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Infraestrutura verde pode reduzir enchentes em bacias que passam por

urbanização acelerada
Proposta de pesquisadores da Escola de Engenharia de São Carlos e do Instituto de
Arquitetura e Urbanismo é usar um conjunto de soluções que visa a integrar as cidades com
a natureza a fim de reduzir os impactos ambientais

Pesquisadores da USP desenvolveram um estudo teórico a partir da microbacia do


Córrego do Mineirinho, no município de São Carlos, interior de São Paulo, para analisar
vários cenários possíveis de intervenção e averiguar quais seriam as melhores alternativas
para o enfrentamento de enchentes em bacias hidrográficas que passam por um processo de
urbanização. Segundo o levantamento, uma das alternativas seria a adoção de infraestrutura
verde, um conjunto de soluções que visa a integrar as cidades com a natureza a fim de reduzir
os impactos ambientais.
O objetivo do trabalho foi reunir pesquisas e outros referenciais teóricos já existentes
sobre a microbacia e analisar cenários para averiguar quais seriam as melhores alternativas de
intervenções. Considerando os fatores ambientais, sociais e econômicos da região, as medidas
passíveis de serem implementadas envolvem a priorização de serviços hidrológicos
fornecidos por infraestruturas verdes, como a construção de biovaletas (depressões lineares
formadas por vegetação) para aumentar a infiltração de água no solo e evitar o escoamento
superficial, renaturalizando o ciclo da água e amenizando os impactos dos processos de
urbanização acelerada. Outras intervenções apontadas pelo estudo são:
- Reflorestamento, descompactação dos solos e armazenamento de vazão;
- Adequações de áreas de estacionamento;
- Instalações de telhados verdes e alternativas similares;
- Ações de arborização;
- Construções de corredores verdes, praças com cobertura vegetal e valas de infiltração.

O artigo que descreve o estudo foi publicado em abril na Revista Brasileira de


Geografia Física. Produzido por estudantes de pós-graduação da Escola de Engenharia de São
Carlos (EESC) da USP, o trabalho teve colaboração do professor Marcel Fantin, do Instituto
de Arquitetura e Urbanismo da USP, em São Carlos (IAU), e contou com recursos da
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).
De acordo com o levantamento, a região da bacia do Mineirinho passa por um
processo de urbanização acelerada na fronteira urbano-rural, uma situação comum em centros
urbanos em desenvolvimento do interior do Estado de São Paulo. Em 1985, a área urbanizada
representava pouco mais de um quilômetro quadrado (km²); em 2020, passou a 4 km². As
consequências disso são as perdas de atributos naturais, a impermeabilização do solo, a
remoção de vegetação, o adensamento populacional, o aumento da vazão superficial em
eventos chuvosos e o consequente aumento da chance de ocorrência de inundações nos vales
urbanos.
Avanço da urbanização e perda de habitat: desequilíbrio da natureza tem reflexos
diretos, e severos, nas atividades humanas
Um dos impactos citados por especialistas é o surgimento de escorpiões, mosquitos e
roedores nas áreas sujeitas a intervenções antrópicas, com suas consequências na saúde
pública.

Se uma cidade crescer sem considerar as áreas florestadas e a diversidade, em alguma


ocasião a população vai sentir consequências. O desequilíbrio da natureza reflete nas
atividades da cidade e da agricultura. Em meio à urbanização, é preciso encontrar meios de
conviver, seguir leis, fazer compensações e se atentar a impactos que possam ser provocados a
curto, médio e longo prazos.
Nesta semana, o g1 Presidente Prudente e Região traz uma série especial com seis
reportagens exclusivas sobre a urbanização e os impactos ao meio ambiente, com dados
referentes a aumento de imóveis; integração da natureza e da população; educação ambiental;
ocorrências envolvendo animais silvestres; compensação ambiental; e considerações do setor
imobiliário.
“Na natureza, tudo é sistêmico, cada atributo do espaço responde a uma série de
pressões, de interações com os demais atributos, se adapta a eles, e também desempenha um
papel importante para os demais atributos”, destaca o professor doutor José Mariano Caccia
Gouveia, da Universidade Estadual Paulista (Unesp).
Especialista em sustentabilidade e biogeografia, Gouveia cita uma área florestada em
fundo de vale para exemplificar a afirmação ao g1. “Acompanhando um curso d’água, naquilo
que o Código Florestal define como APP, Área de Preservação Permanente, essa vegetação
desempenha vários papéis importantes na continuidade dos processos ecológicos”, disse.
Tais processos ecológicos têm relação com a qualidade de água, o assoreamento de
cursos d’água, a energia com que a água se desloca nos períodos de chuva intensa e o fluxo
genético. Enfim, “toda uma complexidade ambiental”.
À medida em que o solo é impermeabilizado para uma construção, ambientes naturais
são suprimidos e, com isso, é afetada a intensidade com que acontecem determinadas
dinâmicas naturais. “Quando você altera o meio de uma forma intensa, você vai trazer
impactos sobre cada componente daquela paisagem, daquele espaço”, complementou
Gouveia.
“Essa relação sociedade e natureza não cria nenhum processo novo, não intervém nas
dinâmicas naturais criando novas situações. Na verdade, ela só altera os ritmos daquilo que já
existe. Então, alguns processos são acelerados muito intensamente, outros são retardados e
alguns são inibidos, mas nada de novo se cria”, acrescentou ao g1.
Um impacto é o clima, segundo exemplo do professor doutor. “Você percebe
nitidamente as temperaturas muito mais elevadas nas áreas de maior densidade de construção,
porque absorve energia, retém energia, tem menor circulação de ar”, argumentou.

Ainda sobre as impermeabilizações de solo, Gouveia retomou que são afetados o


microclima e os recursos hídricos.

“Você está deixando de permitir que a água infiltre, que mantenha nascentes, que faça uma
reserva de água superficial pra manter os cursos d’água nos períodos de estiagem que aqui são
muito intensos, a gente faz com que toda a enxurrada chegue instantaneamente ao fundo de
vale e esse fundo de vale tem sua capacidade de drenagem limitada. Então, você traz um
desequilíbrio que vai se manifestar não só nessas dinâmicas naturais relativas a relevo, solo,
hidrografia, clima, mas também, talvez principalmente, sobre a biosfera, os organismos que
estão aqui. Aí a coisa fica mais complexa, porque nós estamos afetando relações ecológicas
complexas que buscam um equilíbrio dinâmico sempre e que sustentam a biodiversidade”,
explicou ao g1.
Projeto que permite adoção de espaços públicos pela iniciativa privada será
reformulado em Caxias do Sul
Criado em 2014, o Floresça Caxias foi encaminhado para reformulação em 2017, mas
debates estavam parados desde 2018.

O Projeto Floresça Caxias, que permite a adoção e revitalização de espaços públicos


para tornar o município mais atrativo, está sendo reestruturado pela administração
municipal de Caxias do Sul. A reformulação é realizada por meio da vice-prefeita,
Paula Ioris, da Secretaria Municipal do Meio Ambiente (Semma) e da Secretaria
Municipal do Planejamento (Seplan), juntamente com a contribuição do Vivacidade,
um programa que realiza ações, projetos e iniciativas que revitalizam espaços urbanos.
A intenção é que, em breve, as adoções sejam retomadas.
O projeto, instituído em agosto de 2014, é gerenciado pela Semma e prevê a
cooperação entre o município e a sociedade para a adoção de espaços em áreas verdes
públicas. Segundo a coordenadora de legislação da Semma, Luzia Oss, o Floresça
Caxias foi enviado para reformulação em 2017, mas não teve nenhum andamento
desde 2018.
O objetivo agora é discutir uma nova legislação, que leve em conta as demandas do
município e do setor privado, buscando facilitar o processo e torná-lo menos
burocrático.
— Estamos tentando simplificar o processo para garantir o maior número de
adoções possíveis tanto de canteiros, áreas públicas, quanto de praças e parques —
destaca.
No projeto anterior, a maior parte das adoções se limitava aos canteiros e jardins.
Na época, foram regularmente adotados 146 canteiros. Agora, o objetivo é ampliar
este número e disponibilizar outros tipos de áreas para a adoção como parques, praças
e jardins, rótulas, viadutos, bem como outras áreas passíveis de ajardinamento ou
arborização urbana.
Segundo dados do Inventário Municipal de Arborização Urbana, realizado em 2016,
Caxias do Sul possui cerca de 589 áreas verdes. Exceto as de preservação, as outras
áreas poderão ser disponibilizadas para adoção.
— A Semma tenta dar conta de todas, mas como a cidade é muito grande isso nem
sempre acontece. A intenção da adoção é garantir que a manutenção fique sempre em
dia e a cidade mais bonita para a população — explica Luzia.
Para que o projeto seja capaz de se autossustentar, a legislação está sendo analisada
para que possa permitir a utilização das áreas para uso de serviços como a inclusão de
barracas, bancas de flores, etc. Essa medida irá garantir verbas para manutenção, bem
como atrair ainda mais as pessoas e empresas a participarem.
Enquanto o projeto tramitava para reformulação, a coordenadora revela que as
empresas privadas que participavam do Floresça Caxias anteriormente continuaram
preservando os espaços, mesmo sem a renovação oficial.
— Naquilo que o poder público não consegue fazer sozinho, é importante ter o
auxílio do setor privado para ajudar a população a utilizar esses espaços de forma
efetiva e segura — ressalta.
Contato com a natureza traz benefícios para a saúde, comprova a ciência.
Análises feitas em pesquisas recentes estimulam a criação de mais parques e jardins nas
grandes cidades.

Provavelmente nenhuma situação na história recente enalteceu tanto a necessidade do


contato com a natureza como a pandemia de Covid-19. Durante as restrições de circulação,
moradores das cidades encontraram em parques e jardins uma fonte de calma e alegria. Essa
sensação boa que nos preenche ao sentir o cheiro da grama, olhar para as árvores ou ouvir o
barulho da água é mais do que uma percepção. Como demonstra uma coleção de novos
estudos, são benefícios claros de que a natureza faz bem. Tanto é assim que, em movimento
conjunto com a ciência médica, o urbanismo se mobiliza para que ela ganhe mais espaço entre
prédios e ruas, facilitando o acesso à chamada verdeterapia.
A mais recente evidência sobre o tema, publicada neste mês no The World Journal of
Biological Psychiatry, mostrou que ficar mais tempo ao ar livre altera até mesmo a estrutura
cerebral, aumentando a massa cinzenta no córtex pré-frontal, região envolvida no
planejamento, na regulação das ações e no desempenho cognitivo. É a constatação de que
essas funções trabalham de modo mais adequado quando passamos mais tempo em ambientes
arejados. O leque de condições para as quais a natureza serve de remédio é enorme. E quem
comprova são instituições respeitadas internacionalmente, como a Universidade Harvard, nos
Estados Unidos, cujos cientistas verificaram que morar perto de bosques, parques e jardins
está associado a maior longevidade. "Estar em contato com a natureza pode realmente
melhorar aspectos da nossa saúde, principalmente a mental", diz a neurocientista Elisa
Kozasa, do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo.

O benefício é tão impactante que "passar mais tempo na natureza" se tornou prescrição
médica em diversos países. Na Escócia, os médicos podem receitar observação de pássaros e
caminhadas na praia para ajudar no tratamento de doenças psiquiátricas, cardíacas e do
diabetes. Na Coreia do Sul, o governo está estabelecendo dezenas de florestas curativas para
seus cidadãos estressados. A prática também é indicada como terapia no Japão, onde recebe o
nome de banho de floresta. Dados assim sustentam uma nova visão de planejamento
urbanístico, que agora leva em consideração o poder terapêutico do verde. "O movimento
cidades biofílicas recomenda disponibilizar uma área verde a cinco minutos da casa das
pessoas", diz Pérola Felipette Brocaneli, professora de paisagismo da Universidade
Presbiteriana Mackenzie. "A vegetação sai de uma visão funcional para ser vista mais como
um ser vivo com o qual as pessoas se relacionam. Esse conceito tem por base a biofilia, teoria
do biologo Edward O. Wilson segundo a qual o cérebro humano foi moldado para responder
positivamente à natureza. Difícil duvidar disso. Um estudo feito no Canadá revelou que
adicionar apenas dez árvores em cada quarteirão da cidade teve um impacto na percepção das
pessoas sobre sua saúde e bem-estar equivalente ao de um acréscimo de 10 000 dólares na
renda familiar. Como afirmou a jornalista e escritora americana Florence Williams, na Obra
The Nature Fix: Why Nature Makes Us Happier, Healthier, and More Creative: "A natureza,
ao que parece, é boa para a civilização".

Publicado em VEJA de 28 de julho de 2021, edição n° 2748

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