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PANÓPTICA

Cautelaridade penal ou controle social? Um olhar crítico sobre as


prisões cautelares no Brasil 184
Ana Luisa Leão de Aquino Barreto1

Recebido em 11.4.2016
Aprovado em 1.5.2016

Resumo: Nos últimos anos, diversos estudiosos Abstract: In the last few years, many scholars
da questão criminal têm observado o of the criminal matter have observed the
recrudescimento do poder punitivo, que vem recrudescence of punitive power, which has been
apresentando um caráter notadamente autoritário, presenting a markedly authoritarian character,
com um exponencial aumento no número de with an exponential increase in the number of
pessoas presas, com destaque, no Brasil, para o people arrested, especially, in Brazil, the number
número de presos cautelares. Com base nisso, of precautionary arrested people. Based on this,
este trabalho busca, a partir do referencial teórico this research seek, from the theoretical
da criminologia crítica, lançar um outro olhar framework of critical criminology, cast another
sobre o instituto das prisões cautelares, que, glance at the institute of preventive arrests, which
acreditamos, estaria sendo usado como um we believe is being used as an instrument of
instrumento de controle social. Ao invés de ser social control. Rather than being a mere
uma mera ferramenta instrumental ao processo, instrumental tool to process the precautionary
as prisões cautelares estariam funcionando como arrests were functioning as a response given by
uma resposta dada pela sociedade para controlar society to control those so-called "deviant", since
aqueles ditos "desviantes", uma vez que se trata it is a quick way to control - arresting and
de uma forma rápida de controle - prendendo e punishing without process - that does not even
punindo sem a necessidade de processo - que não submit the safeguards of liberal criminal
se submete sequer as garantias previstas no proceedings.
processo penal liberal.
Palavras-chave: Prisões Cautelares, Controle Keywords: Precautionary Arrests, Social
Social, América Latina. Control, Latin America.

1. Introdução
Em meados do século XX, diversos estudiosos da questão criminal apostavam que a
diminuição progressiva no número de presos no mundo, de uma forma geral, culminaria em
uma eventual extinção do cárcere ou, ao menos, o seu deslocamento enquanto modelo
punitivo hegemônico. Michel Foucault (1991) afirmava que a prisão era um instrumento de

1
Mestranda da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) no Programa de Pós-Graduação em Direito
"Teorias Jurídicas Contemporâneas". Graduada em Direito pela Universidade Federal da Bahia (UFBA).
Advogada. E-mail: analuisalabarreto@gmail.com

BARRETO, Ana Luisa Leão de Aquino. Cautelaridade penal ou controle social? Um olhar crítico sobre as
prisões cautelares no Brasil. Panóptica, vol. 11, n. 1, pp. 184-210, jan./jun. 2016.
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articulação entre poder disciplinar e poder penal, e, para este autor, a progressiva expansão de
outros dispositivos de normalização - que garantiriam o poder disciplinar -, fariam com que
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pouco a pouco a prisão perdesse a sua "razão de ser" ; Thomas Mathiesen (2003), por sua vez,
contava sobre como em meados do século XX, acreditava que chegaria a ver uma Europa sem
prisões. Entretanto, contrariando tais expectativas a partir de meados da década de 1970, o
número de presos começou a crescer de forma progressiva e contínua em boa parte dos países
do mundo ocidental (CHRISTIE, 2007).
Nos países latino-americanos se poderia pensar que a saída de ditaduras e início de
democracias significaria uma diminuição no uso das instituições penitenciárias e retraimento
de um controle social de caráter especialmente autoritário. Mas, seguindo o padrão visível na
Europa e nos Estados Unidos (CHRISTIE, 2007; WACQUANT, 2011), nestes países também
se vivenciou um aumento substancial no número de pessoas nas prisões, não apenas de forma
absoluta, ressalte-se, mas um aumento no número de presos por cem mil habitantes3.
Nos países latino-americanos, entretanto, o que mais chama atenção é o aumento no
aprisionamento cautelar45 (CARRANZA, 2009; ZAFFARONI, 2011). A urgência de punir,
que parece caracterizar as últimas décadas do século XX, bem como o início do século XXI,
parece encontrar no imediatismo propiciado pelas prisões cautelares um importante aliado
para garantir respostas as demandas punitivas deste período.
Este trabalho, portanto, tem como objetivo analisar o instituto das prisões cautelares, a
partir do referencial teórico da criminologia crítica6, de modo a tentar compreender as funções
que ele tem exercido no contexto atual de expansão do poder punitivo, no período que se
convencionou chamar de "Estado Penal" (WACQUANT, 2007).
A opção pelo referencial teórico da criminologia crítica se dá pela proposta desta
concepção teórica em desnudar o sistema penal revelando as suas funções ocultas por trás

2
É claro que, como corretamente afirma o professor Salo de Carvalho (2013b), o cárcere mantém um "resíduo
mínimo disciplinar", até para sustentar uma aparência de legalidade e utilidade social. Mas, como nos ensina o
professor brasileiro, a prisão deixa de ser essencialmente uma instituição disciplinar. As palavras-chave hoje,
quando se fala em poder punitivo, parecem ser controlar e neutralizar, com formas de controle e neutralização
que, inclusive, se estendem para além dos muros da prisão.
3
O site World Prison Brief reúne informações de diversos países do mundo e apresenta um importante panorama
de tais dados: <http://www.prisonstudies.org/world-prison-brief>.
4
Usamos prisões cautelares como aquelas prisões antes da sentença transitada em julgado.
5
Fonte: World Prison Brief, disponível em: <http://www.prisonstudies.org/world-prison-brief>.
6
Por saber a abrangência desta teoria importante ressaltar que nos orientamos aqui primordialmente por Vera
Andrade, Vera Malaguti Batista, Salo de Carvalho e Eugênio Zaffaroni.

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daquelas declaradas. A criminologia crítica, ou nova criminologia, é uma vertente teórica que
aparece no século XX, a partir de uma concepção marxista dos conflitos sociais. 186
Ela deriva da teoria do etiquetamento ou labeling approach, que consubstanciou uma
importante virada epistemológica na criminologia ao desnaturalizar o crime e ressaltar a
importância dos rótulos ou etiquetas na compreensão dos processos de criminalização. A
criminologia crítica, entretanto, representou um importante avanço em relação ao labeling
approach ao compreender o processo de seleção de criminosos como um instrumento de
manutenção das relações sociais estabelecidas em determinado período histórico,
questionando o próprio poder de rotular (BARATTA, 2011).
Nesse contexto, levantamos uma pergunta, que orientou o trabalho: as prisões cautelares
estariam cumprindo uma mera função instrumental junto ao processo, conforme previsto em
lei e na doutrina tradicional, ou elas cumprem a função de suprir a demanda por uma urgência
de punir? Partindo desse questionamento e da realidade brasileira percebida por nós,
discutiremos algumas questões dogmáticas envolvendo o instituto das prisões cautelares,
buscando desconstruí-lo, para, após isso, partir para uma análise mais ampla deste instituto,
na tentativa de compreender se ele tem efetivamente cumprido um papel de mero instrumento
do processo, ou se, pelo contrário, é um importante instrumento de controle social.

2. Prisões cautelares: uma desconstrução dogmática


Segundo a doutrina clássica, as prisões cautelares seriam uma modalidade de medida
cautelar de caráter pessoal, que, conjuntamente com as demais medidas, possui uma "função
processual de acautelamento dos interesses da jurisdição criminal." (OLIVEIRA, 2012,
p.489). Supostamente, portanto, exerceria no processo penal uma função correlata àquela
cumprida pela tutela cautelar no processo civil, ou seja, algo que "não visa a satisfação de um
direito (...), mas, sim, a assegurar a sua futura satisfação, protegendo-o." (DIDIER JR., F.;
BRAGA, P. S.; OLIVEIRA, R. A., 2014). Ou seja, cumpriria uma função instrumental ao
processo que, por significar um cerceamento na liberdade de alguém inocente, deveria ser
aplicada sempre em último caso.
Conforme falamos brevemente no tópico anterior, entretanto, a América Latina
vivenciou nos últimos anos um aumento relevante no número de presos cautelares, apesar das
ressalvas tecidas acima sobre a - suposta - absoluta excepcionalidade do instituto. O professor

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Eugenio Zaffaroni (2011) afirma que, na América Latina, 3/4 dos presos encontram-se nessa
situação antes de devidamente findo o processo. Destes, afirma Zaffaroni, quase 1/3 será 187
absolvido. Dentre os condenados, metade já terá cumprido a pena, considerando-se o tempo
da prisão cautelar. O professor ainda assevera que é grande a resistência dos tribunais em
absolver aqueles que passaram o processo em estado de contenção; portanto, as absolvições
nesses casos, são aquelas que envolvem as situações da mais absoluta e gritante
arbitrariedade, quando não é encontrada pelos juízes nenhuma possibilidade de condenação.
No Brasil, especificamente, por sua vez, a situação prisional também é bastante grave:
entre os anos 2000 e 2014 a população prisional saltou de 133 por cem mil habitantes para
300 por cem mil7. O número de presos provisórios também cresceu, pulando de uma taxa de
46 presos por cem mil habitantes em 2000 para 110 por cem mil em 2014, representando
cerca de 40% das pessoas presas8.
A partir desses dados questionamos: o problema das prisões cautelares deriva da sua
inadequada utilização, ao ser aplicada em excesso e com desrespeito às garantias mínimas, ou
existe um problema intrínseco ao próprio instituto? É isso que pretendemos analisar neste
primeiro capítulo do trabalho.

2.1. Algumas considerações iniciais


Antes que iniciemos de modo mais direto uma análise das prisões cautelares, é
necessário tecer algumas considerações preliminares. É preciso deixar claro, primeiro, que o
conceito de cautelaridade que usamos neste trabalho é aquele especificamente do processo
penal, assumindo, portanto, uma posição contrária à teoria geral do processo, muito utilizada
ainda pelos manuais tradicionais9; os modelos que fundam esses sistemas processuais são

7
BRASIL, Ministério da Justiça. 2013. Relatórios Estatísticos do Ministério da Justiça. Disponível em:
<http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/transparencia-institucional/estatisticas-
prisional/relatorios-estatisticos-analiticos-do-sistema-prisional>. Acesso em: 11/03/2016.
8
Fonte: International Centre for Prison Studies. Disponível em: <http://www.prisonstudies.org/world-prison-
brief>. Acesso em: 15/03/2016.
9
Essas impropriedades, ao se utilizar conceitos de processo civil no processo penal, são especialmente comuns -
e perigosas - quando se está falando sobre cautelaridade. De pronto já há uma diferença básica: não existe
processo cautelar no processo penal e, portanto, não há que se falar em ação cautelar; esta modalidade de ação
autônoma existe apenas do processo civil (LOPES JR., 2013). No processo penal, temos apenas medidas
cautelares. Ademais disso, em oposição ao processo civil, não há que se falar em poder geral de cautela. No
processo penal forma é garantia; portanto, impossível falar, como no processo civil, que cabe ao juiz aplicar,
além das medidas previstas no Código, outra que julgue mais adequada. O professor Aury Lopes Jr. (2013)
chega a afirmar em sua obra que qualquer medida atípica é ilegal.

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fundamentalmente distintos, prevalecendo o modelo reparador no processo cível e o modelo
punitivo no processo penal (RAMALHO JR., 2015). 188
Posto isso, podemos definir o que se conceberá por cautelaridade neste trabalho.
Medidas cautelares de caráter pessoal10 aqui serão entendidas como aquelas medidas que
possuem uma instrumentalidade em relação a um processo principal. Seu objetivo é assegurar
a eficácia do procedimento definitivo, só sendo, portanto, cautelar de fato, aquela medida que
servir diretamente ao processo (LOPES JR., 2013).
Por fim, é necessário fazer algumas distinções entre as modalidades de prisão existentes
antes da sentença, apenas a título de evitar confusão. Falemos então, brevemente, dos
conceitos de prisões cautelares, provisórias, preventivas, temporárias e em flagrante.
Prisão cautelar e provisória são nomes diferentes para expressar a prisão autorizada pelo
juiz no curso do inquérito ou da ação penal. Em tese, deveriam ser requeridas por alguma
autoridade - preferencialmente o Ministério Público - e só então autorizadas ou não pelo juiz.
No sistema acusatório, é impensável a atuação de ofício do juiz no processo, em razão do
princípio da inércia da jurisdição, ainda mais em situações que visam prejudicar a situação do
réu. Mas, a realidade é outra, e, inclusive o nosso Código de Processo Penal (CPP) - em clara
oposição a Constituição Federal - autoriza a decretação de ofício pelo juiz da prisão cautelar
ou provisória.
Essa modalidade de prisão antecipada se subdivide em prisões preventivas e
temporárias. Aquela está regida no CPP e é sobre a qual iremos tratar com mais atenção nas
páginas que se seguem. Já esta está prevista na Lei 7.960/89, e surgiu como a
institucionalização da famigerada prisão para averiguação, tão comum no regime militar11.
Por fim, temos as prisões em flagrante, que são, na realidade, medidas pré-cautelares.
Isso se deve ao fato de que somente quem ter poder de determinar uma medida cautelar é o
juiz, e as prisões em flagrantes são medidas efetuadas diretamente pela polícia, que tem não
só o poder, mas obrigação de efetuá-la. As prisões em flagrante podem inclusive ser efetuadas

10
Em oposição àquelas que tem um caráter patrimonial, ou seja, que incidem de maneira mais direta sobre a
pessoa e a sua liberdade, incluindo não apenas as prisões, mas qualquer forma de cerceamento da liberdade do
indivíduo.
11
A prisão temporária foi criada pela Medida Provisória n.111, quando o Poder Executivo, cedendo a pressão
policial, violou a recém promulgada Constituição Federal, ao legislar sobre matéria processual penal (art.22, I).
Esta modalidade de prisão cautelar tem a única finalidade de satisfazer interesses policiais, vez que só pode ser
decretada pelo juiz no curso do Inquérito, a requerimento da autoridade policial.

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por qualquer do povo que presencie uma conduta tipificada pelo direito penal. Desse modo,
fica claro o que se quer dizer quando se afirma que as prisões em flagrante não são cautelares 189
de fato, devendo ser com a maior brevidade submetida a um juiz, para que esse sim possa
determinar uma medida cautelar - a partir do requerimento do Ministério Público, ressalte-se,
uma vez que defendemos um sistema de caráter completamente acusatório - ou por o sujeito
em liberdade.
Optamos neste trabalho por dar um enfoque nas prisões preventivas, não nos
aprofundando sobre as temporárias. Feitas essas considerações necessárias, utilizaremos aqui
os termos prisões cautelares, provisórias e preventivas como sinônimos.

2.2. Analisando as hipóteses de aplicação da prisão cautelar no direito penal brasileiro


As prisões cautelares, como dissemos, são uma modalidade entre as medidas cautelares
pessoais que podem ser aplicadas pelos juízes em momento anterior a denúncia (ou seja,
ainda no curso do inquérito policial) e no curso do processo penal, a requerimento do
Ministério Público, da autoridade policial ou de ofício pelo próprio juiz.
Para a sua aplicação, dois pressupostos são colocados como necessários: o fumus
comissi delicti (a fumaça do cometimento do crime, que abarcaria a materialidade e indícios
suficientes de autoria) e o periculum libertatis (perigo que decorre do estado de liberdade do
sujeito passivo)12.
O fumus comissi delicti é também um elemento necessário para o recebimento da
denúncia, devendo haver materialidade e indícios de autoria na peça apresentada pelo
Ministério Público. Os indícios exigidos para a decretação da cautelar, em tese, deveriam ser
mais acentuados do que são suficientes para a apresentação da denúncia. No entanto, isso
levaria a uma situação teratológica. Uma vez que decretasse a cautelar, reconhecendo,
portanto, a existência de indícios acentuados, o juiz não estaria de alguma forma antecipando
a sua decisão final?13

12
Em nossa concepção, não há que se falar como requisito e fundamento das medidas cautelares penais o fumus
boni iuris e o periculum in mora, requisitos das medidas cautelares no processo civil. O perigo que enseja a
decretação de uma medida cautelar no processo penal não é o da demora, mas a da situação de liberdade do
indivíduo. É a própria situação de liberdade do indivíduo que, supostamente, ensejaria um risco capaz de
autorizar a decretação de uma medida cautelar. Tampouco há que se falar no processo penal da "fumaça do bom
direito" (LOPES JÚNIOR, 2013).
13
O juiz já não estaria dizendo, desde o início do processo, que, uma vez que considera que há indícios
suficientes para prender antecipadamente, há também indícios suficientes para condenar? Afinal, no Brasil o

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E o que dizer da decretação da cautelar de ofício pelo juiz? Se o juiz que a decreta é o
mesmo que condena ou absolve no fim do processo - e no Brasil é assim que funciona -, 190
aquele que decreta uma prisão cautelar em algum momento do processo - até mesmo antes
deste quando sequer há qualquer prova produzida! - está dizendo que se inclina a condenar. O
ordenamento jurídico brasileiro, portanto, adota um modelo de prevenção positiva: o juiz que
decide sobre a prisão cautelar na fase pré-processual, em regra no Brasil, é o juiz que vai
instruir o processo e proferir a sentença final. Tal situação se contrapõe a um modelo
acusatório de processo penal onde deveria prevalecer uma prevenção negativa, sob o risco de
violação da imparcialidade judicial (LOPES JR., 2013).
No modelo acusatório, o juiz não deve ter qualquer poder investigatório, mesmo para
sanar eventuais dúvidas; afinal, neste caso, deverá prevalecer o brocardo latino in dubio pro
reu. A presunção de inocência deverá prevalecer até o trânsito em julgado o que exigiria do
juiz a mais alta imparcialidade (PRADO, 2006): decretar a prisão de alguém no início ou no
curso do processo parece afastar qualquer imparcialidade, portanto 14. Também nos parece
que, além de violada a imparcialidade, a aplicação de uma punição imediata parece afastar a
garantia de que para ser considerado culpado um processo penal se faz necessário, ou seja,
parece descaracterizar o próprio processo penal.
Além desses requisitos básicos, o Código de Processo Penal brasileiro somente autoriza
a decretação da prisão cautelar se presentes uma das quatro hipóteses previstas em seu art.
312: para garantir a ordem pública, para garantir a ordem econômica, por conveniência da
instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal.
Em relação as garantias de ordem pública e de ordem econômica, de pronto cabe falar
que elas não medidas de fato cautelares, ao menos, não pelo conceito que estabelecemos no
tópico anterior, onde cautelar seria aquela medida instrumental ao processo, pelos motivos
que explicaremos a seguir. Sobre essas duas hipóteses de decretação da prisão cautelar, como
mostraremos, não há como dizer que se trata de um meio para garantir o resultado útil do

mesmo juiz que decreta a prisão preventiva ainda no início do processo é o juiz que sentencia no final, e,
conforme nos mostra o professor Zaffaroni (2011), a maior parte dos presos provisórios na América Latina são
condenados ao final do processo. Não ficaria violada a parcialidade do juiz?
14
Por essas e outras razões concordamos com Jacinto Coutinho (2009) e Aury Lopes Jr. (2013), de que o sistema
processual penal brasileiro não seria acusatório e, tampouco misto, pois por mais que não se possa falar em
sistemas puros existe um princípio unificador que prevalece; no caso brasileiro, este princípio seria o inquisitivo.

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processo - medida instrumental ao processo -, pois, abertamente, em seu próprio conceito,
elas existem para cumprir outra função. 191
A garantia de ordem econômica seria cabível como fundamento da prisão cautelar que
visasse proteger a tranquilidade e harmonia da ordem econômica, violadas pelo crime
supostamente cometido, questões que nada tem a ver com cautelaridade. A garantia da ordem
pública, por sua vez, além de nada ter a ver com o conceito de cautelaridade, ainda encontra-
se em situação mais complexa que a primeira: em razão da vagueza do seu conceito a ela são
dados diversos significados, permitindo um amplíssimo rol de possibilidades de decretação da
cautelar15 (GOMES, 2013).
O professor Aury Lopes Jr (2013) lista um rol dos principais argumentos usados para
fundamentar a garantia de ordem pública. O primeiro deles seria quando a prisão funcionasse
como uma resposta ao clamor popular. Em crimes que gerassem grande repercussão e
comoção social, a prisão antecipada do acusado seria usada para acalmar a população, pela
resposta imediata ao crime. Ordem pública também é utilizada como fundamento daquelas
prisões cautelares que teriam como função restaurar a credibilidade da justiça e das
instituições, já que estas, supostamente, teriam sido violadas pelo ato criminoso, e somente
uma resposta pronta e imediata do Estado daria conta de restaurar essa credibilidade.
Outro fundamento utilizado para a decretação da cautelar com base na garantia da
ordem pública é o grau de brutalidade e violência de um crime; delitos mais graves ensejariam
a necessidade de que se prendesse o suposto autor mais rapidamente. Ademais, é também
utilizada quando há necessidade de se evitar reiterações criminosas, quando vários crimes
estão sendo imputados ao suposto autor ou quando este já tiver sido condenado por outros
crimes. Há ainda, por fim, o mais hipócrita dos fundamentos: aquele em que a prisão
antecipada seria usada para proteger o acusado, preservando a sua integridade física quando
ameaçado por linchamentos (LOPES JR., 2013).

15
Patrick Mariano Gomes, em sua tese de mestrado "Discursos Sobre a Ordem: uma Análise do Discurso do
Supremo Tribunal Federal nas Decisões de Prisão para Garantia da Ordem Pública" (2013), conta na Introdução
do referido trabalho que optou por estudar "ordem pública" ao se deparar, na prática advocatícia, com a
dificuldade de rebater decisões com esse fundamento. Decisões de decretação de prisão fundadas na garantia da
ordem pública não estavam vinculadas às informações presentes no processo, mas sim em outros fatores. Os
fundamentos das decisões costumavam ser confusos e baseados em uma periculosidade genérica dos indivíduos
contra quem se impunham as prisões.

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Fica claro que, nesses casos, a prisão antecipada é utilizada para outras funções que não
uma função de fato cautelar. A função de controle social apareceria de maneira bastante 192
escancarada. A nossa dúvida é em relação as duas hipóteses trazidas pelo código onde em tese
haveria cautelaridade - no conceito por nós apresentado -, quais sejam "por conveniência da
instrução criminal" ou "para assegurar a aplicação da lei penal". Nos questionamos se, mesmo
nesses casos, onde haveria cautelaridade pelo conceito por nós apresentado, seria cabível
trabalhar com a aplicação deste instituto?
A primeira dessas hipóteses é a prisão para a conveniência da instrução criminal, que
tem como objetivo a tutela da prova. O fundamento seria que o estado de liberdade do sujeito
colocaria em risco alguma das provas do processo (LOPES JR., 2013). Já em relação a
segunda hipótese, onde a prisão cautelar busca assegurar a aplicação da lei penal, a prisão
teria como função evitar a fuga do acusado, buscando resguardar a eficácia da sentença, seu
resultado útil. O risco de fuga deve, em tese, estar fundado em circunstâncias concretas
(LOPES JR., 2013).
Para tentar desconstruir a suposta necessidade da utilização de uma prisão nesses casos,
optamos por recorrer ao jurista italiano Luigi Ferrajoli. Filiado ao garantismo liberal,
Ferrajoli, embora crítico ao sistema penal, acaba por legitimá-lo ao considerá-lo necessário
sustentando-se em um utilitarismo reformado. Embora discordemos da posição de Ferrajoli,
achamos interessante utilizar este autor, pois, apesar de legitimar o sistema, este autor é um
crítico veemente às prisões cautelares.
O autor italiano entende que mesmo nas circunstâncias onde em tese haveria uma
situação onde a cautelaridade - de acordo com o conceito que apresentamos - de fato estivesse
presente, a prisão não seria cabível (FERRAJOLI, 2010). Segundo ele, existiriam medidas
menos gravosas capazes de resolver a situação. E mesmo quando isso não ocorresse, a
situação criada pela prisão cautelar é tão violenta e desproporcional e coloca em xeque tantos
princípios democráticos, que ela jamais deveria ser utilizada.
Em relação à questão das provas o autor explica que, em havendo uma fundada e
concreta suspeita de que o réu pode vir a adulterar ou destruir alguma prova, o mais acertado
é que se dê prioridade a colheita daquela determinada prova e que, em sendo necessário, o
acusado seja detido somente pelo tempo necessário para que isto ocorra (FERRAJOLI, 2010).
Em relação ao interrogatório do réu, ele lembra que isso não é meio de prova, mas somente de

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defesa e caberá ao réu decidir se falará ou se vai se calar, podendo não comparecer ao seu
interrogatório se assim o decidir. 193
Quanto à possibilidade de fuga (ou seja, "para assegurar a aplicação da lei penal"), o
teórico defende a ideia de que mais do que o medo da condenação, o que leva as pessoas a
fugir é a possibilidade de uma prisão antecipada, fundada em motivos arbitrários e injustos. O
professor defende que se não existissem prisões provisórias, ao menos até a véspera do
julgamento o réu teria todo o interesse em ficar para contribuir em sua defesa e buscar uma
absolvição. Até a condenação, se tivesse a certeza de que responderia em liberdade, o acusado
buscaria todos os meios para se defender.
Para evitar a fuga, medidas cautelares muito menos gravosas poderiam ser estabelecidas
tais como apresentação regular ao juízo, prisão domiciliar, ao menos em alguns turnos,
proibição de frequentar certos lugares ou entrega do passaporte.
Por essas razões, o jusfilósofo Luigi Ferrajoli defende a extinção desse instituto. Além
de violar a presunção de inocência, responder a um processo preso, contribui, e muito, para o
aumento da desigualdade na relação acusação e réu, diminuindo as chances de defesa.
Ferrajoli explica ainda que as prisões cautelares seriam na verdade medidas
administrativas e não judiciais e, portanto, não sujeitas a qualquer das garantias existentes no
direito penal, incluindo a presunção de inocência. Elas configurariam muito mais medidas
policialescas - mesmo quando decretadas por um juiz - vez que teriam uma função de pena
antecipada e de controle social e não uma função instrumental ao processo, de fato cautelar. A
própria prisão logo após o fato, medida de inegável caráter policialesco - com inclusive a
prevalência da palavra do acusador-policial sobre o princípio de presunção de inocência que
paira sobre todos os cidadãos -, já passaria, para o autor, uma importante mensagem "primeiro
se pune, e, depois, se processa, ou melhor, se pune processando." (FERRAJOLI, 2010, p.716).
Seria uma "ilegítima pena sem juízo".
Incabível, portanto, as prisões cautelares em um sistema penal que se diz acusatório de
um suposto Estado democrático de direito, pela evidente contradição. Como afirmou Maria
Lucia Karam (2009a) "[e]m um Estado democrático, a liberdade é um valor insubstituível."
(p.396), razão pela qual, não pode ser sustentada a ideia de que essa liberdade seja cerceada
como regra, muito menos sem a existência de um devido processo legal.

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3. Prisões cautelares: uma desconstrução criminológica
Uma vez apresentada as desrrazões dogmáticas da prisão cautelar, tentaremos discutir 194
esse instituto a partir do referencial da criminologia crítica, tentando compreender os seus
usos no modelo de política criminal que hoje temos. Acreditamos que pudemos demonstrar
que as prisões cautelares não possuem, dogmaticamente, um discurso coerente que possa lhe
garantir sustentação, seja por abertamente cumprir uma função não-instrumental, seja pelos
danos que causa serem muito superiores aos "benefícios" que se propõe a trazer. Queremos,
então agora, estudar esse dispositivo pela lente da criminologia crítica, ou seja, avançar para
além da crítica dogmática, desconstruindo esse instituto a partir do desvelamento das funções
ocultas do sistema penal.
De início, já pontuaremos que neste trabalho pretende-se partir de uma determinada
concepção de pensamento: aquela que entende que o modelo punitivo de uma determinada
sociedade está relacionado com o modo de produção e organização social determinados
historicamente (RUSCHE; KIRCHHEIMER, 2004). Portanto, modelos punitivos não podem
ser entendidos somente a partir de seus aspectos negativos de "reprimir, impedir, excluir,
suprimir." (FOUCAULT, 1991, p.27); mas devem ser entendidos também a partir dos seus
"efeitos positivos" ao contribuírem para a manutenção de uma estrutura socioeconômica.
Assim, discordamos daquela posição que entende que chegamos no atual modelo de
punição em razão de uma maior racionalidade e humanização trazidas pelo Iluminismo. Não
negamos que o cárcere, bem como diversos direitos e garantias individuais, aparecem também
como uma resposta, quando o completo arbítrio dos soberanos foi aos poucos deixando de ser
aceitável. Entretanto, é importante compreender a importância que assume o modo de
produção, bem como todo o contexto social de uma determinada época, na definição do
modelo punitivo hegemônico.

3.1. O contexto punitivo


Conforme falamos na introdução, entre as décadas de 60 e meados de 70 do século XX,
as taxas de encarceramento em boa parte dos países da Europa e nos Estados Unidos, estavam
em declínio; nos Estados Unidos, por exemplo, foi verificado inclusive um decréscimo de 1%
ao ano entre os anos de 1960 a 1973 (WACQUANT, 2007). Diante desse contexto, muitos
estudiosos da questão criminal apostavam então em uma progressiva superação da prisão

BARRETO, Ana Luisa Leão de Aquino. Cautelaridade penal ou controle social? Um olhar crítico sobre as
prisões cautelares no Brasil. Panóptica, vol. 11, n. 1, pp. 184-210, jan./jun. 2016.
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enquanto modelo punitivo hegemônico e na sua troca por outras formas de pena, punição e
controle social, conforme falamos na introdução. 195
Apostava-se que as prisões, assim como os manicômios, eram modelos em decadência,
típicos da modernidade, e incompatíveis com o novo milênio que estava por vir. A luta
antimanicomial, de fato obteve um relativo sucesso, com a progressiva substituição dos
manicômios por hospitais-dia e comunidades terapêuticas (CARVALHO, 2013a). Ocorre que,
contrariando as expectativas, tal não ocorreu em relação as prisões: o número de pessoas
encarceradas aumentou expressivamente nos últimos anos, e segue crescendo de maneira
vertiginosa (WACQUANT, 2007).
É interessante notar que nesse período de expansão do uso do cárcere, bem como de
recrudescimento do poder punitivo, coincide não só com o começo da hegemonia neoliberal,
mas com um importante período de crise de legitimidade do direito penal. Assim, a relação
naturalizada entre delito e punição típico do "projeto de modernidade", é colocada em xeque,
pela indagação do "por que punir?" (CARVALHO, 2013a). Esse "projeto de modernidade",
segundo o professor Salo de Carvalho (CARVALHO, 2013b), teria como objetivo estabelecer
respostas universais para diferentes questões, o que, no campo do direito penal, levaria ao
estabelecimento de uma única resposta - a pena - para quaisquer das condutas tipificadas.
Esse paradigma da modernidade, da punição como resposta natural ao delito, que até
então havia sido assumido de modo irrefletido por quase todos os estudiosos da temática, é
questionado pela teoria criminológica do etiquetamento (CARVALHO, 2013b). Essa
concepção, surgida em meados do século XX, representou uma verdadeira virada
paradigmática no pensamento criminológico.
A teoria do etiquetamento - ou labeling approach - desnaturalizou o crime e o
criminoso: superando o pensamento etiológico, que buscava os fatores e causas do delito, e
procurando descrever os processos de criminalização, que contribuem para a determinação do
que se entende como crime e a rotulação de alguém como criminoso (BARATTA, 2011).
Embora limitada em certos aspectos, ao se restringir a descrever os processos de
criminalização, sem contudo se aprofundar na interligação desses mecanismos com a
realidade social - e sem questionar o próprio poder de rotular, o que fará com que Baratta
(2011) a chame de teoria de médio alcance -, esta teoria foi uma importante contribuição para

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a crise de legitimidade do direito penal e para a construção de teorias que conseguiram
avançar nessa crítica. 196
É em decorrência dessa virada paradigmática propiciada pelo labeling approach que
surge a criminologia crítica ou nova criminologia, que se debruça sobre o processo de
criminalização "identificando nele um dos maiores nós teóricos e práticos das relações sociais
de desigualdade próprias da sociedade capitalista" (BARATTA, 2011, p.197). As correntes da
criminologia crítica questionam o próprio poder de punir, em contraposição as teorias da pena
que pressupõem a necessidade de punição. A criminologia crítica está associada aos
movimentos abolicionistas, que ao questionar a necessidade da pena, findam por negar
legitimidade ao direito penal, buscando em última instância sua abolição (CARVALHO,
2013b).
Por outro lado, nesse contexto também surgiram muitas teorias que, embora
reconhecessem a crise do sistema punitivo (como o garantismo penal, por exemplo), ainda
acreditavam (e acreditam) que a resposta penal é a melhor - ou a "menos pior" - solução para
lidar com o crime e a "criminalidade" (CARVALHO, 2013b), desde que esta resposta seja
fundada em um direito penal mínimo.
Além disso, como nos diz o professor Salo de Carvalho, da crise nem sempre surge algo
novo, mas "reordenações e relegitimações ocorrem com frequência." (CARVALHO, 2013b,
p.92). Neste sentido, também apareceram teorias "neoconservadoras", assim chamadas por
dar novas roupagens a antigas teorias - inclusive algumas com características do positivismo
criminológico lombrosiano16. Os discursos neoconservadores foram essenciais, ao
contribuírem para uma relegitimação - ainda que precária - do direito penal, e tiveram espaço
em toda essa conjuntura, para surgir com todo o vigor17.

16
"Na realidade, o que ocorreu aqui foi uma rara mistura de teorias, uma vez que o positivismo, embora criticado
a partir de pressupostos liberais, seria recuperado para explicar os motivos pelos quais os delinquentes são
sempre os mesmos, são sempre 'outros' - que, embora não fossem considerados 'monstros' ou anormais, seriam
sujeitos especialmente identificáveis." (ANITUA, 2008, p,782)
17
Encontramos uma boa explicação desse momento em Anitua (2008):"A força desses neoconservadores estava
baseada na crise do Estado do bem-estar e nas dificuldades dos políticos desses Estados para resolver os
problemas sociais num contexto de estagnação econômica, problemas aumentados pelo corporativismo sindical e
pela burocracia estatal, o que também se refletia na inflação. A crise do Estado benefactor foi ampliada, em
seguida, pelos governos conservadores, empenhados em desmantelá-lo. Isso se verificou no desvio de recursos
"excedentes" do gasto em habitação, educação e demais cumprimentos de direitos sociais para reforçar o peso
estatal em questões tradicionalmente reivindicadas pela direita, como os gastos militares, policiais e
penitenciários, sob a bandeira da 'lei e ordem' ou "segurança cidadã". Por essa razão é que assinalo a necessária
complementação entre políticas econômicas e punitivas. (p.765)"

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Ao mesmo tempo, foi também esse o período em que o cárcere viveu sua mais profunda
crise. Entretanto, o recrudescimento conservador exigido pelo contexto econômico e social da 197
época permitiu que esta modalidade punitiva voltasse ao centro do debate criminológico. As
prisões, assim, redesenham-se e ganham novo papel - com a crise do modelo correcionalista
(CARVALHO, 2013b) -, mas conseguem se relegitimar - e com força total, ousamos dizer.
A mídia parece ocupar um papel central nesse processo de relegitimação das prisões,
razão pela qual não podemos nos furtar a falar dela. Especialmente em relação ao uso
desmedido das prisões cautelares, a mídia parece ocupar uma importante função ao demandar
a necessidade de uma punição imediata. Zaffaroni (2012) chama esse fenômeno de
"criminologia midiática".
A mídia, apropriando-se da maneira rasteira de algumas discussões difundidas no meio
acadêmico - especialmente aquelas que retomavam uma perspectiva etiológica da
criminologia, na busca pelas causas do crime e do criminoso - levou ao público um discurso
aterrador, com uma massificação de imagens de crimes bárbaros e de "criminosos"
monstruosos. Não só o Estado aumenta a repressão contra uma suposta criminalidade sem
controle, mas esse aumento passa a ser exigido pela própria população, que se sente cada vez
mais vulnerável e insegura. Assim, a mídia funcionaria como uma engrenagem a mais nesse
complexo modelo repressivo atual.
O professor Zaffaroni (2011), chama esse discurso transmitido e alimentado pela mídia
de "popularesco". Para o autor, o discurso bélico-vingativo, e a união contra um "inimigo"
comum - como os terroristas nos Estados Unidos e os traficantes de drogas na América Latina
-, seria uma forma dos Estados buscarem uma coesão interna, esfacelada pelo fenômeno da
globalização. A questão da segurança pública seria a "tábua de salvação" dos Estados
nacionais, a faceta que o neoliberalismo lhe permite gerir e controlar.
Entretanto, se por um lado, esse discurso estaria sendo utilizado pelos Estados como o
delineador de uma identidade nacional comum, por outro lado, esse discurso também
contribuiria para uma ruptura interna das classes sociais subalternizadas, consequentemente
permitindo a manutenção do status quo. Aqueles que estão no poder rotulam os inimigos
entre aqueles que são oprimidos, sendo estes também as maiores vítimas de crimes, além de
serem os principais integrantes da instituição responsável por prender os criminosos,
estimulando a desconfiança e desagregação dessa classe (ZAFFARONI; et al, 2011).

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O direito penal - bem como o sistema penal como um todo -, assim, vai se delineando
como a grande resposta para a solução de todos os problemas, e a grande resposta às 198
necessidades individuais de segurança (KARAM, 2009a). O discurso de que "algo precisa ser
feito" (CHOUKR, 2002), para dar conta da sensação de insegurança e conter a expansão da
miséria recebe como resposta sempre mais e mais políticas de segurança pública.
Nesse contexto, para além do endurecimento do direito penal material, com um maior
número condutas taxadas como crime, e um maior endurecimento nas formas de controle da
população - com a instalação de grandes sistemas de vigilância e controle -, é visível também
um recrudescimento autoritário no processo penal.
Assim, se, em sua origem, o processo penal surge como uma forma de conter o poder
punitivo, protegendo o indivíduo do Estado, ele agora vai se delineando como algo que
permite ao Estado exercer melhor o seu poder de punir. Esse processo penal, que alguns tem
chamado "de emergência", é para Maria Ignez Kato (2005), o processo que não respeita
direitos e garantias constitucionais, buscando ampliar a situação de vulnerabilidade do réu.
Valendo-se, principalmente segundo a autora, do uso abusivo das prisões provisórias e da
absurda divisão do ônus da prova, o processo penal de emergência teria como principal
objetivo o suposto controle da impunidade.
Nesse sentido, é que consideramos que as prisões cautelares estariam cumprindo uma
prisão de controle social: valendo-se da "emergências" e da necessidade de uma punição
imediata, que responda aos anseios da população e da mídia, as prisões cautelares estariam
sendo usadas não para servir ao processo, mas sim, como um instrumento de controle social,
que, de acordo com o conceito dado por Stanley Cohen seria "las formas organizadas en que
la sociedad responde a comportamientos y a personas que contempla como desviados,
problemáticos, preocupantes, amenazantes, molestos o indeseables de una u otra forma."
(COHEN, 1988, p.15) .

3.2. Por que punir?


"Por que punir?". Suscitamos de maneira superficial essa questão no primeiro tópico
deste capítulo, mas agora voltamos a ela porque entendemos ser essencial buscar uma
resposta a essa questão se quisermos fundamentar nossa posição em relação às prisões
cautelares. O que fundamentaria esse poder do Estado? O que legitimaria - se é que essa

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legitimação é possível - uma violência do Estado, em toda a sua opulência, contra um único e
solitário indivíduo? 199
Para Luigi Ferrajoli (2010), jurista italiano, a pergunta "por que punir?" daria margem a
duas subperguntas: a primeira delas seria "por que se pune" e a segunda "por que se deve
punir". A confusão, entre tais questões, se daria quando se buscasse explicar a pena pelo que
ela de fato é, e não pelo que ela deve ser. Assim, os teóricos incidiriam no dito "vício
metodológico" ou "ideológico", quando dissessem o que a pena deve-ser com base no que ela
de fato é, ou vice-versa. Baseado na Lei de Hume - "segundo o qual não podem ser extraídas
conclusões prescritivas ou morais de premissas descritivas ou fáticas" (FERRAJOLI, 2010,
p.300) - o autor italiano afirma que incorreriam em "ideologias" aqueles que violassem essa
lei, ao tentar explicar a pena baseando-se em dados da realidade. A explicação da pena não
poderia, segundo o autor italiano, ser assumida como a sua justificação, e vice-versa.
Entretanto, esse distanciamento do real, chamado pelo professor Salo de Carvalho
(2013b) de "assepsia positivista", faz com que não seja possível ser visualizado pelos teóricos
do direito as violências perpetradas pelo sistema penal. Nesse sentido, ele vai dizer que
somente com a criminologia crítica a superação desse positivismo asséptico foi possível,
sendo uma escolha política o modo que o estudioso do direito optará por enxergar essa
questão. Embora o positivismo tenha insistido por séculos no mito da neutralidade científica,
essa forma de pensar deve ser superada.
É nesse sentido que a criminologia crítica ofereceu elementos empíricos que trouxeram
a necessidade do desenvolvimento de uma teoria agnóstica da pena. E em que consistiria isso?
As teorias da pena, embora deem diferentes funções à punição, são unânimes em conferir
legitimidade ao poder de punir, encarando a pena por um viés positivo (CARVALHO,
2013b), e ao fazer isso "invariavelmente naturalizam as consequências perversas e negativas
da pena como realidade concreta." (CARVALHO, 2013b, p.41). Nesse sentido, Zaffaroni,
Batista, Alagia e Slokar (ZAFFARONI; et al, 2011) assim definem em que consistiria uma
teoria agnóstica da pena: "Um conceito negativo ou agnóstico da pena significa reduzi-la a um
mero ato de poder que só tem explicação política." (ZAFFARONI; et al, 2011, p.108).
Assim, ao reconhecer a pena pelo que ela de fato é um ato político ilícito de violência
como a guerra, mas, como esta também - ainda - inextinguível, tornam-se inúteis as
discussões entre justificacionistas e abolicionistas (CARVALHO, 2013b). O objetivo, então,

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daqueles que optam por uma teoria agnóstica da pena, passa a ser a redução dos danos
causados pela violência da punição18. 200
Desse modo, a principal função da teoria agnóstica da pena é a contração do poder
punitivo. Assim, ficaria dispensada a necessidade de se recorrer a qualquer teoria positiva da
pena, buscando-se uma reconstrução do direito penal como o instrumento de contenção do
poder de punir estatal (CARVALHO, 2013b). O direito penal, teria assim, a função de reduzir
os danos causados pelo exercício do poder punitivo.
Nos parece, que é exatamente no ponto da redução de danos, que podemos falar da
importância que o processo penal pode assumir nisso tudo. Se a teoria agnóstica se propõe a
reconhecer a pena como violência e, a partir disso, procurar minorar seus danos, o processo é
nesse ponto essencial (CARVALHO, 2013b).
E, nesse sentido, pensando um processo como um efetivo protetor dos indivíduos frente
ao grandioso e arbitrário poder punitivo estatal, se faz necessário pensar em um processo, com
a função precípua de garantir direitos e garantias e, portanto, não há qualquer espaço para as
prisões cautelares. A extinção das prisões cautelares - ou, ao menos, a radical diminuição das
suas possibilidades de utilização - é um imperativo, pois, só assim, poderemos garantir de fato
a existência de um Estado democrático de direito.

3.3. Os alvos preferenciais do sistema penal


O processo penal ocidental e moderno como um todo, e brasileiro em particular,
entretanto, parece está bastante afastado da ideia de redução de danos. As prisões cautelares,
assim, não são um instituto desvinculado, mas estão inseridas em um determinado processo
penal que lhe autoriza funcionar da forma que vem funcionando e que legitima seu uso. E
esse processo penal está inserido em um contexto maior: um Estado que o cria, e que
incentiva, respalda e permite as condições para o seu funcionamento.

18
Salo de Carvalho (2013b.), a partir dos elementos trazidos no livro "Direito Penal Brasileiro" de Zaffaroni,
Batista, Alagia e Slokar (ZAFFARONI; et al., 2011), sintetiza os pressupostos da teoria agnóstica da pena como
os seguintes: em primeiro lugar, a pena teria um fundamento político, politizando a questão penal; nesse sentido,
nega a neutralidade do poder punitivo, neutralidade esta que contribui para o obscurecimento da seletividade
penal. O segundo pressuposto de uma teoria agnóstica da pena é de reconhecer que a real função da pena, mesmo
nos Estados democráticos de direito, é a de controle social de determinados segmentos da sociedade. O terceiro
pressuposto seria o de reconhecer que, não obstante case em muitos aspectos com as teorias abolicionistas e
deseje como fim a superação da pena criminal, a pena é hoje ainda um fenômeno político impossível de ser
suprimido. O quarto e último pressuposto é que embora insuprimível, a pena é um fenômeno que precisa ser
contido.

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Nesse contexto, a ideia de inimigo tem sido usada para negar a certos indivíduos a sua
condição de pessoa, negação essa que ocorre não pela simples retirada de direitos, mas pelo 201
fundamento empregado para essa retirada: os direitos lhe são negados porque o indivíduo é
considerado um ente perigoso (ZAFFARONI, 2011).
Entretanto, embora a ideia de inimigo tenha sido aplicada em diversos lugares19, a
América Latina aplica isso de maneira peculiar, pois, segundo o professor Zaffaroni (2011) é
aplicado aqui a quase todos aqueles que caem na malha do sistema penal. O inimigo, neste
caso, mais do que punido, necessita ser contido. E, na América Latina, uma vez que quase
todos os "criminosos" são também inimigos, as medidas de contenção são aplicadas
indiscriminadamente, mais até que as penas - cercadas das garantias liberais.
E o que seria a prisão cautelar se não a "mera contenção" de alguém? Afinal, se não há
um processo penal finalizado (ou seja, com sentença transitada em julgado), ainda não há o
legítimo poder de punir do Estado. Existe aí uma confusão entre coerção direta e pena
(ZAFFARONI; et al, 2011). A coerção direta é um exercício de contenção da prática de um
ato lesivo, ou seja, ela serve para impedir que alguém continue a praticar um ato criminoso no
momento dessa prática. E é legítima nesse casos, mas, não é válida uma vez findo esse
suposto ato lesivo. Qualquer atuação para além disso, é um exercício do poder punitivo, ainda
que ilegítimo. A prisão cautelar seria, assim, uma das formas de burlar as garantias liberais
previstas no direito e processo penal, de modo a "conter" os "inimigos".
Uma rápida análise dos dados relativos ao encarceramento cautelar na América Latina
revela uma situação aterradora: em 2008, segundo a obra "Cárcere e Justiça Penal na América
Latina e Caribe" (CARRANZA, 2009), 79% dos presos na Bolívia estavam presos antes da
condenação, assim como 76% dos presos no Uruguai e 70% no Paraguai20.

19
Basta ver as legislações referentes a terrorismo nos EUA que retiram dos supostos terroristas os direitos e
garantias processuais e constitucionais mais básicos. Segundo nos conta Gabriel Ignacio Anitua (2008): "Na
chamada 'Lei Patriótica' (2001), aquele até então bastião dos direitos civis e políticos - só para os seus cidadãos,
e concretamente para os homens e os brancos -, foram introduzidas medidas 'de exceção' que restringem por
quatro anos garantias e princípios que, em si mesmos, distinguem o que é um Estado de direito do que não é."
(p.779)
20
Interessante observar, que o critério utilizado nesta pesquisa para se classificar presos "sem condenação",
foram presos que sequer tinham sentença em primeira instância. Aqueles que, mesmo com apelação pendente, já
tinham sido condenados em primeiro grau, foram computados como condenados. Ou seja, se considerarmos que,
pelo princípio da presunção da inocência, condenado é só aquele com sentença transitada em julgado, a situação
pode ser muito pior.

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Como característica geral, a realidade penitenciária dos países na América Latina é
muito grave, com multiplicidade de delitos e violações flagrantes e contínuas dos direitos 202
humanos que têm lugar, paradoxalmente, no seio dos sistemas de justiça penal.
No Brasil, essa situação não é diferente: de um total de 537.790 21 encarcerados22, cerca
de 40% pessoas encontravam-se presas provisoriamente. Isso significa que mais de 215 mil
cidadãos brasileiros encontram-se encarcerados sem uma sentença transitada em julgado, em
clara violação ao disposto na nossa Constituição Federal, conforme já dissemos.
No Brasil, a história do poder punitivo é especialmente violenta e os momentos em que
este foi expresso sem truculência constituem exceções (BATISTA, 2010). O abuso das
prisões cautelares representa hoje uma das principais formas encontradas para o exercício
desse poder punitivo, pela sua - aparente - legalidade. Nosso objetivo é entender se não
haveria para determinados grupos sociais - aqueles pertencentes as camadas mais baixas -
uma espécie de Estado de Exceção23 que se tornou permanente, respaldado por um direito
penal permanentemente emergencial.
Para ver isso, faremos agora uma análise simples de alguns dados relevantes, o quão
seletivo é o sistema penal brasileiro e a centralidade dos processos de seleção para uma das
mais importantes funções reais do sistema penal: o controle de determinados segmentos da
sociedade.
Sobre quem recaíram os rótulos foi algo que variou ao longo dos vários momentos na
história. Segundo o professor Zaffaroni (2011), a escolha desses inimigos é feita dentre
aqueles considerados mais perigosos a hierarquização social. Assim, ele foi o herege, a bruxa,
o comunista e o traficante. No Brasil de hoje, conforme mostraremos através de dados, ele é
homem, negro, jovem e subescolarizado, preso por tráfico ou crimes contra o patrimônio24.

21
Esse número desconsidera presos em delegacias, pois em relação a estes não há informações sobre a situação
de provisoriedade ou não das prisões. Computando-se estes, o Brasil possuía, em 2013, um total de 574.027
presos de acordo com as estatísticas oficiais. Ressalte-se que, embora o Ministério da Justiça já tenha divulgado
os dados de 2014, estes ao tempo de fechamento deste trabalho ainda eram parciais, estando os dados de 2013
mais completos.
22
Fonte: BRASIL, Ministério da Justiça. 2013. Relatórios Estatísticos do Ministério da Justiça. Disponível em:
<http://www.justica.gov.br/seus-direitos/politica-penal/transparencia-institucional/estatisticas-
prisional/relatorios-estatisticos-analiticos-do-sistema-prisional>. Acesso em: 11/03/2016
23
O Estado que se apresenta sobre uma forma legal, daquilo que não pode ser legal (AGAMBEN, 2004).
24
Assim, a criação do "inimigo", está fortemente ligada à característica seletiva do sistema penal, que, por sua
vez, envolve o processo de criminalização. Este fenômeno - da criminalização - ocorre em duas etapas: em um
primeiro momento teríamos a criminalização primária que é aquela que ocorre quando os legisladores
selecionam as condutas que serão criminalizadas pelo direito penal (ZAFFARONI, E.R; et al., op. cit.). Já em

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Os dados do Ministério da Justiça nos permitem traçar um perfil dos cidadãos
encarcerados. O perfil aqui traçado apenas leva em conta os presos custodiados junto ao 203
sistema prisional (537.790), desconsiderando-se aqueles presos em unidades policiais, pois
em relação a estes não há dados específicos, como cor, idade, etc.
De acordo com os dados podemos traçar o seguinte perfil: a maior parte dos presos é
homem (94%), que encontra-se preso provisoriamente (40%) ou cumprindo pena no regime
fechado (41%). Este preso, em sua maioria, não fez ou não completou o ensino fundamental
(61%), possui menos de 30 anos (51%) e é negro ou pardo (57%). E, em sua grande maioria,
está preso em razão da - suposta - prática de um dos seguintes crimes: furto, furto qualificado,
roubo, roubo qualificado ou tráfico, que correspondem a 66% do total.
Essas seriam as "ilegalidades populares" - variáveis ao longo do tempo e do espaço - de
que fala Vera Batista (2003), que desde o séc. XVIII são o principal alvo do sistema penal. A
necessidade de punir essas ilegalidades é a forma encontrada para conter as transgressões da
lei praticadas pelas classes subalternas, e a prisão permite "diferenciar, arrumar e controlar as
ilegalidades" (BATISTA, 2003, p.51).
A professora Vera Andrade (2012) afirma - e muitos outros antes dela, como Rusche e
Kirchheimer, Michel Foucault e Melossi Pavarini, também o fizeram - que a principal função
real da prisão é o controle de classe; essa breve análise dos dados parece ser coerente com
essa afirmação.
E a prisão não somente segrega e exclui - ainda mais - seus habitantes: a prisão mata
também. Segundo a criminóloga Lola Aniyar de Castro (2010), as prisões são focos de
epidemias (AIDS, tuberculose, hanseníase e impaludismo, por exemplo), além dos altos
níveis de violência encontrado ali. Segundo Anitua (2010), as mortes por homicídios nas
prisões latino-americanas ocorrem em níveis vinte cinco vezes mais altos que na vida em
liberdade. Como afirma ainda a professora Vera Andrade (2012), os operadores do direito da

um segundo momento ocorreria a criminalização secundária, aquela exercida pelos policiais, poder judiciário e
agentes penitenciários, que selecionam as pessoas concretas a quem são imputadas as condutas ditas criminosas.
Através dos processos de criminalização, portanto, o poder punitivo pode determinar aqueles que estarão sujeitos
ao controle penal, e, com isso pode exercer um domínio sobre determinada parte da sociedade. Rotular o inimigo
é importante passo no exercício de uma das principais funções reais do sistema penal: a manutenção do status
quo. O processo de criminalização se dirige as camadas subalternas da sociedade, aqueles que se encontram mais
vulneráveis.

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América Latina, precisam tem em mente, que condenar alguém a prisão aqui "é condenar
alguém à pena de risco de morte indireta" (p.310). 204
Eugenio Zaffaroni (2001), inclusive, afirma que o genocídio é um dos objetos ausentes
na criminologia latino-americana. E o genocídio não se dá apenas por essa via indireta. A
seletividade aparece também quando olhamos os dados sobre homicídios no Brasil. No ano de
2012, o índice de vitimização negra25 foi de 146,5%. Ou seja, foram vítimas de homicídios
146,5% mais negros que brancos. Assim, o homem jovem e negro não é só aquele que mais
vai preso, mas também a principal vítima nos homicídios do Brasil (WAISELFISZ, 2014).
O professor Salo de Carvalho (2010) demonstra sua preocupação em situações com
esta: segundo ele o sistema penal sempre foi violento e teve como uma de suas funções reais a
beligerância, mas essa violência tende a se exacerbar - chegando a níveis não imagináveis -
quando o que antes era função real, vira também função declarada, com respaldo da mídia -
popularesca - e da população que clama por vingança e penas mais cruéis.

4. Considerações finais
Afirmar que o período atual do neoliberalismo - que propugna por um Estado mínimo -
representou o fortalecimento de uma das facetas estatais, a penal, pode parecer uma ideia
contraditória. Mas, conforme afirma Foucault (2008), as condições de segurança são o inverso
e a própria condição do liberalismo. O descrédito do Estado em suas diversas outras áreas de
atuação - como educação e saúde, por exemplo - faz com da segurança pública a sua tábua de
salvação, justamente pela funcionalidade destas políticas a este modelo de organização
política e econômica.
A prisão cautelar tem sido nesse contexto a principal resposta do Estado aos problemas
advindos da questão criminal, ao menos no que tange a realidade brasileira. A lógica é que
sem uma prisão imediata não há "justiça", conforma alardeiam os noticiários de caráter
popularesco-sensacionalista ou não.

25
"(...)[A vitimização negra] resulta da relação entre as taxas brancas e as taxas negras. Assim, em determinado
ano, se a vitimização negra foi de 73,0%, significa que, proporcionalmente, morreram 73,0% mais negros que
brancos. Em valor zero indica que morrem proporcionalmente o mesmo número de bancos e de negros. Valores
negativos indicam que morrem, proporcionalmente, mais brancos que negros." (WAISELFISZ, J. J (Org.).
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PANÓPTICA
Ao assumir um dos lugares centrais de exercício do poder punitivo hoje, as prisões
cautelares acabam por dar legitimidade a prática do exercício arbitrário do poder punitivo, por 205
parte do Estado, uma vez que, a lógica da cautelaridade, ao diminuir garantias e
descaracterizar o processo penal, desloca a sua função de ser o contentor do poder punitivo
estatal e passa a ser essencial para o exercício e fortalecimento deste poder.
Assim, foi possível concluir que a relação entre a cautelaridade e controle social - cada
vez mais escancarado e violento - é muito mais íntima do que sugere o discurso jurídico
tradicional sobre o tema. As prisões cautelares parecem exercer um papel político central no
controle de determinadas camadas da população e responder ao clamor criminalizante da
sociedade e da mídia.
A lógica das cautelares e seu abuso passam uma importante mensagem: o Estado pode
punir independente de um processo penal, ou como disse Ferrajoli (2010) "(...) se pune
processando." (p.716). Isso faz parecer que o processo penal é supérfluo, assim como todas as
garantias que supostamente assegura. Somando-se isso à lógica bélica do inimigo, que é uma
"não-pessoa", a situação ainda se agrava mais: o processo e as garantias penais não são só
supérfluos, como também não devem ser aplicados àqueles que não merecem tratamento de
pessoas. Direitos e garantias são feitos para pessoas; e ao que tudo indica criminosos não o
são. Afinal, de acordo com um conhecido bordão brasileiro, "bandido bom é bandido morto".
Mas, se o processo penal não pode deixar de existir - pois isso seria assumir de maneira
completamente escancarada o caráter autoritário do Estado - ele precisa ser reformulado para
se adequar a essas demandas de excesso punitivo. Assim, o processo e o direito penal que
deveriam ser barreiras ao exercício do poder punitivo estatal, passam a ser "mecanismos
agregadores de beligerância" (CARVALHO, 2010, p.79).
Nesse sentido é que trazemos de volta a discussão da teoria agnóstica da pena e sua
necessária aplicação ao processo. Em um contexto como o do poder punitivo latino-
americano, violento, cruel e arbitrário, a redução de danos de que fala Zaffaroni é
fundamental. E pensar um processo que sirva para conter o poder punitivo, e não legitimá-lo,
também o é.
A prisão aqui, mais do que nos países centrais, seria a "ultima segregatio" do indivíduo
que passou a vida segregado nas regiões marginalizadas das cidades, a última etapa do longo
caminho da exclusão que já acompanharia essas determinadas figuras por toda a vida. Esses

BARRETO, Ana Luisa Leão de Aquino. Cautelaridade penal ou controle social? Um olhar crítico sobre as
prisões cautelares no Brasil. Panóptica, vol. 11, n. 1, pp. 184-210, jan./jun. 2016.
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indivíduos passam a sua vida à margem - espacial, social e economicamente - nas favelas ou
guetos - a nova roupagem das instituições de sequestro coloniais - e quando agem fora da 206
"normalização" esperada, são colocados nas "solitárias", as prisões.
O Estado de exceção criado para conter o inimigo na América Latina legitima todo um
sistemas penal subterrâneo (ANYIAR DE CASTRO, 2005), que inclui genocídios e homicídios,
legitimados direta ou indiretamente pelo Estado. E, nesse contexto, a prisão cautelar cumpre
um papel essencial, ao flexibilizar as possibilidades de prisão, violando direitos e garantias, e
vulnerabilizando ainda mais aqueles que já são vulnerabilizados
As prisões cautelares têm funcionado hoje como a brecha - ou, porque não dizer, rombo
- que o Estado encontrou para exercer o controle social violento sob determinadas classes
sociais de forma "legal". A lógica da cautelaridade é mais um fator que legitima uma lógica
violenta e arbitrária de punição ao passar a mensagem de que "criminosos" - condenados ou
não - não são "merecedores" de direitos e garantias. Com isso, legaliza-se a ideia de que
qualquer forma de violência pode ser praticada contra esses supostos criminosos, inclusive os
homicídios perpetrados por policiais.
Ressalte-se que, do nosso lado da margem, o exercício do poder punitivo sempre teve
como característica uma violência mais visível (ZAFFARONI, 1988), que aquela dos países
de jardins ordenados (ZAFFARONI, 2012). Conter essa violência aqui, então, nos parece
assim essencial, sem, contudo, incorrer na legitimação do sistema penal.

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