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ys Brasilio Sallum Jr. mee TC os DOS GENERAIS A NOVA REPUBLICA..J : Este livro trata de um momento importante da historia brasileira recente. Trata dos caminhos tortuosos pelos quais o Brasil superou a ordem politica autoritaria e vem construindo sua democracia. Ao lé-lo vocé vera _ como esses caminhos quase nunca foram os desejados pelos que iniciaram as mudangas. Mas vera também que, Prolene ECU els eM e tele eet od Poets ote eM CuCl MLC The Pia Iu Roo LAE) mostra como as mudancas politicas ocorridas depende- Penis hiccicteteks (od tea Reen eco ule felte uel a de processos econémicos internos e da democratizagao da sociedade. Acerta altura deste livro Brasilio Sallum Jr. observa, a respeito da andllise que esta fazendo, que nela se “remete a democratizacdo politica ao processo mais amplo de democratizagéo da sociedade". A observacdo é feita de pas- sagem, como se estivesse exprimindo algo eyidente ou sem maior importéncia. (Este tom discreto caracteriza, alids, 0 estilo do autor.) Mas é claro que nao é assim. O que est indicado nessa frase é um fratamento amplo e multidimensional de um tema que, sob aspectos mais testritos, fem estado presente nos debates nos anos recentes. E verdade que isso est anunciado na introducdo do livro. Mas 0 que importa aqui € que 0 autor ndo fica s6 na intengdo. De fato, o primeiro mérito deste trabalho consiste nesse modo de conduzir o exame do processo de transicGo de uma “ordem politica autocrética” para outra “mais democratica” cujos iragos “ainda néo estdo plenamente definidos. Este cuidado na caracterizacdo do desenlace da iransi¢éio indica mais do que mera prudéncia. E que a anélise que ‘aqui temos concentra-se de ponta a ponta na dindmica de um processo ainda em curso, que se busca conhecer melhor pelo exame de um periodo seu. Nao se trata de estabelecer marcos definidos, mas de reconstituir o entrelacamento de Yarias dimensdes de um processo com- plexo de crise, que ndo se esgota no quadro polticoinsttucional mas alravés- sa por varios Gngulos a sociedade ¢ a economia. Sdo as relacdes entre varias modalidades de crise, cada qual com sua configuracao e seu ritmo proprio, que esto em jogo. E nesses termos, por LABIRINTOS DOS GENERAIS A NOVA REPUBLICA Universidade de Sao Paulo Reitor: Prof. Dr. Flavio Fava de Moraes Vice-Reitora: Prof.* Dr.* Myrian Krasilchik Faculdade de Filosofia, Letras e Ciéncias Humanas Diretor: Prof. Dr. Joo Baptista Borges Pereira Vice-diretor: Prof. Dr. Francis Henrik Aubert Departamento de Sociologia Chefe: Prof. Dr. Orlando Pinto de Miranda Vice-chefe: Prof. Dr. Francisco Maria Cavalcanti de Oliv. Coordenagao do Curso de Pés-Graduacio em Sociologia Coordenadora: Prof.* Dr.* Maria Arminda do Nascimento Arruda Vice-coordenador: Prof, Dr. Francisco Maria Cavalcanti de Oliveira Secretdrias do curso: Sr.** Isabel do Céu C. Matias e Sonia Maria dos Reis Agradecimento O autor € 0 Curso de Pés-Graduacio em Sociologia do Departamento de Sociologia da USP agradecem ao CNPq — Conselho Nacional de Desenvolvimento Gientifico e Tecnolégico — os recursos que viabiliza- ram a co-edi¢ao deste livro. BRASILIO SALLUM JR. LABIRINTOS DOS GENERAIS A NOVA REPUBLICA Co-edigao Curso de Pés-Graduacao em Sociologia Departamento de Sociologia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciéncias Humanas da Universidade de Sao Paulo EDITORA HUCITEG Sao Paulo, 1996 © Dircitos autorais, 1996, de Brasilio Sallum Jr. Direitos de publicagio reseivados pela Editora de Humanismo, Ciéncia e Tecnologia HUCITEC Ltda., Rua Gil Fanes, 713- 04601-042 Sio Paulo, Brasil. Telefones: (011)240- 9318 e 543.0653. Vendas: (011)530-4532. Facsimile: (011)530-5938 ISBN 271.0375-3 Hucitec Foi feito o depésito legal. Editovacao eletronica: Ouripedes Gallene Capa: Germana MonteMér SUMARIO Foto da capa: Orlando Brito (Abril Imagem). 108 Introducao Capitulo 1 Liberalizacao e Desenvolvimento SHREVE Capitulo 2. Crise de Estado e Democratizacao Capitulo 3 Em Busca de um Novo Regime 8 Capitulo 4. No Labirinto da Crise INTRODUGAO U TEMA central aqui é a transicao politica brasileira. Transi¢io, dig se logo, de uma ordem_politica autocratica, cristalizada pelo regime militar instaurado em 1964, para outra mais democratica, que ganhou uma face civil desde 1985 mas mente definidas. 9 possui ainda feigdes total- Talvez a caracterfstica mais notavel dessa mudanca seja a sua duracao. A julga ges € anilis iniciado no j4 longinquo 1974. E, de acordo com as pela grande maioria das des que se fazem do processo, ele se teria palavras pronunciadas antes da posse pelo presidente Fernando Henrique Cardoso, a transi¢ao se teria encerra- do com sua prépri Mesmo que seja possivel demonstrar que, de fato, a eleigao. transicao teve inicio anos depois e que ainda esta em curso, nao ha diividas de que se trata de um processo bastante longo de mudanga politica. A duracao, no entanto, deixa de surpreender logo que Se toma em conta que, mesmo nao sendo um processo revoluciondrio de mudan¢a, a_transi¢ao politica brasileira tem sido extremamente comple: mudang¢a institucional. De fato, fato de a mudanca ocorrer em diversas dimensdes, em , transcendendo amera a sua complexidade — 0 8 InrRopugio ritmos e, as vezes, em direcdes diversas — que explica sua Jongevidade, Permito-me, a propésito, repetir uma caracte- rizagao do processo feita anos atras, porque, além de enfa- tizar a complexidade da transi¢ao politica brasileira, delimita © campo de problemas que pretendo abarcar neste livro: “Nao creio [...] que se alcance a raiz [...] [dos problemas da transigao] identificando caracteristicas do governo Sar- ney, dos partidos, da representacao e assim por diante. Certamente se avancara na explicacao se este nivel de anilise for inserido no contexto da mudanca de regime politico. Mas nao sera o bastante pois, no atual periodo da vida politica brasileira, vive-se mais do que a agonia do regime autoritario de base militar e o nascimento de outro que se projetava mais democratico e de base civil. A historia recente, da Nova Republica, mostrou que se torna cada vez menos vidvel manter a transi¢ao dentro do leito das reformas politico-institucionais. Ela encontra dificuldade em se completar, porque isso envolve encami- nhar a resolucao de um conjunto de crises — em sentido amplo — que extravasam largamente tais limites. “Estao em crise 0 padrao anterior de articulagao entre capitais locais — privados e estatal — e 0 capital internacio- nal; a forma existente dé agregacao € representacao de interesses econémico-sociais gerados em uma sociedade cada vez mais complexa; e a relacao entre setor piblico e privado no processo de desenvolvimento capitalista. Tais crises s€ condensam no niicleo politico da sociedade pon- doem xeque, nao sé 0 regime que se cuida de substituir, mas a propria forma de Estado, o Estado intervencionistz vigente,” 1 Brasilio Sallum Jr., “Por que nio tem dado certo: notas sobre a transicao itica brasileira”, in Lourdes Sola (org.), O Estado da transigaa ~ politica ¢ oua Repuiblica, Sd0 Paulo, Vértice, 1988, p. 119. InTRODUGAO 9 Esta avaliacdo da transicdo brasileira, feita ainda no comeco do governo Sarney, contém implicitamente um programa de estudos bastante extenso que so pode ser realizado num prazo longo ¢ por um grande ntimero de pesquisadores. Meu objetivo aqui ¢ cumprir uma parte modesta desse programa. Quero apenas esbogar, parcialmente, as gran- des linhas do processo em questao, sublinhando a cone- xao entre as mencionadas crises, analisando algumas das yarias tentativas frustradas de ultrapassd-las e apontando a direcao mais provavel em que o proceso de transicao tende a ser superado pelas forcas politicas nele enga- jadas Mas se modesta é a tarefa, por que entao dar-se tanto trabalho de cumpri-la? Ou, de outra forma, o que justifica > politica mais um, entre tantos trabalhos sobre a transi brasileira? Minha crenca é de que 0 presente trabalho apresenta algumas inovag6es importantes. A primeira, j4 se viu, é que procuro neste estudo reconstruir 0 processo de transicdo apanhando as cone- x0es significativas entre as varias esferas da sociedade envolvidas na mudan¢a em pauta, desde a econdmica até a politico-institucional. Mais ainda: tentarei aqui captar também os efeitos das transformacées econdmicas e poli- ticas internacionais sobre o processo de transi¢ao. E isso Por estar convencido de que tais transformagdes marca- tam profundamente o seu desencadeamento, a forma do Seu desenvolyimento, tendendo a moldar significativa- mente a conclusao do processo. E daro que, apesar da intengao “totalizante”, procuro manter o foco na esfera politica. Isto significa que nao se encontraré aqui, por exemplo, andlise econémica mas 10 InrRopugAo andlise politica da economia, ou do que é politicamente relevante nas transforma¢ées econdmicas. Isso nos remete & segunda das inovagdes que espero apresentar neste trabalho. Ela diz respeito ao tipo de anilise politica que se tratara de desenvolver aqui. Venho insistindo, ha algum tempo, que o mainstream das andlises politicas da transicéo se tem concentrado em demasia nos aspectos politico-institucionais da mudan¢a. E 0 faz porque exclui de seu campo de observacio a presenca estrutural da economia € da sociedade na esfera politica. Analisa a transicio como se os processos politi- cos fossem, para efeitos analiticos, completamente auto- nomos. De modo que, quando muito, pudessem ser estabelecidas conexdes contingentes entre as distintas dimens6es da sociedade, mostrando afinidades e tenses entre a esfera politica e as demais. Como a busca da singularidade hist6rica nao é o forte dessas abordagens, fica-se limitado no mais das vezes 4 identificacao de corre- lagGes estatisticas entre os fendmenos. O que é algo, mas nao muito Essa linha-mestra das anilises da transigao oscila entre dois polos; Em um deles sao mais freqiientes as nogdes de sistema; regime e instituiges_politicas e no outro pdlo predominam as referéncias a atores (assalariados, empre- sdrios ou de classe média, pouco importa) que enfrentam dilemas e escolhem racionalmente entre a ditadura e a democracia, entre participar ou nao participar de aces coletivas e assim por diante. Contra essa perspectiva, este trabalho afirma tanto 0 peso das estruturas na explicagao das praticas como a presenca estrutural — que, portanto, sé cabe abstrair provisoriamente — da base socioecondmica na esfera po- litica Inrropugao 11 Nao creio, de fato, que a “situacao de transicio” au- anto a “indeterminacao” na vida social a ponto de mente — ~ justificar a opcio pelo individualismo metodoldgico, hoje tao difundido. A menos, € claro, que a opcao por esse neo-utilitarismo sociolégico seja decorrente de principis mo doutrinario. Por outro lado, as concepgdes que enfatizam mais o carater sistémico e/ou a relevancia das instituigdes na vida politica, além de tomarem partido contra a presen- ca estrutural na esfera politica das relages socioecond- micas, tendem a evitar 0 reconhecimento de que 0 cerne da vida politica é sempre — © nao s6 nos regimes totali- tarios ou autoritarios — constituido de relagées de im- posicao, de dominacao entre segmentos. distintos da sociedade?. Com isso, esvazia-se a vida social das tenses que inevitavelmente polarizam as forgas politicas ¢ que transformam qualquer ordem politica ¢ social em reali- dade histérica. Para eyitar isso, mantendo — pelo contrario — 0 foco da andlise nas tens6es inerentes a qualquer ordem politi- €a e introduzindo no campo de observacio ¢ anélise dessa ordem as marcas do mundo socioeconémico, é que © conceito de Estado se torna indispensdvel Refiro-me, por suposto, 4 nocao de Estado vinculada 4 tradicio marxista, porque apesar das enormes divergén- cias internas, nela “Estado” sempre aponta para aquilo que aqui nos interessa, a vinculagao entre desigualdades de poder, estrutura social ¢ suas bases materiais*. onsultar a respeito Steven Lukes, “Poder ¢ autoridade”, in Tom Bottomo- Te (org.), Historia do pensamento socioldgico, Sao Paulo, Zahar Editores, 1992 Nao pretendo neste traballio efetuar uma discussio tedrica sobre 0 conceito de Estado. Seguramente trata-se de uma nogio problematica. Especialmen- tena tradicao marxista ela ja foi bastante maltratada, até por seus maiore: 12 IntRopucio Isso tudo pode ser novidade em relacio ao’ mains- tream das analises sobre a transicio politica brasileira. Nao o é, entretanto, em relagao a uma certa tradigao so- ciolégica que teve em Florestan Fernandes sua matriz geradora. De fato, conceitos como os de Estado, classes sociais, estrutura social, relagoes de poder entre classes e outros agrupamentos, exploracao e dependéncia tém sido de uso corrente na tradic¢ao referida. Nesse sentido, quando muito retomo aqui uma tradicao um tanto marginalizada nas ciéncias sociais que se fazem no Brasil de hoje. A novidade esta em que, neste trabalho, pretendo renovar significativamente o estilo predominante nessa tradigao, embora continue a reivindicd-la. E pretendo renové-la respondendo de forma positiva, ao contrario dos mestres da mencionada tradicao sociolégi- ca, as exigéncias, que considero pertinentes, dos advoga- dos do institucionalismo “no sentido de reafirmar, com a devida densidade, 0 peso histérico de certas estruturas institucionais ¢ as conseqiientes diferencas de funciona- expoentes. De Lenin lése, por exemplo, em © Estado ¢ a revolucio: “as formas dos Estados burgueses sio as mais variadas, mas sua natureza fundamental € invariavel: todos esses Estados se reduzem, de um modo ou de outro, mas obrigatoriamente, afinal de contas, A ditadura da burguesia” (Vide O Estado ¢ a revolucio, Sao Paulo, Hucitec, p. 44). Quase nao vale a pena enfatizar esta estranha dissociacio entre forma e contetido na frase de um apéstolo da dialética. Cabe mais chamar a atencao p2 prezo que © texto transpira para com as questdes politico-institucionais, usualmente recobertas pela nocio de regime politico. E certo que se encontrara na propria obra citada passagens em que 0 Autor mostra no menosprezar tanto as diferencas entre as formas de Estado. Valoriza a democracia, especialmente pela oportunidade que oferece a0 desenvolvimento das organizagdes revoluciondrias. Um balango muito sugestivo a respeito do conceito de Estado na tradic&o marxista encontra-se em Fernando Henri que Cardoso, “Estado capitalista e marxismo”, Estudas Gebrap, n.° 21, julho agosto-setembro de 1977. ITRODUgAO mento das principais normas que configuram variagées nos regimes politicos”. Entretanto, responder de forma positiva ao desafio significa, também, cfetuar a dificil operagio de trabalhar de forma articulada com conceitos de tradicées distintas, entre outros os conceitos-chave de Estado e de regime po- litico, Seguramente, o risco do fracasso na empreitada é bem alto. No entanto, se podera ver neste trabalho pelo menos a novidade da tentativa’, Dito isso, torna-se indispensavel advertir o leitor em relacao as limitagdes do texto que vai ler Em primeiro lugar, 0 trabalho cobre apenas uma parte do que aqui entenderemos por “transicio”. Mesmo assim dedico um capitulo, o primeiro, a processos de mudanca politica que nao qualifico como “de transigao”. Nao se trata, porém, de desvio de rota. A caracterizagao_desse processo de mudanca anterior a transicdo é fundamental para mostrar a singularidade da superposi¢ao de crises que impulsiona o movimento de passagem de uma certa ordem politica para outra. De qualquer modo, o essencial é que a anilise se interrompe ao término da chamada Nova Reptblica, mui- * Bolivar Lamounier, “Dilemas € perspectivas da consolidacio democra tica no Brasil”, in I. Chereski e J. Chonchol (orgs.), Crise ¢ transformacéo dos regimes autoritdrios, Sio Paulo, fcone/Unicamp, 1986. Fernando Hemii- que Cardoso mostrouse sensivel ao problema quando tentou teorizar Sobre os processos de transicio de regimes democraticos para autoritarios ha América Latina em “Da caracterizagio dos regimes autoritérios na América Latina”, in David Collier, O novo autoritarismo na América Latina, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982. Na tadicao marxista, porém, foi Nicos Poulantzas quem, salvo engano, introduziu o tema das relacio Estado, Fegime. Consultar o seu Pauioir politique et classes sociales, Paris, Maspero, 1968. Na verdade venho tentando trabalhar nessa direcio h4 algum tempo. No artigo antes citado, de 1988, isso ja aparece em termos substantivos 14 IntRopugAo to distante portanto do fim da transicao, ao menos como a entendemos aqui. Nao ha como negar, de fato, esta limitagao. No entan- to, ha duas justificativas para ela. Em primeiro lugar, apesar de dispor de material sobre 0 perfodo Gollor de Mello/Itamar Franco, ainda nao pude analisar o bastante a documentacao para reconstruir de forma satisfatéria os processos de mudanca ocorridos naquele momento. Em segundo lugar, creio que a andlise das mudangas ocorti- das desde a fase de “distensaio politica” desencadeada pelo governo Geisel até o fim do governo José Sarney permite, de um lado, mostrar adequadamente a natureza das crises que constituem os pilares da wransigao e, de outro, caracterizar de forma suficientemente clara os processos por meio dos quais as forcas politicas vém transformando a ordem politica De qualquer modo, mesmo que justificavel, a delimita- cao do subperiodo submetido & anilise ¢ reconstrucao impede que se proceda adequadamente a discussao de uma questao que reputo politicamente essencial: qual a estratégia de desenvolvimento capitalista que esta emer- gindo do processo de transicio politica que ainda vive- mos? Este livro pode mostrar as dificuldades e tensdes que vém acompanhando a morte da estratégia vigente desde os anos 30 de construcao de um capitalismo indus- trial no Brasil. Pode mostrar a morte, repito, da estratégia de construir um capitalismo industrial auto-suficiente subs- tituindo importagdes. No entanto, o material de-que disponho € 0 perfodo coberto pela anilise sao insuficien- tes para desenhar com razovel precisao a estratégia de desenvolvimento que esta hoje em processo de implanta cao. No futuro, espero que nao faltem oportunidades para enfrentar essa questao INTRODUGAO = 15 Este livro nao poderia ter sido escrito sem 0 esforgo ea colaboracao de um conjunto bastante grande de pessoas. Fle é devedor, em primeiro lugar, de um grande ntimero de jovens cientistas sociais e técnicos que colaboraram comigo e com Eduardo Graeff na construcao de um excepcional instrumento de andlise de conjuntura politi- ca, o Banco de Dados POLI. Sou grato, pois, as Silvias, as Marcias, 4s Ménicas, aos Marcos, a Izil, a Sonia, ao Edson, ao Tito € a tantos outros que com esfor¢o, poucos recur sos € disciplina participaram do sonho de produzir pes quisa basica de alto nivel num pais que apenas costuma premiar o talento das personalidades Estendo esse agradecimento 4 Fundacao Escola de Sociologia e Politica de Sao Paulo e a Financiadora de Estudos e Projetos (Fi institucionais ¢ financeiras para a realizacio daquela pes- quisa. nep) que ofereceram as condicées Devo reconhecer, além disso, que o livro leva adiante discuss6es ¢ andlises sobre a atualidade politica brasileira que mantive ao longo dos tiltimos anos principalmente com Eduardo Graeff, Sergio Sister, Eduardo Kugelmas e Gildo Marcal Branddo. Tenho uma divida especial com Eduardo Kugelmas, com quem discuti ¢ elaborei boa par- te das idéias apresentadas nesse trabalho. E também com Gildo Marcal Brandio, com quem venho debatendo ac loradamente nos wiltimos anos as questdes ea “teoria” sobre a transicao. Este livro foi apresentado originalmente em 1995 como tese de livre-docéncia a Faculdade de Filosofia, Letras e Ciéncias Humanas da Universidade de Sao Paulo. Ele nao 16 InTRODUGAO repete, porém, completamente a tese. Além de algumas modificacoes de forma, fiz outras poucas de contetido, aproveitando parcialmente as sugest6es da banca exami- nadora da tese — Gabriel Cohn, José Luiz Fiori, Eros Grau, Luiz Gonzaga Belluzzo e Francisco de Oliveira. Agradeco a eles a generosidade ¢ a acuidade com que analisaram o meu trabalho. Este trabalho vem rapidamente a ptiblico gragas ao Programa de Pés-Graduacao em Sociologia da USP que, por iniciativa de sua entao coordenadora, Maria Arminda do Nascimento Arruda, instituiu um plano de publica- Ges de livros de seu pessoal docente. Ao Programa e a grande amiga, o meu reconhecimento. Por fim, leitor deve agradecer 4 minha esposa, Ana Maria, se nao deparar ao longo do texto que vai ler com muitas construgées tortuosas e outros “barbarismos” que as vezes cometo contra a lingua portuguesa. CAPITULO 2 (RISE DO ESTADO E DEMOCRATIZAGAO EU ARGUMENTO central aqui é de que a crise do regime M Militar e a conseqiiente democratizacio politica do pais tiveram na crise do Estado Desenvolvimentista uma fonte crucial de impulsao. Ela contribui decisivamente para © fim do regime autoritario mas estende-se para além dele. WNa verdade, aprofunda-se depois ¢ até hoje nao foi supera- da, B a crise do Estado que est na raiz da instabilidade Economica dos anos 80 ¢ 90 ¢ que explica as dificuldades do Brasil em fixar-se num regime politico estavel. Essa crise, que se instaura no Brasil a partir de 83, quebra © padrao hegemonico de dominacio vigente desde os anos 8050 imicleo governamental nao consegue mais dirigir a alian¢a desenvolvimentista ¢ a sociedade como um todo. Os Tepresentantes dissociam-se dos representados, que se fracio- Ram €polarizam em torno de interesses ¢ idéias distintos. A GeSagregacio no interior do bloco dominante — que nao Suportou a reversio do ciclo econdmico, acentuada pelo aumento das pressdes vindas das finangas internacionai: GOS\centros de poder do sistema capitalista mundial e da politica governamental — apenas acelera dramaticamente MM processo de desajuste, diverso mas complementar, entre Peder politico e sociedade. O Estado Desenvolvimentista 64 STADO E DEMOCRATIZACAO. vinha, desde os anos 70, sendo superado aos poucos pela complexidade cada vez maior da sociedade de classes; complexidade produzida precisamente pelo crescimento capitalista extraordinario que o proprio Estado impulsio- nara. Mas, como se yer nos capitulos seguintes, o papel dos fatores externos nao sera apenas o de precipitar e de acelerar uma crise. Sera também o de moldar a sua superacao. Em seguida, tratamos de avancar na anilise da crise da ordem autoritéria, mas s6 até o fim do regime militar, enfatizando primeiro sua dimensio sociopolitica e em seguida a politico-institucional. Desenvolvimentismo em questo As press6es, externas e internas, que conduziram a crise do Estado Desenvolvimentista, nao podem ser con- fundidas com eventos especificos. Constituiram-se em processos que no correr do tempo assumiram diferentes formas ou foram mudando de aspecto ao longo dos anos. No que se refere aos const sistema capitalista internacional, ha enorme consenso de que 0 fator de precipitagao da crise da economia brasilei- ra_dos anos 80 foi o esirangulamento de suas fontes externas de financi G angimentos provindos do jamento. Contudo, a avali; ‘0 do sig- nificado desse estrangulamento exige alguma referéncia as transformacdes econdmico-financeiras e politi , in- termas € externas, em que ocorreu Como se recorda, a chamada “crise da divida” tem dois marcos fundamentais. Em primeiro lugar, a politica de extrema contengao monetaria desencadeada pelos Esta- dos Unidos no fim do governo Carter, em outubro de 1979, e mantida durante o mandato presidencial de Ro- CRIsE DO EsTaDO E DEMOCRATIZAGAO 65 nald Reagan. Essa politica elevou extraordinariamente as taxas de juros e revalorizou o dolar, movimentos contra- rios aos que haviam ocorrido a partir de 1971. Com isso, a divida externa brasileira — contratada a taxas flutuantes mas num ambiente de dolar cadente e juros baixos — cresceu acima de todas as expectativas. Além di dos juros, a elevacdo brusca do preco do petréleo, ocor da também em 1979, como fruto da guerra Ira/Iraque, aumentou as dificuldades de se conseguir equilibrio na balanca comercial. Equilibrio tanto mais dificil de ser atingido porque, além do aumento das despesas com importacées, diminufram as facilidades de exportar para a alta 0. Ou na forma sintética dos eco- um mundo em recess nomistas: equilibrio tanto mais dificil em virtude da ex- traordindria deterioracao dos termos de troca que atingiu a economia brasileira especialmente entre 1980 e 1985 Resultado: tornou-se cada vez mais necessdrio, e mais dificil, contratar novos empréstimos para equilibrar o balanco dé pagamentos, até que a moratoria do México desencadeou a interrupc¢ao do fluxo voluntario de finan- ciamentos para o Brasil Nao cabe nesse passo reconstruir os processos mais amplos ¢ determinantes em que se inserem os choques dos juros internacionais e dos precos do petréleo, os proce: sos de transnacionalizacao capitalista e de perda Conforme Monica Baer, O nwmo perdido ~ a crise fiscal e financeira do Estado brasileiro, Sao Paulo, Ed. Paz ¢ Terra, 1993, pp. 72 a 77. Segundo a Autora, “as estimativas realizadas por Serra e Cardoso & Dornbusch apontam para um acréscimo de US$10 a 16 bilhGes na divida externa brasileir perfodo 1979-1982, somente por conta do impacto da elevacao das taxas de juros internacionais. A intensidade deste impacto [...] fica mais evidente quando se relaciona o comp: evolucdo dos termos de troca do pais, j4 que esta mede 0 esforco de gerar divisas na balanga comercial [...]” mento dos juros internacionais com a 66 Crise po Esfapo E DEMOCRATIZACAO do predominio econdmico dos E.U.A. no plano interna- cional?. No entanto, vale ressaltar que os choques dos juros e do petréleo s6 causaram tanto impacto interno por causa das op¢6es estratégicas tomadas anteriormente pelo go- verno brasileiro 4 Ja fiz referéncia a tais opgdes no capitulo anterior. De um lado, escolheu-se superar, nos anos 70, a escassez de commodities ¢ 0 primeiro choque de precos do petréleo por meio do aumento da autonomia produtiva do pais ante o exterior; e, de outro, optou-se por financiar tal programa com “poupanca externa” adicional em vez de incrementar a poupanca interna, mais cara e dificil de obter, sobretudo do ponto de vista politico, Com isso reiterouse, na década de 70, 0 padrao dependente da politica econdmica brasileira’. Dependéncia que, é bom que se di; ampliar, Ela sempre aproveitou, na medida do possivel, as “ja internacional para manter altas taxas de desenvolvimento , a alianca desenvolvimentista nunca deixou de nelas de oportunidade” disponiveis do plano e evitar “sacrificar” as classes proprietarias até mesmo com maior esforco de poupan¢a. O mesmo padrao foi reiterado no comeco dos anos 80 quando o governo Figueiredo trocou — ja em plena disparada dos juros internacionais ¢ dos pregos do petréleo e com 0 apoio entusidstico do empresariado — a politica de “contencao” * Consultar a respeito Robert Kuttner, The End of Laissez-Faire, New York, Alfred A. Knopf, 1991 ¢ Michael Piore & Charles Sabel, The Second Divide - Possibilities for Prosperity, New York, Basic Books, 1984. Ha muitos anos Gelso Furtado vem insistindo na conexio entre moderniza- panga externa € industria lizacdo subdesenvolvida. Vide por exemplo 0 seu O mito do dese ti econémico, Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 197: Jo das pautas dé consumo, dependéncia da po especialmente'o-cap-Ht CRisE Do EsTabo E DEMOCRATIZAGAO 67 prometida pelo ministro Mario Henrique Simonsen pela “retomada do desenvolvimento” de Ant6nio Delfim Neto, que o substituiu na lideranga da equipe econdmic: Em suma, a “crise da divida” nao aconteceu apenas por tudes do mercado financeiro internacio- nal. Nem somente porque, ademais, 0 pais endividou-se “além da conta” para evitar a recessao_e ganhar auto- causa das vicis nomia produtiva ante 0 exterior. Mas também porque, ao tomarem tais medidas, os que seguravam o leme do Estado respeitaram, basicamente, 0 mandato da alianga desenvolvimentista: evitaram “onerar” os seus participant tes nativos — as classes proprietarias e as empresas estatais — com politicas de restri¢ao da propria renda. De qualquer maneira, 0 estrangulamento externo — e principalmente a interrupgao dos financiamentos a partir de 198 tendo deteriorado as bases materiais de atuacao do Esta 2 — teve impacto enorme na economia brasileir do e, assim, restringido extraordinariamente o raio de manobra das elites que 0 comandavam. Além do crescimento exponencial do endividamento cer externo, sobretudo das empresas estatais — em 1982 de 70% do passivo externo, com encargos US$18,6 bilhdes no ano, ja eram de responsabilidade do Estado — a capaci- dade extrativa do setor publico, cadente desde 1974, com- ‘Sitiado” por prime-se mais com a recessao dos anos 80. essas restrigdes e encontrando grande resisténcia para “ajustar” a maquina estatal pela redugao de despesas, 0 governo fez do endividamento piblico interno uma valvu- la de escape, parcial, aos fatores que pressionavam para reduzir a participacdo do Estado na vida produtiva e, em tividade privada especial, na manutengao da lucr Tudo isso resultou em reducdo drastica da capat © Estado desencadear qualquer nova onda de inversbes que idade de 68 Crise po EsTapo E DEMOCRATIZACAO permitisse, como em outras vezes, escapar as restrigées sistém as, induzindo positivamente o sistema econémico, canalizan- ados para tal ou qual setor. A poupanga liquida do setor ptiblico cai vertiginosamente de 4,7% do PIB em 1975 para 2,2% em 1980, tornando-se negativa em 1985. Os investimentos ptiblicos que corres- pondiam em 1975 a 4,1% do PIB cafram para 2,3% em do os investimentos priv 1985, pequena taxa mantida ainda assim gracas a um déficit de 3,08% em relacao ao PIB. E preciso ter claro, porém, que este resultado nao decorreu avtomaticamente do esi ancamento interno e do estrangulamento externo que o precipitou. Tanto as con- seqii€éncias econémicas internas como os efeitos politicos da “crise da divida” também foram moldados — e amplifi- cados — pela forma como 0 governo tentou superar o desequilibrio do balango de pagamentos, a partir de outu- bro de 1980. Dessa data em diante, o governo abandonou a politica extempordnea de crescimento que desenvolvera desde meados de 1979. Passou, entao, a enfrentar o problema do desequilibrio das contas externas por duas vias com- plementares. De um lado, preservando as linhas de finan- ciamento externo, mesmo que a custos crescentes e prazos cada vez mais curtos. De outro, induzindo a uma recessao cada vex mai l intensa, destinada a “ajustar” a economia para a producao de saldos positivos ¢ crescentes no co- mércio exterior, de forma a fazer frente aos juros crescen- tes da divida externa. Com a interrup Ao dos financiamentos, desde a mora- toria mexicana’, ¢ a exigéncia feita pelos bancos credores Monica Baer, O rumo perdido, op. cit. p. 78 € 79, chamaa atencio para o fato de que, a0 contrario do Brasil, a Coréia nao sofreu corte no financiamento CRISE DO EsTADO E DEMOCRATIZAGAO 69 de que fosse honrado integralmente o servigo da divida anterior, o governo foi colocado diante do seguinte dile- ma: ou bem o sistema econémico nacional se “ajustaya” gerando jais em délar que pudessem remu- nerar os credores internacionais; ou, entdo, teria de rom- aldos comer per com eles € suspender 6 fluxo de recursos destinados ao servico da divida, sob pena — dizia-se na época — de terno ou até de interrupcao dos créditos ao comércio es arresto de propriedades brasileiras no exterior. A op relagdes com as finangas internacionais, mesmo ao pr io governamental foi de preserv; . O governo recorreu ia que de onerar o sistema econdmico loc ao FMI para obter um empréstimo de emergénc mantivesse 0 fluxo de pagamentos de juros e para conse- guir aval para sua politica de “ajuste” econémico, de modo a facilitar um acordo de alongamento dos prazos da divida externa com os credores Mesmo que 0 ajuste recessivo nao tenha ocor medida desejada pelo FMI — em maio de 83, o Fundo suspendeu a segunda parcela do empréstimo que conce- dera alegando que o governo nao cumprira_as_metas acordadas — cle foi perseguido com muita determina € com 0 autoritarismo caracteristico do regime militar. A da desde fins de 1980, aprofimdou-se. Resultados: re- ico dos gastos puiblicos, juros elevadissimos, reducao im, a trajetéria recessiva, que vinha sendo desenvolvi- duc dos internacionais, apesar do desempenho coreano nao set nga financeira. dos bancos pr muito diferente do brasileiro do ponto de vista da segu fs asiético pode superar as restrigdes externas (juros qiiilidade partir de novembro, a até que pudesse Com isso aquele p: internacionais ¢ prego do petréleo) com certa © gover passando a pagar apenas 0s juros devidos da divic © brasileiro entra em moratoria parcial a ext chegar a um acordo com os credores e organismos financeiros internacio ais. 70 CrIsE Do EsTADO E DEMOCRATIZAGAO das tarifas, da lucratividade_e dos investimentos das_em- presas publicas, achatamento do lucro € éstancamento dos investimentos privados, redugdo dos salarios reais, queda assustadora do emprego_ industrial =e inflacao ascendente. ‘As conseqiténcias politicas da opcao feita pelo governo Figueiredo foram graves a ponto de ocasionar as primei- ras rachaduras num edificio tao sdlido e duradouro como 0 pacto de dominacao estruturado pelo Estado Desen- volvimentista. O tipo de “ajuste” escolhido, além de exacerbar a exclusao socioeconémica dos assalariados, onerou de for- ma muito desigual os principais segmentos da aliang desenvolvimentista. Nao ha dtivida que dentre os varios segmentos do bloco desenvolvimentista 0 mais atingido pela politica conduzida pelo ministro Delfim Neto foi a burocracia estatal e, em especial, as até entao privilegiadas empresas do Estado®. As implicacdes disso eram fortes: optando pela preser- vacio plena do vinculo externo em detrimento da alavan- ¢a estatal do desenvolvimento industrial auténomo, o governo Figueiredo eliminava quase toda a duplicidade da politica econémica governamental. E, 0 que é mais importante, eliminava uma duplicidade que chegou a constituir-se em padrao do Estado Desenvolvimentis © Apesar da mudanga em relacdo as empresas estatais ndo chegou a haver rompimento em rela cio basica de preservé-las ou expandi-las na condigao de instrumento para a acumulacio do capital privado. A pritica de subsidiar a inctistria privada por meio de precos rebaixados clas matérias-primas ¢ servicos das estatais era costumeira jé na década de 50. A grande diferenca introduzida nos anos 80 € que as estatais continu ser usadas dessa forma durante a fase recessiva do ciclo. 10 A orient ma CrIsE DO EsTabO E DEMOCRATIZAGAO 71. Padrao que se expressou em orientagdes econdmicas polares de distintos ministros da area econdmica de cada governo: Antonio Delfim Neto versus Helio Beltrao, Ma- rio Henrique Simonsen versus Joao Paulo dos Reis Vello- so, Delfim Neto versus Karlos Rischbieter, representando 0s primeiros a face mercado/associagao com 0 exterior ¢ cional no desen- os segundos a contraface autonomia na volvimento industrial’. Sua op¢ao, portanto, atingia os alicerces do Estado. Vejamos isso mais de perto. A politica de “ajuste” inaugurada por Delfim Neto em outubro de 1980 ja colocava como tarefa principal o combate ao déficit publi- co. E, como se recorda, um combate em que evitava cuidadosamente atingir ou mesmo mencionar © servi¢o da divida publica como fator do desequilibrio das contas do governo. Assim, em lugar de questionar a redugao da receita do setor ptiblico ¢/ou a crescente dependéncia do Estado em relacao a seus financiadores privados (exter- stado voltaram-se nos € internos), os condutores do contra os “excessos” de gastos correntes ¢ de investimen- tos-ptiblicos.- Em outras palavras, evitaram colocar em tado em relagao ao xeque a dépendéncia crescente do F: capital financeiro_e concentraram-se no corte de subst- dios e dos salérios reais do_pessoal do Estado*. Com isso, Nesse sentido, a opcao feita pelo presidente Figueiredo de substituir, em janeiro de 1980, no Ministério da Fazenda, Karlos Rischbieter, critico do nciamento externo da economia brasileia, por Er ja sinalizava a opcao explicita que faria em. padrao de £ Galvéas, do grupo Delfi de preseryar prioritariamente os vinculos com os credores externos A propésito da mistificacao liberal conservadora de esconder, naqueles publico consultar anos, 0 endividamento crescente subjacente ao défici 1 da crise brasileira: da internacionalizagdo bancé: sm Castelo & capitulacdo externa com Sarney, Rio de Janeiro, Forense, pp. 73 2 76, Os defensores do nacional-desenvolvimentismo inverte José Carlos de Assis, ria 72 Crise Do EsTapo E DEMOCRATIZAGAO nao s6 protegiam o setor financeiro, elo mais forte de ligacdo entre o empresariado e o Estado autoritario, mas evitavam qualquer questionamento do direito de proprie- dade, cuja sacralidade era o sustentaculo ideolégico da enorme transferéncia de capitais que o cumprimento dos contratos implicaria. Foi, porém, sobre as empresas estatais que a politica recessiva se exercitou com mais intensidade. Vejamos isso um pouco mais de perto. E sabido que foi por meio da administragao descentra- lizada que o poder publico se expandiu economicamente no pés-64. A empresa publica ou de economia mista foi a forma institucional basica mediante a qual o regime mi- litar aprofundou de modo extraordinario a participa estatal nas atividades produtiv ) As relagdes entre as s instancias da administracgao publica, consubstan- ciadas no Decreto-Lei 200 de 1969, resultaram em cres- cente autonomia gerencial das empresas estatais em relacao- ao poder central. Elas passaram a se conduzir, nao como entidades ptiblicas subordinadas a um interesse su- postamente geral, definido em centros de poder mais elevados no interior do Estado, mas como corporacgées vari privadas cujos interesses sao, no minimo, a autoconsery co ¢, se possivel, a expansao maxima. Tao grande tornov- se sua autonomia aparente que Fernando Henrique Cardoso chegou a sugerir — com algum exagero — que a burocracia empresarial se convertera em burguesia de ram a argumentacio durante a maior parte da chamada Nova Republica ¢ tentaram minimizar 0 conceito de déficit reduzindo-o ao de divida. Inverte ram 0s fatores mas preservaram a mistificagao. A analise do gasto pitblico de 1982 mostra que as despesas de custeio - 0 ano foi de eleicoes estaduais podiam ir muito além do crescimentio dos encargos da divida. O contrario ocorre em 1983 ¢ 1984. Ver a respeito Idem, ibidem, anexo 1, tabela 12. CrisE DO ESTADO E DEMOCRATIZAGAO 73 Estado e disputava a hegemonia politica com os segmen- tos privados, local e inter nacional, da burguesia’. A reacdo governamental a esse esvaziamento do niicleo do poder em favor das atividades descentralizadas foi concentrar poder normativo sobre essas atividades em érgios colegiados, além de multiplicé-los constantemente desde 1964. Apesar disso, durante o perfodo de expansao econémica os ineficazes para pautar as politicas especificas das estatais. £ que, de um lado, os controles eram de natureza mera- mente formal. E, de outro, a autonomia das estatais nao preocupava em demasia as autoridades centrais na fase varios érgaos de controle mostraram-se expansiva do ciclo econémico™. Ainda mais porque, en- quanto o governo feder al manteve uma politica compatt- vel com os impulsos de crescimento € diversificagao das empresas estatais, estas nao ofereceram resisténcia as suas diretrizes gerais — mesmo as que pudessem prejudicélas a longo prazo, como a de ampliarem seu endividamento externo em nome da preserva¢ao das reservas nacionais em moeda estrangeira. No entanto, logo que o padrao de financiamento da economia entrou em colapso, 0 governo central passoua intensificar seu controle sobre a maquina do Estado ¢ a ajuste” sobre empresas jogar boa parte dos custos dos estatais. A retorica antiestatal, dominante nos meios empres e na midia, tem impedido uma avaliacao adequada ‘ai Conforme Fernando Henrique Cardoso, Autoritarismo e democratizagao, Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1975, 2 ed., cap. V. Consultar a respeito Fernando Rezende, “O erescimento (descontrolado) da intervencao governamental na economia brasileira”, in O. B. Lima Junior & S. H. Abranches (org.), As origens da crise ~ Estado autorilarto ¢ planejamento no Brasil, Sao Paulo, Ed. Vértice, 1987. 74 CrisE po EsTapo £ DEMOCRATIZAGAO do impacto econdmico que a politica ocasionou nas em- presas estatais. Todavia, os mimeros mostram que a politica de “ajuste” comandada por Anténio Delfim Neto rompeu violentamente 0 equilibrio patrimonial daquelas empre- sas: além de sofrerem res trigdes mas transferéncias de recursos do Tesouro, de serem restringidas nos seus gastos de custeio, de pagarem juros mais altos ¢ serem obri adas a continuar absorvendo empréstimos externos para saldar as obrigacdes em délar do governo — elas tiveram suas tarifas muito reduzidas em termos reais. De fato, entre 1980 e 1985, as tarifas telefOnicas cafram 52%, os precos dos derivados do petréleo baixaram 27,8%, os da energia elétrica 27,8%; os dos acos planos 18,6% isso tudo, em termos reais. Mesmo a m, © conjunto das empresas estatais conseguiu aumentar sua receita ope- racional de 11,6% do PIB em 1980 para 13,8% em 1984. No entanto, o aumento da r ita operacional das estatais nem de longe foi suficiente para enfrentar a elevacao dos seus encargos financeiros — mais ano, em média, entre 1980 e 1985. A conseqiiéncia de tudo isso foi uma queda de 5% ao ano nos inyestimentos ao longo do periodo 1980/85, provocando a de ‘ao progressiva da infra-estrutura produtiva do pai estatais. , quase toda dependente das empresas E claro que a politica recessiva também atingiu a em- presa privada dos setores produtivo e comercial. Especial- mente as pequenas e médias empresas. No entanto, entre as de maior porte, o énus foi muito menor. Em primeiro lugar, ao contrario das estatais, elas reduziram bastante us gastos de pessoal, usando intensamente as facilida- des do FGTS para promover dispens as. € O turnover dos seus empregados. Em segundo lugar, a reducdo do peso Crise po ESTADO £ DEMOCRATIZAGAO 75 das tarifas ptiblicas no sistema de pregos relatives tam- bém deu espaco para a preservacao da lucratividade. Em terc iro lugar, as grandes empresas com alguma liquidez conseguiram preservar parte de sua lucratividade compen- sando a redugao dos ganhos operacionais com os altos juros de aplicagées financeiras. Em quarto lugar, além da reducio dos saldrios reais ¢ das tarifas ptiblicas e dos 4o do délar facilitou ganhos nao-operacionais, a valoriza para uma pequena parte das empresas a expansao das exportagoes, En quinto lugar, desde 1976 0 setor privado podia trocar seus passivos em ddlar por depésitos no Banco Central de seus equivalentes em cruzeiros (Resolu- cao 432) o que permitiu a uma parte das empresas (as que anteciparam em moeda nacional os ressarcimentos de suas dividas com © exterior) escapar, ao menos par- cialmente, da elevacao dos juros internacionais e das is em 1979 so, as empresas maxidesvalorizag6es cambiais de 30% ocorrida e 83. De qualquer forma, durante a reces m dramaticamente suas taxas de crescimento, reduzir trocando investimentos por diminuigao de custos e, so- bretudo, por reducao de dividas"’. ‘Ao contrario desses setores, a area financeira — ope- rando num contexto de maior incerteza — beneficiou-se economicamente da politica recessiva do governo. Alias, nisso apenas se reiterou o padrao geral da gestao econd- mica dos governos militares que favoreceram aquela area desde 1964; Desde 1974, por exemplo, os bancos priva- dos podiam captar recursos sem risco cambial (Instrugao 4 Consultar, a propésito das diferengas de comportamento entre em privadas ¢ estatais na crise nos anos 80, Jiilio Gomes de Almeida, “Seton privado e setor piiblico - problemas de financiamento”, Andlise Conjuntural (Especial), Curitiba, vol. 8, n.° 2, Ipardes. presas 76 CRise Do EsTaDo E DEMOCRATIZAGAO 230). Mais ainda, com a expansao da divida publica inter- na — especialmente quando se tornou mais dificil captar novos recursos no exterior — o setor financeiro obteve uma grande fonte de recursos garantidos pela Unido. Ainda-mais-porque-a-equipeliderada por Delfim Neto acentuou a politica de juros altos para desaquecer as atividades e reduzir a inflacao. Além disso, como desde a crise do petrdleo de 1973 vinha intensificando-se a in- flag&o, os bancos puderam apropriar-se de parte crescen- te dos recursos depositados no sistema, aplicando depésitos a vista sem remunerd-los. Assim, depois de se terem beneficiado durante a expansio econémica dos anos 70, as instituigGes Financeiras ¢ os aplicadores Ifqui- dos de capital foram nao sé preservados mas expandiram- se enormemente nos anos de retracao. Qual o impacto politico da estratégia de “ajuste” ado- tada pelo governo Figueiredo? De modo geral, nao houve relacao direta e proporcional entre os diferentes 6nus do ajuste recessivo, as reacoes politicas dos diversos segmen- tos atingidos e o impacto que ocasionaram no pacto de- senvolvimentista. Assim, apesz r de o funcionali mo pu- blico e de as empresas do Estado terem sido, entre os membros do condominio desenvolvimentista, as grandes vitimas da estratégia governamental, sua condicéo de subordinat 10 direta 3 4 ordem politica autoritaria limitou as formas de expressao direta de sua resisténcia. Por isso, chega a ser notdvel que num ambiente tio repressivo para os assalariados (pelo menos desde as intervengdes nos sindicatos de metahirgicos do ABC, ocorridas em abril de 1980), centenas de milhares de funciondrios puiblicos federais — 50% do total no Apice da greve — tenham paralisado suas atividades desde 18 de maio de 1983 por 38 dias. Reivindicavam reajustes semes- CRISE DO EsTADO E DEMOCRATIZACAO 77 trais e décimo terceiro salario, como os da area privada, além de jornada de seis horas e direito a sindicaliz Mesmo que a greve se tenha encerrado sem nenhuma conquista — apesar da intermediacao de membros do Congresso Nacional — ela sinaliza claramente a desagrega- cao da forma vigente de Estado. A paralisacio mostrou que, mesmo no interior da ordem autoritaria, grande parte do quadro administrativo civil do regime — sua correia de transmissao — ja nao atuava de acordo com as diretrizes emanadas do vértice do Estado. Mais ainda, passa a reivindicar o direito a sindicalizagao, isto é,-de atuar como corpo distinto dos dirigentes do Estado” Quanto as empresas estatais, os sintomas mais claros de oposicao ocorreram quando o governo, sob pressao do bloqueio do empréstimo do FMI, decidiu aprofundar © ajuste recessivo anunciando cortes drasticos na remune- racao dos funcionarios das estatais. Desencadeou-se entéo, em junho, manifestagdes de protesto — assembléias de trabalhadores, decretacao de estado de greve em varias estatais e uma grande passeata de funciondrios das estatais (Petrobras, BNDES, Banco do Brasil etc.) no centro do Rio de Janeiro — contra 0 prometido decreto-lei (DL 2.025). Anunciava-se que ele determinaria uma reducao de 10% dos gastos das empre- sas e até restricdes muito amplas das conquistas trabalhis- tas dos funcionarios das estatais. Diante do volume e intensidade do protesto do pessoal das estatais e da rea- cao extremamente negativa da base parlamentar do go- 3 entre 1978 e 1986, consul: e (coord.), Para anilise detalhada dos movimentos grevista tar Eduardo Noronha, “Relagoes trabalhistas”, in Sonia Drai Brasil 1986 - relatério sobre a situacéo social do pais, Campinas, Unicamp, Miicleo de Estudos de Politicas Priblicas (NEPP), 1988. 78 Crisk po EsTaDO E DEMOCRATIZACAO verno, este rection de suas intengées originais e anunciou a futura edicio de novo decreto, menos draconiano. Mesmo assim, logo que 0 novo decreto foi promulgado (DL 2.036 de 29/6/83) — mantendo todos os cortes mas sem afetar os direitos dos trabalhadores j4 empregados — desencadou-se a primeira greve da industria petroqui- mica estatal (na refinaria de Paulinia, em Sao Paulo, e na refinaria de Mataripe, na Bahia)'*. Na verdade, as manifestagGes e a greve eram a ponta do iceberg de uma resisténcia surda das estatais aos comandos governamentais: sao conhecidas as enormes dificuldades da Secretaria de Controle das Empresas Estatais (SEST) — criada em 1979, na gestio do todo-poderoso ministro do Planejamento Anténio Delfim Neto — até para obter infor- magGes sobre suas “controladas”. De qualquer modo, as fraturas politicas entre o comando do Estado e a tecnobu- rocracia das empresas estatais se manterao discretas até o fim do regime. No entanto, mesmo sem se mostrarem diretamente, clas impulsionarao por meio da acao de outros centros de poder no Estado a crise final do regime. As rachaduras no pacto_desenvolvimentista.manifesta- ram-se de forma mais 6bvia na crescente dissociacao entre o empresariado privado € 0 governo, especialmente em relagao a estratégia governamental de enfrentamen- to do estrangulamento externo.-Os primeiros sintomas sé- rios dessa dissociacio surgiram depois das eleigdes de novembro de 1982, quando as autoridades comunicaram oficialmente — quebrando todas as promessas € 0 mito da administragio cuidadosa da divida — que recorreria ao * Consultar sobre essa greve Adalberto Moreira Cardoso, Petroleiros de Pauli nia: participagdo, consciéncia e identidade, Dissertagio de mestrado apresenta- da ao Departamento de Sociologia da FFLCH-USP, Sao Paulo, 1991 Crise DO EsTADO E DEMOCRATIZAGAO 79 FMI para poder pagar aos credores. Desenvolveu-se, a partir de entao, uma inusitada movimentagao empresa- rial em que se discutia a crise, criticava-se o modo do go- yerno de enfrenté-la e aventavam-se alternativas em pa- lestras, seminarios e até por meio do radio e da televisao. Nao pretendo aqui analisar o esboroamento paulatino das relacdes empresariado/governo. Basta dizer que a grande e stibita desvalorizacao do cambio, em fevereiro de 1983, contrariando novamente compromissos anteriores; as surpreendentes ¢ violentas manifestagdes de protesto de milhares de desempregados no Rio e em Sao Paulo, no comeco de abril, gerando o fantasma da “convulsao so- Gal”; 0 fracasso do governo em realizar sua propria es- tratégia, marcado pela interrupgao, em maio, da liberacao de recursos pelo FMI; as dificuldades de aprovar as novas leis salariais; tudo isso, em suma, ampliou 0 fosso que se abrira no final de 1982 entre os condutores do pacto desenvolvimentista e 0 empresariado local. Esse processo de dissociacio aparece claramente nos niimeros das tabelas e no grafico subseqitentes. Eles resul- tam de pesquisa com empresarios, promovida e divulgada pela revista Exame. E claro que, em se tratando de pesqui- sa de opiniao, os resultados indicam apenas uma diver- géncia crescente entre empresarios e dirigentes maximos Nao implicam, necessariamente, disposicao para atividades claramente oposicionistas. De qualquer modo, a sondagem indica que até o final de 1982 o empresariado tinha muito mais divergéncias com a equipe econémica do que com o governo em seu conjunto. O prestfgio do governo s6 despenca a medida que ele_passa_a_associar-se umbilicalmente & equipe li- derada pelo ministro Delfim Neto. Mesmo assim, s6 no fim de 1983 0 governo passou a ser avaliado de forma tao 80 Crise po Esrapo £ DEMOCRATIZAGAO negativa como sua equipe econdmica. O grafico subse- qiente mostra bem este afunilamento. OS EMPRESARIOS E O GOVERNO Avaliacio do governo Figueiredo no tempo (% do total e indice geral) jul’ jul 82 jan83 jul83 jan 84 Excelente e Bom 239 3 9 384 131 6,1 Regular 9 48,2 . 45,9 374 25,0 Ruim e Péssimo 27,9 142 428 684 indice geral 3-40 4 pl + 24,92 - 99,7 - 62, Avaliagdo do ministro Defin Neo no tempo (% do totale indice geral) oft jan 80__jul 81 _jau 8 jul 83 jan 84 Excelentee Bom 69,3 28 3 ape, Regular 254 340 34 219 167 Ruim e Péssimo 37,5 6 97,9 60,0 73,3 Indice geral +611 -11,0 +204 1 - 64,1 Avaliacao do ministro Ernane Galuéas no tempo (% do total e indice geral) __jan80_jul81_ jan 82 jul 82 ExcelenteeBom 41,1 9,6 16,9118 Regular 45,7 40,9 46, 44,4 Ruime Péssimo 13,3 Indice geral Indices de Avaliagio Empresarial jays Jays Fonte: Os porcentuais das tabelas resultam da pesquisa Painel de Executivos/ Exame, divulgada pela revista Exame, edicdes de 12/1/88, 10/8/83, 11/1/84. Os indices gerais de avaliacdo, constantes das tabelas e do grafico, resultam de uma subtracio simples feita por mim entre os porcentuais de Excelente e Bom e de Ruim ¢ Péssimo. Crise DO EsTADO E DEMOCRATIZAGAO 881 A dissociagio do empresariado em relagao ao gover- no ainda sera muito cautelosa em 1984, a0 menos até a maturacao da sucessao presidencial. Quer dizer, até que se definisse_claramente_que a sucessio se daria por eleicao-indireta, no Colégio Eleitoral. Ai, sim, a oposi cao empresarial_ao governo se transformar4 em cautelo- sa ruptura em relacio ao regime militar, por meio do apoio majoritario 4 candidatura de Tancredo Neves a Presidéncia da Republica. Todavia, 0 ponto central a salientar é que a dissociacdo empresariado/governo nao ficou apenas na avaliacao negativa, na descrenga resig- nada quanto a sua capacidade de comando ou nas criti- cas pontuais. Mesmo sem contestacao explicita ao regime autorita- rio, ainda em 1983 surgiram do meio empresarial varias propostas de mudanga ao tipo de combate que o governo travava para superar o estrangulamento externo € a rec sdo interna. Com isso a crise muda de qualidade: a emer- géncia de alternativas a politica governamental no meio empresarial, pilar central do p desenvolvimentista a, sinaliza claramente que a crise ja nao era apenas ecor €a, mas que o proprio pacto de dominacao fora afetado, abrindo-sé ho pais aquilo a que Gramsci denominou de crise de hegemonia Basicamente as propostas de “saida para a crise” de- senharam duas estratégias distintas, uma de cunho neo- liberal _e outra_nacional-desenvolvimentista’. Ambas recusavam 0 tipo de renegociacao da divida externa ado- tada pelo governo — em que o Brasil pagava todo o 4 Consultar Brasilio Sallum Jr. & Eduardo Kugelmas, “O Leviata acorrentado: a crise brasileira dos anos 80", in Lourdes Sola (org.), Estado, mercado ¢ democracia, Rio, Paz e Terra, 1993. 82 Crise Do EsTapo E DEMOCRATIZAGAO principal mais juros e s6 renegociava os prazos. Pro pugnavam uma distribuicdo das perdas entre 0 Brasil, os bancos ¢ os governos credores. Divergiam, no entanto, no que diz respeito ao “ajuste” interno. Para a vertente neoliberal, a estabilizagao deveria ser buscada pela quebra do intervencionismo estatal — fim dos subsidios ¢ transferéncias para as empresas esta- tais — e pela reativacao dos mecanismos de mercado. O Estado se dedicaria as politicas sociais compensatérias e 0 pais deveria abrir-se para uma participacio maior na divisao internacional do trabalho, concentrando-se na agricultura e na producao industrial de tecnologia ja assimilada e.absorvendo do exterior produtos de tecnolo- gia avancada. Essa orientacao ideolégica — que no plano internacional se tornava hegemOnica e tinha como eé: presses politicas principais os governos de Margareth Thatcher, na Inglaterra, e Ronald Reagan, nos E.U.A. — tinha internamente a simpatia nao s6 de liderangas liga- das a agricultura moderna de exportagao mas sobretudo do empresariado comercial”. Para a vertente nacional-desenvolvimentista, a énfase estava na reforma do sistema financeiro, destinada a subordind-lo ao crescimento industrial e reduzir os ga- nhos especulativos. Nela o Estado aparece como centro planificador de um desenvolvimento basicamente autar- quico, com énfase na integracao do sistema industrial e © documento de referéncia a propésito foi publicade pela Camara de Estudos sobre o Desenvolvimento Econdmico ¢ Social da Sociedade Rural Brasileira em 1983, Uma boa exposicao da génese hist6rica e das caracteris. ticas do neoliberalismo no plano internacional €ncontrase no texto da palestra de Perry Anderson pronunciada em semindrio da UERJ e publicada em Emir Sader & Pablo Gentili, Pés-Neolibéralismo = as politicas sociais e 0 Estado democritico, Rio, Editora Paz e Terra, 1995, Crise DO ESTADO E DEMOCRATIZAGAO 83 na internalizac4o de toda a industria “de ponta”. Além do que, esbocava a possibilidade de incorporar os assala- riados organizados mediante a adogao de uma politica negociada de rendas. Os simpatizantes dessa orientagio concentravam-se especialmente na industria privada na- cional e na burocracia empresarial do Estado". Uns e outros, neoliberais e nacional-desenvolvimentis- tas, expressam projetos de reforma do pacto de domina- ¢4o, pacto que o préprio governo corroia de outro modo, como ja vimos Os neoliberais pretendiam reformar 0 pacto de domi- i0 reduzindo a participacao das empresas estatais e da indistria tanto em relagdo ao capital estrangeiro como em relacdo @ agricultura empresarial. Propunham tam- bém a distribuicado da renda por meio de politicas sociais. No pélo oposto, os desenvolvimentistas pretendiam re- formélo reduzindo a autonomia do capital financeiro e privilegiando a indtistria local, especialmente a nacional, fosse privada ou estatal. O assalariados ganhariam nesta vertente, pois ela propunha incorpord-los como mem- bros ativos e reconhecidos da luta pela distribuicao da renda. Estas polarizacoes ideolgicas, que expressam intere: divergentes de facgdes do pacto de dominacao existente, vao marcar toda a década de 80 e ainda perduram — atenuadas, é verdade — até os dias de hoje. Além dessas rupturas no condominio desenvolvimen- tista, as massas populares e a classe média continuaram a desafiar os limites politicos a que eram submetidos, tornan- do cada vez mais inviavel a sua preservacao. © OQ documento de referéncia sobre isso foi publicado pelo Forum da Gazeta Mercantil, do jornal Gazeta Mercantil (1988). 84 Crise po EsTabo E DEMOCRATIZAGAO Em primeiro lugar, a recess io e a politica de “arrocho salarial”, mesmo atenuando o impulso grevista da década | dos 70, nao impediram que no comeco dos anos 80 0 sindicalismo operario, além de estimular a classe politica a resi istir as iniciativas do governo Figueiredo, avancasse “politicamente por meio de importantes conquistas or Recorde-se que no processo de autonomizacio dos segmentos sociais em relacao a tutela do Estado, o papel principal foi desempenhado pelo novo sindicalismo operd- rio, surgido no pdlo mais importante da indastria meta- lurgica brasileira, o da regiao do ABC do Estado de Sao Paulo. As greves massivas e muito bem organizadas de 1978, 79 e 80 romperam a passividade do sindicalismo operdrio, que vinha desde as grandes paralisagdes de Contagem e Osasco em 1968, acentuando os desafios postos pelos movimentos sociais populares e de classe média a ordem politica autoritaria. Ainda mais porque as }-bandeiras desse “novo sindicalismo” nao eram s6 salariais mas envolviam também exigéncias como direito de greve, livre negociacao de contratos coletivos de trabalho, liber- dade sindical plena e fim da tutela do Ministério do Trabalho sobre os sindicatos. Enfim, trabalhava conscien- temente contra a tutela dos sindicatos e do movimento operario pelo Estado Desenvolvimentista na sua feicdo militar-autoritaria. A partir desse polo avancado da organiza¢ao auténoma dos trabalhadores, o movimento sindical se alastrou incor- porando uma base operaria cada vez maior, quebrando a passividade de liderancas operdrias tradicionalmente acomodadas e, mesmo, estimulando organizacoes simila- tes de classe média. Nos anos 80, este movimento ascensional aparente- CRIsE Do ESTADO F DEMOCRATIZAGAO 85 mente foi interrompido: em relacao ao periodo imediata- mente anterior, 0 impacto das_greves operarias reduziu- se a partir de 1980 até o fim do regime militar. Costuma-s airibuir esse recuo (medido em jornadas nao-trabalhadas e em mimero de grevistas) 4 recessio_econémica — que aumenta o receio do desemprego — ea repressao politica. Elas teriam dificultado a mobilizacao das bases sindicais, especialmente depois da derrota dos metalurgicos na greve de abril de 1980". Entretanto, ha outros fatores “internos” ao préprio am a compreender 0 movimento sindical, que auxi amortecimento do impulso grevista. A mobilizacao foi prejudicada também porque as liderancas sindicais divi- diram-se na campanha eleitoral, polarizando-se entre dis- tintos candidatos oposicionistas as eleicdes de 1982. E, sobretudo, porque os dirigentes sindicais foram absorvi- dos por tarefas politicas mais amplas —a luta eleitoral, a construcio de organizacées sindical e partidéria no plano nacional. Como se vé, os fatores “internos” de esvaziamento do impulso grevista do operariado indicam também que o enfraquecimento da mobilizagao das bases nao pode ser tomado como recuo politico do movimento sindical’*. Pelo contrario, ele avanga s6 que mudando para outro patamar, politicamente mais importante. Desde 1981 0 movimento sindical constitui, por meio da I Conferéncia [A greve do metaltirgicos foi decretada em 31 de marco. Em 17 de abril dois sindicatos dos metaltirgicos do ABC sofreram intervengio € seus dirigentes foram enquadrados na Lei de Seguranca Nacional. A greve continuou por mais 23 dias encerrandose em 11 de maio, depois de acumular outras derrotas, como demissdes em massa e desconto dos dias parados. Confor- me Eduardo Noronha, “Relagées trabalhistas", op. cit., p. 61 Conforme Adalberto Cardoso, Petroleiros de Paulinia: participacdo, conscién- Gia ¢ identidade, op. cit., pp. 159 a 161. 86 Crise Do Es "ADO E DEMOCRATIZAGAO. Nacional das Classes Trabalhadoras (Conclat), um em. bri io de organizagao auténoma de carater nacional, que se desdobraré mais tarde na Central Unica dos Trabalha- dores (CUT) e na Central Geral dos Trabalhadores (CGT). Isso nao era pouco: com a Conclat 6 movimento sindical comega a implantar uma alternativa concreta as confede- ra¢6es oficiais que constituiam o topo da organizacio sindical instituida pelo corporativismo varguista””. Mais ainda. O movimento sindical desembocou — com apoio das Comunidades Ecle: ais de Base organizadas pela Igreja — num partido de esquerda nao-comunista de base operaria, 0 Partido dos Trabalhadores, novidade absoluta na politica brasileira desde 1930. Em segundo lugar, se o sindicalismo oper io refluiu de 1980 em diante, o mesmo nao ocorreu com os as- salariados de classe média. Estes tomaram a frente dos movimentos reivindicatorios, tanto em quantidade de grevistas como em ntimero de jornadas nao-trabalhadas. A A esse respeito vale anotar trés aspectos importantes de “ sinaliza de forma geral a fragilizagio das bases de apoio sociopolitico da ordem autoritaria. Além disso cerca de 80% das paralisagdes ocorriam no setor ptiblico, ampliagao dos movimentos sindicais asse média dado que elas eram muito mais ignificativas. E que, dirigidas por associagdes constituidas 4 margem da tutela estatal, as paralisacdes de servidores quebravam suas relagdes dire- tas de subordinagao com a cipula do Estado. Deixavam de atuar como quadro administrativo do regime e passa- vam a gravitar em torno do pélo operdrio que se vinha Para uma breve histéria do surgimento desses organismos centrais, consul tar Leéncio Martins Robrigues, CUT: os militantes ¢ a ideologia, Rio de Janeiro, Ed. Paz e Terra, 1990, cap. I Crise DO EsTaDO E DEMOCRATIZAGAO 87 autonomizando desde a segunda metade dos anos 70. Por tiltimo{ numa sociedade tao desigual e hierarquica como a brasileira, o sindicalismo e outros movimentos de classe média funcionaram, de um lado, como reforgo para o processo de autonomizacao dos segmentos situados na base _da piramide social e, de outro, como elemento de pressao direta sobre 0 conjunto dos politicos profissio- na is, com boa parte dos quais partilhavam o mesmo cir: culo social. Em terceiro lugar, a irrupcao imprevista de manifesta- cOes selvagens e violentas de desempregados, “biscatei- ros”, “marreteiros” etc. em Sao Paulo e no Rio de Janeiro, nos meses de marco e abril de 1983, sinalizou que a politica recessiva comecava a colocar em perigo a preser- vacao pacifica da ordem social, pondo em xeque o pré- prio processo de liberalizacao”. Assim, além de as manifestacdes expressarem de modo agudo o incon- formismo das classes populares ante o agravamento das condi¢ées. socioeconémicas, produziram conseqiiéncias politicas importantes no plano das percepgoes que as elites das classes dominantes tinham da crise. De um lado, passou a fazer parte do horizonte de calculo de das condigdes de vida das populagdes mais pobres pu- jonar movimentos de incorformismo politico as elites a possibilidade de que a degradacao desse oc: para além da capacidade de canaliza¢io e controle da oposicdo legal, incluindo af nao s6 os partidos politicos mas também os sindicatos e outras organizacées de es- ‘As manifestacdes, arruagas e saques em So Paulo duraram trés dias. Para descricao e aniilise dos eventos consultar a excelente reportagem de Alvaro Caropreso & Raimundo R. Pereira, “Inquérito politico sobre a rebelido de Santo Amaro”, Senhor, revista semanal, n.° 110, de 27/8/1983. 88 Crise po Estapo E DEMOCRATIZAGAO querda, A selvageria das manifestacdes havidas em mar- ¢o/abril desencadeou a expectativa de que o aprofun- damento da recessao, na auséncia de contramedidas de protecdo aos mais pobres, pudesse ocasionar novos inci- dentes nas grandes cidades, s6 passiveis de contencao por medidas de repressio violenta De outra parte, a atitude do governo federal de respon- sabilizar a “falta de pulso” dos novos governadores de Sao Paulo e do Rio (Franco Montoro e Leonel Brizola) pela extensao das manifestacdes populares reforcou a idéia de que a inflexibilidade da ordem autoritaria tornava incom- pativeis politica econémica recessiva e processo de demo- cratizacao. Seria mais provavel, ao contrario, que recessiio casasse com a intensificacao da repressio politica. Tais percep¢oes reforcaram a dissociacao entre 0 co- mando do Estado, o empresariado e a “classe politica”. A politica recessiva, além de ameacar a sobrevivéncia eco- némica de todo 0 setor produtivo, passava agora a por em xeque o processo de democratizacao, tanto pelo estimulo a irrupcao da violéncia nas grandes cidades como pelo provavel enrijecimento politico que isso ocasionaria. Bem feitas as contas, o Estado desenvolvimentista so- freu no final dos 70 e comeco dos anos 80 os efeitos da mudang¢a das condig6es internacionais e€ sociais que lhe tinham servido de casulo para dirigir, com sucesso, a construcdo de um capitalismo industrial de orientacdo nacional mas socialmente excludente. Diante de tais mudangas, 0 governo Figueiredo tentou “reciclar” a alianga desenvolvimentista, quebrando-lhe as pretens6es de autonomia nacional, amesquinhando o pa pel do seu bra¢o estatal e mantendo a participacao popu- lar nos limites do processo anterior de liberalizacao. Re- sultado: rachaduras na alianga desenyolvimentista, maior CRISE DO ESTADO E DEMOCRATIZAGAO 89 dissociagao politica entre seus segmentos e os dirigentes do Estado, uma articulacdo politica mais complexa e aut6noma dos assalariados e da classe média. Tudo isso se converteu em combustivel para a demo- cratizacao, alimentando as tensdes existentes na esfera politico-institucional. Limites da democratizagao No curto periodo de 1983 e 1984 comega de fato o processo de desagregacio do regime militar-autoritério. Nele a liberalizacao converte-se em processo de democra- tizacao politica ou, ao menos, no seu inicio. O aspecto mais notério deste processo € que a substi- tuicdo do regime militar por um governo civil se daré sem ruptura da ordem institucional. Isto tem sido tomado como indicador do carater conservador da transi¢ao poli- tica brasileira’! E de fato o é. Especialmente tendo em vista modalidades de transigao marcadas por descontinui- dades notérias, como é 0 caso da Argentina. No entanto, é preciso ter bem presente que a auséncia de ruptura institucional s6 diz respeito ao aparato legal do regime militar-autoritario, aparato que apenas come- cou a ser alterado a partir do governo civil eleito em janeiro de 1985. Nao se pode dizer 0 mesmo, porém, do sistema de relagoes politicas que dava vida as instituigdes legais autoritar Conforme Brasilio Salim Jr., Carlos Estevam Martins & Eduardo Graeff, ‘Nova Reptiblica, de Tancredo a Sarney, Andlise Conjuntural (Especial), vol. 8, n° 2, fevereiro de 1986, Curitiba, IPARDES € Lourdes Sola, “Choque heterodioxo e transicio democratica sem ruptura’, in L. Sola (org,), OBstado da transi¢do, Sio Paulo, Vértice, 1988. CRISE DO EsrabO E DEMOCRATIZACAO, 3/34, mudan¢as nas relacdes efetivas de poder esvaziaram paulatinamente o carater De fato, no periodo autoritario da legalidade vigente. A ordem autoritaria deixou de ter vigéncia plena mesmo antes do fim do até ser Ultimo governo militar. Ela esvaziou-se aos poucos, itui¢ Esse esvaziamento marca de fato, o periodo inicial do substitufda pela Cons 0 de 19 processo de democratizacao do pais. Ele comeca pela dis- solucao da maioria politica que sustentava 0 governo, mas s6 em 1984 © processo se completa: esboroam-se os ali- cerces do regime militar-autoritario; e emerge um sistema de sustenta A coa- ao politica para o futuro governo civil. lizao de apoio ao novo governo articulou-se, entretanto, em torno de regras muito gerais de convivéncia demo- cratica, ficando frouxamente alinhavado o contetido da alianca sociopolitica que daria sustentacao ao Estado. Esse inicio de transig&o decorreu, j4 0 vimos, de dois processos. Derivou do estrangulamento externo, da crise das financas puiblicas, da perda da capacidade material do Estado de superar a crise, da recesso, da aceleracio inflacionarias ¢ do surgimento de rupturas sensiveis na alianca desenyolvimentista. Mas dependeu também do crescimento dos moyimentos populares e de classe mé- dia, marcados pela autonomia organizatéria e pela orien- taco oposicionista. Esses foram os processos que, atuando em conjunto, ram a quebra da ordem politica autoritaria, estimulan- do o fracionamento da elite politica dirigente, as divisdes ee ger na cipula do poder central, a indisciplina de governadores, prefeitos € parlamentares situacionistas; 0 encolhimento » Conforme Brasilio Sallum Jr., “Por que nao tem dado certo: notas sobre a 40 politica brasileira”, op. cit., pp. 125 € 126. CRrIsE DO ESTADO E DEMOCRATIZACAO dos militares nos quartéis; a ousadia da oposi¢ao politica tar ao regime militar oposicao por grande parte da populacao. Ou, entao, poder-se-ia dizer, observada a mudanga do e a perda do medo de manife Angulo ‘da estrutura institucional: as crises econdémica e do Estado Desenvolvimentista tiveram impacto decisivo na quebra das relagGes vigentes entre os varios centros de poder — Executivo federal, estados, municipios e Congres so Nacional; na mudanea das relacées entre os centros de poder politico com a massa da popula¢ao; € no resultado da sucessio presidencial. Pretendo explorar aqui apenas algumas das questées que dividiram e permitiram a rearticulagéo, em novos termos, das for¢as politicas de sustentacao do regime e de oposicdo a ele. Em 1983, foram objeto central de disputa politica a questo salarial e a tributaria, O'ano dé 1984 foi dominado pelo quéstionamento da regra de sucessao presidencial € pelo proprio processo sucessério: A luta em torno dessas questoes Exacerbou o reposi: , ionamento do Congresso e dos governos dos estados perante a Unido. Entre 1983 e 1984 eles enfatizaram sua condigao de poderes aut6nomos em relacao ao Executivo Federal ¢ canalizaram os impulsos de mudanca politica que liquidariam 0 regime militar-autoritario. De um lado, aproveitaram sua posi¢do institucional privilegiada de formadores do Colégio Eleitoral do préximo presidente da Republica. De outro, fortaleceram-se ao captar os impulsos de mudanea surgidos da sociedade. Em 1983, 0 Congres centro de resisténcia as tentativas do governo de “flexibi- 0 Nacional transformou-se no ro- lizar” a legislacao que protegia os trabalhadores de a cho salarial maior que o existente. Durante todo 0 ano, 0 governo travou luta constante para moldar a legisla¢:

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