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O Romance das EF quacces [gebricas = x 7 vane iD» So gS + 5 ae b7eee2 6 % 3° Edi¢ao Editora Livraria da Fisica Copyright © 2009 Editora Livraria da Fisica 3a. Edigao 2a, Edigao ~ 2007 Editor: José Ronerto Marino Diagramagio: Ronerro Matony Jr & Mika Mitsut Capa: Arte Ativa Impressao: Grafica Paym ‘Texto em conformidade com as novas regras ortogréficas do Acordo da Lingua Portuguesa Dados Internacionais de Catalogagio e Publicagao (CIP) (Camara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Gara, Gilberto G. O romance das equagoesalgébricas / Gilberto G. Garbi 3. ed rev. e ampl. — Sao Paulo: Editora Livraria da Fisica, 2009. Bibliografia 1, Algebra 2. Equagdes 3. Matematica — Historia 1. Titulo, 06-8431 cDD-510.9 Indice para catalogo sistematico: 1. Matematica : Historia 510.9 ISBN: 85-88325-76-4 ISBN: 978-85-88325-76-0 ‘Todos os direitos reservados, Nenhuma parte desta obra podera ser reproduzida sejam quais forem os meios empregados sem a permissio da Editora, Aos infratores aplicam-se as sangdes previstas nos artigos 102, 104, 106 e 107 da Lei n° 9.610, de 19 de fevereiro de 1998, Impresso no Brasil tee Editora Livraria da Fisica www livrariadafisica.com.br As Primeriras Manifestacées da Matematica Mesopotamios e Egipcios 2 Vi RUN Biegiiswrcessicssmeme seers 14 MG Arba tie A ce ncaerreanreremicccnaac ee Vil___A Matematica Ressurge na Italia ..................-..0ss sess eeeeee 28 Vill___A Disputa entre Cardano e Tartaglia pelas Equacées do 3° Grau IX Ferrari Resolve as Equagées do 4° Grau Bombelli Demonstra a Insuficién Xl rancois Vite Recorre a Trigonometria ................-++sssseeeee 54 Xil___Descartes e Fermat Inventam a Geometria Analitica ................. 62 Mil Newton Entiat enti Cotta). -:0ve.ssensasceczeeesvecmeenewawcaueemene 77 XIV___ Euler Domina os Nimeros Complexos.....................-...-..++ 98 xiv SUMARIO Xv Gauss Demonstra o Teorema Fundamental da Algebra .............. 111 XVI___Raizes Estranhas XVI___De Volta as Equagées do 3° Grau ..... XVIII Modificando as Raizes de uma Equacio ...... BaaIsIeea BATS & 8 veeee 139 xix As Tragédias de Niels Abel e Evariste Galois ...............0.0s0005 145 XX Solugées de Equagdes Especiais ......... 2... ese seers eeeeeeee ee 174 XXL Construcdes Geométricas com Régua e Compasso ..............- ... 180 XXIL__Numeros Algébricos e Niimeros Transcendentes .........-...+.++0++ 191 XXII Pensar....... wie § Waninws BeaNDS VeemNGE ee seis dewey saa 63 bees 200 Tales mede a Grande Piramide, 204 Euclides e os ntimeros primos, 205 Eratéstenes calcula a circunferéncia da Terra, 206 Arquimedes calcula o niimero 7, 208 Arquimedes conquista a esfera, 213 Pascal descobre outre método para medir a esfera, 216 Roberval calcula a drea da Cicléide, 218 Leibniz inventa o Sistema Bindrio de Numeragao, 220 Newton e as nfinitas, 222 Euler decifra um mistério, 228 Cronologia (Ue DAES eh 2A Alte Ae AL, Ss equagées — algébricas, exponenciais, diferenciais, trigonométricas ou de qualquer outra natureza' — constituem, pelo menos do ponto de vista pratico, a parte mais importante da Matematica. Qualquer problema que possa ser solucionado através dos nimeros certa- mente serd tratado, direta ou indiretamente, por meio de equagées. Este fato tornou-se de tal maneira conhecido que a propria linguagem cotidi- ana ja incorporou o verbo “equacionar” e expressdes como “o xis do problema”. Exemplo disto é que até os politicos, cuja intimidade com a Matematica costuma ser tao pequena quanto com os outros ramos do saber, nao raro aparecem na televiso para dizer que “o problema da miséria somente estar4 equacionado quando a satide e a educagao receberem a devida prioridade”. “Equacionar um problema’, mesmo entre os leigos, é generalizadamente entendido como coloca-lo dentro de um mecanismo do qual ele saira inapela- velmente resolvido. Por que motivos teriam as equagées assumido papel assim tao importante? Nao é dificil entender. Inicialmente, é preciso nao esquecer que a palavra equacao vem da mesma raiz latina que produziu as palavras igual e igualdade. Ora, a Ciéncia, cuja esséncia é 0 estabelecimento de correlacées entre fatos, 1 Oleitor nao precisa saber o que so estes estranhos animais para compreender 0 texto. 2 CAPITULO I. EQUACOES conceitos e ideias, esté sempre descobrindo equivaléncias entre associacgées de entes e utiliza as equagdes como linguagem, forma ou veiculo para expressar tais correlages. Alguns exemplos mostram isto de maneira clara e simples. Todos sabem que Oxigénio mais Hidrogénio (sob certas condigées) produ- zem Agua ou, em linguagem simplista, que Hidrogénio mais Oxigénio sao iguais a agua. Esta correla¢ao, esta igualdade, costuma ser expressa pela equagao quimica: 2H, + 0; + 2H,0 Quando se decide fazer uma viagem de 300 km em uma estrada cuja veloci- dade maxima é 100 km/h, sabe-se de antemao que serao gastas, no minimo, 3 horas. Isto porque distancia, velocidade e tempo estao relacionados entre si e sua correlagdo, no caso do movimento uniforme, pode ser expressa pela igualdade: onde: d = distancia v= velocidade t= tempo Um motorista de énibus, mesmo sem estar consciente disto, conhece implici- tamente tal equacao pois esta sempre avaliando tempos, distancias e velocidades durante seu trabalho. O vendedor de tecidos sabe que 0 prego de um corte é igual ao prego por metro multiplicado pelo comprimento da pega. Esta, alias, poderia receber 0 pomposo nome de Equacao Fundamental dos Vendedores de Tecidos, mas eles provavelmente ficariam assustados se soubessem que sua profisséo requer 0 conhecimento de uma coisa tio complexa. Enfim, as equa¢6es estao por toda a parte e, alguns mais, alguns menos, quase todos gastamos certo tempo de nossas vidas a resolvé-l. Resolver uma equacao 6, através da correlagao que ela expressa, encontrar alguma coisa que desconhecemos e que costumamos denominar incdégnita. A letra x éa mais habitual representagao das incégnitas, embora outras letras também sejam usadas para tal finalidade. Asolugao de uma equa¢ao pode ser um ou mais nuimeros mas pode, também, sera medida de uma grandeza fisica, como uma distancia, um peso, um intervalo de tempo, etc. Resolver uma equacao pode significar 0 encontro nao de um UL ME et IST ed Pte Dee 0 ROMANCE DAS EQUAGOES ALGEBRICAS 3 numero mas de uma forma. Por exemplo, foi através da solugao de certo tipo de equagao que Newton provou que as drbitas dos planetas sao elipses, das quais o Sol ocupa um dos focos. Este livro aborda somente uma categoria particular de equagoes, as chamadas Equagées Algébricas, e restringe-se apenas a seus aspectos elementares. Apesar disto, como sera visto, trata-se de um rico e belissimo campo, em que se envolveram os maiores cérebros que a Matematica conseguiu arregimentar ao longo dos séculos. Boasts ALGEBRICAS sao aquelas em que a incégnita aparece apenas sub- metida as chamadas operages algébricas: soma (ou adicdo), subtragdo, multiplicagao, divisdo, potenciagao inteira (embora a potenciagao inteira seja um caso particular de multiplicacao de n fatores iguais, ela esta sendo deixada em destaque por questées de clareza) e radiciagao. Por exemplo ax+b=c ax? +bx+c=0 me + V7 +k=8 x7 $29 + 20x = Val + 3x? + 16 xta4tx sdo todas equagées algébricas. De outro lado, +2+2=e™% cosx + x? cos3x = 5 nT Arctgx = 7 nao sdo equacées algébricas. (USTs tt TA A eres ee 0 ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 5. Quando uma equacao algébrica é colocada sob a forma ax” + ax! + --- an 2x? +n 1X + ay =O (nN inteiro positive) diz-se que ela esté em sua Forma Canénica e passa-se a chamé-la de Equacao Polinomial. O respectivo polindmio é também conhecido como fungao racional inteira da varidvel x. O maior expoente da incégnita em uma equacio algébrica em sua forma canénica é denominado o grau da referida equacgao. Assim, a equacao 3x° + 2x? + x + 4 = 0 é uma equagao do 5° grau. E uma pena que tenha sido necessdrio dar, neste ponto do livro, uma defini- g4o tao abstrata porque nao foi assim que as equa¢Ges apareceram no mundo. Ao contrario, as formas mais simples de equagoes algébricas apresentaram-se quase que naturalmente aos antigos matematicos, 4 medida que o homem comegou a calcular, contando rebanhos, trocando produtos, contabilizando impostos ou construindo os primeiros monumentos e obras de engenharia. Isto sera visto adiante. As Primeiras Manifestagdes da Matematica UANDO TERIA 0 HOMEM COMEGADO A FAZER MaTemAtica? Esta é uma per- gunta interessantissima para a qual somente se pode levantar algumas conjecturas. As descobertas cientificas realizadas nas ultimas décadas demonstram que a presenga do homem na Terra é muito mais antiga do que se imaginava. Os primeiros hominidios a adotar a postura bipede, a andar apenas com duas pernas, caracteristica que nos distingue de todos os demais primatas, surgiram na Africa ha pelo menos 4.000.000 de anos. As primeiras ferramentas (somente as de pedra chegaram até nds) foram construidas pelo chamado Homo habilis, que apareceu na Africa por volta de 2.000.000 de anos atras. Seu descendente Homo erectus, também africano e surgido ha cerca de 1.600.000 anos, aprendeu a utilizar 0 fogo e deixou a Africa ha cerca de 1.200.000 anos, chegando a varias regides da Asia e da Europa. O homem moderno, 0 auto-denominado Homo sapiens sapiens, que fala, pensa, inventa e interfere na Natureza, parece ter surgido entre 300.000 e 200.000 anos atrés, novamente na Africa, e dali emigrou ha cerca de 100.000 anos para ocupar todos os demais continentes. UWS Sea Be ant PTT eg eB aes 0 ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 7 Os registros arqueolégicos indicam que hi cerca de 50.000 anos houve uma grande revolucao, digamos “intelectual”, em nossa espécie, talvez consequéncia de um salto evolutivo na linguagem. As ferramentas tornaram-se muito mais sofisticadas e produzidas em maior quantidade e o homem passou a dispor de tecnologia que lhe permitiu realizar longas viagens pelo mar. Foi por esta época que se chegou a Australia, através de pelo menos 90 km de oceano, coisa que exigia a construgao de barcos razoavelmente especializados, além de algum planejamento. Ha cerca de 20.000 anos a arte ja atingira grande qualidade, como demons- tram as belissimas pinturas de animais em cavernas na Franga e Espanha, numa prova de que formas ¢ distribuigdes espaciais haviam se tornado familiares ao homem. A pratica da contagem, em especial de pessoas ¢ de animais, é muito antiga: um osso com cerca de 10.000 anos de idade, encontrado na Africa, exibe marcas de contagem semelhantes as que os cow-boys faziam em seus Colt-45 cada vez que despachavam mais um. A Agricultura foi inventada ha cerca de 11.000 anos, no Oriente Médio, pro- vavelmente na regiao hoje ocupada pelo Iraque, entre os rios Tigris e Eufrates. A Revolugao Agricola foi um marco importantissimo na Histéria da Humanidade, somente superado pela Revolucao Industrial, ocorrida nos uiltimos séculos. Ao invés de apenas cagar, pescar e recolher, o homem passou a cultivar seu proprio alimento. Isto demandou uma nova organizagao do trabalho, o desenvolvimento de técnicas de estocagem ¢ a criagao de métodos para a divisdo da terra e de sua produgao. As primeiras cidades surgiram nesta época, assim como os governos a inescapavel coleta de impostos. Em torno de 4.000 a.C. apareceram formas primitivas de escrita que evolui- ram e consolidaram-se definitivamente na Mesopotamia, com os Sumérios, e, poucos séculos depois, no Egito dos Faraés. Os mais antigos documentos escritos que se conhece tratam de dois temas basicos: a glorifica¢ao dos reis e a contabili- dade de impostos, estoques e transagées comerciais. Alguns especialistas chegam a conjecturar que a escrita foi inventada para fazer registros numéricos. Diante destes dados historicos, onde poderia ser localizado o inicio da ‘a? Preliminarmente, seria util tentar definir o que é Matematica. Para Matemiati poupar tempo ao leitor, é bom dizer que esta questao tem inquietado os sabios 2A palavra Matematica vem de uma raiz grega que significa “saber” e era empregada originalmente como “aquilo que é ensinado”. No tempo de Pitagoras ela ja tinha seu sentido restrito a4 areas do saber: Aritmética, Geometria, Musica ¢ Astronomia. Verh AM fit Mie NSTI MLS 8 CAPITULO III. AS PRIMEIRAS MANIFESTACOES DA MATEMATICA ha muito tempo e que jamais se chegou a uma resposta aceita por todos. A falta de um consenso, algumas pessoas dizem que “Matematica é aquilo que 0s matemdticos fazem”. Outras preferem dizer, com certa dose de ironia mas com bastante razdo: “Eu ndo sei definir 0 que é Matemdtica mas, quando a vejo, reconheco-a imediatamente”. De qualquer maneira, todos concordam que o estudo das formas e dos ntimeros faz parte da Matematica e podemos tentar imaginar quando isto comegou a ser feito, ainda que rudimentarmente. Teria 0 Homo habilis, a0 quebrar pedras para dar-lhes formas titeis ha 2.000.000 de anos, feito Matematica? Mesmo com boa vontade, ¢ dificil dizer que sim. Existiria Matematica hd 50.000 anos, quando 0 homem dava forma aos barcos que o levaram a Australia e planejava as quantidades de recursos a serem transportados durante a viagem? Muito provavelmente. Existiriam rudimentos matematicos embasando o comércio de laminas de silex que, sabemos hoje, ja se fazia h4 20.000 anos entre tribos europeias? E dificil negar. Estaria o homem da Revolucdo Agricola fazendo Matematica quando dividia a terra e sua producao entre os lavradores, pagava impostos aos reis e comercia- lizava suas safras? Sem duvida. Portanto, fica a critério dos leitores localizar o inicio das atividades matemé- ticas em algum ponto da Histéria situado entre 11.000 e 50.000 anos atrds. Como se vé, a histéria € muito antiga e nos dé uma importantissima ligao: ninguém deve sentir-se frustrado ou desanimar se nao conseguir aprender alguma coisa de Matematica na primeira tentativa. Afinal, demoramos muitos milénios para chegar até aqui. Pomerat Mesopotamios e Egipcios URANTE MUITOS SECULOS APOS SUA INVENGAO, 0 uso das escritas mesopo- tamica e egfpcia ainda permaneceu restrito a um pequeno numero de pessoas, os chamados escribas. A eles competia registrar a historia dos reis, a contabilidade dos impostos, os estoques e as transagdes comerciais. Ao fazé-lo, precisavam realizar pequenos calculos aritméticos e geométricos de modo que seus conhecimentos nao mais poderiam limitar-se as técnicas das letras e dos simbolos mas deveriam incluir rudimentos matemiticos, que eles préprios desenvolviam e passavam a seus sucessores. Também os primeiros “engenheiros” e “arquitetos” eram forcados a resolver as quest6es aritméticas e geométricas que se levantavam sempre que alguma obra precisasse ser construida. Evidentemente, as solugdes dadas por escribas e construtores eram essencialmente praticas e, mesmo para aquelas engenhosamente concebidas, nao havia qualquer funda- mentagao teérica. Por isso costuma-se dizer que os primeiros conhecimentos matemiaticos foram sendo acumulados de maneira indutiva (ou empirica) e nado dedutiva. Os mais antigos documentos contendo registros numéricos sao tabletes de barro sumérios, de meados do IV milénio a.C. Se quisermos ser rigorosos, podemos dizer que tais registros ainda nao eram matemiaticos porque nao apa- recem neles operagées feitas com numeros. Elas comegam a ser encontradas em tabletes sumérios de 2.200 a.C., dentro de um sistema de numeragio posicional com base 60 e grafia cuneiforme. £ importante mencionar que os sumérios S91 es PUA BRT oR Ne ea ae NSE 10 CAPITULO IV. MESOPOTAMIOS E EGIPCIOS foram conquistados pelos acddios no final do III milénio a.C. mas mantive- ram sua identidade até cerca de 1.900 a.C., quando os elamitas invadiram a regiao e destruiram a Suméria. Um século depois, entretanto, os elamitas foram derrotados pelos amoritas, que estabeleceram 0 chamado Império Babilénico, com capital em Babilénia. Os sucessores dos sumérios adotaram sua escrita e deram continuidade aos estudos matematicos que vinham sendo feitos desde longa data. Um tablete babilénico de barro cozido, de cerca de 1700 a.C e encontrado no século XIX, era indubitavelmente um “livro de exercicios” de Matematica. Nele sio mostradas figuras geométricas como circulos, triangulos e quadrados inscritos em quadrados maiores. Um dos problemas propostos dizia: “O lado do quadrado equivale a 1. Desenhei quatro triangulos nele. Qual a drea da superfi- cie?”. Colocado de maneira assim tao obscura e imprecisa, até um matemiatico moderno teria dificuldade em entendé-lo, numa demonstragao de que a falta de didatica em alguns livros é questo que maltrata os leitores ha pelo menos 4.000 anos... Tlustragao 4.1 “Livro de Exercicios” Babilénico — circa 1700 a.C. (British Museum) UREN aeRO IN Nee2 e+ 0 ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 11 Os matemiaticos e astronomos babilénicos do II milénio a.C. realizaram feitos surpreendentes: eles conheciam a propriedade geral dos tridngulos retangulos (0 hoje chamado teorema de Pitdgoras, também ja conhecido pelos chineses no século XII a.C.), resolviam equagées do primeiro e do segundo graus, calcula- vam dreas e volumes de certas figuras geométricas, determinaram a raiz de 2 com grande precisdo, etc. Certamente, a essas alturas, as descobertas matemati- cas nao mais se faziam de maneira puramente indutiva e contavam com 0 apoio de algum raciocinio dedutivo nao formalizado, que desconhecemos. Dentre todos os antigos documentos matemiticos que chegaram aos dias de hoje, talvez os mais famosos sejam os chamados Papiro de Ahmes (ou de Rhind) e Papiro de Moscou. O de Ahmes (ou Amose) é um longo papiro egipcio, de cerca de 1650 a.C., onde um escriba com aquele nome ensina as solugGes de 85 problemas de Aritmética e Geometria. Este papiro foi encontrado pelo egipté- logo inglés Rhind no final do século 19 e hoje esta exposto no Museu Britanico, em Londres. O de Moscou, com 25 problemas de Aritmética e Geometria, é de cerca de 1850 a.C. e contém uma descrigao verbal (desconhecia-se 0 conceito de “formulas” gerais) de como fazer-se o calculo correto do volume de um tronco de piramide, o que demonstra um conhecimento notavel para a época. Muito Ilustragao 4.2 Trecho do Papiro de Ahmes, onde aparecem calculos sobre figuras geométricas. circa ~ 1650 a.C. (British Museum) [iD i NAMA DATES MRA ees fille NSE OLS 12 CAPITULO IV. MESOPOTAMIOS E EGIPCIOS provavelmente existiram papiros andlogos anteriores mas estes foram os mais velhos que se salvaram. Além disto, o de Ahmes notabiliza-se por ter sido seu autor 0 mais antigo matematico cujo nome a Hist6ria registrou. Em ambos os papiros aparecem problemas que contém, timida e disfargadamente, equacdes do 1° grau. Vo thasabeb) Ilustragao 4.3 Trecho do Papiro de Moscou, 1850 a.C. “Receita verbal” para célculo do volume do tronco de piramide e formula moderna. (Museu de Moscou de Finas Artes) E oportuno ressaltar, neste ponto, que os documentos matemiticos daquela época nao empregavam a alta dose de simbologia 4 qual estamos atualmente acostumados. De um modo geral, somente os nuimeros eram representados por simbolos: os desenvolvimentos eram, em sua quase totalidade, expressos por palavras, uma forma de expressao que hoje é conhecida por “algebra retérica”. Dentre os raros simbolos matemiticos criados pelos egipcios, destacam-se o da soma e 0 da subtra¢ao, respectivamente um par de perninhas caminhando na diregdo da escrita ou contrariamente a ela. Um dos problemas de Ahmes dizia: “Uma quantidade, somada a seus 2/3, mais sua metade e mais sua sétima parte perfaz 33. Qual é esta quantidade?” No simbolismo atual, escreveriamos rapidamente: x + 3x + $x + }x = 33 ou seja, Bx = 33, 0 que é uma equagao do 1° grau. Evidentemente, os egipcios nao adotavam a simbologia algébrica moderna, coisa inventada ha poucos séculos e que seré comentada adiante. Nao sabiam, também, resolver por nossos métodos nem mesmo as equacoes do 1° grau. Entretanto, usavam um artificio muito engenhoso que lhes permitia encontrar a resposta correta e que veio a ser chamado de “Regra da Falsa Posi¢ao”. Por exemplo: qual 0 ntimero que somado a sua ter¢a parte da 8? Pela Regra da Falsa Posicao, fazia-se uma hipétese inicial qualquer? a respeito do ntimero e 3 A rigor, procurava-se fazer uma hipétese inicial “conveniente” e o sentido desta palavra dependia da intuigao e da sensibilidade do calculista. LALO tet TTT PA eS Soe © ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 13 verificava-se 0 que ocorria. Suponhamos, em nosso caso, que tal numero fosse 3. Ora, 3 somado com sua terga parte dé 3+ 1 = 4, exatamente a metade dos 8 que deveria dar. Portanto, o ntimero procurado é 0 dobro de 3, ou seja, 6. Convenhamos, era uma forma legitima mas sofrida de resolver uma questio hoje banal porém misteriosa no passado. Os Babilénios, na mesma época, j4 conseguiam trabalhar com equagoes do 2° grau e resolviam-nas por um método baseado no mesmo raciocinio empre- gado pelos hindus quase 3 milénios mais tarde, 0 chamado “completamento do quadrado”. Embora os resultados fossem corretos, os tabletes que contém solugées de equagdes do 2° grau apresentam, como todos os demais, apenas sequéncias do tipo “faga isto”, “faca aquilo’, “este é o resultado”, sem qualquer justificativa logica sobre o caminho seguido. De qualquer forma, foram admirdveis os feitos dos valentes escribas, astrono- mos e “engenheiros” que viveram ha milénios pois, mesmo na ignorancia, nao tiveram medo dos numeros e enfrentaram-nos com as armas de que poderiam dispor: a persisténcia, a confianca e a yontade de pensar. A Matematica Grega Eaito E A MesopotAmia foram as fontes onde a Europa comegou a obter seus conhecimentos matemiaticos. Neste processo de assimilagao, os gre- gos desempenharam um importantissimo papel pois foram eles os primeiros europeus que, em contato com o Oriente Médio, interessaram-se pelas técnicas e reconheceram a utilidade da Geometria. Esta palavra, alids, é de origem grega e significa medida da terra porque naquele tempo era este um dos principais usos que dela se fazia. Quem foram os gregos? Chegando em sucessivas ondas a peninsula dos Balcas, durante o II milénio a.C., os povos de fala grega ali construiram uma notavel civilizagao que, por volta do século VII a.C., jd estabelecera colénias na Magna Grécia (como eram chamados 0 Sul da Italia e a ilha da Cicilia), no Norte da Africa, nas ilhas do mar Egeu, nas costas do Mar Negro e nas costas da Anatolia (onde hoje situa-se a Turquia). Praticando no Mediterraneo oriental um intenso comércio de produtos nao sé do mundo grego mas, também, egipcios, fenicios, sirios e mesopotamios, os jénios (como eram chamados os gregos das ilhas do Egeu e da Anatdlia) obtiveram do governo do Egito permissao para instalar um entreposto comercial na cidade de Naucratis, no delta do Nilo, em meados do século VII a.C. Foi ali que os gregos tiveram contato com os esplendores da civilizagao egipcia, encantaram-se com seus templos, monumentos ¢ piramides e comegaram a aprender sua Matematica. ESTA U ePID Aes tf © ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 15 O primeiro grande matemiatico grego foi Tales, da cidade jénia de Mileto, colonia grega em territério que hoje faz parte da Turquia. Tales nao era um matemiatico profissional, até porque esta profissio simplesmente nao existia época. Ele era um rico comerciante que podia dar-se ao luxo de estudar Astronomia, Filosofia e Matematica por puro prazer. Conta a Historia que Tales notabilizou-se por haver previsto a ocorréncia de um eclipse e isto permitiu, muito mais tarde, situar sua obra por volta de 600 a.C. Outro episédio da vida de Tales foi sua esperteza comercial em um ano em que previu uma grande safra de azeitonas. Antecipando-se a ela, alugou para si todas as prensas existentes para a fabricagao de azeite e, quando a colheita chegou, realugou-as com grandes lucros. Embora hoje este procedimento pudesse vir a ser considerado crime contra a economia popular, o grande Tales nao merece que fagamos dele um mau juizo pois a ele devemos a primeira profunda transformagao pela qual passou 0 pensamento matematico desde que o homem aprendera a contar. Tales visitou o Egito e a Babilénia e de lé trouxe para a Grécia 0 estudo da Geometria. Entretanto, ao invés de apenas transmitir 0 que aprendera, introduziu um conceito revoluciondrio: as verdades matematicas precisam ser demonstradas. Foi a primeira vez que um homem havia explicitado este Tlustragao 5.1 Tales de Mileto (circa 640 a.C-564 a.C.) (Museu Capitolino de Roma) 16 CAPITULO V. A MATEMATICA GREGA principio fundamental de toda a atividade cientifica. Merecidamente, ele foi considerado um dos Sete Sabios da Grécia. A partir dai comegaram as demonstragées dos teoremas. Tales deu o pontapé inicial, provando que os dngulos da base de um tridngulo isésceles so iguais, que qualquer diametro divide o circulo em duas partes iguais, que um angulo inscrito em um semi-circulo é sempre reto, que feixes de paralelas cortadas por transversais produzem segmentos proporcionais, etc. Poucas décadas depois, Pitdgoras, que nascera na ilha de Samos, a 50 quilémetros de Mileto, e que provavelmente estudara com Tales ou com seus discipulos na chamada Escola de Mileto, demonstrou o teorema dos triangulos retangulos, sem divida o mais famoso e popular de toda a Matemdatica. Iustragdo 5.2 Pitdgoras, de Samos e, depois, Crotona (586 a.C.?-500 a.C.?) (David Smith Collection) Muitos séculos antes de Pitagoras, os babilénios e chineses ja sabiam daquela propriedade geral, enquanto os egipcios conheciam-na para 0 caso particular do triangulo de lados 3, 4 e 5, mas foi o célebre grego quem primeiro apresentou uma prova para tal relacao entre hipotenusas e catetos. Embora nascido em Samos, Pitégoras passou a maior parte sua vida adulta na cidade de Crotona, no Sul da Italia, onde criou (circa 540 a.C.) uma escola voltada ao estudo da Filosofia, das Ciéncias Naturais e da Matematica. Em pou- cas décadas os pitagéricos espalharam por todo o mundo grego uma verdadeira © ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 17 febre pelo estudo da Matematica, colocando a civilizagao em um caminho que nos trouxe a era cientifico-tecnolégica de hoje. Esta, certamente, foi a maior contribui¢ao histérica de Pitagoras e a razio pela qual o filésofo-matemiatico inglés Bertrand Russell (1.872-1.970) considerava-o “um dos maiores homens que jd existiram”. A natureza mistica da irmandade dos pitagoricos e sua grande influéncia na cidade provocaram uma revolta na populacio e Pitagoras precisou refugiar-se na cidade de Metaponto, também no Sul da Italia, onde diz-se que morreu assassinado em uma rebelido popular. Quando Pitagoras demonstrou que em um triangulo retangulo vale a relagdo +¢ produziu-se, pela primeira vez na Europa, uma equa¢io do 2° grau, com um atraso de pelo menos 1.200 anos em relacao ao que ja havia acontecido na Babilénia. E importante mencionar que os pitagéricos nao se restringiram a Geometria e fizeram importantes incursdes também na Aritmética, por exem- plo encontrando métodos gerais para se calcular a soma dos termos de uma progressdo aritmética e a soma dos quadrados dos ntimeros naturais. Apos Tales e Pitagoras, as descobertas geométricas (e, em menor grau, as aritméticas) avangaram rapidamente, principalmente depois que os gregos tive- ram sua auto-estima engrandecida pelas vitérias de 490 a.C. e 480 a.C. sobre © poderoso Império Persa. Teodoro, de Cirene (circa 470 a.C.), Hipias, de Elis (circa 460 a.C.) e Zendo, de Eleia (circa 450 a.C.), deram importantes contribuigées, sendo que Hipécrates, de Quios (460-380 a.C.), mudou-se para Atenas e ali ensinou Geometria, utilizando um livro-texto por ele escrito e que continha, de forma organizada e sistematica, tudo 0 que se conhecia a época. Atenas atravessou um periodo de grandes dificuldades durante a guerra do Peloponeso (432 a.C.-404 a.C.) mas retomou seu glorioso caminho cultural quando, por volta de 386 a.C., Platdo (427 a.C.-347 a.C.) criou sua Academia e nela fomentou, entre outras ciéncias, o estudo da Matematica. Na Academia, gedmetras como Téudio, Amiclas, Menecmo, Dinostrato, Ateneu e Hermétimo descobriram muitos novos teoremas. Também da fase inicial da Academia participou o grande Eudoxio, de Cnidos (408 a.C.-355 a.C.), um menino pobre que foi estudar com Platdo e que veio a solucionar o impasse em que se encontrava a Teoria das Proporgdes depois da descoberta da existéncia dos irracionais. Em 338 a.C., Filipe I], da Macedénia, passou a controlar a maior parte do mundo grego. Apés ser assassinado em 336 a.C., 0 poder passou as maos de 1. PUTS IS eet SA NE NRE ELS: 18 CAPITULO V. A MATEMATICA GREGA seu filho, Alexandre, de apenas 20 anos, que veio a ser considerado 0 maior general da Antiguidade. Em 334 a.C., Alexandre deu inicio 4 conquista do Império Persa e em sete anos alcancou seu objetivo, tendo chegado até o Norte da India. O Egito foi conquistado em 332 a.C. e ali, no delta do Nilo, ele fundou uma cidade portuaria chamada Alexandria. Ap6s sua morte, em 323 a.C., 0 império foi dividido entre os trés maiores generais maced6nios, cabendo © Egito a seu amigo de infancia, o general Ptolomeu. Ele governou aquele pais sob 0 nome de Ptolomeu I, Soter, e deu inicio a uma dinastia de reis macedénios no Egito cuja ultima representante foi a célebre rainha Cleépatra. Estimulado pelo fildsofo Demétrio, de Falero, que se mudara de Atenas para Alexandria, Ptolomeu I criou a chamada Universidade de Alexandria, formada por um museu e uma gigantesca biblioteca, concebida para abrigar todas as obras cientificas ¢ filos6ficas produzidas no mundo grego. Foi naquela universidade que, por volta de 300 a.C., surgiu um génio que se encarregou de sintetizar e sistematizar 0 conhecimento matemiatico que se reunira até entao. Este homem foi Euclides, autor dos Elementos, considerado por muitos o mais influente livro-texto de Matematica de todos os tempos. Nao se sabe onde Euclides nasceu, nem mesmo se isto ocorreu em territério grego. Parece provavel que tenha estudado em Atenas por algum tempo, mas 0 fato é que revelou seu talento em Alexandria, onde dirigiu a area de Matematica do Museu e escreveu varios livros, entre eles os célebres Elementos. Hlustragao 5.3. Euclides (circa 300 a.C.), retrato conjectural. WIS LTA met ITI TUR BAe Se 0 ROMANCE DAS: EQUACOES ALGEBRICAS 19 Ja foi dito que Tales revolucionou o pensamento matemiatico ao estabelecer que as verdades precisam ser demonstradas, com o que criou a Matematica dedutiva. Euclides manteve este conceito, mas fez nele uma ressalva que, por si $6, bastaria para imortalizé-lo: nem todas as verdades podem ser provadas; algumas delas, as mais elementares, devem ser admitidas sem demonstracao. * Os Elementos, escritos em 13 livros, realizaram 0 prodigioso trabalho de sistematizar os conhecimentos da Geometria elementar, de forma rigorosa e dedutiva, partindo de um ntimero minimo de definigoes e de verdades aceitas sem provas. A ideia basica dos Elementos influenciou toda a produgao cientifica posterior até nossos dias e ele é 0 mais antigo livro-texto que ainda continua em vigor atualmente. Albert Einstein disse que quem, na juventude, nao teve seu entusiasmo despertado por Euclides, certamente nao nasceu para ser cientista. A quase total dedicacao dos matematicos gregos 4 Geometria custou-lhes 9 sacrificio dos conhecimentos aritméticos. A Grécia nao foi forte em Aritmé- tica e uma das razdes pode ter sido o fato de que ela nao dispunha de um adequado sistema de numeracdo.* Apesar disto, Euclides demonstrou alguns importantissimos teoremas da Teoria dos Numeros e introduziu conceitos que se tornaram fundamentais na solugdo de equacées. Logo no inicio dos Elementos ele explicitou algumas verdades evidentes por si mesmas, agrupando-as em postulados de natureza geométrica (cinco) e em nogées comuns (também cinco), validas genericamente. As nocées comuns de Euclides foram: a) Coisas iguais a uma terceira sao iguais entre si. b) Se iguais forem somados a iguais, os resultados serao iguais. c) Se iguais forem subtraidos de iguais, os resultados serao iguais. d) Coisas coincidentes sao iguais entre si. e) O todo é maior do que a parte. Embora nao tenha sido diretamente enunciada por Euclides, é facil aceitar outra verdad 4 A rigor, Aristoteles (384 a.C.-322 a.C.), o maior dos académicos, jd havia enxergado isso de uma forma geral. Euclides foi o primeiro autor que conhecemos a explicité-lo em Matematica, embora deva ter tido precursores. 5 Quem quiser avaliar a influéncia de um bom sistema de numeragao no desenvolvimento da Aritmética, basta imaginar dois grandes nuimeros escritos em algarismos romanos e tentar dividir um pelo outro. Va MES DAZ S Mok este Ale NOL 20 CAPITULO V. A MATEMATICA GREGA f) Iguais multiplicados ou divididos por iguais continuam iguais. Aqui estava a chave para a solucdo das equagoes do 1° grau. Suponha-se, por exemplo, a seguinte equagao 3x+2=8 Pela nogdo comum ¢), se subtrairmos dos dois lados o ntimero 2, a igualdade se preserva. Entao: 3x+2—2=8-—2 ou 3x=6 Pela verdade f), se dividirmos os dois lados pelo numero 3, a igualdade se preserva. Entao 3x 6 FR UX Finalmente! Depois de tanto tempo, estava encontrado um método geral de resolugdo das equacdes do 1° grau, sem os sofrimentos da Regra da Falsa Posicao. E tudo com base em verdades evidentes por si mesmas, vilidas tanto para a Geometria quanto para a Aritmética. £ muito importante fazer aqui uma observacdo. Qualquer estudante que tenha rudimentos de Matematica sabe que, ao se passar um numero de um lado para outro de uma equacao, ele muda de sinal. Por exemplo: 3? +2=5 éa mesma coisa que 3x? =5—2 (02 passou para a direita e mudou de sinal) Na realidade, nao ¢ que o 2 tenha passado para o outro lado e mudado de sinal, Isto é apenas aparente. O que houve foi que se subtraiu 2 dos dois lados, conforme permite a nog4o comum, e¢ tudo se passou como se tivesse ocorrido a troca de sinal. £ preciso nunca se esquecer dos raciocinios que existem por tras dos procedimentos que se tornam mecanicos. .. O dominio que os gregos tiveram sobre a Geometria permitiu-lhes resolver alguns tipos de equagdes de 2°grau apenas com régua e compasso, mas os métodos usados, além de restritos, nao pertencem ao escopo deste livro. Depois de Euclides, ainda no periodo ptolemaico, passaram pela universidade de Alexandria outros grandes matemiticos, como: Aristarco (310 a.C.-230 a.C.); URAL PNT IME BAe Z Ste 0 ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 21 Arquimedes (287 a.C.-212 a.C), 0 maior génio da Antiguidade e um dos trés maiores de todos os tempos; Eratéstenes (274 a.C.-194 a.C.); Apolénio (262 a.C-190 a.C.), autor de magistral obra sobre as seccdes conicas e Hiparco (180 a.C.-125 a.C.), 0 criador da Trigonometria. A conquista do Egito por Roma em 31 a.C. afetou bastante o desempenho da Universidade e somente um século depois voltaram a aparecer outros grandes nomes, como: Herdo (circa 70 d.C.); Menelau (circa 100 d.C.); Claudio Ptolomeu (85 d.C.—165 d.C.); Diofanto (circa 250 d.C.), o maior tedrico dos ntimeros da Antiguidade; Papus (circa 300 d.C.); Téon (circa 390 d.C.) e sua filha Hipdcia (370 d.C.). A morte de Hipdacia, assassinada por uma turba de fanaticos cristaos em 415 d.C., simbolizou o fim da matemiatica grega. A escola de Alexandria continuou a existir por mais dois séculos mas nada de importante foi feito. Com a tomada de Roma pelos barbaros godos de Odoacro, em 476 d.C., a Europa entrou na Idade das Trevas e somente comecou a emergir dela muitos séculos depois. Neste periodo, 0 fogo sagrado da Rainha das Ciéncias passou a ser velado por dois outros povos: os arabes e os hindus. 2) ag, , pty \ WRcrne x _ “—~ Mediterraneo *“™" Hustragdo 5.4 Principais centros ¢ sdbios de origem grega da Antiguidade Classica Os Arabes% os Hindus cy pRIMEIROS SécULOS depois de Cristo presenciaram grandes turbuléncias no mundo. O Império Romano atingiu seu dpice no final do século I mas logo comegou a cair, abalado pela corrupcado interna e pelos barbaros que lhe rompiam as fronteiras. As guerras consumiam as energias dos povos pouco sobrava para ser dedicado ao progresso das ciéncias. Em 395 0 Império dividiu-se em dois e sua parte ocidental, cuja capital era a outrora poderosa Roma, caiu nas maos dos invasores godos em 475. A cultura acumulada na Antiguidade Classica sobreviveu apenas no Império Romano do Oriente, que ainda resistiu por séculos embora tenha perdido o Egito aos arabes no ano 641. Por volta do ano 570, na cidade de Meca, na Arabia, nasceu um menino chamado Maomé, destinado a criar um império que veio a sacudir 0 mundo desde a Europa até a India. Conta a tradig¢do que, aos 40 anos, Maomé foi tomado de profundo sentimento religioso, comegando sua pregagao publica em 613. Os episédios seguintes sucederam-se com incrivel rapidez. Unidos pelos ensinamentos islamicos de Maomé, mais tarde compilados no Corao, os muculmanos completaram a conquista de toda a peninsula arabica e das regides fronteiricas da Siria e do atual Iraque em 632. A partir dai, outros paises foram caindo em sequéncia e, em poucas décadas, o império muculmano chegou a fronteira da Espanha com a Franga, no Ocidente, e a India no Oriente. O Egito caiu em 641 e os 600.000 manuscritos da Biblioteca de Alexandria, penosamente acumulados ao longo de séculos, arderam durante meses nas UU aM teed TIT ag PE DSS © ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 23 caldeiras dos banhos publicos da cidade. O conquistador arabe que decretou tao doloroso fim ao repositério da cultura classica, o califa Omar, entendeu que os livros, ou repetiam os ensinamentos do Corao e eram supérfluos, ou 0s contrariavam e eram nocivos. Em ambos os casos deveriam ser queimados. Mas é preciso dizer que, antes de Omar, a passagem da esquadra de Jtilio César por Alexandria e, séculos depois, a a¢ao de fanaticos cristaos ja haviam causado graves danos a Biblioteca. Este triste episédio da Histéria da Humanidade parecia prenunciar que o império drabe viria a tornar-se sinénimo de obscurantismo nas ciéncias e na cultura. O que ocorreu foi exatamente o contrario. Em pouco tempo os califas, palavra que significa sucessor (de Maomé), influenciados pelo legado deixado pelo helenismo em Damasco, reconheceram a importancia do saber e das artes € passaram a patrocina-los. Os califas de Damasco, os chamados omiadas, perderam 0 poder politico para os abassidas, da regido onde hoje situa-se o Iraque, em 750. Bagdad foi fundada em 762, tornou-se a capital do império arabe em 772 e somente na Espanha, com capital em Cérdoba, sobreviveram descendentes dos omiadas. Em ambas as partes do mundo islamico 0 progresso cientifico e cultural foi grande e rapido. O califa al-Mansur (reinou de 754 a 775), que construiu Bagdad as margens do rio Tigre, desejou fazer dela uma nova Alexandria e para ld atraiu sibios de varias regides, inclusive judeus e cristaos. Em 773, uma delegacao de astronomos € matemiaticos hindus visitou sua corte e explicou a ele e a seus eruditos como trabalhar com o eficiente sistema indiano de numeragao, logo adotado pelos sabios de Bagdad. O califa Harun al-Rashid (reinou de 786 a 809), imortalizado nos Contos das 1001 Noites, cercou-se de sdbios e artistas e, inclusive, ordenou que os Elementos fossem vertidos para o Arabe. Este fato foi de suma importancia pois, muito mais tarde, esta foi a fonte a que a Europa recorreu para reencontrar os perdidos ensinamentos de Euclides. Seu filho, Al-Mamun, que reinou entre 813 ¢ 833, continuou a obra do pai e determinou a pesquisa ¢ a tradugao para a lingua Arabe de todos os antigos manuscritos gregos que pudessem ser encontrados, criando em Bagdad uma escola cientifica cuja biblioteca foi a melhor do mundo desde a que existira em Alexandria. Assim foram salvas importantes obras de Euclides, Arquimedes, Apolénio, Claudio Ptolomeu e outros génios da Antiguidade Classica. Al-Mamun convidou para sua corte muitos dos melhores cientistas do mundo € entre eles estava o famoso astronomo e matemiatico Abu-Abdullah Muham- med ibn-Musa al-Khwarizmi (783-850), nascido na provincia persa de Khwa- rezm, de quem herdamos as palavras algarismo e algoritmo, corruptelas de US GASTRO ta Ae Ne 24 CAPITULO VI. OS ARABES E OS HINDUS seu nome, e algebra, conforme sera explicado. Tendo-lhe sido solicitado por Al-Mamun que produzisse uma obra popular sobre as equagées, ele escreveu 0 livro Al-Kitab al-jabr wa’l Mugabalah, titulo que pode ser aproximadamente traduzido por “O Livro da Restauragao e do Balanceamento”. A palavra Al-jabr era empregada por al-Khwarizmi para designar operagdes em que, por exemplo, a equagao x — 3 = 6 passa a x = 9, significando uma “restauragdo” de x — 3 de modo a tornar-se a incognita completa x. Foi assim que nasceu a palavra Algebra, presente em todos os idiomas do planeta, tio empregada na Matematica e que esta claramente relacionada as no¢ées comuns de Euclides. Al-Khwarizmi escrevia com grande preocupacao em tornar-se compreendido por seus leitores. Procurando simplificar a simbologia, resolveu popularizar 0 uso do sistema hindu de numeragao decimal, utilizado hoje em todo o mundo, cujos elementos fundamentai em funcdo da posic¢ao ocupada no numero. Para tanto, escreveu um livro denominado Kitab al-jami wa’l tafriq bi hisab al hindi “Livro sobre 0 método hindu de adigdo e subtragao”. As escolas passaram a ensind-lo e, em algumas décadas, o novo sistema de numeragao estava sendo usado pelas pessoas do povo, em particular os comerciantes. E foi na extensa fronteira entre os mundos cristéo e mugulmano que os europeus, realizando transagoes comerciais com arabes, tiveram seus primeiros contatos com um outro tipo de Aritmética. A obra de al-Khwarizmi exerceu grande influéncia na Matematica europeia durante os Uiltimos séculos da Idade Média. Muitos séculos antes do surgimento do Império Muculmano, os hindus ja haviam comegado a desenvolver sua propria Matematica. Na mesma época em que floresceram as antigas civilizagdes egipcia e mesopotamica, um mis- terioso povo viveu no Norte da India, em Mohenjo Daro, e deixou ruinas que atestam um elevado nivel cultural, somente possivel a quem tivesse 0 dominio de algumas técnicas de Aritmé provavelmente absorvido pelos arianos, que invadiram a fndia por volta de 2.000 a.C. e construiram uma civiliza¢ao bastante sofisticada na Filosofia, nas artes, na religiao e nas ciéncias. Mais tarde, as invasdes persa e macedénica trouxeram novas contribuicdes culturais e cientificas e a India tornou-se forte em Astronomia e em Matematica pratica. Por volta de 250 a.C., durante o reinado do célebre imperador Acoka, patrocinador do Budismo, comegaram a ser usados simbolos numéricos dos quais descendem nossos modernos algaris- mos. Por volta do século V d.C., 0 sistema de numeragao hindu consolidou-se, tornando-se posicional e empregando dez simbolos, um dos quais 0 zero, chamado pelos hindus de “sunya”, que quer dizer “vazio”, “vacuo”. Foi este o sao os algarismos de zero a nove e seu valor a e Geometria. Tal povo desapareceu, SAUTE ae TTT eg Te Re een © ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 25 sistema que os visitantes hindus apresentaram em 773 a al-Mansur e sua corte € que Al-Khwarizmi difundiu pelo mundo arabe. No primeiro milénio da era crista a India produziu célebres matematicos e astronomos, como Varahamihira (circa 505) e Brahmagupta (circa 630) mas 0 nome de Bhaskara (1.114—1.185) é 0 que mais facilmente vem a nossa memoria, por estar ligado a formula geral da solugao das equagées do segundo grau. A este respeito hé um fato curioso: a formula de Bhaskara nao foi descoberta por Bhaskara. Conforme ele mesmo relatou no século 12, a mencionada formula fora encontrada um século antes pelo matemiatico hindu Sridhara (991-?) e publicada em uma obra que nao chegou até nds. A férmula geral para a solugio das equagdes do 2° grau é amplamente co- nhecida mas merece aqui alguns comentarios. Em primeiro lugar, seu encontro fundamentou-se na ideia de buscar uma forma de reduzir 0 grau da equacao do 2° para o 1°, através da extracao de raizes quadradas. Este foi o engenhoso instrumento que os hindus utilizaram com sucesso para chegar 4 Formula de Bhaskara. Seja a equa¢ao geral do 2° grau ax?+bx4+ce=0 com aF¥ Portanto: b c e+ox+==0 asa ou >, db c e+ —xe-= a a Como extrair a raiz quadrada de x? + (b/a)x, se este bindmio nao é um quadrado perfeito? O ovo de Colombo foi somar aos dois lados da igualdade alguma coisa que tornasse o lado esquerdo um quadrado perfeito, exatamente 0 mesmo raciocinio seguido pelos Babilénios 3.000 anos antes. Ora, a quantidade a ser somada é &’/4a* pois x? + (b/a)x + &’/4a* € um quadrado perfeito. Assim, tem-se: > cb a 4a? 0 que é permitido pela mencionada nogao comum de Euclides. Como x? + (b/a)x + ¥’/4a? 6 0 quadrado perfeito (x + »/2a) c, be ( ny b? — 4ac =--+ ou (x+—) =—— » tem-se: 2a 4a? 26 CAPITULO VI. OS ARABES E OS HINDUS Agora estamos prontos para extrair raizes quadradas, mas ainda ha uma pequena armadilha em que nado podemos cair e da qual nao se deram conta os Babilénios: nuimeros positivos ou negativos elevados ao quadrado sao sempre positivos. Portanto, extragdes de raizes quadradas geram sempre duas alternati- vas, uma com sinal + e outra com sinal —. (+8) - b x+ ou Logo E aqui esta a famosa Formula de Bhaskara, que nao foi deduzida por ele mas que imortalizou seu nome. E importantissimo chamar a atengao do leitor para o fato de que a simbologia que acabamos de empregar nesta dedugao nao existia 4 época de Bhaskara e que a utilizada por ele nao seria compreendida por um leitor moderno. A ideia de reduzir o grau de uma equacio para facilitar o encontro de suas raizes nem sempre pode ser aplicada, mas hd casos em que se demonstra muito util. Os babilénios foram os primeiros a descobrir este fato, redescoberto mais tarde pelos hindus. As equagdes do 2° grau sio a chave para a solugao de um problema clissico: encontrar dois niimeros, x e y, conhecendo-se sua soma Se seu produto P. Este enunciado corresponde ao sistema: x+y=S y=S-x {i ou {42> Logo, x(S — x) = P ou x? — Sx + P = Oe, portanto, S+VS—4P S¢VS—4P ZT 8 US k= Estes resultados terao varias aplicagdes em capitulos posteriores. NE ASTER Meo Me ANS Ae NEAL USDA eB TTDI CASS 0 ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 27 Pelo menos duas constatagdes importantissimas decorreram da Formula de Bhaskara: a) equagées acima do 1° grau poderiam ter mais do que uma solucao; b) em alguns casos, a aplicagao da formula conduzia a uma coisa misteriosa: a raiz quadrada de um numero negativo. Seja, por exemplo, a equacdo x? + 2x +8 =0 Aplicando-se a formula de Bhaskara tem-se x = —1 + /—7 Ora, quanto é /—7? Ninguém sabia ¢ o fato foi interpretado, a época, como sinal de que algumas equacées do 2° grau eram impossiveis, simplesmente nao ti- nham solugao. Alguns séculos transcorreram até que se entendesse 0 significado das raizes quadradas de numeros negativos mas foi a formula de Bhaskara que, no século 12, exibiu pela primeira vez ao mundo aquelas misteriosas entidades. Vencidas as equagées do 2° grau, a inesgotavel curiosidade dos matematicos levou-os a conjecturar sobre as formas de resolver as do 3°. Aqui, também, os drabes tiveram um importante papel, embora nao tenham encontrado a solugao. O famoso poeta Omar Khayyam (1.044-1.123), conhecido por sua obra literaria Rubaiyat, era também um grande matemitico e trabalhou bastante no intuito de resolver as equagdes do 3° grau. Em alguns casos particulares ele obteve certo éxito tendo, inclusive, encontrado formas geométricas aproximadas de soluciond-las. Entretanto, nenhuma formula algébrica geral foi encontrada e as equagées do 3° grau permaneceram ainda por alguns séculos como um desafio aberto aos matemiaticos. As luzes do Renascimento comecavam, entao, a surgir palidamente no hori- zonte da Europa e coube aos italianos levar avante os trabalhos que os arabes e hindus haviam realizado no campo da Algebra. A Matematica Ressurge na Italia ‘© COMEGO DO SEGUNDO MILENIO, alguns fatos prenunciaram a chegada de N uma nova era para as ciéncias do Ocidente. Por volta de 970, um francés conhecido por Gerbert d’Aurillac (950—1.003) estudou na Espanha mugulmana e ali familiarizou-se com a Astronomia e a Matematica dos arabes, em especial com o sistema de numeragao por eles trazido da India. De volta a Europa, Gerbert foi bispo de Rheims, na Franga, arcebispo de Ravena, na Itdlia, e, sob o nome de Silvestre II, Papa da Igreja Catolica em Roma. Dessa importante posi¢ao, Gerbert, 0 tinico matematico até hoje a ocupar o trono de Sao Pedro, estimulou o ensino da Matematica e tentou promover a substitui¢ao dos inade- quados algarismos romanos pelos indo-arabicos mas os cardeais opuseram-se a isso porque consideravam “feiticaria satanica” tudo o que se originava no mundo islamico. Entretanto, a iniciativa de Gerbert teve 0 grande mérito de chamar a atengao dos demais matemiticos para o assunto e coloca-lo em discussao. Nao muito depois, um notavel erudito inglés, conhecido por Adelard de Bath (1.075— 1.160), viajou por vario paises do mundo mugulmano — Espanha, Asia Menor e Egito — e conseguiu contrabandear para a Inglaterra uma cépia dos Elementos de Euclides em Arabe, tabelas astronémicas compiladas por al-Khwarizmi e informagées detalhadas sobre o sistema indo-ardbico de numeragao. Traduzindo para o Latim tudo o que trouxera, Adelard colocou a Inglaterra em contato com CTE ea PTI AES Ms (0 ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 29 a esquecida Matematica grega e com as facilidades do pouco conhecido sistema de numeragao dos drabes. Os séculos 12 e 13 foram um periodo de marcantes acontecimentos na Europa. As Cruzadas haviam mobilizado milhdes de pessoas em praticamente todos os paises, os conquistadores barbaros foram finalmente absorvidos pelo que restou da cultura greco-romana, 0 comércio liderado por Veneza e outras cidades italianas floresceu, comecaram as construgdes das grandes catedrais, Marco Polo chegou ao Extremo Oriente e surgiram as primeiras universidades: a de Bolonha em 1.088, a de Paris em 1200, a de Oxford em 1214, a de Padua em 1222, a de Napoles em 1224, a de Cambridge em 1231. Foi nesta época de ebuligao que viveu o maior matematico europeu da Idade Média: Leonardo de Pisa (1175-1250) que nao deve ser confundido com Leo- nardo da Vinci, nascido cerca de 3 séculos mais tarde. Leonardo de Pisa, também conhecido como Leonardo Fibonacci (filho de Bonacci) ou Leonardo Pisano, filho de um préspero encarregado de negécios das cidades de Veneza, Pisa e Génova, nasceu em Pisa no ano de 1.175 e passou parte da juventude no norte da Africa, onde teve intenso contacto com a cultura Arabe. Em seguida, viajou pelo Mediterraneo, visitando o Egito, a Siria, a Grécia, a Sicilia, o Sul da Franga e Ilustragao 7.1 Leonardo Fibonacci (1175-1250) — (David Smith Collection) JUS DASE RS ok 2 ne Stee As NOS, 30 CAPITULO VII. A MATEMATICA RESSURGE NA ITALIA Constantinopla, o que lhe permitiu estudar varios dos sistemas aritméticos entio existentes. Convencido de que o método indo-arabico era o melhor de todos, passou a dedicar seus esforcos a transmiti-lo a seus compatriotas italianos, o que © afastou totalmente das atividades comerciais de sua familia De volta a Itélia, publicou em 1202 sua primeira obra, o Liber Abaci, onde descreveu 0 sistema numérico dos arabes, deu profundo tratamento as questdes aritméticas e onde, pela primeira vez um cristéo discorreu sobre Algebra. As palavras iniciais do Liber Abaci sao histéricas: “Estes sao os nove simbolos dos hindus: 9, 8, 7, 6, 5, 4, 3, 2, 1. Com eles, mais 0 simbolo 0, que em drabe é chamado de ZEFIRO, qualquer nimero pode ser escrito.” Esta terceira tentativa de introdugao do novo sistema na Europa foi bem sucedida, porque a obra de Leonardo foi muito lida e¢ suas ideias tiveram ampla aceitacao na Italia. Foi desta forma que os algarismos ardbicos comegaram a expulsar da Aritmét Leonardo deu algumas contribuig6es a entao incipiente simbologia algébrica. As equagoes eram entao escritas utilizando muitas palavras, uma vez que inexis- tiam simbolos mesmo para coisas elementares como a incdgnita e suas poténcias. Leonardo introduziu as palavras “res” (“coisa’, em Latim) e “radix” (raiz) para representar a incdgnita, enquanto os termos “census” e “cubus” representavam, a, em 1202, os desconfortaveis algarismos romanos. respectivamente, seu quadrado e seu cubo. A falta de um simbolo, ele utilizava a palavra aequalis, para representar a igualdade. Ele empregou também a letra R maitscula para indicar a raiz quadrada e foi dos primeiros matematicos a utilizar © traco horizontal para grafar as fragdes ordinarias. Em 1220 Leonardo escreveu a Pratica Geometriae e em 1228 uma edigao enriquecida e ampliada do Liber Abaci. A estas alturas, sua reputagao de grande matemitico jé era conhecida ¢, em 1225, quando de passagem por Pisa, O Imperador Frederico II decidiu promover uma espécie de competigao para testar a habilidade de Leonardo. Uma das questées propostas por um conselheiro do Imperador foi encontrar, pelos métodos euclidianos, um segmento x que satisfizesse a equagdo + 10x —20=0 Leonardo provou que o problema nao poderia ser resolvido com régua ¢ compasso (i numérica aproximada, correta até a 9" casa decimal: 1,3688081075. 0s instrumentos permitidos por Euclides) mas deu uma solugao ASUS fet TIA BAe Moe © ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 31 Ai estava, mais uma vez, 0 desafio das equagdes do 3°, grau, nao resolvidas e, por isso mesmo, provocadoras dos cérebros destemidos, daqueles que jamais se conformam com problemas sem solugao. A obra de Leonardo foi importantis- sima pois inspirou intimeros seguidores, principalmente na Italia, e representou um grande marco na histéria da ciéncia ocidental. Sobre Leonardo, ainda é digno de nota o fato de que ele viveu na mesma regido e na mesma época em que outro génio, de natureza distinta, conquistou imortalidade para seu nome: Sao Francisco de Assis, II Poverello, 0 santo das aves, das aguas e de tudo 0 que é belo na natureza. Coincidéncia ou nao, o fato é que o proximo grande matemitico italiano depois de Leonardo foi o franciscano Fra (frei) Luca Paciolo (também conhecido por Pacioli), homem que se interessou profundamente pela Aritmética e que € considerado 0 pai da contabilidade moderna, baseada nos chamados langa- mentos duplos. Luca Pacioli nasceu em 1445, no mesmo periodo em que, na Alemanha, Gutenberg inventava a imprensa (1456), técnica que tornou possivel a rapida multiplicagao e divulgagdo dos livros. A primeira edigdo impressa Mlustra¢ao 7.2 Luca Pacioli (1455-1514) 32 CAPITULO VII. A MATEMATICA RESSURGE NA ITALIA dos Elementos de Euclides, em Latim, foi publicada em Veneza em 1482, trés séculos depois de haver Adelard de Bath obtido, em arriscada incursao a Espanha dominada pelos arabes, uma copia daquela obra vertida para o Arabe por ordem de Harun al Rashid. Era, portanto, o momento histérico de ser feita uma sintese do conhecimento matemitico acumulado na Europa até entao e coube a Luca Pacioli realizar este trabalho. Sua obra foi publicada em Veneza em 1494, sob o titulo Summa de Arithme- tica, Geometria, Proportioni et Proportionalita, ¢ motivou intimeros talentos matematicos a somarem suas forgas no desenvolvimento da Matematica. Se- guindo o caminho de Fibonacci, Pacioli introduziu mais alguns simbolos na Algebra: a incégnita foi chamada de “cosa” (“coisa’, em Italiano) e abreviada como coe. Seu quadrado e seu cubo foram chamados de “censo” e “cubo”, cujas abreviaturas eram ce. e cu., respectivamente. Infelizmente, Luca Pacioli cometeu varios erros em seus trabalhos e um deles foi declarar que a solugao das equacées do 3° grau era tao impossivel quanto a quadratura do circulo. Esta infundada afirmacao foi demolida poucas décadas depois, na mesma Italia, por dois grandes matemiticos que, ao darem curso a suas enormes rivalidades, temperaram a historia das equagées algébricas com 0 envenenado e mundano sabor da intriga: Tartaglia e Cardano. A Disputa entre Cardano e Tartaglia pelas Equagdes do 3° Grau MBORA NAO SEJA ESTA A IMAGEM que deles faz 0 ptiblico leigo, os grandes génios, felizmente, foram ou sao seres humanos como os demais, com qualidades, defeitos, paixdes, fraquezas e tudo aquilo que nos caracteriza como pessoas. Este fato elementar, mas tantas vezes esquecido, explica por que, na historia da Ciéncia, nao foram raros os choques entre dois talentos, quase invariavelmente em torno de disputas cuja esséncia eram as vaidades ou outros sentimentos menos elevados. Além disso, as luzes do intelecto nao brilham somente em homens considerados de bom carater. O que houve entre Cardano e Tartaglia, no inicio do século XVI, é um exemplo do que foi dito. De Girolamo Cardano, nascido em Pavia em 1501 e falecido em Roma em 1576, 0 minimo a ser dito é que levou uma vida marcada por contrastes e extremos. Excepcional cientista, dedicou-se também a Astrologia. Protegido do Papa Gregorio XIII, acabou acusado de heresia por haver divulgado 0 horéscopo de Jesus Cristo. Astrélogo do Vaticano, escreveu um livro louvando a Nero, © grande perseguidor de cristaos do Império Romano. Autor do LIBER DE LUDO ALEAE, onde brilhantemente introduziu a ideia de probabilidade que se usa modernamente, ali também ensinou maneiras de se trapacear nos jogos. 1 11ST Ms TARR Rah eM RRR PN NIE NS.» 34 CAPITULO VIII. A DISPUTA ENTRE CARDANO E TARTAGLIA PELAS EQUACOES DO 3° GRAU Filho ilegitimo de um advogado de Mildo, professor em Bolonha, Pavia e Milao, constituiu uma familia absolutamente desregrada. Seu filho mais velho foi condenado a morte por haver assassinado a esposa. De seu mais novo, Cardano, num acesso de furia, arrancou as duas orelhas. Em um documento por ele mesmo redigido, definiu-se como desbocado, espido, melancélico, traidor, invejoso, solitario, obsceno, desonesto, incomparavelmente vicioso e portador de total desprezo pela religiao. Hustragao 8.1 Girolamo Cardano (1.501-1.576) (Mary Evans Picture Library) Apesar destes tragos pessoais nada dignificantes, Cardano legou a posteridade um livro que, 4 época, era sem duivida o maior compéndio algébrico existente: @ ARTIS MAGNAE SIVE DE REGULIS ALGEBRAICIS, mais conhecida por Ars Magna, publicada em Nurenberg, na Alemanha, em 1545. O nome de Cardano também chegou até nds na expressao “eixo cardan’, utilizado nos automéveis, embora a invencao nao tenha sido dele. Nicold Fontana, apelidado Tartaglia, em comum com Cardano sé tinha o talento matematico e a nacionalidade italiana.Nascido em Bréscia, em 1501, desde a infancia teve a vida marcada pelo infortunio, pelas lutas, pelas asperezas e por toda a sorte de dificuldades. Aos onze anos, em 1512, Bréscia foi tomada a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. (Meg BARTZ Sh Ne ras NEOUS 36 CAPITULO VIII. A DISPUTA ENTRE CARDANO E TARTAGLIA PELAS EQUACOES DO 3° GRAU que conseguia obter aqui e ali. Sem dinheiro para comprar papel, pena e tinta, ja-se 4 noite ao cemitério, onde escrevia com carvao sobre as lapides dos tumulos. Através deste caminho espinhoso, Tartaglia construiu sua cultura e, em 1535, encontramo-lo a ganhar o sustento como professor de ciéncia em Verona, Vicenza, Bréscia e Veneza. Ao longo da vida publicou diversas obras, utilizando 0 cognome Tartaglia, e foi o primeiro, cerca de 100 anos antes de Galileu, a realizar calculos na técnica da artilharia. Mas 0 que o colocou definitivamente nos anais da Matematica foram suas disputas com Cardano sobre as equagées do 3° grau. Mustragao 8.3. Nicold Fontana (Tartaglia) — (1499-1557) (David Smith Collection) Consta que, por volta de 1510, um professor de Matematica da Universidade de Bolonha, de nome Scipione del Ferro, encontrou uma forma geral de resolver as equacoes do tipo x? + px + q = 0. Embora tenha morrido sem publicar sua descoberta, ele a revelou a seu aluno, Antonio Maria Fior que, mais tarde, tentou adquirir notoriedade valendo-se da descoberta do mestre. Naquela época era frequente o lancamento de desafios entre os sabios (e, também, entre os que nao o eram mas desejavam parecer sé-lo) e Fior elegeu Tartaglia, j4 bastante conhecido por seu talento, como alvo. O desafio consistia na solugao de diversos problemas que um deveria propor ao outro e Fior, naturalmente, pretendia apresentar questdes que dependessem daquele tipo de equagio de 3° grau, da qual somente ele detinha a solucao. Tartaglia aceitou o desafio, até porque eas BE et ITT Me Ati oo © ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 37 nao levava Fior em grande consideragao mas, pouco antes da data marcada, veio a saber que seu oponente estava armado de um método descoberto pelo falecido professor Scipione del Ferro, Sentindo-se ameagado, conforme mais tarde relatou o proprio Tartaglia, “mobilizei todo 0 entusiasmo, a aplicagao e a arte de que fui capaz, objetivando encontrar uma regra para a solugao daquelas equagées, 0 que consegui a 10 de fevereiro de 1535”. Mas foi mais longe: além de resolver as do tipo x* + px + q = 0, também achou a formula geral para as do tipo x* + px? + q = 0, que Fior nao conheci © resultado do desafio foi que, enquanto Tartaglia resolveu corretamente todos os problemas propostos por Fior, este nada conseguiu resolver dos apre- sentados pelo primeiro, j4 que implicavam a solugdo das equagdes do tipo x? + px? + q = 0. Fior saiu humilhado do episédio e hoje s6 ¢ lembrado como alguém que recebeu 0 merecido castigo ao pretender adquirir fama as custas de outrem. Por esta época, Cardano estava escrevendo a PRATICA ARITHMETICAE GE- NERALIS, englobando Algebra, Aritmética e Geometria. Ainda acreditando no que dissera Luca Pacioli sobre a impossibilidade de uma solucao geral para as equagdes do 3° grau, Cardano nem pretendia tocar no assunto em seu livro. Entretanto, ficou sabendo que Tartaglia achara a solucao e resolveu pedir-lhe que a revelasse para que fosse publicada na pratica. Tartaglia nao concordou, compreensivelmente, alegando que sua intengao era publicd-la ele mesmo em um livro a ser escrito no futuro, Diante da negativa, Cardano ofendeu Tarta- glia, acusando-o de mesquinho, egoista ¢ no interessado em colaborar com © desenvolvimento da humanidade. Algum tempo apés a troca de insultos, Tartaglia recebeu uma carta assinada por um nobre italiano, convidando-o a visité-lo em Milao. La chegando, ao invés do ficticio nobre, esperava-o 0 proprio Cardano que lhe implorou, sob juramentos de segredo, a revelagio das cobicadas formulas. Nas proprias palavras de Tartaglia, ele decidiu confiar em Cardano pois, se nao acreditasse em um homem que fazia tais juramentos sobre o Evangelho, ele mesmo deveria ser considerado uma pessoa perversa ¢ desumana. Aceita a promessa, Tartaglia mandou o segredo em um poema, de forma cifrada e misteriosa, que Cardano nao conseguiu entender. Mais conversagGes, mais juras, mais promessas e, finalmente, Tartaglia revelou tudo. Conforme qualquer um poderia prever, Cardano quebrou todas as promessas e juramentos e, em 1545, fez publicar na ars MAGNA, a formula revelada por Tartaglia. Embora tenha feito rasgados elogios a ele, acrescentou que, inde- pendentemente e trinta anos antes, Scipione del Ferro chegara aos mesmos resultados. A reagdo de Tartaglia foi pronta e explosiva: publicou sua versio a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. WLS aE ON TTB tg FA Ot © ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 41 Por simples verificacao, constata-se que 3, realmente, é solugdo da equacao dada e a formula, como esperado, funcionou. A primeira vista, imaginou-se que as equagoes do 3° grau estavam vencidas pela formula de Cardano (de Tartaglia!), analogamente ao que a formula de Bhaskara fizera com as equagdes do 2° grau. Mas a ilusio durou pouco. Logo comegaram a surgir duvidas, perguntas e problemas na aplicagao do método de Tartaglia e os matematicos viram-se enredados em questées que demandariam cerca de 200 anos e os esforcos dos melhores cérebros dos séculos XVII, XVII e inicios do XIX até que fossem definitivamente esclarecidas. Parecia que, ao invés de responder @ simples pergunta “como resolver as equagées do 3° grau?”, Tartaglia havia mexido em um verdadeiro vespeiro, do qual saiam estranhissimas e insonddveis questées. A mais elementar dtivida que surge naturalmente em quem observa a fér- mula de Cardano (de Tartaglia!), é a seguinte: se a formula de Bhaskara exibe, de maneira tao simples, as duas raizes das equagées do 2° grau, por que é que a de Cardano s6 apresenta uma? E muito facil achar exemplos de equagdes do 3° grau com 3 solugdes, mas como fica isto diante de uma formula que sé fornece uma? Onde estariam as outras duas? Como os matemiaticos enfrentaram ¢ resolveram estes e outros problemas suscitados pelo método de Tartaglia é assunto que sera gradativamente explicado em capitulos posteriores. Afinal, este é, também, um livro de suspense. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. WS STB eB ag Te BAe 0 ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 45, diferentes podem ser agrupadas as raizes x), x2, x3 € x4 em dois blocos de duas cada? A resposta é 3: I equagio 2 equagio forma 1 XIX? X3X4 forma 2 X1X3 XOX4 forma 3 X1Xq X2X3 Portanto, cada valor de « corresponde apenas a uma das 3 formas diferentes de se agrupar raizes duas a duas, mas estas sao sempre as mesmas, independen- temente da raiz a adotada no método de Ferrari. Um exemplo concreto ilustra com clareza este fato. Seja a equacao: xt — 15x? — 10x +24 =0 Aplique-se o método de Ferrari, ou seja, encontre-se xe B tais que xt — (15 — a) x? + (244+ B) = ax? + 10x +B com ambos os lados da igualdade quadrados perfeitos. Para isto (15 — a)? —4(244+ 8) =0 25 100—408=0 = p= = © que leva a equacdo a? — 30a? + 129 — 100 = 0 Esta equacdo, sendo de 3° grau, é resoltivel algebricamente e suas raizes sio am = 1,0; =4e a3; = 25. Para a = 1, By; = 25 e os dois lados da igualdade ficam x#— (15 — 1) x? + (24 +25) = x? + 10x + 25 xt 14x? + 49 = x? + 10x + 25 (2-7)? = (x45)? a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. MUSOU as PT a Is Beare ose ‘© ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 49 a inexisténcia de solugdes. Agora, entretanto, estava-se diante de equagdes do 3° grau com solugées evidentes, mas cuja determinagao passava pela extracao de raizes quadradas de nimeros negativos. O que ocorria com a equagao x° — 15x — 4 = 0 pode ser generalizado. Seja o produto (x —a)(x — b)(x —c) E evidente que seu desenvolvimento leva a um polinémio do 3° grau em x. Se ele for igualado a zero, ter-se-4 uma equagio do 3° grau, cujas raizes sao x = a, x = bex =c pois, para qualquer destes 3 valores, o produto se anula. Pesquisemos que relagdo deve haver entre a, b e c para que o desenvolvi- mento do produto conduza a uma equa¢ao do tipo x + px + q = 0, para a qual é valida a Formula de Cardano. (x —a)(x — b)(x —c) = x° — (a+b +¢)x? + (ab + be + ac)x — abe Para que inexista o termo do 2° grau é necessario e suficiente que a+-b+c = 0 ouc=—(a+b). Portanto, a equagao (x—a)(x—b}(x+[a+b}}=0 tem por raizes a, b e —(a + b} e equivale a equagao x? + [ab —(a + b)*Ix + abla +b) =0 Aplicando-se a ela a Formula de Cardano tem-se _ab(a+ b) ab(a+b)\ , fab-(a+b)’\* eee): 2 2\3 ab(a +b) £ ab—{(a+b) 2 3 expresso esta que deve levar a x = a, b e —(a + b), solugoes jd conhecidas de antemao. _ab(a+b) — z a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. CL RRM Gee NT ag IA Retiree ok 0 ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 53 Portanto: , x? + 2xy + yu? = 100 axy = 160 Subtraindo uma da outra x? —2xy + y? = —60 7=-60 = x-y=+V-60=42V-15 =10 ere => 2x=1042V=15 Consequentemente x=5+v-15 y=5FV-15 E facil constatar que tais numeros somam 10 e que seu produto é 40. Embora, a seguir, Cardano tenha acrescentado que aquele resultado era “tao sutil quanto intitil’, devemos creditar a ele a honra de ter sido o primeiro matemitico a fazer algumas operagdes com numeros complexos. A segunda observagdo é quanto a um equivoco frequentemente cometido por alguns professores ¢ livros-texto relativamente a origem dos numeros complexos: foram as equagdes do 3° grau e nao as do 2° que desencadearam todo o desenvolvimento teorico havido naquela area, trabalho que durou mais de dois séculos a partir da ideia pioneira de Bombelli. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. (ALB SOFAS ai PRTG PINE Ase SY © ROMANCE DAS EQUACOES ALGEBRICAS 57 Assim, 2/7 € 0 produto infinito Alm ou FEO EEO) Esta forma interessantissima de se calcular demonstra a intimidade com que Vite era capaz de abordar as questes trigonométricas. O uso esporddico de letras para representar numeros era pratica muito antiga mas até o surgimento de Viéte nao se costumava fazer manipulagoes algébricas de simbolos nem eram empregados coeficientes literais para representar classes genéricas de equagdes. Viete fez uma importante inovacdo no simbolismo algébrico: em seu livro In artem analyticam isagoge (Introdugdo a arte ana- litica), de 1591, ele utilizou sistematicamente as letras para representar nao s6 as quantidades desconhecidas (incégnitas) mas, também, os coeficientes das equagées. As letras eram sempre maitisculas, ficando reservadas as vogais para as quantidades desconhecidas e as consoantes para as conhecidas. Isso foi um progresso em relagdo a simbologia de Pacioli, Cardano e Tartaglia mas ainda estava longe daquilo que usamos modernamente. Por exemplo, uma equagao que hoje escreveriamos 3BA? — DA + A? = Z era escrita por Vite como B3 in A quad — D plano in A + A cubo aequator Z solido No campo das equagées algébricas Viete tinha especial predilegao por fazer substituigdes de incégnitas de modo a cair em problemas mais faceis de ser resolvidos. Jé vimos que, por exemplo, fazendo x = y — (b/3a) consegue-se transformar a equagao geral ax? + bx? + cx + d = 0 em outra sem o termo do segundo grau, passivel de resolugao pelo método de Tartaglia. Este recurso de mudanga de incégnita pode ser de grande valia e Viéte possufa excelente visio em fazer as substituigdes adequadas. Assim, através de um engenhoso artificio, conseguiu encontrar outro caminho algébrico para a solugao das equagoes do 3° grau, diferente daquele descoberto por Tartaglia. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. WU ata Be ot TT es I Bt 2 ee O ROMANCE DAS EQUAGOES ALGEBRICAS 81 Assim, partindo de um contato com um livro de Astrologia em 1663 e apés um mergulho de pouco mais de um ano nos melhores livros de Matematica que péde encontrar, Newton realizou em dois anos (1665 € 1666) as maiores descobertas até entao feitas na Matematica e na Fisica desde que 0 homem comegara a pensar. Tinha, entao, menos de 24 anos e, em suas préprias palavras, encontrava-se no auge de sua idade inventiva e ocupava-se daquelas duas ciéncias mais do que o fez em qualquer outra época posterior. Como poder-se-ia esperar, sua personalidade era bastante distinta daquilo que se encontra normalmente e nao devemos fazer qualquer avaliagao de carater pessoal sobre um homem necessariamente excéntrico e cuja vida transcorreu em uma época em que os valores sociais eram totalmente diferentes dos de hoje. Isto precisa ser dito porque, malgrado haver alcangado uma reputacado verdadeiramente mitica, Newton acabou por receber alguns julgamentos que arranharam sua imagem sobrenatural. As raz6es principais foram a obsessiva relutancia em publicar o que descobria, confidenciando-o apenas a um pequeno circulo de amigos, uma triste polémica que travou com Leibniz (1646-1716) quanto a primazia na invengao dos Calculos Diferencial e Integral e os longos esforgos que dedicou a Alquimia e a questées de fundo m co-religioso. E fato que Newton produzia muito mas publicava pouco, procurando, de todas as formas, evitar as discussdes e contestagdes que sempre surgem quando alguém descobre algo novo. Sua maior obra, PHILOSOPHIAE NATURALIS PRIN PIA MATHEMATICA, considerado por muitos 0 mais importante livro cientifico de todos os tempos, somente foi publicada, em 1687, por insisténcia de seu amigo Edmond Halley (0 astronomo do cometa), mais de 20 anos apés as descobertas nela contidas terem sido feitas. Realmente, 0 desejo de ser deixado em paz em seus estudos e de guardar excessivo segredo de seus trabalhos era um trago eventualmente neurdtico mas este é um detalhe infimo em alguém que foi tao grande e que tanto bem trouxe 4 Humanidade. A polémica com Leibniz foi um episédio lamentavel ocorrido entre duas pessoas maravilhosas. E indiscutivel que Newton inventara o Calculo Dife (que ele chamava de Fluxdes) em 1665 ¢ o Integral (que ele chamava 0 Método Inverso das Fluxées) em 1666. Entretanto, nada divulgou a respeito, apenas circulando seus papéis entre um pequeno grupo de intimos. Em 1672, 0 jovem Gottfried Wilhelm Leibniz, entao trabalhando como diplomata, mudou-se para Paris ¢ ali aprendeu Matematica muito rapidamente, sob a orientagao do grande Christiaan Huygens. Seus progressos foram tao impressionantes que no final de 1675 ele ja havia desenvolvido as ideias basicas dos célculos Diferencial e Integral, ncial a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. a You have either reached 2 page thts unevalale fer vowing or reached your ievina tit for his book. Euler Domina os Ndmeros Complexos O PASSEIO QUE TEMOS FEITO pelo pais das Equagoes Algébricas permitiu-nos, até aqui, conhecer alguns personagens fascinantes do romance da Ma- tematica, cada um com suas caracteristicas peculiares: Ahmes, 0 mais antigo dos autores cujo nome a Histéria registrou; Tales, 0 rico comerciante que teve © coragao conquistado pela Geometria; Pitagoras, 0 primeiro a perceber que o mundo fala a linguagem dos numeros; Euclides, o maior dos sintetizadores; Al-Khwarizmi, o pai da Algebra; Leonardo Fibonacci, 0 primeiro cristéo a escrever sobre a Algebra; Cardano, o brilhante mau-cardter; Tartaglia, o pobre menino autodidata que venceu as equagdes do 3° grau; Bombelli, o destemido manipulador dos nuimeros complexos; Fermat, 0 advogado dos ntimeros; Des- cartes, 0 unificador da Geometria a Algebra; Newton, o descobridor das Leis do Cosmos. Agora, neste capitulo, seremos apresentados a alguém que, além de ter sido indiscutivelmente 0 matematico que mais obras produziu e publicou em todos os tempos, nao encontra termo de comparacao quanto a suas caracteristicas de encantadora pessoa humana: o suic¢o Leonhard Euler (pronuncia-se Oiler), de quem foi dito que “calculava com a facilidade com que os outros respiram”. Leonhard Euler nasceu em Basileia, Suiga, no ano de 1707, quando o Calculo, inventado por Newton e Leibniz, expandia rapidamente suas fronteiras e propor- cionava aos estudiosos inumeras e inesperadas aplicagées. Ele foi discipulo de

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