego pela ira.

Por sorte, o motoqueiro estava mais próximo de mim. Soltei

meu braço da Pam, que parecia chocada, e não era a única no


lugar. Todos reagiram assim diante de sua reação.
― Christian, não! ― Corri até ele, pondo-me na sua frente. Ele
parou de andar. Sua mandíbula se apertava, sua carne parecia
tremer, e seu rosto estava sombrio, duro como pedra. ― Christian,

olhe para mim ― pedi, chegando cada vez mais perto, até o ponto
de levantar minha mão e tocar a barba cheia em seu rosto. ―

Mantenha os olhos em mim, querido. ― Ele me encarou, parecendo


lutar consigo mesmo. ― Eu não ia ficar com ele ou com qualquer
outra pessoa; só você me importa.

Ele olhou para a Pam e depois para o loiro, a quem queria


matar havia um segundo, então a mim.

― Está tudo bem. Só fique calmo, por favor. ― Seu olhar


varreu meu corpo, vestido daquele modo sexy, e algo brilhou neles.

Antes que ele imaginasse alguma coisa, acrescentei: ― Vim aqui


para falar com você. Tem como fazermos isso sozinhos?

Queria tirá-lo dali o mais rápido possível, antes que ele


resolvesse me ignorar e ir para cima do rapaz.

― Vão para o meu quarto. ― Hades estava ao nosso lado,


entregando uma chave a Christian, que a pegou. O homem

certamente queria tirar o amigo dali antes que seu clube fosse
manchado de sangue na comemoração de seu aniversário.
― Sinto muito ― Christian disse ao amigo, arrependido,
embora sua voz estivesse grave, pois não estava totalmente

controlado.

― Não é nada com que não possamos lidar. ― Sorriu para

nós. ― Apenas resolvam seus problemas.

Christian assentiu, segurando minha mão e me puxando para

o andar de cima, mas antes ouvi um resmungo de Hades:

― Mas que porra Pam estava querendo? Matar Vernon?

Não ouvi a resposta dela, mas não parecia ser essa sua

intenção. Vi preocupação em sua face após Christian ficar furioso.


Ela só estava querendo me ajudar. Talvez, em breve, pudéssemos
ser amigas, afinal ela havia me ajudado sem ao menos me

conhecer.

Agora meu único objetivo era tentar amansar aquele leão feroz

e mortal que queria derramar sangue.


Ella

No andar de cima, seguimos calados rumo ao fim do corredor,


mas parei ao ver uma porta aberta e um cara fodendo uma mulher.

Ela segurava na cabeceira da cama enquanto estava de quatro, e


ele, nu, com as costas tatuadas, metia por trás tão forte que eu

ouvia o barulho do impacto dali.

― É disso que você gosta? ― sondei, pois Christian parou,

pondo-se na minha frente.


Seguiu meu olhar e depois tornou a me fitar, com o cenho

franzido.

― Acho que agora entendo por que foi embora. Minha vida
sexual é uma merda comparada a tudo que você faz. ― Suspirei,

sentindo um aperto no peito.

Fechou a cara, puxando-me dali pela mão, e passamos por

uma porta, mas não havia por trás dela um quarto, e sim uma
escada. Seguimos até outra porta. Quando a abriu, o cômodo era

grande, com uma cama enorme, TV, um armário, sofá-cama. Não

parecia um quarto, mas um flat bem-organizado, como se um


monge morasse ali.

― Uau! Ele tem bom gosto. Parece legal aqui ― comentei e


me sentei no sofá. Fitei Christian. ― Agora me diga por que

terminou comigo. Queria realmente que eu encontrasse alguém

melhor que você? Que eu tivesse de volta minha vida normal?

Ele ficou em silêncio, o que demonstrava que eu estava certa.

Isso me irritou.

― Então me diga algo: quando eu encontrar um cara,

simplesmente vai aceitar que eu transe com ele? ― Passei os

dedos na minha coxa, levantando um pouco a barra da minissaia. ―


Que ele levante essa saia e note que estou nua e pronta para
receber o... ― Era claro que não estava nua, mas tive a reação que

queria.

Lançou-se para mim com tal rapidez que recuei e acabei

caindo de costas no sofá, com ele pairando sobre mim, sua

expressão avassaladora. Eu não devia cutucar um urso e fugir, mas

ele precisava ser empurrado.

― O único pau que essa boceta vai ter será o meu! Se outro

tentar, ele morre! ― A verdade estava em cada palavra.

― Então a reivindique, porra! ― proferi no seu rosto. ― Tome

posse dela e não fuja como um covarde!

Seus dentes trincaram, seu maxilar apertava a ponto de eu ver

um nervo pulsando, e aquela fúria estava ali, mas não senti medo,
pois sabia que ele nunca me machucaria.

― Porque, se não o fizer, outro irá! Ele vai me foder neste

sofá, na cama e em todos os lugares! ― gritei, empurrando-o ainda

mais. ― E você não vai dizer ou fazer nada! Talvez fique lá, só

assistindo-o me foder, tomar minha boceta com seu pau e sua boca!

Seu corpo relaxou. Eu não sabia se isso era um bom ou mau

sinal.
― Você não transará com nenhum homem, pois não deixarei,

e com certeza, porra, eu não assistirei, porque o sangue dele estará


neste carpete enquanto eu o fizer comer seu pau! ― afirmou em

tom feroz. ― É isso quem eu sou, Ella, um assassino. Não sou


homem de ficar parado vendo alguém a tocar ou simplesmente me
virar e ir embora; irei até ele e o desmembrarei, aí depois eu o farei

implorar pela morte.

Avaliei-o, sabendo que estava dizendo a verdade. Ele não era

de falar por falar. Respirei fundo.

― Não quero outro homem, só você, mas, para isso, precisa

parar de me afastar.

Sentou-se com um suspiro.

― Eu só queria que tivesse uma vida feliz, longe de quem eu

sou.

― Vivi por anos e não fui feliz; só quando estamos juntos é

que sinto toda a felicidade ― declarei.

― Isso é porque os homens do seu pesadelo estavam vivos,

mas agora todos estão mortos ― falou, como se isso explicasse


tudo. ― Pode ter uma chance longe das sombras, o que ocasionaria
estando comigo.
Soltei um suspiro impaciente.

― Me responda uma coisa, Christian: você quer que eu viva


longe... ― levantei os dedos, colocando aspas nas palavras

seguintes ― “das sombras”, que me case com um homem “normal”,


que sai de manhã para o trabalho e volta à noite, quando faremos

muito sexo, e teremos lindos bebês? É isso o que deseja para mim?

Ele engoliu em seco, mas concordou.

― Então me diz, como vou ter tudo isso, se você disse que

mataria o homem que me tocasse? ― Eu precisava entender sua


linha de raciocínio. ― Estaria disposto a me deixar ter isso? A

deixar-me ficar com outro homem e...

― Pare! ― pediu, sacudindo a cabeça. ― Não suporto a ideia


de alguém que não seja eu a tocar!

Fiquei de pé na sua frente.

― Precisa pensar no que você quer, se está disposto a me

deixar ir, pois é isso que acontecerá, mas no final não será um
homem normal que me dará tudo que pensa que quero, mas alguém

como Hades ou Gunner. ― Estava jogando duro, mas precisava


fazê-lo enxergar.
― Eles são como eu! ― rosnou, com aquele fogo nos olhos.
― Não são normais. São assassinos.

― Pode ser, mas aí está a questão! Não quero algo “normal”!

Tive isso há anos, e não deu certo! Agora o tempo que passei com
você valeu mais do que qualquer momento já vivido. ― Fitei-o. ―

Se você quer me deixar, diga que faz isso porque não gosta da
forma como transamos, do nosso sexo sem graça e sem sal. Talvez

tenha sido por isso que Travis foi para outra, e você não será
diferente.

Levantou-se também, com os olhos estreitos.

― Não fodi ninguém além de você nos últimos meses e não


vou fazê-lo com outra. A única que quero é você! ― rosnou. ― Eu
adoro fazer sexo com você.

― Prove me fodendo agora da forma que gosta, da forma que


anseia, porque posso ver isso em você, então não esconda nada de

mim. ― Peguei sua jaqueta, trazendo sua boca próxima à minha


sem tirar os olhos dele. ― Faça isso, ou vou sair por aquela porta e

não voltarei mais.

Christian tomou minha boca com a ferocidade de um tsunami.

Meus lábios com certeza estariam inchados, mas eu não me


importaria. A única coisa que eu precisava era senti-lo em cada
terminação nervosa do meu corpo. Joguei minhas frustrações nesse
beijo, assim como ele. Empurrou-me de quatro no sofá, fazendo-me

ofegar de ansiedade.

― Apoie-se nos cotovelos e empine essa linda bunda para

mim. ― Sua voz profunda ressoou, e um arrepio deslizou pela


minha espinha, indo direto até entre as minhas pernas.

Fiz o que ele pediu, louca para que ele fizesse tudo comigo.

Queria senti-lo, ajudá-lo e amá-lo.

― Você quer ser fodida da forma que gosto? Vou lhe mostrar.

― Levantou minha saia, praguejando logo em seguida. ― Fio

dental... Merda, sexy pra caralho.

Juro que quase gozei com suas palavras abrasadoras.

― Sabe o que estou com vontade de fazer? ― Seu hálito

estava em minha boceta, então senti sua língua na tira do fio dental,
deslizando até os lábios da minha vagina. Gemi e me remexi, e senti

um tapa na bunda. ― Fique quieta.

Droga! Com seu gesto, eu sentia-me encharcando.

― Christian...
― Não queria jogar? ― Mordeu de leve minha bunda, abrindo

as bochechas dela. ― Não sabe o quanto é linda essa visão. Ela


está brilhando de excitação, tão molhada, porra!

― Tudo por sua causa... ― consegui dizer entre uma e outra

respiração ofegante.

― Sim, por minha causa, e só eu verei essa perfeição. ― A

língua dele traçou cada canto, fazendo com que eu me contorcesse.

― Se alguém ousar ao menos chegar perto... Ah, eu vou adorar me

banhar com o sangue do sujeito. E... Ella? Eu amaria cada segundo.

Não duvidava disso, mas gostava de sua possessividade. De


toda forma, não queria ninguém além dele.

A sua língua quente começou a lamber as dobras da minha


boceta, fazendo-me empinar mais em sua direção e um gemido alto

subir por minha garganta.

― Se não quer que ninguém veja a forma como fico molhada

ou gemo quando transo, não me afaste, ou posso ir para... ― Fui

interrompida por outro tapa.

― Não vai rolar. Ninguém vai sentir esse gosto, que adoro ―

traçou a língua, fazendo-me tremer, e inspirou ― ou esse cheiro,


que toca minha alma escura...
Ri, olhando por cima do ombro para onde ele estava, sentado

no sofá e com o rosto enterrado atrás de mim.

― Nunca ouvi falar que cheiro de boceta toca almas. ― Sacudi

a cabeça.

Seus olhos, agora brilhantes, focaram nos meus.

― O seu faz ― assegurou, pegando a tira fina da calcinha e

rasgando, fazendo meu corpo se convulsionar para cima. ― Merda,

eu queria que visse isso...

― Não acho que eu ficaria excitada vendo minha vagina

encharcada ― sussurrei, sem fôlego. ― Além disso, estou vendo


muita conversa e pouca ação, e o que ouvi é que gosta de foder

duro.

― Ouviu? Pam fala demais. ― Fez um muxoxo e se afastou

de mim, levantando-se.

Fiquei ali, admirando-o enquanto tirava suas roupas uma por

uma, ficando nu. Não havia nada mais lindo que isso. Minha

atenção foi atraída para seu pênis duro e pronto, cuja cabeça
minava um líquido espesso. Vê-lo assim me fez desejar levá-lo à

minha boca. Não sabia se daria certo, mas tentaria.


― Me deixa prová-lo ― pedi, encontrando seus olhos, que

escureceram ainda mais com minhas palavras.

― Ella...

― Estou bem. Se for demais, eu falo, mas sei que nunca me

forçaria a ir fundo. Confio em você na cama e fora dela, Christian ―

garanti.

Ele se abaixou à altura dos meus olhos, fitando-me de modo


tão profundo e intenso que amoleceu meus ossos, como se

tivessem virado gelatina.

― Faremos isso. ― Beijou meus lábios. Sua língua entrou na

minha boca, saboreando cada canto, mas, antes que o beijo se

aprofundasse, ele se afastou. ― Se não quiser...

― Se for demais, aviso, sim, mas não vai ser preciso. Meu

corpo anseia tanto pelo seu... ― Era verdade. Eu não acreditava


que aquilo me traria lembranças ruins, além do mais, nunca tinha

tentado de livre e espontânea vontade para ter certeza, embora,

com aquele homem, eu quisesse tudo.

Tentei pegar seu membro, mas ele me deteve com a mão.

― Fique como está, com essa linda bunda arrebitada ―

ordenou, aproximando seu pau de mim. Segurava-o enquanto o


esfregava em meus lábios, que ficaram úmidos com o líquido dele.

― Abra a boca e tome-o.

Fiz o que pediu e o coloquei em minha boca, tomando o

quanto podia, saboreando-o por alguns segundos. Fechei os olhos...

― Olhos em mim, pequeno Rouxinol ― exigiu.

Nada se comparava àquilo, à sua proteção. Mesmo estando no

comando, ainda fazia o que eu queria, o que era melhor para mim,

em detrimento do que fosse melhor para ele.

Fiz o que pediu quando deslizei minha língua na cabeça

inchada, balançando o piercing.

― Porra! ― sibilou, com os olhos turvos de excitação. Ele não

pegou minha cabeça e me forçou a ir mais fundo; suas mãos


estavam ao lado de seu corpo, em punhos. ― Sexy pra cacete!

Coloquei pressão na boca, apertando-o e o fazendo praguejar


sob uma respiração rasa. Eu estava adorando ver sua expressão só

por estar em minha boca. Meus olhos estavam encapuzados de

luxúria, assim como os dele nos meus.

Levei uma das minhas mãos entre minhas pernas, onde

pulsava, mas não cheguei perto, pois ele impediu o ato, fazendo-me

lamuriar.
― O único a satisfazê-la serei eu. ― Afastou-se da minha

boca. ― Por mais que eu ame essa pequena boca sexy me


devorando, agora preciso fodê-la duro, lembra? É o que pediu.

― Promessas, promessas... ― zombei. ― Acho que tudo que


ouvi é papo-furado, como um conto da Carochinha.

Christian rosnou, colocando sua boca em minha boceta e me


devorando, enchendo-me com um fogo arrebatador. Enfiou dois

dedos dentro dela, bombeando-os em sincronia com a sucção que

fazia no meu nervo latejante. Como um raio, gozei, choramingando


seu nome.

Antes de eu voltar à Terra, ele rosnou de novo enquanto suas


mãos passeavam em meu corpo, deixando-me quente a ponto de

ferver, quando meteu em mim com tanta força que perdi o maldito

ar.

― Jesus! ― Tentei recuperar o fôlego quando seu pau bateu

uma e outra vez em minha boceta ainda pulsante.

Sua carne batia contra a minha, os dentes rangiam e as mãos

vagavam como se ele não tivesse o suficiente de mim.

― Não é Ele que está aqui, só eu, com meu pau comendo

essa boceta perfeita ― sibilou.


Se ele fodia duro como Pam disse e pelo que vi no quarto
vizinho e até naquela mesa de bilhar, havia algo estranho. E percebi

que Christian não estava dando 100% de si. Havia uma parte

hesitante, e eu não queria isso, queria-o de verdade, soltando-se,


então o empurrei mais:

― O homem daquele quarto fode mais duro que você.


Podemos convidá-lo a te ensinar ou a se juntar a nós... ―

Interrompi-me quando ele saiu de mim, fazendo-me soltar um

muxoxo de reprovação. Estava a ponto de olhar para trás, quando


ele apertou meu quadril, penetrando-me com tanta força que senti

suas bolas baterem em minha carne. ― Puta merda!

Seus dedos deslizaram em meu cabelo, enrolando-o em um

punho e virando minha cabeça para encontrar seus olhos. Seu olhar
travou no meu, fazendo meu coração palpitar.

― Essa boceta é só minha! ― Sua mandíbula se apertava a

cada penetrada que dava. ― Ouviu isso? Ela é toda minha, e


ninguém vai tê-la, nem mesmo vê-la!

O som dos meus gemidos vibrava através de mim e


ricocheteava ao redor.

― Só sua! ― choraminguei.
No paraíso, era assim que eu me sentia naquele momento,
sob o seu controle, com ele dando tudo de si.

Suas costas se escoraram nas minhas, e ele levou sua boca

ao meu ouvido.

― Vou lhe ensinar a controlar essa linda boquinha

provocadora, pois ninguém se juntará a nós. Nenhum filho da puta


verá essa perfeição debaixo de mim e à minha mercê. ― Saiu do

meu corpo e entrou de novo, duro e veloz. ― Nem como essa


boceta fica com meu pau dentro dela.

― Christian... ― Estava tão bom, eu logo iria gozar.

― Você me tentou hoje mais do que qualquer pessoa seria


capaz de fazer, mais do que meu controle exigia. Quase soquei um
irmão e quase matei outro só por pensar em Vernon ou em qualquer

outro tocando-a. ― Sua voz grave retumbava como um trovão, tão


poderosa e intensa quanto. ― Sabe o que senti quando ouvi que
veio aqui para deixar alguém ter o que é meu? ― Cada palavra que

dizia era seguida por uma penetrada profunda e dura como eu


queria, fazendo meu interior se revirar.

Eu queria lhe dizer, em minha defesa, que não tinha vindo para
foder com ninguém, apenas para encontrá-lo... mas gemi quando
sua outra mão amassou meus seios, dando um puxão ao mesmo
tempo em que golpeava mais fundo em mim. Gritei, não dando a
mínima se alguém ouvisse.

― Oh, merda! Christian!

Fechei os olhos, sentindo aquele turbilhão de sensações, seus


golpes cada vez mais rápidos e ferozes. Ele tornou a puxar meu
cabelo, trazendo minha boca para um beijo.

― Isso, chama meu nome, querida... Sou o único que irá tomá-

la, prová-la e adorá-la ― falou em minha boca, mordiscando meus


lábios.

A ferocidade dos seus movimentos pifou meu cérebro, que foi


incapaz de responder. Uma bola de fogo foi acesa na minha barriga

e começou a crescer a cada movimento dele em mim. Meu núcleo


passou a pulsar em torno de seu pau, e nós dois gememos em
sincronia.

― Oh, Céus! ― Seus quadris se sacudiram com impacto nos


meus, fazendo-me quase ver estrelas.

Deixou meus cabelos do lado direito do meu rosto, então sua


mão desceu para meu clitóris, massageando-o, circulando-o e, por

fim, dando um puxão em meu nervo dolorido e necessitado.


― Goza em meu pau, me molha com esse creme perfeito e
saboroso... ― Suas palavras foram como um tiro direto no meu

centro.

Gemi seu nome, sentindo uma infinidade de sensações, meus

dedos formigando, minhas pernas tremendo, minha boceta


latejando...

― Amo quando aperta meu pau assim... Vem para mim! ―


ordenou com uma paixão avassaladora.

Gozei tão forte como nunca, tão intensamente que fiquei


piscando como os vagalumes por um tempo que eu não soube

contar. Ele me seguiu logo depois, clamando meu nome.

Estávamos os dois suados pelo esforço, mas valeu a pena que

ele se soltasse assim. Desabei no sofá, sem forças. Christian saiu


de mim e ficou de lado, mas me puxou para seus braços.

― Você estava mesmo se segurando. ― Finalmente abri meus


olhos e encontrei os dele me encarando com aquela ternura e outro
sentimento, que fez meu coração balançar. ― Estava pensando em

me contar sobre isso em algum momento?

― Você precisava de tempo para se acostumar e confiar em

mim na cama, mas sim, eu iria contar em algum momento. ― Alisou


meu rosto. ― Lamento que eu tenha me afastado, mas, naquela

noite, quando entrei no quarto e a vi deitada em posição fetal, com o


rosto molhado, sabia que tinha ido longe demais... que não deveria
ter perdido o controle da forma como fiz. Você havia chorado antes

de dormir... Aquilo foi pior que ser torturado.

― Não tinha chorado por estar chocada ou por você ter feito o

que fez, por nojo ou algo assim, mas porque sentia que ia me
deixar, estava escrito em seu rosto, em sua postura quando o vi
conversando com Arrow, pela sua forma fria e distante, mesmo

tentando esconder ― sussurrei. ― Mas uma parte minha sempre


soube que, no final, você partiria, o que acabou fazendo, e pode
fazer de novo agora.

Ele me encarou com a expressão cheia de emoções. Consegui


ler algumas, como choque, confusão, raiva. Ainda bem que essa

última não parecia ser voltada para mim.

― Sinto muito por deixá-la sozinha. ― Beijou minha testa. ―


Não a mereço, mas acho que ninguém no mundo é capaz de

merecê-la. E uma parte de mim luta para deixá-la ir e ser feliz...

― Me deixar ir não me fará ser feliz! ― declarei com fervor. ―

Com você, estou contente como nunca fui em toda minha vida. Mas
não vou obrigá-lo a ficar comigo.

― Não é obrigação, eu realmente não posso ficar longe de

você. Não durmo há dias, não como bem, as únicas horas em que
ainda me sinto bem é quando estou te vendo dormir, mas tive pouca
chance, devido à sua insônia. ― Puxou-me para cima dele. Apoiei a

cabeça em seu ombro.

― Não dormi muito bem essas noites, ficava me revirando na

cama pensando em você. ― Bocejei e sorri. ― Acho que por isso


estou exausta, embora o sexo fenomenal que me proporcionou
ajude também.

Ele sorriu e beijou meus lábios de leve.

― Vamos ter mais depois.

Isso queria dizer que ficaríamos juntos? Quis dar gritos


emocionados, mas apenas fiquei ali, agradecendo a Deus em
silêncio por estar em seus braços.

― Preciso me limpar e ir embora, mas estou tão esgotada... ―


Parecia que as noites mal dormidas vieram como uma enxurrada,

ou eu só estava feliz por estar ali com ele, pois minhas energias
acabaram.
Ele se desvencilhou do meu corpo e ficou de pé, levando seu
calor consigo. Mas antes que eu reclamasse, pegou-me nos braços

e levou-me para a cama.

― Vamos dormir aqui, então. Amanhã voltaremos para casa.

― Espero que você esteja aqui quando eu acordar ―


sussurrei sonolenta.

― Não penso em ir a lugar algum! ― jurou com intensidade. ―

O mundo lá fora é vazio e escuro demais, não brilha como quando


estou com você.

Eu já estava dormindo antes de cair no colchão acreditando


em sua promessa.
Ella

Minha relação com Christian estava indo bem. Nós nos


entendemos depois do episódio no MC. Tive de agradecer a Pam

pela ajuda, mesmo que, na hora, tivesse ficado com medo de meu

namorado esmagar Vernon.

Passaram-se semanas maravilhosas, nas quais me senti como

se estivesse nas nuvens. Todavia, há um ditado que diz que tudo


que é bom, dura pouco. Christian teve de ir para a Espanha, pois

um amigo seu estava com problemas, e ele foi ajudá-lo. Era difícil
estar longe do meu namorado, mas eu não podia ir também, pois,

além de ele ter falado que era perigoso, eu tinha muito trabalho.
Após as mortes encomendadas pelo mafioso irlandês, as coisas

ficaram um alvoroço no Tribunal de Justiça e no Ministério Público.

Esse era um dos problemas que podia afetar a minha relação

com Christian: o Procurador-Geral da República interino, chefe da


promotoria, agora era Patrick Cleveland, o ex-sogro de Christian,

promovido provisoriamente para ocupar o cargo vago do anterior

procurador, que tinha morrido. Eu não sabia o que ele fazia ali, em
Lincoln, ao invés de estar em Washington. Eu soube que ele era um

juiz aposentado e morava em outra cidade. Não fazia sentido ele

estar em Illinois, muito menos em Lincoln.

No começo, relevei, afinal não podia fazer nada; ele era o

chefe do Ministério Público Federal até que o presidente da

república indicasse outro e o Senado aceitasse e o nomeasse.


Então minhas perguntas foram respondidas assim que cheguei para

trabalhar num outro caso em que a promotoria requisitou meu

trabalho como consultora e fui chamada por ele.

Fui bombardeada de perguntas enquanto ele me mostrava um

monte de fotos minhas e de Christian.


― O que significa isso, senhorita Delaney? ― apontou
Cleveland, mostrando-me a primeira.

Era uma foto minha com Christian saindo de moto da sede do

MC de Hades logo de manhã, quando saímos de lá na noite em que

tornamos a namorar. O sorriso dele era brilhante como um diamante

ao sol. O brilho em seus olhos... Eu não sabia que Christian me

fitava assim. Por um momento, perdi o fio dos meus pensamentos.

Ele ficava mais perfeito e sexy em uma Harley.

― Não entendi a pergunta, senhor. Ele é meu namorado. ―


Peguei uma das fotos e olhei para o senhor de idade, mas nenhuma

gentileza tocava sua expressão; havia apenas rancor e uma

infinidade de ressentimento.

― Sim, você namora um delinquente! ― cuspiu.

― Com todo respeito, senhor, quem eu namoro não lhe diz

respeito. ― Eu estava ficando com raiva. Quem ele pensava que

era para se meter assim na minha vida? Eu nem o conhecia e, além

disso, eu não era uma promotora, era advogada particular e estava

trabalhando junto ao Ministério exclusivamente em um caso como

consultora.
― Sim, você tem razão sobre isso, mas não é isso que estou

apontando, e sim o fato de você sair de um clube de motoqueiros


fora da lei. Uma advogada que presta serviços para nós deveria

colocar homens como eles na cadeia, e não se juntar a eles. E pior,


namora um daqueles delinquentes! ― Era evidente que o veneno
em sua voz se referia a Christian.

― Se tem algo contra os MCs, deveria prendê-los, não? Se


não o fez, é porque não existe nada. ― Eu estava farta daquela

conversa. Sabia que Hades não era um anjo cumpridor da lei, na


verdade era um fora da lei, mas eu não acreditava que fosse tolo

para deixar a si mesmo e aos seus motoqueiros serem indiciados.


― E, sobre minha ida ao clube, não é da sua conta. Faço da minha
vida lá fora o que eu quiser, contanto que não atrapalhe o meu

trabalho.

Se ele soubesse que eu tinha presenciado Christian matando

alguém, nós dois estaríamos fritos.

― Você é uma mulher muito petulante! Deveria ser esperta e


não se juntar àquele homem...

― Aquele homem é Christian Crawford, e, se eu fosse você,


mediria as palavras ao acusá-lo, afinal não deve ter provas contra
ele ― afirmei, porque, pela forma como aquele homem agia, se

tivesse algo em desfavor de Christian, ele estaria preso havia muito


tempo.

― Isso é uma ameaça? ― Encostou-se na cadeira.

― De forma alguma. Não ameaço ninguém ou acuso as

pessoas sem provas. ― Diferente de você, pensei. ― Foi por isso


que me chamou aqui? Se foi, tenho que voltar ao trabalho.

― Esse homem vai destruir a sua carreira! É isso que ele é,

algo tóxico, que levou a minha filha de mim, assim como minha
neta! ― rosnou.

Então era disso mesmo que se tratava.

― Sua filha e sua neta morreram em razão dos acusados de

crime organizado de um caso em que ela era a promotora


responsável. Não foi por culpa dele. ― Levantei-me, trincando os
dentes. ― Ele sofreu demais por causa disso, e continua a sofrer.

― Todo o seu sofrimento é pouco! Perdi minha filha por culpa


dele! ― Sua voz se alterou um pouco.

Aquele homem tinha sérios problemas, não deveria ocupar o


maior cargo dentro do Ministério Público Federal.
― Sua filha morreu por tentar colocar um mafioso na cadeia!
― exasperei-me.

― Eu as perdi e não vou tê-las mais aqui comigo, e o único

culpado é aquele miserável do marido dela, que a levou para longe


de mim! ― urrou, batendo as mãos na mesa e fazendo os objetos

sobre ela caírem. ― Por culpa dele perdi minha única filha!

Pisquei de medo, mas me controlei. Não achava que ele faria

algo comigo ali.

― Não vou falar de Christian com o senhor. Aqui é um


ambiente de trabalho. ― Suspirei, tentando controlar minha raiva

daquele cara e me virei para sair da sala.

― Não terminei, senhorita Delaney...

Voltei-me para ele e o fitei.

― Senhor, eu o respeito, mas não vou ficar aqui ouvindo-o

despejar seu ódio pelo meu namorado, nem vou continuar


explicando que ele não tem nada a ver com isso. Se o senhor
realmente acreditasse nisso e tivesse provas, acredito que já o teria

posto na cadeia. ― Seu desprezo por seu antigo genro era


evidente.
― Ele não ama você! Nunca vai esquecer minha filha! ―
Pegou mais fotos na gaveta e as jogou na mesa diante de mim. ―
Toda vez que está aqui, vai ao cemitério e fica lá por muitas horas.

Ainda acha que esse homem a ama?

Na fotografia de cima, Christian estava sentado perto do

túmulo de Yasmin. Era possível ver a inscrição na lápide. A dor em


seus olhos, o vazio e a devastação apertaram meu peito.

― Você deveria se valorizar! Ou não tem dignidade? ― cuspiu

seu veneno.

Fitei-o com os olhos estreitos.

― Acha que, dizendo isso, me fará deixá-lo? Entendo

Christian, ele teve uma perda imensa que quase o destruiu e levou

sua alma, mas está seguindo em frente, e você não vai atrapalhar

isso jogando um monte de mentiras só para machucá-lo. ― Não


esperei sua resposta; saí dali antes que eu dissesse algo que não

devesse.

Meu coração estava acelerado. Torcia para aquele sujeito não

dizer coisas como aquelas ao Christian. Agora, que ele finalmente

estava vivendo e seguindo em frente, aquele homem não podia


estragar tudo.
― Senhorita Delaney, você tem duas escolhas: deixá-lo e

continuar trabalhando com a Justiça ou ficar com esse delinquente e


perder tudo. A escolha é sua ― disse à meia-voz.

Eu estava no corredor em frente à sua sala, a porta ainda

aberta. Observei-o de onde estava, com os braços cruzados.

― Não pode estar falando sério. ― Cerrei os punhos,

querendo socá-lo, mas estava com medo de perder, de alguma

forma, em razão de seu poder, minha licença para advogar, pois não

deixaria Christian.

― Sim. Em todos esses anos, não me meti na vida dele, pois


adorava vê-lo na sarjeta, não se aproximar do irmão, não ter uma

vida, porque ele não merece uma, mas agora resolvi intervir, quando

descobri que ele está com você e vejo aquele maldito olhar de
plenitude no rosto dele. ― Sua mandíbula se apertou. ― Não o

deixarei ser feliz!

Sacudi a cabeça em choque por aquele homem guardar tanto

rancor. Pelas fotos, vivia perseguindo Christian. Eu precisava contar

a ele. Se aquele Procurador volátil visse algo que não devia, aposto

que o mandaria para a cadeia e jogaria a chave fora.


Saí dali, deixando-o sozinho, não querendo nem mais olhar

para a sua cara. Estava com raiva e com medo de perder tudo, de

perder Christian, agora que estávamos tão bem.

Tinha algo naquele sujeito que não me agradava. Não era só

pelo seu ódio por Christian. Apenas aquilo não explicava que ele
assumisse um cargo, ainda mais tão poderoso como aquele, mesmo

provisoriamente, quando já tinha se aposentado havia anos.

Peguei minha bolsa e saí mais cedo. No dia seguinte veria se

ainda estaria a serviço da promotoria naquele caso e se aquele

Procurador safado daria um jeito de cancelar minha ABA[4]. Talvez

até fosse ele a pessoa que me queria naquela entrevista, só para

me matar. Um homem doente era capaz de tudo. Precisava


conseguir alguma informação contra ele para não ceder à sua

chantagem, por isso necessitava de alguém que me ajudasse a

fazer isso sem que Christian soubesse. Se ele descobrisse a


ameaça, seria bem capaz de me deixar só para eu não perder o

trabalho.

Vlad saiu do carro e veio na minha direção com a expressão

preocupada.
― O que aconteceu? ― perguntou quando chegou até mim. ―

Ella!

Pisquei, não deixando os problemas me dominarem; não

deixaria que aquele homem vencesse.

― Estou bem...

― Não parece, está branca demais. ― Pegou minha mão e

me puxou para o carro. ― Alguém tentou algo lá dentro? Pegamos


o atirador de Lance, mas pode ter algo...

― Não é isso. ― Inspirei fundo e o fitei. ― Se eu te contasse


uma coisa, manteria em segredo de Christian?

Ele me avaliou com uma expressão vazia.

― Depende. Se for sobre sua segurança, não...

― Não é sobre isso, estou segura. Ao menos, não aconteceu

nada ainda. ― Eu o interrompi e depois acrescentei: ― O atual


Procurador-Geral da República interino, Patrick Cleveland.

Piscou.

― O sogro de Christian? ― Franziu a testa. ― Bem que o vi


entrando, mas não sabia que ele tinha sido alçado a esse cargo.

Deveria estar em Washington, não em Lincoln.


― Ele me revelou agora há pouco, mas não é isso que me

incomodou, e sim seu ódio por Christian. Sabia que ele vem

seguindo-o? Até tirou fotos de nós dois juntos saindo do MC de

Hades. ― Cerrei os punhos. ― Esse homem odeia o ex-genro, ele o


acusa de ser o causador da morte da filha e da neta.

― El Diablo não é o culpado. Foi aquele caso em que ela


estava que a levou à morte, bem como ao assassinato da menina.

― Tinha um tom amargo em sua voz, bem como se notava o

desgosto em sua expressão.

― Não sei quem o autorizou a voltar, pois estava aposentado,

mas acho que o fez só porque está vendo o Christian feliz. Deixou
claro que não vai deixar acontecer.

― El Diablo precisa saber para resolver esse assunto. Esse

homem vem provocando-o há anos, enviando cartas, vídeos que o

machucam, ainda mais nessa época do ano. Se fosse por mim,

resolveria esse assunto de uma vez por todas, mas não é assunto
meu para eu lidar com ele.

― Não quero que o mate, ou seja lá o que é “lidar” para você

― anunciei. ― Tenho que saber tudo dele, todos os podres; preciso


disso se quiser manter minha relação com a promotoria e minha

licença para advogar.

― Esse sujeito ameaçou você? ― Irritou-se.

― Ele me deu duas escolhas. ― Recitei a condição de Patrick,

o que fez Vlad amaldiçoar. ― Por isso peço que me ajude a

descobrir algo sobre ele. Aposto que tem podres, ninguém é tão
limpo assim, não quando, com certeza, puxou os pauzinhos para

estar aqui agora só para me atormentar e me fazer afastar-me de

Christian.

― Por que esconder dele?

Ri amarga.

― Esse homem pode dizer coisas que irão machucá-lo se

Christian vier aqui buscar justificativas. Não quero isso. ― Dei um

suspiro pesado. ― Estávamos tão bem... Por que isso aconteceu?

― Vou ajudá-la com essa descoberta. Não é um segredo que

eu não possa guardar por enquanto, mas, se as coisas se


complicarem, terei que falar com ele...

― Se tudo se complicar, eu mesma falo; não gosto de guardar


segredos de Christian. ― Abracei-o. ― Obrigada por me ajudar. Iria

pedir a meu irmão, mas deve estar muito ocupado com sua missão.
― Sem problemas. Estou aqui para isso. ― Passou o braço à
minha volta. ― Vamos resolver esse problema, não vou deixar

ninguém atrapalhar a relação entre vocês dois. Ele merece ser feliz

depois de tudo que passou.

Afastou-se, e entramos no carro para ir embora.

― Há quanto tempo conhece Christian? ― Sentia-me curiosa.

Naty não falava muito do irmão do marido, era um assunto doloroso

para Lance.

― Há alguns anos. Ele me ajudou a proteger minha prima. O


cara é leal. Aprecio isso em uma pessoa. Acho que é por esse

motivo que estou pensando em ficar de vez na organização.

― Não faz parte da equipe dele? Achei que fizesse. ― Franzi

a testa.

― Não gosto muito de ser mandado. Tive um chefe uma vez


que me enganou, mas vejo que... ― Aquela escuridão que notei em
alguns momentos apareceu em seus olhos ao comentar sobre o seu

antigo chefe. Algo ruim tinha acontecido entre eles, mas, pela forma
tensa como seu corpo ficou, não parecia querer falar sobre o
assunto.
― Christian é diferente ― terminei sua frase, deixando minhas
conjecturas para mim.

Sorriu.

― Sim. O sujeito tem sempre um ás na manga. Gosto disso.


Mas me deixe dizer uma coisa sobre o cara: ele nunca deixa

ninguém entrar. Não me entenda mal, Christian é leal, todos na


agência são uma irmandade, acho que por isso nunca fui embora

após pagar minha dívida com ele. É bom ter isso. O ponto é, desde
que nos mudamos há alguns meses por sua causa... Ele foi visitar o
irmão, como fazia sempre, embora não chegou a ir à casa do Lance.

Só ficava o observando de longe, mas, dessa vez, aconteceu algo,


não sei dizer o que foi. Isso o fez mudar a sede da agência, que era
em Veneza, para cá. Ninguém de nós perguntou os motivos, só

veio. ― Olhou-me de lado. ― Seja o que for que aconteceu, o fez


parar de só observar você como vinha fazendo e agir. Acredito que
por isso ele foi à ONG há alguns meses.

― Quer dizer que, além de vigiar o irmão dele de longe,

também o fazia comigo ― sussurrei comigo mesma.

― Sim. Não sei tudo, mas parece que vocês dois tiveram um

lance no passado. Acredito que ele nunca tenha esquecido ―


ponderou. ― El Diablo gosta muito de você; se não gostasse, não
iria protegê-la, não da forma como está agindo. O cara a levou para
sua antiga casa, sabendo como seria difícil lidar com todas aquelas

lembranças que o machucam. Posso ver que ele está feliz agora, e
fico contente com isso, então vou ajudá-la sem que ele saiba.

Patrick disse que faria tudo para destruir Christian, mas eu não
deixaria que acontecesse. Ele podia me proteger de um lado, e eu o

faria do outro. Esperava, enfim, ter algo contra o Procurador-Geral


Cleveland que o fizesse afastar-se de vez de nossas vidas.
Ella

Alguns dias se passaram após eu pedir ajuda a Vlad, mas não

tive resposta dele. Parecia que Christian tinha precisado dele na

Espanha, bem como da maioria dos seus homens. Comigo ficaram

Tracker e Flame.

Eu estava sentindo falta de Christian, mas sabia que sua ajuda

lá era necessária. Ele me falou que estava auxiliando um amigo do

meu irmão. Voltaria logo, então não iria sair por um tempo. No
fundo, achei bom que ele estivesse longe, pois as coisas no

Ministério Público estavam muito tensas.

Patrick todo dia me ameaçava. Até pensei em falar com


alguém, mas não havia ninguém acima dele, exceto, talvez,

senadores e o próprio presidente da República. Pelo menos ainda

não havia me demitido daquele caso.

Se o fizesse, não seria o fim do mundo, eu continuaria


trabalhando com Lance em nosso escritório de advocacia e, assim,

poderia até ajudar mais na ONG, mas temia que, de alguma

maneira fraudulenta, Patrick conseguisse cassar o meu registro na


Associação de Advogados Americana.

Apesar de tudo, no momento a minha maior preocupação era


que Patrick encontrasse Christian e lhe dissesse aquele monte de

besteiras. Isso o deixaria magoado e triste.

Nas próximas semanas faria nove anos da morte da sua

família. Essa época seria difícil para ele, e eu queria estar ao seu

lado. Não seria aquele procurador de araque que me atrapalharia.

Meu telefone tocou, tirando-me dos meus pensamentos

sombrios. Olhei para a tela, e era Lance.


― Oi, Lance! Estava pensando em ir até aí passar o dia e a
noite. Amanhã volto para a casa de Christian ― anunciei. Tinha

comentado minha ideia com Tracker e Flame, e eles não acharam

perigoso. Era melhor do que ficar ali, praticamente sozinha naquela

casa.

― Isso seria ótimo, o lugar é um paraíso. Naty não me deixa

sair daqui. É bom que venha mesmo, assim a mantém entretida. ―

A última frase foi sussurrada.

Ri.

― Ela só quer o seu bem. Deve ter surtado com você naquele

estado, e não foi a única.

Ele deu um suspiro.

― Tem razão. Eu a amo demais, mas preciso sair, sabe? Ou

ficarei louco. ― Meu amigo era um homem focado no trabalho,


embora nunca deixasse a família de lado. Sempre arrumava espaço

para ambos.

― Quando eu chegar aí, vejo o que posso fazer.

Seria bom conversar presencialmente com ele e com minha

amiga. Os dois tinham estado na minha vida em muitos dos

momentos mais sombrios.


― Como Christian está? ― Ele parecia preocupado.

― Seu irmão está ótimo, encontra-se na Espanha resolvendo

algumas coisas, volta amanhã. ― Eu não sabia até que ponto Lance

sabia sobre a vida de Christian, mas meu amigo não era bobo, pelo
contrário, era muito esperto. Já devia ter deduzido que seu irmão

era um fora da lei, talvez apenas não soubesse quanto estava


inserido no submundo.

Eu não gostava de mentir, mas como poderia explicar-lhe a

“profissão” de Christian? Isso era entre os dois.

― Isso é bom. Eu estava meio louco de preocupação aqui.


Acho que vivo assim há anos, desde que ele foi embora. ― Pareceu

respirar fundo. ― Estou torcendo para que agora meu irmão fique
em casa e não suma como das outras vezes.

― Estamos bem, mas aconteceu uma coisa. Só não vou


contar por telefone. Quando eu chegar aí, conversamos. ― Era

melhor assim.

― O que foi, El... ― Foi interrompido por um barulho

ensurdecedor do outro lado, como se uma porta fosse chutada com


força e batesse em uma parede. Em seguida, ouvi um disparo.

O sangue fugiu do meu rosto, fazendo-me ficar petrificada.


― Lance? ― indaguei, tentando não aparentar o medo que

estava sentindo ante o que ouvi. ― Oh, meu Deus...

― O que vocês querem?! ― gritou Lance com a voz tremendo

de terror. ― Por favor, deixe minha família em paz!

― Papai! ― Kian gritou.

― Por favor, não machuque meus filhos! ― implorou Naty,

chorando.

Era possível ouvir o choramingo de Alice também, o que cortou

meu coração.

― Lance! ― chamei-o, levantando-me, não sabendo o que

fazer, já que estávamos longe um do outro. Estava tão consternada


que me esqueci até de gritar por Tracker ou Flame, que se

encontravam no andar de baixo.

― Vamos fazer um passeio, crianças. ― Soou uma voz fria do


outro lado da linha.

― Por favor, me leve, mas solte meus filhos! ― suplicou


Lance.

Depois disso, ouvi gritos de Naty, o que me assustou ainda


mais.
― Pelos Céus, como estão todos!? ― Não deixe que nada
aconteça a eles, Senhor! Nunca tinha implorado tanto a Deus como
naquele momento.

― Leve as crianças daqui e amarre os pais amordaçados. Não


quero ouvir barulho. Depois os leve também. ― Essa outra voz me

fez ter calafrios na espinha.

― E você, Ella Delaney, siga as minhas instruções ao pé da

letra, e nada acontecerá a eles. Se tentar algo, as crianças e os pais


pagarão o preço. Só por garantia, vou levá-los comigo ― outra voz
disse, agora ao telefone, direcionada a mim.

― Por favor, não os machuque! ― supliquei com a garganta


apertada.

― Não sofrerão nada, mas você precisa ir com os meus


amigos ― rosnou de modo frio. ― Se livre dos seus guarda-costas
e saia daí, então vá até a esquina de baixo. Alguém vai aparecer lá

com mais orientações. Não tente nenhuma gracinha, ou as crianças


e os pais pagarão o preço.

O pavor se derramou sobre mim, tanto que fiquei muda um


instante, tentando digerir o que tinha acontecido. Se tinham chegado

até eles, os guardas deviam estar mortos.


― Eu vou com seus homens. ― Meus olhos estavam
molhados. ― Mas como vou saber que não vão matá-los?

Embora eu não tivesse escolha; não iria deixar meus amigos


morrerem por minha causa.

― É um risco que vai ter que correr, mas não se preocupe, não

são eles que queremos, e sim você ― apontou a voz sombria, que

parecia mais letal que as dos outros.

Eu tinha estudado como distinguir tons de vozes, expressões


faciais, linguagem corporal e leitura labial, pois era importante em

minha profissão para detectar uma pessoa mentirosa.

― Eu vou!

Tranquei meu medo, tentando pensar em como sairia dali com


Tracker e Flame lá embaixo.

― Nos veremos em breve, senhorita Delaney.

Não ouvia mais Naty e Lance; provavelmente já tinham sido

levados.

― Têm câmeras onde estou. Vai ser impossível sair ―

sussurrei.
― Leve seus seguranças para fora e vá para algum lugar

movimentado, então escape deles e siga par onde eu disse, ou seus


amigos já eram. Você tem vinte minutos, que é quando a troca da

guarda é feita na ilha. Se descobrirem o que fizemos, as criancinhas

terão um lindo destino no Céu...

Ouvi o choro delas.

― Tia... ― disse Kian com a voz embargada, cortando meu

peito como com uma navalha.

― Vou ao shopping Rolland. De lá, darei um jeito de fugir.

Devem me esperar na rua no final do estacionamento.

― Vinte minutos ― alertou e desligou.

Pelo menos havia algo ao meu favor: nenhum dos rapazes de

Christian tinha motivos para pensar que eu fugiria, então não me

vigiavam 24 horas por dia, ficavam mais focados em invasores.

Não pensei em para onde eu iria nem no que aconteceria

comigo; não era hora para isso. Seria forte para enfrentar tudo que
estava preparado para mim, não importava o que fosse. Fui ao

banheiro e lavei meu rosto, que parecia suar frio. Precisava atuar

bem para sair dali e ir enfrentar o meu destino. Troquei de roupa por
uma mais apropriada para o lugar ao qual íamos, a ilha, a fim de
que ninguém desconfiasse. Todos confiavam em mim. Eu lamentava

tanto decepcioná-los, mas no momento era necessário.

Desci a escada com um sorriso brilhante, mesmo que tudo

dentro de mim parecesse um maremoto.

― Tracker, decidi primeiro ir ao shopping a fim de comprar

alguns presentes para levar aos gêmeos ― falei para ele, que

estava sentado no sofá.

Ficou de pé, assentindo.

― Claro. ― Ele olhava para seu telefone com o cenho

franzido.

― Algum problema? ― Que não apareçam mais, por favor!,

pensei.

Sacudiu a cabeça.

― Não, mas minha avó não está atendendo. Estou

preocupado. ― Deu um suspiro. ― Ela tem problemas cardíacos.

Enfim eu tinha uma forma de me livrar de um dos seguranças.

― Pode ir vê-la, Flame fica comigo...

― O que tem eu? ― Ele saiu da cozinha. Eu podia sentir

cheiro de bolo vindo de lá.


― A avó de Tracker não está atendendo, e ele está

preocupado. Falei para ir até ela, que você pode tomar conta de
mim ― respondi, não mostrando minha ansiedade, afinal estava

lutando contra o tempo.

― As coisas estão calmas por aqui, então pode ir. Não acho

que alguma coisa irá acontecer, e, se acontecer, dou conta. ―

Flame estava confiante.

Tracker assentiu, ainda preocupado, e saiu de casa com suas

chaves. Eu esperava que sua avó estivesse bem.

Respirei fundo, sorrindo para Flame.

― Vamos, então?

― Para onde? ― Franziu o cenho.

― Ao shopping, a fim de eu comprar umas coisas para os

gêmeos ― informei, torcendo para não ter problemas com ele. Por

sua expressão, estava pensando que não era uma boa ideia, então

me apressei em convencê-lo: ― Por favor, não é longe daqui, e,


como você mesmo apontou, há dias não acontece nada, não vai ser

agora.

― Tudo bem. Só me deixe fazer umas ligações e preparar o

carro ― falou como se fosse organizar um arsenal. Merda, eu só


esperava não ser preciso usar nada para despistá-lo.

Alguns minutos depois, saímos da casa e entramos no veículo.


Seguimos para o shopping mais próximo.

― Não vou demorar, assim podemos voltar logo para comer


aquele bolo. Estava cheiroso ― falei para que ele não percebesse

que eu tinha motivos escusos para sair, esperando que não notasse

o pavor que havia dentro de mim, a dor, o medo, o desespero.

― É de chocolate, da forma que você gosta. Achei que poderia

animá-la, já que está triste com o chefe longe ― disse, fazendo meu
coração se aquecer.

― Obrigada. ― Minha garganta se fechou. Eu não queria


chorar ali, isso estragaria meu plano. Lamentava sair assim, sem

que ele soubesse, mas, se lhe contasse, nunca iria me ajudar.

Entramos no shopping, que estava bem movimentado, o que

iria facilitar as coisas para mim. Entrei em uma loja esportiva, onde

comprei uma blusa de moletom escura, uma calça larga e tênis. Fiz
mais algumas compras para que Flame não desconfiasse, mas eu

não podia enrolar mais, o tempo estava passando.

Saí com as sacolas. Ainda bem que Flame não estava

interessado no que eu comprava; sua atenção estava ao redor,


checando cada pessoa próxima.

Pensei em mentir que estava sendo sequestrada para um dos

guardas por perto; isso faria com que Flame fosse preso por um

tempo. Entretanto, ele estava armado, podia inclusive estar levando


consigo granadas, e isso poderia complicar as coisas para ele.

O meu plano tinha que dar certo sem que ninguém saísse
ferido ou prejudicado.

Inspirei fundo. Era hora de ir. Não queria dar a chance de

aqueles homens machucarem alguém da família de Naty. Se eu

tivesse de arriscar minha vida para salvá-los, que assim fosse.

― Preciso ir ao banheiro ― indiquei o local em frente a nós.

― Banheiro? ― indagou, voltando sua atenção a mim.

― Sim, é ali. Estarei segura.

Ele fitou o lugar e em volta em busca de algum perigo,

enquanto eu rezava que não fosse olhar dentro do banheiro; se o


fizesse, saberia que tinha uma saída por lá que os faxineiros

usavam. Eu sabia disso porque uma vez Alice se perdeu no

shopping saindo por lá, deixando Naty e a mim loucas de


preocupação.
― Certo, ficarei na porta te esperando ― falou, indo ao local, e
indicou as sacolas. ― Deixe que fico com isso.

― Não, sem problemas, estão leves. ― Sorri, forçando-me a

parecer relaxada.

Eu não podia desmoronar, não tinha esse privilégio, precisava

ser forte e agir. Entrei no banheiro quando ouvi seu telefone tocar,

mas não parei para saber quem era, não havia tempo. Segui rumo a

um dos cubículos, tirando das sacolas o que eu havia comprado,


despindo-me e me vestindo com a blusa de moletom, a calça e os

tênis, tudo isso em tempo recorde, depois saí pela outra porta que

havia no local.

Respirei fundo quando comecei a correr em direção ao


estacionamento subterrâneo, pouco depois saindo dele e entrando

em uma rua movimentada. Foi quando meu telefone começou a


tocar. Era Flame, que devia ter desconfiado por eu estar

demorando.

“Sinto muito, pegaram os gêmeos, Naty e Lance. Não posso

deixar que nada lhes aconteça.” Mandei a mensagem a ele. Antes


que eu pudesse ver sua resposta, dois homens saíram de um sedã
preto e indicaram que eu entrasse nele. Sentei-me ao lado de um
homem com expressão sombria, que pegou meu telefone e o jogou
longe.

― Você facilitou para nós. ― Sorriu um loiro no banco da

frente. ― Eu queria derramar o sangue daquele seu guarda-costas,


mas aqui está você, veio a nós sem que isso fosse preciso.

O homem que estava ao volante começou a dirigir


calmamente, como se fôssemos pessoas normais, mas eu podia ver

metralhadoras próximo a eles.

― O que vocês querem? Me deixem falar com eles para saber


que estão bem. ― Tentei aparentar que estava o mais tranquila
possível, escondendo deles o meu pavor.

Antes que eu pudesse insistir, o cara ao meu lado passou o


braço à minha volta, prendendo-me, enchendo-me com outro tipo de

terror, que consumia minha alma. Um tecido foi pressionado no meu


nariz, então fui levada à deriva na escuridão.
El Diablo
Os dias longe de Ella estavam sendo vazios e tempestuosos.

Eu não suportava a distância dela, mas trazê-la à Europa não


estava nos planos. Eu não queria que ninguém soubesse dela até

que todos os inimigos de Lyn fossem derrotados, especialmente

Finn O’Connor e Marek Kudela, dois chefes de máfias.

Lyn precisou de mim e de alguns dos meus homens, por isso


deixei Tracker e Flame tomando conta da segurança de Ella e fui à

Espanha. Fechamos um orfanato em Barcelona que era só uma

fachada. O diretor e vários funcionários do estabelecimento tinham


um esquema que organizava a adoção de crianças e adolescentes

masculinos por falsos casais. No final, os garotos eram levados para

arenas Prometheus.

Belinda Castilho, irmã de Fabrizio Castilho, líder da máfia

Pacheco, e namoradora de Stefano Morelli, da máfia Destruttore,

era assistente social e trabalhava no local verificando casais e

crianças em processo de adoção. Ela não fazia parte do esquema e

descobriu que o homem do casal que adotou os três irmãos Laions,


seus protegidos, mantinha-os em cativeiro. Ela entrou na casa

mesmo sem a autorização do juiz, com Stefano ao seu lado. Como


a máfia Pacheco tinha o juiz da infância no bolso, a invasão não
teve repercussão.

Na casa, foi encontrada uma mulher morta, Paco, um dos

irmãos Laions, ferido, e o pequeno, de cinco ou seis anos, chorando

em meio ao sangue. Yago, o mais velho, tinha sido levado para um

navio e seria enviado ao alguma das arenas Prometheus. Belinda e

Stefano frustraram os planos da organização.

Por isso o orfanato foi atacado, para que os garotos Lions

fossem mortos e outros fossem raptados, mas quem contratou os


assassinos não contava que estivéssemos tomando conta do lugar.

Impedimos que tentassem pegar mais garotos para serem enviados

para aquele inferno.

Stefano iria se juntar a nós para acabar com uma das

Prometheus a fim de derrubarmos aquela maldita escória.

Soubemos que Jared Calixto, o diretor do orfanato que foi atacado e

o sobrinho de um juiz que apoiava aquela monstruosidade, estaria

em uma das Prometheus, que ficava em uma ilha não muito longe

de Barcelona.

A polícia não encontrara os mandantes do ataque ao orfanato,


mas sabíamos quem eram e agora derrubaríamos o antro.
― Contou a Stefano que se aproximou de Ella? ― perguntei a

Lyn.

Nós estávamos no helicóptero esperando Stefano, que estava

para chegar a fim de irmos à ilha. Ele nos ajudaria na invasão do


local. O homem estava muito puto por terem ousado se

aproximarem tanto de sua mulher.

― Não, e não quero que ninguém saiba além de você e de


seus homens. E espero que continue assim.

― Não confia nele?

Lyn e Stefano ficaram juntos quando crianças por uns meses

em uma das Prometheus e se tornaram amigos. Marco, pai de


Stefano, fez essa crueldade com o próprio filho só para domá-lo. O
garoto tinha um maldito gênio, e isso não se perdeu com o tempo e

a idade.

― Não é isso. Confio nele, afinal ajudou Ella a se formar

doando-lhe uma bolsa de estudos, assim fazendo-a ficar longe da


maldita da nossa tia. ― Suspirou. ― Eu vou contar tudo a ele

depois, quando tudo acabar. Ele tem coisas demais na cabeça, com
sua namorada em perigo. Ella também está em perigo, afinal não
pegamos Finn ainda.
Eu entendia seu lado, não sabia se queria que todos

soubessem de mim e Ella, pois eu também tinha muitos inimigos.


Contudo, não queria pensar naquilo por enquanto, precisava focar

em fecharmos aquele antro para poder voltar para minha mulher.

Stefano chegou, e entramos no helicóptero. O cara parecia

desolado demais.

― Elas nunca vão embora, não é? ― ouvi Lyn dizer.

Ele estava ao meu lado na aeronave, seguindo para a ilha

perto de Barcelona onde Jair e Jared Calixto estavam em uma das


Prometheus. Havia homens meus e de Lyn no local, apenas nos

esperando chegar.

― Não ― respondeu Stefano. ― É pior quando estou longe de


Belinda.

Eles estavam falando das lembranças do que haviam


suportado juntos em um antro como aquele que derrubaríamos

naquele dia. Eu os entendia, minhas lembranças e pesadelos


vinham à minha mente dia e noite, mas, com Ella em minha vida, se

tornaram quase suportáveis. Com ela ao meu lado, eu sentia a


escuridão cada vez menor. Havia luz em mim, e eu só podia ser feliz
ao seu lado.
― Você está sendo um idiota por deixá-la ― falei, pois soube
que havia se afastado dela. Em parte, era por isso que estava ali,
para descontar suas frustrações nos infelizes.

Eu sabia que não iria resolver muita coisa; tinha deixado Ella
uma vez, e de nada adiantara, só me fez desejá-la e ansiar por ela

ainda mais. Era uma luta vã quando se amava.

― É o certo. Belinda merece alguém completo, que não tenha

tantos demônios. ― Encarou o oceano sob a escuridão que havia lá


fora.

― Acredito que ela não vá achar isso no mundo em que

nasceu. A família dela pertence à máfia, Stefano. Todos com quem


ela convive possuem demônios. ― Eu sabia disso por experiência
própria, embora o único a ser como eu fosse Lyn, o irmão de Ella,

alguém de quem ela nunca ficaria longe, mesmo se eu me afastasse


para que ela tivesse uma vida normal, como pensei que era o

correto. Isso não deu certo, apenas nos feriu mais.

― Logo ela vai me esquecer e seguirá em frente sem mim ―

comentou com um suspiro.

Sacudi a cabeça. Não adiantava que eu dissesse nada, ele iria

aprender eventualmente que aquilo jamais aconteceria, não quando


eles se amavam.

Amor... Eu não achava que iria sentir isso de novo, mas ali

estava eu, amando. Uma parte minha estava feliz por ter essa
chance, mas havia aquela em que eu sentia que estava traindo
minha falecida esposa. Em algum momento, precisaria deixá-la ir se

quisesse ser feliz com Ella.

Meu telefone bipou, mostrando uma mensagem de Knife.

― Bem, é bom que tenha dado adeus a ela, pois agora você
não poderá pisar no território dos Pachecos. Fabrizio colocou sua

cabeça a prêmio caso pise aqui de novo. Seu irmão está louco

procurando você. ― Mostrei-lhe a mensagem que recebi.

― Eles romperam a aliança? ― Praguejou.

Seria difícil romper a aliança entre os Morellis e os Castilhos.

Por mais que os Castilhos estivessem furiosos por Stefano ter

deixado a irmã deles, uma rivalidade não seria nada boa, afinal
Luna, esposa de Miguel, o chefe de um cartel mexicano, era meia-

irmã dos Castilhos. Stefano e Luna eram irmãos por parte de mãe.

O pai dela era Paolo Castilho, que havia morrido alguns meses

antes de câncer terminal.


Eu não gostava de pensar nisso, afinal éramos amigos, mas

não pude ir ao enterro dele. Odiava cemitérios, pois me trazia


péssimas lembranças.

― Acho que não chegou a tanto, só que você é um homem

morto se andar por aqui. ― Eu esperava não chegar a tanto. ―

Devia ir embora antes que saibam que ainda está em seu território e

o matem.

― Não vou partir até terminar o que viemos fazer. ― O cara

era teimoso. Eu não reclamava, também era assim quando estava


louco para socar alguma coisa.

Ficamos em silêncio até pousarmos na ilha vizinha, em um

local que não chamaria atenção. Depois pegamos uma lancha para

rumar à ilha em que havia uma das Prometheus.

― Temos uma pessoa lá dentro que nos ajudará ― informou

Lyn assim que estávamos na mata nos preparando e nos armando.


Eu fiquei com o meu AK-47. Gostava dele porque era potente e

matava vários de uma vez sem precisar recarregá-lo com

frequência.

― Achei que não soubesse quais eram os locais. ― Stefano

franziu a testa, olhando o local em frente.


― Nós seguimos Jair há um tempo. Se ele recebe uma

chamada ou mensagem para ir a algum local, sabemos também,

nosso infiltrado trabalha nisso todo o tempo. Existem outros de


quem suspeito também, mas Jair é o frequentador mais assíduo

desse ambiente ― respondeu Lyn.

Jair ficou rico vendendo garotos para Prometheus. Quando eu

pensava nisso, ficava com mais fúria ainda, querendo desmembrá-lo

logo, mas deixaria isso para Stefano, que parecia sedento de

sangue. Todavia, quem não ficaria, quando sua garota foi atacada?

― Vamos nos dividir. Vou com Stefano. El Diablo pode ir com

os outros para o outro lado. Vamos limpar ao redor e cercar o local.


Não deixem que atirem para não chamar atenção ― orientou Lyn.

― Só vamos avançar quando eu der o sinal.

Assim que montamos a equipe, fui com meus homens pela

direita. Acabei ouvindo a conversa entre Stefano e Lyn, pois minha


escuta estava ligada com as deles, e um dos dois ou não a tirou ou

não a desativou.

― A coisa vai ficar feia lá dentro. Está preparado? ― Parecia

que Lyn queria que Stefano mudasse de ideia ao se juntar a nós. Eu

só não sabia o porquê.


― Para matar esses pedófilos imundos? Com certeza ― falou

com veneno na voz e depois suspirou. ― Como lida com tudo que
aconteceu? Às vezes sinto uma raiva tão imensa que é capaz de

explodir as coisas ao meu redor.

Certamente estavam falando de quando ficaram presos ao se

conhecerem.

― Nossos sentimentos são iguais, mas por motivos diferentes.

Cada pessoa reage de uma forma. Meu foco é localizar cada rede

de tráfico infantil e resgatar os garotos, porque não há ninguém por


eles além de mim ― respondeu Lyn. ― Sei o que é viver naquele

lugar sem esperança de resgate.

― Lamento por não o ter salvado. Achei que estivesse morto,

senão teria voltado, aliás, nem teria saído de lá sem você. ― A

verdade era clara na voz de Stefano.

― Eu sei, Stefano, você não podia fazer muita coisa na época.

Ao menos seus irmãos vieram por você. ― Havia muita dor na voz
de Lyn. O que ele viveu realmente o havia matado por dentro, o que

era compreensível.

― A porra foi fodida demais. Eu só queria esquecer tudo, mas

é impossível. Quando fecho os olhos, vejo tudo. ― Stefano


resfolegou.

― Stefano, queria ser aquele que diz coisas para melhorar,


mas, como disse, as pessoas são diferentes. A minha salvação

pode ser ajudar outras pessoas. Isso me mantém são. A sua pode

ser outra coisa ― falou Lyn, parecendo ter fé naquilo que dizia.

― Como pode saber? ― sondou Stefano com a voz falha.

― Me diz uma coisa: como se sentia ao lado da sua garota?

Pense no que sentia quando estava com ela e no que sente agora

― pediu Lyn, mas não esperou que ele respondesse, ou Stefano


não sabia como dizer. ― É isso que estou falando. O que eu faço

pode me ajudar a lidar com tudo. Em seu caso, talvez seja ela a

salvação.

Franzi a testa para a escuridão das árvores ao nosso redor.

Seria Ella a minha salvação? Eu sentia como se fosse assim; só ela


me tocara fundo em anos.

― Não sou bom para ninguém, muito menos para Belinda. O


que posso dar a ela? Nem dormir na mesma cama eu posso. ―

Stefano soltou um suspiro que parecia doloroso.

― Ao menos você consegue transar, ao contrário de mim, que

repudio sexo. ― Havia dor em sua voz, mas também um quê de


vazio.

― Você não...

― No começo tentei, sabe? Mas não consegui. A um pequeno

toque, vomitava até as tripas e corria para tomar banho depois, com

as imagens sujas povoando minha mente, então deixei quieto. Hoje

tenho outro objetivo. Resgatar meninos que passam pela mesma


experiência que passei...

Parei de ouvir, tirando a escuta, pois não queria acabar com a

privacidade deles. Lyn confiava em Stefano como um irmão para se

abrir daquela forma.

Eu não conseguia imaginar o que ele passou naquele lugar,

não só ele, mas muitos outros. E ainda havia várias crianças em


lugares como aquele, gritando por socorro e implorando para que os

ajudassem, mas não eram ouvidos.

Quando coloquei a escuta novamente algum tempo depois,

Lyn acabava de receber autorização para entrar no pardieiro. Tinha

um dos seus infiltrado lá dentro que nos ajudaria a entrar.

Abatemos os guardas que encontramos pela frente até que

Lyn e Stefano chegaram à porta de entrada da propriedade.


Knife e Cowboy estavam nos dando cobertura, afinal eram
atiradores de elite. Vlad estava ao meu lado agora, assim como

Arrow. Limpamos a entrada para Lyn e Stefano, e os dois

adentraram no local. O hacker de Lyn e Hacker estavam tomando


conta das câmeras e invadiram o sistema, trocando as imagens ao

vivo por gravadas.

― Arrow, os acompanhe. Vlad e eu vamos cercar o perímetro

e acabar com todos que encontrarmos. Não vamos deixar ninguém

sair daqui ― ordenei aos meus homens.

― Sim ― respondeu e saiu atrás de Stefano e Lyn.


El Diablo
Vlad e eu contornamos o local ao redor, abatendo quem estava

em nossa frente com a ajuda de nossos atiradores de elite.

Após a eliminação, quando Vlad e eu estávamos sozinhos,

encarei-o. Havia uma razão para ele não estar nos dando cobertura,

como o ótimo atirador de elite que era; eu precisava falar com ele a
sós, e tinha chegado o momento, pois sua resposta iria mudar tudo.

Lyn e Stefano podiam lidar com as coisas lá dentro enquanto eu

resolvia meus assuntos pendentes com Vlad.

― Pode me explicar isso? ― Eu tinha olhado aquela foto um


milhão de vezes para não pensar no pior. Confiava em Ella e, no
fundo, em Vlad também, então acreditava que havia uma explicação

para aquela fotografia.

Vlad pegou meu celular e me encarou com os olhos estreitos.

― Quem te mandou isso?

Era uma foto dele abraçado a Ella em frente ao Ministério

Público parecendo bastante relaxado.

― Não importa.
― Espero que não esteja pensando mal dela. Ella ama você e
jamais o trairia ― avisou em tom sombrio.

― É claro que não estou. Confio nela. ― Fiquei abalado com

sua revelação de que Ella me amava. Seria verdade? Meu peito

estava vibrando ao imaginar isso.

― Mas não confia em mim. ― Deu uma risada amarga e dura.

― Vlad, só quero entender essa foto. Parecem que são um

casal nela, Ella está sorrindo agradecida. Há algo que preciso

saber? ― sondei.

Suspirou.

― Ela me pediu segredo...

Meu corpo se sacudiu, dando um passo para trás como se

tivesse recebido um soco.

― O quê?! ― Minha voz estava tomada de pavor com a ideia

de eles...

― Pare de pensar o que não existe. Ella nunca o trairia, não é

isso, mas acho que você precisa saber, mesmo eu tendo de quebrar
a confiança que ela depositou em mim.

― Diga. Não vou falar nada para ela.


― Seu sogro, Patrick Cleveland, deixou a aposentadoria e é o

Procurador-Geral da República interino, após a morte do anterior e


enquanto o novo não é nomeado. Ou seja, é chefe de Ella no novo

caso em que foi contratada para auxiliar a promotoria. Além disso,


tem todas as prerrogativas do cargo, muito poder...

Cerrei a mandíbula.

― O que ele fez para que ela lhe pedisse ajuda?

Aquele homem havia anos vinha me enchendo a paciência,

mesmo aposentado. Como não sabia onde eu ficava quando estava


fora de Illinois, eu despistava muitos que ele mandava atrás de mim.
Em geral, especialmente quando estava nos Estados Unidos, eu

não dava a mínima, mas quando estava no país, o que vinha


acontecendo bastante nos últimos meses, eu corria o risco de ele

descobrir o que eu fazia e me mandar para a cadeia. O infeliz era


capaz de jogar a maldita chave fora.

Ele sempre me acusava, mandando cartas e flores mortas


para minha antiga casa bem na época do ano em que eu estava
mais fragilizado: o aniversário de morte de minha esposa e de

minha filha. Suas palavras me destruíam, pois me culpavam pelo


que tinha acontecido com Rúbia e Yasmin. Eu pensava que,

naquele ano, tudo seria melhor com Ella ao meu lado. Doce ilusão.

― Disse que, se ela não deixasse você, iria demiti-la do atual

caso em que estava trabalhando com o Ministério Público e daria


um jeito de cancelar o registro dela como advogada. ― Havia aço

em sua voz.

Trinquei os dentes. Eu nunca havia feito nada com ele por ser

pai de Rúbia e avô de Yasmin. O velho gostava muito de minha


menina, assim como ela também amava seus avós.

― Acho que você precisa lidar com isso pessoalmente. Se eu

estivesse em seu lugar, eliminaria o problema, mas isso é um


assunto seu.

Eu sabia que ele estava certo, e iria resolver aquela merda.

― O que ela pediu exatamente para você fazer?

― Procurar podres dele para poder contra-atacar, mas não

queria que você soubesse para não se preocupar e não sofrer pela
forma que o Cleveland o acusa pelo que aconteceu.

― O que descobriu? ― Franzi a testa. Nunca tinha procurado


saber, aliás, evitava tudo que me fizesse lembrar do passado, até

meu irmão. Esse tinha sido o meu maior erro.


― Não tive tempo de ir a fundo, mas descobri que ele tem uma
ilha no meio do nada, fortemente vigiada. Até pensei em entrar nela,
mas você me chamou, e aqui estou. Não sei o que pode ser, mas

acho que tem algo lá que o velho esconde a sete chaves.

― Assim que voltarmos, vamos resolver isso. ― Era hora de

eu encerrar o passado para viver meu futuro com Ella, e ninguém


atrapalharia nossas vidas. ― Agora vamos entrar lá e descobrir por

que estão demorando tanto.

Adentramos no local, e expulsei todos os pensamentos da


cabeça sobre Cleveland por enquanto. Eu lhe mostraria que

ninguém podia ameaçar minha mulher, ninguém!

Assim que entrei na arena, detive-me rapidamente diante da


cena horrenda. Até para um assassino como eu, aquilo era

pavoroso.

Em uma espécie de ringue, alguns meninos estavam presos

por correntes pelas mãos e pés, nus ante uma plateia, com alguns
homens desmembrados no chão em frente a eles.

Stefano estava todo ensanguentado no centro do local. Não


era preciso pensar muito para saber o que aqueles vermes estavam

fazendo com aqueles garotos à vista de todos, e que tinha sido


aquilo que deixara Stefano enfurecido. O garoto odiava esse tipo de
coisa, e não era o único.

Os espectadores nas cadeiras e arquibancadas o fitavam


daquele jeito, coberto de sangue, como se ele fosse o próprio
demônio vindo buscá-los, e não estavam errados.

― O que foi? Não queriam sangue, seus malditos vermes?

Como podem sentir prazer com essa porra fodida?! ― esbravejou,


depois se voltou para Lyn: ― Alguém saiu enquanto eu estava

desmembrando esses insetos?

― Não, o local está fechado. Ninguém sairá daqui ― respondi

antes que meu cunhado o fizesse.

Stefano assentiu e se virou para os meninos, todos com idade

que variavam entre 10 e 15 anos. Havia uns 10 deles ali e,

provavelmente, muitos garotos mais em celas no local.

― Querem entrar nessa festa? ― Stefano tirou as algemas de


cada um dos meninos, que, depois de livres, puxaram suas calças

para cima e as fecharam. ― Todos precisam do mesmo remédio

que deram a vocês.

Eles pareciam sedentos por sangue ao fuzilar a multidão com

olhares cheios de ódio.


― Vamos fazer essa arena estrondar com os gritos de quem

realmente merece ― disse Stefano.

Após isso, foi até Jared e Jair, os dois que atacaram Belinda e
conseguiram fugir, mas finalmente os havíamos pegado. Essa era a

principal razão da fúria que Stefano sentia por eles, além de toda

aquela podridão que ambos apoiavam.

Arrow os tinha imobilizado.

― Meninos, esses dois são meus e de Lyn. Vocês podem

escolher qualquer um na multidão ― ofereceu Stefano quando um

dos garotos encarou Jair e Jared, tio e sobrinho, monstros da pior


espécie.

Após essas palavras, foi como se uma alcateia se soltasse em


uma cidade amplamente povoada. Os meninos, uns portando facas,

outros, adagas, alguns, cutelos, partiram sobre a plateia. Logo ouvi

os gritos dos espectadores daquele show de horrores, alguns


tentando correr dos garotos, outros tentando enfrentá-los, mas

ninguém conseguia vencê-los. Agora todos iriam sentir na pele o

que era estar preso e indefeso, sendo obrigado a todo tipo de

crueldade.

Jared arregalou os olhos ao ver a cena macabra ao seu redor.


― Não me mate... Te dou o que quiser, por favor... ― rogou a

Stefano, mas não teria absolvição dele nem de nenhum de nós.

― Ouviu quando alguns deles imploraram para que não os

tocassem? ― sibilou Stefano.

― Pare de implorar e honre as bolas que tem ― Jair

repreendeu o sobrinho.

― Não se preocupe, logo Lyn te fará suplicar por misericórdia.

O bom é que não somos misericordiosos. ― Stefano pegou uma


faca, admirando-a.

― Você é, Lyn?

― Não. ― Não havia emoção em sua voz e rosto.

― Vocês não passam de escória e não merecem respirar nem

mais um segundo ― grunhiu Stefano.

― Bella sabe do que você faz ou está incluída nesse jogo? Se

aquela... ― As palavras de Jared foram cortadas quando Stefano se

lançou contra ele e o socou na boca, fazendo o seu sangue


escorrer.

― Não ouse dizer o nome dela com sua boca fodida! ―


esbravejou, socando-o novamente, dessa vez no estômago. ―
Nunca nem sequer pense nela.

― Quem, maldição, são vocês? ― Jared estava tentando se

afastar.

Ele não tinha ideia de que Belinda pertencia a uma família

mafiosa. Os irmãos Castilhos deixavam suas irmãs nas sombras,

para ninguém saber delas e as usarem para atingi-los.

― Alguém que veio para destruir seu império maldito. ―


Stefano sorriu friamente.

Jared estremeceu com os gritos dos espectadores da arena


tendo mortes dolorosas nas mãos dos garotos.

― Não ligue. Eles estão recebendo o que lhes é cabível. Tudo


o que os meninos estão fazendo é pouco em vista do que já fizeram

a todos aqui e em outros lugares. ― Stefano o cortou no peito com

sua faca.

― Maldito seja! ― gritou Jared. ― Podemos entrar em um

acordo! Quer dinheiro...

― Cale a boca, Jared. Eles são mafiosos, não precisam de

dinheiro ― Jair comentou.


― Isso, grite, pois é a única coisa que fará hoje. ― Stefano

sorriu para seu amigo. ― Lyn, fique com o tio salafrário dele. Pode

obter as informações que deseja.

― Ah, com certeza conseguirei. Principalmente quais as

instalações Prometheus que você conhece.

― Jared é todo meu. Vou adorar me divertir com ele, assim

como aposto que fazia com os garotos daqui.

― Eu não os fodia, meu negócio é mulher! ― Jared parecia

esperançoso de que aquele fato fosse sua salvação. O quanto


estava errado... ― Pode me deixar ir, não conto nada do que vi aqui

nem sobre vocês.

― Não mexia com eles, mas os trazia para cá, alterava seus

documentos para que todos pensassem que foram adotados. Não

pensou no que eles passariam aqui, na dor que sofreriam neste


maldito lugar? ― Sua fúria era quase palpável. ― Era sua

responsabilidade protegê-los, e não jogá-los em um ninho de

víboras!

Deixei-os lidando com aqueles dois, e os garotos com os

visitantes daquele inferno e fui atrás de tirar os demais meninos dali


junto a Vlad, Knife e Gunner.
― Tenho sedativos para todos eles ― informou Gunner, e

olhou na direção de onde vinham os gritos. ― Ainda bem que terei


muitos olhos e línguas para os meus lobos. Só lamento não poder

tirá-los deles vivos.

― Não deve ser fácil entrar em um lugar desse sabendo que já

esteve preso em um parecido, não é? ― perguntei.

Chegamos a um corredor cheio de celas, e dentro delas havia

muitos garotos, alguns sentados, outros deitados no chão frio.

Aquele corredor desembocava em outros três.

― Não é fácil, mas vale a pena saber que todos serão como

eu, livres, ou o quão livres podemos ser nessa vida ― respondeu


ele, suspirando. ― Como há quatro corredores, devíamos cada um

de nós cuidar de um, assim adiantaríamos o serviço, pois em breve

o submarino vai chegar para levá-los daqui.

Assenti e segui rumo ao da esquerda, pegando com Gunner

uma arma de dardos tranquilizantes para deixar os meninos


inconscientes, afinal, se nos aproximássemos, teríamos que lutar

com eles, pois provavelmente estariam assustados e teriam medo

de nós, e eu não queria isso.


Estava quase acabando quando ouvi um gemido de dor, então
me apressei na direção do som. Ao ver a cena, travei. Eu sabia que

aquele tipo de atrocidade era cometido ali, mas ver aquilo me

enojava demais.

O cômodo era uma espécie de sala de tortura, nas quais

meninos eram presos para que fizessem com eles o que quisessem.
Aquele garoto estava com as mãos e os pés amarrados, enquanto

um verme imundo o violentava.

Vi em vermelho diante daquele horror.

― Acho que vou ter a minha diversão agora. ― Não tinha me

intrometido na luta lá em cima, porque sabia que não era minha,

mas sim de Stefano e de Lyn, assim como Marek era de Lyn, e Finn
era meu por ousar pensar em tocar em Ella.

O homem se afastou do garoto, encarando-me com os olhos

arregalados. Parecia ser um dos guardas. Não devia ter percebido o


alvoroço no andar superior por estar “ocupado” demais no inferior.

― Eu estava só ensinando uma lição a ele ― falou.

Sorri de modo frio, sem mostrar os dentes.

― Veja por esse lado, vou também te ensinar uma lição.


Segui em sua direção. Ele tentou correr, mas se esqueceu das
calças arriadas e se atrapalhou com elas. Filho da puta!

O garoto estava desmaiado. Devia ter entre 14 e 15 anos.

― Não vai fugir assim. ― Eu tinha certeza de que não havia


tocado apenas naquele menino. Chutei suas costas, fazendo-o cair

no chão com um grito.

― Não me mate! ― implorou ele.

Sacudi a cabeça.

― Homens como você me enojam! Gostam de judiar dos


fracos e indefesos, mas choram feito bebês quando têm de

enfrentar homens como eu. ― Peguei minha faca, enfiando-a em


suas costas profundamente e a puxando para baixo até a bunda do

sujeito.

Seus gritos eram música para os meus ouvidos. Virei-o de

barriga para cima e levei a faca ao seu pau fodido.

― Não, por favor...

― Não vai mais precisar dele para onde vai. ― Ele tentou me
nocautear, mas eu era mais forte e não estava machucado.
Imobilizei-o, decepando o pau dele e o fazendo guinchar de dor. ―
Você gosta tanto assim de pau, então é melhor comê-lo, não? ―
Peguei o membro ensanguentado e o enfiei em sua boca goela
abaixo, fazendo-o se engasgar, mas não o deixaria morrer assim.

Enfiei a faca em seu peito, rasgando-o e arrancando seu coração,


vendo sua vida esvair de seus olhos. Essa era minha marca

registrada.

Matar escória como ele me dava uma extrema satisfação. E eu

sabia que, dali em diante, iria ajudar Lyn a eliminar cada um


daqueles vermes imundos, fazendo todos sumirem da face da Terra.

Informei o estado do menino a Lyn, e um médico que o


acompanhava apareceu, tirando-o ainda inconsciente dali e o
levando consigo para ser tratado. Apesar disso, eu sabia que ele

nunca mais seria o mesmo. Esperava que buscasse forças na


proposta que Lyn fazia a cada garoto que salvava, para seguir e
lutar por uma causa maior.
Ella

Abri os olhos, ouvindo o som de água caindo não muito longe,

bem como algumas vozes falando alguma coisa. Não, não eram

palavras, mas gritos de euforia. Então as lembranças do que me


aconteceu vieram-me à mente como uma enxurrada.

Sentei-me depressa, e minha cabeça latejou de dor.

― Merda!

Examinei ao redor, notando que estava em um quarto com

uma janela pequena gradeada e que era noite. Eu teria ficado tantas
horas assim inconsciente?

Chequei minhas roupas para ter certeza de que estavam no

lugar. Graças a Deus, sim. Isso me deixou um pouco mais aliviada.


Não sentia que tinha sido violada. Ansiosa, pensei nos meus amigos

e examinei ao redor para tentar encontrar uma saída, mas não tinha

nenhuma. Prestei mais atenção no barulho lá fora; parecia que


pessoas estavam lutando. Antes que eu pudesse checar mais, a

porta foi aberta, e dois homens entraram. Um era mais gordo e

baixo, e o outro, alto e magro.

Fiquei onde estava, com os punhos cerrados, mas me


controlei; assim não faria besteira, não diria algo que pudesse

colocar Lance, Naty e os meninos em ainda mais perigo.

― Onde estão meus amigos e seus filhos? ― perguntei,

evitando que minha voz tremesse.

O homem gordinho, que parecia ser o chefe, sorriu. Parecia

um tubarão prestes a dar o bote. Evitei engolir em seco para não

demonstrar o meu terror.

― Seus “amigos”? ― zombou. ― Foram mortos; eu não

precisava mais deles.


Minhas forças me deixaram, enquanto um buraco enorme se
abria no meu peito. Não podia ser, eles não podiam ter morrido!

Lágrimas desceram dos meus olhos, mostrando com clareza minha

dor e devastação. Naty e Lance sempre me apoiaram, tornaram-se

mais que amigos, éramos uma família.

― Para que chorar por pessoas que nem eram parentes? ―

desdenhou.

O meu corpo parecia pesado, era como se a dor que me

consumia tirasse toda a minha energia.

― Você não entende porque é um assassino frio. ― Eu não o

conhecia, mas havia matado meus amigos e meus meninos... Oh,

Céus, por que isso foi acontecer?! Só para me ter aqui?!

Ele revirou os olhos e mexeu em um controle-remoto. De


repente uma das paredes começou a se abrir, revelando um

cômodo igual àquele em que eu estava. Ofeguei ao ver os gêmeos

em uma cama, inconscientes, mas nada de Naty e Lance. Ao

mesmo tempo em que eu agradecia aos Céus pela vida das

crianças, sentia-me destruída, pois nunca mais veria os pais delas.

― Sim, pertenço à máfia e só não matei esses pivetes porque

precisava deles ― provocou o infeliz.


Corri até os gêmeos antes que aquele homem fizesse alguma

coisa, nem me importando comigo na hora, agindo em piloto


automático. Os meus meninos eram mais importantes.

Alice estava suja, mas sem ferimentos, e Kian tinha uma


marca azul na bochecha direita, como se tivesse levado um soco,

mas não parecia ferido gravemente.

― Oh, meu Deus! ― Toquei seus pulsos para checar seus


batimentos cardíacos e verifiquei o movimento de seus respectivos

tórax. ― Que bom que estão respirando...

― Eles ainda respiram, mas isso pode mudar. Vai depender de


você, se fizer tudo que eu mandar; do contrário, farei os dois

pagarem ― enfatizou o homem.

Fuzilei-o, querendo matá-lo.

― Você é um monstro!

― Isso é um elogio ― falou sarcasticamente. ― A única razão

de eu não ter dado você e esses moleques aos meus homens,


como um lanchinho, é porque preciso pegar seu irmão.

― Irmão? ― Minha voz soou vazia, assim como meu interior.


Sabia que tinha sido levada para lá por causa de Kasper. Então os

irlandeses tinham conseguido me pegar para me usar em sua


vingança contra o meu irmão. Entretanto, aquele homem não

parecia ser irlandês. Seu sotaque parecia alemão.

― Sim. Posso garantir que, enquanto você fizer o que eu

ordenar, essas crianças vão ficar seguras. Porém, se não fizer, irei
forçá-la, e, pode acreditar, não vai gostar disso. Seria uma pena ir

machucada para onde vou levá-la ― rosnou gélido.

Saber que ele não nos machucaria me deixou um pouco

aliviada, embora eu não pudesse ter certeza de que estava falando


a verdade. Pessoas como aquele bandido não tinham palavra. E o
pânico começava a me sufocar com a possibilidade de aquele

homem me usar para machucar meu irmão. Bem, eu não tinha


como evitar; precisava fingir acreditar nele até Kasper me encontrar

ou até que eu conseguisse pensar em uma forma de sair dali com


Kian e Alice em segurança. Depois lidaria com a dor de perder meus
amigos. Precisava confiar e ter fé em Deus, que tudo daria certo.

― Usaremos você para atrair seu irmão. ― O cara sorriu de


modo sinistro.

Eu não podia discutir com aquele homem. Kasper e os


gêmeos, além de minha vida, eram a prioridade agora. Eu precisava
ganhar tempo. Mas como conseguiria escapar com as crianças?
Além disso, o medo por estar presa ali, à mercê daquele homem,
começava a percorrer minhas veias. Eu já tinha vivido no inferno,
fora queimada em suas chamas, e havia bastantes cicatrizes em

minha alma que nunca iriam embora. Seria forte o bastante caso me
tocassem novamente?

Tranquei meu temor no fundo da mente por enquanto; assim


conseguiria enfrentar o que estava por vir.

― Vai machucá-lo ― afirmei, fazendo o possível para que ele


não ouvisse o desespero em minha voz, afinal isso iria diverti-lo.

― Lyn estará aqui em breve, e o farei sangrar muito. Ele irá

pagar por ter tirado tudo de mim. ― O gorducho pegou meu braço,
apertando-o, e praticamente me jogou para seu servo. Dessa forma
meu corpo atingiu com força a parede, fazendo-me engolir um grito

de dor; não daria esse prazer a eles.

Fui tomada pela dor por anos; não temia mais a dor física,

apenas a da alma, por isso tinha medo de que meu irmão e os


gêmeos se machucassem.

― Aquele verme do Lyn tentou escondê-la de todos, mas a


encontrei. Agora vou fazê-lo sofrer.
O homem segurou meu braço e me puxou para fora do
cômodo, mas meus olhos estavam nas crianças ainda
inconscientes. Tinha de fixar em minha mente a imagem inocente de

seus rostos adormecidos, afinal só Deus sabia pelo que eu passaria


naquele lugar.

Antes que eu pudesse olhar ao redor, um saco foi colocado em


minha cabeça. Comecei a me debater, pois não gostava que

cobrissem meus olhos. Slin me vendava ou cobria minha cabeça

quando me tocava, fazendo-me gritar de pavor, algo que ele


adorava.

De repente senti uma pancada nas costas e na parte de trás

da minha cabeça, o que me fez ofegar de dor, pois fui empurrada

com força contra a parede novamente. E isso me levou ao

passado...

― É disso que gosta, sua vadiazinha? ― Slin perguntou


retoricamente enquanto brutalmente estocava seu pênis em meu

interior.

O pânico tomava posse de minha mente, especialmente ao ter

minha cabeça encapuzada, o que me fazia gritar, mas meus gritos

nunca eram ouvidos.


― Pode gritar, mas será em vão! ― Essa voz zombeteira me

enchia de repulsa. Suas mãos foram até minha garganta, roubando


meu fôlego. ― Posso fazer o que eu quiser com você, está à minha

mercê!

Muitas vezes pensava em me matar, mas não podia fazer isso,

pois queria reencontrar meu irmão um dia. Esse era o pensamento

que, como um mantra, eu recitava em minha mente, até não


aguentar mais tanto tormento. Sentia-me vazia, oca, e minha

escuridão me levava a um poço sem fundo. Sentia que estava

caindo e que nada nem ninguém me faria reerguer do abismo.

Pisquei, voltando ao presente, e estava cercada de barulho.

Minha respiração estava pesada, e tentei me controlar para não ter


outra crise de claustrofobia que me levasse novamente ao passado.

Tentei ver através do saco sobre minha cabeça, mas não

consegui, então foquei nas vozes.

― Hoje temos uma participante diferente em nossa arena, mas

não menos letal! ― Era a voz do chefe, mas parecia estar falando

por um alto-falante.

Por caso ele estava falando de mim? Eu não podia lutar, meu

corpo doía demais em razão da pancada forte contra a parede que


sofri, e, além disso, eu não era uma lutadora.

Uma multidão gritava histérica, pedindo luta. Merda! As línguas


eram distintas, inglês, alemão, espanhol e algumas outras que eu

não conseguia distinguir, embora falasse muitos idiomas em razão

das viagens que precisei fazer em prol da ONG.

― Vamos ver essa gatinha soltar as garras. Temos uma

adversária à altura ― continuou ele, fazendo as pessoas ficarem


ainda mais eufóricas.

Adversária? Ele estava dizendo que eu teria de lutar contra

outra mulher? Ao menos era melhor do que com um homem.

Alguém me empurrou para frente, fazendo-me tropeçar. Caí no

chão, soluçando. Chorava pelas recordações do passado, pela

perda dos meus amigos, pelos gêmeos, que tinham perdido seus

pais e estavam em perigo. Implorei a mim mesma para me controlar,


para focar onde estava. Não podia ficar petrificada ali.

Alguém se abaixou ao meu lado. Evitei me encolher com a


aproximação. Não tinha trauma de toques simples, mas não gostava

de ser tocada por desconhecidos, ainda mais infelizes como

aqueles.

― Não tenha medo, vamos sair daqui juntas.


Não era um homem que estava ali, mas uma mulher. Seria ela

minha adversária? Ouvir sua voz suave me deixou aliviada.

O capuz foi tirado da minha cabeça, e tive que piscar algumas

vezes para minha visão se adaptar à claridade súbita. Era uma


espécie de clube de luta, mas, em vez de ter apenas as cordas de

um ringue à nossa volta, havia uma espécie de cúpula de vidro que

nos cercava por todos os lados.

Na minha frente, estava uma menina de cabelos e olhos

escuros. Antes que eu pudesse formular qualquer frase para


direcionar a ela, uma porta de vidro foi aberta, e por ela entrou no

ringue um garoto de uns 16 anos mais ou menos.

Sua expressão me chocou. Não demonstrava nada além de

frieza e brutalidade. Seus olhos eram mortos. Era tão jovem para

ser assim. O que tinha acontecido com ele? Então a realidade


atravessou a minha mente. Eu estava em uma arena Prometheus,

um lugar semelhante ao que, um dia, meu irmão esteve em

cativeiro. Era aquela organização que ele estava tentando derrubar.

― Agora a luta vai ficar interessante! ― falou o gorducho à

plateia.
Eu estava com medo. Se tivesse de lutar com aquele garoto,

não duraria um minuto. Lembrei-me de Kasper dizer que os garotos

trancafiados ali se tornavam seres irracionais.

― Agora comece, mas não as mate ― avisou o chefe ao

garoto sombrio. ― Preciso delas vivas para o que planejo, mas

pode brincar à vontade com as duas.

A garota se levantou, mantendo-me atrás de si como se


estivesse me protegendo.

― Vocês são uns miseráveis que deveriam ser queimados


vivos e lançados no inferno! ― gritou para todos ali.

Eu estava preocupada com ela. Devia ter a minha idade ou ser


um pouco mais nova.

― Vamos morrer, não é? ― murmurei mais para mim mesma,

pensando nos gêmeos. Não podia deixá-los ali. Tremia só em

imaginar Kian passando por tudo que aqueles meninos e Kasper

tinham sofrido e Alice sendo vendida no mercado negro. Estava sem


controle de minhas emoções desde o flashback, meio desorientada,

mas acreditava que em poucos minutos ficaria melhor.

― Não, vamos sobreviver ― prometeu ela. ― Os meus irmãos

vão nos tirar daqui.


Irmãos? Isso me lembrou do meu. Varri meus olhos pela

multidão, mas não o vi em nenhum lugar.

― Chegou a hora de brincar ― disse o garoto a nós duas. Seu

sorriso me lembrava o de uma hiena, ainda mais segurando duas


adagas, uma em cada mão. Por incrível que pareça, ele estava

relaxado.

A garota pegou do chão dois punhais que eu não tinha notado

antes.

― Não precisa ir por esse caminho ― ela tentou conversar

com o garoto, mas ele não lhe deu ouvidos.

― Acabe com elas! Queremos luta! ― gritou alguém da

plateia.

Ele veio para cima dela. Havia algo naquele garoto que

revelava estar além da redenção. Sorriu feroz e impiedosamente,


sem um pingo de emoção.

Meu irmão era assim no passado, quando lutava com outros


garotos? Como um lugar conseguia transformar as pessoas assim?

Era como o inferno, só podia ser isso. Oh, Kasper! Lamento tanto,

meu irmão, por tudo que passou!


O garoto chutou a menina com tanta força que ela voou e
bateu na parede de vidro, que nem sequer rachou. Devia ser

blindado, para impedir que as pessoas saíssem se quisessem.

Arfei de terror, pois o garoto era um ótimo lutador, embora ela

também fosse uma boa lutadora. Ele acertou sua lâmina nela, e vi o

sangue escorrendo por sua barriga. Apesar do ferimento, ela o


derrubou. E assim os dois continuaram a combater, fazendo o

sangue de ambos escorrer pelo chão do ringue. Ele nem gemia ou

se encolhia ao ser cortado, mas a fúria homicida dilatava suas


pupilas.

Todo aquele sangue na arena estava me levando ao passado,


ao pavoroso dia em que minha mãe foi assassinada e meu irmão

matou nosso pai. O vermelho no chão... Não, eu não podia pensar


nisso agora! Precisava focar no presente!

Esforçando-me, fiquei de pé, preparando-me para ajudá-la.

Não podia ficar parada feito uma estátua. Sabia que não teria a
chance de vencê-lo, mas tentaria. Porém, uma dor perfurou meu

braço, fazendo-me cair de joelhos de novo. A faca que o garoto


lançou em mim caiu no chão após me acertar.
Tanto sangue e dor me fizeram surtar por um instante, ainda
mais ao ouvir os gritos dos espectadores. Fechei meus olhos com
força e encostei a cabeça na parede de vidro, tentando recuperar

minha mente.

Senti um toque e estremeci. Respirei fundo, forçando meu

cérebro a se acalmar. Eu devia ter passado por tanta coisa naquele


dia que estava tendo dificuldades em controlar minhas emoções à
flor da pele. Não era hora para surtar. A menina estava lutando

praticamente sozinha. Eu precisava ajudá-la para sairmos vivas dali.

Ela estava muito machucada, assim como o garoto, mas os

ferimentos não pareciam incomodá-lo. A garota não duraria muito,


seu oponente era mais forte e habilidoso, parecia estar familiarizado
com a dor. Contudo, era humano, então seu corpo devia ter um

limite.

De repente ele a jogou no chão e depois montou em seu


corpo, mantendo seu sorriso frio.

― Vou fazer você engolir esse sorriso de merda! ― ela sibilou,


tentando lutar, mas estava presa.

Eu sabia que não podia ficar parada ali. Mesmo dolorida, podia
lutar. Fiquei de pé e subi nas costas do garoto, socando-o, mas meu
braço, ferido duas vezes, estava doendo muito.

― Não a machuque! ― rosnei, mas não tive êxito, pois ele me

jogou contra a parede de vidro, fazendo-me gritar de dor. Depois, só


vi escuridão.
Horas antes
El Diablo

Mais cedo naquela manhã, Fabrizio Castillo me chamou para

ajudá-lo, pois Belinda, sua irmã, tinha sido sequestrada na noite


anterior, na entrada de uma das boates dele, aonde ela iria com a

sua irmã.

Tudo indicava que era obra de Marek Kudela, fundador da


organização Prometheus, que queria atrair Lyn para uma armadilha,

pois, por culpa dele, tinha perdido alguém importante para si, além

da grande quantidade de arenas destruídas. Ele sabia o quanto Lyn


se importava com Stefano, por isso raptou a namorada dele.

Stefano tinha sido ferido na ilha por Jared na noite anterior,

antes de esse ser morto. Só viera a saber do acontecido no dia


seguinte, cedo, assim que acordou.

Dei graças a todos os deuses por ele não ter conhecimento

acerca de Ella. Se soubesse que Lyn tinha uma irmã... Não, eu não

queria nem pensar nessa hipótese maldita, por isso expulsei esses

pensamentos ruins da cabeça, focando no momento. Tudo estava

organizado para a invasão, à noite, de outra Prometheus, em Praga,


onde Belinda estava em cativeiro. Aquele dia seria o fim de Marek e
de seu séquito.

Meu telefone tocou enquanto eu entrava com Arrow, Knife e

Vlad na casa que tinha em Barcelona. Era Flame, por isso me

apressei a atender a ligação, preocupado, pois ele tinha ficado junto

a Tracker em Lincoln, para proteger Ella.

― Flame?!

― Chefe, Ella se foi! ― grunhiu, a voz exasperada. ― Merda!

Tentei encontrá-la em todos os lugares, mas não a encontrei.

― Como assim, se foi? Ela não... ― Ella iria embora e me

deixaria assim, do nada? Nós tínhamos nos falado mais cedo

naquele dia, ela até comentara que visitaria Lance, Naty e as

crianças enquanto eu não voltava. Senti que estava feliz comigo,


assim como eu estava com ela.

― Ela ia visitar seus sobrinhos, então me pediu para irmos ao

shopping para comprar algumas coisas para levar. Nós fomos,

mas... ― Ele calou-se, respirando fundo.

― Está dizendo que ela foi sequestrada? ― Uma sensação

gelada desceu por minha espinha dorsal. ― Como Tracker e você

deixaram isso acontecer?!


Arrow e Vlad me encararam, preocupados, mas não me dignei

a responder a pergunta silenciosa, louco demais com aquela


possibilidade.

― A avó de Tracker não atendia suas ligações, então ele foi


ver o que aconteceu, o que foi bom, pois descobriu que ela quebrou

a perna e a levou ao hospital, mas passa bem. ― Então contou que


foi ao maldito shopping sozinho a fim de proteger Ella.

― Sozinho! ― urrei, tomado de fúria, de medo... de terror.

― Chefe, eu estava preparado para um ataque, podia lidar


com qualquer um, você sabe disso. Mas não houve um ataque vindo
de nenhum lugar. ― Ele era bom no que fazia, eu não duvidava

disso. ― Ela fugiu de mim no shopping dizendo que ia ao banheiro,


mas lá dentro tinha outra saída...

― E você não checou o lugar antes...

― Ella nunca fugiu ou nos deu trabalho com sua segurança.

Só desconfiei de que havia alguma coisa errada porque ela estava


demorando demais. Ninguém suspeito se aproximou ou entrou do

maldito banheiro. ― Por sua voz, era nítido o quanto ele estava com
raiva de si mesmo por não ter checado o local antes de ela entrar.

Respirei fundo, fechando os olhos a fim de me controlar.


― Então ela deve estar em algum lugar... ― Tinha esperança

de que ela tivesse apenas fugido por algum motivo. Preferia isso a
ela ter sido sequestrada.

― Não é tudo, chefe. Pouco depois de eu não a encontrar no


banheiro, recebi uma mensagem dela dizendo os motivos de sua

fuga. ― Suspirou. ― Lamento, as instalações da ilha foram


atacadas por muitos, que renderam seu irmão...

O pavor que eu sentia aumentou ainda mais, como um


tsunami, fazendo-me perder a porra do fôlego por um momento.

― Eles estão bem? Meu irmão, Natiele, os filhos deles? ―

Minha voz se elevou com um terror cru: ― Foram os irlandeses?!

Queria esmagar algo tamanha era a minha fúria, bem como


outros sentimentos, como medo, dor, impotência, como senti

quando o meu carro foi alvejado e tirado da estrada, fazendo com


que capotasse na época do assassinato de Rúbia e Yasmin.

― Seu irmão e a esposa estão bem, machucados, mas bem,


mas os invasores usaram os gêmeos para atrair Ella. As crianças

foram sequestradas, assim como ela. Eu os rastreei e descobri que


foram para Praga... Tracker está retornando para conferir, mas tudo
indica que sua menina e as crianças estão lá.
― Praga?! Belinda Castilho também foi sequestrada e está em
Praga! Não pode ser coincidência! Marek Kudela exigiu que Lyn e
Stefano fossem hoje à noite até ele! Por que haveria de ter pegado

Ella? ― Eu precisava me recompor para lidar com tudo aquilo. Só


tinha uma razão para aquele rapto: o desgraçado tinha descoberto

quem ela era. Então por que não disse nada, não ligou ou exigiu
algo de Lyn em troca? Isso não fazia sentido.

Eu não deveria ter trazido tantos de meus homens comigo,


deveria ter deixado mais seguranças com meu irmão e com Ella,
mas jamais poderia suspeitar que usariam a minha família para

atingir Lyn através de sua irmã. A princípio, talvez nem soubessem


de nosso parentesco. Deviam ter suspeitado da ligação entre eles.

Merda, Lance tinha recebido um tiro destinado a ela, e aquilo tinha


sido veiculado muitas vezes pela mídia. Eu estava tão focado em
meus problemas, como meu medo de não ser bom para ela, que

não tinha notado antes que minha família era a família dela e que
muitos desgraçados poderiam usá-la para atingir seu objetivo.

― Onde meu irmão está? ― Como eu iria falar com ele,


quando o havia decepcionado tanto? O que devia estar sentindo

agora, com seus filhos sequestrados...


― Estamos trazendo-o junto à esposa para sua antiga casa.
Mandei um dos nossos médicos ir para lá para cuidar deles assim
que chegarmos, afinal não querem ir ao hospital, e Tracker ainda

não chegou. Os dois estão desolados, o que é compreensível,


dadas as circunstâncias. ― Suspirou ― Quer falar com ele?

Eu estava com medo de falar com Lance e ouvir reprimendas e


palavras hostis, e não tiraria sua razão, afinal eu o havia

decepcionado ao dizer que estariam seguros na ilha.

― Vou ligar para ele em breve. Reforce a segurança da casa e

mande Tracker para Praga. Estou a caminho de lá ― falei, então


desliguei quando ele disse que cumpriria as ordens.

Fui tomado pela dor, pela ira e um pavor tão intensos que
assolaram meu corpo inteiro. Não conseguiria lidar caso alguém

tocasse em Ella ou em meus sobrinhos... Oh, merda! Nada pode vir

a feri-la... A cólera que me consumia era tão forte que eu sentia


gosto de sangue e cada vez mais e mais dor.

Ouvi um rugido e demorei a perceber que era meu. Logo


também escutei outras vozes, mas não conseguia distingui-las,

precisava quebrar algo para tentar fazer aquele desespero sumir do

meu peito. A impotência me deixava de joelhos. Eu tinha perdido


pessoas que amava uma vez; não podia acontecer de novo! Havia

jurado protegê-la e matar qualquer um que a tocasse e agora me


sentia a porra de um inútil só em pensar que ela e os filhos de meu

irmão pudessem sair feridos do lugar em que estavam, ou pior,

mortos.

― Chega! ― rosnou Arrow no meu rosto, prendendo-me na

parede com a ajuda de Knife e Vlad. ― Não vai se destruir mais do


que já o fez!

Minha respiração estava ofegante ao varrer os olhos pela sala


e a ver toda destruída, assim como eu... Sentia-me um inútil,

tomado de dor por todos os lados, tanto física quanto emocional.

― Se controla, cara. Entendo que essa situação o faça

lembrar-se do que perdeu... ― começou Arrow, vendo-me perder a


mente.

― Você não sabe... ― Balancei a cabeça, perdido entre o


torpor e o desespero.

― Irmão! ― Segurou meu rosto, fazendo-me encontrar seus


olhos. ― Eu te entendo mais do que ninguém, não é o único a

perder alguém que era toda a sua vida. Mas isso não vai acontecer

de novo, vamos salvá-la, assim como as crianças.


― Arrow... ― Não queria lembrá-lo do seu passado, mas a dor

me perfurava dos pés à cabeça.

― Estive nessa mesma situação, senti o seu medo, quando

perdi Leslie.

Meu corpo travou ao pensar que o mesmo que acontecera

com sua namorada poderia acontecer com Ella e meus sobrinhos.

― Se tocarem neles... ― Não reconheci minha própria voz;

parecia que havia cacos de vidro descendo por minha garganta,


rasgando tudo dentro de mim.

― Se acalma, cara ― pediu de novo. ― Não falei isso para


você pensar em besteira, mas para manter sua cabeça no lugar.

Tranque suas emoções. Vamos resgatá-los nem que seja no inferno.

É isso que somos, ceifadores mortais. Se eles nos fodem, então os

fodemos de volta. Não somos mais aqueles inúteis que não


conseguimos proteger quem amávamos; hoje eliminamos quem

ousar tocar nas pessoas que são importantes para nós.

― É isso aí, irmão! Vamos para a maldita guerra, seja quem os

tiver levado ― assegurou Vlad. ― Vamos massacrá-los!

Concordei, mais calmo, embora tudo dentro de mim ainda

fervesse.
― Antes de ir, vamos cuidar desses machucados ― disse

Knife.

Machucados? Quem liga para essa porra, quando posso

perder a única luz que me resta, a minha única felicidade depois de


tudo?

Todavia, deixei que cuidassem dos ferimentos em minhas


mãos por ter acabado com a maior parte dos móveis e objeto de

decoração da casa. Por sorte, não precisei de pontos. Necessitava

dos meus punhos para dilacerar os desgraçados que levaram Ella e


meus sobrinhos.

― Vamos contar ao Lyn? Acredito que ele ainda não deve

saber, ou estaria surtando agora e vindo até você para matá-lo ―

falou Vlad.

Eu entendia que ele havia deixado a irmã sob minha

responsabilidade, e falhei miseravelmente. Contudo, não temia sua

ira. Primeiro, ele teria de lidar com Marek, que tinha sequestrado
Belinda. Se ele não fosse, a menina seria morta, e veríamos a

destruição de Stefano em primeira mão.

― Aconselho a não revelar, não até o momento certo. Vamos

para Praga, como já iríamos, então descobriremos se o rastro de


Ella realmente a leva até lá ― disse Arrow, observando-nos. ― Se

descobrirmos que Marek está envolvido nisso, conversaremos com

Lyn. Não é bom que Marek saiba que temos qualquer conhecimento

sobre isso. Como tinham ratos entre os Castilhos, talvez haja no


nosso meio ou no dos homens de Lyn. É melhor que o que

aconteceu permaneça, ao menos por enquanto, com quem já sabe.

Lyn nunca faria nada com a irmã, mas alguém nos dedurou.
Ninguém além de nós e deles sabia onde seu irmão estava, El

Diablo, ou seja, pode ter sido alguém em quem confiamos ou em

que ele confia.

Arrow era inteligente e um bom estrategista. Isso vinha a

calhar, pois eu não estava com a minha mente funcionando


perfeitamente bem. O que ele falou fazia sentido. Ninguém sabia da

ilha além dos meus homens e dos de Lyn.

― Se Marek tiver envolvimento, vamos fechar todos os

caminhos e fazer nossos próprios planos ― interveio Vlad. ― Lyn

deve entrar na arena com Stefano pensando que apenas Belinda

está lá. Enquanto isso, vamos procurar seus sobrinhos e Ella no


local assim que entrarmos, isto é, se eles estiverem lá.
― Se um dos nossos nos traiu, vamos ensinar a ele o que

fazemos com um traidor. ― Tinha um brilho maligno nos olhos de


Knife.

Armamos o nosso plano, e a todo momento eu implorava a


qualquer poder superior que Ella estivesse viva e sem nenhum

arranhão, bem como meus sobrinhos. Não suportava a ideia do

contrário. Fé era um sentimento que tinha morrido dentro de mim


havia anos, mas agora, junto à esperança e a um forte desejo de

conseguir salvar minha razão de existir, era o que me movia e me

mantinha são.
El Diablo
Todas as pistas levaram a crer que Ella estivesse em Praga, e

que Marek estava com ela. Era uma armadilha que o infeliz queria
fazer ao meu cunhado.

Lyn matou o namorado dele, por isso seu ódio letal; queria

fazê-lo sentir a mesma dor que sentiu. Entretanto, não seria só Lyn

quem sofreria se acaso ele machucasse Ella. Então sem chance de


isso acontecer.

Estávamos do lado de fora do lugar, mas agora esse

Prometheus não era em uma ilha, mas na cidade de Praga, e em


um local subterrâneo, ou seja, pretendia trancar todos lá dentro,

fechar todos as chances de fuga.

― Contou ao Lyn sobre a irmã dele estar lá dentro? ― sondou

Fabrizio. Um homem alto e com a expressão letal.

Valentino estava do seu lado com o rosto tão sombrio quanto o

do irmão. Para ele e seus irmãos é difícil ver uma de suas irmãs ser

sequestrada, afinal perdeu uma delas assim, uma das gêmeas.

Valentino estava junto no cativeiro e presenciou a crueldade que foi

feita com a menina, o estupro, a tortura, tudo sem poder fazer nada.
Nem consigo imaginar a imensidão dessa devastação, acredito
que Arrow entende esse sentimento.

A única coisa que não me faz perder a cabeça é saber que Ella

está bem, e vai continuar assim porque vamos salvá-la, tanto ela

como a irmã dos Castilhos.

― Sim, ele ficou puto e me acusou de tê-la deixado escapar,

mas acho que entendeu que a irmã não iria ignorar alguém que ama

correndo perigo. Porra! Ela foi para Dinamarca enfrentar o perigo

por amor a ele, então não seria diferente pelos meus sobrinhos. ―
Estava a flor da pele, apesar de um pouco mais controlado por

saber que Ella estava bem; um dos infiltrados de Miguel lá dentro

nos garantiu que estava, assim como os meninos. O infiltrado de

Lyn também assegurou que estava tudo sob controle. Ao menos por

enquanto.

― Quem você acha que é o traidor? Um deles? ― Indicou

Vlad, Arrow, Knife, Cowboy e os outros que não estavam ali.

Hacker tinha ficado no banker que Lyn tem aqui na cidade de

olho em nós aqui através das câmeras dos drones que nos

sobrevoa. Flame está com meu irmão e sua mulher na américa, já


Tracker está a caminho daqui.
― Nenhum deles faria isso, são homens que arriscariam suas

vidas por mim e por Ella, não, isso veio de alguém que vou procurar
saber, e quando descobrir o farei pagar. ― Trinquei os dentes.

― Os irlandeses? Soube que estão atrás de você, bom, de sua


mulher, por quererem o Lyn. Como vocês estão nos apoiando para

recuperar minha irmã, então saiba que estarei nessa batalha se


acaso precisarem ― ofereceu ele.

― Vou precisar sim, o Finn está escondido, mesmo com a

morte do Lennon O’Connor não saiu da toca. Mas assim que acabar
aqui vou procurá-lo nem que seja no inferno...

― Acho que não vai precisar disso ― disse Lyn chegando até

nós.

― Por quê? ― Franzi a testa.

― Ele está aqui, lá dentro. ― Me fitou com um ar nada


amigável. ― Fico com Marek e você com Finn, nenhum dos dois

sairá vivo daqui.

― Oh, vou me assegurar disso ― assegurei com um sorriso

frio.

― Depois você irá deixá-la ― rosnou com fúria.


― Sonhe com isso ― sibilei. ― Só tem uma forma de você me

afastar dela, e é me matando.

― Posso resolver isso. ― Deu um passo até mim, mas não me

movi.

― Por mais interessante que seja essa rivalidade entre vocês

dois, e eu adoraria ver quem ganha, ― Vlad veio até nós ― pensem
em Ella, que agora ela está lá dentro, e ainda corre perigo. Vocês

não podem ficar discutindo. ― Encarou Lyn ― Não é certo você


dizer ao El Diablo para deixá-la.

― Foi um erro ela fugir? Sim. Supere, porque foi sua irmã

quem fugiu, considerando que estava segura lá. Mas é assim que
Ella é, uma mulher com coração imenso capaz de sacrifícios por
aqueles que ama. ― Cheguei meu rosto próximo ao dele, quase

tocando nossos narizes. ― E não irei me afastar dela, pois sua irmã
é a única luz na minha vida cheia de escuridão. E realmente espero

que um dia você tenha isso, que consiga um amor como o que
tenho por ela.

Algo piscou em seus olhos, seria admiração? Não soube dizer,


mas não deu tempo de comentarmos nada, pois Stefano chegou e
os dois entraram no local onde Marek os esperam.
Não me importava se todos ouviram, não era segredo nenhum,
só queria Ella comigo, em meus braços.

Cercamos o local, só esperando o momento certo para

agirmos. Não demorou muito para um dos infiltrados vir até nós de
modo a abrir uma das portas que dava para o elevador. Entramos,

Vlad e Arrow vieram comigo; os outros iriam ficar com Fabrizio e


seus homens.

Estava pronto para atirar assim que as portas se abrissem.


Tínhamos estudado a planta antes de vir. Nesse subterrâneo havia
seis andares, a luta acontecia no último; meus sobrinhos estavam

no terceiro, assim como Ella.

Meu coração se apertava cada vez que me aproximava do


local em que estavam. Esse Prometheus não era diferente do outro,

havia celas com várias crianças ali me encarando com seus olhos
mortos, sem nenhum sinal de esperança para sair dali.

Queria muito ajudá-los, mas essa função ficaria para os


garotos de Lyn, agora eu estava correndo contra o tempo para ter

Ella e meus sobrinhos comigo.

Não tive coragem de ligar para Lance e falar com ele, ainda

me sentia culpado por seus filhos estarem ali naquele lugar.


Abatemos cada um enquanto entrávamos nos corredores do
lugar.

― Por favor, me tirem daqui ― implorou um garoto loiro de


olhos claros. Ele segurava na grade.

Chequei ao redor, notando a diferença dele, que estava com

medo e chorando, enquanto os outros estavam com as expressões

vazias. Esse garoto diante de nós ainda não fora colocado no


mundo cruel nesse inferno, sua alma ainda estava intacta e não foi

tirada dele.

― Por favor, eu fui sequestrado hoje cedo ― implorou ele em

dinamarquês.

Merda! Eu queria tirá-lo dali, mas não podia, ele poderia não

ter visto o pior ainda, porém, se eu o levasse comigo veria como eu

massacraria Finn. Ele estava nesse lugar e eu iria encontrá-lo.

― Não podemos levá-lo conosco ― disse Vlad ao ver minha


luta interior. ― O lugar mais seguro para ele é nessa cela até serem

resgatados.

Fitei o garoto de uns nove anos.

― Menino, qual seu nome? ― perguntei no mesmo idioma.


― Gabriel ― respondeu em um sussurro. ― Minha mãe disse

que é o nome de um anjo.

Me abaixei perto da cela, à altura dele.

― Estou indo pegar os homens malvados daqui, para não

machucarem mais nenhuma criança. ― Toquei minha mão na sua.


― Sabe rezar?

― Sim, minha mãe me ensinou. ― Assentiu.

― Ótimo! Faça isso. Peça a esse anjo para levá-lo para sua
mãe. ― O cara lá de cima podia não me ouvir, mas ia escutar uma

criança. ― Aproveite e reze para eu conseguir salvar minha garota e

meus sobrinhos. Pode fazer isso?

Talvez dizendo isso o fizesse ter um foco e não pensar muito

até os garotos de Lyn o resgatarem.

― Sim, mas se jurar que irá me tirar daqui ― falou.

Sorri.

― Juro ― iria me certificar de que ficasse seguro. ― Agora


preciso ir. O levaria comigo, mas aonde vou, acabar com os caras

maus, não será bom para você.


Assentiu e ficou no canto com as mãos cruzadas como se

estivesse rezando. E, de fato estava, pois vi sua boca se mover.

Meu coração estremeceu com essa visão. Como alguém podia


machucar uma preciosidade dessas? Um ser indefeso que não

podia se defender.

― Porra! Vou amar massacrar todos eles por tocarem em algo

assim. ― Vlad ecoou meus pensamentos.

Retornamos para nosso caminho, mesmo que uma parte de

mim não quisesse deixar nenhum desses meninos. Cada esquina

tinha um guarda, mas de repente todos saíram correndo para a

esquerda onde tinha uma escada que levava ao andar superior, a


luta de Lyn e Stefano devia ter começado.

Isso facilitou. De repente, ouvi gritos de criança; era o grito de

Alice, pois eu me recordava de uma vez em que ela aprendeu a

andar de bicicleta e se machucou. Foi um dos dias que fui visitar


meu irmão, e os observei de longe.

Corri, assim como Vlad e Arrow; viramos a uma esquina onde


parei na frente de um quarto, não era uma cela, estava aberta.

― Não toque na minha irmã ― gritou Kian.


― Não se preocupe, pois vai ter para os dois ― essa voz, eu

conhecia.

― Veja quanta sorte que eu tenho. ― Fiquei na porta olhando

para o homem o qual eu estava sedento há muito tempo. Alice


chorava atrás de Kian, que estava na frente dela a protegendo.

Finn piscou e já ia pegar um dos meninos como refém, mas


não teve tempo após a flecha de Arrow entrar em seu ombro o

fazendo gritar.

― Venham comigo meninos, sou o irmão do seu pai ―

comecei a dizer.

Os meninos me encararam um segundo, então Kian correu

para mim arrastando a irmã consigo.

― Tio! Meu pai mandou você? ― foi Kian quem perguntou

com esperança.

― Arrow... ― falei, indicando Finn. Arrow assentiu, seguindo

para prender o sujeito, e Vlad o acompanhou.

Puxei os meninos e saí do quarto com eles.

― Não sabia que vocês me conheciam ― sussurrei, me

sentindo miserável por não ficar perto deles. Me abaixei de joelhos


diante de ambos.

Alice me abraçou, chorando. Seu cheiro me trouxe algo


familiar que tocou profundamente meu coração. Por que fiquei longe

disso? Longe deles?

― Ei, pequena? Joia não chora, está segura agora ― falei,

alisando seus cabelos.

― Papai fala sempre de você ― disse Kian, me abraçando

também. ― Nos mostrou uma foto sua com a nossa tia Ella.

Deveria ser uma foto recente, pois a do passado eu estava

diferente, e nenhum deles me reconheceria.

Meu coração rachou um pouco com suas palavras e me senti

um estúpido por ter me mantido distante pensando só em minha dor.

― Vai ficar tudo bem. ― Pigarreei, tentando me recompor.

Após, me afastei dos dois. ― Precisam ir com meus amigos,


estarão seguros.

A menina não queria me soltar com aquelas pequenas


mãozinhas. O menino também.

― Estão seguros ― repeti. ― Preciso ir pegar Ella, ela está


aqui, veio para salvar vocês dois. ― De repente sabendo disso me
deixariam para poder terminar com Finn logo e ir até Ella.

― Tia Ella está aqui? ― Piscou Kian.

― Sim, por isso preciso que fiquem com meus amigos ― pedi.

― Ei, crianças? Podem vir comigo? Vou deixar vocês falarem


com seus pais. Querem fazer isso? ― Vlad sorriu para eles.

― Mamãe! ― Alice se afastou e piscou, assentindo.

― Com papai? ― Kian assentiu, parecendo ansioso.

Poderia abraçar Vlad depois, acertou precisamente num jeito

de tirar as crianças dali.

― Isso. Ele vai falar com os pais de vocês para dizer que

estão bem e que eu vou proteger Ella e levá-la para casa. Podem
dar esse recado? ― Fiquei de pé.

Arrow saiu do quarto, não ouvi barulho lá dentro, mas sabia


que ele não mataria Finn, não sabendo que eu queria fazer isso.

― Os leve para o helicóptero. Assim que eu terminar vou para

lá. ― Sorri para os meninos. ― Não vou demorar.

― Lida com tudo? ― sondou Arrow.

― Sim, Cowboy e os demais devem estar aqui para pegar os


outros... ― me interrompi. ― Pode ir.
Assentiu, em seguida, eles se viraram para sair, mas Alice veio
correndo e abraçou minha cintura fazendo meu peito sacudir ainda

mais; pelo tempo que os vigiava notei que ela era muito carinhosa e

meiga. Antes que eu me recuperasse e dissesse algo, ela se


afastou indo pegar na mão do irmão dela.

― Os mantenha seguros, e passe na cela para levar Gabriel


com vocês.

― O pegarei ― assegurou Arrow.

Os dois saíram com as crianças. Após virarem o corredor,


entrei na cela.

― Agora somos só nós dois, apesar de que eu gostaria muito


que tivéssemos mais tempo, porém não temos, ou seja, terei de ser

rápido. ― Ele estava na cama, amarrado nas mãos e nos pés. Na


boca tinha um pano, um gorro, devia ser de uma das crianças. Isso

explicava o fato de ele não ter gritado, Arrow e Vlad cuidaram disso
para meus sobrinhos não ouvirem.

Peguei minha faca fazendo seus olhos se arregalarem.

― Você mandou alguém matar minha mulher, por isso

desmembrei seu sobrinho ― rosnei, rasgando sua roupa com a


faca.
Ele murmurou algo inteligível por causa do pano em sua boca.

― Se queria Lyn, viesse atrás dele e não da irmã dele, a


minha mulher. ― Ele grunhiu querendo falar, então retirei o pano. ―

Vamos ver quais são suas últimas palavras...

― Seu desgraçado! Matou meu primo por algo que não

encomendei! ― Pela forma que disse, com convicção, me fez


acreditar nele. Então suas palavras a seguir fizeram meu pulso

acelerar: ― Foi orquestrado pelo atual procurador-geral da


República provisório, Cleveland, a princípio éramos aliados para
derrotar Lyn. Mas seu sogro me traiu armando para cima de Lennon.

O filho da puta só queria meu fim, não se importa com nada a não
ser fazer você sofrer tocando na advogada.

― Onde o conheceu? ― minha carne tremia de raiva.

― Nos conhecemos em um dos Prometheus.

Ele frequentava essa merda? O pai de Rúbia, aquele homem

alegre que odiava delinquentes e foras da lei? Merda! Como fui


cego?

― O seu ex-sogro sim. Ele odeia você. Foi o infeliz que armou
para meu sobrinho ser preso, assim poderia encomendar a matança
de todos os envolvidos no caso, mas não fez isso para ajudar
Lennon ― grunhiu feroz. ― Patrick tinha rixa com o antigo
procurador-geral, se livrou dele, a única morte que encomendei foi a
do promotor, o resto foi tudo ele.

Estava chocado com essa porra, não sabia disso, pois nunca
pesquisei sobre ele, na verdade, só queria esquecer tudo.

― Parece que Patrick queria ocupar o cargo do antigo


procurador, memo que fosse um cargo interino. deu certo, não sei.

O que interessa é que aquele maldito me traiu; Marek contou tudo.


E eu ia até Cleveland matar o desgraçado assim que saísse daqui.

― Você não terá essa chance. ― Guardei a faca e peguei

minha arma. ― Ia torturá-lo, mas como não teve nenhum


envolvimento no ataque a minha mulher, irei guardar esse prazer
para aquele que realmente fez.

― Você, seu maldito... ― peguei um isqueiro e coloquei fogo


nas roupas dele.

Não queria matá-lo com um tiro, o infeliz merecia mais. Como


não tinha tempo para soltar minha ira, acertaria as contas com o

filho da puta do pai de Rúbia.

Gritos encheram o lugar quando o fogo foi aumentando, logo

se apossando de seu corpo. O fedor de carne queimada impregnou


minhas narinas.

Tranquei minhas emoções e saí correndo dali para procurar


Ella.

Tinha revirado alguns lugares, mas não a encontrei, quando


meu telefone tocou:

― Sim?

― Estou vendo Ella aqui no último piso... ― disse Cowboy


com uma maldição, então a linha caiu. Tentei ligar, mas não
consegui, o que fez minha pulsação acelerar.

Corri para o elevador, indo a procura do meu pequeno


Rouxinol. Torcendo que ela estivesse bem, que nada acontecesse a

minha garota.
El Diablo
Assim que cheguei no local, varri meus olhos pela arena

cercada com vidro; dentro dela estava Belinda, Stefano, e um


garoto; também havia uma pessoa caída no chão, só não deu para

ver quem era, ao menos não de onde eu estava, devia ser um dos

garotos, isso me deixou mais puto com quem assistia.

Stefano estava lutando com um dos garotos que foi mantido


preso ali por anos, ele não tinha mais humanidade, não restava

mais nada ali para ser resgatado. No fundo, entendia, pois, a

crueldade que ocorreu em sua vida o levou a isso.

Um lado do vidro estava quebrado, e vi Andreas, um dos

homens de Lyn que estava infiltrado ali como Ondrej, ele estava
com uma metralhadora antiaérea norte-americana Browning ponto

50. A arma era capaz de perfurar a blindagem de carros-fortes e

aeronaves, medindo 1,68m e pesando 38kg. Disparava de 400 a

600 tiros por minuto, tendo uma precisão que alcançava 1,5km.

Devia ter sido ele a quebrar o vidro, pois, eu sabia que era a prova

de bala.

A multidão de hipócritas estava desesperada querendo sair do


local, mas para o azar deles fechamos todas as saídas.
Lyn estava lutando contra Marek perto da entrada do outro
lado. Procurei por Cowboy que relatou que Ella estava ali, mas

onde? Não consegui encontrar nenhum dos dois. Será que ele a

levou para fora? Esperava que sim.

― Você vai morrer por trazer minha irmã aqui ― disse Lyn a

Marek, o socando.

Marek queria que Lyn pagasse por ter matado o amante dele,

mas o homem morto era abominável, tanto que estuprou vários

garotos desse ringue de luta.

Não entrei na luta, afinal não era minha; isso, Lyn e Stefano

precisavam fazer. O que eu queria estava indo obter, depois que

salvasse Ella desse lugar. O procurador-geral da República estava


com os dias contados.

Matar, um dia já foi difícil, mas naquele momento? Era como

se fizesse parte de mim, me sentia bem ao tirar a vida de homens

como esses vermes imundos.

― Finalmente acabou ― disse Slayer.

Ele era um dos homens de Lyn, um dos que um dia foi mantido

em cativeiro como esse ali.


― Sim. ― Olhava no ringue, podia ver que Stefano estava

hesitando em matar o garoto, olha que o Morelli era um assassino


nato. Embora entendesse que por mais que esse seu adversário

fosse um assassino, ainda era só um garoto de uns dezesseis anos.

― Sabe o pior? ― Slayer deu um suspiro duro. ― Não

chegamos nem perto de pegarmos essa quadrilha.

― O caminho para vocês é longo ― indiquei. ― Se precisarem


de ajuda é só chamar.

Ele assentiu e foi ajudar a colocar os garotos que estavam em


cativeiro nos caminhões.

Stefano estava perdendo a luta, mesmo ferido, ele teria


vencido, mas parecia não querer matar o garoto. Sabia o que ele ia
fazer. Porém, antes que acontecesse, Andreas jogou um dardo

tranquilizante quando o garoto caiu no chão.

― Deixa que tomo conta disso. ― Sabia que o tomar conta

dele era que tentaria salvar a humanidade do garoto para depois


soltá-lo no mundo. Andreas e Lyn foram assim um dia, e agora

estavam ali, controlados. ― Você toma conta das meninas ― ele


disse ao Stefano.
Meninas? Franzi a testa para a arena e cheguei mais perto até

me deparar com cabelos castanhos os quais eu conhecia bem.

Não podia ser ela, não é? Tentei ligar para Cowboy de novo,

mas nada. Queria me aproximar e conferir, mas o pavor estava


tomando conta de mim por pensar que tivesse chegado tarde

demais.

Ouvi vozes, acreditei ser Belinda falando com Andreas, mas

estava chocado e temendo o meu fim.

Obriguei meus pés, pesados como chumbo, a agirem, então a


reconheci, era ela mesmo, seus cabelos... não podia ser... o mundo

de repente desabou diante de mim e me vi caindo à deriva diante da


escuridão.

Ouvia vozes ao redor, mas pareciam distantes, incapazes de

alcançar o meu estupor. Queria me aproximar um pouco mais,


porém, estava paralisado no lugar, ainda vendo seu rosto

machucado e cheio de sangue. Fúria andava em minha corrente


sanguínea me fazendo desejar massacrar o garoto por ter

machucado Ella.

― Como ela está? ― Stefano checou o pulso de Ella.


Por que eu não me movia? Queria fazer, mas o desespero de
checar seu pulso e descobrir não estar pulsando era um terror.
Recordava-me de como foi ver minha filha e Rúbia sendo mortas.

Agora de novo... Ella estava assim, porque cheguei tarde.

― Respirando. Ele a jogou contra o vidro, e ela bateu a cabeça

― respondeu Belinda.

Saber disso não amenizou meu desespero mudo, aquele que

estava me fazendo ficar ali, petrificado, sem se mover. Causava a


morte dos meus inimigos, adorava vê-los sangrar, fazê-los implorar,
mas isso? Ver uma pessoa que eu amava inconsciente dessa forma

acabava comigo.

Eles falavam, mas eu não liguei nem prestei atenção nas


conversas, porque meus olhos estavam em Ella observando seu

peito subir e descer; eu era incapaz de desviar os olhos temendo


que seu coração parasse de bater. Belinda disse que estava bem,

mas ela não era médica, podia ter perfurado algo ou deixado
sequela.

― Eu era como ele, sabe? ― comentou Andreas falando do


garoto. ― Demorei meses para me tornar um ser racional de novo...
ou o que podemos ser no nosso mundo. Lyn me salvou de mim
mesmo, evitou que eu me tornasse um psicopata com desejo de
atacar a todos. Sua menina ficará bem, mas precisa de cuidados. O
helicóptero está esperando lá fora ― comentou Andreas.

Stefano pegou Belinda nos braços.

― Merda! ― praguejou, pois ele estava ferido no ombro.

A arena estava muito barulhenta com as pessoas que vieram


assistir a carnificina.

― Deixe que eu fico com ela. Ajudo-os a chegarem lá em

cima. Você está muito ferido. ― Eu pegaria Ella, e Benjamin

Castilho poderia ficar com Belinda.

― Não, você pega Ella. Um dos irmãos de Belinda pode ajudar

Stefano. ― Andreas me disse pensando que eu estava falando de


Belinda.

Pensei nas minhas palavras e realmente pareceu isso, mas eu


estava com minhas emoções quase explodindo como um vulcão em

erupção.

Benjamin, Valentino e Fabrizio estavam ali perto da irmã deles.

Stefano falava com Andreas, mas não ouvi, só me abaixei tomando

o cuidado de não quebrar nada de Ella. Queria sentir sua pulsação,


sua respiração, seu coração batendo, só assim para acalmar a

tempestade em meu peito.

Fazia anos que eu não rezava, mas naquele momento faria,


nem sabia se Ele iria ouvir, mas pedi que, por favor, não a tirasse de

mim, não quando ela me ensinou a sentir e amar de novo, não me

deixasse perder isso.

Só me senti aliviado quando Andreas checou Ella e disse que

estava tudo bem, isso me trouxe um alívio e respirei fundo sendo

que nem sabia que prendia a respiração.

Seguimos para o elevador; estava louco para levá-la ao


hospital para que tomassem conta dela, mas antes de entrarmos,

Lyn se aproximou com seu rosto sombrio, mas seus olhos estavam

cheios de preocupação. Ele estava coberto de sangue.

― Ella! Como ela está?

― Foi ferida, mas nada grave. A maior parte desse sangue é

de Belinda e de Cade. Ela vai ficar boa ― disse Andreas. ― Por via

das dúvidas, é melhor fazer alguns exames.

― Tome conta dela. ― Lyn virou-se em minha direção

encontrando meus olhos.


Como se ele precisasse pedir isso; eu a protegeria, e quando

meu pequeno Rouxinol acordasse eu ia dizer umas verdades a ela

sobre sair dessa forma correndo perigo.

― Seja o que for que você queira depois, será seu ―

continuou ele.

Pela cara de todos ali pensavam que Lyn estava se referindo

ao fato de eu querer o tê-lo trabalhando comigo, mas não era; ali,


ele estava me dando sua benção, porque o que eu mais queria era

ficar com Ella, e ficaria sem precisar do aval dele, mas era bom

saber que me aceitou, afinal nossa boa convivência deixaria minha

garota feliz.

― Ela estará segura ― jurei. Ia garantir que nada como o que


aconteceu viesse a acontecer de novo, nunca mais. Iria proteger

minha família nem que fosse com a minha vida.

Entramos no elevador.

― Façam todos pagarem ― Stefano pediu a todos que iam


ficar na arena. Ali tinha muito serviço, ainda restavam guardas de

Marek a serem executados, assim como os espectadores do local.

Os observadores estavam de joelhos e sendo mantidos aos

olhos dos nossos. Nenhum deles sairia vivo dali. Poderia ficar ali e
cuidar dos infelizes, mas estava mais preocupado com Ella.

― Pode esperar que nós vamos. ― Fabrizio encarou com uma

expressão assassina a multidão de espectadores.

Podia ver a mesma expressão em todos ali.

― Assim que terminarmos aqui, irei ao hospital de um

conhecido meu na cidade. O piloto vai levá-los até lá ― Lyn me

disse, tocando o rosto da irmã. ― Ficará bem, princesinha.

Dentro do elevador ficou apenas Stefano, eu, Benjamin e as

meninas em nossos braços.

― Porra! Estava com tanto medo de não a ver mais! ―

Benjamin sussurrou, meio sem fôlego. ― Perder duas irmãs


sequestrada iria nos destruir.

― Belinda está bem agora ― assegurou Stefano sem tirar os

olhos da namorada. Pelo que vi ali, sua luta consigo mesmo com o

que sentia pela menina acabou. Sabia que era uma questão de

tempo.

Enquanto seguíamos para o helicóptero, Ella piscou sem foco,

então começou a gritar histérica com terror quando me viu.


― Por favor, não me toque... ― lutava em meus braços quase

me fazendo deixá-la cair, mas a segurei firme. ― Por favor...

Esse último apelo foi uma súplica quebrada que veio junto com

um soluço.

― Sou eu, pequeno Rouxinol. ― Fiquei encarando aquele

rosto lindo com os olhos fechados com força. O desespero estava

em sua voz e em sua expressão e não com terror do que aconteceu


ali, era mais que isso, algo mais profundo que a quebrou.

― Oi, querida, sou eu, Christian ― sussurrei em seu ouvido,


até que ela piscou encontrando meus olhos.

― Christian? ― indagou, e abraçou meu pescoço enterrando o


rosto em meu peito. ― Oh, Deus, você está aqui.

Fiquei um segundo alisando suas costas até se acalmar para

aliviar a tensão.

― Sim, estou aqui e não pretendo ir a lugar algum. ― Beijei

sua testa.

― Lance e Naty... ― chorou.

― Eles estão bem ― respondi.

Piscou.
― Bem? Mas aquele homem disse que os matou...

― Marek mentiu, os dois estão vivos. ― Pensar no que ele

disse a ela me fez desejar que eu mesmo tivesse matado o sujeito.

― Está tudo bem agora, fique tranquila. Estou com Kian e Alice,
logo irá vê-los.
Ella

Christian me levou a uma clínica clandestina, ou hospital, não


soube dizer, a única coisa que sabia que não era normal, e não era
longe do lugar que estávamos, ou se tornou perto por virmos de

helicóptero.

O doutor de idade me levou para fazer Raio-X, pois tive

algumas lesões, mas não chegou a quebrar nada, só machucou


mesmo com a pancada.
Christian se afastou, apesar do custo de me deixar, e foi pegar

os sobrinhos que estavam no andar de baixo para trazê-los para


que eu os visse. Estava feliz que eles estavam bem. Ele não queria

sair do meu lado, mas insisti para que não os deixasse sozinhos,

tinha os outros rapazes ali fora, mas queria que Christian ficasse um
pouco com seus sobrinhos.

Naty e Lance ficaram felizes por estarmos com os meninos,

fizeram chamada de vídeo com eles, não presenciei, pois estava na

sala de exames, mas Christian me contou. Pude ver que ele ficou
contente por seu irmão ter os filhos de volta, eu também. Eu estava

extremamente feliz por todos estarem bem e meus amigos estarem

vivos.

A enfermeira estava arrumando o soro quando senti uma dor

forte no pé da barriga, que me fez ofegar e trincar os dentes. A

mulher correu até mim me segurando pelo braço e seus olhos


baixaram para minhas pernas, antes que dissesse alguma coisa

senti algo molhado lá.

― Você está gravida?! ― Ela foi apertar um aparelho, mas o


médico já estava entrando no quarto.
― Recebi os exames, nele consta que está... ― ele se
interrompeu vendo o sangue.

Correu até mim, mas por um segundo não ouvi, pois meus

ouvidos fizeram um zumbido me deixando incapaz de escutar. Devia

ter escutado errado, não tinha como eu ter engravidado...

Ele gritava algo a enfermeira e começaram a aplicar

remédios...

Não tive tempo para assimilar e ficar feliz com a notícia, a dor

tomou conta de mim pensando que fosse perdê-lo assim como

aconteceu com o outro bebezinho anos atrás. A dor piorou me

fazendo gritar.

― Por favor, não conte a ninguém que estou grávida ―

implorei entre a dor.

O doutor me olhou confuso.

― Ninguém, muito menos ao meu namorado, por favor.


Invente quaisquer desculpas para... por favor, salve meu bebê, não

posso perdê-lo... ― minha voz falhou quando a dor me perfurou

forte e a inconsciência me tomou.


El Diablo

Estava chegando ao quarto de Ella, com Alice do meu lado


direito segurando minha mão, e Kian no esquerdo segurando minha
outra mão. Tinha acabado de ver Gabriel, o médico tinha o checado,

além de meus sobrinhos só para garantir..., mas não foram tocados,


graças aos céus por isso. Logo, o garoto estaria com seus pais.

Eles tinham tranquilizado meu irmão e a mãe deles pelo


telefone; Lance e Natiele não viriam ali, embora os dois quisessem

muito, mas eu não queria arriscar que ficassem desprotegidos,


precisava fechar o cerco e descobrir quem me traiu. Mas talvez não
fosse uma traição, afinal Patrick tirou fotos de Ella e Vlad, o que

significa que vinha me seguindo. Talvez soubesse que eu tinha essa


ilha, afinal possuía informação e alianças corruptas. Precisava

apurar os fatos depois que minha garota ficasse bem.

― A tia de vocês vai amar por estarem aqui para vê-la. ― De

repente parei quando vi o alvoroço do médico correndo com


algumas coisas nas mãos para o quarto onde Ella estava.

Vlad veio até mim com a expressão preocupada.

― O que está acontecendo? ― Por favor, que ela estivesse


bem... Não queria me alterar para não deixar as crianças

assustadas.

― É melhor ir lá, eu fico com esses meninos lindos. ― Vlad


sorriu para eles. ― Podemos tomar alguma coisa enquanto
esperamos Ella acordar.

Meu instinto me dizia que ela não estava dormindo, e isso me


encheu de pavor. Porém, me controlei na frente das crianças. Deixe-

os com Vlad e fui até o médico.

Me sentia como se estivesse indo para a forca, mas ela estava

bem mesmo com o que aconteceu, não era nada sério. Então o que
diabos aconteceu?

Antes de entrar no quarto onde ela estava, Tracker me parou e

eu o fuzilei.

― O que está acontecendo? ― Fui passar, mas ele não

deixou. ― Saia!

― El Diablo, deixe o médico tomar conta dela. Se você entrar

lá vai atrapalhar as coisas, e não queremos que nada aconteça a


ela, não é? ― inquiriu ele.

Sim, não queria atrapalhar a recuperação dela, só queria que


esse medo de a perder passasse.

― Então me explique que porra aconteceu? Ela estava bem

quando saí... ― minha voz falhou.


Tracker era médico, mas ele acabou de chegar ali, afinal, sua
viagem levou um tempo.

― Ele não sabia que ela estava grávida, se soubesse teria


adiantado o processo nessa área primeiro, ao invés das costelas
dela...

Dei um passo para trás como se tivesse sido nocauteado no

peito, senti minhas costas batendo na parede com força e foi onde o
ar se esvaiu de mim, pois sentia que meus pulmões estavam presos

impedindo-me de respirar um segundo.

O médico veio até nós, me olhando e para Tracker disse:

― A senhorita pediu que eu não contasse ao namorado dela

― reprendeu o doutor.

― Você não contou, eu que contei. E eu não sabia disso. ―

Tracker franziu a testa. ― Mas por que não querer contar?

― Não sei. Mas quando ela descobriu parecia apavorada, e

implorou, chorando, para que eu não contasse a você ― disse o

médico a mim.

― Como ela está...? ― consegui perguntar em meio a agonia.

Essa era minha prioridade, depois lidaria com o resto.


― Ela teve perda de sangue, mas consegui estabilizar o

sangramento e salvar os dois, mas precisa de cuidados e repouso, e


em hipótese alguma pode de estressar.

O fulminei querendo socar algo, mas não seria o doutor, ele

acabou de salvá-los, e eu era grato por isso.

― Os dois estão realmente salvos? ― Me sentia andando

sobre um caldeirão fervendo onde me queimava e me consumia.

― Sim, os dois estão bem. Agora ela está dormindo e só

acordará amanhã ― respondeu o doutor. ― Se quiser pode ficar

com ela.

Ele saiu, mas eu não me movi, petrificado onde estava. Caí

sentado no chão com as costas na parede.

― É bom que descobriu agora, porque se fizesse essa cara

quando ela contasse sobre a gravidez... reagindo assim ia parecer


que não quer o bebê. ― Cowboy ficou na minha frente. ― Isso

partiria o coração dela.

Foi quando pensei no bebê que ela perdeu, até hoje ela ainda

não se recuperou, e eu não acreditava que um dia iria. Não queria

que passasse por algo assim de novo. Eu também não suportaria


perder outro filho, um ser pequeno que estava vivendo dentro dela,

fruto do que sentíamos um pelo outro.

― Não é isso, mas não posso ser pai de novo... ― levei

minhas mãos na cabeça.

Ouvia passos se aproximando, mas como só nós estávamos

no hospital, então sabia que eram meus irmãos.

― Que merda está falando? ― rosnou Arrow.

Abri os olhos, estavam todos ali. Arrow, Cowboy, Knife, Hacker e

Eloah também que estava ao lado do irmão, só não estavam ali

Flame, que estava com Lance, e Vlad que estava com os meninos.

― Não pude proteger minha filha, e agora não pude impedir

que os filhos do meu irmão fossem sequestrados, e se


chegássemos um segundo atrasados seria tarde... ― estremeci

pensando no que Finn ia fazer.

Pensando nisso me senti puto por ter dado uma morte rápida a

ele, o sujeito merecia ser torturado por dias, mas eu estava

preocupado com Ella, e minha garota era mais importante que a


vingança.

― Está se ouvindo? ― Hacker deu um passo até mim ficando


ao lado de Arrow. ― O que fez quando matou meu pai? ― Não
esperou que respondesse ― Você protegeu a mim e minha irmã,

não era sua obrigação fazer isso com dois adolescentes. Mas fez.

― Você paralisou minhas contas bancárias, não tive escolha

― apontei.

― Diga isso a si mesmo, mas nós sabemos que estava com a

intenção de voltar e nos ajudar, tinha até fechado com a escola


antes de eu interditar suas contas. ― Se abaixou na minha frente.

― Você é como um pai para mim, me protegeu aquele dia, aliás,

protegeu todos esses anos. É isso que um pai faz, cuida, protege e
ama. ― Sorriu. ― E faz isso comigo, sei que sim, não há preciso

palavras, os gestos mostram por si.

O garoto tinha razão, quando eliminei seu velho, estava com a

intenção de mandá-los a uma escola com tudo pago, mas ia fazer

isso sem me aproximar, isso se o fedelho não tivesse me atraído


para aquela emboscada e me obrigado a aceitar que fizesse parte

da equipe.

Suas palavras me atingiram, pois eram verdadeiras, gostava

do garoto, me preocupava e por isso nunca deixei que fosse para o

perigo realmente, temia que se machucasse.


― Ele tem razão. Você nos protegeu e, certamente nos livrou

de uma vida cruel e desumana se estivéssemos lá agora ― disse

Eloah. ― Serei muito grata a você por isso, para sempre. Por sua

causa tenho uma vida de verdade.

― O considero um pai, porque é assim que você é, não disse

antes, pois achava que não estaria pronto para ouvir, mas é a
verdade. ― Hacker colocou a mão no meu joelho. ― E o que

aconteceu com sua família, não foi sua culpa, sabe disso. E com os

gêmeos também não, não pode salvar todos, isso não está em suas
mãos.

Hacker tinha dezenove anos, quase a idade que minha menina


teria se estivesse viva.

― Devemos ficar felizes que eles estão bem, e aqui com a

gente, esse menino ou menina que nascerá não terá uma pessoa a

protegendo, mas todos nós ― interveio Arrow. ― Somos uma

família e iremos cuidar dele ou dela, não precisa temer ou se


apavorar em perdê-lo, nunca.

― Terá um monte de tios aqui para ele. ― Sorriu Knife. ― Se

for uma menina e puxar a mãe, as coisas podem ficar divertidas

conosco expulsando todos os urubus.


Oh, meu coração inchou com essa ideia sabendo que todos ali

estariam cuidando da minha família, essa nova que eu teria com


Ella e meu filho.

― Teremos as mãos cheias. ― Cowboy esboçou um sorriso.

― Estamos juntos nessa, irmão, firmem e fortes. ― Tracker

retribuiu o sorriso.

Sabia que os teria comigo, e era grato por tê-los em minha


vida. Não acreditava que os merecesse, mas era agradecido por

sermos uma família.

― Vai dizer a ela que sabe sobre a gravidez? ― sondou

Tracker.

― Não. Antes preciso saber por que ela pediu para não me

contar. ― Minha voz estava um pouco composta, não ia deixar esse

medo me dominar, seria mais forte que isso.

― Isso é fácil, acredito que ela temia essa reação. ― Apontou

Eloah. ― Não se esqueça de que sou eu que a vigio nas câmeras a


maior parte do tempo, a forma como reage a criança é... podia ver

que ela queria ser mãe.

― Contou a ela que não queria ser pai? Isso explicaria a

reação ― ponderou Tracker.


Pisquei, pensando na conversa que tivemos quando fomos
ficar juntos a primeira vez; eu não queria fazer sexo sem

preservativo, pois não desejava engravidá-la, na hora que disse que

nunca iria querer filhos, ela tinha abaixado a cabeça, seria para eu
não ver alguma dor estampada em seu rosto? Então me lembrei do

filho que perdeu, talvez até sonhasse em ter um algum dia, mas

quebrei essa esperança entre nós. Na hora, eu não registrei isso,


pois não sabia dessa perda dela, e quando soube não juntei as

peças.

― Merda, cara! Você disse isso, não é? ― Cowboy sacudiu a

cabeça. ― Isso explica sua reação.

Tinha um corte de faca no braço dele, no mesmo em que ele

tinha levado um tiro na Dinamarca. Cowboy estava falando comigo


na arena quando um dos infelizes o acertou quebrando seu celular,

por isso não o atendeu quando liguei.

Antes que alguém comentasse, Vlad chegou com Kian e Alice.

― Tio, você está doente? ― Alice veio até onde eu estava, me

encarando com aqueles olhinhos lindos e azuis, preocupada.

Respirei fundo não mostrando que estava uma confusão por

dentro, não queria preocupar esses pequenos.


― Não, só estou cansado. ― Fiquei de pé. ― E vocês
deveriam ir com Eloah, ela os colocará para dormir. Amanhã cedo
iremos embora para ver seus pais.

― Não podemos dormir com você? ― sondou Alice.

Meu coração saltou rachando mais um pedaço do muro que

tinha construído. Não precisava dizer que não ia dormir essa noite,
não iria conseguir fazer.

― Tem uma cama no quarto onde está Ella ― disse Tracker.

― Pode deixá-los lá.

Gostei disso, os queria perto de mim. De repente, essa agonia

de quase os perder abafaria um pouco.

― Vamos, então ― peguei a mão de cada um, depois olhei

meus irmãos e disse: ― Obrigado por estarem comigo. Por me


ajudarem nesse momento.

― Irmãos servem para isso. ― Arrow sorriu. ― Além do mais,


faria o mesmo por nós.

― Sim, eu faria. ― Suspirei. ― Quando Lyn chegar não diga


sobre aquele assunto... deixa que cuido disso depois.

Arrow assentiu.
― Pode ficar tranquilo.

Entrei no quarto com os meninos, que correram até Ella,

inconsciente e tomando soro. Sua pele estava muito branca para


sua cor normal, corada e linda. Os hematomas estavam arroxeados.

― A tia está machucada ― disse Alice, preocupada. ― O


homem mau bateu nela?

Achava lindo eles a chamarem de tia, nenhum deles sabia,


mas logo isso se tornaria oficial.

― Ella está bem agora. Amanhã, quando acordar contará tudo


a vocês. Agora, deem boa noite e vão para cama. ― Não queria

contar o que realmente aconteceu, pois eram novos demais para


entender.

A cama era alta, então os peguei e os coloquei um ao lado do


outro. Puxei um lençol sobre eles.

― Papai disse que você nunca veio em casa, porque perdeu


uma filha e que ficar perto de nós dói, pois faz lembrar dela. ― Kian

me fitou.

Pisquei com isso como se levasse uma facada no peito.


― Seu pai disso isso a vocês? ― Não seria coisa que Lance
falaria aos filhos.

― Não, escutei quando falava com a mamãe, papai estava


triste ― respondeu, pegando a mão de Alice.

Isso explicava tudo, Lance jamais diria isso aos seus filhos.

― Não é por causa de vocês. ― Crianças ao geral, mas não


disse isso. ― Eu só precisava de tempo para me curar, mas

prometo que não vou ficar mais longe.

Iria fazer isso mesmo, lutar com afinco contra esse tormento

que levou uma parte de mim. Agora, com a chegada do meu filho...
esperava que meus amigos estivessem certos, que nada viesse
acontecer com nenhum deles.

Algum tempo depois, os dois estavam dormindo, um


segurando a mão do outro, e agradeci por estarem salvos. Tirei meu

telefone do bolso e tirei uma foto deles e enviei para Lance. Mandei
uma mensagem afirmando que estavam bem e dormindo, e que no
dia seguinte iríamos embora.

Desliguei o celular, pois no momento só queria ficar ao lado do


meu pequeno Rouxinol. Sentei-me na cadeira ao lado da cama e

peguei sua mão, a outra coloquei em sua barriga.


― Nunca mais deixarei que sinta que deve me esconder

coisas como isso, pensando que eu não ia ficar feliz em ser pai. ―
Escondi meu rosto em seu pescoço, inspirando seu aroma que tanto
amava. ― Estou em êxtase, só com medo, mas juro que vou lutar

contra esse pavor de perder você, e agora esse pequeno ou


pequena aqui.

Agradeci a um Deus, que pensei que não existisse após tudo o


que passei, mas hoje Ele me ajudou a salvar essas quatros vidas
que eram tão importantes para mim. Era grato e sempre seria.

Fosse o fosse que acontecesse dali por diante, ninguém iria


tocar em nenhum deles, eu derrubaria todos como fiz até agora, só

restou um, mas seus dias estavam sendo contados. Logo, Patrick
Cleveland iria sangrar e quem ousasse tocar nos que eu amava
teria o mesmo destino.
Ella

Acordei com o corpo dolorido, então me lembrei da luta na


arena, os gêmeos... e depois, quando eu estava completamente

feliz por estarmos bem veio a notícia que me pegou de surpresa. Na

hora, temi perder Christian, pois confiou que eu estaria me


protegendo contra uma possível gravidez, mas agora...

Olhei ao redor da sala não vendo ninguém a não ser a

enfermeira que aplicava um remédio no meu soro. Achei estranho


não ver Christian ali, talvez estivesse com Kian e Alice.
― Acordou? Vou chamar o doutor para olhá-la. Sente alguma

dor? ― sondou.

― Não, só dor muscular mesmo. ― Acreditava que fosse o


resultado de ter sido jogada contra uma parede de vidro, tremi só de

pensar que quase perdi meu bebê por isso. ― Como está o meu

bebê?

Sorriu.

― Deixa o doutor conversar com você, ele vai dar o veredito,

mas acredito que esteja bem, já que não sente nenhuma dor.

― Não estou com dores ― assegurei, aliviada. Estava suja e

precisando de um banho, mas meu corpo estava muito dolorido da


surra que levei.

Em seguida, a enfermeira saiu para chamar o doutor, que


entrou alguns minutos depois e me examinou.

― Estou grávida de quantas semanas? ― Falava baixo, assim

não correria o risco de Christian entrar e ouvir. Não conseguia

controlar minha felicidade por saber que seria mãe.

― Indo para sete semanas ― respondeu. ― Está tudo bem

com vocês dois.


― Graças a Deus, estava ansiosa. ― Suspirei, aliviada. ―
Mas eu não entendo... estava tomando o anticoncepcional certinho,

só fiquei alguns dias sem tomar devido a alguns problemas que tive

na época, então esqueci. ― Na verdade nem pensei que algo assim

poderia acontecer... A pílula era o menor dos problemas.

O medo da reação de Christian estava tomando conta de mim,

mas a felicidade de ser mãe era maior. Meu coração estava

transbordando em meu peito.

― Deve ter sido isso. Existe injeção, algumas mulheres optam


por usar esse método, pois assim não esquecem. ― Sorriu.

― Acho que vou demorar um pouco para pensar nisso. ―

Coloquei a mão na barriga. Depois um pensamento me ocorreu


fazendo meu sangue gelar. ― Doutor? Eu perdi um filho há anos,

corro esse risco devido ao aborto que tive?

― O que aconteceu para chegar a um aborto? ― Parou ao

lado cama me avaliando.

Contei para ele que tentei me matar, era preciso me abrir,

afinal, ele era um médico. Esperava que minha experiência não

atrapalhasse essa minha nova gestação.


― Foi a perda de sangue o motivo, não é? Então não terá

problemas, contanto que tome cuidado ― me disse.

― Tomarei, doutor ― assegurei. Não teria minha felicidade

rompida por ninguém, esperava que Christian ficasse do meu lado,


mas se não ficasse... não queria pensar nisso agora.

O médico saiu, enquanto eu ficava ali alisando minha barriga


com meu coração transbordando.

― Por que minha felicidade é a tristeza do seu pai? ―

resfoleguei com uma lágrima caindo em minha bochecha.

Lutei por nós durante todos esses meses, acho que nós dois

lutamos, uma parte de mim tinha esperança de que conseguiria


penetrar o coração dele, uma barreira que nunca deixou ninguém
alcançar. Acreditei que tivesse conseguido ao menos quebrar esse

muro de concreto, será que essa revelação fortaleceria nossas vidas


juntos, ou findaria de vez?

― Por que eu iria ficar triste sabendo que carrega um fruto


meu em sua barriga? ― essa voz...

Minha cabeça girou olhando para a porta, mas não a do quarto


e sim do banheiro. Arfei, notando que ele esteve ali o tempo todo,
ouviu minha conversa com a enfermeira e depois com o médico.
Merda! Por que não chequei, ao invés de só imaginar que saiu com

as crianças? Entendi que estava inebriada demais com a gravidez.

― Christian! ― Minha voz falhou. ― Sinto muito.

― Sente por estar grávida? ― Deu um passo até mim, a


expressão não mostrando nada.

― Não por isso. Sei que você não queria ter filhos nunca, você

mesmo disse isso. Também não planejei nada disso. Apesar de que
agora que sei que há um serzinho dentro de mim, não me arrependo

de nada, pois já o quero tanto... ― Meu coração estava emocionado


por essa notícia, e temeroso com o que ele pensava. ― Eu me sinto

feliz, realizada... aquele vazio que sentia como se faltasse algo foi
preenchido. ― O fitei. ― Sinto muito por pensar em não contar a
você, claro que ia te contar, não agora, nem aqui, só precisava de

tempo. Talvez te dar mais algum tempo até estar pronto para ser pai
de novo.

Estaria disposta a isso se acaso ele não estivesse pronto para


essa notícia, pensei que isso fosse deixá-lo chocado, ou ao menos

em transe com a descoberta, mas ele parecia tranquilo, não estava


furioso.
― É isso que pensa...? ― tentei avaliar sua expressão e ação,
mas não consegui, era uma máscara.

― Quando decidi ir fundo nessa relação, eu sabia que corria o

risco de você não se entregar por inteiro, assim como de não poder
me dar uma família um dia. No fundo, eu aceitaria a última por você,

mesmo sendo meu sonho tornar-me mãe de novo um dia. Mas o


primeiro risco? Não posso...

― E você acha que não sinto nada por você? ― Seus olhos
eram fendas quando me cortou.

― Eu sei que gosta de mim, mas quero saber se algum dia vai

me amar da forma que amo você. Se me amar e me aceitar com


nosso filho, porque somos um pacote só agora, então estou aqui. E
mesmo que nesse momento a notícia da gravidez seja demais para

você, te darei o tempo que quiser. Irei ficar com Kasper até estar...

― Não está acontecendo! ― Tocou meu rosto, me fazendo

tremer. Me fitou com aquela intensidade fazendo a máscara perfeita


dele cair. ― O único lugar de vocês dois é comigo, jamais os

deixarei longe.

― Christian...
― Não a amo como você me ama, isso é certo ― falou,
enquanto eu me encolhia na cama com uma dor aguda no peito. ―
Eu amo infinitamente mais, não há uma quantidade certa, a única

coisa que sei é que é maior e mais poderoso que o universo. Você
está na minha pele como uma tatuagem permanente, essas que

estão em minha pele agora, mas você está aqui. ― Levou um dedo
na testa e depois no peito... ― E aqui, no meu coração. Foi gravada
de uma forma que nunca poderá sair. Você reviveu meu coração

negro, agora ele regozija de felicidade quando está ao seu lado.

Lágrimas de felicidade desciam pelo meu rosto, uma emoção

forte entrou em meu coração.

― Também amo você demais. ― Me sentia como se estivesse

em um sonho.

― Que bom. ― Ele beijou meus lábios enquanto

esquadrinhava meu rosto molhado. Como sentia falta de seu toque.


― Nunca mais faça isso, sair assim da forma que fez. Fiquei louco

quando soube...

Encontrei seus olhos.

― Lamento por ter saído daquela forma. Mas estava falando


com Lance quando ouvi gritos, e o cara do outro lado da linha falou
que se eu não fosse, ele iria matar todos... não podia deixar isso

acontecer...

Ele soltou um suspiro.

― Eu moverei céu, terra e inferno para que nada assim

aconteça de novo, ninguém nunca mais tocará em você ou em


nosso filho. ― A promessa estava em cada palavra. ― Queimarei e

destruirei todos que ousarem tentar.

― Não vamos falar em destruição, não hoje quando

sobrevivemos. Os gêmeos estão bem, graças a Deus e a você por

tê-los salvado. ― Fui levantar o braço para tocar seu rosto, mas
meu ombro doeu, me fazendo gemer. ― Aquele garoto realmente

sabe detonar uma pessoa. ― Dei um suspiro triste. ― Pensar que

meu irmão era assim daquela forma.

Sentou-se na cadeira ali perto de mim, pegando minha mão.

― Eu já vi muitas coisas ruins, mas isso é o pior, o que

presenciei lá... ― sacudiu a cabeça como se não quisesse pensar.

― Prometi que ajudaria seu irmão, não eu especificamente, mas um


dos meus homens, pois não vou me afastar de você.

― Estamos bem agora. ― Levei a mão na barriga, não me


cansava de tocá-la. ― Fiquei com medo quando senti dores antes
de apagar, temia perdê-lo...

― Não aconteceu, os dois estão bem ― me interrompeu,


assegurando. ― Nosso filho vai ficar bem.

Gostei de ouvir nosso filho, sabia que esse pequeno seria


amado e protegido por esse homem lindo, o amor da minha vida.

Dois amores agora.

― Onde estão Kian e Alice? ― sondei, não querendo pensar

muito no que quase perdemos.

― Eloah os levou até a lanchonete ― respondeu.

― Eloah? A mulher que disse que vocês ficaram juntos? ―

Não a tinha conhecido ainda.

― Não aconteceu nada, além disso, ela é família. ― Tocou

meu rosto.

― Eu sei. ― De repente me lembrei da menina que me ajudou

na arena. ― Sabe onde está a garota que me ajudou naquela

arena? Estava meio fora de mim, pensando que Lance e Naty


estavam mortos, após colocarem um capuz na minha cabeça, que

me fez ter lembranças ruins. ― Ser presa e com o rosto coberto era

como minha criptonita, e eu temia que isso não passasse tão cedo.
― Queria vê-la e agradecer.
― Foi bom estar assim, pois dessa forma não lutou, se fizesse

isso poderia ser muito ruim com sua condição. ― Estremecemos


juntos com essa possibilidade de ter perdido nosso filho. ― Cade foi

brutal, Belinda está apagada ainda, mas o namorado dela, o

Stefano, está com ela. Vou dizer a ele que você deseja vê-la, mas
acredito que iremos embora antes de ela acordar, mas ela está bem.

― Fico feliz que ela esteja bem, e meu irmão onde está? ― Os
remédios que a enfermeira aplicou estavam começando a fazer

efeito, meus olhos estavam ficando pesados, mas lutei para não

dormir ainda.

― Ficou aqui boa parte da noite, mas me pediu para ligar

assim que amanhecesse para dizer como você estava indo. Na


verdade, foi isso que pretendia fazer no banheiro, não queria

acordar você, e como não queria ir longe, decidi ficar aqui.

Respirei fundo, mordendo os lábios.

― Onde ouviu que estou grávida...? ― O avaliei. ― Você


reagiu... não sei, pensei que ficaria chocado, meio perdido com a

notícia, eu devo dizer que fiquei por um segundo, mas então as

dores vieram e desmaiei.


― Na verdade, eu soube ontem quando estava voltando para

o quarto, fiquei doido temendo o pior... saber que quase o perdeu...

― ele parecia tão cansado e abatido.

― Deite-se aqui e me conte o que aconteceu. ― Entendi por

que seu rosto não demonstrou nada ali, foi porque já sabia de tudo.

No fundo, foi até melhor. ― O doutor não devia ter dito, afinal pedi
segredo.

Ele se deitou ao meu lado tomando cuidado para não me

machucar.

― Não foi ele, Tracker entrou para checar as coisas quando

ele chegou, viu a ultrassonografia. Logo depois, me contou, mas

pensando que eu já sabia. ― Suspirou. ― Sei o porquê decidiu


esconder de mim, mas saiba que eu jamais reagiria como se não

quisesse nosso filho, fiquei chocado, admito, com medo e pavor de

fracassar como pai de novo.

― Você nunca fracassou, Christian. Às vezes, nós não

podemos controlar o destino, uma vez não acreditei nele, mas hoje
acredito. Nada acontece sem a vontade de Deus, sei que ele não

coloca um fardo sem que a gente consiga aguentar. ― Toquei seu

peito. ― Posso ter perdido um filho, um dia, não pude conhecê-lo e,


não sei nem como seria seu rosto. Por anos, eu pensava isso, mas

Deus me deu a chance de ter outro e sou grata por isso. E por ter
enviado você na minha vida. Sofremos, choramos, gememos e

ficamos vazios por anos, mas a recompensa no final valeu a pena,

com você tudo se torna possível.

― Esse medo da perda foi o motivo por eu não querer filhos,

mas também jurei nunca mais amar e aqui estou, loucamente


domado pelo meu pequeno Rouxinol.

Feliz era pouco para o que eu estava sentindo naquele


momento, esse vazio que se estendeu por anos, me consumindo a

cada dia, estava se esvaindo e dando espaço para um sentimento

de amor, adoração e felicidade. Pensei que só Christian pudesse

fazer eu me sentir assim, mas esse pequeno ser ajudou.

― Por que o apelido pequeno Rouxinol? Geralmente, eles são


conhecidos pelos seus cantos magníficos ― sondei, curiosa. ― Eu

não canto nem no chuveiro.

― A sua alma canta para a minha, foi ela que me tirou do

abismo em que eu me encontrava. ― Beijou minha testa. ―

Agradeço aos céus por tê-la conhecido no casamento do meu


irmão. Foi a melhor escolha da minha vida ir até lá aquele dia.
― Não acreditava que um dia fosse encontrar meu mascarado,
e muito menos que fosse o irmão de Lance, a sua foto na casa dele

era diferente, nada de cabelos grandes, barba ou tatuagem. ― Lutar

contra o sono estava sendo difícil. ― Mas adoro você assim, é sexy.

Ele dera uma risada gostosa e feliz. Adorava vê-lo assim, e

pensar que temi essa revelação da gravidez. Christian era como o


vento, suave, mas também um tornado quando mexiam com quem

ele amava, e acreditava que esse homem feroz, que um dia conheci

devastado, estava finalmente se levantando do pó. Eu sabia que


levaria tempo até ele estar cem por cento, ou talvez nunca

estivesse, mas ao menos sabíamos que estava sendo feliz, não

vivendo nas chamas como vivia.

― Descanse um pouco querido, você está cansado, acho que


passou a noite em claro. Depois nós nos falamos mais ― pedi

quando o vi abatido, parecia querer dormir tanto quanto eu. Mas no


meu caso eram os remédios, o dele era por não ter dormido hora
nenhuma na noite que passou, pensei.

― Não durmo bem sem você, esses dias longe foi uma tortura,
e essa noite não consegui pregar o olho, preocupado, mesmo o
doutor dizendo que você estava bem. Eu só queria que abrisse os
olhos ― sussurrou ele, inspirando o perfume dos meus cabelos
como se fosse o melhor aroma do mundo. ― Queria que soubesse
que não posso viver sem você, que não posso ser feliz sem que

esteja do meu lado, que você é tudo para mim.

― Eu te amo ― declarei, fechando os olhos.

― Também te amo mais que a vida. ― Respirou fundo


enquanto eu me deleitava com sua declaração de amor.

Mesmo nesse hospital, com tudo o que aconteceu nunca fui

mais feliz. Estar viva era uma dádiva de Deus, e ser abençoada com
um filho que eu nem sonhava que existia era melhor ainda. Ser
contemplada com o homem que amava, sentindo a mesma

felicidade com a notícia ao ser pai era o paraíso. Realizada, era


assim que estava me sentindo.
Ella

O médico não recomendou que eu viajasse até estar melhor


das dores no corpo, não por causa da surra, mas por quase ter

abortado meu bebê. Então, ele recomendou repouso, o que

Christian acatou sem reclamar.

Ele ficou do meu lado todos os dias, nem ia para o hotel


descansar ou tomar banho, fazia tudo ali para não me deixar

sozinha. Esse era o homem mais perfeito que tive a sorte de ter
para mim; podia ser um fora da lei, assassino e, às vezes, sombrio,

mas era o homem que eu amava.

Kian e Alice, já tinham ido para a América com Arrow, Knife e


Eloah no jatinho deles, os pais dos meninos não queriam ficar nem

mais um dia longe dos filhos, e com razão, eu estaria da mesma

forma que Lance e Naty se fossem meus filhos.

Estava esperando para conversar com ela quando chegasse


lá, não por telefone. Temia ouvir que a decepcionei, e sentia que

Christian estava pensando a mesma coisa sobre o irmão.

O meu telefone tocava sem parar, sabia que era Naty, mas
estava nervosa e com medo. Era uma covarde, isso sim.

― Não vai atender? ― sondou uma voz perto de mim.

Levantei a cabeça, pois encarava a tela do telefone, mordendo


os lábios e com o coração na mão.

― Kasper! ― Ele tinha vindo me ver no dia anterior, aliás,

todos os dias que estive ali, ele não arredou o pé do meu lado.

Sabia que tinha muitas coisas com os quais resolver, mesmo assim

aqui estava ele. Não tínhamos conversado ainda, já que sempre que

aparecia eu estava dormindo.

O telefone tocou de novo, então deixei no silencioso.


― É a Naty ― sussurrei.

― Sua amiga? ― Franziu a testa enquanto entrava no lugar.


― O que aconteceu?

― Por minha causa, os filhos dela foram sequestrados...

Cortou:

― Não foi por sua culpa, mas minha. ― Suspirou. ― Eu devia

ter cercado mais o cerco, confiei em El Diablo...

― Ei?! Não coloque a culpa nele, pois não foi. Sei que vocês
dois estão meio estranhos um com outro, mas supere isso pelo bem

do seu sobrinho ou sobrinha. ― Sorri, alisando minha barriga. ―

Não quero que o pai dele e o tio fiquem em pé de guerra.

Sua expressão suavizou. Christian disse que chegou aqui

naquela noite onde eu estava apagada e ficou sabendo.

― Não estamos. Podemos ter discordado quando eu soube

que você foi levada, mas não mais. ― Chegou mais perto e colocou

sua mão sobre a minha, na barriga. ― Fico feliz que esteja feliz, seu
rosto está radiante.

― Estou, né? ― contei sobre o filho que perdi no passado,

mas pela sua expressão, notei que já sabia.


― Lamento por você ter passado por tanto sofrimento. ―

Sentou-se do meu lado na cama. ― Queria ter estado lá para


defendê-la.

― Você também estava vivendo no inferno, não tinha como ter


feito nada ― sussurrei, encolhida. ― Passamos por tantas coisas,

né? Sofremos, choramos e agora estamos aqui felizes; é quase


surreal imaginar que posso estar dessa forma. Espero que um dia,
você também tenha isso e que consiga lidar com as coisas que

aconteceram com você, irmão.

Seus olhos ficaram vazios ao encarar a parede.

― Quando me levaram da cadeia e acordei achei que estava

no inferno, fiquei com medo por mim claro, mas também de nunca
mais poder vê-la de novo. Anos naquele lugar sendo quebrado e

moldado em um assassino matou minhas esperanças, apesar de


que, no fundo, encontrá-la foi o que me ajudou a não me matar,

pensar que poderia estar sofrendo da forma que eu estava... ―


resfolegou, quebrando meu coração. ― E, infelizmente, o meu
medo estava se concretizando por aquela vadia desgraçada.

Também odiava nossa tia com todas as minhas forças, pois


por culpa dela passei pelo inferno.
― Estar naquela arena vendo aquele garoto... meu coração se

parte ao pensar que você foi como ele um dia. ― Limpei meus olhos
molhados.

― Estar fazendo esse trabalho me deixa são, não sei o que vai
acontecer quando acabar. Acredito que agora, com a morte de

Marek vá acabar acontecendo isso, e estou contente que finalmente


acabará, mas...

― Teme não ter um propósito e piorar as coisas aqui. ―


Indiquei sua cabeça, ele assentiu. ― Entendo a situação. Por anos,
eu me senti assim sem rumo mesmo com Naty e Lance me

ajudando, mas ao perder aquele bebê foi como um choque para eu


acordar, não sei, e os gêmeos me ajudaram muito. Também me

foquei em encontrar você, e isso me manteve ativa. ― Soltei um


suspiro.

― Lamento não ter contado que eu estava vivo, temia me

aproximar e meus inimigos a encontrarem; foram anos complicados


para mim, não queria que soubesse que eu tinha me tornado quem
sou agora. Outra, pensei que seus traumas também fossem pelo

fato de eu ter matado nosso pai na sua frente. ― Pegou minha mão.
― Você me protegeu, meu irmão, salvou minha vida. ― Tentei
tirar sua culpa, mas entendi que era grande demais para ele me
deixar penetrar e fazê-lo ver que as coisas não eram assim.

― Por muitas noites, eu ia até seu quarto naquela faculdade,


ouvia seus gritos... sabia o que a nossa tia tinha feito, então a fiz

pagar caro por isso, assim como todos que ousaram machucá-la.
Mas acreditei que tivesse culpa nisso também.

Sacudi a cabeça.

― Acho que nem deu tempo para eu sentir algo por você ter
matado nosso pai na minha frente; o que houve depois não deu

espaço para isso. ― Apertei sua mão calejada de lutar. ―


Passamos pelo inferno, a dor, tormento e desespero em todos esses
anos separados, mas soubemos fazer nossos caminhos para o

outro.

― Sim, estamos juntos. Você, feliz e esperando um filho do

homem que ama. ― Tinha algo na sua voz que não identifiquei.

― Um dia, você também amará uma mulher assim como amo

o Christian; esse amor irá ensinar que com essa pessoa do nosso
lado temos forças para enfrentar tudo. ― Desejava com todo meu

ser que conhecesse alguém que o ajudasse a lidar com esse fardo
que carregava, era pesado demais para ele sozinho. Se eu pudesse
ajudá-lo, faria, mas não podia...

― Não acho que isso funcionaria. ― Sacudiu a cabeça com


aquele olhar vazio e morto. ― Estou além de redenção, maninha,
não há nada aqui para alguém, é tudo podre, escuro e quebrado

demais.

Lágrimas desceram pelos meus olhos com minha alma


sangrando por ouvir isso dele.

― Kasper... ― meu coração quebrou.

Beijou minha testa e ficou de pé.

― Preciso ir. Assim que terminar algumas coisas irei vê-la em

Lincoln. ― Podia ver que não queria falar sobre o assunto. Queria
insistir, mas não o forçaria.

― Sim, ficarei ansiosa te esperando. ― Saí da cama também,


meio dura. Fiquei ao lado dele. ― Saiba que amo você demais. E

não acredito no que disse, tenho fé que um dia será feliz.

― Estou agora com você na minha vida ― respondeu.

Poderia estar, mas no fundo sua dor e desespero estavam


visíveis em seus olhos.
― Eu também estou com você aqui. ― Não toquei no assunto

de seus traumas, entendia que falar doía como navalha, não


queríamos isso, só esquecer e seguir em frente. O problema era

que meu irmão não estava seguindo em frente.

Rezava em silêncio para Deus enviar alguém em seu caminho,

assim como enviou Christian para o meu.

― Queria ver a Belinda, soube que ela está indo embora hoje

também. ― Mudei de assunto, já que não teria como fazê-lo mudar

de ideia sobre como pensava de si mesmo. Um dia sua mente ia


mudar, tinha fé nisso; se eu não podia alcançá-lo, acreditava que

Deus enviaria alguém que pudesse fazer esse serviço.

― Posso te levar lá ― disse, parecendo aliviado por eu mudar

de assunto.

Assenti e saímos do quarto, mas antes de prosseguirmos uma

voz retumbou atrás de mim:

― Aonde diabos está indo?

Pulei, o que fez minhas costas protestarem com as dores

musculares.

― Christian! ― Ele vinha em nossa direção, parecendo

furioso. ― O que foi?


― O médico disse repouso, e isso não inclui andar por aí. ―

Apontou.

Suspirei, sabia que ia dar nisso; a sua proteção a mim

aumentou ainda mais após saber sobre a gravidez.

― Ele me recomendou que ficasse sem esforço por um tempo,

e não que eu ficasse sem andar. ― Christian não me deixava fazer

nada, até tomar banho queria me ajudar temendo que eu caísse,


nesse ponto ainda deixava, mas até na hora de fazer xixi, ele queria

me levar, horas, isso era humilhante. Chamei o médico e ele disse

que não precisava de tudo isso, mas o homem era muito teimoso.

Quem ia tirar isso da cabeça dele?

Ele soltou um suspiro, mas antes que dissesse mais alguma


coisa, Belinda surgiu atrás dele, em uma cadeira de rodas, ao lado

de um rapaz de olhos escuros, cabelos curtos nas laterais. Alto, e

machucado também. Tinha outro do seu lado, mas esse tinha olhos
azuis.

― Oi, você é Ella, né? ― Ela sorriu para mim. ― Me chamo


Belinda.

― Sim, sou. Eu estava indo falar com você. ― Sorri, chegando


mais perto, o que fez Christian dar um passo até mim como se eu
fosse cair. Mas ignorei, se realmente precisasse ficar na cama teria

ficado, jamais colocaria a vida do meu filho em risco, nunca


destruiria essa felicidade que estava sentindo. Me sentia nas

nuvens.

No fundo, entendia o medo de Christian, ele perdeu muito, e

agora fazia tudo para evitar passar por aquilo de novo. Por isso

relevava sua proteção fora de controle.

― Oh, sim, também pedi ao Stefano para me trazer até aqui

para vê-la. ― Olhou para o rapaz de olhos escuros, depois ao


Christian: ― El Diablo disse para virmos até você. Disse que não

podia se locomover.

Fiz uma careta para meu namorado.

― Ele é exagerado ― falei, e continuei quando Christian foi

abrir sua boca para retrucar. ― Queria agradecer por me salvar na

arena, estava desestabilizada lá devido a algumas coisas que me

causaram gatilhos, mas acho que não seria boa ajudante com
aquele garoto, ele é realmente...

― Letal ― terminou com um sorriso. ― Sim, ele é bom.

― Bom é eufemismo, espero que ele esteja bem. ― Não era


culpa dele ser daquela forma, o único culpado era quem o manteve
preso todos esses anos.

― Cade vai ficar bem, mas demorará algum tempo. ― Lyn


soltou um suspiro.

― Isso é bom, um dia quero conhecê-lo se possível ― falei.

― Também seria interessante chamá-lo para um duelo, claro


que terei de lutar muito se eu quiser vencê-lo. ― Colocou a mão no

queixo, pensativa.

― Seria interessante. Acho que preciso aprender a lutar, tentei

fazer aulas uma vez, mas as coisas saíram meio do controle. ―

Sacudi a cabeça não querendo pensar no dia em que fui aprender a

me defender. Quando o professor ia para cima de mim com a


intenção de me bater, claro, mostrando um ataque, minha mente

não reagia bem com lembranças ruins que me atormentavam, aí

tudo ficava uma loucura.

― Talvez se uma mulher ensinasse as coisas seriam

diferentes ― ponderou ela.

Belinda não perguntou o que aconteceu, acho que no fundo

sabia ou suspeitava.

― Pode ser. Mas Christian pode me ensinar, ou meu irmão ―

olhei os dois com um sorriso. ― Com vocês, eu não devo ter


problemas.

O canto da boca do meu irmão se levantou, seria um sorriso?

― Teria que esperar para aprender a lutar. ― Indicou minha

barriga. ― Talvez após o bebê nascer.

― Claro. ― Não estava pensando em ser agora, só algo para

o futuro.

― Está gravida? ― indagou Belinda com um sorriso imenso.

Pensei que todos ali soubessem da notícia, talvez ninguém

tivesse contado a ela.

― Sim, estou que não me aguento de tanta felicidade, sabe? A

vida toda sonhei com isso e agora finalmente se tornou realidade. ―

Enquanto falávamos, os homens se afastaram conversando entre si,

acho que também querendo nos deixar sozinhas. Gostei disso.

― Por que não podia ter filhos? ― sondou curiosa.

Contei a ela o que aconteceu comigo, o menino que perdi,

sempre que pensava nisso, eu chorava.

― Oh, sinto muito ― falou com sinceridade.

― Essa gravidez me fez sentir completa de novo, feliz como se

estivesse flutuando ainda. ― Limpei meus olhos molhados e sorri.


― Não vejo a hora de nascer, sei que ainda vai demorar, mas sonho
com esse momento.

― É normal, não tenho filhos e não quero ter por um tempo,

mas isso é de cada um, além disso, amo crianças. ― Ela contou

que trabalhava como assistente social, onde ajudava muitas

crianças.

― Sou voluntaria na ONG contra maus tratos à crianças e

mulheres. Qualquer dia podemos nos reunir. ― Falar desse meu


trabalho era quase tão gratificante quanto ser advogada.

― Claro que sim, só me deixa resolver algumas coisas, que no

futuro podemos fazer isso sim. ― Depois, ela disse que trabalhava

em seu tempo livre em um ringue de luta.

― Explica o fato de você ter lutado tão bem com Cade, isso é
por anos de treinos. ― Dei um sorriso. ― Vou precisar aprender

alguns golpes.

― Poderia te ensinar, mas moramos em países diferentes.

Mas quando for a sua casa, te dou umas aulas ― disse, parecendo
ansiosa. Ela parecia amar lutas.

― Que tal parar de falar em lutar? Já teve o suficiente por um


tempo ― Stefano falou, o de olhos escuros.
O de olhos azuis, que eu não sabia o nome, foi até ela e
passou os braços em seu pescoço a abraçando.

― Stefano tem razão, agora só trate de ficar boa logo, já

envelheci dez anos da minha vida com tudo o que aconteceu. ―


Beijou-a no rosto.

Pelo rosto calmo de Stefano, não ligando para a cena, esse


rapaz devia ser algum parente, irmão talvez, mesmo que não

tivesse muita semelhança entre eles.

― Benjamin, eu estou bem ― assegurou ela. Pela forma


parecia dizer isso muitas vezes.

Nos falamos um pouco mais sobre nós nos vermos em breve,


em seguida, ela me desejou felicitações pela gravidez.

Ficamos de nos encontrar no futuro, esperava que desse tudo


certo. No momento, eu ia focar em ficar boa para, dali alguns meses
conhecer o lindo rosto do meu bebê. Essa espera ia me matar, mas

valeria a pena.
Ella

Tínhamos chegado de Praga no dia anterior, e eu ainda estava


dolorida, mas graças a Deus estava tudo bem.

No momento, eu estava de pé no quintal da casa de Lance,

olhando para Naty, que estava sentada em uma cadeira fitando os


filhos brincarem no quintal.

Respirei fundo e fiz meu caminho até lá, com Christian me

rebocando. Paramos na frente de Naty, que ficou de pé e correu


para mim me abraçando e me fazendo gemer com o aperto.
― Desculpe, é que senti sua falta. Você não estava me

atendendo, isso... ― se afastou. ― Por que diabos não me


atendeu?

Minha amiga sempre era direta, não dava ponto sem nó. Olhei

para Christian.

― Pode nos deixar a sós? ― pedi a ele.

Assentiu e olhou para o lado.

― Sente-se ali. ― Indicou um dos bancos. ― Ou quer que eu


pegue uma cadeira para você?

Sabia que ele não ia a lugar algum se eu não me sentasse,

então aceitei, indo para um banco perto de nós.

― Melhor? ― No fundo, eu estava amando sua proteção.

Assentiu mais relaxado e veio até mim, esquadrinhando meu

rosto como se esquecesse que tínhamos companhia. Após um

segundo, ele saiu deixando minha pele aquecida como brasa.

― Ele parece intenso. ― Naty o fitava se afastar para dentro

da casa.

― Bota intenso nisso... ― Sorri. ― Sua proteção está um

pouco exagerada, mas até gosto.


― Você o trouxe para casa ― comentou ela, virando-se para
mim. ― Agora me explica, por que não atendeu minhas ligações?

Mordi os lábios.

― Temia que me culpasse pelos gêmeos terem sido levados, a

dor e desespero que deve ter sentido não foi fácil. Lamento tanto,

Naty, pois por minha causa vocês se machucaram e os meninos...

― tentei controlar minha voz, mas as lágrimas desceram pelo meu

rosto.

― Ella, você se arriscou para salvar a vida deles, e eu não

serei grata o suficiente, ao Christian também. ― Respirou fundo. ―

Graças a vocês e a Deus, eu tenho meus meninos comigo aqui. ―

Olhou para os dois, brincando não muito longe, e depois a mim: ―


Você poderia ter morrido nessa busca por salvá-los... então sempre

terei uma dívida com você, amiga.

Éramos amigas há anos e eu devia saber que nossa amizade

era maior que tudo.

― Eu os amo e não poderia deixar acontecer nada com eles.

― A abracei forte. Não contei a ela que cheguei a pensar que ela e

Lance estivessem realmente mortos, não queria preocupá-la mais.


― Amo você demais para perdê-la. Mas serei eternamente

grata por você ter ido resgatar minhas razões de viver. ― Ficamos
ali abraçada uma a outra por um tempo, então me afastei.

― Também te amo, agora preciso te contar uma coisa, era


para ter contado antes, mas... ― Entendia que precisava desabafar

ou acabaria enlouquecendo. ― É complicado, sabe? Há tantas


coisas que nunca te contei sobre meu passado, mas sinto que devo
contar tudo para deixar para trás e viver essa oportunidade que

estou tendo de ser feliz.

― Eu sei desde o dia que conheci você que havia muitas

coisas sobre seu passado que não me disse, não insisti nem fiquei
magoada por isso, porque no fundo via os demônios em seus olhos;

fora as noites em que acordava gritando. ― Inspirou ela. ― Você


fala enquanto dorme, a vi muitas noites suplicar para que não a
machucassem.

Pisquei, pois pensava que ela não soubesse, afinal, nunca


contei, pois não queria que sofresse. Mas, devido a minha tentativa
de suicídio ficou claro, não era difícil adivinhar.

― Sinto muito por não ter contado, mas era tão sombrio essa
história... ― Fitei minhas mãos.
― Entendo, não sei tudo, só peguei algumas coisas, alguns

trechos, mas é suficiente para entender a dinâmica do que


aconteceu. ― Sua voz estava triste.

― A partir de quanto tempo ficou sabendo?

― No hospital. Eu sabia que sofria de depressão, você mesma

contou, mas não tinha conhecimento do que era, afinal, nunca me


disse e não forcei por não querer que piorasse. Mas então, uma

noite Lance tinha ido dormir e fiquei com você, foi quando ouvi suas
súplicas à sua tia para ela não deixar... ― Seus olhos estavam
molhados.

Lembrei da vez que fui parar no hospital, Naty e Lance ficaram


comigo, amigos fiéis e leais iguais os de Christian. Tive a sorte
grande com isso.

― Lamento por ter feito aquilo. Vocês eram meus melhores


amigos e os decepcionei. ― Inspirei, tentando controlar as

emoções.

― Nunca nos decepcionou. ― Pegou minha mão e me fitou.

― Você estava doente, entendemos isso...

― Eu matei meu bebê... ― Chorei, colocando a mão no peito

querendo arrancar aquela dor insuportável só de lembrar daquele


dia.

― Oh, minha amiga, você não sabia que estava grávida. ― Me


abraçou forte enquanto eu chorava.

A culpa era algo que me consumia por dentro; por anos me


senti péssima, no fundo do poço com tudo o que aconteceu comigo.

Então, tentei acabar com aquele vazio e tormento, mas no final não
consegui, e acabei perdendo algo que nem sabia que tinha.

― Se eu não estivesse profundamente no abismo teria notado

as coisas...

― Não pode se martirizar assim. Como eu disse, você estava

doente, e pessoas que passam pelo que passou tendem a ficar


assim, outras até fazem coisas piores. ― Se afastou, ainda

segurando minha mão. ― Graças a Deus que não fez.

― Às vezes, ficava imaginando como ele ia ser, com quem ia


se parecer se não o tivesse perdido. Sabe? Coisas que pais

pensam... Por que não fui mais forte? Eu tinha você, Lance e Travis.

― Ele tinha acabado de trair você, não estava ali para ajudá-

la. ― Trincou os dentes.

― Não foi culpa dele. Claro que ele devia ter terminado comigo

antes, mas após saber o que fez me mostrou que eu não podia ser
feliz, não tinha como me relacionar com alguém, pois me sentia
quebrada, devastada e destruída com o que aqueles monstros
fizeram comigo. ― Respirei fundo. ― Eles me mataram, arrancaram

minha alma, sentia que respirava, mas estava morta. Então por que
não me livrar desse tormento? Era assim que eu estava me sentindo

quando cortei meus pulsos e sangrei tanto que perdi um ser


pequenino que crescia dentro de mim.

― Sei que não acredita em destino, mas, às vezes, ele prega

peças, talvez isso tenha acontecido para ajudá-la a passar pelo que
passou, é doloroso? Sim! Mas após tudo, você se reergueu e agora

é uma profissional brilhante.

Entendia o que ela estava dizendo, entretanto, isso não queria

dizer que doía menos.

― Acredito sim em destino, acho que ficar perto de você e

Lance me ajudaram nisso. ― Dei um sorriso. ― Mas no fundo, eu


sei que pode ser isso. Todavia, não quer dizer que eu não me sinta

culpada pelo que aconteceu, nem que um dia vá parar de doer.

― É compreensível, Ella, coisas assim tendem a ser

permanentes. Mas mesmo que sua mente esteja caindo à deriva


saiba que têm amigos, família, melhor dizendo. ― Sorriu de lado. ―

E Christian, e o seu irmão, agora que o encontrou.

Tantas noites permaneci acordada pensando que se eu


houvesse frequentado psicólogos antes, talvez nada disso tivesse

acontecido.

Tive que descobrir outros meios de sobreviver e sair do

buraco. Minha amiga, seu marido e seus filhos me ajudaram muito.

Claro, ir à psicóloga depois de tudo o que aconteceu ajudou muito

também. Conversar com alguém me fez lidar com algumas coisas.

Contei o que aconteceu na Dinamarca, não deixando nada de


fora. Já escondi coisas demais.

― Uau! Você colocou mesmo a faca quente no... ― Ela olhou


ao redor, sondando se os meninos estavam por perto, então

continuou assim que notou a área limpa: ― pau do filho da puta?

― Eu fiz isso. Mas no fundo me senti mal por não me sentir

mal, entende?

Ela riu da minha frase enrolada.

― Entendi. Você é advogada, onde prende pessoas que fazem


coisas iguais ao que fez, torturar. Mas pensa por esse lado: o infeliz

a tocou, machucou você de tal forma que tentou dar cabo nesse
sofrimento, então se sentiu melhor. ― Sorriu ― Ou pode deixar

comigo, que eu cortarei seu pau escroto.

Eu ri, não deixando as lembranças ruins atrapalharem as boas.

― Meu irmão o eliminou, e não sinto nada, só um alívio, sabe?


Depois, Christian lidou com os outros. ― Não contei o que ele fez

realmente; não precisava entrar em detalhes.

― Então realmente estão juntos? Vi a forma que ele reage a

você, a forma que a tocou como se fosse de porcelana. ― Colocou


a mão no coração parecendo emocionada. ― Seus olhos brilham,

amiga.

― Christian é... ― Tentei encontrar as palavras certas para

descrevê-lo. ― Como eu disse antes, intenso.

― Não assusta você o que ele faz?

― Sabe quem ele é? ― Pisquei, claro que ela devia saber que
era algo fora do comum, menos um guarda-costas.

― Os homens que nos atacaram falaram que ele era um


assassino de aluguel ― falou.

Franzi a testa.
― Você não ficou chocada com o que meu irmão fez com

aqueles caras que me tocaram, ou o que Christian é? ― Avaliava


sua expressão.

Franziu o cenho.

― Por quê? Por mim, que os dois tenham matado esses

escrotos com muita dor. ― Suspirou. ― E quanto ao Christian, eu


sabia que tinha algo errado com ele após conhecê-lo no casamento,

sua expressão... depois, ouvi que a máfia que matou a família dele

tinha sido dizimada, então juntei as peças.

― Então sempre suspeitaram dele.

― Sim, mas Lance queria dar tempo para que o irmão

contasse na hora certa, embora pensássemos que ele fosse um


mafioso, afinal, só uma máfia para destruir outra ― falou. ― Não

ligo para quem seja, ele salvou meus meninos, então serei grata

para sempre. A ele e a você.

Respirei fundo e olhei para a casa de dois andares, mas não

foi isso que me fez sorrir, mas sim, meus pestinhas, que eu amava
demais vindo correndo em minha direção.

― Tia! ― gritou Alice, me abraçando e me fazendo encolher,


mas não me afastei.
― Oi, meu amor. ― Se afastou e abracei Kian. ― Senti falta

de vocês.

― Nós também. ― Ele sorriu.

Os dois se pareciam muito com Lance, loiros e de olhos claros.

― Vão para dentro agora tomar um banho que daqui a pouco


vou preparar o almoço. ― Ela falou, ficando de pé, pois os meninos

tinham sujeiras nas roupas por brincar no quintal.

― Sim, mamãe ― respondeu ele com Alice o imitando. Minha

amiga soube educar muito bem esses garotos.

Os dois me abraçaram um segundo, depois a mãe deles, e

então entraram na casa.

Custava a acreditar que dali alguns anos, eu teria isso.

Sonhava há muito tempo em ter uma criança, agora que aconteceu

sentia que podia explodir de emoção.

― Quero te contar uma coisa muito boa, uma que me fez a

mulher mais feliz do mundo. ― Estava quicando de júbilo.

Era hora de dar um basta para coisas ruins, agora só queria

notícias que me deixassem feliz.

― O que é? ― Ela me avaliou e então piscou: ― Vai se casar?


Sacudi a cabeça.

― Não, muito melhor que isso. ― Coloquei a mão na barriga

com um sorriso imenso. ― Estou esperando um bebê.

― Oh, meu Deus! ― gritou, me puxando em um abraço, me

fazendo gemer. Se afastou. ― Desculpe, estou tão feliz por você.

― Eu sei. Nem acredito que isso está acontecendo ― Ficamos

falando um tempo sobre minha gravidez, e ela sobre os filhos


estando em casa, seguros e salvos. Nós duas éramos gratas. Naty,

por ter os filhos de volta, e eu, por não ter perdido o meu.

O importante agora era estar cercada da família, e eu estava

nesse momento; com meus pimpolhos, meus amigos e o homem

que roubou meu coração e minha alma, e me deu a coisa mais


valiosa da minha vida, um filho.
El Diablo
Inspirei e peguei um copo de bebida; sabia que teríamos uma

conversa difícil, uma a qual, eu estava preparado, assim, eu


esperava.

Lance se sentou no sofá ao meu lado; de onde eu estava dava

para ver Ella conversando com Naty, e os meninos correndo pelo

quintal como se os perigos que passaram não fossem nada, essa


era uma dádiva de ser criança.

Fiquei grato que eles não ficaram com traumas do acontecido,

por pouco não cheguei a tempo... expulsei esses pensamentos da


cabeça.

Foquei na mulher que tinha entrado na minha vida e


arrebatado meu coração para si.

― Não sabe o quanto sonhei que chegasse esse dia ―

começou Lance.

Olhei para ele, que me observava.

― Ver você assim com alguém de novo... no fundo, eu sentia

que seria Ella a fazer isso desde o meu casamento quando os vi

dançando juntos.
― Você nos viu? ― Não me recordava de sentir alguém nos
espiando, mas também minha cabeça não estava em um bom lugar.

Porém, senti-me diferente quando conheci Ella, naquela época, ela

já me tocou fundo.

― Sim, o vi quando saiu com ela para o lado de fora, então o

segui por curiosidade, mas gostei da forma que vocês estavam

reagindo. Os dois precisavam disso; ela sofreu muito ao perder

aquele bebê, e acredito que antes disso também. Não sabia muito o
que aconteceu em sua vida, mas podia ver aqueles demônios nos

olhos e nos sonhos dela. ― Se encolheu. ― Quando Ella tentou

tirar sua vida, eu sabia que algo medonho vinha dali, mas não fiz

perguntas, no momento certo se abriria. Nem com Naty, ela se

abriu. Entendia que não queria falar, porque doía. O que quero dizer

é que vocês dois sofreram, de maneiras diferentes, mas não menos

dolorosa.

― Será que a dor nos ligou? ― falei mais comigo mesmo. ―


No casamento, eu vi algo diferente em seus olhos, mesmo assim,

ela brilhava como o Sol. Não sei se porque minha escuridão era

demais que sua luz me ofuscou.


― Sim, ela tem isso, quando os vi juntos, pensei que algo nela

te tocou, mas sabia que você não estava pronto, ainda mais após
ter feito tudo o que fez. ― Sacudiu a cabeça. ― Quando ouvi na TV

sobre a máfia massacrada algo me disse que era você, e se


comprovou anos depois assim que o vi no meu casamento. A forma
que estava... aquele Christian tinha desaparecido dando espaço

para o que é hoje.

Meu coração bateu fundo em meu peito pensando que não me

aceitaria com as mudanças.

― Esse, é quem sou agora, e não mudarei...

― Não quero que mude nada, irmão, nunca quis, a única coisa

que eu queria era você aqui, ou ao menos que telefonasse de vez


em quando para dizer: estou vivo. Ou algo nesse sentido. ― Não

me esperou dizer que sentia muito, continuou: ― Sei o que passou,


a sensação de ver sua família ali à mercê deles... você indefeso,

sem poder fazer nada... ― Estremeceu. ― Quando eles levaram


meus filhos, eu nunca senti uma dor como aquela, não sabia o que
poderia fazer com eles... Isso acabou comigo.

― Lamento pelo que aconteceu ― sussurrei. ― Prometi que


estariam seguros, mas falhei.
― Nunca falhou, Christian. Você não tem o destino de todos

nas mãos, não é Deus. Estamos aqui hoje, e amanhã podemos não
estar. É doloroso pensar nisso? Sim, mas é a realidade da vida. ―

Colocou o braço em meu ombro. ― O que podemos fazer é dar o


máximo de nós para impedir que esse tipo de coisa aconteça de

novo.

― Uma parte de mim não se aproximou de vocês por isso,


pois sabia que meus inimigos um dia os encontrariam, mesmo que

dessa vez não teve a ver comigo, mas poderia ter sido. ― Não
gostava de pensar nisso. Cogitar essa ideia.

― Você escolheu essa vida, foi atrás daqueles homens e os


matou por vingança. Mas após isso, teve a escolha de não seguir

esse caminho, mas não fez, e não estou recriminando isso ― se


apressou em explicar quando encolhi os ombros. ― O que estou
dizendo é: ao fazer o que fez motivou você a prosseguir por esse

caminho.

― O que sabe a respeito do que faço? ― inquiri, só para ter


certeza. Mas suspeitava que soubesse.

― No começo pensei que tivesse se tornado mafioso, então


aqueles homens disseram que era um assassino de aluguel. É
verdade? ― Virou o rosto para me observar, não vi acusação ou
desdém ali.

Não ia mentir sobre isso, não mais.

― Sim. Mas tenho uma seleção de casos que pego, não saio
por aí matando pessoas a torto e a direita. Mato aqueles que não

farão falta a ninguém, aliás, o mundo está bem melhor sem eles. ―
Não sentia nada que não devesse sentir, além de eliminar um inseto

que não deveria respirar.

― Por que não me contou? Teria entendido, sabe? Jamais iria


acusá-lo ou o olhar de forma diferente ― me disse com um suspiro

doloroso. ― Não saber onde estava foi...

― Lamento muito, Lance... Sinto muito que o fiz sofrer em

todos esses anos. ― Fiquei de pé com as mãos na cabeça. ―


Merda! Tudo estava nebuloso demais... aquela dor insuportável,
sentia que estava à deriva em um mar profundo onde não

encontrava o caminho de volta.

― Entendo você, e agora ainda mais após tudo o que passei

ao pensar que iria perder meus meninos. ― Respirou fundo, ficando


de pé na minha frente. Colocou a mão em meu peito. ― Sinto tanto

por essa dor que carregou todos esses anos, e sozinho, sem dividir.
Espero que agora me deixe entrar. Não quero passar mais tempo
longe de você.

― Não vai. Eu irei dar um jeito de reforçar a segurança e


deixar alguns recados por aí. Se acaso alguém vir querer tocá-los
saberá o peso disso. ― Passaria a mensagem com Patrick.

Sorriu e me abraçou forte. Ele sempre foi assim, carismático e

muito sentimental; gostava de abraços, palavras carinhosas, puxou


nossa mãe.

― Sei que sim, irmão ― falou com intensidade, se afastando,

e me encarou. ― Não sabe a falta que senti de você em todos

esses anos, e o quanto estou feliz por estar de volta. Além disso,

por ter salvado meus meninos.

― Não há o que agradecer ― falei a verdade. ― Eles são

minha família, e protegemos a nossa família.

― Ainda bem que acabou ― comentou ele, olhando pela


janela, onde os meninos vinham em nossa direção.

Ainda não acabou, pensei. Tinha uma pessoa que eu estava


louco para colocar minhas mãos. Vlad e os outros foram atrás de

Patrick; soubemos que estava na tal ilha, e o infeliz tinha algo lá que

não sabíamos o que era, mas iríamos descobrir.


Minha única ordem? Patrick era meu. E assim que o

pegassem, o deixariam preso até eu chegar.

― Papai? Nossa tia terá um bebê! Mamãe estava gritando lá


fora. ― Alice veio correndo pela porta até nós.

― Filho? ― indagou Lance de olhos arregalados então me


puxou para um abraço apertado todo sorridente. ― Meus parabéns

irmão, você merece toda felicidade do mundo.

Minha garganta fechou, mas retribui o abraço.

― Obrigado ― me afastei com uma emoção forte em meu

peito ― Não achei que pudesse sentir essa plenitude, mas sinto, já

o amo antes de nascer.

Meu irmão sorriu alegre e depois fitou os meninos.

― Sim, entendo completamente. ― depois falou com seus

filhos ― Christian e Ella terão um filho ― A menina parecia

animada, embora não soubesse o significado disso, talvez tivesse

ficado assim ao ver a mãe contente. ― Isso significa que logo terá
mais uma criança para brincar.

― Isso significa que não machuca mais meu tio ficar perto de
nós? ― Kian ficou na minha frente olhando para cima, diretamente

para mim.
Segurei a respiração um segundo.

― Onde ouviu isso? ― indagou Lance.

― Ouvi o senhor dizer a mamãe uma vez...

― O que falei sobre ouvir atrás da porta?! ― ralhou Lance.

Tinha falado com ele, em Praga, sobre isso, mas entendi que

devia ser por ter acontecido mutas coisas que o fizeram se

esquecer, ou eu teria que provar que não iria me afastar mais.

― Foi sem querer, papai. ― Mexeu suas mãozinhas, olhando

para os pés.

Antes de Lance dizer algo, eu me abaixei e fiquei à altura dele

e de Alice, que estava calada.

― Acho que preciso provar que não irei a algum lugar. A minha
família está aqui, tudo que tenho está aqui. ― Apontei para os dois

e ao redor. ― Posso ficar uns dias longe, mas sempre vou voltar.

O menino sorriu e me abraçou, assim fez Alice.

― Que tanto abraço é esse? ― Ouvi a voz da mulher que


ajudou para isso ser possível. ― Também quero um.

Os meninos se afastaram indo até ela e a abraçando pela

cintura. O brilho nos olhos dela ao encontrar os meus era como as


estrelas, refletia tudo, pude ver que ela estava feliz por eu estar ali.

Meu irmão passou o braço no meu ombro e sussurrou, assim

que fiquei de pé ao seu lado.

― Isso é tudo que sonhei nos últimos anos, e finalmente se

tornou realidade. ― Deu um tapinha no meu ombro. ― Seja bem-

vindo de volta, irmão.

Sabia que tinha muito que compensar a todos ali, e tinha muito
tempo para fazer isso; o bom era que agora, além de ter meus

amigos, que estavam lá para mim, também teria minha família. Não

podia pedir coisa melhor que isso.

Após o almoço com todos ali reunidos, algo que senti falta,

essa união dentro de casa, fiquei a tarde toda com minha família,
até meu telefone tocar.

― Tem que ir? ― sondou Ella, me lendo. Não queria me


afastar dela, mas precisava.

Estávamos na sala, reunidos e conversando sobre o passado,


menos sobre a perda que tive; entendi que não queriam tocar no

assunto, e agradeci, pois não queria falar sobre isso, não naquele

momento, quem sabe um dia?


― Sim, preciso findar mais um problema que ficou para trás ―

falei.

― Problema? ― indagou Lance, parecendo preocupado.

― Patrick Cleveland. Hoje chegou o fim dele. ― Fiquei de pé.

Lance arfou.

― O pai de Rúbia? ― Franziu a testa. ― O que ele fez?

― Aquele velho está louco da cabeça. Há algum tempo, ele

me parou na saída da escola dos meninos para alfinetar coisas

sobre você, Christian ― disse Naty a mim. ― Não dei ouvidos, ele
te odeia.

― Ele fez o quê? ― indagou Lance.

― Estou bem, só veio dizer que culpava Christian pelo que

aconteceu. ― Ela parecia com raiva desse fato.

― Não ligo para o que ele pensa, ou pelas coisas que enviava

a minha casa me acusando, isso nunca me importou. Mas ao


chegar perto de Ella mudou as coisas. ― A fitei. ― Ele te procurou,

não é?

― Vlad te contou? ― Mordeu os lábios enquanto assentia.


― Era preciso. Patrick me enviou uma foto bem

comprometedora de vocês dois abraçados em um ângulo que dava


para ter outros pensamentos. ― Ela arregalou os olhos com isso. ―

Mas confio em você e nele, então o obriguei a me contar.

― Sujeito descarado, manchar a integridade da minha amiga

― rosnou Naty. Depois sorriu. ― Vai dar uma surra no velho?

― Não, mas vamos dizer que seus dias estão contados...

― Você vai matá-lo... ― sussurrou Ella.

― Se fosse por me atingir, eu não iria fazer nada, mas ele


contratou pessoas para matá-la, o seu atirador foi ele. Finn

O’Connor contratou alguém para eliminar só o promotor, isso explica

o fato de ter dois assassinos, sendo que se fosse uma pessoa a


contratar pagaria só um, e seria capaz de eliminar dois alvos em

segundos. ― Me perguntei sobre isso no dia, mas deixei passar.

― Foi ele que mandou me matar? ― Sacudiu a cabeça. ―

Tudo por odiá-lo sendo que não foi culpado de nada.

― Às vezes, a dor que está passando te faz acusar uma outra

ao pensar que isso resolverá as coisas, mas não resolve, você só é

consumido ainda mais a cada dia. ― Assim como eu culpava o

mundo onde fui obrigado a me afastar daqueles que me amavam


para não verem quem eu era. A agência me ajudou a colocar os pés
no chão; Arrow e Flame tiveram muito a ver com isso. ― Outra, ele

está envolvido com prostituição infantil, foram encontradas muitas

meninas na ilha que ele tem não muito longe daqui.

Estava puto por causa disso; o velho que odiava pessoas

corruptas e me acusava de ser um delinquente estava até o


pescoço na sujeira.

Me despedi de todos ali e fui até o lugar marcado, onde


encontraria o meu ex-sogro.
El Diablo
Assim que entrei no galpão onde Patrick estava amarrado

encarei o homem que um dia comeu na mesma mesa que minha


filha, um pervertido desgraçado.

Encarei o homem inconsciente na cadeira.

― Quantas meninas havia lá? ― Lyn estava puto, não era um

Prometheus de garotos, mas era tão nojento quanto. Toda a


porcaria me enojava e não era o único.

― Vinte e cinco. Mas tinha uma morta, um dos caras a matou.

― Lyn trincou os dentes.

― Espero que ele tenha o mesmo caminho que ela... ― fui

interrompido com um grito de dor a direita.

Havia dez homens com algemas nos pulsos, pendurados no

teto do lugar, sem camisas, outros sem roupas.

Gunner, Vlad, Andreas e Knife e alguns dos meus e do Lyn

estavam cuidando dos homens.

― Eles?

― Estavam se aproveitando das meninas, tanto que algumas

estão machucadas. ― Trincou os dentes.


― O que estão recebendo é bem-merecido. ― Suspirei. ―
Encontrou o que pedi?

Tinha pedido a ele para conseguir tudo sobre Patrick; como eu

tinha cedido Hacker por uns dias ao Lyn, ele e o Hacker de Lyn iriam

se aprofundar nos Prometheus, como as coisas iam ficar calmas por

enquanto, poderiam focar nisso, assim eu torcia.

Outra, Eloah podia lidar com o que precisávamos.

― Patrick estava procurando provas contra o Cartel del Cali na

época que sua falecida esposa colocava um deles na cadeia. Pelo

que descobri não foi esse o causador do ataque a vocês, mas pelas

provas que o pai dela obteve e que não quis se livrar. Então, os

criminosos vieram para cima da filha e neta. ― Virou-se para mim


me encontrando paralisado. ― Lamento, cara.

Quando matei todos do Cartel del Cali, eu não fiz pergunta,

estava com muita ira dentro de mim, só cheguei massacrando tudo

e todos a minha frente, não era controlado como hoje; devia ter

pegado o chefe deles e torturado por dias...

― Está dizendo que é por causa dele que Rúbia e minha filha

foram assassinadas? ― Fúria tomou conta de mim, pior que eu

estava sentindo ao saber o que ele fazia.


Acenei para Arrow.

― Acordem ele. Vamos ter uma longa conversa. ― Cerrei

meus punhos querendo socar algo, ou melhor, esse infeliz que foi o

culpado por toda minha desgraça.

Arrow fez o que mandei, jogando água fria no velho, que

acordou com um grito agudo enquanto olhava em volta. Deixei que


me encontrasse, pois teríamos muito que conversar.

Piscou, assim que me viu.

― Seu desgraçado! Eu sabia que não valia nada quando se


casou com minha filha... ― se interrompeu quando um dos homens

presos gritou.

“Chega, me mata logo”

“Ouviu as meninas quando diziam isso?” era Vlad. Depois mais


gritos.

― Não ligue para eles, estão recebendo o que plantaram.

Existe um ditado que diz que tudo que plantamos, nós colhemos.
Eles plantaram isso e estão recebendo a colheita. ― Cheguei mais

próximo dele.

― Bastardo...
― Por que me culpou pelo que aconteceu a sua filha e neta

durante todos esses anos, sendo que foi por sua culpa que eles
mataram as duas? Por que queria triunfar ao colocá-los na cadeia?

A sua glória valia a morte delas? ― Soquei sua boca tão forte que o
sangue desceu, devo ter quebrado alguns dentes com o impacto. ―

E pior, se aliou aos bandidos que tanto recrimina.

― Você deveria ter protegido as duas ― gritou como um


maníaco. ― Quando se casou com minha filha era um delinquente,

um pobre morto de fome. Ao menos, devia prestar para protegê-las,


afinal, era marido e pai.

Suas palavras foram piores que um soco. Mas eu não ia deixar


que me abalasse, não era minha culpa, aceitei isso finalmente.

― Destruí quem matou minha família, dizimei todos eles. Mas

não contava que ficou um de fora, você. ― O fuzilei. ― Se não


fosse por você nenhum deles teriam vindo atrás delas. Se ao menos

tivesse dado o que queriam.

― Não bastasse você não ter honrado as mortes da minha

filha e neta, ainda se aliou com a máfia, a mesma coisa que aqueles
que as tiraram de mim. ― Ele rosnou, se debatendo.
― Você se ouve? ― O homem realmente tinha perdido os
parafusos. ― Não, eu me aliei com pessoas que são diferentes
daqueles mafiosos, onde honramos o compromisso e lealdade, eles

me ajudaram a acabar com os assassinos delas, devia ficar feliz.

― Não estou, eu ia massacrar cada um colocando-os na

cadeia para mofarem lá, onde sofreriam. Mas você foi lá e os matou
rápido demais ― sibilou. ― Todos mereciam mais.

― Você também deveria sofrer pelo que fez, devia só ter


deixado esse caso para lá, mas não! Tinha que ganhar nome, não
é? Honrar os nomes dos Cleveland ― cuspi. ― E tudo para chegar

aonde chegou agora, aliado a homens da mesma espécie que


mataram as duas, e ainda fala de honestidade? Participando dessas

orgias com crianças e derramando sangue de inocentes?

Poderia ficar ali, procurando suas razões para ter feito o que
fez, por se aliar aos bandidos, mas isso não importava mais. Elas

não iriam voltar.

― Torturei todos aqueles naquela organização, mas eu não

imaginava que meu próprio sogro tinha o dedo na morte delas,


então agora vim acertar as contas com você para eu poder enterrar
de vez o meu passado. Quero poder construir o meu futuro com a
nova oportunidade que Deus me abençoou, mesmo não merecendo.
― Suspirei. ― Poderia torturá-lo como eles estão fazendo com os
homens presos ali, para que pagasse por cada erro que cometeu ao

deixar suas coisas respigar nelas, mas por respeito a Rúbia e minha
filha, eu vou ser bem rápido com você.

Estava a ponto de atirar entre seus olhos quando suas


palavras me deixaram duro no lugar, tomado pela fúria.

― Você não vai ser feliz com aquela prostituta barata, sabe o

quanto de homem ela teve? Vocês dois se merecem...

Fui consumido pela fúria diante de tais palavras referente a

mulher que amo. Como ousa dizer isso? O meu sangue ferveu

como um vulcão em erupção então deixei tudo sair, descontando


minha fúria sobre ele, o que fez com minha Rúbia e minha filha e

por Ella também.

Me lancei para ele o socando com força, tanto que o impacto o

fez cair da cadeira.

― Meça suas palavras para ditar coisas sobre a minha mulher,

não ouse acusá-la de nada seu pedófilo de merda! Está

compactuado com essa podridão, ainda se diz correto ― cada


palavra que proferi gotejava gelo.
― Prostituta usada... ― depois disso me perdi em meio a ira

que sentia. Tudo em mim se amargava como féu.

― El Diablo... ― Lyn tentou me parar ― Ele merece uma


morte sofredora e torturante.

Porém não dei ouvidos, lançando meus punhos em seu rosto


tamanho era meu desprazer com esse lixo humano. Não parei de

socá-lo até seu rosto virar gelatina no chão. Examinei seu corpo

sem vida.

― Mas que droga El Diablo! ― rosnou Lyn ― Não devia ter

perdido a cabeça assim, era o que infeliz queria, uma morte rápida.

Pisquei com a respiração aguda e minha carne tremendo pela

adrenalina e raiva. Não tinha perdido o controle dessa forma há


tempos, a última vez foi quando matei os insetos que ousaram tocar

Ella.

O chão estava cheio de sangue do meu sogro, fodido da

cabeça; pensar que eu poderia ter ficado assim se não fosse meus

amigos... Me tornei um sociopata, entretanto não saí por aí


machucando inocentes igual fez com aquelas meninas na ilha.

Eu estava coberto de sangue. Respirei fundo, mas composto,


não menos sedento, se fosse por mim mataria todos os outros
presos ali, mas precisava ir ver Ella, não gostava de ficar longe dela,

ainda mais após quase a perder.

Fiquei de pé, e o encarei com o rosto sem mostrar nada. O

dele estava vazio como um vácuo.

― Ninguém toca no nome dela e diz coisas assim e respirar ―

falei.

― Concordo, só acho que devíamos ter prolongado, mas... ―

Suspirou e me examinou e disse ― Precisa trocar isso antes de


irmos embora.

Assenti com um suspiro.

― Ele não merecia morrer com um tiro de misericórdia. Não

depois que pagou alguém para matar minha mulher e ainda dizer
essas coisas sobre ela ― pronunciei agora calmo. Era como se eu

tivesse um botão de ligar e desligar onde me fizesse explodir, mas

me controlei em tempo recorde também. ― Agora só quero

recomeçar ao lado da sua irmã.

― Sim, você a faz feliz, é tudo que desejo para ela ―


pronunciou.

― Você também pode ser um dia, afinal não acreditava que


poderia e aqui estou eu. ― Eu o observava.
Lyn não respondeu, mas notei que não acreditava nisso. Quem

sabe há alguém por aí que foi feita para ele assim como sua irmã foi
feita para mim, o que aprendi é que não devemos burlas o destino, é

impossível, pode passar anos, porém ele nos traz de volta onde

tudo tem que ser.

― Preciso ir, não quero deixá-la sozinha. ― mudei de assunto,

afinal não conseguiria toca-lo mesmo.

― Sozinha?

― Tracker e Flame estão com ela, mas eu quero estar lá

também ― pronunciei. ― Aparece lá depois, ela ficará feliz em vê-


lo.

― Assim que acabarmos aqui, eu irei ― prometeu. ― Hora de


botar fogo nesse lugar com todos dentro.

Assim fizemos, e eu podia ouvir os gritos daqueles que ainda


estavam vivos ao serem queimados.

― Vamos para casa. ― Assenti.

Casa, era isso que Ella era para mim, ela se tornou meu lar,

meu refúgio e meu tudo. Meu recomeço de uma nova vida, juntos.
El Diablo
Essa época do ano sempre foi um tormento, pois era a

lembrança de um dos piores momentos que tive na vida; houve um


tempo que eu me embebedava nesse cemitério e ficava ali por

horas, me recordando de tudo, deixando as lembranças me

consumirem.

Hoje, me sentia mais leve, doía, claro, isso não ia mudar, mas
tinha conforto com as pessoas que estavam ao meu lado. Minha

família e meus amigos.

De manhã, assim que acordei, Ella disse que viria comigo ao


cemitério; no fundo, gostei que viesse, a sua força me mostrava que

foi feita para mim, e que eu estava pronto para seguir em frente com
a minha vida.

Todos trouxeram rosas e deixaram em frente as lápides. Ella

deixou uma no túmulo de minha menina, o que fez meu coração

aquecer em meio a dor da saudade que sentia dela. Tinha uma foto

dela na lápide, com um sorriso brilhante.

― Oi, princesa. Queria ter conhecido você, aposto que a

amaria. Pode sossegar agora, porque tomarei conta do seu pai. ―


Ela tocou a foto de Yasmin e depois a levou ao seu coração como
se a estivesse guardando ali.

Nunca pensei que pudesse amar de novo, ainda mais uma

mulher tão perfeita como Ella, doce, com um coração gigantesco,

onde merecia mais. Mesmo assim, ela estava comigo, um

assassino. Fosse como fosse, eu era grato por ter conseguido essa

mulher, a razão da minha existência.

Quando se levantou, eu pensei que fosse vir até mim, mas

não, me surpreendeu ao ir até o tumulo de Rúbia e se ajoelhar,


colocando uma rosa ali.

Meu coração sacudiu ainda mais com esse gesto, pois tinham

muitas mulheres que ficariam enciumadas que o namorado tivesse


sido casado, e ainda por cima estivesse ali, no cemitério, prestando

homenagem, mas isso não se qualificava a Ella; ela sabia o quanto

a amava e não tinha dúvidas dos meus sentimentos.

Podia ter amado Rúbia, uma parte de mim ainda amava,

aquela que não me atrapalhava a ser feliz com Ella. Porém, Ella

chegou, pegando meu coração e alma de um jeito que não havia

mais espaço a não ser ela ali dentro, onde se tornou meu tudo.
― Olá, Rúbia. Obrigada por ter amado Christian enquanto

ainda estava aqui, ele merece todo o amor do mundo. Prometo a


você que o farei feliz. Prometo amá-lo até meu último suspiro ―

falou, e ficou ali mexendo a boca, mas sem sair som, notei que
estava rezando.

Ela foi ficar de pé, e cheguei até ela e fiquei do seu lado
pegando sua mão e apertei delicadamente em agradecimento por
estar aqui do meu lado.

― Obrigado. ― Se ajeitou ao meu lado.

― Sempre ― assentiu com firmeza.

Lance e Naty também disseram algumas palavras, assim como


meus amigos, mesmo não as conhecendo, só Hades que as
conheceu, mas ele não estava na cidade, tinha uma reunião com

Miguel. Dois amigos que não estavam perto, mas eu sempre os


tinha comigo, para tudo.

― Vamos deixar vocês dois sozinhos ― disse Naty, puxando


Lance para ir embora.

Meus amigos os seguiram. Ella ia fazer a mesma coisa.

― Fique ― pedi.
Ela assentiu e ficou, segurando minha mão com seu toque

delicado e abrasador onde chega ao meu coração onde um dia foi


morto, mas ali estava, batendo por ela.

Chegou a minha vez, então dei um passo a frente, mas levei


Ella comigo.

Olhei para o túmulo de Rúbia. Não sabia se as pessoas mortas


ouviam, mas minha mãe tinha fé que sim, pois dizia que falava com

seus pais, meus avós que não cheguei a conhecer. Então, eu


também acreditava, fosse como fosse seria bom eu colocar tudo
para fora.

― Quero agradecer por tudo. Desejo que descanse em paz, e


lamento por seu pai estar envolvido nisso tudo e pelo fim que teve.
― Suspirei. ― Hoje não vou deixar mais o passado tomar conta da

minha vida, jamais irei esquecê-las, longe disso, só preciso viver ao


lado da mulher que tem meu coração e alma, mesmo que sejam

escuras com breu, ainda assim, ela os tem e me aceita como sou.

O aperto delicado na mão de Ella me dizia que eu estava

certo, mas não me interrompeu.

― Você teria gostado dela. ― Respirei fundo. ― Adeus, Rúbia.


Dizer essas palavras me fez sentir leve, pois sabia que era
verdade, Rúbia teria gostado de Ella, embora se nada disso tivesse
acontecido não a teria conhecido. O destino foi realmente o

causador disso, e fosse como fosse, eu era grato por terem enviado
Ella para minha vida.

― Ei, princesa? ― falei com minha filha. ― As coisas


mudaram em um ano. Quando estive aqui da última vez, falei que

estava cansado da solidão, desse abismo que me encontrava.


Então, naquela noite, eu tive um sonho com você, pequena, onde
me dizia para ser feliz e não lutar contra isso. ― Olhei para Ella do

meu lado e depois de volta para a foto da minha pequena. ― Cansei


de ficar me culpando e resolvi agarrar minha chance de ser feliz de

novo. Papai vai te amar para sempre, pequena. Nunca vou


esquecer você.

Ficamos ali mais um pouco, em silêncio, tentando organizar


meus pensamentos e sentimentos. Ella esteve do meu lado, sem
nunca ficar impaciente. Apenas me dando forças; eu agradecia por

tê-la em minha vida. Sim, com essa mulher ao meu lado, estar ali se
tornou suportável, pois ela era minha fortaleza, e me ensinou a amar

de novo e ser feliz.


Hoje, eu rezava a um Deus em agradecimento, pois mesmo
através da dor, Ele me enviou uma pessoa para me fazer feliz e
realizado como era hoje, mesmo nesse dia.

Ella

Vir ali com Christian, estar ao lado dele era tudo o que ele

precisava, um apoio ao saber que não estava sozinho, e que nunca

mais estaria.

Eu falei a verdade sobre fazê-lo feliz, pois era isso que eu mais

queria, e sabia que o faria; podia vê-lo se abrindo mais, sorrindo


mais, até brincando com os meninos.

Quando eu os assistia, juntos, não via mais aquelas chamas

em seus olhos como se o tivessem queimando; agora via um brilho


diferente, era felicidade.

Oh, Deus! Eu te agradeço tanto por essa dádiva que está


fazendo aos poucos... sei que fará muito mais, pensei

fervorosamente.

― Obrigado por estar comigo ― me disse quando estávamos

indo embora.

― Sempre que quiser vir aqui, eu estarei com você, é só me

chamar. ― Passei o braço em sua cintura.

― Vou chamá-la. ― Parou e olhou para as lápides. ― É

doloroso ir embora, mas hoje com você do meu lado se tornou

tolerável.

Fiquei feliz que eu estivesse o ajudando a passar por esse

momento.

― Teria feito o mesmo por mim ― anunciei com firmeza. ―

Sua dor é a minha dor, então se estiver passando por um momento


difícil, eu também irei passar. Mas farei de tudo para vê-lo feliz, pois

sua alegria é a minha.


― Não acreditava em destino, mas agora com você aqui nos

meus braços, sei que ele existe, pois me trouxe a felicidade que

nem pensei existir. Não após tudo o que aconteceu. ― Beijou minha
testa. ― Tudo isso, graças a você.

― Trouxemos felicidade um para o outro. ― Nossas dores nos


ligaram há anos, e mesmo com a distância isso não se dissipou, na

verdade, só aumentou até o dia que nós nos reencontramos. Foi

como um eclipse... mesmo em meio a escuridão que nós dois

estávamos, houve luz. Uma como um gêiser, expandindo em nossas


vidas.

― Sim, nós fizemos ― falou, alisando meu rosto. ― Agradeço


aos céus por ter me enviado você.

― Eu te amo muito, e creio que iremos ser felizes. ― Alisei a

barriga. ― Temos uma nova chance de fazer isso, juntos. Nós três.

Assentiu com aquela intensidade, a escuridão estava se

esvaindo de seus preciosos olhos.

― Também amo você, mais que tudo na vida, assim como

amo nosso filho. O destino me deu outra chance e vou aproveitar

cada segundo, como prometi a minha filha.


Não era só o destino que nos guiou para ficarmos juntos, Deus

fez isso, sentia em meu peito. Ele estava nos dando outra chance
para sermos felizes. Aproveitaria cada segundo.
El Diablo
Durante os meses que passaram, Ella e eu vínhamos

procurando casas para comprar, não queria ficar na minha, afinal,


havia muitas recordações lá com minha menina. Claro que sempre

iria me lembrar dela, mas como queria um recomeço achei melhor

uma nova casa, com um quintal grande onde meu filho, ao crescer,
pudesse correr pela grama. Um lugar seguro e murado. A casa de

Ella era pequena, e muito afastada, não gostava disso.

Ali era uma casa grande e muito bonita, também ao lado da

casa do meu irmão. Onde seríamos vizinhos. Pretendia vender


minha casa, ou alugar, afinal, imóvel era um bom investimento.

Ella pensava que eu estava viajando e que chegaria no dia


seguinte, o que era para ser verdade, mas decidi vir mais cedo

quando o médico me ligou avisando o sexo do bebê. Pedi que

quando soubesse não avisasse a minha mulher, pois iria fazer uma

surpresa com isso.

Ella tinha ido com Naty fazer a ultrassom no dia anterior, nas

outras, eu fui com ela e não deu para descobrir o sexo, só nessa

que não pude ir, pois estava na Itália resolvendo algumas coisas da
agência.
Cheguei de madrugada e fui direto para a casa nova e fiquei o
dia todo trabalhando ali, com meus amigos; eles tinham acabado de

ir embora, restando somente Lance, Naty e eu.

Ella e Naty ficaram de ver essa casa dentro de algumas horas,

onde minha garota pensava que se encontrariam com a corretora,

mas o único que estaria ali seria eu, para fazer uma surpresa. Na

verdade, duas delas.

― Pare de puxar isso ― ralhou Naty enquanto eu puxava a

gravata. Queria impressionar e fazer tudo com estilo, pois ela


merecia tudo de bom e do melhor.

Minha cunhada estava me ajudando com tudo, e era grato por

isso, assim como meu irmão, que estava ao lado da mulher.

― Essa casa é linda, faz tempo que os donos queriam vendê-


la, até cheguei a falar com Ella para comprar, mas ela disse que era

grande demais para uma pessoa sozinha. ― Naty sorriu. ― Agora

isso vai mudar, pois minha amiga tem você e o filho de vocês, que

logo irá nascer. Estou tão feliz por isso!

Antes que eu pudesse dizer que eu também estava, ela pulou

nos meus braços e me abraçou forte. Isso me tomou por dentro.


Encontrei os olhos do meu irmão e pude ver que ele também

estava feliz.

― Obrigada por tudo, por trazer luz a vida dela. ― A mulher

quicou, eufórica.

― Ela também trouxe para minha vida ― comentei, me

afastando. Viver na escuridão por anos foi um martírio, mas enfim,


chegara a hora de seguir em frente, com Ella ao meu lado.

Lance sorriu e deu um tapinha no meu ombro.

― Vamos deixar você a sós, na espera dela. ― Riu do meu


nervosismo. ― Se controla, cara, a mulher não vai fugir, até parece

que já é o casamento.

― Olha quem fala... ― disse Naty, pegando o braço do marido.


― Pelo que vi, ao pedir minha mão você ficou todo suado.

Com isso, eu ri, sacudindo a cabeça. Ele fez uma careta.


Estava a ponto de falar, mas um carro parou a certa distância.

― Hora de irmos. Vamos sair pelos fundos. ― Ela saiu com


Lance, me deixando na sala.

Respirei fundo
― Naty? Está aí? Não estou vendo o carro da corretora. ― A

ouvi dizer da frente da casa. Mas a porta estava aberta, assim, ela
entraria sem que eu precisasse responder.

Ela entrou, como eu sabia que faria.

― Naty... ― fechou a porta, de cabeça baixa, então a levantou

e parou, empacada ao me ver de pé, no meio da sala.

― Christian! ― Ela checou minhas roupas. ― Não sabia que


estaria aqui. Quando chegou? E onde foi vestido assim, elegante?

Tinha um toque enciumado no final da frase enquanto vinha


até mim, toda elegante com aquele vestido vermelho.

― Cheguei essa madrugada, mas vim para cá preparar isso.


― Apontei ao redor, indo até ela.

― Pensei que estaria vazia... ― franziu a testa, checando a


mobília ― São da minha casa!

― Sim, trouxe tudo para cá hoje cedo enquanto você estava


no serviço. Como sabia que gostaria dessa casa, porque ela é
ampla e fica ao lado da casa da Naty e os meninos, resolvi comprar.

Então é nossa ― falei.


Ela sorriu, jogando sua bolsa no sofá do lado e correndo até
mim, me beijando com os braços em volta do meu pescoço.

A barriga dela estava um pouco grande, e eu não via a hora de

vê-lo, conhecer seu rostinho.

― Como anda nosso bebê? ― A beijei mais um pouco, me

afastando e levando a mão em sua barriga.

Sorriu.

― Bem, graças a Deus. Mas não consegui ver o sexo ― seu

tom saiu desapontado com esse final.

― Logo, nós saberemos o que é. ― Acariciar meu bebê era

uma das coisas que eu mais adorava na vida. ― Agora quero lhe
mostrar minha surpresa.

― Me mostrar a casa? ― Franziu a testa. ― Por que se


vestiria assim para mostrar a casa?

― Não a casa, a minha surpresa está no quarto. Vamos subir?


Assim, mostro o que preparei a você. ― Peguei sua mão. ― Depois
vamos comemorar indo jantar fora.

Cada passo que dávamos para o andar de cima, eu sentia que


ela amaria saber disso dessa forma. Uma coisa que aprendi era que
minha garota amava uma surpresa, ainda mais se fosse
maravilhosa.

― Pode fechar os olhos? ― pedi.

Assentiu e fez o que pedi, sem reclamar.

― Só abre quando eu mandar, ok?

― Sim. ― Quicou, animada, de olhos fechados.

Abri a porta, mostrando a perfeição que estava organizado

para esse momento. A minha felicidade e de Ella transbordava e, no


fundo, uma parte de mim achava tudo surreal vivermos e termos

algo assim. Porém, era verídico e estava realmente acontecendo na

minha vida e na dela. Agora tínhamos nosso bebê, uma pessoinha

que viria dentro de poucos meses e seria muito amado, aliás, já era
antes mesmo de nascer.

― Abre os olhos ― pedi.

Ela o fez, e quando olhou ao redor, seus olhos brilharam de

uma felicidade sem tamanho, tão intenso e poderoso que me deixou


sem fôlego um segundo.

Sim, valeu a pena preparar tudo ali só para ver essa expressão
extasiada em seu rosto, a felicidade se expandia dali como um raio
direto para meu coração negro. A cada dia, ela e meu bebê o

iluminava mais, tão potente e abrasador como o Sol.

Vê-la assim, toda alegre e sorridente me fazia grato ainda mais


por tê-la em minha vida, por me mostrar que eu era capaz de amar

da forma que a amava, onde se tornou esse ar que eu respirava.

Para completar ainda mais, me tornei abençoado pela nova chance

de ter mais uma menina.

Ella

Não contava com isso quando decidi ir ver a casa ao lado da

minha amiga; era para eu tê-la comprado, mas na época achei


grande demais para uma pessoa sozinha. Porém, agora não estava

mais assim, tinha Christian e meu bebê, e no futuro queria mais uns

dois; gostava de família grande, e daria aos meus filhos tudo o que
não tive, proteção e amor.

― Oh, meus Deus! ― Levei a mão à boca, euforicamente,


olhando o quarto do bebê todo rosa. As paredes pintadas com

temas da Disney, assim como o teto. O berço no canto com lençóis

e cobertores rosas. Tinha um guarda-roupa da mesma cor. ―

Como?!

Ele estava ao meu lado, observando a minha reação, mas

podia ver pela sua expressão que estava emocionado e tão radiante
quanto.

― Pedi ao médico que não revelasse a você quando

aparecesse o sexo do bebê, pois queria fazer uma surpresa, como

essa aqui. O bom que nossa menina deu o ar de sua graça, nos
deixando saber qual era o sexo. ― Sua respiração estava irregular.

― Menina! Pensei que fosse um menino, mas acho que isso


foi pelo tanto que pensava no que tive antes... ― sacudi a cabeça,

atônita. ― Mas uma menina! É felicidade demais, tanto que não

cabe em meu peito.


― No meu também. Ser pai de uma menininha de novo me

emocionou, e juro pelo Céu e a Terra que vou protegê-la, nada irá
chegar a nossa pequena estrela ― falou, fervorosamente.

― Pequena estrela? ― sondei, curiosa e amando o apelido


carinhoso e cheio de amor.

― Ela brilha antes mesmo de nascer, resplandece meu


coração assim como você, meu pequeno Rouxinol, onde sua alma

linda e brilhante chama a minha, escura e cheia de trevas como

uma mariposa é atraída pelas chamas. ― Sorriu para mim com um


brilho intenso mais poderoso que o Sol. ― A mãe e a filha têm as

duas partes mais importantes do meu ser, meu coração e minha

alma.

Sentia que a cada dia tinha colhido as pétalas de rosas que o

ceifador jogava fora em sua tatuagem, onde significa um pedaço da


sua alma se esvaindo. Restaurei-a, mas com ressalvas, afinal não

teria como ser completo sendo quem era, aceitei-o, entendendo

esse lado. O que podia fazer era mostrar que havia luz suficiente em
nossas vidas para dissipar toda a escuridão do mundo que vivia.

― O pai dessa pequena e linda estrelinha também tem meu


coração e alma, tudo que há em mim é seu ― declarei, levantando
os braços a sua volta. ― Obrigada por me proporcionar tudo isso,

foi maravilhoso.

Meus olhos estavam molhados de emoção por essa surpresa

linda.

― O prazer é meu. ― Beijou meus lábios, molhados pelas

lágrimas. ― Mas ainda não acabou. ― Se afastou, pegando minha

mão. ― Vem aqui.

― Não? ― Arregalei os olhos. Se tivesse mais surpresas, eu

explodiria de emoção.

― Não. ― Podia senti-lo nervoso, uma emoção diferente da

que estava antes de entramos no quarto de nossa filha, o que tinha


preparado?

Paramos em uma porta na frente do quarto do bebê, pegou a

maçaneta, mas virou-se para mim e já ia abrir a boca.

― Já sei... fechar os olhos. ― Sorri, ele também sorriu.

― Sim. ― Beijou minha testa enquanto eu obedecia. Estava


nervosa com o motivo que o fez ficar assim, ansioso.

Ele me puxou para dentro e fui tomada pelo cheiro de flores e


rosas.
― Fique aqui, mas não abra os olhos até eu pedir que o faça.

― Soltou minha mão e ouvi seus passos se distanciando assim que


assenti. ― Pode abrir agora.

Eu abri, e minha boca caiu aberta e meu coração parou uma


batida com o quarto todo decorado com pétalas de rosas, de todas

as cores. Nas paredes havia cartazes com frases como:

“Você é linda”

“Você é mais radiante que o Sol e as estrelas”

“Você me resgatou das sombras em que vivia”

“Você é toda minha vida”

“Você iluminou minha vida”

“Você me trouxe a felicidade que pensei nunca mais ser

possível de novo”

“Você é a razão de eu levantar todos os dias e agradecer a

Deus por tê-la enviado a minha vida.”

“Você me deu a minha pequena estrela, me fazendo o homem

mais feliz dessa Terra”

― Poderia ficar aqui o dia todo dizendo um milhão de motivos

que me fez amá-la, e nunca seria suficiente. Mas temos a vida toda
para eu mostrar e dizer. Se você aceitar se casar comigo, eu irei me
tornar um homem ainda mais feliz do que já estou. ― Abriu uma

caixinha e nela tinha um anel de prata, aberto alguns centímetros;

em uma ponta tinha um pássaro onde o corpo da ave era com uma
pedra de rubi, as asas e a cabeça com pedrinhas de diamantes. Na

outra ponta, tinha um coração de diamante amarelo. ― Pedi ao

ourives que fizesse algo que mostrasse o que sinto por você. Esse
pássaro é você meu, pequeno Rouxinol, o coração é o meu, que é

todo seu para guardá-lo e protegê-lo.

Não sabia como respirar nesse momento, pois fui tomada de

júbilo. Lágrimas desceram pelos meus olhos ainda mais ao ler cada

palavra.

― Aceita se casar comigo? Prometo amá-la


incondicionalmente, protegê-la com minha vida se preciso, juro ser

leal e fiel com todo meu coração e alma. ― Me encarou com aquela
emoção que fez minhas pernas fraquejarem.

― Sim, sim, sim e um milhão de vezes sim! ― Fui até ele

estendendo minha mão. Christian se levantou e colocou o anel em


meu dedo, onde ficaria pelo resto da minha vida.
Pulei nos seus braços, o beijando em agradecimento, faminta
e com saudades, tudo em uma miríade de emoções.

― Te amo demais ― declarei em sua boca. ― Não pensava

que receberia tudo isso hoje. Foi tudo tão romântico que estou a
ponto de explodir. Posso pensar em outra forma boa de você me

fazer explodir também. ― Sorri, afastando meu rosto. ― Que tal


inaugurarmos a nossa nova casa?

― E quanto ao jantar...

― Oh, estou faminta, mas de outra coisa, estava morrendo de


saudades de você, e agora com todas essas surpresas só quero
aproveitar e agradecer da forma que amo. ― Fiquei de joelhos na

sua frente, com os olhos nele enquanto desabotoava sua calça e a


puxava para baixo.

Tínhamos feito isso durante os últimos meses e nenhum


pensamento ruim entrou na minha cabeça; ali, em minha vida, só
tinha esse homem perfeito, que fazia-me sentir como uma rainha,

realizada e amada. Não tinha como pensar em nada além disso.

Peguei seu membro duro, pronto para mim, saindo pré sêmen

com seu desejo. O levei em minha boca traçando a língua na


cabeça inchada o fazendo amaldiçoar.
Adorava ouvir os sons que ele fazia nesse momento, os
praguejamentos e até os suspiros, amava tudo nele, cada parte dele
era minha, assim como eu era toda dele.

Suas mãos acariciavam meu rosto como se fosse algo


precioso; encontrei seus olhos lindos que fizeram meu coração bater

mais forte no peito, mas também senti o desejo se aprofundar ainda


mais dentro de mim.

― Perfeita demais ― arrulhou, quase pasmo.

O tirei da minha boca um segundo, mas sem nunca desviar


meus olhos dos dele.

― Discutir perfeição com você é superestimado, afinal, tudo


isso é meu. ― Gesticulei para seu corpo, então abocanhei de novo

seu pau rígido.

― Tudo seu ― assegurou com a voz grossa de desejo, luxúria

e amor.

Suas pupilas dilataram conforme eu acelerava, seu corpo ficou

rígido e sabia que ele gozaria logo, afinal, fazia quase cinco dias
que estávamos sem sexo, desde que foi viajar.

Acelerei mais meus movimentos, mas antes que ele gozasse

em minha boca, se afastou.


― Por que...

― Seus enjoos. Não quero piorar. Faremos outras vezes. ―


Me puxou para seus braços e me beijou faminto um segundo, então
me levantou do chão e me carregou até a cama. Depositou-me com

aquela ternura dele, por mais que eu pedisse sexo selvagem, ele
não fazia, ainda era somente o fazer amor, o que também era
maravilhoso.

― Parou há uns três dias, acho que não volta mais. ― Assim,
eu torcia.

― Que bom! Mas ainda preciso gozar dentro de você. Porém,

antes vamos tirar isso, a quero nua para mim. ― Ele tirou meu
vestido, após, me deitei, deixando que retirasse a calcinha. Cheirou.

― O aroma que senti falta.

Se abaixou, e depois abriu minhas pernas e não demorou

muito para eu sentir sua língua dançando no lugar, pegando cada


centímetro de mim, arrastando os dentes em meu clitóris.

― Christian! ― gritei com o desejo tomando do meu pé da

barriga, onde o orgasmo se construía... ― Oh, isso é maravilhoso...

Eu estava muito sensível ali, mal me tocava e já gozava como

uma louca.
Seus movimentos aceleraram enquanto eu me remexia na

cama feito uma lagarta na areia quente, eu também estava assim,


fervendo com o prazer me tomando tão forte que voei como uma
pipa.

Ele não me deixou recuperar o fôlego do meu gozo, não, meu


homem faminto me virou e sabia que seria suave, mas não queria

isso.

― Se for transar assim, nós vamos parar e ir jantar. ― Fui me

afastar, mas me segurou com seu corpo tenso. ― Christian, eu


estou bem. Se não tivesse, não arriscaria a nossa filha para fazer
isso. Perguntei ao médico sobre o assunto, e ele disse que nada

impede de você ser duro como gosta, e como eu gosto também.

Assentiu. Depois de um pouco de silêncio se afastou e indicou


a cabeceira da cama.

― Fique de quatro e segure ali. Não solte ― ordenou.

Fiz o que mandou, ficando muito exposta para ele. Ficou atrás

de mim.

― Quer ser fodida com força? ― Deu um tapa em minha

bunda e me senti ficando mais molhada que estava. ― Pensei que


gostasse de fazer amor.
― Gosto de fazer tudo com você, foder duro, suave... mas
agora quero o duro, pois quando puxa meu cabelo enquanto está
dentro de mim, eu me sinto muito bem e molhada ― falei com a

respiração irregular.

Tudo o que ele fazia, todos os lugares que tocava, parecia ter

uma linha direta com o meu núcleo. Rosnou e não demorou muito
para entrar em mim com tanta força que arfei, com prazer. E ele não
parou, com estocadas firmes e prazerosas.

Pegou meus cabelos e puxou da forma que eu gostava.

― É assim que gosta? ― Sua boca estava em meu ouvido, e


senti sua língua traçando ali.

Podia jurar que senti uma nova pressão crescendo dentro de


mim, como se um vulcão estivesse prestes a explodir.

― Então sinta, querida, sinta a forma como me deixa louco por


você. ― Mordiscou minha orelha, e uma de suas mãos foi para meu

clitóris onde o esfregou me fazendo gritar.

Cada movimento dele me deixava mais quente e me

empurrava cada vez mais perto do abismo. Até que tudo se


dissolveu em uma luz através das minhas pálpebras fechadas. Ele
veio logo depois, chamando meu nome.
Saiu de mim e me puxou para seus braços.

― Você ainda se segurou, não pensa que não notei ― acusei,

mas estava satisfeita.

― Não muito. ― Beijou minha testa. ― Teremos a vida toda

para aprimorar e nos deleitarmos um com o outro no sexo.

― Gosto dessa ideia de nos aprimorarmos. ― Sorri, então


meus olhos foram atraídos para seu peito nu com inúmeras

tatuagens. Mas agora tinha outra ali, sobre seu coração; era uma
corrente envolta de duas letras, traçando-a; era a primeira letra do
meu nome e de sua filha, porém, havia um espaço no local para

mais nomes, no final, as duas pontas das correntes se fechavam


com um cadeado. Tracei o local. ― Que lindo! O que significa?

Não sabia muito sobre seus significados, mas essa, eu podia


deduzir, só queria que ele confirmasse.

― A corrente e o cadeado significam escravidão e mais


algumas coisas, mas não ligo para isso, o que importa é o que
significa para mim. ― Tocou sobre a tatuagem.

― O que é? ― Estava curiosa.

― Queria algo que significasse que estarão sempre comigo.


Estão acorrentadas em meu coração e alma, um lugar onde
ninguém ou nada poderão tirá-las, a não ser que me matem ― falou
tranquilamente. ― Deixei espaço para o nome de nossa filha

quando escolhermos, e mais dois ou três nomes se acaso desejar


mais filhos no futuro.

― Me pergunto como posso te amar cada dia mais? ― Estava


emocionada com sua explicação, o seu amor por nós. ― Estava

pensando em alguns nomes. O que acha de Marcella? É o nome de


sua mãe, não é? Lance me falou que vocês gostavam muito dela.

Seus olhos brilharam.

― É lindo, combinará com nossa menina. ― Suspirou. ―


Minha mãe teria amado conhecê-la, assim como a Yasmin, Kian e
Alice, mas não teve essa chance.

― Fale um pouco sobre sua mãe ― pedi.

Ele contou que a mulher ficou doente quando ele tinha dezoito
anos e não teve jeito, falou que sentia muita falta dela e sua
bondade, que era sem igual.

Bocejei.

― Essa gravidez está me deixando sonolenta. ― Sorri com

desculpa, pois queria ouvir mais de suas histórias.


― Dorme um pouco, amor. Quando acordar, eu peço alguma

coisa para nós comermos. ― Alisou minha barriga. ― Amo vocês


duas.

― Nós também amamos você, futuro marido. ― Uma vez,


desejei sentir o que era felicidade quando não tinha nada, além de
dor... mas hoje, eu tinha tudo, um homem que me amava, uma filha

e amigos leias e amáveis. Tinha uma família, além de mim e Kasper,


só desejava que um dia meu irmão também tivesse isso, que fosse

tão feliz quanto eu era com Christian.

― Tenha bons sonhos, pequeno Rouxinol. ― Beijou de leve


meus lábios enquanto meus olhos se fechavam, caindo em um sono

profundo e muito grata a Deus.


Dois meses depois

Ella

Minha respiração estava irregular enquanto segurava o braço


de Kasper. Ele me levaria ao altar para meu futuro marido, que

estava me esperando.

Estávamos nos casando no quintal da nossa casa, era um

lugar grande, então coube muitas pessoas. Alguns, eu ainda não


tinha conhecido, mas pretendia conhecer depois.

― Você está magnífica ― disse Kasper a mim, com um olhar

terno.
― Obrigada. ― Respirei fundo quando a música tocou, me

dando a deixa para ir.

Os gêmeos foram na frente, abrindo caminho, e eu saí logo


atrás deles. Apreciei a beleza à minha frente. O quintal estava

enfeitado com guirlandas de flores.

Naty fez um corredor de velas japonesas dos dois lados,

estava muito iluminado. Andei pelo corredor com meu irmão ao meu
lado.

Parei um segundo em uma guirlanda na forma de arco, que

tampava a visão do outro lado, por isso não deu para ver até que
passei por ela e me deparei com um mar de rostos. Do lado direito

tinha muitas cadeiras, todas ocupadas, assim como do lado


esquerdo.

Porém, não reparei nos ocupantes, pois meus olhos foram

atraídos para a epítome da perfeição de homem no altar. Seu olhar

era tão quente que fez meus passos fraquejarem no caminho, se

não fosse meu irmão certamente eu teria empacado no lugar.

Os passos não demoraram, ou eu os apressei para chegar até

ele mais rápido. Seu terno era escuro, o que combinou com seus

cabelos loiros, amarrados em um rabo de cavalo. Um deus grego


que me fazia amá-lo a cada dia, apesar de que não foi sua beleza
que me fez apaixonar-me por ele, e sim o que tinha por dentro.

Quando sua mão tocou a minha, eu me senti em casa, ele era

minha casa, meu lar perfeito.

― Proteja-a sempre ― falou meu irmão ao Christian.

― Sempre! ― Seus olhos não se desviaram dos meus ao


prometer isso, sabia que faria. ― Está tão linda!

Tinha optado por um vestido de renda, que dava uma beleza a

mais para minha barriga de grávida. Tinha prazer em mostrá-la, era

meu orgulho.

Ficamos de frente para o homem que ministraria nosso

casamento.

― Estamos aqui diante dos amigos e familiares para celebrar a

união entre esse casal. ― O senhor continuou ministrando a

importância que tínhamos um para o outro.

Não falamos o que sentíamos na frente de todos, Christian


tinha pedido que era melhor assim, afinal, não queria que todos

soubessem o que sentia e que tinha uma fraqueza. Havia mafiosos

ali, entendi que devia ser por isso. Embora soubesse que eram

amigos. Mas era a máfia, não é? Vai saber?!


― Agora, eu os declaro marido e mulher ― o homem nos

disse, assim que falamos nossos votos. ― Pode beijar a noiva.

― Minha esposa! ― Christian falou com devoção.

Ele pegou meu rosto como se fosse de porcelana, inclinou a


cabeça e ergueu meu queixo, então roçou seus lábios levemente

nos meus. Não era preciso palavra diante de todos, ele sabia o que
sentia, assim como eu sabia o que ele sentia por mim.

Aplausos invadiram o lugar, fazendo-nos separar e encarar a

multidão de amigos e familiares.

Ficamos no altar e todos fizeram fila para nos

cumprimentarem.

Primeiro, vieram os convidados, os amigos de Christian, Arrow,


Knife, Tracker, Hacker, Vlad e Eloah, uma mulher muito bonita,

precisava admitir; cabelos escuros e olhos claros. Cowboy estava


ao lado dela, segurando sua cintura. Então eram namorados?

Gostei.

Logo, veio Gunner, e outro cara de olhos azuis e loiro.

― Sou Andreas, amigo de Lyn. Desejo que sejam felizes ―


disse.
― Obrigada. ― Agradeci.

Notei que nem ele ou Gunner tocavam com apertos de mãos,


assim como meu irmão não tocava; Gunner, eu sabia que veio de

onde Kasper estava, e certamente Andreas também, pela sua


aversão ao toque.

Depois, veio Hades com sua irmã. Tínhamos conversado


bastante nos últimos meses e nos tornamos amigas; fui convidada

para ir ao clube mais vezes, esperava ir lá de novo.

Belinda se aproximou com um vestido vermelho de matar,


Stefano estava do lado dela. Ele cumprimentou Christian com um

aperto de mão.

― Esse casamento está incrível. ― Ela me abraçou ―


Felicidades.

Me afastei com um sorriso.

― Obrigada ― sussurrei.

Atrás deles estava um homem de olhos verdes com o rosto


sério como pedra, e uma mulher loira, assim como uma garotinha.

Era a mulher grávida que Christian disse que se chamava Mia onde
segurava um bebê, o marido Alessandro, e a menina Graziela. O

homem era capo da máfia Destruttore.


― Oi, sou Mia. ― Me abraçou e sussurrou em meu ouvido
baixinho: ― É bom finalmente conhecer a pessoa que curou o
coração do meu amigo.

Antes que pudesse me recuperar do que me disse, ela se


afastou com um sorriso enquanto olhava o filho, que se remexia em

seus braços.

― Espero nos vermos mais vezes ― comentou ela,

balançando o filho.

Toquei o rostinho de porcelana.

― O que é? ― sondei.

― Menino. Enrico é o seu nome. ― A criança começou a


chorar. O marido o pegou, o que fez o menino calar a boca

grudando sua gravata e balbuciando algo.

― Com o pai, ele cala, veja isso... ― havia tanto amor ali, na

voz dela.

Estava ansiosa, pois sentia isso com o meu, e estava a mil


para Marcella nascer.

― Oi, sou Graziela. Christian é meu amigo, ele salvou minha


mãe uma vez ― falou a garotinha.
Sorri, me abaixando para me aproximar como se fosse
cochichar:

― Oi, amor, ele tem esse lado doce ― pronunciei. ― Também


me salvou.

― Gosto dele. ― Sorriu também.

― Eu também.

― Vamos, querida, têm mais pessoas querendo se aproximar


e os felicitar ― disse Mia a ela, e depois a mim: ― Depois nos

falamos mais.

Graziela foi até Christian e o abraçou, ele disse algo que a fez

sorrir.

A fila de felicitações continuou, onde conheci os irmãos de

Belinda; já conhecia Benjamin, agora os outros, Santiago, Valentino,

que não expressava nada em seu rosto, assim como o capo deles, o
irmão mais velho, Fabrizio. Eles eram da máfia Castilhos. Se fosse

contar o tanto de mafiosos com a expressão de pedra ali,

certamente que seriam todos. Até a expressão de Christian era


similar aos demais, só quando me olhava que suaviza.

Depois, conheci outros, como Razor, outro mafioso da máfia


espanhola. Após, Miguel e Luna, com duas meninas lindas e
gêmeas. Ele e Christian eram amigos há muito tempo, achei bom

que veio. Luna era uma ruiva linda, e ele coberto de tatuagem.

Depois, vieram Naty e Lance.

― Estou tão feliz por você, amiga. ― Me abraçou forte

enquanto Lance abraçava o irmão. Depois, o abracei também. Após


isso, me afastei e coloquei o braço na cintura de Christian.

― Obrigada. Agradeço por tudo que fizeram por mim, pelo


apoio, amizade e amor. ― Meu coração não aguentava tanta

emoção, evitei chorar, mas não teve jeito, meu rosto estava

molhado.

― Sempre fomos família, agora só reforçamos os laços. ―

Sorriu Naty, para nós dois.

― Sim, um laço inquebrável ― assegurou Christian, com os

braços se estreitando a minha volta. Depois, beijou meu rosto. ―


Nem a morte será capaz de quebrá-lo.

Laços de família era o que tínhamos, e como Christian


apontou, inquebrável.

Chegar aonde eu estava hoje era um sonho que se cumpriu,


um que pensei que não seria possível após tantos anos na dor,

tormento e vazio. Não acreditava que teria uma luz no fim do túnel,
uma que seria capaz de me resgatar. Mas com meus amigos,

Kasper e Christian, isso se tornou possível. Hoje, eu era a mulher

mais feliz e realizada do mundo.


Ella

Nos anos que se passaram, abri meu próprio escritório de

direito em parceria com Lance. Pegava menos casos, pois preferia


ficar apreciando minha filha e trabalhar na ONG também. Orientava
quem precisava de algum auxílio, pessoas carentes sem condições

de pagar. Antes, eu já fazia isso, mas agora poderia auxiliar em

mais casos. E, definitivamente, deixamos de auxiliar o Ministério


Público.

Marcella estava completando três aninhos, então preparei uma

festa para ela; que estava correndo pelo quintal com outras

crianças.
Kian e Alice estavam juntos, mas com crianças da sua idade,

embora os meninos amassem minha pequena.

Marcella tinha cabelos loiros, olhos violetas como os meus; ela


tinha uma mistura de nós dois juntos. Linda demais, minha

princesinha.

No momento, estava com um vestido rosa, de babados, e

sapatilhas da mesma cor, ela adorava rosa e coisas de princesas.

― Não acredito que eles estão crescendo tanto ― comentou

Naty, do meu lado, observando os meninos brincarem.

― Pois é, parece que foi ontem que dei à luz a Marcella. ― Foi

um parto normal, e graças a Deus deu tudo certo.

― Vai contar a ele sobre a outra novidade? ― sondou ela.

Lance e Christian estavam assando carne, as crianças comiam

bolo e nós, carne e cerveja. O meu quintal estava cheio com meus
amigos da agência Deadly Reapers, e também alguns dos MCs

Bloody Fury, Hades e Pamela, assim como Vernon. Os outros não

puderam vir.

― Vou. Mas como ele fez surpresa sobre o sexo de Marcella,

quero fazer o mesmo com ele. ― Fiquei de pé. ― Preparei tudo lá

em cima. Vou subir, e então me dê uns minutos para mandá-lo subir.


― Pode ir que tomamos conta das crianças. ― Pamela sorriu.

Sabia que sim, além disso, estávamos cercados de homens


fodões e sabia que cada um deles ali faria de tudo para protegê-las.

Entrei na casa como se fosse só para pegar algo, sem trazer

desconfiança a ninguém, principalmente nele, pois sentia seus olhos

em cada movimento meu.

Virei a cabeça, encontrando seus olhos quentes, intensos nos

meus. Como eu amava esse homem... e cada ano esse amor

aumentava ainda mais.

― Papai! ― Meu toquinho de gente foi até ele, o que o fez

desviar os olhos para nossa menina.

Aquele brilho em seus olhos ao ouvir essa palavra era mais

poderoso que o Sol, magnífico como as constelações e o universo

inteiro.

Sorri quando ele a abraçou e a levantou em seus braços; após,


beijou-a nas bochechas a fazendo rir com a sua barba. Amava ver

cenas desse tipo com os dois, acreditava que ele ficaria feliz com a

outra notícia.

Subi as escadas, ansiosa para revelar que nossa família iria

crescer. Assim que entrei no quarto novo, me sentei na cadeira onde


dava para ver o jardim dali.

Não demorou muito e ele entrou.

― Naty disse que estava me procurando... ― se interrompeu

ao olhar as paredes que estavam enfeitadas de coisas de menino,


em tons de azul. O berço com lençóis da mesma cor. ― Isso é...

― Sim, estou grávida de um menino. ― Fiquei de pé, indo até

ele. ― Estava esperando o momento certo para revelar.

Sorriu e me pegou nos braços, levantando-me do chão.

― Não sabe a alegria que estou sentindo nesse momento, a


felicidade que tenho vivido esses anos. ― Beijou meus lábios e caiu

de joelhos, beijando minha barriga. ― Será bem-vindo aqui fora,


minha vida.

― Sim, e nós o amaremos e o protegêramos sempre ―


emendei.

― Juro pela minha vida que nenhum perigo chegará a vocês.

― A promessa estava em cada palavra.

Nossa felicidade estava apenas começando, tínhamos a vida

toda pela frente. Se algum perigo viesse, confiava que meu marido
iria lidar com tudo, assim como vinha fazendo até agora. Nesse
momento, eu só queria desfrutar dessa felicidade que estava

sentindo, e agradecer a Deus por nos beneficiar com cada


momento.
Vlad
Tinha resgatado uma garotinha de seis anos, que estava presa

no cativeiro, na ilha do ex-sogro de El Diablo. Por sorte, cheguei até


ela a tempo de um homem violentá-la. Descobri que ela tinha

chegado naquele mesmo dia, por isso não a tocaram como fizeram

com as outras que vi. Além disso, essa era muito pequena se
comparada as demais, que estavam na faixa de quinze a dezessete

anos, achei estranho.

As outras, nós conseguimos localizar suas famílias, mas essa

não, por isso a mantive comigo, não iria enviá-la para qualquer
lugar, não sem saber como foi parar ali, naquela maldita ilha.

Quando descobri seus parentes, avós e mãe, na Itália, foi onde


as coisas ficaram ainda mais confusas, pois os três foram mortos

pela máfia Siciliana. Claro que isso não era novidade, mas por que

deixar a garotinha viva? Por que não a mataram também? Afinal,

essa máfia era conhecida por suas inúmeras regras fodidas,

forjavam uma fachada de respeito italiano, mas por de baixo dos

panos eram podres como carniça.

O chefe deles era Francesco, o capo da fodida organização,


seu filho era seu braço direito, Romero. Um ser dos piores que
podia existir, e nesse momento veio mexer onde não devia.

Mesmo com a família da garotinha Kiara morta, existia uma tia


por nome Giana; pelo que descobri da pesquisa, Giana se mudou

da Sicília há anos e não tinha voltado, não soube dizer o motivo. Na

verdade, eu estava indo para encontrá-la, ali, em Chicago, quando

soube que tinha ido para Sicília, devia ter descoberto da morte de

sua família.

Como não chegaríamos a tempo de segui-la, pedi a um colega

meu, que morava lá, para segui-la, e sondar seus passos a fim de
protegê-la, afinal, a máfia podia querer matá-la também.

Após desembarcarmos do jatinho, com Knife e Arrow, meu

telefone tocou, era Lane, o homem que vigiava Giana.

― Sim...?

― O carro dela foi cercado, e ela foi levada para um armazém.


Vou mandar as coordenadas se quiser que ela viva. ― Suspirou. ―

Não pude fazer nada, eram seis deles e estávamos no centro onde

havia muitas pessoas.

― Estamos a caminho. ― Não estávamos longe do local, por

sorte nossa e dela. Kiara não merecia perder todos da família.


Não pude proteger minha tia, a mãe de Hadassa, e os irmãos

dela, há anos. Toda a família dela foi morta pelo homem que pensei
que fosse meu amigo, mas, no fundo, não era. Ele dizimou

crianças...

Fúria enchia meu sangue o fazendo ferver em minhas veias ao

pensar nisso. De todos, a única que sobreviveu foi minha prima


Hadassa, que era casada com Axel, um motoqueiro do clube do
meu irmão, Nasx.

Ficava contente que ela estivesse feliz agora, com sua família
e filhos, pois sofreu tanto.

Embora isso não amenizasse minha culpa, vivia com o peso

dessas mortes em minhas costas, pois deveria ter matado o


desgraçado antes; se tivesse feito isso, Hadassa teria seus irmãos e

mãe vivos. Isso me consumia vivo. No inferno, era assim que eu


vivia, dia e noite.

― Controle-se, homem ― falou Arrow, me trazendo dos meus


pesadelos vivos.

Kiara não podia perder tudo também, eu precisava salvar essa


tia dela, pensei.
Finalmente chegamos ao local, era um armazém afastado e

com guardas.

― Knife? Fique com o rifle e nos dando cobertura ― pedi.

Nos preparamos e saímos do carro há alguns quilômetros,


depois adentramos a mata até o local.

― Lane? Quantos guardas? ― sondei. ― Só os seis que

estavam no carro que a levaram?

― Sete com Romero, o filho do Francesco ― respondeu.

Após chegarmos ao armazém, apontei minha arma com


silenciador para um dos que estavam fora, Arrow abateu outro com

seu arco.

Knife subiu em uma árvore onde tinha nossas costas. Fomos

abatendo os que estavam fora, quatro ao total. Lá dentro, eu ouvi


vozes alteradas.

― Você não passa de uma vadia imprestável, assim como


seus pais e irmã ― gritou Romero, seguido por um baque como se
estivesse socando uma carne. Reconheci sua voz.

― Você sequestrou a minha sobrinha e matou meus pais ―


gritou a voz de mulher de volta. Giana.
Sabia que se me intrometesse teria uma guerra nas mãos no
futuro, ou em breve, quem sabe. Porém, sabia disso antes de ir até
ali, minha decisão estava tomada. El Diablo ficaria furioso, mas ele

teria feito a mesma coisa se estivesse no meu lugar.

Entrei no lugar em silêncio. Vi que tinha dois homens ao lado

de Romero. Uma mulher agachada no canto, Giana, loira e de olhos


claros como a sobrinha.

― Sua irmã era uma puta, não deveria ter engravidado para
extorquir dinheiro do meu pai. Devia ter ficado onde estava, presa
na reabilitação esses anos, e não ter saído para vir nos ameaçar

com uma bastarda. ― Ele estava furioso. ― Nunca mais verá sua
sobrinha. Deve ter sido rasgada por vários homens nesse momento.

― Riu com desdém.

A mulher fungou, chorando.

― O único que deveria ser rasgado é você ― rosnei, atirando

nos dois homens ao redor dele, e quando Romero foi levantar sua
arma, eu atirei em suas duas mãos o fazendo grunhir. Então, as

flechas de Arrow entraram em suas pernas, uma em cada lado.

― Irei pisar em vocês como um inseto ― rosnou para nós

dois. ― Sabe quem eu sou...


― Sim, um verme que não deveria estar respirando... ― puxei
o gatilho atirando entre seus olhos.

A mulher encarava os corpos no chão e depois a nós dois,


tomada de terror pensando que seria a próxima.

Antes de puxar o gatilho, eu sabia que estaria nos

sentenciando a uma guerra contra a máfia. Matar o filho de

Francesco selou minha certeza.


AGRADECIMENTOS

Construir El Diablo foi desafiador. Uma história intensa com


personagens marcantes, onde conta um pouco mais sobre o que ele
passou, e seus traumas, mas que com a ajuda de Ella conseguiu

lidar com o tormento que viveu.


Ella é uma mulher forte, onde também teve suas cotas de
traumas e tormentos.

Amei fazer cada personagem deste livro e espero que vocês


tenham apreciado cada um deles.
Desejo que o casal tenha conquistado seu coração como

conquistou o meu.
Agradeço à Carol Miranda e Ingridy Estefany que fizeram

análise critica. Adoro vocês!

Não posso deixar de fora minhas leitoras que amo de paixão.


Um abraço especial às meninas do grupo ‘’Mafiosas da Ivani

Godoy’’ no WhatsApp e às do grupo do Facebook ‘’Leitoras Ivani


Godoy’’ e ‘’Romances Ivani Godoy’’.

Agradeço de coração aos meus amados leitores e amigos.

Amo cada um de vocês.


OUTROS LIVROS DA AUTORA JÁ
LANÇADOS

Série Príncipes da Máfia (com os


Dragons e Salvatores):

Vingança, com Nikolai Dragon

A escolha, com Matteo Salvatore

O protetor, com Alexei Dragon

O executor, com Luca Salvatore

Série Máfia Destruttore (com os


Morellis):

Alessandro
Miguel

Rafaelle

Spin-off Miguel

Stefano

Série MC Fênix:

Shadow

Kill

Daemon

Nasx

Spin-off de Shadow, Redenção

Axel

Série Dilacerados

Você é minha
A aposta

Louco por você

Marca da escuridão

Domado por você

Sempre foi você

Série Destinos, livro de fantasia

Híbrida

Despertada

Tormenta

Eclipse das luas

Livro único

Destinada para ele


Livros da autora a serem lançados

Série Deadly Reapers:

El Diablo

Vlad

Arrow

Knife

Cowboy

Flame

Tracker

Hacker

Outros

Série Darkness (com os Volkovs):

Misha
Demyan

Kostya

Série Dark Revenge

Andreas Volkov

Lyn

GUNNER

CADE

SLAYER

PADRE

HAGAN

GREGERS

REGNER

STEEN

TOKE

SØREN
RUNE

Outros.
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[1]
Nota: “Olá, minha querida”.
[2]
Nota: “meu querido”.
[3]
Nota: “O que aconteceu, querida ? ”
[4] Nota: “American Bar Association”, associação voluntária de advogados e

estudantes de direito dos Estados Unidos, semelhante à OAB brasileira (Ordem


dos Advogados do Brasil).

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