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CUIDADO INTEGRAL

À SAÚDE DO
ADOLESCENTE

Edemilson Pichek dos Santos


Adolescência e família
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Explicar o conceito contemporâneo de família.


 Descrever a importância do contexto familiar no desenvolvimento
do adolescentes.
 Identificar fatores associados ao afastamento familiar do adolescente
e sua prevenção.

Introdução
Desde os tempos mais antigos, a família corresponde a um grupo social
que exerce marcada influência sobre a vida das pessoas e é encarada como
um grupo com uma organização complexa, inserido em um contexto
social mais amplo com o qual mantém constante interação. O grupo
familiar tem um papel fundamental na constituição dos indivíduos, é im-
portante para determinar e organizar a personalidade, além de influenciar
de forma significativa o comportamento individual por meio das ações e
medidas educativas tomadas no âmbito familiar (PRATTA; SANTOS, 2007).
A instituição família é responsável pelo processo de socialização pri-
mária dos adolescentes. Nessa perspectiva, tem como finalidade definir
formas e limites para as relações estabelecidas entre as gerações mais
novas e as mais velhas, propiciando a adaptação dos indivíduos às exi-
gências do convívio em sociedade.
Neste capítulo, você vai aprender o conceito contemporâneo de famí-
lia e sua importância no desenvolvimento dos adolescentes; e também
vai identificar os fatores que estão associados ao afastamento familiar do
adolescente e sua prevenção.
2 Adolescência e família

A família na contemporaneidade
A configuração nuclear formada por pai, mãe e filhos que vivem juntos no
mesmo espaço e obedecem papéis sociais e culturais masculinos e femininos,
denominada família, é um fenômeno recente na história da humanidade.
Em razão de importantes transformações que ocorreram com o advento da
industrialização, na segunda metade do século XVIII, na Inglaterra, e de
uma necessidade política de constituição de um espaço privado separado do
espaço público, esse formato de família surgiu. A partir de então, a família
foi incumbida da tarefa de assegurar a ordem social burguesa e de promover
a formação das crianças em futuros cidadãos e trabalhadores. Dessa forma,
o modelo nuclear heteronormativo, a família, foi erigida como a matriz de
identidade na constituição dos sujeitos (ARÁN, 2003; RODRIGUEZ; GOMES;
OLIVEIRA, 2017).
Embora esse modelo familiar tenha se mantido ao longo do tempo, tem
passado por mudanças de grande importância nas últimas décadas, que marca
uma passagem da família tradicional-patriarcal à família plural contempo-
rânea. Esse novo modelo familiar vem se configurando de forma paralela
a um intenso processo de transformações nas relações entre os sexos, os
gêneros e as identificações, além de um novo papel das funções de pai e de
mãe (RODRIGUEZ; GOMES; OLIVEIRA, 2017).
Frente a essa flexibilidade dinâmica e estrutural, acompanhada da perda
do sentido da tradição, vincula-se, nessa reflexão acerca da família, a abertura
que ela promove ao tratar dos vínculos intersubjetivos, possibilitando a com-
preensão dos novos arranjos familiares e relacionais como legítimas formas
de vinculação. A reformulação do significado da palavra “família”, da nova
edição do dicionário Houaiss (2016) acerca da definição mais apropriada para
o termo, ficou assim estabelecida “Família: é o núcleo social de pessoas unidas
por laços afetivos, que geralmente compartilham o mesmo espaço e mantêm
entre si uma relação solidária”. Essa definição mostra-se mais completa do
que a anterior: “Família: é um grupo de pessoas vivendo sob o mesmo teto,
pai, a mãe e os filhos” (RODRIGUEZ; GOMES; OLIVEIRA, 2017).
Entretanto, revela-se que as transformações relacionais e vinculares que
estão ocorrendo na contemporaneidade não são, no entanto, acompanhadas na
mesma velocidade por uma alteração das representações sociais, conhecidas
como realidades sociais ou ficções sociais (BOURDIEU, 2005). O que gera
um descompasso entre as vivências, pois podem ser bastante diversificadas,
sujeitas a muitas mudanças e representações e, ao mesmo tempo, podem
ser enrijecidas e cristalizadas, incapazes de abranger a multiplicidade dos
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acontecimentos contemporâneos. Mesmo com o aparecimento crescente de


novos arranjos familiares, atualmente, permanece no imaginário social um
modelo de família regido pela heteronormatividade. A ampliação do conceito
de família e suas múltiplas possibilidades resulta na dificuldade de concentrar
um sentido único a ela. Perdem os sentidos os lugares masculinos e femininos
na família ocupados pelos homens e pelas mulheres; eles circulam e com mais
intensidade, instigando-nos a repensar algumas fórmulas acerca da norma e
do gênero.
Considerando todas essas mudanças que tem ocorrido, a busca pela preser-
vação da família como uma instituição natural, a-histórica e sagrada, parece
ainda perdurar, mesmo se tornando a família nuclear cada vez mais uma expe-
riência minoritária. Com isso, juntamente com os avanços da tecnologia e com
as novas legislações, aumentam os questionamentos dessa ordem simbólica, o
que tem gerado controvérsias acerca do conceito família, resultando em uma
batalha política e psicanalítica (RODRIGUEZ; GOMES; OLIVEIRA, 2017).

No âmbito familia, nos deparamos com arranjos diversos na contemporaneidade,


como, por exemplo, as famílias monoparentais por opção, as pluriparentais, as formadas
por casais sem filhos por opção, a família homoparental, entre outras (RODRIGUEZ;
GOMES; OLIVEIRA, 2017).

Essas transformações no contexto familiar começaram a partir de meados


do século XX, e continuam até os dias atuais, principalmente nos aspectos
econômicos, sociais e trabalhistas. São vários os fatores que corroboram essas
mudanças, tais como:

 processo de urbanização e industrialização;


 avanço tecnológico;
 incremento das demandas de cada fase do ciclo vital;
 maior participação da mulher no mercado de trabalho;
 aumento no número de separações e divórcios;
 diminuição das famílias numerosas;
 empobrecimento acelerado;
 diminuição das taxas de mortalidade infantil e de natalidade;
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 elevação do nível de vida da população;


 transformações nos modos de vida e nos comportamentos das pessoas;
 novas concepções em relação ao casamento;
 alterações na dinâmica dos papéis parentais e de gênero.

Esses fatores, entre outros, tiveram um impacto direto no âmbito familiar,


contribuíram para o surgimento de novos arranjos que mudaram a “cara” dessa
instituição (PRATTA; SANTOS, 2007). Essas transformações levaram ao
surgimento de configurações da organização familiar diferentes do modelo
anterior. Começa, assim, a emergir uma nova concepção de família, denominada
de família igualitária. A partir dessa nova estruturação, homens e mulheres
estão atuando em condições mais ou menos semelhantes no mercado de traba-
lho formalmente remunerado, começando a dividir as tarefas domésticas e a
educação dos filhos, ainda que a maior parte dessas tarefas se mantenha a cargo
da mulher, que vem confrontando os desafios do mundo do trabalho procurando
conciliar a vida profissional e a familiar. Além disso, a maior participação da
mulher no mercado de trabalho formalmente remunerado, provocou mudanças
nos padrões conjugais e familiares social e culturalmente estabelecidos, levando
a uma reorganização dos papéis familiares tradicionais referentes a homens e
mulheres, ressignificando a importância dos papéis do homem na família. O
homem passa a ser incentivado a manter um maior envolvimento afetivo com
os filhos, terminando com a distância da figura paterna, figura de autoridade,
e mãe próxima, figura de afeto. Ele deve, portanto, ter uma participação ativa
na criação dos filhos, percebendo que pode contribuir para o desenvolvimento
destes de uma forma mais agradável e satisfatória do que a concebida pelo papel
tradicional disciplinar (PRATTA; SANTOS, 2007).
Frente a essas alterações, a tendência atual da família moderna é ser cada
vez mais simétrica na distribuição dos papéis e obrigações, ou seja, uma família
marcada pela divisão, entre os seus membros, referente às tarefas domésticas,
aos cuidados com os filhos e às atribuições externas, sujeita a transformações
constantes, devendo ser, portanto, flexível para poder enfrentar e se adaptar
às rápidas mudanças sociais inerentes ao momento histórico em que vivemos.
No que diz respeito às relações entre pais e filhos, esse padrão também
se modificou, não sendo mais baseado na imposição da autoridade e sim na
valorização de um relacionamento aberto, pautado na possibilidade de diálogo,
o qual é considerado um elemento importante dentro do contexto familiar,
principalmente no que se refere à convivência entre os membros da família. A
educação dos filhos perdeu, portanto, seus aspectos autoritários, acrescentando
mais questões relacionadas à afetividade (PRATTA; SANTOS, 2007).
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Assim, a sociedade contemporânea abre questionamentos constantes sobre


a funcionalidade da instituição familiar (ALMEIDA, 2012; RODRIGUEZ;
GOMES; OLIVEIRA, 2017), que nos impele a refletir sobre sua viabilidade
como instância de proteção e de apoio emocional para seus membros. Diante
das rupturas e dos deslocamentos nas relações de sexo e gênero, a família
não pode mais ser considerada a única base para a construção identitária,
mas sim um espaço relacional, mais do que como uma instituição, na qual se
verifica uma demanda, explícita ou não, de autonomia pessoal (LIMA, 2012;
RODRIGUEZ; GOMES; OLIVEIRA, 2017).

O contexto familiar no processo


de desenvolvimento do adolescente
Nas últimas décadas, a configuração familiar tem passado por transformações,
apresenta-e em diversos arranjos e ultrapassa a estrutura familiar tradicional.
Contudo, considera-se que a família é a base da formação do indivíduo, sendo um
lugar de aquisição e de aprimoramento dos valores, hábitos e costumes, indepen-
dentemente dos tipos de laços constituídos, seja por ligações consanguíneas ou por
ligações de aliança, por convivência ou de escolha (ROZEMBERG, et al.; 2014). As
vivências familiares têm a função de integrar e organizar o desenvolvimento do
adolescente. O contexto de convivência familiar tem impacto direto no processo
de desenvolvimento do indivíduo, uma vez que o pleno desenvolvimento humano
depende de um entorno no ambiente em que a pessoa está. Outros fatores familiares
podem afetar o contexto familiar (ROZEMBERG, et al.; 2014):

 características sociodemográficas, como baixa escolaridade dos pais e


baixo status socioeconômico;
 estrutura familiar que acarreta estresse e instabilidade emocional para
os seus membros;
 pouca supervisão dos pais sobre o comportamento dos filhos;
 precário relacionamento familiar;
 morte de entes queridos.

Além disso, é necessário ressaltar que o processo de adolescência não


afeta apenas os indivíduos que estão passando por esse período, mas também
as pessoas que convivem diretamente com eles, principalmente a família. A
adolescência favorece as condições necessárias para a emergência de uma
série de problemas e conflitos dentro do contexto familiar, visto que a neces-
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sidade de negociação constante, inerente a essa etapa, aumenta o potencial


de conflitos entre as gerações. O aumento desses conflitos, em geral, está
acompanhado de uma diminuição na proximidade do convívio, principalmente
em relação ao tempo que adolescentes e pais passam juntos; entretanto, um
conflito bem negociado pode levar a um crescimento para os filhos e para
os pais. Por esse motivo, o diálogo nessa etapa do desenvolvimento assume
um papel ainda mais importante, apesar de, muitas vezes, os adolescentes
buscarem se fechar em seu próprio espaço. Mesmo que todo o legado que a
família transmitiu aos jovens desde a infância continue sendo relevante, com
esse afastamento e a busca de refúgio na fantasia e no devaneio, o diálogo com
os membros da família é essencial, pois é justamente nesse período que eles
mais necessitam da orientação e da compreensão dos pais. A falta de diálogo
no ambiente familiar pode, portanto, acarretar ou, em certos casos, acentuar
algumas dificuldades, principalmente em termos de relacionamento, podendo
afetar até mesmo o bem-estar e a saúde psíquica dos adolescentes, com isso,
além do recurso do diálogo, quando a família busca desde cedo estabelecer
relações de respeito, confiança, afeto e civilidade entre seus membros, pode
lidar com essa fase do desenvolvimento de uma maneira mais adequada e com
menos dificuldades do que uma outra família na qual tais valores não foram
praticados (ROZEMBERG, et al.; 2014).

A Constituição Federal de 1988 representa juridicamente a transição democrática e a


institucionalização dos Direitos Humanos no Brasil em que, no artigo nº. 227, preconiza
que: “É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente,
com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar
e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação,
exploração, violência, crueldade e opressão.” Esse mandato constitucional e democrático,
unido aos novos parâmetros internacionais, institucionaliza e reordena juridicamente as
novas leis que se destacam no apoio aos direitos de crianças e adolescentes (BRASIL, 2017).

Quando um grupo familiar possui um filho adolescente, o grupo como um


todo parece adolescer. Os pais vivenciam sentimentos variados em decorrência
da adolescência de seus filhos e as respostas que são capazes de dar aos ado-
lescentes estão condicionadas à forma pela qual eles resolveram o seu processo
adolescente. Assim, pode-se dizer que, frente à adolescência dos filhos, os pais
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apresentam uma angústia intensa, tanto em função de suas próprias inseguranças


quanto por evocações conscientes ou inconscientes de suas fantasias e/ou atitudes
vivenciadas durante o seu próprio processo adolescente.
Além das preocupações gerais dos pais com a questão de como lidar com
a adolescência dos filhos, existem alguns aspectos que se destacam na pauta
de preocupações parentais, uma vez que as influências do contexto no qual os
adolescentes se desenvolvem, tanto no que diz respeito à família quanto no que
concerne ao ambiente macrossocial, associadas às características de imaturidade
emocional, impulsividade e comportamento desafiador que com frequência estão
presentes na fase da adolescência, resultam no engajamento em comportamentos
considerados de risco, como, por exemplo, a iniciação sexual precoce, a ausência
de proteção durante o ato sexual, o uso de substâncias psicoativas e baixos níveis
de atividade física e relação com o mundo digital (ROZEMBERG, et al.; 2014).

A família no papel de prevenção


A família possui um papel primordial no amadurecimento e no desenvolvimento
biopsicossocial dos indivíduos e apresenta algumas funções primordiais,
as quais podem ser agrupadas em três categorias que se relacionam entre si:
funções biológicas, funções psicológicas e funções sociais.
A função biológica principal da família é garantir a sobrevivência da
espécie humana, fornecendo os cuidados necessários para que o bebê humano
possa se desenvolver de forma adequada. As funções psicológicas agrupam-se
em três grupos centrais:

a) Proporcionar afeto ao recém-nascido, aspecto fundamental para garantir


a sobrevivência emocional do indivíduo.
b) Servir de suporte e continência para as ansiedades existenciais dos indi-
víduos durante o seu desenvolvimento, auxiliando-os na superação das
“crises vitais” pelas quais todos os seres humanos passam no decorrer
do seu ciclo vital, como, por exemplo, a adolescência.
c) Criar um ambiente adequado que permita a aprendizagem empírica que
sustenta o processo de desenvolvimento cognitivo dos seres humanos.

A família corresponde a um lugar privilegiado de afeto, no qual estão


inseridos relacionamentos íntimos, expressão de emoções e de sentimentos.
Portanto, pode-se dizer que é no interior da família que o indivíduo mantém
seus primeiros relacionamentos interpessoais com pessoas significativas,
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estabelecendo trocas emocionais que funcionam como um suporte afetivo


importante quando os indivíduos atingem a idade adulta. Essas trocas emo-
cionais estabelecidas ao longo da vida são essenciais para o desenvolvimento
dos indivíduos e para a aquisição de condições físicas e mentais centrais para
cada etapa do desenvolvimento psicológico. N
Com relação à função social da família, ela envolve a transmissão da
cultura de uma dada sociedade aos indivíduos, bem como a sua preparação
para o exercício da cidadania. É a partir do processo socializador que o
indivíduo elabora sua identidade e sua subjetividade, adquirindo, no interior
da família, os valores, as normas, as crenças, as ideias, os modelos e os
padrões de comportamento necessários para a sua atuação na sociedade
(ROZEMBERG, et al.; 2014).
As normas e os valores que introjetamos no interior da família permanecem
com o indivíduo durante toda a vida, atuando como base para a tomada de
decisões e atitudes que apresentamos no decorrer da fase adulta. Além disso,
a família continua, mesmo na etapa adulta, a dar sentido às relações entre os
indivíduos, funcionando como um espaço no qual as experiências vividas são
elaboradas. Muitos autores caracterizam a família dentro de uma perspectiva
sistêmica, considerando-a como um sistema ativo que está em constante pro-
cesso de transformação e de evolução, e que se move por conforme a evolução
e a dinâmica familiar (ROZEMBERG, et al.; 2014).
Não há como descontextualizar a família de outros sistemas mais comple-
xos, como a comunidade e a sociedade, que fornece suas possibilidades de
produção de bens e serviços, de educação, de escola, de saúde, de cultura, de
assistência social, etc. Também não há como garantir que a família e outros
setores da sociedade, como a escola e a comunidade, só promovam fatores
de proteção aos sujeitos, já que elas são também fontes de conflitos e de
adversidades que vulnerabilizam os sujeitos.
Na adolescência, a influência da família no processo de desenvolvimento
perde espaço para outras fontes de fatores de risco e fatores de proteção. Os
fatores internos da família (condição emocional, valores, talentos, habilidades,
desejos, projetos, autoestima, humor, etc.) ganham força quando expostos a
fatores de riscos oriundos da comunidade onde está inserido o adolescente.
São forças compostas por fatores de proteção (forças de resiliência) e por
fatores de risco (forças de vulnerabilidade). Cada sujeito irá se autoproduzir
na confluência dessas linhas de força e na forma como elas lhe são apresen-
tadas. Uma mesma força poderá ser vivida de forma radicalmente diferente
por diferentes sujeitos, cada um em sua singularidade. Para cada situação
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singular poderíamos redimensionar o espaço de cada uma das principais


fontes de fatores de risco e de fatores de proteção. Além disso, a fonte que
se sobrepõe é a do ambiente comunitário, que pode ser a rua sem a mínima
monitoração da família (fator de risco) como pode ser a possibilidade de
convivência comunitária em ambiente de apoio, tipo núcleo comunitário ou
vizinhança que ofereça cuidado e atenção nos períodos complementares à
escola (fator de proteção). De qualquer forma, os espaços familiar e escolar
são reduzidos. Podem ser tanto insuficientes em termos de proteção, levando
o adolescente a enfrentar a vida sozinho, como podem ser qualitativamente
significativos, produzindo jovens mais autônomos com mais precocidade. No
entanto, a ausência da influência da família e da escola antes dos 15 anos de
idade leva a crer mais na possibilidade de vulnerabilidade intensa do que na
resiliência (BRASIL, 2017). O grau de conflito entre adolescentes e família
está relacionado, em boa parte, ao estilo de relação e comunicação entre eles.
No Quadro 1 podemos ver uma classificação dos estilos de parentalidade que
se associam a diferenças no comportamento social dos adolescentes.

Quadro 1. Estilos de parentalidade e comportamento social na adolescência

Comportamento
Estilo parental predominante
social do adolescente

Estilo restritivo e punitivo no Pouco criativo; com


qual o adulto provedor/cuidador pouca habilidade de
persuade o adolescente a se- decidir com autonomia;
Autoritário guir suas orientações. Os limites poucas habilidades
e os controles são rígidos e há comunicativas; ansiedade
pouca troca comunicativa. frequente em relação às
comparações sociais.

Estilo que encoraja o adolescente Criativo, flexível, autocon-


a ser independente e progressiva- fiante e responsável; com
mente autônomo. Os limites e os boas habilidades comu-
controles fazem parte da relação nicacionais e respeito
de autoridade que o adolescente aos adultos; capacidade
Autoritativo
respeita e reconhece em seus de escolha com consci-
adultos cuidadores/provedores. ência de seus efeitos.
O diálogo e a negociação são
centrais na comunicação en-
tre esses adultos e jovens.

(Continua)
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(Continuação)

Quadro 1. Estilos de parentalidade e comportamento social na adolescência

Comportamento
Estilo parental predominante
social do adolescente

Não se envolve muito com o Pouco autocontrole; difi-


processo de adolescer e de- culdade para lidar com a
monstra pouco interesse nas independência e pouca
atividades e escolhas dos jovens. assertividade nas esco-
Negligente Há pouco ou nenhum controle lhas; necessidade de per-
ou limite e a monitoração do tencimento a grupos que
desenvolvimento é mínima. A se interessem e o ajudem
comunicação é muito insuficiente. a enfrentar o processo
de adolescência.

Alto envolvimento dos adultos Pouco autocontrole e


provedores/cuidadores com alta frustração quando
os jovens; porém com poucos contrariados, tanto por
limites e controle sobre o pro- adultos quanto pelos
Indulgente
cesso de adolescer. A comu- pares; dificuldade para
nicação é pouco eficiente. se incluírem em gru-
pos, pouca habilidade
comunicativa.

Fonte: Adaptado de Brasil (2017).

O papel da família como parte da rede de apoio de um adolescente poderá


significar mais proteção ou mais risco, dependendo do vínculo adulto prove-
dor/cuidador com o adolescente, da capacidade de comunicação entre eles, do
estilo de parentalidade e da relação que as forças oriundas da comunidade e
da escola (grupos de amigos, relações com o desempenho escolar, segurança
do bairro em que vivem, oportunidades de acesso à cultura e ao lazer, etc.)
intervêm no processo. Adolescentes que, em boa parte do tempo cuidam de si
mesmos, ou seja, vivem com pouca monitoração de seus adultos cuidadores/
provedores, ficam mais suscetíveis às forças do ambiente externo à família.
A qualidade do tempo e do cuidado complementar à escola e ao convívio
familiar são significativos no processo de constituição de autonomia desses
jovens e de suas escolhas (BRASIL, 2017).
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Na cartilha criada pelo Ministério da Saúde (BRASIL, 2016) “Famílias e adolescentes”,


são apontadas algumas sugestões para a educação desses jovens:
 Compreenda a “idade da contestação” e da “revolução hormonal”.
 Evite “brigas” desnecessárias e procure compreender seus filhos adolescentes.
 Reconheça que a chave para chegar a acordos é sempre a negociação.
 Entenda que filhos(as) precisam que pais sejam pais, não só amigos(as).
 Use regras claras, com autoridade e sem autoritarismo. Estabeleça e esclareça os
limites desde cedo, de acordo com os valores e referenciais de sua família.
 Não quebre as manifestações de afeto. Abraços, beijos, elogios, agradecimentos e
um ombro amigo nunca são demais!
 Pense como eram as suas reações quando você tinha essa idade.
 Entenda e aceite seu(sua) filho(a) como é e não como você quer que ele(a) seja.
 Cada filho(a) é único(a).

A educação começa na infância e continua na adolescência, mas de forma


diferente, pois, nessa fase, os jovens precisam aprender a refletir, a tomar
decisões e a assumir responsabilidades. A sociedade passa por muitas e
rápidas modificações de valores e de costumes, que influenciam de diversas
maneiras nas vidas das famílias e dos filhos adolescentes, levando à cons-
trução de diferentes trajetórias de vida induzidas pelos contextos de uma
sociedade desigual. Os resultados são comportamentos, atitudes, maneiras
de entender e de se colocar no mundo adotados pelas variadas expressões
das adolescências, que, dependendo do contexto de vida, muitas vezes po-
dem vulnerabilizá-los. Nesse cenário, os adolescentes, como sujeitos de
direitos, podem sair da posição de atores para serem autores de si próprios
construindo novas formas de ser adolescente, criando novas possibilidades
existenciais, sociais e políticas. Para que isso aconteça, é fundamental que
eles encontrem nas suas famílias — nuclear e em outras configurações
familiares que se organizam na sociedade — a confiança para falar de suas
inseguranças e de suas dúvidas, pedir orientação, esclarecimento, pedir
para ser ouvido e, se necessário, terem o apoio que estejam precisando para
realizar a grande trajetória de construir seu projeto de futuro e uma vida
saudável. O diálogo familiar aproxima os membros familiares, criando um
ambiente de confiança para que os adolescentes se sintam apoiados e em
segurança e aprendam os valores humanitários e éticos indispensáveis para
viver em sociedade (BRASIL, 2016).
12 Adolescência e família

Na literatura, há evidências consistentes de que a família, nos dias


de hoje, ainda exerce um papel importante no desenvolvimento de seus
membros, principalmente no período da adolescência. Considerando-se as
mudanças ocorridas na organização social e na estrutura e funcionamento
das famílias nos últimos tempos, bem como o papel crucial que a instituição
familiar continua exercendo no processo de desenvolvimento dos indivíduos,
verifica-se que essas transformações estão na base de diversos problemas
psicológicos contemporâneos. A emergência de novas composições fa-
miliares, associadas à forma específica como os pais foram educados e à
influência de novos padrões de relacionamento interpessoal que vigoram
na atualidade, tendem a desencadear dificuldades na educação dos filhos,
sendo que a preocupação com o desenvolvimento de crianças e adolescentes,
com o modo de educá-los e de orientá-los, e as maneiras de conduzi-los com
segurança rumo a uma vida adulta saudável, nunca estiveram tão presentes
nas discussões, científicas ou não, como nos dias atuais.
Considerando que o adolescente se desenvolve no contexto familiar
e nele permanece por um período que tem se expandido cada vez mais.
torna-se essencial considerar a situação familiar e o meio social nos es-
tudos sobre adolescência. Dessa forma, pode-se dizer que, apesar das
transformações significativas vivenciadas pela família nas últimas décadas
do século XX e no início do século XXI, o homem continua depositando
nessa instituição a base de sua segurança e bem-estar, o que por si só é um
indicador da valorização da família como contexto de desenvolvimento
humano (PRATTA; SANTOS, 2007).

Para saber mais sobre essa relação tão importante nessa etapa da vida dos seres
humanos, acesse o manual “Famílias e Adolescentes” no seguinte link:

https://qrgo.page.link/kNZDs
Adolescência e família 13

ALMEIDA, M. R. Os processos subjetivos no acolhimento e na adoção de crianças por


casal homoafetivo: um estudo de caso. 2012. 225 f. Tese (Doutorado) — Instituto de
Psicologia, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
ARÁN, M. Os destinos da diferença sexual na cultura contemporânea. Revista Estudos
Feministas, v. 11, n. 2, p. 399–422, 2003.
BOURDIEU, P. A dominação masculina. 4. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
BRASIL. Ministério da Saúde. Famílias e adolescentes. Brasília: Ministério da Saúde, 2016.
BRASIL. Ministério da Saúde. Proteger e cuidar da saúde de adolescentes na atenção básica.
Brasília: Ministério da Saúde, 2017.
LIMA, Maria Galrão Rios. Um estudo sobre o adiamento da maternidade em mulheres
contemporâneas. 2012. Tese (Doutorado em Psicologia Clínica) — Instituto de Psicologia,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.
PRATTA, E. M. M.; SANTOS, M. A. Família e adolescência: a influência do contexto
familiar no desenvolvimento psicológico de seus membros. Psicologia em Estudo, v.
12, n. 2, p. 247–256, 2007.
RODRIGUEZ, B. C.; GOMES, I. C.; OLIVEIRA, D. P. Família e nomeação na contemporaneidade:
uma reflexão psicanalítica. Estudos Interdisciplinares em Psicologia, v. 8, n. 1, p. 135–150, 2017.
ROZEMBERG, L. et al. Resiliência, gênero e família na adolescência. Ciência & Saúde
Coletiva, v. 19, n. 3, p. 673–684, 2014.

Leituras recomendadas
CAMPOS, S. R.; GOTO, T. A. Os conflitos e valores na juventude: transição para a matu-
ridade. Revista da Abordagem Gestáltica, v. 23, n. 3, p. 350–361, 2017.
SCHOEN-FERREIRA, T. H.; AZNAR-FARIAS, M.; SILVARES, E. F. M. Adolescência através
dos séculos. Psicologia: Teoria e Pesquisa, v. 26, n. 2, p. 227–234, 2010.

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